Formas, Estados e Processos da Cultura na AtualidadeProf Martin GrossmannAluno Jlio Csar Bernardes Santos, n 8510574

Resenha crtica do filme Her, de Spike Jonze

O filme narra o relacionamento entre Theodore, um escritor recm divorciado, e Samantha, um sistema operacional de ltima gerao, dotada de uma inteligncia sobre-humana e programada para, de alguma forma, corresponder personalidade da pessoa com quem interage. A despeito dos sinais comumente encontrados em fices cientficas, concentrados principalmente na personagem de Samantha, o namoro entre as protagonistas confere obra tonalidades de drama e romance que se sobressaem.

A vida solitria de Theodore, evidenciada no crculo social pequeno e nas tentativas de satisfao sexual atravs de servios telefnicos, logo no incio do filme, justifica satisfatoriamente seu encanto em relao Samantha, cujo perfil criado em resposta a uma anlise do comportamento do escritor. Alm disso, durante a primeira parte do filme, so freqentes as cenas nas quais Theodore lembra com tristeza o fim do casamento, assim como outras em que um casal de amigos comea a apresentar desgaste na relao. A soma de tais elementos torna quase certo, num primeiro instante, que a histria consiste na facilidade de se relacionar com um sistema operacional em vez de com um ser humano, aludindo, assim, a uma realidade individualista, na qual a satisfao dos desejos e a idealizao do amor abrem espao para que a tecnologia substitua as interaes sociais. A impresso , enfim, a de uma verso futurstica do mito de Pigmalio e Galateia.

A trama, contudo, adquire novo teor e aponta para outra direo, quando Samantha admite estar em contato com mais outras oito mil pessoas, dentre as quais est apaixonada por seiscentas e quarenta. O choque causado por no ser nico para o sistema operacional, apesar de obviamente interpretvel de uma tica da quebra da expectativa da fidelidade em uma relao monogmica, possui, no contexto do solitrio Theodore, um embate entre o indivduo e o coletivo. Seu namoro com Samantha, aquilo que justamente o fazia se sentir especial, era, ao mesmo tempo, o que fazia mais centenas de pessoas se sentirem especiais, colocando-as todas, portanto, novamente em p de igualdade. O escritor se percebe, outra vez, apenas mais um entre tantos outros indivduos.

de importncia significativa, tambm, um raciocnio que permeia o casamento de Theodore e, depois, seu namoro com Samantha: o de que, em ambas as interaes, as pessoas envolvidas evoluram conjuntamente com o passar do tempo. O que parece apenas uma constatao interessante e reconfortante, aps a confisso de Samantha, ganha novo significado. Se o relacionamento possui carter transformador, ao mesmo tempo em que ele mudava ao interagir com ela, ela igualmente se metamorfoseava no s em resposta a ele, mas a todas as outras pessoas com quem mantinha contato. Ao se relacionar com Samantha, logo, Theodore estava se relacionando indiretamente com milhares de pessoas.

Surge, consequentemente, uma reflexo sobre os novos meios de interagir e se comunicar. O encanto de Theodore por Samantha encobre a quantidade imensa de conexes das quais participavam, e o choque da descoberta estarrece ao demonstrar como tais ligaes eram frgeis. A tecnologia, reunida no papel do sistema operacional, desempenha um papel anlogo ao da realidade: substitui poucas relaes profundas por muitas superficiais. E, por outro lado, se a constatao desta ramificao sensvel assusta, a distncia da tecnologia pode ser ainda pior. a completa desconexo.

O final do filme, em que Theodore, separado de Samantha, e sua amiga, tambm recentemente divorciada, olham para o horizonte, refora esse exlio. E constata-se finalmente a funo da verso futura de Los Angeles. A cidade, imensa e cheia de prdios, to solene e harmoniosa, de luminosidade to perfeita, no parece habitada. No h espao para as pessoas circularem no concerto meticuloso de seus edifcios. E assim, sozinhas numa metrpole vazia, que as personagens aparecem pela ltima vez, completamente afastadas do restante do mundo.