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1 XIV ENCONTRO NACIONAL DA ABET 2015 - Campinas GT 12 Emprego, estrutura ocupacional e rendimentos. Título: O emprego assalariado e desigual do trabalhador com deficiência no Brasil. Nome da pesquisadora: Michele Paitra Alves dos Santos 1 Resumo Este trabalho é fruto da pesquisa de mestrado realizada sobre a inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho brasileiro, que começa a ser visualizada nas relações de trabalho no século XXI, por meio das políticas públicas sociais de trabalho e renda, e com o crescimento do emprego formal. Mesmo assim, evidenciou-se na pesquisa, que os trabalhadores com deficiência estavam sendo empregados em “nichos de mercado” nas áreas de serviço e industrial, em ocupações precárias, com menores salários e sofrendo com a intensificação do trabalho, mantendo desta forma a desigualdade das relações de trabalho brasileiro. O objetivo deste trabalho é de analisar o emprego assalariado da pessoa com deficiência, por meio da pesquisa realizada em Curitiba e das publicações do IBGE por estados, evidenciando a estrutura ocupacional e de rendimentos, as diferenças setoriais e as desigualdades com relação à deficiência (física, auditiva, visual e intelectual), ao gênero e a faixa etária. A metodologia de trabalho apresentará a análise qualitativa de entrevistas realizadas com os trabalhadores com deficiência e as empresas. Apresentará as relações de trabalho por meio dos dados estatísticos do IBGE, para ser possível explicar a inserção ocupacional deste grupo de trabalhadores, dentro das categorias de rendimentos, de diferenças setoriais e de desigualdade na sociedade brasileira. Os resultados da pesquisa evidenciaram que a inserção no mercado de trabalho da pessoa com deficiência é um tema de relevância por estudar um grupo ainda pouco conhecido pela sociologia. E o emprego é um objeto de integração e de aceitação social para estes indivíduos, ainda que inicialmente, permeado por políticas públicas de acesso e em condição de manutenção da desigualdade social. Palavras-chave: Emprego, trabalhador com deficiência, ocupação, rendimentos, desigualdade social. Introdução 1 Possui graduação em Ciências Sociais (bacharelado e licenciatura) pela Universidade Federal do Paraná (2007), graduação em Pedagogia (licenciatura) pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2004), especialização em Organização do Trabalho Pedagógico pela Universidade Federal do Paraná (2008), especialização em Educação Especial com ênfase em inclusão pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2011) e mestrado em Sociologia do Trabalho pela Universidade Federal do Paraná (2012). Atuou como pesquisadora do Grupo de Pesquisa Estudos do Trabalho e Sociedade (GETS) da Universidade Federal do Paraná (2009- 2015). Atualmente é bolsista da Universidade Aberta do Brasil (UAB), atuando como tutora do Curso de especialização em Gestão Pública pela Universidade Federal do Paraná (de 2012 até o momento). Atua como professora pedagoga na rede pública municipal de Curitiba em Centro Especializado de Atendimento (CMAE) e na rede estadual do Estado do Paraná.

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XIV ENCONTRO NACIONAL DA ABET – 2015 -

Campinas

GT 12 – Emprego, estrutura ocupacional e rendimentos.

Título: O emprego assalariado e desigual do trabalhador com deficiência no

Brasil.

Nome da pesquisadora: Michele Paitra Alves dos Santos1

Resumo

Este trabalho é fruto da pesquisa de mestrado realizada sobre a inserção da pessoa com deficiência no mercado

de trabalho brasileiro, que começa a ser visualizada nas relações de trabalho no século XXI, por meio das

políticas públicas sociais de trabalho e renda, e com o crescimento do emprego formal. Mesmo assim,

evidenciou-se na pesquisa, que os trabalhadores com deficiência estavam sendo empregados em “nichos de mercado” nas áreas de serviço e industrial, em ocupações precárias, com menores salários e sofrendo com a

intensificação do trabalho, mantendo desta forma a desigualdade das relações de trabalho brasileiro. O objetivo

deste trabalho é de analisar o emprego assalariado da pessoa com deficiência, por meio da pesquisa realizada em

Curitiba e das publicações do IBGE por estados, evidenciando a estrutura ocupacional e de rendimentos, as

diferenças setoriais e as desigualdades com relação à deficiência (física, auditiva, visual e intelectual), ao gênero

e a faixa etária. A metodologia de trabalho apresentará a análise qualitativa de entrevistas realizadas com os

trabalhadores com deficiência e as empresas. Apresentará as relações de trabalho por meio dos dados estatísticos

do IBGE, para ser possível explicar a inserção ocupacional deste grupo de trabalhadores, dentro das categorias

de rendimentos, de diferenças setoriais e de desigualdade na sociedade brasileira. Os resultados da pesquisa

evidenciaram que a inserção no mercado de trabalho da pessoa com deficiência é um tema de relevância por

estudar um grupo ainda pouco conhecido pela sociologia. E o emprego é um objeto de integração e de aceitação social para estes indivíduos, ainda que inicialmente, permeado por políticas públicas de acesso e em condição de

manutenção da desigualdade social.

Palavras-chave: Emprego, trabalhador com deficiência, ocupação, rendimentos, desigualdade social.

Introdução

1 Possui graduação em Ciências Sociais (bacharelado e licenciatura) pela Universidade Federal do Paraná (2007),

graduação em Pedagogia (licenciatura) pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2004), especialização

em Organização do Trabalho Pedagógico pela Universidade Federal do Paraná (2008), especialização em

Educação Especial com ênfase em inclusão pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2011) e mestrado

em Sociologia do Trabalho pela Universidade Federal do Paraná (2012). Atuou como pesquisadora do Grupo de

Pesquisa Estudos do Trabalho e Sociedade (GETS) da Universidade Federal do Paraná (2009- 2015).

Atualmente é bolsista da Universidade Aberta do Brasil (UAB), atuando como tutora do Curso de especialização

em Gestão Pública pela Universidade Federal do Paraná (de 2012 até o momento). Atua como professora

pedagoga na rede pública municipal de Curitiba em Centro Especializado de Atendimento (CMAE) e na rede

estadual do Estado do Paraná.

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Este trabalho tem como ponto de partida, a pesquisa de Mestrado realizada no âmbito

do Programa de Pós-graduação em Sociologia, na área de Sociologia do Trabalho e constitui-

se de releitura dos resultados da dissertação que analisou o processo de inserção no mercado

de trabalho formal do jovem com deficiência intelectual em Curitiba. Pretende avançar na

pesquisa, com análises do emprego assalariado da pessoa com deficiência no mercado de

trabalho brasileiro. A pesquisa foi realizada entre 2009 a 2011 problematizando quais são as

principais barreiras, entraves e os fatores que contribuem para a inserção profissional do

jovem com deficiência intelectual. Esta discussão situa-se no âmbito da Sociologia do

Trabalho e das políticas de inclusão social no Brasil, no início do século XXI.

O emprego assalariado das pessoas com deficiência, ainda é pouco estudado na

sociologia. A pesquisa demonstrou (SANTOS, 2011) que os jovens com deficiência

intelectual têm maior dificuldade quando procura emprego, devido à incompreensão acerca da

especificidade da deficiência e em contrapartida, o empresário afirma não encontrar

candidatos disponíveis para as vagas ofertadas. A ênfase do estudo refere-se às possibilidades

de integração efetiva destes jovens enquanto trabalhadores, o que pressupõe seu

reconhecimento produtivo para a sociedade capitalista.

No presente estudo, iremos além, demonstrado com base nesta primeira pesquisa, os

dados atuais da inserção laboral das pessoas com deficiência, para além do primeiro emprego,

analisando por meio de dados estatísticos do como dos indicadores do IBGE2, do CAGED

3,

do RAIS4 apresentando a deficiência no Brasil, a situação e as características do empego

formal, bem como os rendimentos do trabalho e as diferenças regionais. Esta apresentação

objetiva analisar como tem ocorrido a manutenção do emprego formal dos trabalhadores com

deficiência, visualizando as principais ocupações, os rendimentos, as diferenças setoriais,

diferenças de gênero e faixa etária nas diferentes deficiências (física, auditiva, visual e

intelectual).

2 Documentos que serão utilizados para a análise: Censo Demográfico 2010 - Características Gerais da

População, Religião e Pessoas com Deficiência e Cartilha Do Censo 2010: Pessoas com Deficiência (2012).

3 Dados do Observatório do Mercado de Trabalho Nacional do MTE brasileiro do CAGED 2010, que prefigura

os Boletins de Indicadores do Mercado de Trabalho – Pessoas com Deficiência nº1, 2 e 3. Disponível em: < http://www3.mte.gov.br/observatorio/indicadores.asp> Acesso em: 20/06/2015.

4 Documento de apresentação “Características do Emprego formal – RAIS 2013: Pessoas com Deficiência –

PCD - Principais Resultados”. Disponível em: <

http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C816A48EC2EA401497FE737C97C60/Apresenta%C3%A7%C3%A3o%

20RAIS%202013%20%20PCD.pdf> Acesso em: 27/06/2015.

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As mudanças no contexto do trabalho em escala global – incluindo inovações

tecnológicas e organizacionais tem alterado as condições de inserção laboral no mercado de

trabalho, promovendo a flexibilização, a terceirização, a intensificação e exigindo dos

trabalhadores, novas qualificações (CATTANI, 2011) – constituem o cenário no qual, no

Brasil, se delineiam as políticas sociais de inclusão e de inserção das pessoas com deficiência.

É, portanto também no contexto da ampliação dos direitos sociais e trabalhistas prescritos

pela Constituição Federal de 1988 e, da década de 1990 – em que ocorreram, com mais

intensidade, a reestruturação produtiva no Brasil, a abertura do País ao mercado externo e, a

crise de oferta de empregos – que podemos compreender a relevância do papel do Estado

enquanto gerador de políticas sociais de geração de empregos e de inclusão social, no século

XXI.

A metodologia de pesquisa teve como alicerce a pesquisa qualitativa devido as

possibilidades de “riqueza de significados dela transbordante” (MINAYO, 2008, p. 14), além

de contar com o aporte da pesquisa quantitativa para a releitura dos dados oficiais dos

indicadores supracitados para a análise. Foi utilizada ao longo da inserção no campo de

pesquisa, a observação tanto dos indivíduos pesquisados, como das instituições formadoras e

das empresas que empregaram em seus quadros trabalhadores com deficiência, por exigência

ou não da Lei de Cotas5.

A análise da Lei de Cotas perpassou os dados da pesquisa, que analisou a trajetória

laboral dos trabalhadores com deficiência intelectual. Foram retratadas as trajetórias ingresso

no mercado de trabalho, por meio da formação e da qualificação profissional.

O presente artigo está dividido em duas partes que se complementam. Na primeira

parte são retomadas as análises da pesquisa de mestrado quanto a inserção do emprego do

trabalhador com deficiência por meio de sua trajetória laboral na busca do primeiro emprego.

Na segunda parte, são apresentados os dados estatísticos dos indicadores sobre o emprego da

pessoa com deficiência no Brasil, por regiões, apresentando dados sobre a permanência no

trabalho em quais condições de desigualdade. Por fim, são apresentadas algumas

considerações sobre a relação tensa e contraditória entre o processo de inserção laboral, das

características do emprego real e de sua permanência desigual na sociedade brasileira.

5 Lei nº 8213 de 1991.

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2 Trajetória laboral dos jovens trabalhadores com deficiência intelectual em Curitiba:

releitura dos dados da pesquisa de mestrado

A pesquisa com os jovens trabalhadores com deficiência intelectual foi realizada no

período de 2009 a 2011, no município de Curitiba, estado do Paraná, visualizando a situação

de inserção no primeiro emprego, por meio da formação nas escolas especiais, da qualificação

e da intermediação de mão de obra. A análise da pesquisa visualizou situações de

vulnerabilidade e de desigualdade social deste grupo, que depende das ações legalistas do

Estado como da Lei de Cotas e de políticas públicas de trabalho e renda para se a inserção no

emprego formal.

Para Diniz (2007, p.19-20) a deficiência denuncia “a estrutura social que oprime a

pessoa deficiente”. Considera a deficiência como uma característica de identidade

contrastante e de interação social, que contraditoriamente pode expressar uma “desvantagem

social” e representar a diversidade humana.

A estrutura social constituiria como um dos impeditivos da integração social e ao

mesmo tempo a condição salarial, faz com que estes indivíduos com deficiência, que sem a

proteção do Estado façam parte do grupo de “supranumerários” e “inempregáveis” (CASTEL,

2008) para a sociedade capitalista do século XXI. Sendo assim, é um grupo que pertence a

massa e parte da condição de desvantagem social e que sua inserção laboral ganha sentido na

problemática de integração social e dos direitos humanos.

Em 2009 foi realizado em Curitiba um estudo pelo observatório do trabalho da

Secretaria Municipal de Trabalho e Emprego em parceria com o Dieese, sobre a pessoa com

deficiência no mercado de trabalho. Segundo estes dados, Curitiba possuía “6.170

trabalhadores formais com deficiência, o que representa aproximadamente 30% do total dos

trabalhadores formais com deficiência no Estado, e praticamente 80% do total da região

metropolitana” (SMTE/ DIEESE, 2009), com predomínio de trabalhadores na faixa etária de

30 a 39 anos. Esta população se caracterizava como urbana, estando distribuída na área de

serviços (39,9%) e na área industrial (12,7%).

O processo de transição da escola para o trabalho, no geral configura-se como um

espaço de tempo de integração do novo trabalhador em virtude das condições e possibilidades

dadas pelo mercado de trabalho. Sendo assim, a análise de inserção laboral do jovem com

deficiência percorrido o tempo de saída do sistema formativo, no caso da escola especial, para

o emprego com a negociação de seus conhecimentos adquiridos (FRANZOI, 2006). Este

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processo ocorre pela negociação do seu tempo livre, que é vendido como força de trabalho.

Para o primeiro emprego, o jovem tem disponível para negociar o que lhe foi ensinado, sem

necessariamente a experiência e a qualificação almejada pelos empregadores.

A preparação profissional remete aos conhecimentos transmitidos aos jovens nos

órgãos de formação em vista de habilitá-los a conseguir um lugar no mercado de

trabalho. Esses conhecimentos transformam-se em qualificações (...) A transição profissional é caracterizada pela procura de emprego e por um conjunto de

mecanismos que se situam na interface da escola e do trabalho. (...) Em seguida vem

a fase da integração profissional propriamente dita, ou por uma relativa estabilidade

de emprego, ou por situações de espera em relação ao acesso a um emprego, ou por

situações de marginalização, ou de exclusão do mercado de trabalho. (TROTTIER,

1998, p. 152-153)

Para analisar o percurso de inserção laboral dos jovens com deficiência intelectual em

Curitiba realizei vinte e cinco (25) entrevistas estruturadas, aplicadas de forma direta e

transcritas aos diversos representantes6 de instâncias que realizam a formação, a qualificação

profissional e o encaminhamento ao mercado de trabalho formal destes novos trabalhadores.

A observação acompanhou toda a trajetória de pesquisa (MINAYO, 2008), bem como

a leitura de documentos oficiais, para delinear os atores envolvidos e a necessidade de mapear

o campo de pesquisa para entendimento dos atores envolvidos. Num primeiro momento,

foram entrevistados professores, gestores e a equipe da saúde das escolas especiais

municipais. Estas instituições contam com profissionais especializados em educação especial

e com um ambulatório especializado com psicólogos, terapeutas ocupacionais e um

neurologista, para o acompanhamento de alguns alunos.

Nestas escolas são desenvolvidas ações terapêuticas e pedagógicas de alfabetização

funcional, num processo individualizado e que respeita as limitações cognitivas dos alunos

especiais. A partir dos 14 anos de idade os alunos são encaminhados para as oficinas de

formação com o objetivo de prepará-los para o mercado de trabalho. Em médias, estes alunos

permanecem três anos nesta formação laboral.

Nas oficinas de formação que foram observadas pela pesquisadora, os jovens

desenvolviam atividades manuais, de cunho terapêutico, voltadas para o emprego informal,

que correspondiam às atividades de cartonagem, reciclagem, de tecelagem, dentre outras, e

6 As entrevistas foram realizadas com representantes das Secretarias Municipais de Educação, do Trabalho e

Emprego, da Pessoa com Deficiência e Fundação Social (FAS). Com o SINE (Sistema Nacional de Emprego),

com gestores, professores das três escolas especiais municipais de Curitiba, com jovens trabalhadores com

deficiência intelectual e com algumas empresas empregadoras.

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para o emprego formal na base da cadeia produtiva, de cozinha industrial, com ênfase nas

ações comportamentais e das atividades da vida diária.

Existem três grupos de jovens nas escolas especiais, aqueles que não têm condições de

serem inseridos no mercado de trabalho, devido às limitações cognitivas e comportamentais,

no qual o trabalho com as oficinas de formação é satisfatório. Um segundo grupo de jovens

que poderiam ter condições de ingresso profissional segundo o relato dos formadores, mas

que recebem um Beneficio de Formação Continuada (BPC)7, que corresponde a um salário

mínimo e que é chamado de aposentadoria permanente.

Conforme o citado, estes jovens especiais desenvolvem uma preparação profissional,

de orientação, que não necessariamente os profissionaliza.

Profissionalização refere-se [a] estar apto para exercer uma profissão, atividade ou

ocupação especializada, da qual se obtém os meios de subsistência. Por outro lado,

preparar para o trabalho significa preparar para uma vida produtiva, através da

prática de atividades que desenvolvam a capacidade laborativa. Ou seja, há uma

clara distinção entre ambos. O primeiro termo refere-se à educação de uma profissão

específica e todas as questões dela decorrentes, com a habilitação profissional. O

outro diz respeito à preparação para o trabalho, qualquer trabalho, estando suas

ações mais voltadas para a formação de hábitos e atitudes inerentes ao trabalhador.

(VALLE, 2004, p. 27)

Outro local pesquisado e que poderia realizar a qualificação profissional destes jovens,

seria a Fundação de Ação Social de Curitiba (FAS) pelos cursos que possui e que oferta

gratuitamente nos chamados Liceus do Ofício. Não há um curso adaptado para o deficiente

intelectual, mas segundo a entrevistada desta instituição, também não existe restrição. A FAS

no momento da pesquisa, também enviava instrutores de cursos para as escolas especiais. Os

cursos solicitados pelas escolas eram: de práticas de alimentação, de rotinas administrativas e

de informática.

Segundo os dados fornecidos pelas Secretarias Municipais do Direito da Pessoa com

Deficiência, do Trabalho e Emprego, a qualificação profissional deveria ser oferecida pelas

empresas contratantes de trabalhadores com deficiência. Mas contraditoriamente, as empresas

relataram que sentiam falta da profissionalização prévia destes jovens.

7 O Benefício de Prestação Continuada (BPC), [...] funciona como uma aposentadoria de um salário mínimo,

concedida ao deficiente pelo INSS, que atesta sua incapacidade para o trabalho. Este jovem com deficiência

geralmente não é inserido no mercado de trabalho formal sob pena de perder o benefício.

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Com relação à qualificação profissional o que se estabelece muito, é uma parceria

com o Sistema S, Sesc, Senai, Sesi, no sentido de qualificação. Por outro lado, a

Secretaria do Trabalho, também tem procurado (...) em fazer com que as empresas desenvolvam os seus projetos de qualificação para as pessoas com deficiência, mas

já voltadas para o trabalho que elas vão desenvolver. (Entrevistado nº 8, Secretaria

do Direito da Pessoa com Deficiência, 2010) (SANTOS, 2011, p. 100)

Neste caso, a parceria com o Sistema S é proposta como uma parceria do público e

privado, que não foi visualizada na pesquisa de maneira efetiva, com os jovens com

deficiência intelectual. No relato dos jovens quanto as trajetórias laborais que desenvolviam, a

qualificação acontecia nas empresas como forma de treinamento e de acompanhamento do

trabalho desenvolvimento, geralmente realizada pelo chefe imediato, por um supervisor ou

colega de trabalho.

Quanto às trajetórias dos jovens deficientes intelectuais pesquisados, entendida como a

movimentação dos trabalhadores no mercado de trabalho, demonstrando o perfil da força de

trabalho, as experiências de emprego, a seleção para o emprego e perpassando suas histórias

de vida (COGO, 2011), destaco que apesar das limitações cognitivas, este grupo expressa as

vivências e os anseios juvenis de sua geração. Almeja um lugar na sociedade pela integração

no emprego formal, deseja a partir do rendimento do salário viver a condição de jovem,

participar da sociedade de consumo, constituir uma família e em alguns casos, dar

continuidade aos estudos.

Para a pesquisa foram entrevistados seis jovens, respeitando a diferença de gênero,

sendo três moças e três rapazes, com idades variando entre 18 a 22 anos. Todos foram ex-

alunos das escolas especiais e conseguiram a inserção profissional por meio da intermediação

da escola com as empregas. Estes jovens foram indicados pelas escolas para as entrevistas por

terem tido experiências de inserção profissional bem sucedida. Os jovens entrevistados

trabalhavam nas áreas de serviços em supermercados e de alimentação, e na indústria de

informática, na linha de produção.

As entrevistas realizadas com os jovens trabalhadores se limitaram a um único

encontro com a pesquisadora e por isso não são de profundidade. As entrevistas foram

realizadas nas escolas especiais, como um lugar de referência para os jovens. Não foi possível

observá-los no ambiente de trabalho, nem entrevistar as chefias e principalmente os seus

colegas de trabalho. Destes jovens entrevistados, apenas uma trouxe a mãe para participar da

entrevista, devido a um maior comprometimento que tinha de associação da deficiência

intelectual com uma perda auditiva. Todos os demais vieram sozinhos e relataram com

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autonomia algumas informações de sua vida, do histórico escolar, do percurso de transição da

escola para o emprego e a rotina de trabalho.

O primeiro entrevistado do sexo masculino, não se diferenciava fisicamente de

qualquer jovem de sua faixa etária, pelas vestimentas, pelo comportamento, pelos anseios

juvenis e pelo vocabulário. Relatou uma experiência de vida vivida pela condição de

vulnerabilidade social e da pobreza, com privações sociais e econômicas, e de exclusão social

sentida pelas dificuldades da deficiência. Identificou-se como morador da Cidade Industrial

de Curitiba, periferia da cidade. Estudou em inúmeras escolas públicas da região e devido aos

insucessos escolares e reprovações, devido à dificuldade de ler e escrever foi avaliado e

encaminhado ao ensino especial. Relatou que depois disso, já na escola especial conseguiu

aprender a ler com a ajuda das professoras. Trabalhou informalmente como panfleteiro, para

ajudar no sustendo da família. Relatou que gostava muito do ramo da informática, mas que

conseguiu emprego no setor de serviços alimentícios, como chapeiro e preparava os

sanduíches. Precisava ajudar financeiramente a sua família, a fim de evitar brigas8. Devido as

exigências do trabalho, estava dando continuidade aos estudos na educação de Jovens e

Adultos (EJA), como forma de conseguir a certificação do Ensino Fundamental e Médio, que

é a exigência do empregador. Disse que desejava se casar e constituir uma família. Contou

sua rotina no mercado de trabalho, na preparação de sanduíches e de como foi treinado por

seu supervisor. Afirmou que pretendia sair deste trabalho e arrumar outro que se identificasse.

Alguns elementos perpassam a sua fala, como: das dificuldades socioeconômicas

associadas a uma vulnerabilidade social, que o levaram a aceitar o emprego que não almejada.

Além disso, a condição juvenil também perpassou o relato, bem como o desejo de integração

social pelo direito de consumir e de conviver socialmente, proporcionados pelo rendimento

salarial.

A segunda entrevistada foi uma moça de 19 anos, que apesar de jovem era muito

responsável e cordial. Era moradora da região metropolitana de Curitiba. Estava em sua

segunda experiência profissional. Anteriormente havia trabalhado como empacotadora de

uma rede de supermercados e havia sido promovida para caixa. Como forma de ascensão

social e para ter melhores salários, segundo o relato da jovem, enviou o seu currículo para

uma indústria de alimentos e foi aceita como cotista. Afirmou que devia tudo a sua família e

8 Questionado quanto ao sentido da briga, relatou que vivia em situação de pobreza e de falta de recursos para a

subsistência, ocasionava conflitos familiares. O emprego garantiria o sustento da família.

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ao apoio da escola. Como o entrevistado anterior, relatou que antes de entrar na escola

especial tivera inúmeros insucessos na trajetória escolar, que não era bem aceita pelos

professores e excluída. Destacou que era muito nervosa e seu comportamento melhorou muito

na escola especial. Aprendeu a fazer trabalhos manuais como bardados e crochê, a ter respeito

e cooperação. Deu continuidade nos estudos na EJA e pretende abrir o seu próprio negócio,

após fazer um curso de fotografia.

No segundo relato, igualmente no primeiro, o que chama a atenção é que os jovens

fazem questão de nomear as empresas que os empregaram. Além dos insucessos escolares

apresentados por ambos e a visão positiva da escola especial, o emprego também aparece

como uma forma de integração social, mas também de ascensão. A formação e a qualificação

profissional foram elementos de diferencial destes jovens, bem como o apoio da família.

A terceira entrevistada tinha 19 anos e estava há seis meses no primeiro emprego, na

indústria de informática, trabalhando na indústria de informática. Conseguiu o emprego por

indicação de uma amiga da escola especial, que já estava trabalhando nesta indústria. Tinha

um comprometimento cognitivo mais acentuado, demonstrando dificuldade de compreensão

de palavras e expressões. Como os demais colegas, relatou os insucessos no ensino regular

devido ao fracasso escolar e a indisciplina. Residia apenas com o pai e segundo seu relato,

necessitava do emprego para contribuir com as despesas domésticas e para conseguir comprar

“coisas de meninas”, que eram maquiagem, roupas, sapatos, dentre outros. Relatou que foi

acolhida na escola especial e que continuava os seus estudos no EJA. Afirmou que trabalhava

na linha de montagem, empacotando os computadores em caixas e estava satisfeita.

Como no relato do primeiro jovem, muitas pessoas com deficiência vivem em

condições de pobreza e de vulnerabilidade social. O emprego também garantiria a

subsistência de sua família e, além disso, teria a possibilidade de viver a sua condição juvenil

e como consumidora.

A quarta jovem entrevistada tinha 22 anos e era amiga da anterior. Esta jovem tinha

marcar visíveis de sua deficiência, que além da limitação cognitiva, tinha a síndrome de

Treacher Collins, que causa deformidades físicas. Devido a isso, ela apresentava dificuldade

de audição e na fala. Este quadro poderia torná-la incapaz de conseguir uma colocação

profissional. Segunda a moça e sua mãe, que acompanhou a entrevista, ela indicada pela

escola para inúmeras entrevistas de emprego, sem sucesso e foi permanecendo na instituição

enquanto os colegas eram encaminhados para o mercado de trabalho. A jovem relatou que

tinha o sonho de trabalhar numa grande empresa de informática e sua mãe acreditando na

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filha, vendo seu sofrimento frente a situação de desemprego, foi pessoalmente a empresa e

pediu uma oportunidade para a filha. A indústria de informática, Positivo Informática, abriu

uma vaga experimental para a moça, também como cotista, no setor de separação de resíduos,

de materiais e de montagem de caixas. A jovem se saiu tão bem, que passou a ser elogiada

pela chefia imediata, necessitando de apoio de colegas, segundo a mãe, em momentos

eventuais. A jovem, com a sua conduta de envolvimento com o trabalho e por sua dedicação,

abrir espaço para que outros jovens fossem aproveitados para o mesmo trabalho de separação

de resíduos. Pretendia dar continuidade aos estudos, como uma exigência da empresa, mas no

momento da entrevista relatou que em seu tempo livre fazia acompanhamento médico com

especialistas, como de fonoaudiologia e otorrino, devido às limitações funcionais da

deficiência. Conseguiu se alfabetizar, mas continua na escola tendo aulas de reforço. Foi mais

um caso bem sucedido, devido ao apoio da família.

Esta jovem apresentava fisicamente as marcas da deficiência e que a estigmatizavam,

por isso permaneceu por mais tempo em condição de desemprego. O emprego para esta

jovem possibilitou a passagem da condição de exclusão social para a integração e o

reconhecimento para os não deficientes, como chefes e colegas de trabalho, de que era capaz

de realizar uma atividade laboral, que por si só configura-se como um direito humano.

O quinto jovem participante da pesquisa tinha 18 anos. Fez estágio numa Secretaria

Municipal, devido a Lei Municipal do Estágio para pessoas com deficiência. Também foi

encorajado por sua família a fazer um curso no SENAI de mecânica básica e de informática.

Realizava de forma autônoma em sua casa, pequenos consertos e a montagem de

computadores. Também era morador da região metropolitana de Curitiba. Relatou que nas

escolas que estudou, passava sem saber e que foi encaminhado para a escola especial devido a

dificuldade em acompanhar as aulas, no que se refere a leitura e a escrita de palavras. Não

considerava a escola especial adequada para as suas necessidades e questionava a formação

recebida nas oficinas de formação. Estava cursando a 5ª série da EJA e na semana da

entrevista iria começar o trabalho na mesma empresa de informática, dos outros dois

entrevistados.

Este jovem, em detrimento dos demais, apresentava uma maior qualificação

profissional e experiência laboral por meio do estágio. Apesar de ser deficiente intelectual,

apresentava um maior potencial de compreensão e era crítico com relação a formação

recebida na escola especial. Tinha expectativas de solidificar o seu negocio próprio com

conserto de computadores e a experiência de emprego, também seria uma forma de autonomia

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e de aprendizado na área que escolhera para atuar. Depois da entrevista, o mesmo jovem

continuou com os cursos de qualificação profissional de informática, em organizações não

governamentais que atendiam deficientes.

O sexto entrevistado era um jovem de 21 anos, que estava trabalhando numa rede de

supermercados, como atendente da padaria. Segundo o seu relato, era um bom funcionário e

gostava da sua função. Esforçava-se para fazer tudo “certinho”, expressão que utilizou várias

vezes durante a entrevista. Para ele o trabalho era satisfatório, porque tinha uma rotina

determinada e sentida dificuldade quando esta era quebrada, como por exemplo, ao ter que

digitar um código de um produto novo.

Este foi o único jovem que não falou na expectativa de continuar os estudos e o

emprego era uma forma de ampliação do rendimento familiar. Era um empregado assíduo,

comprometido e responsável. Não relatava a necessidade de ter um maior salário, queria

manter o emprego. Diferentemente dos demais não relatou a vida juvenil associada ao

emprego.

Nas trajetórias apresentadas, todos os jovens dera grande importância ao emprego. Os

que trabalhavam no setor de serviços recebiam em média um salário mínimo e os do setor

industrial, o salário não passava de um e meio. O trabalho realizado era desigual no sentido de

ser adaptado para as necessidades dos empregados com deficiência. O emprego formal

possibilitava a integração social e a condição para a vivência da juventude na sociedade do

consumo.

A indústria de informática que recebeu o maior número de trabalhadores cotistas com

deficiência foi pesquisada. Conforme o recurso humano, os trabalhadores com deficiência

humanizaram a empresa com a dedicação ao trabalho e ainda realizavam funções que eram

pouco atrativas para os não deficientes. O diferencial de adaptação que a empresa realizou, foi

a de estabelecer uma rotina fixa para estes trabalhadores num modelo taylorista-fordista, mas

que os ajuda a não se desestabilizarem. E ainda, na rotina estabelecida do trabalho podiam

contar com o apoio de um funcionário para as dúvidas, que era o supervisor ou líder da linha

de montagem.

O emprego mostrou-se um elemento de integração social (CASTELS, 2008) quanto ao

convívio grupal. A maior dos jovens retornaram os estudos nos cursos de educação de Jovens

e Adultos, por exigência das empresas. Outro ponto de destaque na análise foi de que as

escolas é que realizam a intermediação de mão de obra destes jovens junto as empresas e uma

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vez que os que fossem contratados eram bem sucedidos, as empresas buscavam novos

trabalhadores nas escolas.

A inserção no mercado de trabalho para estes jovens representa uma oportunidade

de integração social. A partir da entrada no trabalho, muitos deles voltaram a estudar

no EJA, conseguem comprar bens de consumo, ajudam suas famílias e convivem

mais de perto com outros colegas de trabalho, que chamam de amigos.

Sabe-se que as barreiras e entraves para a inserção do jovem com deficiência

intelectual no mercado de trabalho não se resume a sua disponibilidade e empenho,

mas sim a toda uma relação social de aceitação e legitimação do trabalho da pessoa

com deficiência. A empresa quer um trabalhador que cumpra suas funções e,

principalmente, que seja assíduo e que tenha um comportamento adequado as regras

sociais. (SANTOS, 2011, p. 115)

Quanto às empresas, foram realizadas duas entrevistas em empresas diferentes, um do

setor de serviços em um supermercado e outra na indústria de informática. Na rede de

supermercados, estes jovens trabalham nas funções de reposição de estoques, como

empacotadores, na área de hortifrutigranjeiros, na padaria e no açougue. Na indústria, as

funções ocupadas pelos trabalhadores com deficiência tinham as funções operacionais de

separadores de produtos, empacotadores de equipamentos, com a maioria dos trabalhos

realizados em grupo.

Estes dois lugares são considerados nichos do mercado de trabalho, porque muitas

pessoas não deficientes com grau de instrução médio e principalmente superior dificilmente

aceitariam as funções desempenhadas pelos deficientes, bem como as condições de trabalho

que não prescreve planos de carreira e possibilidades de acessão profissional.

Os deficientes intelectuais [trabalhariam] mais na área de serviços, nicho de

mercado (...) a pessoa fica lá dez, quinze anos e não tem um plano de carreira. Que

seria nos mercados, nos hipermercados onde que se coloca mais pessoas com

deficiência intelectual. (...) a barreira do deficiente intelectual ou outras deficiências

[depende] que a empresa aceite esse desafio. (Entrevistado nº 9, Técnico do

Trabalho, 2010) (SANTOS, 2011, p. 116)

Quando as empresas aceitam a contratação de pessoas com deficiência e percebem o

bom desempenho deste trabalhador, acabam entrando em contato com as escolas especiais

para solicitarem outros jovens para o seu quadro funcional dentro da demanda das cotas. Para

além da obrigatoriedade legal, as empresas esperam trabalhadores eficientes e o empresário

deseja obter vantagem desta contratação pela lucratividade.

As empresas pesquisadas que contratam pessoas com deficiência realizam esta prática

em média há mais de cinco anos, conforme o relato das entrevistas. Sendo ainda uma nova

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realidade de contratação assalariada. Nas duas empresas dos setores de serviços e da indústria

da informática a seleção dos trabalhadores é adaptada para o que empregado poderá

desenvolver de função.

Na primeira empresa do ramo de supermercados, conforme entrevista do representante

da gerencia não há um critério específico de exigência para a contratação. São aceitos todos

os tipos de trabalhadores, não é exigida a escolaridade e é dado um rápido treinamento no

local de serviços por outro colega de trabalho. Já na segunda empresa do ramo industrial os

trabalhadores no geral, são encaminhados pela agência do trabalhador ou por indicação de um

colega da escola especial. Quanto a escolaridade, não exigem da pessoa com deficiência o

Ensino Fundamental, mas os trabalhadores precisam ter noção de leitura, de escrita e saber

um mínimo de contagem numérica. Ambas as empresas empregadoras dão incentivo para que

os trabalhadores continuem estudando.

Estas empresas fazem entrevista de seleção e entram em contato com as famílias dos

jovens com deficiência. A aceitação do jovem com deficiência intelectual nestes locais de

trabalho é considerada uma oportunidade pela empresa, dada a este novo empregado.

Afirmaram que existe a necessidade a adaptação, de reconfiguração do trabalho, mas que o

trabalhador busca que o empregado com deficiência continue se qualificando e estudando.

Quanto aos salários pagos, nas duas empresas a média continua a ser um salário

mínimo e meio, com benefícios iguais aos demais trabalhadores, com vale transporte, plano

de saúde, de acordo com as normas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Com relação ao tratamento dado ao trabalhador com deficiência intelectual nas

empresas, foi relatado como harmonioso nas duas empresas. Informaram que há interação

com os demais funcionários no ambiente de trabalho, por meio de ajuda mútua no trabalho em

equipe. Mas no decorrer dos relatos apareceram algumas contradições como: que o

trabalhador com deficiência intelectual acaba tornando-se “protegido” pelo grupo, devido aos

cuidados e atenção despendidos. Que muitos colegas são tolerantes com a postura do colega

especial e que passam a desenvolver mecanismos de aceitação e de respeito mútuo.

Infelizmente não podemos ter acesso na pesquisa aos colegas de trabalho, que seria um dado

analítico importante enquanto processo de trabalho e integração.

As duas empresas analisadas representam casos de sucesso na contratação de pessoas

com deficiência intelectual. Afirmaram que uma das fórmulas para as experiências bem

sucedidas seriam: o preparo do chefe imediato, em alguns casos chamado de líder, que faz a

intermediação entre o trabalho, os demais trabalhadores e o trabalhador com deficiência.

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Consideraram que o empregado com deficiência necessita de acompanhamento constante,

para que o seu trabalho ser eficaz para a empresa.

3 O emprego assalariado e desigual da pessoa com deficiência no Brasil

O mercado de trabalho brasileiro vem se transformando com mais intensidade desde o

início do século XXI. O crescimento do emprego formal e a elevação do rendimento salarial

ocorreram mais especificamente a partir de 2004, com a diminuição do desemprego e com a

melhoria da estrutura ocupacional e de rendimentos, mas contraditoriamente, a precarização

de estrutura ocupacional manteve a desigualdade do mercado de trabalho brasileiro. A partir

de 2011, com a redução do ritmo de crescimento econômico, o ritmo de melhorias também

diminuiu, mantendo-se as diferenças setoriais e as desigualdades de gênero, faixa etária e de

nível de instrução, bem como das políticas públicas voltadas para o mercado de trabalho

brasileiro.

Partindo do boletim do IPEA9 sobre o “Mercado de trabalho: conjuntura e análise”

(2013), com base nos indicadores da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) divulgada pelo

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), destaca a queda acentuada de empregos

em 2011, mas por outro lado, registra uma alta em 2012 e que ainda se mantém no primeiro

mês de 2013.

Com base neste contexto, quando analisamos especificamente o grupo de

trabalhadores com deficiência quanto ao nível de emprego formal, tomando como base a

“Cartilha Censo 2010: pessoas com deficiência” (2012) com dados retirados do Censo

Demográfico de 2010, a deficiência é entendida como uma temática dos direitos humanos10

.

Neste sentido, a deficiência no Brasil foi analisada pela percepção destas pessoas quanto ao

grau de dificuldade e de funcionalidade11

da deficiência apresentada para as condições de vida

e com a desigualdade social interferindo nos dados que serão apresentados.

9 Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada.

10 Termo constante na Convenção dos Direitos Humanos das Pessoas com Deficiência (2006), com base nos

tratados internacionais, como um direito institucional, tem o objetivo de minimizar ou eliminar as diferenças

entre pessoas com deficiência e não deficientes.

11 A funcionalidade depende da estrutura da organização social. As dificuldades e as facilidades estão

relacionadas com o enfrentamento da vida diária.

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Com base na publicação “Características Gerais da População, Religião e Pessoas com

Deficiência” (IBGE) 23,9% da população brasileira apresenta algum tipo de deficiência,

destes 26,5% são mulheres e 21,2% são homens, com a grande maioria vivendo em áreas

urbanas. No Censo de 2000, a população com deficiência no Brasil era de 14,5%.

A prevalência da deficiência variou de acordo com o tipo, sendo que a deficiência

visual apareceu em maior número (18,60%). Em segundo lugar, a deficiência motora (7%), na

sequência a auditiva (5,10%) e por último a mental ou intelectual (1,40%). A população que

apresenta deficiência severa é de 8,3%.

Outro dado que se manteve nos dois Censos de 2000 e de 2010 foi a da prevalência de

pessoas com 65 anos ou mais que apresentam algum tipo de deficiência. No Censo de 2000

correspondiam a 54% e no de 2010 este índice aumentou para 67,7%, com os dados

corroborando com o crescente envelhecimento da população brasileira e consequentemente

pela perda de funcionalidade. Mesmo assim, quanto ao número de pessoas com deficiência

que foram investigadas (trinta de dois milhões, seiscentos e nove mil e vinte e duas) a maioria

encontra-se na faixa etária de 15 a 64 anos, sendo considerada uma população ativa para o

mercado de trabalho.

Para o segmento populacional das pessoas com deficiência, para cada 100 mulheres

existem 76,7 homens. Uma das justificativas seria do conhecimento de que os homens

morrem mais cedo do que as mulheres. Para as deficiências visual e motora ocorreu

prevalência de mulheres (respectivamente, 21,4% e 8,5%), mas para as deficiências auditiva e

intelectual há ligeiramente uma prevalência de homens (respectivamente 5,3% e 1,5%).

Quanto aos grupos da raça preta e amarela forma encontrados os maiores percentuais

de pessoas com deficiência em ambos os sexos. Quanto ao gênero há maior incidência da

população feminina. As mulheres negras apresentaram a maior incidência de 30,9%.

Nas regiões brasileiras, segundo o IBGE (2010) a incidência de pessoas com

deficiência teria relação com as piores condições de vida, isto é, a deficiência teria uma forte

relação com a pobreza. A região Nordeste apresentou a maior taxa de prevalência de pessoas

com deficiência (26,3%), tendência que foi mantida desde o Censo de 2000, quando a taxa era

(16,8%), sendo a maior entre as regiões brasileiras. As menores incidências estariam nas

regiões Sul (22,5%) e Centro Oeste (22,51%).

Entre os estados brasileiros, a maior incidência da deficiência ocorreu no Rio Grande

do Norte (27,76%) e na Paraíba (27,58%), percentuais maiores que a média nacional (23,9%).

As incidências mais baixas ocorreram no Distrito Federal (22,3%) e em São Paulo (22,6%).

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Quanto a educação como um direito humano, considerada um fim e um meio de

desenvolvimento que prepara o indivíduo para o mercado de trabalho, a taxa de

alfabetização12

da população brasileira total foi de 90,6%, no Censo de 2010. Para as pessoas

com pelo menos um tipo de deficiência este percentual foi de 81,7%. Fica evidente que as

pessoas com deficiência apresentaram taxas de alfabetização menores do que a população

total. Entre as regiões, as que apresentaram as menores taxas de alfabetização foram a Norte

(80%) e a Nordeste (69,7%).

O nível de instrução da população com deficiência no Censo de 2010 foi de: 14,2%

para os que possuíam o Ensino Fundamental completo; de 17,7% com o Ensino Médio

completo e de apenas 6,7% para os que possuíam o Ensino Superior completo. Destes 61,1%

estavam no grupo sem instrução e com o Ensino Fundamental incompleto. Em nível regional,

o Nordeste teve o maior percentual de pessoas sem instrução e com fundamental incompleto

(67,7%).

Com relação ao trabalho que também é um direito humano básico, no Brasil tem sido

garantido por meio de políticas públicas ao trabalhador com deficiência, como da Lei de

Cotas (1991)13

. A inserção no mercado de trabalho formal em empresas com cem ou mais

funcionários (art. 93), pode variar com relação ao número de funcionários de 2% a 5%, isto é,

empresas com até 200 empregados 2%; de 201 a 500, 3%; de 501 a 1000, 4% e de 1001

acima, 5%. Assim, as empresas de grande porte são obrigadas por Lei a contratar o percentual

correspondente acima de trabalhadores com deficiência. Caso não cumpra as Cotas, as

empresas passam a serem multadas pelo Ministério do Trabalho, com a contratação de

pessoas com deficiência correspondendo também a uma exigência de responsabilidade social

(FONSECA, 2005; LOBATO, 2009; DOVAL, 2006).

No Censo 2010, o maior contingente de pessoas ocupadas estava no grupo da faixa

etária de 40 a 59 anos. O que chama a atenção, que a ocupação das pessoas com deficiência

apresentou maior participação masculina em todos os tipos de deficiência.

12

São consideradas alfabetizadas as pessoas de 15 anos ou mais, que conseguem ler e escrever um bilhete

simples em seu idioma.

13 Em 1991 foi sancionada a Lei nº 8.213 que garante os Planos de Benefícios da Previdência Social e que

apresenta entre os artigos 89 a 93 a chamada Lei de Cotas.

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Quadro: Nível de ocupação de pessoas com deficiência

Tipos de Deficiência Homens Mulheres

Intelectual e mental 20,2% 14,2%

Motora 39,3% 25,2%

Visual 60,6% 39,8%

Auditiva 49,9% 28,3%

Adaptação pela autora do gráfico da Cartilha do Censo 2010

Os dados corroboram com a afirmação de que a população feminina com deficiência

apresenta os menores níveis de ocupação, mesmo em número populacional maior do que os

homens, representando que a desigualdade de gênero e social também ocorre de forma

desigual neste grupo.

Quanto a taxa de atividade que indica a inserção das pessoas com deficiência no

mercado de trabalho, para os homens a taxa foi de 60,3% e para as mulheres de 41,7%. Esta

taxa também variou com relação ao tipo de deficiência, sendo maior para a deficiência visual,

tanto para homens (63,7%) como para as mulheres (43,9%). O tipo de deficiência mais

restritivo para o mercado de trabalho continuou sendo a intelectual, com ocupação para

homens de 22,2% e para mulheres de 16,1%.

A categoria de emprego e ocupações das pessoas com deficiência apresentou 40,2%

dos trabalhadores empregados com carteira assinada. Estes dados apresentam um quadro de

pessoas com deficiência sendo empregadas no mercado de trabalho formal, ganhando em

média até um salário mínimo e meio.

Ainda em 2010, o observatório do mercado de trabalho nacional do Ministério do

Trabalho e Emprego produziu três boletins especiais sobre as pessoas com deficiência com

dados do CAGED e nos anos posteriores não foram localizados novos documentos, como

continuidade do processo de análise. Nestes boletins, em especial no primeiro quadrimestre de

2010, a geração de emprego para as pessoas com deficiência foi recorde, com 23.449 mil

trabalhadores com deficiência sendo admitidos no emprego formal, com maior saldo positivo

para o tipo de deficiência motora ou física, com destaque para os setores de serviços e da

indústria de transformação. A região Sudeste no período foi a que mais empregou, em

contrapartida as regiões Norte e Nordeste continuaram tendo saldo negativo de novas

contratações. Os destaques estaduais para o aumento de contratações ocorreram em São

Paulo, seguido de Minas Gerais e do Distrito Federal.

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De forma positiva, a contratação do emprego feminino apresentou saldo positivo de

1433novas contratações, com relação ao emprego masculino com a queda de 791

contratações. Tendo em vista o recorte de gênero, o aumento de postos de trabalho feminino

significou uma reação do mercado frente a esta mão de obra.

Quanto a faixa etária, os jovens entre 18 a 24 anos foram os mais absorvidos pelo

mercado de trabalho. Estes também foram o objeto da pesquisa em Curitiba. Quanto ao

salário recebido, a grande maioria não excedeu a um salário mínimo e meio. E ainda, quanto

ao grau de instrução, a grande maioria de contratados tinha o Ensino Médio completo

(abertura de mais 1388 contratações).

Com os dados da RAIS de 2009 e do CAGED de 2010, o boletim número 2,

apresentou que a inserção da pessoa com deficiência continuava apresentando resultados

positivos. Os setores que mais empregaram pessoas com deficiência foram os serviços e o

comércio, em contrapartida da indústria.

A região Sudeste e o estado de São Paulo tiveram um saldo positivo de contratações,

mas com queda de contratações nas regiões Centro Oeste e Sul. Deve-se destacar o aumento

de postos de trabalhos ocupados por trabalhadores com deficiência nas regiões Norte e

Nordeste.

Quanto ao recorte de gênero, a mão de obra feminina com deficiência apresentou saldo

de 55,5% dos postos de trabalho e para os homens o saldo ficou em 44,5%. Dados que

mostram a ampliação do emprego feminino, mas não garantem a queda da desigualdade de

gênero e social. A faixa etária por saldo de emprego no segundo quadrimestre de 2010

continuou sendo de jovens, mas ocorreu o aumento da participação de trabalhadores na faixa

etária de 30 a 39 anos.

No último quadrimestre de 2010, deu inicio a uma queda de vagas para pessoas com

deficiência. A deficiência física continuou com a maior participação, seguida da mental ou

intelectual. Os setores de serviços e do comércio continuaram ampliando seus postos de

trabalho em detrimento da indústria, que passou a contratar menos. A redução de postos de

trabalho ocorreu nos níveis de instrução mais baixos com Ensino Fundamental incompleto,

mantendo-se uma tendência que exige a qualificação do trabalhador, seja ele deficiente ou

não.

Num novo estudo sobre as características do emprego formal da pessoa com

deficiência com os dados da RAIS (2013), constatou-se que ocorreu aumento de emprego

deste grupo de apenas 8,33%. Usando o recorte de gênero o quadro de 2010 se alterou, porque

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64,84% eram homens e 35,16% mulheres, surgindo a questionamento de que as mulheres não

se mantiveram nos postos de trabalhou ou que não ocorreu ampliação de novos postos. Os

homens continuaram a ter rendimentos superiores aos das mulheres e quanto maior o nível de

instrução maior foi o rendimento, numa relação direta entre nível educacional e rendimento.

Os dados do RAIS quanto ao nível de instrução revelou que as pessoas com

deficiência que mantiveram os vínculos empregatícios tinham o Ensino Médio completo.

Quanto ao tipo de deficiência, a física continuou tendo o maior número de vagas de trabalho.

Este conjunto de dados nacionais quanto ao emprego da pessoa com deficiência,

mostrou uma tendência nacional de 2010 com ampliação dos postos de trabalho e ao mesmo

tempo, uma retração nos anos seguintes. Mesmo com o número maior de deficientes visuais

no Brasil conforme os dados do IBGE (2010), a deficiência motora foi a que apresentou uma

maior contratação de pessoas com deficiência. O nível de instrução de Ensino Médio

apresentou os maiores índices de contratação, corroborando com a exigência básica que se faz

para os trabalhadores não deficientes.

Em Curitiba no primeiro semestre de 2014 foi realizada uma pesquisa sobre a Inclusão

no Mundo do Trabalho de pessoas com deficiência, pelas Secretarias da Pessoa com

Deficiência e do Trabalho, com consulta realizada diretamente às empresas de Curitiba e

Região Metropolitana. A pesquisa tentou mostrar a realidade das empresas, suas necessidades

e dificuldades em realizar a contratação das pessoas com deficiência. Constataram que quanto

maior a empresa, maior seria a dificuldade em cumprir as cotas.

Os tipos de deficiência mais contratados foram às físicas ou motoras, corroborando

com os dados nacionais. Mas estas contratações são daqueles deficientes que não necessitam

de grande acessibilidade, isto é, que não são cadeirantes, por exemplo. A grande maioria dos

contratados (44%) tem como nível de instrução o Ensino Médio completo, sendo este a

condição básica de ingresso no mercado de trabalho tanto de pessoas com deficiência como

sem deficiência, sendo um requisito para as empresas.

Quanto ao cargo ocupado, 64% era operacional de produção ou na linha de produção,

22% de auxiliar e assistente administrativo e apenas 12% de técnico. O rendimento médio de

62% dos trabalhadores estava entre um e dois salários mínimos e segundo a pesquisa seria um

dos motivos da alta rotatividade e baixa permanência destes profissionais no emprego. Além

disso, as contratações de 43% das empresas ocorreram sem nenhuma orientação de quem é

este trabalhador com deficiência para os seus colegas. A maior dificuldade das empresas

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estaria em encontrar pessoas com deficiência para os postos ofertados, porque as exigências

não diferem para os postos destinados a não deficientes.

Este panorama, segundo a pesquisa, estaria levando muitas pessoas com deficiência

para fora do mercado de trabalho, devido ao preconceito, as barreiras físicas e de

comunicação das empresas para com estes ainda recentes empregados.

Considerações Finais

Os dados apresentados do IBGE (2010), CAGED (2010) e RAIS (2010 e 2013), bem

como as pesquisas locais em Curitiba apresentam um perfil de trabalhador ainda recente para

o emprego formal brasileiro. É um trabalhador que entra no mercado de trabalho devido a

politicas sociais dos direitos humanos e que tem o seu direito ao trabalho garantido pela

legislação, destacando a Lei de Cotas.

Este trabalhador com deficiência por apresentar um estilo de vida peculiar (DINIZ) e

que convive com limitações funcionais não é competitivo para a sociedade capitalista. Entra

no mercado de trabalho em grandes corporações por apresentar requisitos básicos de instrução

média, em funções básicas da cadeia produtiva, com rendimentos que não ultrapassam dois

salários mínimos e muitas vezes em funções que os não deficientes não gostariam de ocupar.

As empresas que aceitaram ser pesquisadas aproximam-se de práticas inclusivas, e

valorizam aspectos positivos destes empregados ligados a fatores subjetivos, de socialização e

que necessariamente não teriam relação direta com a qualificação profissional como: de

confiabilidade, assiduidade e valorização do emprego por parte destes trabalhadores, que

consideram o trabalho como uma forma de integração social, mesmo que desigual.

As empresas objetivam o cumprimento das Cotas para trabalhadores com deficiência,

fiscalizadas pelo Estado, a diferenciação perante o consumidor como politicamente correta e a

obtenção de lucros.

Ficou evidente que o emprego da pessoa com deficiência ainda é muito recente,

datando mais efetivamente o século XXI, mesmos com Leis trabalhistas da década de 1990,

no Brasil. A pesquisa analisou o emprego formal de jovens trabalhadores com deficiência, no

tempo de transição entre a escola e o trabalho.

Mesmo que em condições não ideais, o emprego assalariado continua a ser uma forma

de integração social para as pessoas com deficiência. A inserção no mercado de trabalho, tem

impulsionado mudanças na forma da sociedade visualizar e perceber as pessoas com

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deficiência, para além das formas de proteção social do Estado. Ainda são necessárias novas

pesquisas comparativas e analíticas da realidade brasileira e mundial, quanto ao lugar que

passa a ser ocupado pelo trabalhador com deficiência e as possíveis potencialidades desta mão

de obra que pretende permanecer no mercado de trabalho formal.

Quanto ao problema apresentado, das principais barreiras e entraves para a pessoa com

deficiência ingressarem no mercado de trabalho formal, seria a necessidade de formação

tendo como exigência básica atual, o Ensino Médio. A deficiência estaria relacionada com as

condições de pobreza, isto é, quanto mais carente a realidade, maior a dificuldade de inserção

profissional. A diferenciação de gênero também é visualizada para as pessoas com deficiência

como para a população em geral, com as mulheres sendo em maior número e com os menores

índices de inserção.

O que fica evidente na análise, que a sociedade procura integrar aqueles trabalhadores

que mais se aproximem da normalidade e neste sentido, as deficiência físicas daqueles que

apresentam as menores marcas corporais como de não cadeirantes e as sensoriais teriam a

maior aceitação por parte dos empregadores. Conforme relato das empresas, a inserção

laboral de trabalhadores com deficiência a princípio busca cumprir a determinação legal dos

direitos humanos, que por esta integração contraditoriamente tende a humanizar os processos

e as relações de trabalho, exigindo-se novas formas de socialização profissional para a

sociedade capitalista do século XXI. Neste sentido, o emprego da pessoa com deficiência

torna-se um tema legítimo para os estudos da sociologia do trabalho.

Referências

ARAÚJO, Josemar F. (2009) Inclusão pela legislação: uma abordagem sociológica dos

atuais resultados da política brasileira de cotas para pessoas com deficiência nas empresas

privadas. Dissertação de Mestrado em Sociologia e Direito)– Setor de Sociologia e Direito,

Universidade Federal Fluminense, 122f.

BRASIL. Lei n. 7.853, de 24 de outubro de 1989. Dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras

de deficiência, sua integridade social, sobre a Coordenadoria Nacional para a Integração da

Pessoa Portadora de Deficiência. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7853.htm > Acesso em: 19/06/2015.

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BRASIL. Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da

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