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Instituto Superior de Ciências Sociais e PolíticasSeminário
Licenciatura em Ciências da ComunicaçãoAno Lectivo 2008/2009
Seminário
O cinema documental como fonte de informação – a percepção dos espectadores
Orientadora: Mestre Raquel Ribeiro
José Miguel Sardinha Santos AlmeidaN.º 206098 – 3º Ano29 de Maio de 2009
Instituto Superior de Ciências Sociais e PolíticasSeminário
ÍNDICEI – INTRODUÇÃO.....................................................................................................................3
1. INTRODUÇÃO......................................................................................................................3DISCUSSÃO DO ESTADO DA ARTE.....................................................................................................5
II – ENQUADRAMENTO TEÓRICO.......................................................................................7
1. O NASCIMENTO DO DOCUMENTÁRIO..........................................................................7
2. O DOCUMENTÁRIO E OS OUTROS GÉNEROS CINEMATOGRÁFICOS...................10
3. OS DIFERENTES TIPOS DE DOCUMENTÁRIO.............................................................12
4. O DOCUMENTÁRIO EM PORTUGAL.............................................................................144.1. O DOCUMENTÁRIO EM PORTUGAL: ALGUNS DADOS............................................................17
5. INDÚSTRIAS CULTURAIS E CONSUMO DE FILMES..................................................19
6. PERCEPÇÃO DA IMAGEM...............................................................................................21
III – OPÇÕES METODOLÓGICAS E ANÁLISE DOS DADOS...........................................24
1. OPÇÕES METODOLÓGICAS............................................................................................24
2. ANÁLISE DOS DADOS......................................................................................................29
IV - CONCLUSÕES.................................................................................................................42
1. CONCLUSÃO......................................................................................................................42
BIBLIOGRAFIA......................................................................................................................46
FILMOGRAFIA.......................................................................................................................47
SÍTIOS DA INTERNET...........................................................................................................48
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Instituto Superior de Ciências Sociais e PolíticasSeminário
I – INTRODUÇÃO
1. INTRODUÇÃO
Este Seminário tem como tema o cinema documental e centra-se, essencialmente, no entendimento
que o espectador tem de um filme documentário.
Os motivos que me levaram à escolha do assunto da minha dissertação foram variados. Inicialmente,
a minha principal intenção era apenas a de colocar uma questão sobre a qual nunca ninguém antes
se tivesse debruçado. Ainda que as opções fossem bastante vastas, tanto pelo número de possíveis
áreas de estudo em que o meu trabalho se poderia centrar bem como pelo facto de haver constantes
desenvolvimentos no sector da comunicação colocando-se, consequentemente, novas interrogações,
tive sempre presente uma clara preferência pela área da informação incluindo os meios pela qual ela
é veiculada.
Considerando tudo isto, vi o cinema como o objecto de estudo ideal por ser, de entre todos os os
meios de comunicação de massa, o menos analisado e sobre o qual resistem ainda muitas hipóteses
por estudar. Seria, no entanto, impraticável propor-me a um trabalho que abrangesse todo o cinema
e, assim, optei por restringir o âmbito da minha dissertação ao cinema documental.
Este terá sido, porventura, o passo mais fácil enquanto me debatia com a escolha do assunto da
minha tese dado que o cinema documental é um género cinematográfico quase autónomo do cinema
tradicional, dito ficcional. A este interesse que, reconheço, é em grande parte pessoal dado não ser
somente um amante do cinema mas igualmente por me deter, desde há muito, com algumas
interrogações que pretendo ver respondidas com este trabalho, alia-se a actual conjuntura da
sociedade da informação que se prende com a diversificação e multiplicidade das fontes de
informação e conhecimento.
Dadas as suas especificidades, o documentário seria, por si só, extremamente interessante de
estudar mas ocorreu-me, em concreto, que talvez fosse possível estabelecer uma relação entre o
documentário e as fontes de informação tidas habitualmente como válidas como sendo a imprensa
escrita ou o jornal televisivo.
Continuaria, ainda assim, a ser ousado da minha parte colocar a resolução de uma questão científica
desta natureza dentro dos meus limites académicos, económicos e pessoais. Conjugando todos estes
factores, decidi-me a analisar a percepção do público relativamente ao cinema documental.
Especificamente, pretendo perceber se o espectador do cinema documental se sente cabalmente
informado pelo filme.
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Desta forma, proponho-me, através de diferentes técnicas de recolha de dados, que analiso
pormenorizadamente mais adiante, a estudar se o público valoriza o cinema documental como uma
fonte de informação válida e credível. Assim nasce a minha pergunta de partida: “o cinema
documental, dadas as suas especificidades, é um género cinematográfico entendido e procurado
pelos espectadores como uma fonte de informação válida e credível?”.
Para concretizar a minha intenção académica defini alguns objectivos que encerram em si o essencial
da minha pesquisa. Para uma melhor compreensão dos objectivos seguintes, defini que iria fazer
inicialmente a distinção entre o documentário e os outros géneros cinematográficos e, de uma forma
mais aprofundada, fazer a distinção entre os diferentes tipos de documentário.
De seguida, estabeleci os objectivos relativos à produção, realização e distribuição do filme
documental. Estes, ainda que sejam secundários em relação aos objectivos que se prendem com o
entendimento dos espectadores, são importantíssimos na medida em que me irão permitir saber,
entre outras coisas, quais as motivações dos realizadores à partida, isto é, se o documentarismo é
feito com uma intenção informativa, de entretenimento ou qualquer uma outra; quais os instrumentos
técnicos utilizados pelos realizadores e ainda saber se os filmes que realizam têm um público-alvo
definido. Pareceu-me igualmente importante descortinar quais os temas tratados nos filmes
documentais e, dessa forma, proponho-me a analisar os dados dos filmes de documentário exibidos
em Portugal nos últimos dois anos.
Por fim, defini os objectivos relacionados com a percepção dos espectadores. Primeiro, a minha
intenção é fazer a análise das motivações dos espectadores para a visualização de um documentário
escolhendo, para este efeito, diferentes obras. De seguida, perceber se o espectador vê o filme
documental como uma representação ou reprodução da realidade (diferença que analiso adiante de
forma mais pormenorizada), saber se os espectadores se sentem validamente informados pela
visualização de um filme documental (utilizando um dos exemplos de filme atrás referidos) e, por
último, estabelecer uma correlação entre o documentário e as outras fontes de informação.
Relativamente a este último ponto, convém defini-lo mais concretamente para um mais fácil
entendimento. Assim, aquilo que no fundo pretendo perceber, é se o cinema documental é, para os
espectadores, tão válido como qualquer outra fonte de informação por eles reconhecida.
Os meus tópicos de investigação são uma consequência natural dos objectivos que pretendo atingir.
São eles:
“A produção e realização de um documentário são feitas com fins informativos ou de
entretenimento?”
“Os espectadores de documentários sentem-se informados pelo filme?”
Por fim, “O público considera o cinema documental como uma fonte de informação tão válida
como qualquer outra como seja, por exemplo, a televisão ou o jornal impresso?”.
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DISCUSSÃO DO ESTADO DA ARTE
Surpreendeu-me que o filme documental tivesse já sido, em Portugal, objecto de estudo de tantos
artigos e obras bibliográficas. Não me irei alongar a considerar – até porque entendo não ter ainda
legitimidade para o fazer – a validade e o rigor dessas obras. Farei, sim, um levantamento dessas
obras que me parece imprescindível tanto para o meu usufruto, enquanto investigador, como para o
leitor, para melhor se situar e, caso o entenda, complementar a sua leitura.
Começando por analisar os trabalhos realizados em Portugal que se debruçaram sobre este assunto,
há uma autora que se destaca claramente pelo número de obras publicadas, Manuela Penafria. A
docente na Universidade da Beira Interior tem publicado, além do livro “O Filme Documentário –
História, Identidade, Tecnologia” (1999), uma série de outros artigos de especial interesse. Um deles,
é o artigo de 2005, “Em Busca do Perfeito Realismo” onde a autora coloca em contraste duas
componentes do cinema, o Realismo e a Estética e ainda o artigo “O ponto de vista no cinema
documental” (2001) em que se foca a relação estabelecida entre o documentarista e os intervenientes
no filme. Outros trabalhos como “O filme documentário em debate: John Grierson e o movimento
documentarista britânico” (2005) ou “O Documentarismo do Cinema. Uma reflexão sobre o filme
Documentário” (2006) são excepcionalmente importantes para o entendimento da identidade do
documentário.
Estão ainda publicadas uma Tese de Pós-Graduação do curso de Comunicação Audiovisual da
Universidade do Porto, “O Documentário: o Desafio do Real” (2001) de Agostinho Alberto Carvalho
Serra e as obras “Cinema Documental: história, estética e técnica cinematográfica” (1982) de Manuel
Faria de Almeida e “O Documentário – A Gata Borralheira do Cinema” (1997) de Orlando Inocentes.
Em ambos os livros, faz-se um enquadramento histórico do documentário, define-se o que é e
descortinam-se ainda alguns processos de realização do filme documental.
Um trabalho que se aproxima do tema que abordo é a Tese de Seminário do curso de Comunicação
Social do I.S.C.S.P., de 2007, de Rute de Matos Verdade, “Conhecimento de entretenimento: filmes
históricos, biográficos e documentais como fonte de informação”. Nesta sua tese, a autora utiliza,
além do filme documental, outros dois géneros de filmes escolhendo um filme de cada categoria para
análise e, recorrendo à realização de inquéritos (ainda que a uma amostra muito reduzida), relaciona
a percepção que estes fazem do filme com o género em que está inserido e com uma série de
características pessoais. Como complemento, analisa também alguns processos psicológicos
relativos à imagem embora a autora se cinja à forma como a imagem é transmitida dando pouca
importância à forma como ela é recebida, ponto essencial da minha pesquisa.
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No resto do mundo, com especial ênfase no Brasil, EUA, Inglaterra e França, o cinema documental é
assunto recorrente e a multiplicidade de perspectivas, correntes e opiniões tornam-no um objecto de
estudo ainda mais apetecível para os teóricos do cinema.
O livro “Documentário, realidade e semiose – os sistemas audiovisuais como fonte de conhecimento ”
(2002) é a materialização da tese de doutoramento de Godoy de Souza e onde o autor propõe uma
nova Teoria do Realismo do Documentário legitimando-o como uma forma de investigação válida
acerca da realidade do mundo. Este é, portanto, o trabalho com mais pontos em comum com aquele
que pretendo desenvolver.
Destacaria ainda as obras “Introduction to Documentary” (1999) e “Representing Reality: issues and
concepts in documentary” (1991) de Bill Nichols que é, reconhecidamente, um dos maiores teóricos
do cinema documental e cujos livros são fundamentais para a compreensão do fenómeno do
documentário. O autor faz ao longo da sua obra uma abordagem ao tema de âmbito bastante vasto e,
aquilo que maior interesse me despertou, uma reflexão profunda sobre as fronteiras entre a ficção e a
realidade.
De resto, são inúmeras as obras que se remetem apenas à história do documentário ou a um período
desta e ainda aos processos de realização de um filme documental não as individualizando, por isso,
neste capítulo. Ainda assim, a título de exemplo, refiram-se obras como o livro de William Rothman,
“Documentary Film Classics” (1997), “Non Fiction Film – A Critical History” (1992) de Richard Barsam
e ainda “Directing the Documentary” (1998) de Michael Rabiger.
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II – ENQUADRAMENTO TEÓRICO
1. O NASCIMENTO DO DOCUMENTÁRIO
É importante, ainda antes de penetrar pelos meandros do documentário, concretizar que “..o cinema
não deixou de caminhar para o realismo. Entendamos, grosso modo, que quer dar ao espectador
uma ilusão tão perfeita quanto possível da realidade...” (BAZIN, 1992, p. 286). De facto, o cinema,
paralelamente à fotografia e, em última análise, a todas as outras formas de arte, tinha uma clara
intenção de dar ao espectador a visão da realidade, tal como ela é.
Poder-se-ia afirmar que os filmes realizados pelos irmãos Lumiére no fim do século XIX como por
exemplo “A Chegada de um Comboio” (1895), “O Jardineiro” (1895) ou “Alimentando um Bébé”
(1895) estavam já perto daquilo que viria a ser mais tarde denominado de documentário. Um dos
termos utilizado para os definir – documentaire - era sinal disso mesmo. O ponto essencial destes
pequenos filmes, gravados de uma vez só e que mostravam actividades diárias, parte da realidade,
sem o recurso a quaisquer deturpações técnicas era o facto de as imagens serem registadas in loco,
isto é, na primeira pessoa. Esta é uma das bases essenciais para a concretização da definição de
documentário.
No entanto, ainda que a história do documentário esteja intimamente ligada à história do cinema –
aspecto com que me debato mais tarde - seria errado considerar coincidente o nascimento do cinema
com o nascimento do documentarismo, a prática fílmica do documentário. De facto, aquilo “que
nasceu com o cinema foi o princípio de toda a não-ficção...” (PENAFRIA, 1999, p. 38). O
documentário é então parte integrante da não-ficção tendo esta última um espectro mais alargado
incluindo outros estilos como, por exemplo, a reportagem.
O desenvolvimento de técnicas de montagem trouxe consigo novas possibilidades que impulsionaram
o cinema ficcional que teve no filme “Uma viagem à Lua” (1902) de Georges Méliè, a sua primeira
experiência. Como consequência, os filmes de actualidade (outro nome dado aos documentaires)
passaram para um segundo plano até ao período da pós-guerra.
É difícil encontrar um concenso entre os diferentes autores para o nascimento do documentário
havendo quem considere, como Nichols, que “...no one set out to build a documentary film tradition.
No on set out to invent documentary film as such.” (NICHOLS, 1999, p. 82). Para o autor, existem,
isso sim, filmes e correntes cinematográficas que contribuíram, cada uma com determinado aspecto,
para a concretização do documentário enquanto género cinematográfico válido e autónomo, o que
apenas veio a acontecer no início dos anos 30.
São filmes como “Nanuk, o Esquimó” (1922) de Robert Flaherty e o “O Homem da Câmara” (1929) do
russo Dziga Vertov que “...abrem caminho para a afirmação da identidade do filme documentário e do
documentarista” (PENAFRIA, 1999, p.39).
No caso do primeiro, retrata-se a vida de Nanuk, um nativo esquimó e a sua família, de forma a
recriar a vida do povo inuit, antepassados de Nanuk: onde viviam, como viviam, o que caçavam e que
instrumentos utilizavam etc. Flaherty utiliza alguns “truques” como o ter filmado em apenas metade de
um igloo para ter luminosidade suficiente para a gravação de imagens e ainda o facto de toda a acção
se passar no Norte do Canadá e não no Ártico, local de origem dos esquimós inuit, mas é
inquestionavél o valor documental da sua obra. Foi este filme que deu início a uma série de outros
(“Cimbo e Congorilla” ou “La Croisière Noire”) onde se abordava os modos de vida de um povo
longíquo. Estes filmes são dotados, para André Bazin, de uma característica especial que apelida de
“exotismo”.
Vertov, por sua vez, destaca-se pela sua recusa em usar actores, guarda-roupa e cenários que não
fossem naturais. Para fazer este filme, o realizador deambula pela cidade registando actos
espontâneos das pessoas, o decorrer normal da sua vida. O contributo de Vertov tem igualmente que
ver com o nascimento de uma corrente cinematográfica que apelidou de “cinema-olho”. O cineasta
russo via a câmara como um olho mecânico e entendia que as potencialidades da montagem no
resultado final do filme eram verdadeiramente positivas. Para ele, só assim se obteria a coerência das
imagens registadas in-loco dando-lhes, através de diferentes combinações, um significado cujo fim
último era a verdade, a realidade se quisermos, das imagens registadas.
Uma das épocas de ouro do cinema, o neo-realismo italiano dos anos 20 foi igualmente importante
neste processo. Os filmes desta altura têm como principal característica o tratamento de temas
actuais, muitas das vezes de teor revolucionário, consequência natural do clima pós-guerra e o facto
de os actores serem não-profissionais proporcionando aos “(...) filmes italianos (…) um valor
documental excepcional (...)” (BAZIN, 1992, p. 279).
Qualquer um destes momentos da história do cinema – os filmes de actualidade dos irmãos Lumiére,
o cinema soviético cujo expoente máximo é Vertov, os filmes de teor “exótico” (assim apelidados por
Bazin) e ainda o neo-realismo italiano – poderiam ser considerados como o início do
documentarismo. No entanto, ainda que já existissem filmes a que poderíamos chamar
“documentários”, ninguém tinha definido uma identidade para esse tipo de filmes.
É John Grierson, em 1926, que delimita o enquadramento do documentário pela primeira vez ao
referir-se ao filme “Moana” (1925) de Robert Flaherty como tendo um valor documental. O pai da
Escola Documentarista Inglesa afirma, na sua obra “First Principles of Documentary” que “…o
documentário ocupar-se-ia de histórias verídicas e de acontecimentos verídicos”. Muito sucintamente,
aquilo que Grierson estabelece é que o filme de documentário é a documentação de um
acontecimento verídico, de uma história verídica através de sons e imagens em movimento.
Classificando o documentário como um género superior relativamente aos géneros ficcionais pela sua
estreita relação com a realidade, distingue-o igualmente dos outros filmes que faziam o registo das
imagens in loco, os filmes de actualidade também apelidados de lição ilustrada pelo facto de estes se
limitarem à exposição de factos, não dramatizando. Uma definição de documentário proposta por
Grierson prende-se exactamente com este último aspecto, “o tratamento criativo da realidade”. Assim,
pressupõe-se que o realizador não seja somente o meio pelo qual são captadas as imagens mas que
este tenha um papel activo, interpretando o que vê, dando-lhe um cunho pessoal.
Para Grierson, o documentarista era um artista e o documentário um género superior. A sua Escola
seguia no entanto um princípio que é actualmente desnecessário para que um filme se defina como
documentário. A saber, era necessário que o filme apresentasse um problema de teor social e uma
solução para esse problema.
Uma definição mais simples de um filme documental e que faz igualmente o enquadramento legal,
feita pela World Union of Documentary em 1948, é a “do registo, em película, de factos que ocorrem
naturalmente em frente da câmara ou que são reconstruídos com sinceridade e por necessidade
devidamente justificadas” (PENAFRIA, 1999, pg. 31). No plano jurídico português, o documentário
está definido pela Portaria n.º 878/2003 de 20 de Agosto que diz considerarem-se documentários de
criação “aqueles que contenham uma análise original de qualquer aspecto da realidade e não
possuam carácter predominantemente noticioso, didáctico ou publicitário nem se destinem a servir de
simples complemento a um trabalho em que a imagem não constitua elemento essencial, seja qual
for o seu suporte e duração” 1.
1 Instituto do Cinema e Audiovisual - http://www.ica-ip.pt/Admin/Files/Documents/contentdoc735.pdf consultado em
17/01/2009
2. O DOCUMENTÁRIO E OS OUTROS GÉNEROS CINEMATOGRÁFICOS
A raiz do documentário confunde-se com a sua definição enquanto género cinematográfico autónomo.
Actualmente, é ainda um conceito cujos limites não estão totalmente delineados o que torna a tarefa
de o distinguir de outros géneros particularmente difícil. Acresce ainda que o nosso entendimento do
que é um documentário muda consoante aquilo que é, para aqueles que o fazem, um documentário.
A destrinça entre o filme documental e os outros géneros cinematográficos está inevitavelmente
ligada à oposição que se estabelece entre o cinema de ficção e de não ficção dado que o
“documentary takes on meaning in contrast to fiction film...” (NICHOLS, 1999, p.20). No entanto,
mesmo esta relação é, para os diferentes autores, confusa e impossível de uma determinação
precisa. Bill Nichols diz, por exemplo, “every film is a documentary” (ibid, 1999, pg.1) baseando-se no
facto de todos os filmes, inclusive os de ficção, reflectirem a realidade social, política, cultural e
económica em função do contexto temporal em que é feito. Por outro lado, o documentário pode
depender do sentido “estético do seu realizador, pela técnica e linguagem utitlizadas e, até, pela
influência dos aspectos financeiros da produção” (INOCENTES, 1997, pg. 20) penetrando também
ele “pelo interior das próprias fronteiras do cinema de ficção” (ibid., 1997, pg. 20).
Estes problemas não se colocariam, segundo Nichols, se o filme documental fosse uma simples
reprodução da realidade que se avalia pela fidelidade ao original, à realidade. No entanto, o
documentário é antes uma representação da realidade, isto é, uma visão do mundo sobre a qual
podemos nunca ter reflectido ainda que determinados aspectos nos pareçam comuns e que é
avaliada tanto pela natureza do prazer e conhecimento que transmite aos outros como pela
perspectiva mostrada pelo realizador.
Este apontamento sobre determinado aspecto do mundo de que fala Nichols é sempre sobre o
mundo histórico, real, “qualquer objecto, situação, actividade ou qualquer manifestação da acção
humana que assenta na sua existência material” (PENAFRIA, 1999, pg. 26) e nunca sobre um mundo
ficcional, fruto da imaginação do realizador. Este ponto é o que distingue essencialmente o
documentário da ficção.
Feita uma primeira análise à dicotomia documentário/ficção parece-me determinante delimitar agora
as fronteiras do documentário em relação a todos os outros géneros cinematográficos não-ficcionais.
A não-ficção não se esgota no documentário e tem, por exemplo, na reportagem, outra forma de
expressão.
A reportagem é muitas vezes confundida com documentário pelo facto de também ela se debruçar
sobre o mundo histórico, real, e ainda por representar um ponto de vista sobre determinado assunto.
A diferenciação entre ambos ocorre no entanto desde logo por jornalistas e realizadores “se pautarem
por princípios muito diferentes” (PENAFRIA, 1999, pg. 22) sendo que nem todo o assunto é notícia
para uma reportagem enquanto que o realizador tem total liberdade de escolha sobre o tema que irá
abordar.
Por oposição ao documentário, a reportagem, segue um guião de teor jornalístico com uma estrutura
previamente definida e ao qual o jornalista não pode fugir. Há que responder obrigatoriamente a
determinadas questões (O quê? Quem? Quando? Onde? E, em particular neste género jornalístico,
como? e porquê?). Já no filme documental o realizador tem toda a liberdade para organizar os
elementos constintuintes do filme da forma que bem entender. Outro facto distintivo, porventura o
mais proeminente, tem que ver com as imagens surgirem, na reportagem, muitas das vezes como a
confirmação do “texto”, daquilo que o jornalista refere ao longo da peça, das entrevistas que faz
enquanto que as imagens, são, para o documentário, o elemento central.
Não obstante todas estas diferenças, aquilo que distingue o documentário dos outros géneros
cinematográficos não-ficcionais é, indubitavelmente, o tratamento criativo da realidade apreendida
pela câmara.
Para que um filme se insira numa categoria tem, obrigatoriamente, que partilhar uma série de
características com outras películas que antes tenham sido consideradas como pertencentes a essa
categoria.
Desta forma, podemos apontar alguns elementos que mais comummente encontramos em
documentários. Temos, assim, o facto de os realizadores fazerem representação do mundo histórico
ao invés de inventarem um outro, ficcional; a obrigação do uso das imagens registadas in-loco; a
possibilidade e, não raras vezes, a necessidade da utilização da voz off; o uso das potencialidades da
montagem e ainda a recusa na utilização de cenários e actores profissionais.
3. OS DIFERENTES TIPOS DE DOCUMENTÁRIO
O delinear dos diferentes tipos de documentário varia, segundo a investigação documental que fiz,
consoante o autor. Dessa forma, optei por utilizar a classificação proposta por Bill Nichols na obra
“Representing Reality” (1991) e que é utilizada igualmente na obra “Documentário: História,
Identidade, Tecnologia” (1999) de Manuela Penafria.
Para o autor, existem 4 sub-grupos no documentário: de exposição, de observação, interactivo e
reflexivo e são entendidos como “different approaches to the representation of reality” (NICHOLS,
1991, pg. 32). Observo agora cada um destes sub-géneros de forma mais pormenorizada:
Documentário de Exposição
Tem em Flaherty, enquanto realizador de filmes como “Moana” (1926) ou “Nanuk, O Esquimó” (1922),
e Grierson enquanto impulsionador e patrocinador deste género de filmes, os seus expoentes
máximos e caracteriza-se pela insatisfação com os elementos distractivos e de entretenimento
presentes nos filmes de ficção. Através de “poetic perspectives” (NICHOLS, 1991, pg. 33), transmitia-
se informação sobre o mundo histórico.
O ponto de vista apresentado, geralmente de teor moralista, estava, não raras vezes, subordinado à
entidade que patrocinava o filme e, como tal, nestes filmes, “questões de conteúdo, limites e
fronteiras do que pode ou não ser dito, são fortemente determinadas” (PENAFRIA, 1991, pg. 60). Em
termos técnicos, a utilização da Voice of God, isto é, de uma voz presente apenas pelo som e que
acompanha as imagens mostradas, comentando-as ou explicando-as e conferindo-lhes um
significado é a principal característica deste subtipo.
Documentário de Observação
Este género é bastante visível nos filmes de Frederick Wiseman (“Central Park” (1989) e “The Store”
(1983) são alguns exemplos de filmes seus) e advém das novas possibilidades tecnológicas do
cinema especialmente da portabilidade das câmaras permitindo filmar o que as pessoas faziam sem
que se estivessem explicitamente a dirigir à câmara. Precisando este ponto, Penafria diz mesmo que
o “autor do filme de observação tem como princípio absoluto nunca intervir nos acontecimentos que
está a filmar” (PENAFRIA, 1999, pg. 61). Assim, a não utilização de legendas, entrevistas, voz off,
reconstruções é uma obrigatoriedade neste tipo de filmes.
Poder-se-ia advogar que a presença do realizador e da câmara, por si só, altera o comportamento do
indivíduo que está a ser “observado”. Para o evitar, o realizador passava tanto tempo quanto possível
junto das pessoas que pretendia filmar para que elas pudessem, de algum modo, esquecer a
presença da câmara e agir o mais naturalmente possível.
A temática afasta-se claramente do moralismo inerente ao documentário de exposição captando,
exaustivamente, “ritmos da vida quotidiana que nos poderiam passar despercebidos” (PENAFRIA,
1999, pg. 61).
Documentário Interactivo
Esta perspectiva distinguia-se das outras pelo desejo de mostrar, de uma forma mais evidente, a
perspectiva do realizador. Isto era conseguido através de uma maior interacção com os indivíduos
que eram objecto de filmagem.
Ao contrário do que acontece com o documentário de observação, o realizador faz e quer fazer notar
a sua presença que pode ser em maior ou menor grau. Há películas em que os realizadores são
ouvidos ou mesmo vistos; outros há em que as pessoas filmadas respondem a estímulos feitos pelo
autor do filme. Como tal, era feito um uso exaustivo de entrevistas que poderiam, inclusive, ser a
testemunhas de um determinado acontecimento ou a especialistas de um qualquer assunto
dispensando por isso a Voice of God. O recurso a imagens de arquivo, independentemente da fonte,
foi também uma das características distintivas deste género.
Os documentaristas que se incluem nesta categoria são, entre outros, Jean Rouch e Jon Alpert
autores de filmes como “Chronique d'un été” (1960) e “Hard Metal's Disease” (1984) respectivamente.
Para melhor se perceber a distinção entre este género e o anterior, Nichols utiliza um exemplo
bastante curioso. Diz ele que o documentarista do cinema verdade, de observação, levava a sua
câmara até uma qualquer situação de tensão e esperava que uma crise acontecesse, enquanto o
documentarista desta categoria a provocava.
Documentário Reflexivo
Filmes como “O Homem da Câmara” (1929) de Dziga Vertov é um excelente exemplo para este
subgénero do documentário que surge pelo desafio feito à impressão de realidade.
Aqui, a temática é, mais do que falar sobre o mundo histórico, a forma como o fazemos. Os
documentários reflexivos são auto-conscientes não só em relação à forma e ao estilo mas ainda no
que toca à estratégia, estrutura, convenções, expectativas e efeitos. (Nichols, 1991, pg. 57). Como
afirma Nichols, “the reflexive mode of representation gives empashis to the encounter between
filmmaker and viewer rather than filmmaker and subject” (ibid., 1991, pg. 60).
Cada um destes “modos” dá uma estrutura à película e podem coexistir no mesmo filme. É a
predominância de um deles face aos restantes que determina qual o tipo de documentário ainda que
isso não determine todos os aspectos da sua organização. Estes géneros não são estanques e, como
refere Nichols, “...the modes also tend to be combined and altered within individual films.” (NICHOLS,
1991, pg. 33).
4. O DOCUMENTÁRIO EM PORTUGAL
Se, de alguma forma, podemos estabelecer um paralelo entre a história do cinema e a história do
documentário, a mesma lógica se pode aplicar à raiz do documentarismo português.
O primeiro cineasta português foi Aurélio da Paz dos Reis que, como refere Luís de Pina, “ foi também
o nosso primeiro documentarista” (PINA, 1977, pg. 9). De facto, os seus filmes como “Saída do
Pessoal Operário da Fábrica Confiança” (1896), “A Rua do Ouro” (1896), “Marinha no Tejo” (1896) ou
“Azenhas no Rio Ave” (1896) remetem-nos igualmente para as raízes da definição de documentário.
Além do portuense há ainda que referir outros pioneiros do cinema português como João Freire
Correia (“Batalha das Flores” ou “Artilharia Portuguesa”) João Tavares ou Manuel Maria da Costa
Veiga (“Parada de Bombeiros” ou “Aspectos da praia de Cascais”). Todos eles, pelo menos nas suas
primeiras experiências cinematográficas, filmavam, à semelhança de Paz dos Reis, “a vida e os
acontecimentos de um modo directo” (PINA, 1977, pg. 9). No fundo, “a câmara regista em vez de
narrar” (ibid, 1977, pg.9). Nesta primeira fase surgem também alguns filmes de ficção que, ainda que
coexistindo com os filmes de actualidade, não conseguiram salvar o cinema português do marasmo
em que iria permanecer por cerca de 20 anos.
Exponenciada pelo movimento modernista português e pela chegada do cinema sonoro, surge, no
final da década de 1920, uma vontade de desafiar os limites do cinema que culmina, em última
análise, com o primeiro documentário português “Nazaré, Praia de Pescadores” (1928) de Leitão de
Barros. O filme ilustra a vida e hábitos dos pescadores da praia da Nazaré, que se distinguem por
particularidades tradicionais. O seu modo de vida e a relação com o mar (que é o seu sustento) são o
tema central do filme. Pela primeira vez, a paisagem surge apenas como “pretexto para enquadrar o
homem, senhor da terra e do mar” (PINA, 1977, pg. 11).
Neste período, além de Leitão de Barros, emerge um outro cineasta, Manoel de Oliveira, cuja obra
“Douro, Faina Fluvial” (1931) se tornou um clássico do documentarismo português. Mais do que
imagens paisagísticas, da faina ribeirinha do Douro, a película é um retrato poético da vida e da
cidade do Porto, “uma perspectiva dinâmica de imagem e ritmo” (PINA, 1977, pg. 11). Para Luís de
Pina, um estudioso do documentário em Portugal, existe ainda uma outra obra, “Alfama, Gente do
Mar” (1930), de João de Almeida e Sá, que mostra o valor do nosso documentarismo que estava a
dar os primeiros passos. Foram estas obras despoletaram uma vontade, em diversos cineastas, de
documentar, em diferentes direcções e entendimentos, a realidade portuguesa.
No entanto, para o mesmo autor, todos os filmes que se lhes seguiram durante os anos 30 não foram
capazes de resvalar na dinâmica e criatividade destas obras iniciais: eram películas feitas com um
maior enfoque na razão do que na arte. Isto pode dever-se à “lei dos 100 metros”, uma portaria legal
que instituía a obrigação de, “(...) em todos os espectáculos cinematográficos, a exibição de uma
película de indústria portuguesa, com o mínimo de 100 metros, que deverá ser mudada todas as
semanas (...)”.2 Ao contrário da intenção do Governo, que era o estímulo da produção e criatividade
(dado que o diploma legal não impunha quaisquer restrições neste ponto), o que aconteceu foi uma
produção nacional desenfreada e desprovida de qualidade. Em 1933, houve ainda uma outra
iniciativa governamental no que concerne à protecção cinematográfica nacional. Pretendia-se que os
distribuidores fossem obrigados a adquirir filmes produzidos em Portugal na metragem anualmente
definida pelo Governo mas, dados os meios insuficientes, nunca foi verdadeiramente aplicada.
Importa referir que, desde 1926, Portugal vivia sob a égide de um regime ditatorial o que obrigava os
documentaristas a uma criteriosa selecção de temas. De facto, a censura, ainda que já existisse em
Portugal há vários anos, ganhou um novo ímpeto e significado com a chegada ao poder de António
de Oliveira Salazar em 1932. Um ano depois, em 1933, Salazar fez aprovar uma nova Constituição
que instituiu um Estado de caractér autoritário e corporativo e que delimitou, durante mais de 40 anos,
as fronteiras que o documentarismo português era obrigado a respeitar. Não só as imagens dos
filmes eram criteriosamente seleccionadas como existiam filmes estrangeiros que eram
impossibilitados de ser exibidos e revistas da especialidade que eram proibidas de circular. A censura
cinematográfica esteve inicialmente sob a alçada da Inspecção Geral dos Teatros, mais tarde
dependente do Ministério do Interior e, por fim, em 1944, integrada no Serviço Nacional de
Informação. Em 1945 é instaurada uma Comissão de Censura que, em 1948, faz qualquer filme
passar a necessitar de uma Licença de Exibição para que fosse exibido. No mesmo ano, é criado o
Fundo do Cinema Nacional que disponibilizava subsídios para intensificar a produção nacional. Com
isso conseguiu-se, acima de tudo, “uma certa saúde económica no documentário, a revelação de
novos valores e, avima de tudo, uma melhoria de qualidade” (PINA, 1977, pg. 13). No entanto, dado o
regime político da altura, este patrocínio fazia com que os as obras dos documentaristas portugueses
estivessem, também elas, obrigatoriamente subjugadas aos ideais do Estado. Em 1961, com a
criação do Estúdio Universitário de Cinema Experimental, sob a direcção de Cunha Teles, surge uma
nova esperança para o documentarismo português – os alunos ali formados iriam constituir a nova
geração de cineastas portugueses.
Em 1966, cai o regime salazarista e dá-se a ascensão de Marcello Caetano ao poder. A “Primavera
Marcelista”, que continha a promessa de um novo regime, nada trouxe de novo. A censura, agora
gerida pela Comissão de Exame e Classificação de Espectáculos, actuava com a mesma eficácia de
sempre. A título de exemplo, entre os meses de Julho de 1971 e Março de 1972, dos 304 filmes
inspeccionados por esta nova estrutura, 132 foram cortados e 37 foram proibidos. Ainda assim, uma
abertura, muito limitada, ao capitalismo, possibilitou a libertação de alguns documentaristas que
estavam agora protegidos pelos interesses das grandes empresas privadas.
2 Associação para a Promoção do Cinema Português - http://www.amordeperdicao.pt/especiais_solo.asp?artigoid=207 consultado em 19/04/2009
A de 25 Abril de 1974, a democracia chega a Portugal. Depois de décadas sob um regime limitativo
da liberdade de expressão, da criatividade e da persecução de ideais que não os do Estado, estava
aberto um novo caminho para o cinema Português. Neste período, à semelhança de outras áreas de
actividade, são criadas cooperativas de produção que reuniam todos aqueles que tinham no cinema o
seu modo de vida. É importante notar que, em 1975, surge um conflito entre o Governo que defendia
um cinema feito através de “unidades de produção” e do IPC (Instituto Português do Cinema) e estas
cooperativas que defendiam ser elas a “assegurar o trabalho e, sobretudo, a liberdade criativa” (PINA,
1977, pg. 15). Nesta altura, a produção de documentários proliferou e, como não poderia deixar de
ser, o principal enfoque era dado às novas realidades agora vividas. No entanto, muitos autores
estavam ligados a interesses político-partidários, mais ligados a uma militância política do que a um
fascínio pelo cinema. O tempo, como refere Orlando Inocentes, “se encarregou de fazer a selecção
natural, quer dos realizadores, quer dos seus trabalhos” (INOCENTES, 1997, pg. 76).
Após esta fase, única por todas as suas particularidades sociais, políticas e culturais, enquanto que,
em finais dos anos 80, o documentário era, no panorama internacional, “laboratório de todo o cinema”
(COSTA, 2004, pg. 139) e “veículo de obras fundamentais” (ibid, 2004, pg. 139), em Portugal, além da
fraca produção nacional, existia uma cada vez maior confusão entre a reportagem telvisiva e o
documentário.
No entanto, os anos 90 trouxeram consigo uma nova lufada para o documentarismo nacional.
Começaram a suceder-se as retrospectivas e os debates públicos, festivais e mostras de
documentários que deram a conhecer aos documentaristas e ao público português, novos autores e
novas perspectivas. Além disso, começaram a proliferar cursos superiores e profissionais ligados ao
cinema (onde a disciplina de documentário constitui uma parte da componente teórico-prática) e
lançaram-se as bases para a primeira associação portuguesa dedicada ao documentário, a AporDOC.
Outro factor da maior importância foi o facto de, pela primeira vez, se constituir um programa
específico de financiamento de documentários. No fundo, pela primeira vez, “juntavam-se o trabalho
de divulgação, a formação, o debate teórico e o apoio à produção. Como nunca acontecera antes,
aparecia uma nova geração (simultaneamente interna e externa aos habituais mecanismo de
reprodução do meio cinematográfico) que via no documentário um desafio em si e não,
essencialmente, um terreno de passagem” (COSTA, 2004, pp. 140-141).
Desde este apontamento de José Manuel Costa, em 2004, passaram cinco anos e, desde então, por
se tratar de uma realidade muito próxima em termos temporais, não existe uma verdadeira reflexão
sobre o panorama do documentário em Portugal. No entanto, e ainda que o faça tão somente como
espectador, não posso deixar de considerar que o documentarismo português, fruto também da
multiplicidade de realidades com as quais lhe é permitido contactar (ainda que esse contacto possa
não ser directo) caminha na direcção certa, rumo a uma estrutura e identidades próprias.
4.1. O DOCUMENTÁRIO EM PORTUGAL: ALGUNS DADOS
3
3 Instituto do Cinema e Audiovisual – http://www.ica-ip.pt/pagina.aspx?pagina=395 consultado em 09/03/2009
Filme Ano de Produção
Realizador N.º espectadores
Lisboetas (PT) 2004 Sérgio Trefaut 15 301
Diários da Bósnia
(PT)
2005 Joaquim Sapinho 1 773
Natureza Morta
(PT)
2005 Susana Sousa Dias 1 304
Movimentos
Perpétuos –
Tributo a Carlos
Paredes (PT)
2006 Edgar Pêra 1 044
Brava Dança
(PT)
2007 Jorge Pires / José Câmara 1 158
Torre Bela (IT/
PT)
1975 Thomas Harlan / Jacques
d'Arthuys
4 535
Fados (ES / PT) 2007 Carlos Saura 46 016
4
4 Lumiere – European Audiovisual Observatory - http://lumiere.obs.coe.int/web/search/index.php consultado em 11/03/09
5. INDÚSTRIAS CULTURAIS E CONSUMO DE FILMES
A oferta de produtos informativos, de ficção e de entretenimento pelos meios de comunicação aliada
ao desenvolvimento da publicidade como forma de financiamento dos produtores fez ganhar “gradual
reconhecimento o termo cultura de massa” (CRUZ, 2002, pg. 382).
Para a substituir, para não se ter a ideia que seria uma cultura que surgia espontaneamente das
massas, surgiu a expressão indústria da cultura. O termo foi utilizado inicialmente por autores da
Escola de Frankfurt na obra “Dialética do Iluminismo” (1947) de Adorno e Horkheimer e designava a
“racionalidade, com que os produtos culturais são fabricados, distribuídos e massificados na
sociedade” (ibid, 2002, pg. 382). Entre eles encontram-se os filmes e o cinema enquanto o meio pelo
qual eles são veiculados. “O cinema é, antes do mais, consumo...um objecto de consumo” (Zimmer
citado por SOUSA, 1995, pg. 35).
Para Baudrillard, por exemplo, não existe uma uma verdadeira fruição nos actos de consumo. “Não
negando que cada indivíduo consumidor possa julgar retirar do consumo algum prazer individual,
adverte contudo que esse prazer é na verdade uma ilusão, na medida em que não parte de um
impulso individual mas de uma compulsão colectiva que o leva a consumir. A fruição aparecerá não
como um direito ou como um prazer, mas como um dever” (SOUSA, 1995, pg.
Existem formas de produção individualizada, que Edgar Morin apelidou de cinema espetacular ou
cinema evasional. A este respeito, Sousa refere que a grande diferença, entre o grupo dos evasionais
e dos não evasionais não reside no potencial de atracção das imagens mas dirá sobretudo respeito
ao número dos influenciados (SOUSA, 1995, pg. 71). No entanto, a grande maioria dos filmes
assimilam formas de organização laboral fabris e a produção racionalizada e padronizada
considerando-se, por isso, uma indústria (ORTIZ RAMOS, 1995, pg. 22).
O cinema com pretensões industriais e comerciais segue, aliás, uma fórmula conhecida: o recurso ao
star system [(designados por Lowenthal como ídolos de consumo e que vão, segundo Morin, “guiar as
nossas maneiras, gestos, poses, atitudes, suspiros de êxtase (…), lamentações sinceras” (Morin
citado por SOUSA, 1995, pg. 56)], a rodagem do filme em estúdio, as películas padronizadas e de
géneros cinematográficos populares são meios através dos quais a sociedade de consumo é
influenciada. O cinema funcionaria assim como um modelo a seguir, um cinema que “desenvolve e
explora a potencialidade de oferecer simulacros das verdadeiras riquezas e emoções (as tais que
estão em défice na vida real)” (SOUSA, 1995, pg.70). “Para o bem e para o mal, o cinema
encaminhou-nos para uma inevitavél estectização do real, dotando-nos de um manancial de
referências decisivamente marcado pelos filmes a que assistimos” (SOUSA, 1995, pg. 68).
Um dos pontos mais importantes deste sistema das indústrias culturais, é que alterou “de uma forma
total, o tipo e a função do processo de consumo e a sua qualidade, bem como a autonomia do
consumidor” (WOLF, 2006, pg. 85).
Ao espectador não é permitida a reflexão, o raciocínio lógico e construtivo. Aliás, os produtos culturais
“são feitos para impedir a actividade mental do espectador” (Horkheimer e Adorno citados por WOLF,
2006, pg. 88). “Divertir-se significa estar de acordo […]; significa sempre: não dever pensar […]; A
libertação prometida pelo amusement é a do pensamento como negação” (Adorno citado por WOLF,
2006, pg. 87).
O lucro sobrepôs-se aos valores culturais fazendo com que os cineastas examinassem “..com
desconfiança qualquer manuscrito onde não se encontre já um tranquilizante best-seller” (WOLF,
2006, pg. 85). Este sistema tende assim a excluir tudo aquilo que se afigure como novo, um risco
desnecessário.
Neste sentido, o espectador dispunha de um modelo de expectativas que condicionava, ainda antes
da visualização do filme, a forma como o conteúdo transmitido era recepcionado e percebido. Assim,
tal como refere Adorno, “...as pessoas podem não só ser privadas da verdadeira compreensão da
realidade como também a sua capacidade de entenderem a experiência da vida pode ser
fundamentalmente enfraquecida com o uso constante de óculos fumados” (Adorno citado por WOLF,
2006, pg. 92). Este sistema, para os teórico da Escola de Frankfurt como Adorno, não só condenava
como tentava evitar o raciocício livre e pensante.
Há, no entanto, teorias contrárias a esta. Chritistan Metz defende que o espectador é dotado de um
saber duplo - “sabe que o que está a ver são apenas imagens (…) e sabe que é ele próprio que as
percepciona (…) sendo nele, espectador, que as imagens ganham sentido” (Metz citado por SOUSA,
1995, pg. 60). Lipovetsky, por sua vez, crê que o indivíduo pós-modernista é mais desprendido
emocionalmente face aos seus objectos – é um indíviduo que tenderá a ponderar bem as
performances e características desses objectos (SOUSA, 1995, pg. 152).
Em termos técnicos, “a tecnologia do cinema desenvolveu uma série de técnicas que se opõem ao
realismo imanente ao processo fotográfico...” (ADORNO, 2003, pg. 187). Estas técnicas (os
flashbacks, as sobreposições) surgem pela necessidade de advertir o espectador “para o que se quer
dizer ou para o que há que acrescentar para compreender o que escapa ao realismo cinematográfico
de base” (ibid, 2003, pg. 188).
Após esta resumida análise parece-me pertinente interrogarmo-nos se as indústrias culturais detêm
um poder tal sobre o indivíduo consumista que este não se consiga despegar de todos os clichés que
foram, com mais ou menos coerção intelectual, apreendidos.
6. PERCEPÇÃO DA IMAGEM
Não me irei debater sobre determinados aspectos da imagem que, no meu entender, ainda que
possam ser determinantes para a sua compreensão global, não são relevantes para o cumprimento
dos objectivos a que me propus. Refiro-me às tranformações ópticas, nervosas e químicas que a
imagem tem no ser humano bem como a elementos relacionados com a percepção do tempo,
espaço, luz e movimento. Importa sim, mais do que perceber a parte do olho, que é igual para todos
os indivíduos, entender a parte do espectador, a interpretação que cada um faz das imagens que
percepciona (esta denominação corresponde simplesmente à capitulação da obra “A Imagem” de
Jacques Aumont).
A percepção que um qualquer espectador faz de uma imagem, seja ela cinematográfica ou não, é
muito volátil. Além da percepção que é feita (componente da imagem que excluí da minha análise
pelos motivos atrás referidos), “entram em jogo o saber, os afetos, as crenças, que, por sua vez, são
muito modelados pela vinculação a uma região da história (a uma classe social, a uma época, a uma
cultura)” (Aumont, 2002, pg. 77). Existem, no entanto, alguns aspectos que são constantes e,
portanto, passíveis de ser analisados.
A imagem é o elemento mediador entre o espectador e a realidade. A este respeito, Rudolf Arnheim
(1969) propõe um sistema tripartido. Teríamos então o valor da representação (a imagem que
representa coisas concretas), o valor de símbolo (a imagem simbólica é a que representa imagens
abstractas e um valor de signo (o exemplo mais característico é o dos sinais de trânsito – um sinal
redondo, vermelho, com uma barra branca no meio tem – o significante visual tem uma relação
arbitrária com o seu significado) (Aumont, 2002, pp. 78-79). Um outro autor, Jacques Lacan distingue
três componentes na percepção do mundo: o imaginário, o simbólico e o real. O real seria, no
entanto, inantingível na medida em que, segundo o autor, teríamos apenas acesso a imagens desse
real, com existência independente, o que o invalida enquanto referente (Sousa, 1995, pg. 70).
Em relação à função das imagens, Jacques Aumont distingue três modos principais. O primeiro é o
modo simbólico e refere-se ao caractér simbólico das imagens, isto é, as imagens serviam de
símbolos. O segundo modo é o modo epistémico. As imagens trazem informações (visuais) sobre o
mundo e, ainda que o valor informativo das imagens possa variar, esta função de conhecimento foi,
segundo Aumont, desde muito cedo atribuída às imagens. Por fim, o modo estético. Neste último
modo, a imagem destina-se a cumprir a função de “agradar o seu espectador, a oferecer-lhe
sensações específicas” (Aumont, 2002, pg. 80). A função principal da imagem, prévia ainda à divisão
acima apresentada, é sempre o reforço e a reafirmação da nossa relação com o mundo visual.
Estamos já perante uma componente psicológica da imagem.
A imagem é, para o espectador, activa. Isto significa que a imagem vai actuar sobre o indivíduo
enquanto organismo psiquíco. Grombich (1965) distingue duas formas principais de tratamento
psicológico da imagem: o reconhecimento e a rememoração. A primeira prende-se, maioritariamente,
com a utilização da nossa memórias. Ao percepcionar determinadas imagens, o indivíduo espectador,
vai reconhece-las e identificá-las com base em experiências anteriores e, mais do que isso, vai retirar
prazer desse processo. A segunda forma tem antes que ver com outros dois factores. Desde logo, a
esquematização das imagens numa estrutura simples e cuja significação é, para o indivíduo que a
constrói, válida. No entanto, este mesmo esquema é passível de ser alterado sempre que o uso que
lhe é dado, se alterar também. Grombich confere, no fundo, ao espectador a possibilidade de fazer
existir a imagem (Aumont, 2002, pp. 81-86).
Ainda sobre Grombich, Aumont relembra a sua posição construtivista. Para ele, a percepção do visual
é um sistema experimental em que, o recepcionamento das imagens é nada mais do que a
confirmação de hipótesses construídas sobre expectativas pré-visionamento e que podem, ou não,
ser confirmadas. Este sistema de expectativas que Grombich refere é construído exactamente com
base no nosso conhecimento do mundo, na nossas experiências e crenças. Ao “fazer intervir o seu
saber prévio, o espectador da imagem supre o não representado” (Aumont, 2002, pg. 88) o que, no
limite, pode levar o espectador a inventar a imagem. “Em resumo, o papel do espectador segundo
Grombich é um papel extremamente activo: construcção visual do '”reconhecimento”, emprego dos
esquemas da “remomeração”, junção de um com a outra para a construcção coerente do conjunto da
imagem” (ibid., 2002, pg. 90).
Existem claro, outras abordagens relativas à relação do espectador com a imagem além da
enunciada por Grombich. Analisemos cada uma delas mais pormenorizadamente.
A abordagem cognitiva encontra-se ligada à psicologia cognitiva e visa, tal como o nome indica,
“esclarecer os processos intelectuais do conhecimento” (Aumont, 2002, pg. 90). No fundo, esta teoria
pressupõe que todo o conhecimneto é uma construcção elaborada por meio de uma confrontação de
hipótesses com os dados fornecidos pelos órgãos dos sentidos: trata-se de, “a respeito de cada
elemento particular da imagem, explicitar o funcionamento de modos muito gerais de cognição”
(Aumont, 2002, pg. 91) o que, segundo Aumont, provoca “um deslocamento da abordagem
simplesmente construtivista do tipo proposto por Grumbich” (ibid., 2002, pg. 91).
Uma outra abordagem dá pelo nome de pragmática e é constituída por elementos da psicologia e da
sociologia. Esta tendência refere-se às condições de recepção da imagem pelo espectador e a todos
os factores que influenciam a sua compreensão, interpretação e, inclusive, aceitação.
Por fim, a influência da imagem. Esta última abordagem prende-se com a acção psicológica, positiva
ou negativa, exercida pela imagem sobre o espectador. A este respeito, Aumont, relembra o estudo de
Sergei Eisenstein relativo ao cinema, nos anos 20. Neste trabalho, o russo, percebe a imagem
cinematográfica como “a combinação de estímulos elementares (definíveis em termos de formas,
intensidades e durações)” (Aumont, 2002, pg. 92) argumentado que seria “possível prever e dominar
a reacção emocional e intelectual de um espectador a determinado filme” (ibid., 2002, pg. 92). No
entanto, o próprio Eisenstein veio, mais tarde, a perceber que a sua abordagem era demasiadamente
simplista – ao analisar o filme “A Greve” (1925), percebeu que, por exemplo, uma sequência de
imagens em que era mostrado o abate de bois causava diferentes reacções consoante a população
fosse de origem rural ou citadina.
A respeito da ilusão criada no espectador, parece-me, para este estudo, que vale a pena apenas
analisar em maior profundidade a impressão de realidade. Existem uma série de factores que
concorrem para esta impressão.
Desde logo, o local onde se vê o filme. No caso de uma sala de cinema, o espectador não se sente
agredido e está, por isso, mais flexível para responder psicologicamente aquilo que vê. Este é um dos
factores que Aumont refere como “negativos”. Como factores positivos, Aumont considera os “índices,
perceptivos e psicológicos, de realidade” (Aumont, 2002, pg. 110) e “fenómenos de participação
afectiva” (ibid., 2002, pg. 110). Estes factores a que Aumont faz referência, não se prendem com a
imagem mas sim com o facto do “espectador do filme estar mais investido de forma psicológica na
imagem” (ibid., 2002, pg. 111).
Em relação à percepção do espectador, Jean-Pierre Oudart analisa dois fenómenos: o efeito de
realidade e o efeito do real. Em relação ao primeiro, Oudart diz que este “será mais ou menos
completo, mais ou menos garantido, conforme a imagem respeite convenções de natureza
plenamente histórica” (Aumont, 2002, pg. 111). O segundo fenómeno é, basicamente, o espectador
saber que o que vê não é real mas acreditar que existiu ou pode existir no real.
III – OPÇÕES METODOLÓGICAS E ANÁLISE DOS DADOS
1. OPÇÕES METODOLÓGICAS
Tendo como objectivo principal o estudar entendimento do espectador face ao cinema documental, as
considerações que tece acerca da validade deste género cinematográfico como fonte de informação,
optei por seguir uma abordagem qualitativa. Neste capítulo, identifico os passos que me levaram a
esta opção em detrimento de outras bem como porquê da minha escolha.
Das quatro escolas de pensamento, preconizadas por Creswell, positivista, constructivista,
participativa e, por fim, pragmática e que delimitam aquilo a que o autor refere como “paradigma de
pesquisa”, o meu trabalho encontra-se, claramente, na perspectiva constructivista (Creswell, 2003,
pp. 6-12).
Não me parece significativo identificar as características de todas as outras escolas que não aquela
que funciona como uma das bases de pesquisa do meu trabalho. Assim sendo, importa sim, referir
que na perspectiva constructivista, o investigador olha “(...) for the complexity of views rather than
narrowing meanings into a fre categories or ideas” (Creswell, 2003, pg. 8) sendo que o objectivo da
pesquisa é “(...) to rely as much as possible on the participants' views of the situation being studied”
(ibid, 2003, pg. 8) o que, neste caso, significa a perspectiva dos espectadores dos filmes documentais
apresentados. O objectivo do próprio investigador é “(...) the meanings others have about the world”
(ibid, 2003, pg. 9). Por último, referir que a metodologia de trabalho predominantemente usada nesta
perspectiva que Creswell identificou, é a pesquisa qualitativa: “(...) qualitative approach in one in
which the inquirer often makes knowledge claims based on primarily constructivist perspectives (...) ”
(Creswell, 2003, pg. 18).
A pesquisa qualtiativa, apesar de ser usada há mais de três décadas, tornou-se mais visível durante
os anos 90. Existem várias abordagens possíveis, estratégias diferentes associadas a este género de
pesquisa.
Aquela que mais se coaduna com o trabalho desenvolvido é aquilo que Creswell define como
“phenomenological research”: o investigador identifica experiências pessoais relativamente a um
fenómeno que são descritas pelos participantes por forma a tentar estabelecer um padrão (Creswell,
2003, pg. 15).
A principal diferença entre os diferentes métodos de pesquisa, pesquisa quantitativa, qualitativa, ou
mista, reside na intenção de, ou “(...) specify the type of information to be collecteed in advance of the
study or to allow it to emerge from participants in the project” (Creswell, 2003, pg 17). Existem ainda
pontos de distrinça relativos ao tipo tipo de dados recolhidos. Estes podem ser “numeric information
gathered on scales of intruments or more text information, recording and reporting the voice of the
participants” (ibid., 2003, pg. 17). Acresce ainda que, na pesquisa qualitativa, o investivador recolhe
“open-ended, emerging data with the primary intent of delevoping themes from the data ” (Creswell,
2003, pg. 18).
A pesquisa qualitativa, é dotada de uma série de características particulares. Com base no
pensamento de Rossman e Rallis, Creswell elabora uma lista que, segundo ele “capture both
traditional perspectives and newer advocacy, participatory and self-reflective perspectives of
qualitative inquiry” (Creswell, 2003, pg. 181). Segundo o autor, a pesquisa qualitativa: tem lugar no
ambiente natural; usa múltiplos métodos que são interactivos e humanísticos; é mais emergente do
que é estritamente preconcebida; é fundamentalmente interpretativa. O mesmo autor distingue os
diferentes factores que definem a pesquisa qualtiativa em relação ao investigador e que são: ver o
fenómeno social holísticamente; reflectir sistematicamente no inquirido e ser sensível à sua biografia
pessoal e à forma como esta poderá influenciar o estudo; usar um raciocínio complexo que é,
simultaneamente, multifacetado, interactivo, e simultâneo, isto é, independentemente do raciocínio
ser, maioritariamente, indutivo, tanto os processos indutivos e dedutivos estão presentes no trabalho;
e, por fim, adoptar e utilizar uma ou mais estratégias de inquirição como guia para os procedimentos
ao longo do estudo (Creswell, 2003, pp. 182-183).
As razões que me levaram a aplicar esta abordagem decorrem do tipo de dados que iria recolher bem
como das condições em que essa recolha ia ser feita. Além do mais, nunca foi minha intenção
resumir-me à obtenção de dados puramente numéricos mas incidir, essencialmente, na compreensão
que os indivíduos faziam no fenómeno em estudo.
O próximo passo lógico, agora que estava definido o tipo de pesquisa em que a minha dissertação se
incluía, era a definição da amostra.
A amostragem, “procedimento através do qual se extrai de um conjunto de unidades que constituem o
objecto de estudo (a população), um número reduzido de casos (a amostra), seleccionados por
critérios que permitam a generalização a toda a população dos resultados obtidos” (Moreira, 2005, pg.
111) e aplica-se a “todo o tipo de planos, quer quantitativos quer qualitativos” (ibid, 2005, pg. 111). Os
motivos pelos quais se recorre a este processo são a representatividade, o aprodunfamento e rigor, a
diminuição do tempo para recolha e elaboração dos dados e a diminuição dos custos. (Moreira, 2005,
pg. 111).
Existem duas grandes categorias de amostras, as amostras probabilísticas ou aleatórias e as
amostras não probabilísticas, não aleatórias ou de conveniência. Na amostra não probabilística, “os
elementos não dependem da probabilidade mas de causas relacionadas com as caracterísitcas do
investigador” (Moreira, 2005, pg. 120) e, segundo Moreira, “revela todo o seu interesse quando o
objectivo do investigador é o desenvolvimento de teoria ou a compreensão de processos ou acções
sociais” (ibid., 2005, pg. 120). Essa aproximação é, sem margem de dúvida, a que melhor se adequa
aos meus objectivos de estudo.
Dentro desta, existem ainda vários sub-categorias de amostras. Na minha pesquisa, utilizei a amostra
de julgamento e a amostra teórica. Esta opção prende-se com a aplicação das entrevistas aos
espectadores em dois locais diferentes, o que condicionou logicamente, o tipo de de amostra
utilizado.
A amostra de julgamento “é um tipo de amostra seleccionado inteiramente com base na conveniência
do investigador” (Moreira, 2005, pg. 129), as unidades de observação são escolhidas por razões de
conveniência. Foi o tipo de amostra seleccionado nas diferentes sessões de cinema do festival
Indielisboa 2009. Não havendo nenhum conhecimento prévio nem sobre o universo de estudo nem
sobre aqueles que poderiam vir a constituir as minhas unidades de análise, esta foi a opção, mais do
que a escolhida, a necesária.
A amostra teórica é aquela que “evita toda e qualquer tentativa de obter uma amostra
representatividade, tendo por agumento que a amostragem deve ser inteiramente governada pela
selecção de respondentes susceptíveis de maximizar o desenvolvimento técnico” (Moreira, 2005, pg.
130). Deve existir um consenso, por parte de quem investiga, de quando se chega, nas palavras de
Moreira, a uma “saturação teórica”. Foi o tipo de amostra usado na sessão de cinema que organizei
em casa e para a qual convidei algumas pessoas, aleatoriamente escolhidas e para a entrevista on-
line onde o processo foi, significativamente, mais simples: servi-me de um serviço para a criação de
inquéritos e entrevistas disponível on-line e enviei um e-mail para os meus contactos pedindo-lhes,
encarecidamente, que o re-enviassem. Pareceu-me, por bem, que as respostas de cerca de dez
pessoas/filme, no caso da sessão de cinema “caseira”, e de 150, no caso da entrevista via Internet,
seria suficiente e significativa para “atingir o objectivo proposto (desenvolvimento e produção de uma
teoria)” (Moreira, 2005, pg. 130).
Na prossecução de objectivos delimitados por uma pesquisa qualitativa, existem diferentes
instrumentos metodológicos passíveis de serem usados. Desde logo, as entrevistas.
As entrevistas são, porventura, a técnica mais utilizada na investigação social “muito provavelmente
porque é tão próxima da arte de conversação.” (Moreira, 2005, pg. 203). Segundo Moreira, a
entrevista poder-se-à definir por ser explicitamente provocada pelo entrevistador, por ser diriga a
pessoas com base num plano de investigação, por ter uma finalidade do tipo cognoscitivo, ser guiada
pelo entrevistador e assente num esquema flexível de interrogação (ibid., 2005, pg. 204). No entanto,
a entrevista pode ser de vários tipos.
Segundo a classificação de Patton, as entrevistas poderão ser do tipo informal, baseada num guião,
semi-estruturada ou estruturada. O sub-género de entrevista que adoptei, as semi-estruturadas, são
caracterizadas pelo “emprego de uma lista de perguntas ordenadas (para conseguir um contexto
equivalente) e redigidas (para terem o mesmo significado) por igual para todos os entrevistados, mas
de resposta livre ou aberta” (Moreira, 2004, pg. 206).
Em relação aos entrevistados, na escala proposta por Gorden a que Moreira faz referência existem
três géneros: chave, especiais e representativos. Na categoria de entrevistado especial, situam-se
qualquer indivíduo “que forneça informação directamente relevante para os objectivos de pesquisa e
que seja seleccionada porque ocupa uma posição única na comunidade, grupo ou instituição em
estudo” (Moreira, 2004, pg. 216). È o caso dos realizadores que me propus a entrevistar. No tipo
entrevistado representativo, encontram-se pessoas comuns de diferentes grupos de idade, profissão,
etc. São, na minha pesquisa, os espectadores.
Optei então por utilizar, como instrumentos metológicos de recolha de dados:
a) investigação documental feita através do visionamento de alguns filmes documentais, da consulta
de artigos, teses e livros sobre o assunto em questão dando, claro está, particular ênfase aqueles que
de alguma forma relacionam o documentário, a informação e os espectadores;
b) entrevistas semi-estruturadas:
aos público de três documentários mostrados no festival de cinema Indielisboa 2009
(“Ruínas” (2009) visto na noite de 24 de Abril de 2009, no cinema S. Jorge, em Lisboa, de
Manuel Mozos, “No London Today” (2008), observado no dia 25 de Abril no Museu do
Oriente, em Lisboa, de Delphine Deloget, e, por fim, a obra de Kelly Parker, “South Main”
(2008) exibida no Cinema Londres na noite de 27 de Abril de 2009);
aos espectadores de uma sessão de cinema organizada por mim nos dias 13 e 17 de Maio
em que foram exibidas obras “Lisboetas” (2004) (vencedor do mesmo prémio que “Ruínas”,
na edição de 2004) do Sérgio Trefaut, “Logo Existo” (2006) da Graça Castanheira e “Zeitgeist:
Addendum” (2008) de Peter Johnson. As entrevistas (ver ANEXOS) eram de preenchimento
individual e eram, em ambos os casos, compostas por duas fases distintas: uma prévia ao
visionamento das obras e uma outra, mais complexa, onde se colocavam questões depois da
observação do filme. Foram constituídas por “open-ended questions that are few in number
and inteded to elicit views and opinions from the participants” (Creswell, 2003, pg. 188) em
que foi dada total liberdade de resposta aos inquiridos sendo que, em nenhuma das
questões, estavam condicionados temporalmente;
através da Internet (utilizando o serviço disponibilizado em www.survs.com, sítio da internet
vocacionado para a pesquisa académica e comercial) que esteve disponível entre os dias 16
e 20 de Maio e cujas perguntas se referiam não a uma obra específica mas sim à percepção
dos espectadores relativamente ao cinema documental no seu todo;
nas duas entrevistas feitas aos realizadores Sérgio Trefaut, director de programação do
festival de cinema documental DocLisboa, realizador, antigo jornalista e autor do filme “Os
Lisboetas” (2004) e a Peter Joseph, também realizador e autor da obra “Zeitgeist: Addendum”
(2008);
Parece-me relevante ainda realçar que o facto de ter aplicado, nas entrevistas aos espectadores, a
mesma metodologia, entrevistas semi-estruturadas, embora em diferentes situações, fez com que as
questões, ainda que seguindo um guião de entrevista pré-estabelecido, variassem, tanto no teor das
questões colocadas como no número de perguntas (ver ANEXOS). Esta opção tem que ver com o
facto de, ainda que toda e qualquer conclusão que venha a tirar esteja limitada à partida pelo tipo de
pesquisa feita, sentir a necessidade de alguma coerência nos dados recolhidos para que, de alguma
forma, as minhas conclusões possam sair mais reforçadas e legitimadas.
2. ANÁLISE DOS DADOS
É tempo de iniciarmos a análise aos dados que vão validar a minha pesquisa não sem antes fazer um
ou outro apontamento, igualmente importantes.
Parece-me, neste ponto, ser pertinente fazer uma pequena abordagem aos filmes que serviram como
filmografia para este estudo. Faço-o na condição de espectador que, independentemente do
condicionamento que poderia fazer do filme a priori, tentou afastar-se de ideias pré-concebidas, e
ainda tendo por base algumas das opiniões do público recolhidas no final da exibição da película.
Relativamente às três obras que foram visionadas na edição de 2009 do festival de cinema
independente, Indielisboa, começarei por destacar aquele que acabou por ser distinguido com o
Prémio Melhor Longa-metragem Portuguesa no certame, o filme “Ruínas” (2009) de Manuel Mozos.
Trata-se de um filme “surpreendente”5, um olhar “poético”6 sobre ruínas de edifícios portugueses mas
que dá uma visão não só sobre os “edifícios, os seus esqueletos”7 mas “dá também uma história de
vivências (...)”8. Com diferentes vozes, em off, são contadas pequenas histórias que, de uma forma ou
de outra, estão ligadas às imagens de ruínas de edifícios mostradas.
O filme “No London Today” (2008) é um filme onde o papel da realizadora é claramente interventivo,
interagindo com as personagens do filme. Uma situação que nos remete também para tipologia deste
documentário (ver capítulo “OS DIFERENTES TIPOS DE DOCUMENTÁRIO”) tem exactamente com
o facto de a realizadora provocar a acção – por exemplo, um momento no filme em que é a
realizadora que empresta dinheiro a um dos personagens para a sua ambicionada viagem. O tema do
filme é o problema da emigração na costa francesa, a luta de emigrantes, maioritariamente afegãos,
que tentam alcançar a cidade de Londres e o seu dia-a-dia enquanto não o conseguem.
A película “South Main” (2008) mostra três mulheres afro-americanas, todas elas mães, solteiras, que,
depois de verem o seu bairro de South Central, em Los Angeles, ser demolido, tiveram, praticamente
sem aviso prévio, de se mudar para um novo bairro. O filme mostra as suas vidas, as suas novas
casas e transporta-nos para um mundo que vive em condições muito precárias.
As obras exibidas na “sessão de cinema” foram escolhidas tendo por base alguns pressupostos
bastante claros.
A opção pelo filme “Zeitgeist: Addendum” (2008) decorre do facto de ser manifestamente controverso,
com uma quantidade de informação muito elevada que poderia ser tida como dúbia essencialmente
5 Entrevistado n.º 3 do filme “Ruínas” (2009)6 Entrevistado n.º 6 do filme “Ruínas” (2009)7 Entrevistado n.º 4 do filme “Ruínas” (2009)8 Entrevistado n.º 4 do filme “Ruínas” (2009)
pela posição claramente marcada pelo realizador. O filme, além de alguns testemunhos que
funcionam como “validadores” das informações avançadas, é marcado pela presença de uma voz off,
do próprio realizador, que dá a sua perspectiva de como o sistema financeiro mundial condiciona a
nossa vida nos mais diversos aspectos ao mesmo tempo que vão sendo mostradas imagens que
“pintam” o discurso do autor.
Relativamente aos dois filmes portugueses exibidos, estes foram seleccionados não só pelo facto de
existir uma familaridade linguística com a população em estudo mas, sobretudo, porque abordam
realidades que lhes são muito próximas: a população imigrante na cidade de Lisboa e os acidentes
vasculares cerebrais.
O filme “Lisboetas” (2004), é “(...) uma janela secreta sobre novas realidades: modos de vida,
mercado de trabalho, direitos, cultos religiosos, identidades” e onde se “aborda a experiência humana
dos imigrantes da grande Lisboa de um ponto de vista cinematográfico”9. A presença do realizador
não é notada ao longo do filme embora se tenha a perfeita noção de que os personagens do filme
tenham consciência da presença de uma câmara.
A obra de Graça Castanheira, “Logo Existo” (2006), título de onde é excluída, propositadamente, a
palavra “penso” é inspirado na patologia que afectou a mãe da realizadora, um AVC, e mostra duas
histórias, a de Miguel Seabra, amigo da realizadora, vítima de um AVC e quase totalmente
recuperado e o processo de recuperação de uma outra vítima de um AVC, na clínica de Alcoitão. O
facto de o estudo sobre a mente humana, desde há muito, ser embebido pela religião e pela Filosofia
fez com que a película seja, nas palavras da própria autora, “sobre a procura de uma palavra que
substitua este pensar cartesiano que há já três séculos definiu conceitos em torno da identidade
humana”10. Durante o filme, a realizadora regista ainda o testemunho de algumas entidades médicas
e pessoas que acompanharam a doença dos personagens principais.
Julgo ser também importante esclarecer algumas dúvidas que possam surgir na interpretação dos
termos utilizados nas entrevistas e, portanto, fazer uma ressalva terminológica no conceitos relativos
de fontes de informação.
Fontes de informação é um conceito vago. Poderemos acreditar, como nos diz Sérgio Trefaut, que
“não existe nada na Terra que não seja fonte de informação”11. Com isto, o realizador, quer dizer que
desde o mais simples objecto às mais complexas obras “humanas e intelectuais”12, tudo é, em última
análise, uma fonte de informação. Por outro lado, aquilo a que o senso comum nos remete sempre
que pensamos em fontes de informação, é de uma perspectiva jornalística.
9 Atalanta Filmes – http://www.atalantafilmes.pt/2006/lisboetas/lisboetas.doc consultado dia 21/05/0910 Doclisboa 2006 – http://www.doclisboal.org/2006/pt_programa.html consultado em 21/05/0911 Sérgio Trefaut, realizador, em entrevista feita dia 26/04/200912 Sérgio Trefaut, realizador, em entrevista feita dia 26/04/2009
É este último entendimento que interpreto ser o que melhor serve os propósitos deste trabalho. Como
fonte de informação jornalística, não do ponto de vista do jornalista, onde seria considerada uma série
de fontes cuja origem determinaria a sua validade, mas sim do ponto de vista do espectador, para
quem as fontes de informação usadas na obtenção de informação são o jornal nas suas mais
diversas plataformas: impresso, radiofónico, televisivo, e, mais recentemente, multimédia.
A pesquisa phenomenological de Creswell a que fiz referência (ver capítulo “OPÇÕES
METODOLÓGICAS”) é baseada na “analysis of significant statements, the generation of meaning
units, and the development of and “essence” description” (Creswell, 2003, pg. 191). A validação dos
dados não carrega consigo as mesmas conotações que tem numa abordagem quantitativa. Os dados
não são tão confiavéis e também não são generalizavéis e aplicavéis a novos padrões, pessoas ou
fenómenos (Creswell, 2003, pg. 195).
Além do mais, há ainda que ter em conta que a aplicação das entrevistas semi-estruturadas deu-se
em três situações distintas (sessão de cinema “caseira”, festival de cinema independente IndieLisboa
2009 e on-line), com três públicos diferentes e parece-me, por isso, importante dar conta de alguns
aspectos importantes tanto em relação aqueles que constituíram o público inquirido bem como ao teor
das entrevistas.
O público do da sessão de cinema “caseira”, como a apelidei, foi constituído essencialmente por
pessoas que me eram próximas, não ligadas profissionalmente ao cinema nem com formação
superior nessa área e que, segundo o meu conhecimento sobre a sua biografia pessoal, não são
membros de cineclubes e, na sua maioria, não frequentam festivais de cinema. Já o público do
festival Indielisboa terá sido, à partida, um público cujo interesse pelo cinema é maior, em especial
por um circuito alternativo de filmes, sendo que muitos dos espectadores estavam, de alguma forma,
ligados ao cinema em termos profissionais. Todo esse background poderá influenciar,
necessariamente, as respostas de cada um. Por último, os espectadores que acederam a responder
à entrevista on-line, é constituído, como veremos adiante, por uma certa heterogeneidade em termos
de género, idade e habilitações.
No que se refere ao teor das entrevistas, ainda que mantenham a mesma estrutura semi-estruturada,
o número de perguntas teve, a bem da obtenção de um número de respostas mais elevado, de variar
bem como houve perguntas que tiveram de ser reformuladas face ao suporte em que as entrevistas
foram realizadas.
Aos espectadores dos filmes seleccionados, “Ruínas” (2009), “No London Today” (2008) e “South
Main” (2008), em exibição no festival Indielisboa 2009, nos dias 24, 25 e 27 de Abril respectivamente,
as entrevistas foram entregues por mim sendo que, na primeira sessão foram entregues 25
entrevistas e devolvidas apenas 6, no segundo e terceiro filmes vistos foram entregues 15 entrevistas
tendo sido devolvidas 13 no caso do primeiro filme e 9 no segundo. Aos espectadores foram feitas as
seguintes perguntas:
Pré-visionamento1. Conhece o filme ou o seu autor? Se sim, com que ideia ficou?2. Quais são as suas expectativas face ao filme que está prestes a ver?
Pós-Visionamento1. O que achou do filme, em geral?
2. Considera que o filme é elucidativo em relação ao tema que trata?3. Do filme que acabou de ver, conseguiu identificar e recolher informações?4. Acha que as informações que reteve do filme são válidas, credíveis?5. Se sim, acha que são passíveis de serem tão válidas como as de outra fonte de informação como seja um telejornal ou um jornal impresso?
Gráfico 1
Tabela 1
No certame foram realizadas 28 entrevistas (ver Tabela 1) a espectadores de três filmes diferentes.
Á excepção do filme “Ruínas” (2009), em que a totalidade dos inquiridos respondeu positivamente
quando perguntada se tinha algum conhecimento sobre o autor, em nenhum dos outros filmes a
resposta foi afirmativa. Talvez por isso, quando questionados sobre as suas expectativas, também a
larga maioria respondeu que eram elevadas. Houve, inclusive, respostas interessantes que penso
valerem a pena ser destacadas: um dos inquiridos respondeu que esperava, com o visionamento do
filme, “ganhar conhecimento” e “aprender”13; um outro disse esperar “qualquer coisa para pensar e
reflectir”14 - ambas as afirmações foram feitas por inquiridos no filme “No London Today” (2008).
Adjectivos como “bom”15, “surpreendente”16, “belo”17, “poético”18 foram usados pelos espectadores
para descrever o filme “Ruínas” (2009). A maioria das pessoas considerou também o filme “No
London Today” (2008) um bom filme havendo quem o considerasse “oportuno”19. O filme “South Main”
(2008) teve uma menor aceitação por parte do público. A pouca dinâmica da obra foi o argumento
mais utilizado pelos espectadores para justificar aquilo a que a maioria disse ser um filme “fraco”20.
13 Entrevistado n.º 9 do filme “No London Today” (2008)14 Entrevistado n.º 2 do filme “No London Today” (2008)15 Entrevistado n.º 2 do filme “Ruínas” (2009)16 Entrevistado n.º 4 do filme “Ruínas” (2009)17 Entrevistado n.º 6 do filme “Ruínas” (2009)18 Entrevistados n.º 2, 3 e 6 do filme “Ruínas” (2009)19 Entrevistado n.º 5 do filme “No London Today” (2008)20 Entrevistado n.º 9 do filme “South Main” (2008)
RuínasNo London Today
South Main
02468
101214
Indielisboa 2009N.º de Inquiridos
Nº de Inquiridos
Não obstante as considerações tecidas pelos espectadores acerca da qualidade dos filmes, há
excepção de um ou dois inquiridos, todos responderam que consideravam os filmes elucidativos em
relação ao tema que tratavam. Um dos inquiridos referiu no entanto que o fazia sob reservas: para
ele, o filme era elucidativo na medida em isso significava “mais um ponto de vista sobre o mundo”21
dando, nas palavras de um outro, “elementos para pensar”22.
Dos 28 entrevistados, todos responderam ter conseguido identificar e recolher informações. Uma das
respostas de um espectador é bastante elucidativa, “vi o filme e aprendi”23. Este dado parece-me
bastante importante porque independemente do filme, do tipo de documentário e das características
de cada um, ele não deixou nunca de transmitir informações aos espectadores.
Também a totalidade dos inquiridos valida essas informações como válidas e credíveis. Existem
apenas quatro espectadores cuja resposta é dada sob reservas: um dos inquiridos diz considerar
como válidas e credíveis apenas algumas das informações, outro diz que o faz apenas “até certo
ponto”24 e outros dois dão particular relevância ao facto de se tratar do ponto de vista do realizador,
da sua “interpretação pessoal”25.
Por fim, a pergunta que se refere a questão essencial da minha pesquisa: consideram os
espectadores, as informações obtidas através do documentário tão válidas como as de qualquer outra
fonte de informação? Além de duas respostas claramente negativas, a generalidade dos
espectadores considerou-as tão ou mais válidas que as de uma qualquer outra fonte de informação. A
maior validade e fiabilidade atribuída ao documentário por alguns espectadores tem que ver, segundo
as suas respostas, com o facto de este “olhar crítico e poético ao mesmo tempo não passar na TV”26,
com a possibilidade de “o realizador poder acompanhar o quotidiano dos personagens”27 e ainda por
se tratar de “imagens recolhidas in-loco”28. Existiram ainda algumas respostas que podemos
considerar como dúbias, isto é, o espectador respondeu colocando algumas condicionantes. O tipo de
jornal ou telejornal e o seu editor, a hipotética manipulação da imprensa, e a necessidade de um
enquadramento correcto foram os argumentos utilizados por três dos inquiridos.
Passemos agora a análise dos dados recolhidos através da “sessão de cinema” e das entrevistas on-
line.
Como dados puramente estatísticos e, em parte, acessórios dado que não pretendo fazer convergir
nenhuma destas informações com as repostas dadas, apresento uma resumida análise aos dados
21 Entrevistado n.º 2 do filme “Ruínas” (2009)22 Entrevistado n.º 4 do filme “Ruínas” (2009)23 Entrevistado n.º 2 do filme “Ruínas” (2009)24 Entrevistado n.º 2 do filme “South Main” (2008)25 Entrevistado n.º 4 do filme “Ruínas” (2009)26 Entrevistado n.º 6 do filme “Ruínas”(2009)27 Entrevistado n.º 4 do filme “No London Today” (2008)28 Entrevistado n.º 11 do filme “No London Today” (2008)
relativos a género, idade e grau de escolaridade nas estrevistas feitas através da Internet e aquelas
que decorrem da “sessão de cinema” que organizei.
Tabela 1
Gráfico 1
Através do gráfico apresentado (Gráfico 1) podemos verificar que, termos de identidade de género, a
proporção entre sexo masculino e feminino é quase idêntica.
Tabela 2
44%
45%
11%
Entrevistas On-line e "Sessão de Cinema"Sexo
FemininoMasculinoNS / NR
Gráfico 2No que concerne à idade dos inquiridos, é notório que a clara maioria tem entre 21-25 anos (49 %).
De facto, o intervalo entre os 15 e os 30 anos é onde se encontra 76 % das pessoas que
responderam a esta pergunta. Isto pode ser explicado por se tratar um género de filmes em que “ the
nature of the work seems to attract a younger mind”29 embora isso, como salienta o realizador, não
seja intencional.
Tabela 3
Gráfico 3
O grau de escolaridade, na minha opinião, não condiciona a validade das respostas dadas. Ainda
assim, poderá ser significativo para o leitor o facto de mais de metade dos respondentes (59 %) ter
29 Peter Joseph, realizador, em entrevista feita dia 03/05/2009
3%
35%
47%
8%
3%1%4%
Entrevistas On-line e "Sessão de Cinema"Grau de Escolaridade
9º AnoEns. SecundárioLicenciaturaPós-GraduaçãoMestradoDoutoramentoNS / NR
15-2021-2526-3031-3536-4041-5051-6061-70
NS / NR
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Entrevistas On-line e "Sessão de Cinema"Intervalos de Idade
Número de Espectadores
formação superior.
No caso das entrevistas feitas na “sessão de cinema”, estas foram as questões colocadas:
Pré-visionamento
1. Julga que, pelo facto de ir ver um documentário, irá obter informações válidas, credíveis?2. Pensa que independentemente do filme e do tema em questão, o que irá observar é a
realidade?
Pós-Visionamento
1. Consegue identificar qual o tema tratado no filme?2. Considera que o filme é elucidativo em relação ao tema que trata?3. Acham que os intervenientes no filme são actores profissionais ou actores naturais?4. Julga que a forma como são filmadas as diferentes cenas e o processo de montagem poderá influenciar a sua percepção enquanto espectador?5. Conseguiu recolher quaisquer informações?6. Acha que as informações que reteve do filme são válidas, credíveis?7. Se sim, acha que são passíveis de serem tão válidas como as de uma qualquer outra fonte de informação como seja um telejornal ou um jornal impresso?
Façamos então uma análise, pergunta a pergunta, das respostas obtidas na “sessão de cinema”.
Na sessão de cinema foram inquiridas 8 pessoas, sendo que, cada uma delas, viu os três filmes
exibidos respondendo, por isso, a três entrevistas, o que totaliza 24 entrevistas.
À primeira questão colocada, as opinião dividem-se. Um dado que eu, enquanto investigador não
esperava, foi o condicionamento colocado à partida por cerca de metade dos inquiridos na “sessão de
cinema”. O problema, segundo esta facção, é de que “os factos relatados estão sujeito à forma como
são mostrados, ao critério do autor”30, “os aspectos que (…) acha importantes, por exemplo”31.
Consideram o documentário como sendo sobre “algo real podendo ser retratado sob um determinado
ponto de vista que é sempre subjectivo”32. As próprias informações podem, de acordo com aqueles
que colocavam dúvidas quanto à sua validade e credibilidade, ainda antes da exibição do filme, “não
vir de uma fonte credível”33 e a maior parcialidade poder levar a que a “informação seja deturpada”34 e
“não vir isenta de um caractér opinativo”35. A outra metade dos entrevistados defendeu as suas
expectativas afirmando, entre outras coisas, que “um documentário tem sempre uma base verídica,
factual”36.
30 Entrevistado n.º 8 do filme “Logo Existo” (2006), sexo masculino, 22 anos, Lisboa31 Entrevistado n.º 6 do filme “Lisboetas” (2004), sexo feminino, 22 anos, Lisboa32 Entrevistado n.º 8 do filme “Lisboetas” (2004), sexo masculino, 22 anos, Lisboa33 Entrevistado n.º 8 do filme “Logo Existo” (2006), sexo masculino, 22 anos, Lisboa34 Entrevistado n.º 3 do filme “Lisboetas” (2004), sexo feminino, 21 anos, Lisboa35 Entrevistado n.º 4 do filme “Zeitgeist: Addendum” (2008), sexo feminino, 20 anos, Lisboa36 Entrevistado n.º 5 do filme “Zeitgeist: Addendum” (2008), sexo masculino, 24 anos, Caldas da Rainha
Quando questionados se pensavam ir observar a realidade, independemente do tema que o filme
fosse abordar, todos os inquiridos responderam afirmativamente. Houve quem fizesse depender a
resposta à questão no assunto que o documentário poderia abordar. Ainda assim, a grande maioria,
referiu novamente a existência de um filtro dessa realidade, o ponto de vista, “a realidade em toda a
sua plenitude, não, mas sim através de uma perspectiva”37, “vista da perspectiva do autor”38. Houve
uma resposta particularmente interessante que penso resumir o pensamento da maioria: “o facto de
se tratar de um documentário implica o tratamento de uma situação real. A situação em si, não muda,
o que pode mudar é a visão dessa realidade”39. No fundo, o sentimento era que a obra iria retratar “o
real independemente do ponto de vista”40 que está sempre presente. É que, como faz questão de
notar um dos espectadores, “os factos são factos mas podem ser interpretados, logo, não são
absolutos”41.
As respostas a estas duas primeiras questões permitem-nos, ainda que de forma limitada, tirar
algumas conclusões. A primeira prende-se com o facto de os espectadores entenderem que o
documentário é, à partida, passível de transmitir informações válidas e a outra tem que a
compreensão de que a obra aborda a realidade sim, mas com a consciência que é uma visão filtrada
pela perspectiva do autor.
De igual forma, todos os espectadores não só conseguiram identificar o tema abordado no filme,
alguns incluindo descrições permonorizadas sobre aquilo que tinham visto, bem como o consideraram
elucidativo em relação ao tema tratado. No entanto, quando feita a mesma questão relativamente ao
filme “Zeitgeist: Addendum” (2008), alguns dos espectadores refriaram as suas respostas acusando
inclusive o filme de ser “manipulado para que a análise do espectador seja igual”42 à do autor
havendo ainda um espectador quem não o considerasse elucidativo.
Todos os espectadores assumiram ainda que os intervenientes no filme se tratavam de actores
naturais.
Quando questionados sobre se achavam que a sua percepção poderia ser influenciada pelo processo
de montagem, também todos os inquiridos responderam ter isso presente. A configuração de alguns
planos, a insistência sobre um determinado assunto foram alguns dos factores reconhecidos como
passíveis de deturparem a sua percepção.
Em todas as 24 entrevistas realizadas, os espectadores entenderam ter recolhido informações. É
ainda importante notar que, muitos deles, responderam ter-se sentido impelidos a reflectir sobre
aquilo que tinham visto, muitas das vezes, por abordar um tema ou ponto de vista sobre esse mesmo
37 Entrevistado n.º 5 do filme “Zeitgeist: Addendum” (2008), sexo masculino, 24 anos, Caldas da Rainha38 Entrevistado n.º 7 do filme “Zeitgeist: Addendum” (2008), sexo masculino, 24 anos, Lisboa39 Entrevistado n.º 3 do filme “Lisboetas” (2004), sexo feminino, 21 anos, Lisboa40 Entrevistado n.º 8 do filme “Lisboetas” (2004), sexo masculino, 22 anos, Lisboa41 Entrevistado n.º 8 do filme “Lisboetas” (2004), sexo masculino, 22 anos, Lisboa42 Entrevistado n.º 5 do filme “Zeitgeist: Addendum” (2008), sexo masculino, 24 anos, Caldas da Rainha
tema no qual nunca tinham pensado.
Jà a validade das informações que afirmaram positivamente ter recebido, é no filme “Zeitgeist:
Addendum” (2008) que, mais uma vez, surgem as maiores discrepâncias. Muitos consideram que o
ponto de vista é de tal forma exacerbado que as informações se tornam dúbias. A este respeito,
Sérgio Trefaut relembra um filme do Michael Moore que, pelo facto de ser tão idealista, fez com que
“quem já era daquela opinião não adiantou nada e, quem não era daquela opinião ,achava que
aquela manipulacão descarada era descarada demais”43. Houve, no entanto, um espectador que
referiu o facto de “talvez por se identificar com os ideais do documentário”44, validar as informações
como válidas e credíveis. No entanto, a extrapolação dessas informações, respeitantes a parte da
realidade, para se tirarem conclusões gerais poderá ser, nas palavras de um espectador, sinal de que
estamos a ser manipulados por forma a acreditar que “o fenómeno é assim em todas as suas
manifestações”45.
Relativamente à última questão, porventura, a principal, alongar-me-ei um pouco mais na análise das
respostas. Apenas o filme “Zeitgeist: Addendum” (2008) levantou algumas dúvidas aos espectadores,
muito por culpa de se tratar de um movimento com uma ideologia muito própria. O jornalista “deve
apenas informar e não juntar a sua opinião pessoal”46 o que, para alguns dos inquiridos, acontecia
neste filme, o que “não torna a informação inválida mas dá maior destaque a situações que dentro da
ideologia dos autores merece mais importância”47. Um espectador fez referência ao facto do filme ser
“produzido por um movimento independente”48 o que, no seu entendimento, conferia, às informações
apresentadas, uma maior validade do que aquelas veiculadas pelas fontes de informação
convencionais, órgãos de comunicação social dependentes de grandes interesses económicos.
No entanto, a grande maioria considerou que as informações são “(...) pelo menos, tão credíveis
como uma fonte de informação normal tendo em conta que a credibilidade das mesmas é relativa e é,
em última análise, uma questão de fé. Ou acreditamos naquilo que nos mostram é verdade ou não ”49.
Muitos responderam inclusive sentirem-se “(...) bastante mais informado(s) em relação a esta
realidade”50.
Foram vários as razões usadas pelos espectadores para justificar aquilo que, na sua opinião, conferiu
maior credibilidade às informações transmitidas. Os testemunhos, as entrevistas feitas pelos
diferentes autores foi o argumento mais recorrente. Além disso, um espectador notou que os temas,
por serem “abordado(s) de uma maneira mais exaustiva, o que não acontece nos telejornais ou num
43 Sérgio Trefaut, realizador, em entrevista feita dia 26/04/200944 Entrevistado n.º 6 do filme “Zeitgeist: Addendum” (2008), sexo masculino, 22 anos, Lisboa45 Entrevistado n.º 8 do filme “Lisboetas” (2004), sexo masculino, 22 anos, Lisboa46 Entrevistado n.º 8 do filme “Zeitgeist: Addendum” (2008), sexo masculino, 22 anos, Lisboa47 Entrevistado n.º 8 do filme “Zeitgeist: Addendum” (2008), sexo masculino, 22 anos, Lisboa48 Entrevistado n.º 6 do filme “Zeitgeist: Addendum” (2008), sexo masculino, 22 anos, Lisboa49 Entrevistado n.º 8 do filme “Lisboetas” (2004), sexo masculino, 22 anos, Lisboa50 Entrevistado n.º 6 do filme “Logo Existo” (2006), sexo feminino, 22 anos, Lisboa
jornal impresso”51 conferia maior fiabilidade às informações transmitidas.
Nas entrevistas on-line, as perguntas colocadas são exactamente as mesmas mas, em vez de se
referirem a um filme em particular, referem-se ao cinema documental no seu todo. As questões
enunciadas em baixo representam o enunciado das perguntas colocadas aos espectadores que
responderam à entrevista feita via Internet.
1. Pensa que independentemente do filme e do tema em questão, o que observa é a realidade?
2. Julga que a forma como são filmadas as diferentes cenas (por exemplo, um zoom numa
imagem com determinado peso emotivo) e o processo de montagem (por exemplo, a
sequências de imagens mostrada) poderá influenciar a sua percepção enquanto espectador?
3. Julga conseguir recolher quaisquer informações de um filme documental?
4. Julga que, pelo facto de ver um documentário, obtém informações válidas, credíveis?
5. Se sim, considera-as tão válidas como as de uma qualquer outra fonte de informação como
seja um telejornal ou um jornal impresso?
A primeira pergunta colocada foi, porventura, aquela em que se nota uma mais clara tendência de
resposta entre os inquiridos. De facto, resposta que mais entrevistados deram foi um categórico
“não”. Ainda assim, observa-se que muitos dos entrevistados colocaram algumas condicionantes ao
sentido da sua resposta. Enquanto alguns inquiridos disseram que “depende do tema”52 do
documentário, aquilo que mais espectadores referiram, tal como tinha acontecido na “sessão de
cinema”, foi a existência de de um ponto de vista. Assim, a realidade percepcionada seria sempre
uma realidade “que só existe para quem a percepciona”53, isto é,“limitada aos olhos de quem a
documenta”54, “a realidade do objecto tratado ou mesmo de quem trata o objecto”55.
Ao contrário da primeira pergunta, em que o teor das respostas foi tendencialmente negativo, na
segunda questão, relativa à consciência ou insconsciência que o espectador revela relativamente à
forma como a montagem e os restantes processos de realização poderiam afectar a sua percepção,
das 152 respostas recolhidas, houve apenas um espectador que respondeu “não”56 e outros dois que
referiam que “nem sempre”57. Ainda assim, a grande maioria invocou que “o espectador é levado a
pensar de uma determinada forma devido às opções do realizador e às técnicas de captação de
atenção sobre a imagem”58. Toda essa panóplia de técnicas e processos, algumas identificadas nas
respostas recolhidas, prende-se com o a necessidade que o realizador tem em ver “reforçada uma
ideia, emoção ou reacção”59. Um espectador, um pouco mais extremista na sua posição, defende
51 Entrevistado n.º 1 do filme “Logo Existo”, sexo feminino, 22 anos, Lisboa52 Entrevistado n.º 113, sexo feminino, 20 anos, Fundão53 Entrevistado n.º 13, sexo masculino, 28 anos, Lisboa54 Entrevistado n.º 124, sexo masculino, 26 anos, Lisboa55 Entrevistado n.º 124, sexo masculino, 26 anos, Lisboa56 Entrevistado n.º 89, sexo feminino, 33 anos, Sintra57 Entrevistado n.º 35 (sexo masculino, 61 anos, Oeiras) e n.º 93 (sexo feminino, 24 anos, Odivelas)58 Entrevistado n.º 119, sexo feminino, 21 anos, Oeiras59 Entrevistado n.º 59, sexo masculino, 29 anos, Caldas da Rainha
mesmo que “é preciso encontrar algum distanciamento para não sermos “manipulados” pelo
realizador”60.
Apenas 12 dos inquiridos respondeu afirmando não retirar de um filme documental, quaisquer
informações. Foi, portanto, a quase totalidade dos inquiridos que defendeu o documentário como um
“meio eficaz de recolher informação relativamente ao tema a que se referem”61 havendo mesmo quem
defendesse ser essa a “função de um filme documental”62 existindo ainda quem argumentasse que
essa informação não deva ser recebida de “forma passiva”63. Um espectador faz ainda referência ao
facto do filme documental, por se tratar de um meio audiovisual, fazer o espectador “captar e fixar
maior quantidade de informação”64.
Na quarta questão, à semelhança do que tinha acontecido quando colocada a mesma pergunta aos
espectadores da “sessão de cinema”, a quase totalidade dos entrevistados respondeu
afirmativamente. Em 152 respostas, apenas 4 foram negativas. Aqueles que não tinham a certeza do
seu sentido de resposta ou, por outro lado, consideraram a pergunta um quanto ou pouco subjectiva,
utilizaram, como principais argumentos dos quais dependeria a sua resposta, a qualidade do
documentário (isso sim, é, na minha opinião, subjectivo), o facto do documentário deve ser encarado
com um espírito crítico e, por fim, a idoneidade dos realizadores/produtores. Ainda que se reconheça
o “muito trabalho de pesquisa”65 exigido ao realizador de um filme documental, os espectadores que
se alongaram um pouco mais nas suas respostas fizeram novamente questão de notar a existência
do ponto de vista do autor do filme: “informações válidas e credíveis sim, mas nem sempre isentas”66.
Na última questão, em que se tentava verificar se os espectadores consideravam as informações
recolhidas através de um filme documental tão válidas como as de uma fonte de informação como as
de um qualquer meio de comunicação, houve quem as considerasse como inválidas, menos válidas,
tão válidas ou mais válidas. Aquilo que é claramente notório, quando analisadas as repostas, é que
muitos dos espectadores inquiridos duvidam da fiabilidade dos órgãos de comunicação social. Muitos
referem que essa confiança dependerá, em muito, da confiança depositada no meio de comunicação
em questão dado considerarem “as informações dos telejornais ou jornal impresso mais susceptíveis
de "desvios" de credibilidade”67. Nesta linha de pensamento, encontram-se aqueles que defendem a
maior validade das informações do documentário face a estas fontes. O facto de os temas serem
abordados “mais exaustivamente do que num telejornal ou jornal impresso”68 e do filme ser “feito com
mais tempo e com objectivos menos imediatos”69 foram alguns dos argumentos utilizados. Por outro
60 Entrevistado n.º 95, 59 anos, Alenquer61 Entrevistado n.º 4, sexo feminino, 22 anos, Caldas da Rainha62 Entrevistado n.º 9, sexo feminino, 51 anos, Caldas da Rainha63 Entrevistado n.º 121, sexo feminino, 29 anos, Coimbra64 Entrevistado n.º 26, sexo masculino, 23 anos, Caldas da Rainha65 Entrevistado n.º 116, sexo feminino, 21 anos, Odivelas66 Entrevistado n.º 23, sexo feminino, 35 anos, Lisboa67 Entrevistado n.º 17, sexo masculino, 55 anos, Lourinhã68 Entrevistado n.º 8, sexo feminino, 22 anos, Lisboa69 Entrevistado n.º 95, 59 anos, Alenquer
lado, houve quem considerasse que o o documentário, por representar sempre a perspectiva do
autor, seria, consequentemente, menos isento e cujas informações seriam por isso, menos válidas.
Não obstante todas estas divergências de opinião entre os espectador, o sentimento da maioria dos
entrevistados era de que, permitam-me utilizar a resposta de um dos entrevistados, “a veracidade
das informações e a criatividade que apresenta podem fazer dele (documentário) um óptimo recurso
de conhecimento e entertenimento”70.
70 Entrevistado n.º 9, sexo feminino, 51 anos, Caldas da Rainha
IV - CONCLUSÕES
1. CONCLUSÃO
Reconheço todas as limitações do tipo de pesquisa a que me propus e que me trouxe até este ponto
mas considero ser-me permitido tirar algumas conclusões ainda que estas possam não ser
extrapoláveis.
A análise da relação existente entre as informações veiculadas por um filme documental e a
percepção que os espectadores desses mesmos filmes fazem dessas informações encerra o ponto
esencial da minha tese. Deter-me-ei essencialmente nesta questão dado que, no capítulo anterior
foram analisadas uma série de outras interrogações que, no fundo, culminam nesta problemática.
Desde logo, há que referir o papel dos media enquanto tranmissor de conhecimentos/informações. O
advento dos media retirou à família e à escola o papel fundamental que ocupavam enquanto
transmissores de conhecimento relegando-as para um lugar secundário. No entanto, mesmo entre os
diferentes meios de comunicação, existem discrepâncias. Aqueles que utilizam a imagem têm uma
clara predominância sobre os outros: “...a imagem substitui progressivamente a escrita para fazer
circular a informação através do mundo” (WOODROW, 1996, pg. 43).
Em relação a este último ponto, Carl Hovland realizou, nos anos 40, uma série de experiências no
âmbito da psicologia experimental que examinavam os efeitos dos filmes feitos para informar os
soldados americanos acerca da guerra na Europa. Os resultados mostraram que as películas
mostradas pouco contribuíam para a moral dos soldados mas, no entanto, fazia com que se
sentissem mais informados acerca do assunto e capazes de o discutir (LECLERC, 1999, pg. 323).
Não se coloca, portanto, em causa o papel do cinema e, mais especificamente, do documentário
enquanto transmissor de informações independemente da validade atribuída pelos espectadores a
esses dados. Como vimos no capítulo anterior, a quase totalidade dos inquiridos, nas três situações
diferentes, considerou o filme documental como portador de informações e admitiram conseguir
recebe-las.
Ainda que esta questão não tenha levantado grande controvérsia entre os entrevistados, um grande
número de espectadores referiu o facto de essas informações não serem mais do que aquelas que o
realizador, o autor do filme, decidiu mostrar. São, inevitavelmente, uma parte da realidade e
representam o ponto de vista do realizador. Esta parece-me ser uma das principais conclusões a tirar
deste trabalho. É que, no meu entender, a maioria dos espectadores reconhece o cinema documental
como um meio pelo qual são veiculadas informações mas, ao mesmo tempo, não descura a
existência de uma interpretação de determinado objecto, assunto ou fenómeno. Coloca-se, ao
espectador, uma dúvida: deverá validar estas informações que reconhece receber sabendo, de
antemão, que não são mais do que aquelas que o realizador lhe decidiu mostrar?
O mesmo se aplica quando se lhes pergunta se consideram que aquilo que vêem é a realidade. Aqui,
mais uma vez, se coloca a mesma questão. Sim, sem dúvida, trata-se da realidade mas, não
obstante, é sempre a realidade do objecto tratado ou da pessoa que trata o objecto, o realizador.
O espectador é portanto confrontado com uma dualidade que será, porventura, impossível de
esclarecer cientificamente. Para ele, o documentário veicula a realidade, imagens dessa realidade
que contêm informações mas, ao mesmo tempo, essa realidade não é mais do que a realidade do
autor da obra e essas informações são também aquelas que o autor quis mostrar.
Uma outra questão que poderia, à partida, levar os espectadores a invalidar essas informações ou
retirar-lhes credibilidade seria o facto de estas serem passíveis de manipulação aquando do processo
de montagem. De facto, como refere Sérgio Trefaut, o “filme escreve-se na montagem”71. Também
aqui, a consciência de que “a montagem permite manipular as opiniões de uma maneira diferente”72,
era generalizada. Verifica-se nestas respostas a observação do entendimento de Cristian Metz que
defende que o espectador “sabe que o que está a ver são apenas imagens (…) e sabe que é ele
próprio que as percepciona (…) sendo nele, espectador, que as imagens ganham sentido” (Metz
citado por SOUSA, 1995, pg. 60).
O reconhecimento de todos estes “filtros” poder-nos-ia levar a pensar que os espectadores negassem
a validade e credibilidade das informações. Assim não aconteceu e, de facto, a generalidade dos
espectadores considerou precisamente o contrário.
Todas estas perguntas convergem para uma só: reconhecendo receber informações, válidas e
credíveis, conscientes de que as imagens observadas representam parte da realidade e um ponto de
vista sobre determinado objecto e que podem ter sido manipuladas para que as entenda de
determinada forma, considerarão os espectadores que estas informações são tão válidas e tão
credíveis como as de uma fonte de informação como um jornal impresso ou um telejornal?
Bem, dada a subjectividade que todos reconhecem ao filme documental, isso, à partida, seria negado
71 Sérgio Trefaut, realizador, em entrevista feita dia 26/04/200972 Sérgio Trefaut, realizador, em entrevista feita dia 26/04/2009
pelos espectadores. Todavia, aquilo que se verifica é que uma larga maioria considera-as, de facto,
tão válidas e credíveis bem como, uma parte significativa de espectadores, vê um filme documental
como uma fonte de informação ainda mais válida do que as fontes de informação de teor jornalístico.
Uma outra conclusão que se pode tirar, talvez de forma ainda mais limitada, é que muitos dos
espectadores não depositam confiança nos órgãos de comunicação social: existe a urgência de
tempo, de actualidade, o que não permite uma investigação exaustiva dos temas e, além disso,
parecem-lhes mais permeavéis a pressões que possam, de alguma maneira, retirar-lhes a
credibilidade. Não me detenho a analisar os vários motivos apresentados pelos espectadores dado
que já o fiz anteriormente. Aquilo que me parece interessante e importante ressalvar é que, mais uma
vez, com todas as limitações inerentes a esta pesquisa, os espectadores de documentários, ou, pelo
menos, aqueles que foram alvo da minha pesquisa, validam, na sua grande maioria, as informações
recolhidas através de um documentário atribuindo-lhes credibilidade igual ou superior às de fontes de
informação de teor jornalístico.
No meu entender, existem diversos limites à tentativa de estabelecer uma corelação entre o
documentário e as fontes de informação. Desde logo porque não é fácil, mesmo para os cineastas,
distinguir entre documentário e os restantes géneros cinematográficos. O mesmo é válido para o
espectador que, além desta díficil distinção, encontra ainda alguma dificuldade em dissociar o
documentário televisivo, vulgo reportagem, do filme documental. Além disso, como vimos
anteriormente, o conceito de fontes de informação é marcadamente subjectivo dado que, para
determinado espectador, estas possam ser umas e, para um qualquer outro, outras.
Um outro factor que sustenta este meu entendimento é a convergência que poderá, no entender dos
académicos, ser estabelecida entre características sócio-demográficas dos espectadores e a sua
percepção. A este respeito, o realizador Sérgio Trefaut, numa conversa que tivemos dias antes da
entrevista e que, infelizmente, não ficou gravada, dava-me conta de um estudo feito numa aldeia no
continente africano em que foi mostrado um filme de Charlie Chaplin para depois se perguntar aos
espectadores aquilo que lhes tinha mais chamado a atenção sendo que a resposta maioritária foi: as
galinhas. A este exemplo poder-se-iam juntar muitos outros. Para mais, existem ainda elementos de
natureza psicológica que determinam a percepção do espectador. De facto, “quando se pretende
analisar comportamentos e atitudes dos espectadores face aos filmes que visionam, o olhar de cada
um pode ter subjacente múltiplas motivações, bem como diversas interpretações inerentes.
Percepção, relacionamento e vivência que irão variar consoante os indivíduos, os filmes em causa e
as situações e os contextos em que se enquadram” (Freire, 2009, pg. 43). Isto significa que, por
exemplo, até o próprio contexto em que se dá a exibição do filme, mesmo em termos físicos, pode
alterar não só entendimento que fazemos do filme bem como a disponibilidade prévia ao
visionamento.
Num outro estudo, sem os diferentes limites a que fiz referência na Introdução deste trabalho, poder-
se-iam analisar os espectadores a um nível mais profundo, isto é, agrupá-los segundo todos esses
factores que podem, de uma maneira ou de outra, influenciar a sua percepção e verificar se existia
alguma coerência nos resultados tentando, dessa forma, estabelecer padrões de comportamento.
A título de exemplo, como trabalho futuro, parece-me que seria interessante analisar determinado
fenómeno à luz de várias fontes de informação diferentes e tentar de alguma forma perceber se os
espectadores estabelecem uma escala valorativa em relação a determinadas fontes. Imaginemos um
qualquer fenómeno. Tomemos como exemplo, o 25 de Abril de 1974. O que fornece, ao espectador,
mais informação? A música de intervenção da altura? A poesia? Os jornais? A fotografia? O cinema?
O cinema?
Como apontamento final, gostaria de referir apenas um aspecto. A arte, enquanto produto do homem
foi também ela sempre o reflexo de uma época e das pessoas que a viveram e o documentário é,
sempre, independemente de tudo aquilo que possa altrerar a sua estrutura e, consequentemente, a
sua percepção, uma obra de arte e a “art has always been a force for information”73. O seu valor é,
por mais estudos que se façam, inegável.
73 Peter Joseph, realizador, em entrevista feita dia 03/05/2009
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