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1 XAMANISMO E GUERRA ensaio de antropologia política ameríndia 1 Quando todos nós tivermos desaparecido, quando todos nós, xamãs, tivermos morrido, acho que o céu vai cair. É o que dizem nossos grandes xamãs. A floresta será destruída e o tempo ficará escuro. Se não houver mais xamãs para segurar o céu, ele não ficará no lugar. Os brancos são apenas engenhosos, eles ignoram o xamanismo, não são eles que poderão segurar o céu (...) Não são só os Yanomami que morrerão, mas todos os brancos também. Ninguém escapará à queda do céu. Se morrerem os xamãs que o mantêm no lugar, ele cairá mesmo. É o que dizem nossos anciãos. Davi Kopenawa, Xamã e líder político Yanomami 2 .”.. e acabado o matador de executar a sua ira no cativo, toma logo entre si algum nome, o qual declara depois com as cerimônias que ficam ditas atrás; e vai-se do terreiro recolher para o seu lanço, onde tira as armas e petrechos com que se enfeitou; e a mesma honra ficam recebendo aqueles que primeiro pegaram dos cativos na guerra, do que tomam também nome, com as mesmas festas e cerimônias que já ficam ditas; o que se não faz com menos alvoroço que aos próprios matadores.” Gabriel Soares de Souza 3 Introdução Neste ensaio, o foco central é a relação entre xamanismo e guerra nas sociedades ameríndias e amazônicas, tema este que emerge em um das questões colocadas pela professora Cecília McCallum, de Etnologia Indígena (disciplina do Doutorado ora em curso). A questão: Segundo E. Viveiros de Castro, “o xamanismo é a continuação da guerra por outros meios”. (A Inconstância da Alma Selvagem, 2002:468) O que o autor quer dizer com isso? Você concorda? Responda, sustentando o seu argumento através de discussão etnográfica. Concordo, plenamente; pode-se afirmar, no entanto, que são de qualidades diferentes e ao mesmo tempo semelhantes? Para sustentar minha primeira posição e tentar responder à segunda, é preciso discutir e pensar sobre o que vem a ser uma e outro – guerra e 1 Ana Magda Carvalho, doutoranda, PPGA/UFBA. 2 Citado por Albert (2000).

Xamanismo e Guerra_Ana Magda

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Antropologia Política, Índios da America do Sul.

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    XAMANISMO E GUERRA ensaio de antropologia poltica amerndia1

    Quando todos ns tivermos desaparecido, quando todos ns, xams, tivermos morrido, acho que o cu vai cair. o que dizem nossos grandes xams. A floresta ser destruda e o tempo ficar escuro. Se no houver mais xams para segurar o cu, ele no ficar no lugar. Os brancos so apenas engenhosos, eles ignoram o xamanismo, no so eles que podero segurar o cu (...) No so s os Yanomami que morrero, mas todos os brancos tambm. Ningum escapar queda do cu. Se morrerem os xams que o mantm no lugar, ele cair mesmo. o que dizem nossos ancios. Davi Kopenawa, Xam e lder poltico Yanomami2

    ... e acabado o matador de executar a sua ira no cativo, toma logo entre si algum nome, o qual declara depois com as cerimnias que ficam ditas atrs; e vai-se do terreiro recolher para o seu lano, onde tira as armas e petrechos com que se enfeitou; e a mesma honra ficam recebendo aqueles que primeiro pegaram dos cativos na guerra, do que tomam tambm nome, com as mesmas festas e cerimnias que j ficam ditas; o que se no faz com menos alvoroo que aos prprios matadores. Gabriel Soares de Souza3

    Introduo

    Neste ensaio, o foco central a relao entre xamanismo e guerra nas sociedades amerndias e amaznicas, tema este que emerge em um das questes colocadas pela professora Ceclia McCallum, de Etnologia Indgena (disciplina do Doutorado ora em curso).

    A questo: Segundo E. Viveiros de Castro, o xamanismo a continuao da guerra por outros meios. (A Inconstncia da Alma Selvagem, 2002:468) O que o autor quer dizer com isso? Voc concorda? Responda, sustentando o seu argumento atravs de discusso etnogrfica.

    Concordo, plenamente; pode-se afirmar, no entanto, que so de qualidades diferentes e ao mesmo tempo semelhantes? Para sustentar minha primeira posio e tentar responder segunda, preciso discutir e pensar sobre o que vem a ser uma e outro guerra e

    1 Ana Magda Carvalho, doutoranda, PPGA/UFBA.

    2 Citado por Albert (2000).

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    xamanismo ; reflexo esta que me levou a incorporar nesta discusso temas outros, correlatos, como violncia, poder e poltica. Dadas as dimenses do presente ensaio, tentarei aqui to-somente prospectar este domnio, este universo, em um primeiro exerccio meu de reflexo terico-etnogrfica mais sistemtica sobre o tema. Pretendo antes, apontar trilhas, propor pontes e divisas, e, confessadamente, declarar minha supina ignorncia em relao a toda uma nova Etnologia Indgena americanista em plena constituio uma etnologia amaznica no sentido literal e metafrico do termo, e seu corpus etnogrfico construdo e em construo; e tambm, confessar com admirao e pathos o espanto ante o profundo viver e pensar dessas outras cosmologias, cosmovises, vises de mundo, modos de vida, prticas, seberes. Dessas possibilidades outras tantas de ser, dessa diversidade americana-amerndia, sempre condenada a evanecer (Sahlins 1997) e no entanto, apesar dos votos em contrrio, sempre re-viver. Em pocas de profundas crises plantarias decorrentes de cinco sculos de formao de um novo mundo crise energtica, ambiental, poltica, financeira, de lutas por fronteiras, ou contra elas os amerndios, suas vidas e seus pensamentos nos deixam tontos, perplexos. Nos mostram o quo somos engenhosos e ao mesmo tempo tolos, e tambm perigosos. Estamos todos, no entanto, em um mesmo barco. Este escrito, portanto, um relato de viagem deste tempo, mas tambm ao tempo de xams e guerreiros ndios.

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    A sentena acima destacada, o xamanismo a continuao da guerra por outros meios, foi escrita por Eduardo Viveiros de Castro no texto Xamanismo e Sacrifcio (op. cit). importante recuperar seu contexto mais amplo, em que o prprio conceito de xamanismo explorado:

    O xamanismo pode ser definido como a capacidade manifestada por certos humanos de cruzar as barreiras corporais e adotar a perspectiva de subjetividades no-humanas. Sendo capazes de ver os no-humanos como estes se vem (como humanos), os xams ocupam o papel de interlocutores ativos no dilogo csmico. Eles so como diplomatas que tomam a seu cargo as relaes inter-espcies, operando em uma arena cosmopoltica onde se defrontam as diferentes categorias socionaturais.

    Pareceu-me claro, ento, que o papel do xam no difere essencialmente do papel do guerreiros. Matadores e xams so comutadores de perspectivas, os primeiros comutando o eu e o outro intra-humanos, os segundos o eu e o outro inter-espescficos. Como j se disse tantas vezes, o xamanismo a continuao da guerra por outros meios: mas isto nada tem a ver com a violncia em si mesma, e sim com a comunicao. Portanto, seria igualmente correto dizer a guerra a continuao do xamanismo por outros meios. Na Amaznia, o xamanismo agonstico tanto quanto a guerra sobrenatural. (468-9)

    3 In Tratado Descritivo do Brasil, 1587.

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    Tal sentena resulta de uma parfrase de um famoso aforismo da filosofia poltica militar-estrategista: a guerra a continuao da poltica por outros meios, aforismo este atribudo ao general prussiano Carl von Clausewitz (Arendt 1985:24). Hannah Arendt, em seu contundente ensaio Sobre a violncia, recupera esta e outras definies de violncia, guerra e poltica, tais como A violncia parteira da histria (Engels), O poder brota do cano de uma arma (Mao), dentre outras. O esforo imperioso de Arendt refutar a idia de poder como relao de mando-obedincia, atravs de uma viagem de volta plis grega clssica, onde agir politicamente era pensar, discursar, fazer feitos e ditos para ficar na memria, dialogar entre iguais4. Se, no entanto, Arendt tivesse acesso ao pensamento do americanista Pierre Clastres, e suas reflexes sobre o mundo amerndio e sua filosofia poltica, poderia talvez espantar-se ante a descoberta de experincias concretas de atividades polticas que colocam em evidencia o discurso, os ditos e feitos, a memria, e no relaes de domnio de uns sobre outros, com o recurso da violncia instrumental. 5 E justamente atravs do tema da violncia que pretendo construir meu argumento acerca da relao de continuidade entre a guerra e o xamanismo nas Terras Baixas da Amrica do Sul, como o fizera Viveiros de Castro e outros autores (Fausto 1999, 2000; Sztutman 2006). Mas para tanto, precisamos situar, lado a lado, estes dois conceitos guerra e xamanismo, para a sim, propor uma linha argumentativa em prol da ponte anteriormente proposta.

    Guerras, guerreiros

    No de hoje que o tema da guerra amerndia instiga o pensamento ocidental. De acordo com Fausto (1999), em referncia aos povos Tupi da costa do sculo XVI,

    Notwithstanding their dispersal, they shared comum a common social and cultural complex, at the very core of which were vengeance warfare and ritual cannibalism (Carneiro da Cunha and Viveiros de Castro 1985; Fernandes 1970). The centrality of these practices in indigenous social life, witnessed by Europeans of different origins and outlooks, has been a dominant motif in

    4 Parece, no entanto, que no heleno-cntrico mundo clssico grego, faltava democracia, ainda que sobrasse

    discurso... 5 Como a coruja de minerva que s levanta vo ao anoitecer, sua filosofia poltica, suas concepes

    radicalmente diferentes de poder e poltica iam na contra-mo dos discursos e conceitos mais consensuais, e da prpria Histria humana -- a histria (ocidental e no-ocidental) mesma, e mais recentemente o Holocausto e a Segunda Guerra o disseram e ainda o dizem (no cansam de dizer) formas extremas de violncia profunda, formas mximas de destruio da poltica, aqui pensada no sentido arendtiano.

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    Western reflection upon Amerindian societies ever since.

    Os cronistas seiscentistas eram consensuais sobre este ponto: a Guerra Tupinamb poderia significar muitas coisas, mas seu objetivo no era a expanso e segmentao de poder (no sentido clssico-moderno (para formar corpos polticos extensivamente segmentados, federaes confederaes, instituies polticas supra-locais, uma foma-Estado e seus necessrios cuidados e trabalhos para conserv-los.) Guerras no-imperalistas, guerras no-genocidas, no-depredatrias, apenas guerras canibais, por vingana, para tomar nomes na cabea de seus contrrios6? Isto era demais para europeus acostumados a ver e fazer guerras para destruir o Outro7. Mas neste apenas onde reside toda a complexidade do tema. Contemporaneamente, antroplogos from different theoretical frameworks and starting points, each of these approaches struggled to make sense of the phenomenon of war in lowland South America (ib.). Fausto, por seu turno, indo alm do paradigma, da terceira vertente estabelecida por Viveiros de Castro (2002: 335) sobre a guerra como constituinte de uma economia simblica da alteridade, e a partir de estudo etnogrfico realizado entre os Parakan um grupo tupi-guarani situado no interflvio Tocantins-Xingu -- prope a model of social reproduction in the indigenous South American lowlands which articulates shamanism and warfare within a generalized economy (Almeida 1988), inflected toward the production of persons and groups. (ib.) Assim, as sociedades amerndias, em geral, e as amaznicas, em particular,

    are primarily oriented toward the production of persons, not material goods; that is, their focus is not the fabrication of objects through labor, but of persons through ritual and symbolic work. Birth and mortuary rites, initiations and naming ceremonies, shamanic and warfare festivals, seclusions and displays are all means for producing persons, for conferring on them singularity, beauty, fertility, agency, and the capacity to interact with external entities, like spirits, deities, animals, and enemies (Erikson 1996; Santos Granero 1986; Seeger et al. 1979; Turner 1995). This last capacity is crucial (). (ib.)

    Sztutman (2006) por sua vez, relendo Clastres e Deleuze-Guatarri, reafirma que as sociedades indgenas so sociedades-para a-guerra, produzindo com isso a fragmentao

    6 Textualmente, a partir de Cardim (sc. XVI) apud Fausto (1992: 391): De todas as honras e gostos de vida,

    nenhum tamanho para este gentio como matar e tomar nomes nas cabeas de seus contrrios... 7 O paradoxo entre as guerras de predao (amerndias) e as guerras de depredao (europias, como a prpria

    Inquisio) no passaram despercebidas pelo filsofo francs Michel de Montaigne (1533-1592): No me parece excessivo julgar brbaros tais atos de crueldade, mas que o fato de condenar tais defeitos no nos leve cegueira acerca dos nossos. Estimo que mais brbaro comer um homem vivo do que o comer depois de morto; e pior esquartejar um homem entre suplcios e tormentos e o queimar aos poucos, ou entreg-los a ces e porcos, a pretexto de devoo e f, como no somente o lemos mas vimos ocorrer entre vizinhos nossos conterrneos (...). (Ensaios I, p.101).

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    dos coletivos, e neste sentido, a autonomia poltica deles, da a idia de uma mquina de guerra operando a todo tempo contra a emergncia de um poder separado, e em ltima anlise, a consolidao da forma-Estado. Hoje, no entanto, no contexto amaznico, muitos povos indgenas, aps o contato e a pacificao, abandonaram a prtica da guerra inter-tnica, e coextensivamente, do canibalismo. Como os antigos Tupinambs seiscentistas, viram mudar os tempos do comei-vos uns aos outros para os amai-vos uns aos outros do colonialismo cristo (Fausto, 1992:393), pelo qual foram quase que completamente devorados.

    Xamanismo, xams

    Em um estudo etnogrfico pioneiro sobre perspectivismo e xamanismo na Amaznia, realizado entre os Pakaa Nova, ou Wari, Aparecida Villaa mostra como mesmo tendo abandonado a prtica da guerra para a captura de wijam (inimigo), e tambm a prtica do canibalismo funerrio, os Wari continuam, pela via do xamanismo, em plena atividade guerreira, fazendo inimigos, se refazendo enquanto Wari, atingindo aqueles com suas flechas mgicas, causando-lhes agresses, infortnios, doenas, morte, desordem. O universo War, em particular, e amaznico em geral, constitudos de trocas entre entes trans-humanos e trans-especificos (de diferentes perspectivas), marcado pela guerra e predao:

    No caso wari, a aproximao entre as transmutaes xamnicas, que fazem a conexo entre o mundo dos Wari e o dos animais, e aquelas relativas ao contato intertnico tem como fundamento primeiro a equivalncia entre animais (karawa) e inimigos (wijam), categoria na qual os Wari classificam os Brancos. Tanto os inimigos como os animais mantm com os Wari uma relao que se caracteriza pela guerra e pela predao. (Villaa 2000)

    Como Wari, gente, esto sempre vulnerveis aos ataques dos espritos animais predadores (jamikarawa), que, por sua vez, os vem como animais passveis de serem predados, como o eram antes pelos wijam (inimigos). Como diplomata, mediador e negociador, o xam wari, que tem acesso a ambos os mundos, deve ser capaz de mediar, atenuar e mesmo extirpar os efeitos das agresses sofridas pelos Wari` (como no caso dos ancestrais xams Yanomami, que devem segurar o cu para que este no desabe).

    "Como homens em expedio guerreira, os espritos animais podem chegar at os Wari em grupo, trazidos pelo vento, gritando: Vamos flechar inimigo!. Dentre esses animais podem estar tambm alguns xams, geralmente estrangeiros, membros de outros subgrupos Wari.(..). Os xams locais conseguem v-los e tentam estabelecer um dilogo, evitando que os wari sejam

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    atingidos pelas flechas e caiam doentes. (ib.)

    Os guerreiros-xams Wari continuam seus trabalhos:

    "Comeam por forar-lhes uma adequao da viso: Vejam bem, no so animais, so wari! So seus parentes!. Os animais ento reconhecem os Wari como iguais e se retiram. Caso algum adoea, o xam atua evitando que a vtima se transforme em animal, retirando de seu corpo todos os traos deixados pelo animal agressor, e tentando resgatar, junto aos animais, o esprito que j est em vias de se transformar em animal. Essa transformao pode ser completa e conduzir morte do corpo, ou a vtima no curada pode continuar viva, quando se torna xam. No caso de morte, o esprito agredido vai fazer parte da espcie agressora, passando a estar associado a um novo corpo. (ib.)

    Este seria, por assim dizer, o cenrio tpico de uma guerra xamanstica amaznica, inter-espcies, travado no plano invisvel, metafsico, cujo acesso possvel apenas pelos olhos e sentidos dos que compartilham as qualidades de presa e de predador, ao mesmo tempo, os guerreiros xam, e os jamikarawa. No entanto, no obstante seu carter no-instrumental, tal guerra no deixa de ter um forte componente de violncia, de uma outra natureza, tal como o feitio ou dark shamanism (Whitehead apud Sztutman, op. cit.)8. Neste sentido, a guerra agora entre os Wari, metamorfoseada na forma de xamanismo, dirige-se aos brancos, derradeiros oponentes classificados como wijam (inimigo). Diz Villaa:

    Os civilizados tornaram-se os inimigos (wijam) por excelncia dos Wari(os ndios de outras tribos so atualmente chamados de wari e no mais de wijam), e apesar de no haver mais com eles uma guerra efetiva, os xams wari continuam a flechar os civilizados e a devor-los. Orowam [xam wari] diz que os civilizados de Gujar-Mirim pensam que morrem por gripes e atropelamentos, mas na verdade morrem flechados por jamikarawa. (...). Os xams (...) continuam a guerra que os inimigos pensam terminada. Eles so os matadores da era ps-contato. (Villaa 1992, p.91)

    O axis central da socialidade cosmopoltica amaznica, portanto, est relacionado ao sobre-trabalho que os xams realizam para manter em equilbrio as foras cosmolgicas vitais. E se o xam uma espcie de diplomata, sua atividade notadamente de ordem cosmo-poltica, cosmo este que no pode se tornar um caos, ainda que por este seja constantemente ameaado e fustigado:

    8 Afinal, no foi sob esta acusao que milhares de mulheres foram queimadas nas fogueiras inquisitoriais pr-

    modernas? Sobre a relao entre bruxas, bruxarias e outros poderes (femininos), recomenda-se o instigante estudo etnogrfico realizado por Sonia Maluf entre os moradores na Lagoa da Conceio (Florianpolis, Santa Cartarina), entre os quais ainda persiste a produo de narrativas de temeridade e at mesmo respeito em torno destas personagens, seus poderes inescrutveis e invisveis. A bruxa, para Maluf, seria uma espcie de metfora do poder feminino no- instrumental, liminar, concebido como perigoso, que deve ser agenciado, domesticado, controlado; e cuja eficcia de natureza outra das armas da guerra instrumental: flechas, dardos, venenos, armas de fogo, bombas, fuzis... Interessante notar esta concepo de poder o poder feminino no clssico A arte da Guerra, de Sun Tzu (544 496 A.C.), o qual postula que fazer guerra nem sempre pressupe desembainhar a espada e fazer verter o sangue do inimigo.

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    Se os animais so potencialmente humanos, os Wari so potencialmente presas, de modo que a humanidade no algo inerente, mas uma posio pela qual se deve lutar todo o tempo. Tudo se passa como se essa lgica sofisticada de predao em mo-dupla tivesse como finalidade principal uma reflexo profunda sobre a humanidade. (Villaa 2000)

    guisa de concluso

    Portanto, diante do exposto nestas breves linhas, alinho-me perspectiva de considerar o xamanismo como um tipo de guerra, como uma continuao da guerra por outros meios, com qualidades e especificidades seno semelhantes, mas de uma mesma ordem, no caso em apreo, o domnio da violncia, suas formas, usos, (des)controles -- cosmopolticas em constante transformao, metamorfoses atividades guerreiras, atividade xamnicas.

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