WERNER,Michael - Pensar a História Cruzada

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  • 8/19/2019 WERNER,Michael - Pensar a História Cruzada

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    1 ensar   h i s t ó r i cruzada:

    entre empiri a  e refl exi vi dade

    MICH AE L WERNE R E BÉNÉDICTE  ZIMMERMANN

    Professores

    daÉcole des Hautes

    Etudes em Scences Socales, Paris

    reflexão

     acerca das

      condições

      e modaidades de

    produção

     de um

    conhecimento sócio-histónco

     passou, ao longo dos

     últimos

     vinte

    anos, por desdobramentos significativos. Duas  séries de fatores,

    provenientes ao mesmo tempo do movimento interno das

     ciências

     socias e

    do contexto político mas gera, produziram conjuntamente os seus efeitos.

    Num

     plano

      político,

     as

      mudanças

     ocorridas

     desde

     1989, acopladas a um

    processo de aargamento e de

    multiplicação

     dos

     espaços

     de

    referência

     e de

    ação

     — a

    'mundialização',

     para retomar um termo consagrado

      —,

     marcaram

    os

     paradigmas

     de

     pesquisa

     dando especiamente uma nova atuaidade à exi

    gência

     de reflexividade. Num plano intelectual, a 'virada culturalista, ao

    enfatizar a especificidade ou mesmo o

     caráter irredutível

     do local, contribuiu

    para aprofundar os conhecimentos

     acerca

     do funcionamento diferenciado

    das

     sociedades

     e das culturas, provocando

     assim

     uma

    fragmentação

      dos

    saberes

     e com isto mesmo, a suarelativização.

    1

    As interrogações

     produzidas pelo esboroamento do colonialismo afe

    taram,

     por

     outro

     lado, a

    posição

     até

    então

     dominante das

      ciências

     socias

    'ocidentais'. Desde

    então, suspetas

     de imperialismo intelectua e de

    estratégi

    as dedominação política, elasvêem suaambição universaista enfraquecida

    2

    De tas

     desenvolvimentos resultam

    recomposições

     internas em

     cada

     discipli

    na e novos posicionamentos quanto ao lugar das ciências socias no disposi

    tivo

     gera de

    produção

     dos

     saberes.

    Mas

     esses

     deslocamentos levantam

    também questões

     que tocam dire

    tamente as práticas de pesquisa as maneiras de abordar as fontes e os terre

    nos. A

     proposição

     de

    história cruzada,

     que desenvolvemos aqui,

     inscreve-se

    nesse movimento gera. Empregada há

     cerca

     de dez anos emciências huma-

    TEXTOS DE HISTÓRIA, vol. 11, n 1/2,2003

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    MICHAEL WERNER

      E

     BÉNÉDICTE

     ZIMMERMANN

    nas e

     socias, estanoção

     deu lugar a variados

     usos.

     Na maioria dos

     casos,

     ea

    remete, de modo vago, a uma ou a um conjunto dehistórias,

     associadas

     à

    idéia

     de um cruzamento não especificado. Ela aponta

    então

      simplesmente

    para umaconfiguração de acontecimentos,

     mas

     ou menos estruturada pea

    metáfora

     do cruzamento.

      Freqüentemente, aliás, tas usos

     evocam

    histórias

    cruzadas, no

     plural.

     Este emprego corrente, relativamente indiferenciado, dis

    tancia-se das

     práticas

     de

     pesquisa

     que procuram uma abordagem

     mas espe

    cífica. Neste caso, ahistória cruzada relaciona geramente em

     escaa

     naciona,

    formações socias,

     culturas e

    políticas,

     partindo da

    suposição

     que elas man

    têm relações entre si.

    3

     Ela ensea por

     outro

     lado umareflexão acerca da

    operação

     que consiste em 'cruzar', tanto no plano

     prático

     como no intelectu

    al. Mas estes

     usos

     estão apenas começando a fixar-se Este artigo propõe-se

    a

    tomá-los

     precisos, inscrevendo

     a noção

     nos

     debates teóricos e metodológicos

    atuas.

     Assim especificada num plano empírico eteórico, ahistória cruzada

    pode

     contribuir

     ao

     aperfeiçoamento

     do instrumental da maioria das

     discipli

    nas das ciências humanas e

     socias.

    Três observações liminares situarão nosso propósito.

     Primeiro,

     ahistó

    ria cruzada pertence àfamília dos procedimentos relacionas que, ta como

    a

    comparação,

     os

     estudos

     de

    transferência

     e

     mas

     recentemente, da

     Connected

    e da

     Shared hstory

     pergunta peos elos, materiaizados na esfera socia ou

    simplesmente projetados, entre diferentes  formações historicamente consti

    tuídas.

     Neste sentido, ea retoma, em novos termos, as  discussões fetas ao

    longo dos últimos anos sobre acomparação, as transferências e mas generi

    camente sobre as

     interações sócio-culturais.

    4

     Ela oferece em particular pistas

    novas para sar do impasse dos debates entre comparatistas e especiaistas

    em transferências,

    5

     mas sem

     desprezar

     as

     contribuições dessas

     duas

     perspec

    tivas sobre as

     quas

     ea se apoia em grande medida

    Mas a

    história

     cruzada ambiciona

    também

     tratar objetos e

    problemáti

    cas  específicas que escapam às metodologias comparatistas e aos

     estudos

     de

    transferências.

    6

     Ela permite apreender

    fenômenos inéditos

     a partir de qua

    dros renovados deanálise. Assim fazendo, ea fornece aocasião de sondar,

    por

     um

    viés

     particular,

     questões geras

     como

     escaas, categorias

     de

    análise,

    relação entre sincronia e diacronia regimes de histoncidade e da reflexividade.

    Enfim,

     ea coloca o problema de sua

    própria

     histoncidade a partir de um

    triplo

     procedimento de

    histoncização:

     do objeto, das

     categorias

     de

    análise

     e

    das

      relações

     entre o pesquisador e o

     objeto.

     Ela oferece

     assim

     uma

     'caxa

     de

    9

    DOSSIÊ:  A JUSTIÇA NO ANTIGO  REGIME

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    PENSAR A HISTÓRIA CRUZADA

    ferramentas' que, mas além das ciências históricas, pode ser operaciona em

    muitas outras disciplinas que cruzam as perspectivas do

     passado

     e do presen

    te.

    7

    A  COMPARAÇÃO

     PERANT E

     A

     H ISTOR ICID AD E D E SE US OBJET OS

    Aqueles que praticam acomparação e tentam controlar seus efeitos,

    sea trabahando sobre materias do

     passado

     ou contemporâneo, têm consci

    ência de umasérie de dificuldades que, mesmo se elas se fazem sentir em

    situações

     variadas, todas concernem a

    articulação

     entre

    método

     e

     objeto.

    Simplificando,

     diremos que elas se devem ao fato que, por um lado, a com

    paração é umaoperação cognitiva que, na base funciona segundo umprin

    cípio deoposição binaria entrediferenças e similitudes, e que, por outro lado,

    ea se aplica emciências

     socias

     a objetos empíricos que são historicamente

    situados econstituídos demúltiplas dimensões, imbricadas umas nas outras.

    Em si mesmos, os problemas de auto-controle e de reaustamento perma

    nente do processo que daí resultamnão são insuperáveis. Eles fazem parte

    do pão de cada dia dos comparatistas, e cada um cuida disto à sua maneira.

    8

    Isto

     não impede que as questões de fundo permaneçam. Resumamos breve

    mente aqueas que

     nutrem

     aproblemática dahistória cruzada

    A primeira concernea posição

      do

     observador. Se mantemos o esquema de

    base

     daoperação cognitiva, acomparação supõe um ponto de vista exterior

    aos objetos quesão comparados. E mas, para ver corretamente e limitar os

    efeitos deótica,

     seria

     rigorosamentenecessário que o ponto de vista fosse

    colocado ideamente equidistante dos objetos, de

     modo

     a

     produzir

     uma

    visão simétrica. Enfim, o princípio decoerência dacomparação implica que

    o ponto

     de

    observação

     sea

    estável

     no

     espaço

     e no tempo. Ora,

     sabemos

    perfeitamente que emmatéria deobservação dos fatos de

     sociedade

     e de

    cultura, tal ponto de vista, teoricamentepensável, éinacessível naprática da

    pesquisa

     O pesquisadorestá sempre de uma

     forma

     ou de outra, envolvido

    no campo deobservação; ee investiu seu objeto, nem que sea por sualín

    gua peas

     categorias

     e conceitos que utiliza, por suaexperiência histórica,

    peos

     saberes

     prévios

     aos

     quas

     ee se refere, etc. Sua

    posição

     é,

     portanto,

    descentrada Mas ea se submetetambém avariações no tempo e nuncaestá

    perfeitamente fixada no espaço. A questão do posicionamento convida as-

    TEXTOS DE HISTÓRIA,

     vol.

     11,

     n

    Q

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    MICHAEL WERNER

      E

     BÉNÉDICTE

     ZIMMERMANN

    sim, a explorar procedimentos corretivos que permitam dar conta de

     tas

    dinâmicas.

    A

     segunda

     dificuldade

    está

     ligada

     à

     precedente Ela vem da

     escolha

     do

    nível da comparação.  Que se trate, por exemplo, daregião, do Estado-nação ou

    dacivilização, nenhuma destas escaas é ngorosamenteunívoca ou generalizável.

    Todas

     elas

     são historicamente

    constituídas

     e

     situadas, carregadas

     de

    conteú

    dos específicos e portanto, difíceis de transpor em quadros diferentes. Basta

    pensar, por exemplo, nos problemas colocados pelo conceito decivilização,

    desenvolvido emcondições históricas particulares, logo que queramos insti

    tuí-lo emnível genérico decomparação.

    9

      Naprática, podemos certamente

    contornar

     o

    obstáculo,

     integrando

     na

     grade

     comparativa uma margem

     de

    desvio,

     adaptada

     a cada caso estudado. Mas tas desvios ameaçam compro

    meter apertinência dos resultados, especiamente no caso decomparações

    multilateras que demandam umnúmero elevado deparâmetros.

    Além disto, aquestão das escaas provoca efetos diretos sobre adefi

    nição do

     obeto

    dacomparação. Sua

     escolha

     nuncaé neutra mas semprejá

     marcada

    por umarepresentação particular que mobiliza categorias específicas histori

    camente

    constituídas.

     Quer se trate de objetos de

    aparência

     simples e por

    tanto,

     dotados

     de

     uma certa

    evidência

     como

     o

     desempregado,

     o

     estudante

    ou asrelações de parentesco, ou mesmo de conjuntos mas complexos, como

    o

     sistema

     de ensino ou asrelações entreespaço público e privado, podemos

    facilmente mostrar que as grades deanálise divergemnão somente segundo

    a

     escaa

     escolhida mas

      também

     em

    função

     da particularidade dos terrenos,

    das  designações e dastradições de pesquisa a que se refere o pesquisador.

    Podemdaí resultardistorções consideráveis: primeiro anível daprópria iden

    tificação das entidades, da qua decorrem distintas  filiações categonas e pers

    pectivas

      científicas.

     Isto

     significa levantar aqui

     o

     problema

     da

    constituição

    histórica e situada dos

     objetos

     dacomparação. Para

     evitar

     oobstáculo da

    'naturaidade presumida de tas objetos, muitas vezes éindispensável interro

    gar sua histoncidade, e as marcas dexadas por ea sobre suascaracterísticas e

    seus usos contemporâneos.

    10

    Mas ahistoncização dos objetos e dasproblemáticas pode

     suscitar

    conflitos

     entre

    lógcas sincrònicas  ediacrônicas.  A comparação supõe um corte

    sincrônico,

     ou pelo menos um ponto de

     parada

     no fluxo temporal, mesmo

    que

     o

     comparatista trate

    também

     de

     processos

     de

    transformações

     ou

     possa

    fazer comparações no tempo. Mesmo neste caso, ele é levado afixar o seu

    92

    DOSSIÊ:

      A JUSTIÇA

      NO

     ANTIGO  REGIME

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    PENSAR A HISTÓRIA CRUZADA

    objeto, a

    fazê-lo

     parar no

     tempo

     e

     portanto,

     de aguma

     forma,

     a suspender

    o tempo. Se ee se aventurar excessivamente nadescrição de encadeamentos

    cronológicos

     que desembocam em

    mudanças específicas, terá

     dificuldade

    em

     justificar

    por que, em sua grade

     comparativa—

     implícita ou explícita

     —

     ee

    se apoia em ta elemento do processo e negligencia tal outro. Daí resulta uma

    procura

     de

    equilíbrio

     que, na

    prática,

     se revela muitas

     vezes frágil

     e

    instável.

    Uma

     dificuldade suplementar reside na

    interação

     entre

    os

     obetos

    da compa

    ração.

     Quando

     se estuda sociedades em contato, freqüentemente constatamos

    que os objetos e as práticas estão, não somente emsituação deinter-relação,

    mas anda se

     modificam

     reciprocamente sob o efeito darelação estabelecida

    Muitas

     vezes é o caso,

     por

     exemplo,

     nas

     ciências

     humanas e socias,

     em

     que as

    disciplinas

     e as

     escolas evoluempor

     meio

     das trocas cruzadas, em atividades

    culturas como a literatura, amúsica e as artes, ou emdomínios práticos

    como a publicidade, as  técnicas de

     marketing

     as culturas deorganização ou

    anda as políticas socias. O estudo comparado de tas zonas de contato, que

    se

     transformam

     enquanto interagem, convida o pesquisador a reorganizar

    seu quadro conceptua e a repensar

     seus

     instrumentos

     de

    análise.

    11

    Todos

     os diferentes pontos que acabamos de levantar remetem ao

    problema

     da

    articulação

     entre

    uma lógica

     de

    análise

     essenciamente

    sincrônica

    e objetos historicamente

    constituídos.

    12

      Os desafios suscitados ao pesquisa

    dor incitam antes de tudo a uma firme tomada deconsciência dadimensão

    histórica. Os estudos detransferências, que emanam precisamente de proces

    sos históricos, respondem a estaexigência, colocando, no entanto, outros

    problemas.

    As TRANSFERÊNCIAS

      E

     A QU ESTÃO

     D O

      REFERENCIAL

    Se acomparação tende a privilegiar a sincronia, a pesquisa sobre as

    transferências se

     coloca nitidamente numa

     perspectivadiacrônica.

    13

     Qualquer

    que

     sea

     a

     escaa tempora

     adotada a pesquisa sobre as

     transferências

     pressu

    põe

     um processo que se desenvolve no

     tempo.

     Analisando

     fenômenos

     de

    deslocamento e de

    apropriação,

     ea

     restitui

     encadeamentos factuas. Conse

    qüentemente, eanão se basea nahipótese de unidades deanálise estáveis,

    mas sobre o estudo de processos detransformação. Como para a compara

    ção,

     os aportes desta corrente de pesquisa são evidentes e os canteiros de

    TEXTOS

      DE

     HISTÓRIA ,

     vol

      11,

     n

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    MICHAEL WERNER  E BÉNÉDICTE ZIMMERMANN

    obras acionados

     revelaram-se

     fecundos, não somente na escaa das transfe

    rências entre culturas nacionas e regionas, mas  também em campos  especí

    ficos,

     como as

      relações

     entre disciplinas, as

      práticas artísticas,

     a

    história

     do

    livro

     ou ahistória econômica.

    14

     Emboraofereça respostas aquestões coloca

    das pelo comparatismo, os estudos detransferências também  apresentam,

    por

     sua vez,

     ângulos

     opacos.

     Para

     simplificar, limitar-nos-emos aqui às trans

    ferências entre conjuntos nacionas, mesmo

     sabendo

     que se trata de proble

    mas estruturas que tocam todos os domínios de pesquisa sobre as transfe

    rências.

    O primeiro problema concerne os quadrosdereferência.  Concentrando-se

    em

    transações

     entre dois

     pólos,

     a

    transferência

     implica um quadro

     fixo

     com

    portando

     pontos de partida e de

     chegada

     Quaquer

    descrição,

     quaquer

    aná

    lise

     detransferência pressupõe umcomeço e um fim, a partir dos quas o

    processo estudado toma-seinteligível einterpretável. No caso detransferên

    cias

     internacionas,

     tas

     pontos de partida e de

     chegada situam-se

     geramente

    no interior de

     sociedades

     e culturas nacionas

     postas

     em

     contato.

     Conseqüen

    temente as situações de origem e aqueas que resultam datransferências são

    escolhidas por meio dereferências nacionas estáveis e supostamente conhe

    cidas:

     por exemplo, a historiografia

    'alemã'

     ou

     'francesa,

     as

      concepções

     ur

    banísticas próprias àGrã Bretanha ou àRússia, etc.

    O

     fixismo dos pontos de partida

    e

     de

     chegada

     repercute sobre

    ainvariància

    das

     categorias

    deanálise.

     Constata-se

     com efeito que, ta como os quadros de

    referência, as

     categorias

     utilizadas para anaisar atransferência pertencem aos

    diferentes registros nacionas.

     Ou sea não

     somente o objeto da

    transferência,

    mas  também as atividades que lhe são associadas - detradução, por exem

    plo  — são

     apreendidas

     por meio de conceitos elaborados no seio de tradi

    ções

     disciplinares nacionas. Mesmo em se tratando de medir

     desvios

     ou

    fenômenos deaculturação e/ouresistência àaculturação,

     eles

     são

     avaiados

    emfunção de modelos estáveis. A significação do desvio se determina com

    a auda de

     categorias

     cuja histoncidade e labilidade ficam entreparênteses.

    Mas geramente, as duas dificuldades

     precedentes

     fazem

     aparecer

     um

    déficit  de relexivdadedevido a um insuficiente controle dos circuitos auto-

    referencias.

      Com

     efeito, se ao

     nível

     das

     relações

     entre conjuntos nacionas os

    estudos

     detransferência tinham iniciamente por objetivo tomar

     mas

     per

    meáveis

     as fronteiras e quebrar o

     mito

     de homogenedade das

     unidades

     na

    cionas, acontece que as

     categorias

     deanálise utilizadas re-introduzem, de

    94

    DOSSIÊ:  A

     JUSTIÇA NO ANTIGO

      REGIME

  • 8/19/2019 WERNER,Michael - Pensar a História Cruzada

    7/38

    PENSAR A HISTÓRIA CRUZADA

    certa forma

     peas

     lateras, as

     mesmas referências

     nacionas que se tratava de

    relativizar. O estudo das trocas

     produz,

     é certo, uma abordagem mas rica da

    cultura

     de

    recepção;

     ela evidencia os aportes estrangeiros e

     contribui

     a

    historicizaro

     conceito

     de cultura nacional. Mas aprópria representação de tal

    culturanão está

     de

     fato

     colocada em

    questão.

     Assim, antes que suavizar a

    ancoragem naciona das histonografias e das disciplinas de

    ciências

     humanas

    e socias, a pesquisa sobre as

     transferências

     arrisca-se a

    consolidá-las.

     Mas em

    gera, na medida em que os referencias de

    análise não são

     diretamente ques

    tionados,

     os estudos de

    transferência

     se

    expõem

     ao risco de todo empreen

    dimento que negligencia sua

    dimensão

     auto-referencia: eles

    não

     fazem mas

    que

     confortar

     os

     apriori

     que veiculam.

    Enfim, coloca-se aquestão dareciproádade  e reversiblidade Mesmo que o

    programa

     relativo às transferências não

     tenha fixado regra

     iniciamente,

     quanto

    a este ponto, as pesquisas empíricas geramente se voltaram para processos

    lineares simples de uma cultura ou de uma

     disciplina

     a uma outra, segundo a

    lógica daintrodução, difusão erecepção. Mesmo no caso, relativamente

     raro,

    de

    configurações

     triangulares, o objeto se

     limita

     a

    transferências sucessivas.

    15

    Ora,

     bem

    freqüentemente,

     as

      situações

     são mas complexas, colocando em

    jogo

     movimentos entre diferentes pontos, em pelo menos duas, normal

    mente muitas

     direções.

     Tas

      operações

     podem suceder-se no tempo - em

    certos

     casos

     faa-se

    então

     de

    re-transferências

    16

     - mas

     também

     se recortar em

    parte ou por inteiro, estando

     entendido

     que uma simultaneidade perfeita

    não

    é possível.

     Elas podem iguamente se cruzar e engendrar

    dinâmicas específi

    cas, por meio de diferentes tipos de

    inter-relações.

     Todos

     estes

     casos esca

    pam

     a uma

    análise

     que

     estabelece

     simplesmente uma

    relação

     entre um ponto

    de partida e um

     ponto

     de

     chegada

     Estudar

     tas

     diferentes

      configurações

    convida a conceber quadros teóricos e instrumentos metodológicos que per

    mitam abordar

    fenômenos

     de

    interação,

     implicando uma pluraidade de di

    reções e uma multiplicidade de efeitos. A nosso ver, a figura do cruzamento

    oferece a possibilidade de pensar tas

      configurações.

    A

      PESQUISA SOBRE

     OS

      CRUZAME N TOS

    No

     sentido literal, cruzar significa dispor duas coisas uma sobre a

    outra em forma de cruz.

    17

     Daí resulta um ponto de

    intersecção

     onde po-

    TEXTOS  DE HISTÓRIA, vol. 11, n

     1/2,2003

    95

  • 8/19/2019 WERNER,Michael - Pensar a História Cruzada

    8/38

    MICHAEL

     WERNE R E BÉNÉDICTE ZIMMERMANN

    dem se

     produzir

     acontecimentos  suscetíveis de afetar em graus diversos os

    elementos empresença,  segundo suaresistência, permeabilidade ou

    maeabilidade,

     e de seu

     entorno.

     Essa

    idéia

     de

    intersecção está

     no

     princípio

    mesmo dahistória cruzada ta como estamos nos propondo a desenvolver.

    Isto

     gera umasérie deconseqüências:

     A noção

     de

    intersecção

     exclui de

    início

     o

     raciocínio

     a

     partir

     de entida

    des

     individuais,

     consideradas exclusivamente por

     elas

     mesmas, sem ponto de

    referência  exterior. Ela rompe com uma perspectiva unidimensional,

    simplificadora

     e homogeneizadora, embenefício  de uma abordagem

    multidimensional quereconheça a pluralidade e asconfigurações complexas

    que

    daí

     resultem. Desde

     logo,

     as

     entidades ou os objetos de

     pesquisa

    não

     são

    apenas considerados uns emrelação com os outros, mas iguamente uns

    através dos outros, emtermos derelações, deinterações, decirculação. O

    princípio ativo edinâmico do cruzamento aqui é primordial, emcontraste

    com o quadro estático dacomparação que tende afixar os objetos.

    — Referir ahistória cruzada aconfigurações  relacionas e aprincípios

    ativos implica em seguida prestar umaatenção especia às conseqüências do

    cruzamento. Considerar que aguma coisa acontece no momento do cruza

    mento

     é uma

    hipótese

     forte

     da

    história

     cruzada Esta

    última

     focaiza tanto

     os

    cruzamentos propriamente ditos como as suas incidências erepercussões.

    Ela não se limita àanálise de um ponto deintersecção ou de um momento

    de encontro, mas toma mas largamente em conta os processos suscetíveis de

    resultar daí, como aliás sugere o termo 'história' nadenominação rustóna

    cruzada.

    — Cruzar étambém entrecruzar, entrelaçar, ou sea cruzar diversas ve

    zes, segundo temporaidades eventuamente distanciadas. Estecaráter pelo

    menos parciamente processua

     é

     o terceiro aspecto

     constitutivo

     de uma

     pro

    blemática dos cruzamentos. Ele nos remete àanálise das resistências, das

    inércias, dasmodificações — detrajetórias, de formas, deconteúdos  —, ou de

    novas combinações que podem ora resultar do cruzamento, ora nee se des

    dobrar.

     Tas  transformações, aliás, não se

     limitam

     necessariamente aos ee

    mentos postos em contato; elas podem tocar anda seu entorno próximo ou

    distante e manifestar-se segundo temporahdades distintas.

    — Isto nos conduz ao quarto ponto: as entidades, pessoas,

     práticas

     ou

    objetos cruzados ou afetados pelo cruzamento não permanecem forçosa

    mente intactos ou

     idênticos

     a si mesmos.

    18

     Suas

    transformações estão

     ligadas

    96

    DOSSIÊ:  A JUSTIÇA NO ANTIGO  REGIME

  • 8/19/2019 WERNER,Michael - Pensar a História Cruzada

    9/38

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    10/38

    MICHAEL

     WERNE R  E  BÉNÉDICTE ZIMMERMANN

    truí-lo, e é num

     movimento

     de ida e volta entre o pesquisador e seu objeto

    que se desenham conjuntamente as

     dimensões empíricas

     e reflexivas da his

    tória

     cruzada O cruzamento se dá

     assim

     como uma atividade congnitiva

    estruturante que, por diversas  operações de enquadramento,  constrói um

    espaço decompreensão. Através dee é um processo cognitivo articulando

    objeto,

     observador e ambiente que se abre O cruzamento das escaas espa

    cias

     e temporas, que tanto pode ser

    intrínseco

     ao objeto como o resultado

    de uma

    opção teórica

     ou

    metodológica,

     é um exemplo particularmente

    revelador desta

    imbricação

     entre

    dimensões empírica

     e reflexiva (4).

    Os CRUZAME NT OS INT RÍNSECOS AO OBJET O

    Os cruzamentos

      têm

     aqui uma ancoragem

    empírica

     e

    são

     constitutivos

    do objeto de pesquisa Este se confundeentão, em parte ou na totaidade,

    com um cruzamento particular, com o estudo de seus componentes e a

    maneira como ee se dá, de suas

     resultantes

     econseqüências. Naprática, em

    gera é extremamente

    difícil

     dissociar esses diferentes

     aspectos

     e

    informá-los

    com precisão,

     porque os cruzamentos e entrecruzamentos nunca se deixam

    reduzir a

     esquemas

     lineares ou a causaidades simples. Segundo os

     casos,

     um

    ou outro destes aspectos é colocado no centro daanálise, emfunção da

    entrada escolhida no processo de cruzamento. A tônica pode incidir sobre a

    dimensão histórica

     constitutiva dos eementos cruzados e sobre a

    história

     do

    próprio

     cruzamento, como na pesquisa feita por Sebastian Conrad sobre a

    constituição dahistória japonesa naconfluência entretradição loca e impor

    tação de uma historiografia naciona  européia.

    21

     A pesquisa visaentão os

    momentos e os fenômenos anteriores ao cruzamento, assim como as moda

    lidades desteúltimo.

     Mas

     também

     é

    possível interessar-se

     pelo que se

     passa

     a

    seguir,

     aos produtos e aos processos que o cruzamento

     gera mas

     ou menos

    diretamente. E o

     caso

     de um estudo reaizado porKapil Ra sobre os efetos

    do cruzamento entremétodos hindus e ingleses nagênese de uma cartografia

    britânica no começo do século X I X .

    2 2

     Esta jánão apareceentão mas como

    uma

    realização

     autenticamente

      'inglesa,

     mas como o resultado de um vai e

    vem

     entre duas

      tradições

     distintas que se fecundaram. Da mesma forma

    Christine Lebeau mostra em suas

     pesquisas

     sobre a figura do administrador

    no século

     X V I I I,

     como os

     saberes

     administrativos

     foram

     sendo

     constituídos

    98 DOSSIÊ:  A JUSTIÇA  NO AN TIGO  REGIME

  • 8/19/2019 WERNER,Michael - Pensar a História Cruzada

    11/38

    PENSAR A HISTÓRIA CRUZADA..

    de maneira cruzada pelacirculação, através de toda a Europa, de monografias

    e documentos devárias proveniências, conservados nos papéis privados dos

    gestores das  finanças públicas daépoca.

    23

     Sea qua for o ponto de partida, o

    cruzamento se comporta, nestes estudos, como matriz de base para a cons

    trução

     do objeto que

    será,

     em

     cada

     caso, mas ou menos fortemente apro

    priado

     àanálise dos momentos anteriores ou posteriores aos pontos de

    intersecção propriamente ditos. Neste sentido, trata-se de objetos de pesqui

    sainéditos, freqüentemente inacessíveis às problemáticas dacomparação de

    das  transferências.

    O CRUZAMENTO DOS PONTOS DE VISTA

    Aqui

     nos situamos no

     domínio

     dos cruzamentos entre terrenos, obje

    tos,

     escaas,

     ou

     sea

     no domínio das

     coisas

     que o pesquisador cruza enquan

    to os cruzamentos precedentes se produzem sem suaintervenção direta—

    mesmo se o simples fato de identificar um objeto como tema reevante da

    história cruzada já sea uma forteintervenção de sua parte. Focaizemos ex

    clusivamente

     essa

    distinção.

     Em contraste com o

     tipo

     precedente de cruza

    mento, que o pesquisador pode tentar descrever, comprender, mas cujos

    mecanismos ee nem sempre conhece e dos quas uma parte sempre lhe

    escapará,

     este

     segundo tipo de cruzamento suscita uma atividade intelectua

    estrururante e voluntansta, por meio da qual se desenham os

     contornos

     não

    somente de um objeto, mas  também de umaproblemática de pesquisa

     Aqui

    se coloca a

    questão

     da

    constituição

     do objeto, tanto de um ponto de vista

    empírico

     como

     epistemológico.

     Assim, um estudo da

    recepção

     da

     Germania

    de

    Tácito

     na Europa entre os

     séculos X V

     e

    X X

     pode revelar

    fenômenos

     de

    cruzamentos históricos - acirculação dos argumentos e suareinterpretação

    segundo diferentes contextos nacionas - , mas ea podetambém enfatizar a

    necessidade de cruzar diferentes

     recepções

     nacionas para constituir uma pro

    blemática

     de

     pesquisa

     de

    dimensão européia.

    Em suma aconstrução do

     objeto,

     que podemos considerar numa pers

    pectiva webenana como aadoção de um ou devários pontos de vista par

    ticulares sobre o objeto,

    24

    , já é o resultado de diferentes operações de cruza

    mento.

     E, na medida em que ee pode evoluir ao longo da

     pesquisa

     o

     ponto

    de vista adotado suscita

     novos

     cruzamentos. O pesquisador é levado efetiva-

    TEXTÔS DE HISTÓRIA, vol. 11, n

     1/2,2003

    99

  • 8/19/2019 WERNER,Michael - Pensar a História Cruzada

    12/38

    PENSAR A HISTÓRIA CRUZADA..

    anda emrazão de suaprópria inserção na sociedade francesa Seriainútil e

    ingênuo

      procurar desfazer-se de uma vez por todas deste problema

    constitutivo

     de quaquer pesquisacientífica.

    29

     Pode-se

     no entanto tentar con

    trolar suas

    incidências

     a partir de um trabaho de

    objetivação

     das multiformes

    relações com

     o

     objeto —

     conscientes de que

     estaobjetivação será sempre

    parcia

      a

     fim de melhor controlar os

     vieses

     que

     elas

     podem introduzir nos

    resultados da pesquisa As modaidades deapropriação do objeto pelo

     pes

    quisador, as

    resistências

     do objeto, as

    condições prévias

     colocadas pela sua

    escolha

     ou anda

     a

     manera como podem modificar-se durante

     a

     pesquisa

     as

    relações entre o pesquisadore o

     objeto,

     por exemplo, por meio daredefinição

    deste ou pelo reaustamento das problemáticas e das categorias analíticas, são

    diferentes aspectos de uma

    démarche

     reflexiva na qua a

    posição

     do pesquisa

    dor e adefinição do objeto evoluem e seus deslocamentos respectivos são

    produtos

     de

    interações específicas.

     O

     espaço

     de

    compreensão criado

     pela

    pesquisanão

     existe apriori

     e

     se

     constitui de formadinâmica através

     das

     rea

    ções cruzadas de um e do outro. Assim

     se

     encontram simultaneamente con

    figuradas  dimensões empíricas

     e

     reflexivas.

    O  CRU ZAME N T O D E ESCALAS

    A questão

     das escalas

     permite ilustrar

     a

     forma como empiria

     e

    reflexividade podem

     se

     articular numa perspectiva

     de

    história cruzada

     Ela

    aponta

     o

     problema

     das unidades

     espacias

     e

     temporas

     de

    análise,

     de sua

    escolha raciona emfunção do objeto, do ou dos pontos de vista adotados.

    Abordar asquestões de escaa ao mesmo tempo como dimensão intrínseca

    ao objeto

     e

     como opção cognitiva oumetodológica escolhida pelo pesqui

    sador,

     implica uma ruptura com

     uma

    lógica

     de escaas

    pré-constituídas,

    mobilizadas automaticamente, como

     é

     comum

     para o

     naciona

     ou para as

    grandes datas

     da

     cronologiapolítica que

     se

    impõem como quadros naturas

    deanálise, definidos independentemente do objeto.

    Este problema das escaas jáfoi objeto deinumeráveis desenvolvimen

    tos.

     Ele foi colocado particularmente em termos de

    relações

     entre o micro e

    o macro,

     e

     explorado sobretudo

     pela

     mcrostoriaitaiana

     pela

     abordagem

    'multiscópica'

     francesa

     ou anda

     pela

     Alltagsgeschchte

    alemã.

     Apesar

     de suas

    especificidades,

    30

     essas

    três abordagens têm por denominador comum tratar

    TEXTOS DE HISTÓRIA,

     vol.

     11, n

     1/2,2003

    1 1

  • 8/19/2019 WERNER,Michael - Pensar a História Cruzada

    13/38

    MICHAEL WERNER

      E  BÉNÉDICTE ZIMMERMANN

    a

    questão

     das escaas principalmente como um problema de escolha do

     nível

    deanálise pelo pesquisador. Assim a mscrostoriaescolhe o micro para mostrar

    em

     que ee pode enriquecer

    e

     fazer

     evoluir

     as

     categorias

     utilizadas

     tradiciona

    mente pela

    análise

     macro.

    31

     Seus adeptos mas radicas chegam

    até

     a trazer o

    conjunto

     dos fenômenos a uma escaamicro pelaconvicção de que o micro

    engendraria

     o

     macro.

    32

     Já

     as

     propostas

     de

     abordagens  multiscópicas desen

    volvidas

     na

    França

     buscam

     escapar

     a

     essa

     perspectiva

    dicotômica,

     conceben

    do os 'jogos de escalascomo umamudança de foco para variar os pontos

    de vista sobre

     o

     passado. Por esteprincípio,

     o

     loca

     aparece

     como uma 'mo

    dulação

     particular' do global e ao mesmo tempo, como uma

    versão

      dife

    rente das reaidades macro-socias.

    33

     Finamente, •àAlltagsgeschichte fundamenta

    a

     escolha

     do micro e a

    crítica

     do

     macro numa antropologia

     das

    relações

    sociais.

    34

     Mas ao conduzir muito exclusivamente aquestão das escaas a uma

    escolhateórica ou metodológica,

     a

    mkrostoria,

     a

     abordagemmultiscópica

     e a

    Alltagsgeschchtedeixam de colocar de

     fato

     o problema daarticulação empírica

    e do acoplamento de diferentes escaas aonível dopróprio

     objeto.

     Pois as

    escaas

    são

     tanto

     um assunto de escolha intelectua quanto são induzidas peas

    situações concretas

     de

    ação próprias

     aos

     objetos estudados.

    Em regra geral,

     os

     objetos  empíricos relevam

     de

     muitas

     escaas ao

    mesmo tempo

     e

     escapam

     a

     abordagens

     de

     foco

     único.

     E

     o

     caso,

     por exem

    plo, daconstituição da categoria de desemprego na Alemanha entre 1890 e

    1927.

    35

     Seus

     protagonistas agem, simultânea ou sucessivamente em diferen

    tes

      níveis:

     municipal, nacional, ou mesmo internacional, de tal

     modo

     que

    essas

     diferentes

     escaas

     aí

     se constituem

     em parte umas através das outras. As

    escaas

    não poderiam aqui

     ser

     reduzidas

     a

     um

     fator

     explicativo externo, pois

    são parte integrante daanálise. Assim, de um ponto de vista espacia, elas

    remetem

     à

     pluraidade

     de

     cenas,

     de

    lógicas

     e de

    interações

     a

     que pertence

     o

    objeto

     de

    análise.

    36

     De um

     ponto

     de

     vista

     tempora,

     elas

     colocam

     a

    questão

    das tempora idades do observador, do objeto e de suas interferências na

    confluência entre empina e metodologia A atenção dada a seus acoplamentos

    e

    articulações permite

     dar

     conta

     de

    interações constitutivas

     de

    fenômenos

    complexos não redutíveis a modelos lineares.

    O transnaciona oferece uma boailustração

     dessa

     dupla aposta

     Numa

    perspectiva

     de

    história cruzada

     o

     transnaciona não pode simplesmente

     ser

    considerado como umnível suplementar deanálise que viria somar-se ao

    local,

     regiona ou naciona, segundo uma

    lógica

     de

    mudança

     de

     foco.

     Ele

     é,

    1 2

    DOSSIÊ:

      A JUSTIÇA NO ANTIGO

      REGIME

  • 8/19/2019 WERNER,Michael - Pensar a História Cruzada

    14/38

    PENSAR A HISTÓRIA CRUZADA..

    pelo

     contrário, apreendido enquanto umnível que se constiui eminteração

    com os precedentes e que engendralógicas próprias, com efeitos retroativos

    sobre as outras lógicas deestruturação do espaço. Longe de se limitar a um

    efeito

     de

    redução macroscópica,

     o estudo do transnaciona faz

     aparecer

     uma

    rede deinter-relações dinâmicas, cujos componentes são em parte definidos

    por meio dos vínculos queentretèm e das articulações que estruturam suas

    posições.

    57

     Encarada por esteângulo, ahistória cruzada pode abrir pistas

    promissoras para a escrita de uma escrita dahistória da Europa que não se

    reduza à soma das histórias dos Estados membros ou de suasrelações polí

    ticas, mas que considere a diversidade das  transações, negociações e

    reinterpretações que se dão em diferentes

     cenas

     em tomo de uma grande

    variedade de objetos e cuja

    combinação

     contribui

     a modelar com geometria

    variável umahistória européia.

    A abordagem em termos de cruzamento favorece a ultrapassagem

    dos arrazoados queopõem

     micro

     e macro, insistindo pelo contrário em sua

    inextricável imbricação. A noção de

     escaa

     neste caso, não remete ao

     micro

    ou ao macro, mas aos diferentes espaços em que se inscrevem as  interações

    constitutivas do processo anaisado. Em outros termos, as escaas que nos

    interessamsão

     aqueas

     construídas ou mobilizadas nas situações estudadas, e

    são

     tanto espacias quanto temporais, e

     suas

    variações

     não

     sãó' ó' apanágio

    exclusivo do pesquisador mas  também o produto dos protagonistas das

    situações estudadas. Vê-se

     portanto

     que o cruzamento pertence ao mesmo

    tempo

     ao registro do objeto de estudo eàquele dos procedimentos de pes

    quisa ligados às escolhas do pesquisador. Na suaversão mas exigente, a

    história cruzada pretende

     estabelecer

    conexões entre os dois registros e en

    trelaçar assim empiria e reflexividade.

    UMA INDUÇÃO PRAGMÁTICA...

    Mas, como estudar, objetivar

     essas

     diversas formas de cruzamento? O

    exemplo das escaas

     permitiu formular

     agumas

     proposições

     que

    convém

    agora

     aprofundar.

     Insistir

     sobre a necessidade de partirdó objeto de pesqui

    sa e das situações concretas deação conduz a uma conduta

     indutiva

     e prag

    mática.

     De um

     ponto

     de vista

    epistemológico,

     toda

    produção

     de conheci

    mento sócio-histónco associa procedimentos indutivos e dedutivos, é certo,

    TEXTOS DE

     HISTÓRIA,

     vol.

     11,

     n 1/2,2003

    103

  • 8/19/2019 WERNER,Michael - Pensar a História Cruzada

    15/38

    MICHAEL WERNER  E BÉNÉDICTE ZIMMERMANN

    mas em

    proporções variáveis.

    38

     No caso

     da

    comparação,

     onde a parte dedu

    tiva

     é geramente

     importante,

     as

     problemáticas

     nacionas previamente dadas

    e cristaizadas numa

    língua

     e em categorias de

    análise

     particulares tendem

    então

     a prefigurar uma parte dos resultados. A

     história

     cruzada

    não

     escapa à

    Inércia dessaformatação

     naciona preestabeecida mas sua

    inflexão indutiva

    procura limitar-lhe

     os efetos por meio de um dispositivo de pesquisa no

    qua os objetos, as categorias e as grades deanálise se austem passo a passo

    durante a pesquisa Assim Nicolas

     Mariot

     e Jay Rowell mostram, num estu

    do

     sobre as visitas de

     chefes

     de Estado na

    França

     e Alemanha

    às vésperas

     da

    primeira

     guerra mundial, como a

    transposição

     de uma

    problemática

     e de

    uma grade de

     pesquisa

     de um

    país

     a outro pode ser testada Reveando uma

    dissemetna das

     situações, não

     somente no desdobramento

     prático,

     mas

     tam

    bém

      na

    vocação simbólica

      destas visitas, apontando importantes

    distanciamentos entre as diferentes maneras de conceber e de categorizar a

    ação pública ou as  relações entre o centro e a periferia, uma ta  verificação

    leva a revisar aproblemática  inicial e a reformular as categorias que a

    estruturavam.

    39

     Portanto, o

     princípio

     da

    indução

     faz aqui

      referência

     a um

    processo de

    produção

     de conhecimento em que os diferentes eementos são

    definidos

     e se

    necessário,

     reposicionados entre si. Seu

    caráter pragmático

    deve

    além

     disto audar a

     limitar

     a

    tentação

     das

      construções apnorísticas

     e a

    contornar

     o

     obstáculo

     do essenciahsmo das categorias demasiado

      estáticas.

    A indução pragmática

     implica

     portanto partir

     do objeto de estudo e

    das

      situações

     de

    ação

     em que ee é considerado e se desdobra em

    função

     de

    um ou devários pontos de vista previamente definidos, mas submetidos a

    reaustes permanentes motivados peainvestigação empírica, apoiar-se nas

    situações

     permite

     escapar

     a um uso

     cômodo

     e

    preguiçoso

     do contexto

    40

    ,

    recusando seu

    caráter genérico

     e preestabelecido, e integrando uma

    reflexão

    acerca

     dos

     princípios

     que regem sua

    definição.

     Cabe

     aí uma

    análise

     da manei

    ra pea qua as

     pessoas

     se

     apegam

     efetivamente ao

     mundo,

     da

    construção

    específica desteúltimo

     e do contexto agenciado por essa atividade em cada

    caso particular, e finamente, dos

     usos

     que ta

     construção viabiliza.

     A

     atenção

    dada

     às  situações  é também uma  forma de questionar o  caráter de

    extenondade,  freqüentemente engessado, do

     contexto,

     parafazê-lo parte in

    tegrante da

    análise.

     Ta como a escolha das

     escaas,

     a

    definição

     do contexto

    não

     é

    privilégio

     exclusivo do pesquisador. Ela remete

    também

     a referencias

    próprios

     aos objetos e às atividades

     estudadas

     e

     desta

     forma

     se

     torna

     uma

    1 4

    DOSSIÊ:

      A JUSTIÇA

      NO

     ANTIGO  REGIME

  • 8/19/2019 WERNER,Michael - Pensar a História Cruzada

    16/38

    PENSAR

     A HISTÓRIA

     CRUZADA..

    dimensão

     importante da

    história

     cruzada Assim, ea

    íntegra

     no trabaho de

    contextualização

     operado pelo pesquisador, a

    dimensão

     referencia dos ob

    jetos e das

      práticas anaisadas,

     levando em conta não só a variedade das

    situações

     de

    ação

     em que as

      relações

     com o contexto se estruturam, mas

    também

     o efeito que o estudo de

     tas situações exerce

     sobre os procedimen

    tos

     analíticos

     do pesquisador.

    41

      Nesta

    acepção,

     a

    noção

     de

    situação designa

    não somente um quadro específico deação tal como definido por Erving

    Goffman, mas anda - e iguamente importante - as

      interações

     particulares

    que prevaecem nesse quadro.

    42

     Por sua vez, a

    referência

     à

    ação

     situa a

    dinâ

    mica das atividades

     concretas

     das

     pessoas

     em

    situações dadas

     no

     âmago

     da

    análise. Mas além das  construções preestabelecidas, a abordagempragmáti

    ca permite assim identificar, por um lado, as

      referências

     e as categorias efeti

    vamente mobilizadas na

    ação

     e por

     outro,

     as maneiras como

     elassão

     mobi

    lizadas.

    43

    A indução pragmática não

     significa no entanto, entrincheirar-se em um

    nível

     micro, ou limitar-se a uma

    justaposição

     de

    situações,

     em detrimento de

    toda

     forma de

    generalização.

     Mas a

    generalização provém então

     da

     combi

    nação destas situações diversas

     e das

      lógicas

     de

    ação

     que

     lhes são próprias.

    44

    A emergência

     de formas comuns de

    organização

     do concerto no

      século

    X IX

     na Europa pode ser assim estudada a partir de

    constelações

     locas, muito

    variadas, e

    através

     das

      práticas concretas

     dos atores.

      Instituições

     como as

    sociedades

     de concertos ou figuras

      genéricas

     como o

     empresário

     e o

     agente

    de concertos nascem, com efeito, no interior de uma pluraidade de configu

    rações

     e

     segundo lógicas

     que

    não

     podem se reduzir a um

     processo

     de evolu

    ção

     linear, que alguns

     autores

     gostariam de resumir numa progressiva

    comercialização

     ou numa

    diferenciação

     generaizada de

    funções ligadas

     à

    organização

     do concerto.

     Seus

     contornos se definem, pelo

      contrário,

     nos

    choques

     entre as expectativas e as

     estratégias

     de atores, por

     vezes contraditó

    rias, às

     quas

     respondem enquanto vão se estruturando.

    45

     Da

     mesma forma,

    a

    indução pragmática

     não significa restringir-se a temporaidades

     curtas

     de

    ação

     em detrimento da longa

    duração.

     Peo

      contrário,

     o tempo longo das

    estruturas aí se conjugaàs conjunturas curtas daação, numaanálise da ativida

    de socia fundada sobre o estudo das

     relações dinâmicas

     entre

    ação

     e estrutu

    ra Deste

     ponto

     de vista a atividade das

     pessoas

     se revea ao mesmo tempo

    estruturada e estruturante,

    46

     numa

    relação

     de

    interferências recíprocas

     entre

    estrutura eação. Mas essaestruturação é menos determinada pela necessida-

    TEXTOS DE HISTÓRIA,

     vol.

     11,

     n

    Q

     1/2,2003

    1 5

  • 8/19/2019 WERNER,Michael - Pensar a História Cruzada

    17/38

    MICHAEL

     WERNER E BÉNÉDICTE ZIMMERMANN

    de de um processo irreversível que pelo cruzamento naação de dificuldades

    e

     recursos

     que são em parte estruturamente dados, em parte ligados à con

    tingência das  situações.

    47

     Assim, por exemplo, a maor parte de nossas insti

    tuições relevam de uma dupla ancoragem: numahistória estrutura longa que

    marca sua

    lógica

     e seu funcionamento, e em conjunturas

     singulares

     de

    ação

    decisivas para suaaparição e suatransformação.

    48

     O ponto de vista de uma

    pragmática socia permite

     pensar

     ainterdependência dessas duas dimensões,

    a partir daobservação dos deslizamentos e dos distanciamentos que inter

    vém ao longo daação e que autorizam momentos deinovação institucional.

    Atenta simultaneamente

    às

     conjunturas curtas da

    ação

     e

    às condições

     estrutu

    ras de possibilidade estaúltima, uma ta abordagem abre perspectivas para

    pensar

     conjuntamente a

    mudança

     e a estabilidade.

    ... E  REFLEXIVA

    Tal como

     sugere

     o exemplo das escalas, estaindução pragmática é

    também reflexiva Este é um dos pontos que distinguem ahistória cruzada

    tanto

     do comparatismo - que, ideamente, postula a

    existência

     de um ponto

    de vista exterior

     permitindo,

     sea

     construir objetos

     comparáveis,

     como apli

    car-lhes

     questionários analíticos comuns — quanto dos

     estudos

     detransferên

    cia

     que em gera, não questionam seus pressupostos referencias.  Não abor

    daremos aqui aquestão de fundo, debatidahá mas de umséculo nas  ciências

    sociais.

    49

     Sublinharemos apenas

     aguns aspectos

     em que a

    história

      cruzada

    pode contribuir ao enfrentamento do desafio da reflexividade Tanto aindução

    pragmática como os procedimentos dehistoncização que lhesão

     associados

    na

    história

     cruzada geram formas de reflexividade. Ligada

    às lógicas

     da

    ação,

    a

    indução pragmática

     leva a

     reaustar

     os

     princípios

     e a

    lógica

     da

     pesquisa

     em

    cada um dos

     seus

     desdobramentos. A histoncização, por sua vez, coloca em

    relação escalas espaço-temporais  variadas com diferentes  regimes de

    histoncidade e composições deobservação elas mesmas historicamente si

    tuadas.

    A história

     cruzada das disciplinas permite ilustrar certos

     aspectos

     desta

    problemática da reflexividade. Se considerarmos, por exemplo, as imbncações

    das histonografias  alemã e norte-americanapós-1945 a partir de um ponto

    de vista

    alemão,

     americano ou

    francês,

     obteremos

     perspectivas

     e de repente,

    1 6

    DOSSIÊ:  A JUSTIÇA  NO ANTIGO

      REGIME

  • 8/19/2019 WERNER,Michael - Pensar a História Cruzada

    18/38

    PENSAR

     A

     HISTÓRIA

     CRUZADA..

    interpretações

     bem diferentes. A

     emigração

     e o

     exílio

     de historiadores ae

    mães nos Estados Unidos, areimportação pela Alemanha  após 1950, de

    teorias onginanamente alemãs, porém

     nesse

     meio-tempo aclimatadas e ame

    ricanizadas

     — como foi o

     caso

     de grandes painéis da sociologia weberiana—

    , somados

     a

    fenômenos

     de

    recepção

     como

     aquele

     da Escola de Chicago,

    fundem tantas imbricações

     que incitam-nos a

     reavaiar

     os pontos de vista a

    partir dos quas as diferentes  interpretações  foram elaboradas. Denomina

    ções correntes como a sociologiaalemã  tomam-se fluidas, difíceis de se

    utilizar

     semprecaução, sem faar denoções complexas como o

     Historismus

     e

    suastraduções  (historiásm, historiásme,

      istorismo etc), que remetem cada uma a

    percepções, tradições

     e metodologias diferentes.

    50

     Por isto, o pesquisador

    está hoje levado a considerar seuspróprios conceitos e instrumentos analíti

    cos como o resultado de um

     processo

     de cruzamento complexo em que

    tradições nacionas e disciplinares amagamaram-se conformeconfigurações

    variadas,

     e a reintroduzir em sua pesquisa os pontos de vista corresponden

    tes.

    A publicação e arecepção de

     O Orientalismo

    de Edward Said

    51

     ilustram

    uma outra forma de abordar aquestão da reflexividade em termos de

     cru

    zamento. Colocando-se a si mesmo, por sua

    socialização

     familiar e intelectu

    al,

     numa dupla

    situação

     de hibridismo e de

    exílio,

    52

     Sad

     tentou reelaborar a

    visão globa de um  Oriente desenvolvida a partir do fim do século  XVII I ,

    peas sociedades  ocidentas à procura de atendade cultural.

    53

     Sua constru

    ção é já em si mesma o resultado de um duplo cruzamento: ao  nível da

    pesquisa que cruza pontos de vista 'orientais' e 'ocidentas', e sobre o plano

    do

     objeto, já que a

    representação

     do Oriente produzida

     pelas

     sociedades

    ocidentas  contém no reverso a imagem reflexiva do Ocidente. Mas a recep

    ção

     do

     livro

     sugeriu anda outros tipos de cruzamento. Assim O

     Orientalismo

    se inscreveria num

     movimento

     de 'ocidentalismo', ou

     sea

     uma

     representa

    ção

     do Ocidente produzida peos

     não-ocidentais

     que retomaria

     ínvertendo-

    as,

      características

     estruturas do orientalismo, como a

    construção

     de uma

    atendade, o princípio dicotômico e atendência àtotalização.

    54

     Nahistória

    dos conceitos, esse tipo deinversão foi quaificado por Reinhart Koselleck

    de 'contra-conceito simétrico' (Asymmetrischer Gegenbegnff), estando en

    tendido

     que,

     para

     ee conceitos fundamentas

      freqüentemente

     geram concei

    tos

      antônimos, 'assimétricos'

     porque

    secundários

     e portanto claramente

    subordinaos aos concetos fundamentas originais.

    55

    TEXTOS DE HISTÓRIA, vol. 11, n 1/2,2003

    1 7

  • 8/19/2019 WERNER,Michael - Pensar a História Cruzada

    19/38

    MICHAEL WERNE R  E  BÉNÉDICTE ZIMMERMANN

    Na perspectiva dahistória cruzada no entanto, insistiremos

     antes

     de

    tudo nas  interações e nos efetos e reflexividade induzidos pelo sistema de

    'duplo

     espelho'. Pouco importa

     saber

     se o orientaismo dos 'ocidentas' não

    faz mas que refletir suaprópria representação do Ocidente, ou anda se o

    ocidentaismo dos 'orientais' apenas inverte os princípios do 'orientalismo'

    dos ocidentas. A

     história

     cruzada prefere buscar colocar em

    evidência

     o

    tecido espesso dos entrecruzamentos, a partir das

      referências

      efetivamente

    mobilizadas por uns e por outros na

    elaboração

     de

     suasrepresentações res

    pectivas. Assim fazendo, ea

    não

     se fecha num

    espaço

     de

    indecisão

     relativista

    ou de infinitas relações

     especulares

     em que as diferentes posições se anulari

    am. Peo  contrário, eapropõe utilizar o cruzamento das

     perspectivas

     e o

    deslocamento dos pontos de vista

     para

     produzir efetos de conhecimento

    próprios. A reflexividade à qua ea se abrenão é um formalismo vazio, mas

    um campo relaciona criador de sentido.

    O  TRABALHO SOBRE ASCATEGORIAS

    0 Orientalismode

     Sad

     exemplificatambém o impacto analítico das ca

    tegorias

     utilizadas.

     Trata-se

     aí de um

     outro ponto

     levantado

     pela

    história

     cru

    zada

     Com efeito, frente ao

     obstáculo

     das

      comparações dissimétricas

     — que

    postulam

     a similitude das

     categorias

     partindo de um simples equivaente se

    mântico,

     sem problematizar as

     práticas freqüentemente

     divergentes que

     elas

    recobrem - ou

     negativas

     - que avaiam uma sociedade por meio de uma

    categoria

     nela

     ausente utilizada por suapertinência no meio de origem do

    pesquisador—, impõe-se umavigilância muito particular. Estavigilância pode

    se exercer por meio de um trabaho sistemático sobre as categorias, no du

    plo

     sentido de

     categorias

     de

    ação

     e de

    análise.

    56

    Se todo

     raciocínio

     procede por

    categorização, esta permanece

     muitas

    vezes implícita,

     enquanto sua

    explicitação

     parece uma base

    necessária

     a toda

    pesquisa

     comparativa.

    57

     Saber

     de quê se faa e de onde se faa: esse duplo

    desafio é centra

     para

     a

    história

     cruzada Porque as

     categorias

     são tanto o

    produto de umaconstrução intelectua como o ponto de apoio daação, elas

    colocam de modo incontornável aquestão darelação entre conhecimento e

    ação, nas  situações estudadas bem como ao nível do protocolo de

     pesquisa

    1 8

    DOSSIÊ:

      A

     JUSTIÇA

      NO

     ANTIGO

      REGIME

  • 8/19/2019 WERNER,Michael - Pensar a História Cruzada

    20/38

    PENSAR

     A

     HISTÓRIA

     CRUZADA..

    Graças àatenção que lhes é

     dada

     abre-se uma viapossível para lidar

     conjun

    tamente com empiria e reflexividade.

    Mas

     esta

    consideração não

     visa exatamente a categoria em si mesma e

    sim

     os seus diferentes eementos constitutivos e seu agenciamento. Ora,

     tas

    eementos são suscetíveis avariações eflutuações que convidam a romper

    com

     a

    íntangibüidade

     das categorias e a assumir sua labilidade. Escapar ao

    essenciaismo das categorias

     supõe

     aqui raciocinar em termos de processo

    situado decategonzação — o processo remetendo às interações temporas e

    espacias constitutivos da categoria Categorias como a pasagem (ou o de

    semprego, a

     cultura,

     a velhice, a

    doença,

     os

     operários,

     os colarinhos brancos,

    etc.)

     são

     historicamente datados e parciamente estruturados

     peas

     problemá

    ticas

     que presidiram a suaconstituição. No caso de pasagem e seus equiva

    lentes - sempre aproximados, em cada idioma e cultura -,

     essaconstituição

    foi

     progressiva c

    pôs

     em jogo, no interior mesmo de cada entidade nacional,

    uma pluraidade delógicas decategorizações próprias aos diferentes grupos,

    lugares ou

     pessoas

     implicadas no processo: artistas,

     associações

     de

    botânicos,

    ligas e sociedades locas de embelezamento,

     associações

     de

    vizinhança,

     etc.

    Somente uma abordagem situada permite evidenciar mecanismos  específi

    cos de

    categorização

     que puderam prevaecer ao

     nível

     desses

     diferentes

     gru

    pos em

    épocas

     diversas e que, mesmo não sendo hoje mas

      perceptíveis,

    contribuem,

     no entanto, a modelar as práticas patrimoniais queestão atua

    mente em curso naFrança e na Alemanha.

    58

     A abordagem processua per

    mite assim perceber melhor as

     implicações

     dos desdobramentos categonas,

    problematizando seus diversos componentes, mas ou menos estabilizados.

    Referir-se àcategorização implica,

     portanto,

     raciocinar, não de maneira abs

    trata e gera, mas em ligação com o estudo dos dispositivos deação, dos

    esquemas

     de

    interpretação

     e dos procedimentos de

    generalização

     que

     con

    correm

     àinstituição de uma categoriagenérica.

    59

     Mas além do

     interesse

     que

    ea apresenta para aanálise e acompreensão das  relações entre

     pessoas

     ou

    entidades que

    não

     compartilham os mesmos sistemas de

    referência,

     uma ta

    perspectiva categonal permite, graças àintrodução de umadimensão

    diacrônica, escapar ao cont5role de modelos culturais implícitos e redutores.

    Esta

    dimensão

     se abre para a

    problematização

     da

    histoncização

     e para a

    maneira como a

    história

     cruzada se relaciona com o campo

     histórico.

    TEXTOS DE HISTÓRIA,

     vol.

     11,

     n1/2,2003

    1 9

  • 8/19/2019 WERNER,Michael - Pensar a História Cruzada

    21/38

    MICHAEL

     WERNER  E BÉNÉDICTE ZIMMERMANN

    HlSTORICIZAR

    A história

     cruzada convida o pesquisador a questionar a histoncidade

    de

     seus

     objetos e de

     seuspróprios

     procedimentos. Entretanto, se como já

    foi

     dito,

     a abordagem proposta toca o conjunto das

     ciências

     socias, por que

    nestas condições, manter o nomegenérico dehistória? Muitas  razões moti

    vam esta

     escolha Primeiro, o movimento de

    histoncização

     dos

     saberes

     em

    ciências

     socias,

     em que a maor parte de

     nossas

     disciplinas se encontram

    engaadas.

     Iniciada

     desde

     o

      começo

     do

      século X IX , reforçada pelas cnses

    sucessivas

     dos diferentes positivismos e aceerada peos questionamentos re

    centes

     dos objetivismos

     científicos,

    60

     a

    histoncização

     é hoje em dia uma di

    mensão incontomável

     da

    produção

     de conhecimento sobre as

     sociedades

    humanas. Dela participa o conjunto das ciências

     socias,

     mesmo aqueas que

    como a Economia, tendem a

     pensar-se

     antes de tudo como

     ciências

     do

    presente Tomado pelo

     ângulo

     que nos interessa aqui, histoncizar significa

    articular o dado fundamenta da reflexividade e as temporaidades

      múltiplas

    que entram na

    construção

     do objeto desde que o consideramos como uma

    produção situada no tempo e no espaço. A história cruzada participa deste

    empreendimento abrindo pistas para

     repensar,

     no tempo

     histórico,

     as rea

    ções

     entre

    observação,

     objeto de estudo e instrumentos

     analíticos

     postos em

    movimento.

     Em seguida a

    referência

     à

    história

     se justifica pela

    atenção dada

    ao processo de

    constituição,

     tanto dos objetos como das categorias, assim

    como

     àgênese das  configurações deanálise e deação. Aqui  também, o que

    está

     em jogo é menos a

    dimensão

     tempora por si mesma que a

    incidência

     da

    pluraidade das temporaidades sobre aidentificação dos objetos e a cons

    trução

     das

     problemáticas.

     Este apoio sobre a

    história

     engloba

     portanto,

     um

    substrato comum às disciplinas que de uma forma ou de outra, são con

    frontadas à histoncidade de

     seus

     materias e de

     seus

     instrumentos. Finamen

    te,

     o termo

      história

    remete

    também

     à componente narrativa descritiva e

    compreensiva de todaciência socia  empírica. Essanarração pode ser feita

    no

     presente para

     descrever

     uma

    situação,

     ou tratar do

     passado,

     para tornar

    inteligível

     certos

     aspectos

     constitutivos do objeto de estudo.

    61

     Desde que

    controlados no plano analítico, os

     agenciamentos

     de uma escrita em forma

    de relato podem constituir um aporte

    heurístico

     fecundo para o conjunto

    das  ciências

     sociais.

    62

     Um dos desafios dahistória cruzada é reconceptuaizar

    certos

     aspectos

     dessas

    múltiplas relações

     entre

    história

     e

    ciências

     socias.

    11

    DOSSIÊ:

      A JUSTIÇA  NO ANTIGO REGIME

  • 8/19/2019 WERNER,Michael - Pensar a História Cruzada

    22/38

    PENSAR A HISTÓRIA CRUZADA..

    A histoncização engaa

     o

     pesquisador

     e sua

    relação com

     o objeto.

     Ela

    se

     volta

     para os fenômenos do

     passado

     assim

     como

     para a maneira deabordá-

    los,

     estabelecendo

     um

     elo

     entre

     as

     duas

     dimensões.

     Referida

     ao

     objeto

     de

    estudo,

     a

    histoncização intervém

     antes e

     depois do cruzamento, tomado no

    sentido

     de ponto de

    intersecção

     e de

     postura emrelação. Para acima

     ela se

    volta

     para

     a

    dimensão histórica constitutiva dos eementos

     que se

     cruzam

     e

    para ahistória do cruzamento propriamente

     dito.

     O objeto seconstrói assim

    em função

     de uma

    problemática

     de cruzamento em que ele é o vetor. Isto

    implica,

     proncipalmente,

     que o

     cruzamento não

     é

     considerado

     uma

     figura

    abstrata antecipadamente

     dada mas

     como um desenvolvimento temporal

    desdobrando

     sua

     histoncidade

    própria.

     Para

     abaxo,

     a

    histoncização

     perse

    gue asconseqüências do cruzamento. Nessenível também, ainscrição histó

    rica opera segundo uma

    lógica

     de

    contextualização

     em duplo sentido: levan

    do em conta

     a

    constituição histórica do

     objeto, ela

     explora os efetos que

     ele

    exerce

     sobre um

     entorno, contribuindo

     para

     sua

    transformação; constelação

    de aspectos que remetem a umahistória complexa que se

     abre

     por

     inteiro

     às

    inter-relações e àinterdependência de seus diferentes componentes. Mas a

    história cruzadanão pode

     se confundir

     com umahistória

     total.

     Partindo

     da

    dinâmica

     das

     atividades

     socias

     em

    relação

     com um objeto

     de

     estudo

     parti

    cular,

     ela

     visa pelo  contrário, fenômenos específicos, excluídas outras  for

    mas deinteração que não relevem do cruzamento. Um ta ponto de partida

    significa que o objeto de estudo não tem uma forma definitiva antecipada

    mente colocada mas

     que se

     trata decircunscrevê-lo

     e de o definir

     por meio

    da

     pesquisa

     Isto implica, por exemplo, que

     as categorias

     utilizadas não são

    dadas

     de

     uma vez por todas, mas submetidas

     elas

    também

     a

     um trabaho

     de

    histoncização. Encontramos aqui, desdobrado nas diferentes temporaidades

    da

    história,

     o

    princípio

     da

     abordagem indutiva.

    Processua, ahistória cruzada é um empreendimento aberto que leva

    em conta de um

     ponto

     de vista

     interior, as

    variações de

     seus

     componentes

     e

    de um

     ponto

     de vista exterior, sua especificidade emrelação

     a

     outras históri

    as

    possíveis.

     Ela

     tem parentesco com

     uma

    história

     dos

     problemas

     e dos

    questionamentos, buscando evitar o duplo essenciaismo de umaobjetivação

    peos fatos — supostamente diretamente

    acessíveis

     ao observador — e de uma

    reificação

     das

     estruturas

     -

     supostamente determinando antecipadamente,

    segundo um

    princípio tautológico,

     os resultados da

     pesquisa

     Em oposição

     a

    uma perspectiva essenciaista

     a

    idéia

     de

     cruzamento aponta primeiro, uma

    TEXTOS DE HISTÓRIA,

     vol.

     11,

     n

     1/2,2003

    111

  • 8/19/2019 WERNER,Michael - Pensar a História Cruzada

    23/38

    MICHAEL WERNE R  E BÉNÉDICTE ZIMMERMANN

    interação que, em

     seguida

     e esta é uma de suascaracterísticas

     decisivas

     —

    modifica os eementos que interagem. Neste sentido, ea se abre para uma

    história

     'no segundo grau'. Assim, no

     domínio

     de uma

    história

     cruzada das

    disciplinas deciências humanas, ahistoncização discutenão

     apenas

     os  fenô

    menos decategorização e deconceptualização próprias a cada disciplina ou

    sub-disciplina

     mas

      também

     o trabaho de

    tradução

     entre os conjuntos, bem

    como

     os deslocamentos de

     fronteira

     e as

      transformações

      induzidas

     peas

    interações. Ao nível dos questionamentos, ea pode, em seguida explorar as

    vias peas

     quas

     as problemáticas seconstituíram e interagiram por sua vez,

    em configurações

      institucionas

     variadas

     de uma disciplina e de um

    país

     a

    outro.

    63

     Uma

    história

     cruzada da

    construção

     diferenciada da Idade

    Média

     na

    Europa no  século X I X

     —

     objeto que

     escapa seja

     de uma abordagem

    comparatista sea de uma

     pesquisa

     em termos detransferências

     —

     pode as

    sim

     ilustrar, tanto as modaidades da

    constituição

     do questionamento, como

    o jogo das transações das quas ea se nutre.

    64

     Ela

     permite,

     enfim, pelo viés da

    variação das escaas temporas e peaproblemática da reflexividade, inscre

    ver

     este

     objeto em questionamentos acerca dos usos contemporâneos da

    referência

      à Idade

    Média

     e sobre

     suas relações

     com as

      concepções

     de

    modernidade.

     Mas genericamente em lugar de submeter

     seus

     materias a

    paradigmas funcionaistas ou estruturaistas, a

    história

     cruzada procura, por

    tanto, adaptar seus instrumentos analíticos à especificidade do seu objeto.

    Enquanto

     história-problema

     voltada para conjuntos de

    questões

     comuns a

    diferentes disciplinas, ea se inscreve assim num processo de reelaboração

    historiográfica do qua ea constitui uma das mahas.

    REAGREGAR

    No

     entanto, a

    histoncização

     das

      problemáticas não

     aprisiona a

    história

    cruzada numa espira relativista E verdade que a rede inter-relaciona tecida

    peos fenômenos de cruzamento conduz a articular o lugar relativo dos ato

    res bem como das categorias descritivas eanalíticas, e portanto, asituá-los

    uns em

    relação

     aos outros, num processo de

    desconstrução. Além

     disto,

    tomar

     em conta os cruzamentos e sua

    inscrição

     numa

    história

     relativiza as

    posições de uns e de outros, bem como suasconceptualizações respectivas.

    Mas

     essa

    relativização

     - que é, no

     fundo,

     uma

    operação

     de colocar em rea-

    112

    DOSSIÊ:  A

     JUSTIÇA  NO ANTIGO

      REGIME

  • 8/19/2019 WERNER,Michael - Pensar a História Cruzada

    24/38

    PENSAR A HISTÓRIA CRUZADA.

    ção

     -, longe de desembocar

    num

     relativismo

     histórico,

    65

     aqui é produtora de

    sentido.

     Partindo dos distanciamentos entre diferentes pontos de vistapossí

    veis, fazendo faar suasdiferenças e a maneira

     como,

     historicamente, elas se

    constituíram,

     muitas

     vezes

     de

     modo

     interdependente, a

    história

     cruzada ofe

    rece

     a

     possibilidade

     de

     reagregar

     esses

     eementos

     e de produzir

     efeitos

     de

    conhecimento próprios.

    66

     Assim, o estudo

     feito

     por

     Heidrun

     Friese

     acerca

    do paradigma do espaço mediterrâneo nasciências socias é ao mesmo tem

    po

     uma

    desconstrução

     do paradigma homogeneizante

     promovido

     pela an

    tropologia

    anglo-saxônica nos

     anos

     1980, e umarecomposição dos diferen

    tes eementos constitutivos dasrepresentações do Mediterrâneo, a

    partir

     de

    uma

    análise

     da diversidade interna do

     espaço mediterrâneo

     e

     de seu papel

     de

    encruzilhada

    67

    Se ela não se abre ao relativismo histórico, ahistória cruzada não se

    inscreve tampouco numalógica deregressão histórica infinita A histoncização

    não

     se confunde aqui com uma

    contextualização

     que levaria sempre mas

    longe ainvestigação histórica, buscando umarepresentação mas detahada

    do passado e de suasrelações com o presente. Ao contrário, ela seconstrói e

    se circunscreve em

    função

     de um objeto e de uma

    problemática

     que

     permi

    tam

     identificar temporaidades pertinentes

     e

     desta

     forma

     enquadrar

     o

     pro

    cesso dehistoncização. As

     pesquisas

     desenvolvidas há uns dez

     anos

     na

    Ale

    manha a respeito da

    Itistoricização

     do historicismo'

     permitiram

     mudar o

    estatuto e os usos da

    noção

     de Historismus que deixou de ser uma etiqueta

    ago  polêmica para tornar-se um verdadeiro objeto histórico. Num

     duplo

    movimento

     deinternacionalização e de abertura disciplinar, mostrou-se, por

    um

     lado, como os debates

     alemães

     sobre o historicismo

     foram

     articulados às

    discussões

     geras acerca

     darelação àhistória em outros países europeus e

    por

     outro

     lado, como

     as

     diferentes disciplinas,

     da

     economia

     à

    história,

     pas

    sando pea teologia e pela

    lingüística,

     reagiram, cada uma à sua maneira mas

    sempre solidanamente,

     à

    questão

     da

    constituição histórica dos

     saberes.

    68

     De

    repente, asquestões que estavam inicialmente colocadas em termos de

     con

    trovérsia

     interna à

    corporação

     dos historiadores,

     opondo

     os

    partidários

     e os

    críticos

     do Historismus, encontraram

     respostas  através

     das

    operações

     de

    histoncização cruzadas, cujos limites se impuseram por si mesmos de certa

    forma

     na medida em que aproblemática ia sendo deslocada e reconfigurada

    em função

     dos resultados da pesquisa Fica claro portanto que, mesmo se,

    abstratamente, adelimitação dahistoncização não pareça fácil de determi-

    TEXTOS

      DE

     HISTÓRIA, vol. 11,  nl/2,2003

    113

  • 8/19/2019 WERNER,Michael - Pensar a História Cruzada

    25/38

    MICHAEL WERNER  E BÉNÉDICTE

     ZIMMERMANN

    nar,

     naprática o seu

     maneo

     é

     regulado por

    critérios deadequação

     entre

    questão e

     resposta encontrada

     e,

     em gera,

     não constitui

     de

     fato

     um

     proble

    ma.

    69

    Feto de uma vez este esclarecimento, podemos retomar as relações

    entre diacronia e sincronia cujacoordenação é sempre delicada tanto para a

    comparação

     como para

     o

     estudo

     dastransferências.

     Quando

     ele se

     volta

    para fatos

     da

     vida socia, cada ato

     deprodução de

     conhecimento combina

    não

     apenas coordenadas

     situadas

     no

     espaço-tempo, as

     anda

    representações

    sincrônicas ediacrônicas do que vai

     acontecendo.

    70

     Enquanto

     operação

    cognitiva

     a

    identificação

     de

    um objeto

     ou de

    um

     processo releva da sincronia;

    o ato lógico de assinaar ou de estabeecer umaligação, etc, funciona segun

    do o princípio da imediaticidade e tende a abstrar adimensão tempora. Em

    revanche enquanto atividades situadas no tempo,

     tas

     operações colocam

    necessariamente aidéia de um desenvolvimento diacrônico dentro do qua

    elas constituem

    um

     dos momentos.

     Uma

     das

     contribuições

     da

    história

     cruza

    da

     é

     que

     ela

     permite articular

     essas

     duas

     dimensões, lá

    onde

     acomparação

    privilegia a

    realização

     de um

    raciocínio sincrônico

     e onde os estudos de trans

    ferências se

     apegam

     àanálise de

     processos

     diacrônicos. Através

     da

    história

    cruzada os registros

     sincrônicos ediacrônicos são,

     ao

     contrário,

     constante

    mente

     reagenciados

     uns em

    relação

     ao outros.

    Estamos, neste caso, perto daquilo

     que

     Koselleck chama

     a

      não-

    contemporaneidade do

     simultâneo

    ou

     a

      simultaneidade do

      não-contem-

    porâneo ,

    71

     isto é,

     o

     entrecruzamento de

     tempora

     idades

     históricas

     diferen

    tes que, mesmo

     se

     distanciando

     de

     um

    padrão de

     medida

     comum, se

    interpenetram

     a

     ta

     ponto

     que não

     é

     mas

      possível representá-las de forma

    linear

     e

     unidimensional.

    72

     Se,

     para

     R.

     Koselleck,

     estes fenômenos

     são

    correlacionados sobretudo apráticas eruditas e apercepções diferencias do

    progresso entre os intelectuas,

     também

     é

    possível analisá-los

     em

     outros

     gru

    pos socias, cruzando, por exemplo, asexperiências do tempo próprias aos

    agricultores e aosoperários, ou anda a diferentes gerações. Mas aproposi

    ção se

     mostra iguamente fecunda

     naseqüência dasconsiderações de R.

    Koselleck, para a

    história

     das disciplinas

     científicas

     onde, apesar da represen

    tação de

     um tempo

     único

     inerente

     àidéia de

     progresso,

     as

     atividades

     de

    diferentes comunidades disciplinares, repartidas em

    espaços

     institucionais,

    políticos e

     culturas variados,

     estão

     bem longe

     de

     serem

     reguladas

     por um