16
7/21/2019 XIX Conpedi Fortaleza Dádiva, Graça, Direito e Governo no Antigo Regime http://slidepdf.com/reader/full/xix-conpedi-fortaleza-dadiva-graca-direito-e-governo-no-antigo-regime 1/16 DÁDIVA, GRAÇA; DIREITO E GOVERNO NO ANTIGO REGIME DADIVA, GRACIA; DERECHO Y GOBIERNO EN EL ANTIGUO REGIMEN José Arthur Castillo de Macedo RESUMO O objetivo do presente artigo é trabalhar as relações entre Dádiva e Graça, e o Direito e o governo no Antigo Regime Português. Assim, procura-se traçar algumas linhas sobre a organização do Estado no Antigo Regime Português; também são ressaltadas relações de poder silenciosas, que eram consideradas pela historiografia tradicional como meros atos gratuitos, que não detinham um lugar de destaque na análise dos historiadores. Para tanto, faz-se algumas considerações metodológicas, e, em seguida, expõem o que poderia ser chamado de “estrutura administrativa” e a noção de dádiva, com seus três momentos constitutivos: dar, receber e retribuir. Destarte,analisa oque Antonio Manuel Hespanha chamoude economia moral dodom; e os atos de Graça, que, apesar de aparentemente gratuitos, poderiam ser utilizados como um meio muito eficaz para aproximar súditos e soberanos, de modo a criar vigorosas relações de reciprocidade. Aponta-se que a fórmula “suum cuique” que presidia a noção de justiça daquele tempo tinha uma importante função de legitimação da ordem estabelecida, impedindo mudanças; consolidando o arranjo da sociedade do modo como eleestavaconcebido. PALAVRAS-CHAVES : Palavras- chave: Dádiva – Direito – Graça – Antigo Regime RESUMEN El objetivo del artigo es trabajar las relaciones entre la Dádiva y la Gracia, el Derecho y el gobierno en el Antiguo Régimen Portugués. Así, se busca trazar algunas líneas sobre la organización del Estado en el Antiguo Régimen Portugués. Son también resaltadas, algunas relaciones de poder silenciosas que eran consideradas por la historiografía tradicional como meros actos gratuitos, relaciones que no llamaban la atención de los historiadores. Se hace unas consideraciones metodológicas y se presenta la llamada “estructura administrativa” y la noción de dádiva, con sus tres momentos constitutivos: dar, recibir y retribuir. Se analiza lo que Antonio Manuel Espanha llamó de economía moral del don; y los actos de gracia, resaltándose lasrelaciones de reciprocidadqueestaspracticaspuedencrear.Resaltasequela fórmula “suum cuique” que presidia la noción de justicia de aquel tiempo tenia una función legitimadora del orden establecida, impidiendo cambios en su estructura. PALAVRAS-CLAVE: Palabras- llave: Dadiva – Derecho – Gracia – Antiguo Régimen  Dádiva, Graça; Direito e Governo no Antigo Regime  Sumário: 1. Introdução; 2. Algumas questões metodológicas; 3. A Administração e o governo do Império Português (tentativa de aproximação); 4. Dádiva; 5. A Graça e a Dádiva; 6. Considerações Finais: Dádiva,Graça; Direitoe Governo.  1. Introdução  Aprende-se no colégio que os portugueses foram pioneiros nas navegações marítimas e que isto só ocorreu, pois Portugal reunia uma série de características que permitira a empreitada, quais sejam: a precoce formação do Estado Nacional português; a aliança da Burguesia com o Monarca; e o absolutismo monárquico (muitas vezes relacionado, no imaginário do aluno, com a figura do Leviathan tal como descrita  por Thomas Hobbes). Imagina-se que o Monarca português era muito poderoso, enfeixando todos os  poderes, (que hoje chamaríamos de legislativo, executivo e judiciário). Conforme este imaginário, sua  palavra era Lei. Em alguns casos, acima dele, só haveria Deus (cristão, católico). Em outros, nem Deus estava acima. Imagina-se que o Rei podia tudo e fazia de tudo. É possível que alguns alunos acrescentem uma informação ou outra para esta explicação como, por exemplo, a relação metrópole-colônia, o pacto colonial, o “modo de produção”: plantation – monocultura para exportação [1], latifúndio, e mão de obra escrava – etc. Contudo, pode-se afirmar que este é quase o “discurso oficial”, repetido em uníssono, nas escolas, no ensino fundamental, médio, Enem, vestibular, concursos públicos, em algumas faculdades, e durante a vida em geral. Já fazem parte do imaginário popular acerca da formação do Estado português e do seu pioneirismo nas navegações. Foram fundamentais para que Portugal fosse uma das grandes potências * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010  6151

XIX Conpedi Fortaleza Dádiva, Graça, Direito e Governo no Antigo Regime

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Dádiva, Graça, Direito e Governo no Antigo Regime

Citation preview

Page 1: XIX Conpedi Fortaleza Dádiva, Graça, Direito e Governo no Antigo Regime

7/21/2019 XIX Conpedi Fortaleza Dádiva, Graça, Direito e Governo no Antigo Regime

http://slidepdf.com/reader/full/xix-conpedi-fortaleza-dadiva-graca-direito-e-governo-no-antigo-regime 1/16

DÁDIVA, GRAÇA;DIREITO E GOVERNO NOANTIGO REGIME

D AD I VA , G R AC I A; D E RE C HO Y G O BI E RN O E N E L A NT I GU O R E GI M EN

José Arthur Castillo deMacedo

RESUMOO o b j e t i v o d o p r e s e n t e a r t i g o é t r a b a l h a r a s r e l a ç õ e s e n t r e D á d i v a e G r a ç a , e o D i r e i t o e o g o v e r n o n oA n ti g o R e gi m e P o rt u gu ê s. A ss i m, p r oc u ra - se t r aç a r a l gu m as l i nh a s s o br e a o r ga n iz a çã o d o E s ta d o n o A nt i goR eg im e P or tu gu ês ; t am bé m s ã o r es sa lt ad as r el aç õe s d e p od e r s il en ci os as , q ue e ra m c on si de ra da s p el ahis toriografia tradicional como meros atos gratuitos , que não detinham um lugar de des taque na anális e dos

h i st o ri a do r es . P a ra t a nt o , f a z- s e a l gu m as c o ns i de r aç õ es m e to d ol ó gi c as , e , e m s e gu i da , e x põ e m o q u e p o de r ias er chamado de “es trutura adminis trativa” e a noção de dádiva, com s eus três momentos cons titutivos : dar,r e c e b er e r e t ri b u i r. D e s t ar t e , a n a l i sa o q u e An t o n io M a n ue l H es p a n ha c h am o u d e e c on o m i a m o r a l d o d o m ; eo s a t o s d e G r a ç a , q u e , a p e s a r d e a p a r e n t e m e n t e g r a t u i t o s , p o d e r i a m s e r u t i l i z a d o s c o m o u m m e i o m u i t oeficaz para aproximar s úditos e s oberanos , de modo a criar vigoros as relações de reciprocidade. A ponta-s eq ue a f ór mu la “ su um c ui qu e” q ue p re si di a a n oç ão d e j us ti ça d aq ue le t em po t in ha u ma i mp or ta nt e f un çã o d el e g i t i m a ç ã o d a o rd e m e s t a b e l ec i d a , i m p e d i n do m u d a n ç a s; c o n s o l i d a nd o o a r r a n j o d a s o c i e d a d e d o m o d oc o mo e l e e s ta v a c o nc e bi d o.

PALAVRAS-CHAVES: P al av ra s- c ha ve : D ád iv a – D ir ei to – G ra ça – A nt ig o R eg im e

RESUMENE l o b j e t i v o d e l a r t i g o e s t r a b a j a r l a s r e l a c i o n e s e n t r e l a D á d i v a y l a G r a c i a , e l D e r e c h o y e l g o b i e r n o e n e lA n t i g u o R é gi m e n P o r t u g ué s . A s í , s e b u s c a t r a z a r a l g u n a s l í n e a s s o b r e l a o r g a n i z a c i ó n d e l E s t a d o e n e lA nt ig uo R ég im en P or t ug ué s. S o n t am bi én r es al ta da s, a lg un as r el ac io ne s d e p od e r si le nc io sa s q ue e ra nc o n s i d e r a d a s p o r l a h i s t o r i o g r a f í a t r a d i c i o n a l c o m o m e r o s a c t o s g r a t u i t o s , r e l a c i o n e s q u e n o l l a m a b a n l aa te nc ió n d e l os h is to ri ad or es . S e h ac e u na s c on si de ra ci on es m et od ol óg ic as y s e p re se nt a l a l la ma da“ es tr uc tu ra a dm in ist ra ti va ” y l a n oc ió n d e d ád iv a, c on s us t re s m om en to s c on st it ut iv os : d ar , re ci bi r yr et ri bu ir . S e a na li za l o q ue A nt on io M an ue l E sp an ha l la mó d e e co no mí a m or al d el d on ; y l os a ct os d e g ra ci a,r e sa l t án d os e l a s r e la c io n es d e r e ci p ro c id a d q u e e s ta s p r ac t i ca s p u ed e n c r ea r . R e sa l ta s e q u e l a f ó rm u la “ s uu mcuique” que presidia la noción de justicia de aquel tiempo tenia una función legitimadora del ordene s t ab l e c id a , i m p id i e nd o c a m bi o s e n s u e s t ru c t ur a .

PALAVRAS-CLAVE: P al ab ra s- l la ve : D ad iv a – D er ec ho – G ra ci a – A nt ig uo R ég im en

 Dádiva, Graça; Direito e Governo no Antigo Regime

 

Sumário:1 . I nt ro d uç ã o; 2 . A lg um as q u es t õe s m et o do l óg ic a s; 3 . A A dm in is tr aç ão e o g o v e rn o d o Im pé r ioP o r t u g u ê s ( t e n t a t i v a d e a p r o x i m a ç ã o ) ; 4 . D á d i v a ; 5 . A G r a ç a e a D á d i v a ; 6 . C o n s i d e r a ç õ e s F i n a i s :D á d iv a , G r a ça ; D i r ei t o e G o v er n o . 

1. Introdução

 

A prende-s e no colégio que os portugues es foram pioneiros nas navegações marítimas e que is to s ó

o c or r eu , p o is P o rt u ga l r e un i a u m a s é ri e d e c a ra c te r ís t ic a s q u e p e rm i ti r a a e m pr e it a da , q u ai s s e ja m : a p r ec o ce

f or ma çã o d o E st ad o Na ci on al p or tu gu ês ; a a li an ça d a B ur gu es ia c om o Mo na rc a; e o ab so lu ti sm o

monárquico (muitas vezes relacionado, no imaginário do aluno, com a figura do Leviathan tal como des crita

 por Thomas H obbes ). Imagina-s e que o M onarca portuguê s era muito poderos o, enfeixando todos os

 poderes , (que hoje chamaríamos de legis lativo, executivo e judiciário). Conforme es te imaginário, s ua

 palav ra era Lei. Em alguns cas os , acima dele, s ó haver ia D eus (cris t ão, catól ico). Em outros , nem D eus

e s t a v a a c i m a . I m a g i n a - s e q u e o R e i p o d i a t u d o e f a z i a d e t u d o . É p o s s í v e l q u e a l g u n s a l u n o s a c r e s c e n t e m

u m a i n f o r m a ç ã o o u o u t r a p a r a e s t a e x p l i c a ç ã o c o m o , p o r e x e m p l o , a r e l a ç ã o m e t r ó p o l e - c o l ô n i a , o p a c t o

c o l o n i a l , o “ m o d o d e p r o d u ç ã o ” : p l a n t a t i o n – m o n o c u l t u r a p a r a e x p o r t a ç ã o [1], l a t i f ú n d i o , e m ã o d e o b r ae s c r a v a – e t c . C o n t u d o , p o d e - s e a f i r m a r q u e e s t e é q u a s e o “ d i s c u r s o o f i c i a l ” , r e p e t i d o e m u n í s s o n o , n a s

e s c o l a s , n o e n s i n o f un d a m e n t a l , m é di o , E n em , v e s t i bu l a r , c o n c ur s o s p ú bl i co s , e m a l g u m a s f a c u l d a d e s , e

durante a vida em geral. J á fazem parte do imaginário popular acerca da formação do Es tado português e do

s e u p i o n e i r i s m o n a s n a v e g a ç õ e s . F o r a m f u n d a m e n t a i s p a r a q u e P o r t u g a l f o s s e u m a d a s g r a n d e s p o t ê n c i a s

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010   6151

Page 2: XIX Conpedi Fortaleza Dádiva, Graça, Direito e Governo no Antigo Regime

7/21/2019 XIX Conpedi Fortaleza Dádiva, Graça, Direito e Governo no Antigo Regime

http://slidepdf.com/reader/full/xix-conpedi-fortaleza-dadiva-graca-direito-e-governo-no-antigo-regime 2/16

d ur an te a é po ca d as n av eg aç õe s, n ot ad am en te o s s éc ul os X V- XV I e i ní ci o d os s et ec en to s. E st e i ma gi ná ri o é ,

contudo, cons truído (como todo imaginário e toda s imbologia). N o cas o, por uma his toriografia que narrava

a his toria como s e narram crônicas políticas ; cabia a his tória, narrar a his tória política, os grandes fatos , os

g r a n d e s f e i t o s d o s i mp e r a d o re s , r e i s e g en e r a i s . A h i s t ó r i a e r a , p o i s , s o m e n t e h i s t ór i a po l í t i ca [2] . E r a a

h i s t ór i a d o s v e n ce d o re s[3] , a h is tó ri a o fi ci al , a s n ar ra ti va s d aq ue le s q ue e st av am o u a in da e st ão n o p od er .

O i m a g i n á r i o r e l a t a d o a l g u m a s l i n h a s a c i m a , d o q u a l v o c ê p r o v a v e l m e n t e c o m p a r t i l h a c o m v á r i a s

 pes s oas – inclus ive com o autor do pres ente texto; que repetiu es ta his tória durante a s ua formação es colar e

univers itária –, pode, em muitos cas os , reproduzir es ta his tória oficial. M as como é pos s ível que is to s e dê?

O ra, is to não s e dá à toa. D es de o início da década de 1980, a his toriografia política da Europa meridional

s ofreu algumas mudanças de referenciais que foram fundamentais para uma nova leitura de antigas fontes , e

 para que pudes sem s er revis tas algumas concepções clás s icas . D es s e modo, cons oante o his toriador 

 português A ntonio M anuel H es panha: “Categorias como as de ‘Es tado’, ‘centralização’ ou ‘poder abs oluto’,

 por exemplo, perderam s ua centralidade na explicação dos equilíbrios de poder nas s ociedades políticas de

A n t ig o R e g im e . [4]” É i m p o r t a n t e n o t a r q u e o p e r í o d o r e c e b e r á o u t r a d e n o m i n a ç ã o , d i v e r s a d a q u e l a q u e s e

es tuda no colégio. A o invés de analis armos o governo no período do abs olutis mo português , ou, o império

 português , pas s a-s e a es tudar o governo no A ntigo Regime [5], no cas o, português ; adiante s e explicará por 

que o us o des ta des ignação.

 

2 . A l gu m as q ue s tõ e s m e to d ol ó gi c as

O d e s en v o l v i m e n t o d o p r e s e n t e t r a b a l h o s e d a r á a p a r t i r d e a l g u m a s p r e m i s s a s p a r a o b o m

des envolvimento de um es tudo his tórico. P ara tanto, s erão s eguidas as idéias de A ntonio M anuel H es panha

n a c o m p r e e n s ã o d a h i s t ó r i a n ã o c o m o u m a s u c e s s ã o d e p o n t o s l i g a d o s , o u c o m o d i s c u r s o l e g i t i m a d o r  [6].P re te nd e- se u ti li za r d a h is tó ri a d o d ir ei to ( e s eu c ar át er c rí ti co ) p ar a e xp li ci ta r a e st ru tu ra d e

governo/adminis trativa no antigo regime, e problematizá-la à luz de algumas cons truções da antropologia e

d a s o c io l o gi a[7] . N ão s e o lv id a q ue o d ir ei to l eg is la do n ão é t od o o D ir ei to ,

 E s tá a s í f u e ra d e d i sc u si ón h oy e n d i a q u e e l d e re c ho o fi c ia l y l a s i n s t it u ci o ne s j u rí d ic a s f o r ma l es r e su l ta ni n su fi ci en t es a l a h or a d e e xp li c ar t o do s l os r es or te s d el p od e r. H e a qu í a lg un a s r a z on es : ( i) e l d e re ch oo c up a ba s ó lo u n a p e qu e ña p a rc e la d e l u n i v er s o j u rí d ic o ; ( i i ) e l d e re c ho m is m o e n s u c o nj u nt o c o mp a rt í ae l u ni v er so n or ma ti vo c on o t r o s ó r d e n e s m o r a l e s ( e n e l vi e j o s e n t i d o d e l t ér mi no ), t a l e s c ó m o l aoeconom ia o la ética m onástica; (iii) la teoría jurídica de la época subordinaba – de form a explícita ei n cl u so e s ca n da l os a – e l d e re c ho a o t ra s e s fe r as d e n o rm at i vi d ad : e l a mo r , l a m or a l y l a r e li gi ó n.[8]

 

P ortanto, s egue-s e o cons elho de M ichel F oucault, em s ua M icrofís ica do P oder, procurando-s e

e s t u d a r o p o d e r e m s u a c a p i l a r i d a d e , f o r a d o L e v i a t h a n [9], t a m b é m s e g u i n d o a l i n h a d e a b o r d a g e m q u e

M an ue l He sp an ha p ro põ e p ar a s e e st ud ar a s E li te s[10]. P r oc ur a- se , p oi s, e st ud ar as pr át ica s nã o se

l i mi t an d o, c o nt u do , a s f o nt e s f o rm a is d o D i re i to , a s O r de n aç õ es [11], m a s p r oc u ra n do d e sv e nd a r a s c o ne x õe s

implícitas nas relações s ociais . [12]  S e r á u t i l i z a d o d a l i t e r a t u r a , p o i s e s t á p o d e r á c o n t r i b u i r p a r a r e l a t i v i z a r  

a l g u m a s c e r t e z a s c o l o c a d a s p e l a s f o n t e s o f i c i a i s , e , t a m b é m , p a r a e x p l i c i t a r q u e s t õ e s q u e à s v e z e s p a s s a m

d e s p e r c e b i d a s a o s o l h o s d o h i s t o r i a d o r . C o n c o r d a - s e c o m L u i s F e r na n d o L o pe s P e re i r a, q u a n d o a f i r m a ,

s ob re o o fí ci o d o h is to ri ad or q ue ,

     N egando, portanto os pressupostos do histor icism o, percebe a im portâ ncia da linguagem , m eio de

e x pr e ss ã o, q u e e x ig e h a bi l id a de , t r ab a lh o á r du o e p r át i ca c o ns t an t e, c o mo p a ra o p i nt o r c o m s u a t i nt a o uo e s c u l t o r c o m o b a r r o o u o m á r m o r e . H a y d e n W h i t e n o m e s m o s e n t i d o a f i r m a q u e ‘ u m a n a r r a t i v ah i s t ó r i c a é n ã o s ó u m a r e p r o d u ç ã o d o s a c on t e ci m en t o s n e l a r e l at a do s , m a s t a mb é m u m c o mp l ex o d e

 sím bolos q u e n o s f o r n ec e d i re ç õe s p ar a e n co n tr a r u m í c on e d a e s tr u tu r a d e s s es a c on t ec i me n to s e m n o ss at r a d i ç ã o l i t e r á r i a ” . D e s s a f o r m a o h i s t o r i a d o r p o d e s e l i v r a r d e u m a d a s m a i s f o r t e s m e t o d o l o g i a s d am odernidade: a da busca da verdade histórica, pois ‘m esm o se o historiador libera seu olhar de víciosa p ol o gé t ic o s, e s sa c i vi l iz a çã o , q u e a t e im o sa p r et e ns ã o d e p r op o r- s e c o mo d e sa g re g ad o ra e d e mo l id o rad e m i t os , m o s tr a s e r u m a f o r mi d á ve l c o n st r u to r a d e l es[13].

F a z - s e n e c e s s á r i a s a l g u m a s c o n s i d e r a ç õ e s a c e r c a d o A n t i g o R e g i m e , e m p a r t i c u l a r , o q u e s e

c on ve nc io no u c ha ma r d e Mo na rq ui a C or po ra ti va . A pó s p es qu is as d e A nt on io Ma nu el H es pa nh a, s ob

i n fl u ên c ia d a s c o n t ri b u i çõ e s d e Fo u c a ul t , de n t r e o u t r o s t e ó r i c o s , c h e g o u - se a u ma c o nc e pç ã o c r í t i ca d o

A n ti g o R e gi m e .

 

E m P o rt u ga l , m e u l i vr o        A s vésperas do L eviathan q u es t io n ou u ma s é ri e d e i d éi a s e s ta b el e ci d as s o br e ac o ns ti t ui ç ão m o de r na p o rt u gu e sa , r e ve l an d o u m p e s o i n s us p e i ta d o ( m a s f a c il m e nt e s u s pe i tá v e l) d e

  poderes (nom eadam ente, da câm aras e das instituições eclesiásticas ou senhoriais), que tiravam partidoda fraqueza do poder, nos seus aspectos doutrinais e institucionais, para ganhar um espaço de efetiva,a in da q ue dis cre ta, autonomia. Ul te ri or es pe squ isa s – l eva da s a cabo por nov as ger açõ es de

h i s t or i a do r e s – a p r of u n d ar a m a i n v e st i g a çã o e m c a m po s m o n og r á f ic o s , c h e ga n d o a r e s ul t a d os q u e c r e i on o f u nd a me nt a l c o n s is t en t es c om o s m eu s p o nt o s d e v is t a.  O q u e r e su l to u f o i u m c o nc e it o n o vo d a m on a rq u ia p o rt u gu e sa ( p el o m en o s a t é m e ad o s d o s é c.X V II I ) , a g o ra c a r ac t e ri z a do c o mo u m a m o n ar q u ia c o r po r a ti v a , e m q u e :

·   o p o de r r e al p a rt i lh a va o e s pa ç o p o l í ti c o c o m p o de r es d e m ai o r o u m en o r h i e r ar q ui ;

·   o d i r ei t o l e g is l at i vo d a C o ro a e r a l i mi t a do e e n q ua d ra d o p e la d o u tr i na j u rí d ic a ( i u s c o m m un e ) e p e l o su s o s e p r á ti c a s j u r íd i c os l o c a is ;

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010   6152

Page 3: XIX Conpedi Fortaleza Dádiva, Graça, Direito e Governo no Antigo Regime

7/21/2019 XIX Conpedi Fortaleza Dádiva, Graça, Direito e Governo no Antigo Regime

http://slidepdf.com/reader/full/xix-conpedi-fortaleza-dadiva-graca-direito-e-governo-no-antigo-regime 3/16

·   o s d e v e r e s p o l í t i c o s c e d i a m p e r a n t e o s d e v e r e s m o r a i s ( g r a ç a , p i e d a d e , m i s e r i c ó r d i a , g r a t i d ã o ) o ua f e ti v o s, d e c or r e nt e s d e l a ç os d e a m iz a d e, i n s ti t u ci o n al i z ad o s e m r e d es d e a m ig o s e d e c l i en t e s;

· o s o f ic i ai s r é gi o s g o za v am d e u m a p r ot e çã o m u it o a l ar g ad a s e us d i re i to s e a t ri b ui ç õe s , p o de n do f a zê - lo s

v a l e r m e s m o e m c o n f r o n t o c o m o r e i e t e n d e n d o , p o r i s s o , a m i n a r e e x p r o p r i a r o p o d e r r e a l . [14]  p.166-167.

 

Igualmente, 

É s a bi d o, d e sd e a c l ás s ic a o b ra d e E . K a nt o ro w ic z , q u e, n o r e i, c o ex i st e m v á ri o s c o rp o s. M a s a p li c am -s e -l h e, t a mb é m, v á ri a s i ma g en s : a d e  senhor da justiça e da paz,   a de  senhor da graça, a de c a be ç a d a

república e , c o mo t a l, d e s e u r a c i on a li z ad o r e d i sc i pl in a do r . C a d a u m a d e s t as i ma g en s l h e a t r i bu í a c e rt a sf u n ç õe s e l h e g a r an t i a c e r ta s p r e rr o g at i v as[15]. ,p . 3 4 4 O d to d os l et ra do s

 C om e f ei t o, s ã o n e ce s sá r ia s a l gu m as c o ns i de r aç õ es s ob r e a i n te r pr e ta ç ão c l ás s ic a d a h i st ó ri a b r as i le i ra ,

a q u a l f a z u m a o p o s i ç ã o f o r t e e n t r e m e t r ó p o l e e c o l ô n i a ; q u e a c e n t u a o c e n t r a l i s m o e o a b s o l u t i s m o d o

m o na r ca p o rt u gu ê s, e t c. A i n te r pr e ta ç ão “ c lá s si c a” é i d eo l og i ca m en t e s i gn i fi c at i va , f u nd a da e m p r ec o nc e it o s

em relação à colônia[16], p o r p a r t e d o s co l on i za d or e s; n o c as o d a s e l it e s c ol on i ai s r e ss a lt a -s e u m

c ol on ia li sm o a bs ol ut o e c en tr al iz ad o, o q ue c on di z c om u ma v is ão q ue e xa lt a/ ex al to u a i nd ep en dê nc ia

n a ci o na l , i s to é a i nd a m a is a c en t ua d a n a h i st o ri o gr a fi a B ra s il e ir a . P o rt a nt o , S e , p o r e x em p lo , l e rm o s a l gu m a h i st o ri o gr a fi a ( q ue , n e st e a s pe c to , é e x em p lo ú n ic o e p a ra d ig m át i co n aá r ea e x -p o rt u gu e sa ) é b a st a nt e e v id e nt e s u a v i nc u la ç ão a u m d i sc u rs o n a rr a ti v o e n a ci o na l is t a, n o q u al aC o r o a p o r t u g u e s a d e s e m p e n h a v a u m p a p e l c a t á r t i c o d e i n t r u s o e s t r a n h o , a g i n d o s e g u n d o u m p l a n o‘ e s t ra n g e ir o ’ e ‘ i m pe r i a li s t a’ , p e r s on i f i ca n d o i n t e re s s e s a l h e io s , e x p lo r a n do a s r i q u ez a s l o c a is e l e v a nd oa c a bo u ma p o lí t ic a a g re s si v a d e g e no c íd i o e m r e la ç ão a o s l o ca i s, p o r s u a v e z c o ns i de r ad o s b a si c am e nt es o l i d á ri o s , s e m d i s t i n çã o d e e l i t e s b r a n c as e p o p u l a çã o n a t i v a . E s s e e x o r c i sm o h i s t o r io g r á f i co p e r m i te

u m b r a nq u e am e n to d a s e l i te s c o l on i a is , d e s cr i t as c o mo o b j et o s ( e n ã o s u j ei t o s) d a p o l ít i c a c o l on i a l[17]. 

A n oç ão d e c en tr al iz aç ão q ue a M et ró po le i mp un ha à s c ol ôn ia s é d es aj us ta da q ua nd o a pl ic ad a a a lg un s

m ó d u l o s ( T i m o r , M a c a u , c o s t a o r i e n t a l d a Á f r i c a ) q u e v i v e r a m e m e s t a d o d e q u a s e p l e n a a u t o n o m i a a t é o

s éc. X IX[18].

S eg un do J os é R ei na ld o L im a L op es , h av ia c er ta u ni da de d o I mp ér io P or tu gu ês q u e p od er ia s e r  

afirmada por dois motivos : i) não havia s eparação de cargos entre bras ileiros e portugues es ; ii) não s e cria

U nivers idade alguma nas colônias . D e modo que a U nivers idade de Coimbra formava todos os letrados do

“Império”[19] . A de ma is , t od os o s c ar go s d e c ar re ir a d e j us ti ça e ra m c om un s – T ri bu na l d a B ah ia , d e G oa o u

d o P or t o – p o de r ia m r e ce b er d e se m ba r ga d or e s p r ov e ni e nt e s d e q u al q ue r p a rt e d o i m pé r io .

  D e acordo com a concepção adotada s erá utilizado o termo A ntigo Regime para des ignar o período

q ue s er á a na li sa do , q ue o co rr eu po st er io rm en te à i da de m éd ia , e a nt er io rm en te à m od er ni da de . E st a

n om en cl at ur a s er á u ti li za da p ar a e xp li ci ta r, a u m s ó t em po , a lg um as r el aç õe s d e p od er – a pa re nt em en te s ut iso u i ne xi st en te s p ar a m u i t os hi s t o ri a d or e s - , e , t am bé m, d e sv e la r a l gu m as p r é- n oç õ es s ob re e s t e p e r í od o .

Como es te período é bas tante amplo, bus car-s e-á traçar linhas gerais da A dminis tração do A ntigo Regime

P o rt u gu ê s, d e di c an d o e s pe c ia l a t en ç ão a o B r as i l.

  U ma d a s c a ra c te r ís t ic a s f u nd a me n ta i s d o A n ti g o R e gi m e é a p e rm a nê n ci a d e a l gu m as i n st i tu i çõ e s d a

I da de M éd ia d e c ar át er f eu da l o u c or po ra ti vo ; d es se m od o, s ob re vi ve m d is ti nç õe s d e n as ci me nt o,

es tamentos , ordens e corporações . M uitas delas s ó s eriam extintas durante o reinado de D om J os é I (1750-

1 7 77 ) , c o nh e ci d o c o mo p e rí o do P o mb a li n o; o u tr a s, e n tr e ta n to , s o br e vi v em a t é h o je[20] .

 

3 . A A dm i ni s tr a çã o e o g o ve r no d o I m pé r io P o rt u gu ê s ( t en t at i va d e a p ro x im a çã o )

 

  N ão houve uma lógica única da A dminis tração nos três s éculos da colônia, os regimes particulares

f o r a m t r a n s f o r m a n d o - s e a o l o n g o d o t e m p o . É c o m u m c e r t o p r e c o n c e i t o e p i s t e m o l ó g i c o e m r e l a ç ã o a t a l

fato, s obretudo de autores mais clás s icos como Caio P rado J r. Es tes autores vis lumbravam uma carência de

lógica, uma a-logicidade, para não dizer uma completa bagunça, na A dminis tração da colônia. Contudo, não

c o n s e g u i a m v e r i f i c a r q u e o q u e s e d a v a n ã o e r a u m a c a r ê n c i a o u f a l t a d e l ó g i c a , m a s s i m , o u t r a l ó g i c a ;

d i v e r s a d a q u e l a q u e e l e ( a u t o r ) e s t á ( v a ) a c o s t u m a d o . S e m n e g a r a s c o n t r i b u i ç õ e s d e u m o u o u t r o a u t o r , é

importante cons ignar que muitas vezes his toriadores cons iderados hoje como clás s icos cometeram alguns

equívocos querendo projetar algumas noções que s ó s urgiriam após o período analis ado, ou ainda, projetam

alguns dos s eus pré-conceitos para o material que es tão analis ando [21]. A credita-s e que ao s e afirmar a falta

d e l ó g i c a d o g o v e r n o n e s t e p e r í o d o , e s t e s a u t o r e s n ã o n o t a m j u s t a m e n t e a s u a l ó g i c a s u b j a c e n t e , d i v e r s a

d a qu e la c o m a q ua l a m ai o ri a d as p e ss oa s e s tá f a mi l ia r iz a da .

  É muito comum chamar tal es tado de “Es tado patrimonial” ou patrimoniali s ta, pois , “Em teoria,

todos os poderes s e concentram por direito divino na pes s oa do rei. O reino – ou s eja, o território, os s úditose s e u s b e n s – p e r t e n c e a o r e i , c o n s t i t u i s e u p a t r i m ô n i o . D a í o u s o d a e x p r e s s ã o ‘ E s t a d o P a t r i m o n i a l i s t a ’

( . . . )[22]” . À é p o c a e r a b a s t a n t e l e g í t i m o q u e u m c a r g o o u f u n ç ã o p ú b l i c a f o s s e m c o n s i d e r a d o s p a t r i m ô n i o

 pes s oal do s eu ocupante[23], i st o dificult ava e mui to ref orm as qu e pr et ende sse m ro mpe r com e st es

cos tumes . 

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010   6153

Page 4: XIX Conpedi Fortaleza Dádiva, Graça, Direito e Governo no Antigo Regime

7/21/2019 XIX Conpedi Fortaleza Dádiva, Graça, Direito e Governo no Antigo Regime

http://slidepdf.com/reader/full/xix-conpedi-fortaleza-dadiva-graca-direito-e-governo-no-antigo-regime 4/16

O                  patrim onialism o entende o cargo com o um a distinção ou um dom recebido do senhor ou do rei. Oofício ( o u c a r g o ) é u m auxilium , servitium d a v a s sa l ag e m, c o rr e sp o nd e n te à f i de l id a d e p e ss o a l q u e s eestabelece. O oficial não é um m ercenário m as um honoratior: e l e n ã o é r em un er ad o p el o s e nh or q uel h e d e u a d i st i nç ã o, m as r e ce b e u ma renda, u m p r ov e nt o l i ga d o d i re t am en t e a o c a rg o . O c a rg o l h e r e nd ea l g u ma c o i sa : u m p a t ri m ô ni o r e c eb i d o p e l os s e r vi ç o s p r e st a d os .

A lém dis s o, não exis tia s eparação nítida entre o Es tado e a s ociedade civil, as s im como não havia

d i s t i n ç ã o e n t r e o p ú b l i c o e o p r i v a d o , p o r q u a n t o e m u m E s t a d o p a t r i m o n i a l i s t a , e m t e s e , t u d o é p ú b l i c o .

A demais , havia a idéia de que o público e o privado s e harmonizavam no bem comum, s endo es te uma das

f o rm a s d e l i mi t aç ã o d os p od e re s r é gi o s.

  O s his toriadores cos tumam dividir as tarefas do es tado em três ou quatro [24] . J os é R ei na ld o L im a

L o p e s a s s e v e r a q u e s e r i a m 4 a s t a r e f a s d o E s t a d o , q u a i s s e j a m : i ) g o v e r no ; i i ) g u e r r a ; i i i ) j u s t i ç a e i v )

f a z e n d a ; j á B o r i s F a u s t o s u s t e n t a q u e o s ó r g ã o s a d m i n i s t r a t i v o s p o d e m s e r a g r u p a d o s e m t r ê s s e t o r e s : o

M i l i t a r , o d a J u s t i ç a e o d a F a z e n d a ; p o r f i m , p a r a A n t o n i o M a n u e l H e s p a n h a a s s e v e r a q u e s e r i a m 3 a s

t ar ef as d o E st ad o: a g ue rr a; a f az en da e a m il íc ia .

  B or i s F a us t o e x pl i ca q u e, e m r e la ç ão a o B r as i l, “ A s f o rç a s a r ma d as d e u m a c a pi t an i a c o mp u nh a m- s e

d a t ro pa de linha, d as milícias e dos c or po s d e o rde na nç a[25]” . A p ri me ir a e ra c on st it uí da p or u m

“contingente regular e profis s ional permanentemente em armas . Era quas e s empre compos ta de regimentos

 portugues es . P ara completar os efetivos , as autoridades coloniais deveriam engajar gente branca da

Colônia.[26]” , n es te s c as os e ra n ec es sá ri o o r ec ru ta me nt o; m as p ou co s q ue ri am i ng re ss ar n a t ro pa n os n ív ei s

m a i s b a i x o s . A s m i l í c i a s , p o r s u a v e z , e r a m t r o p a s a u x i l i a r e s , p a r a s e r v i ç o o b r i g a t ó r i o e n ã o - r e m u n e r a d o ,

recrutados entre os habitantes da Colônia; s endo comum a utilização do recrutamento forçado dos pobres ,

quando não s e apres entavam voluntários . A s ordenanças eram formadas por toda a população mas culina, à

exceção dos padres , entre dezoito e s es s enta anos ; para ela não havia recrutamento, e res tringiam-s e a zelar  pelo s os s ego da localidade.

  A a dm in is tr aç ão f i sc a l d o A n ti g o R eg im e e r a m u i to d iv er sa d a q u e p o s su e m o s E s t a do s

C o n t e m p o r â n e o s . N ã o s e f a l a v a e m O r ç a m e n t o , P l a n e j a m e n t o , m u i t o m e n o s e m R e s p o n s a b i l i d a d e F i s c a l ;

v i v i a - s e o r e g i m e d a i r r e s p o n s a b i l i d a d e d o m o n a r c a . É m u i t o c o n h e c i d o , n e s t e p e r í o d o , o b r o c a r d o i n g l ê s

 bas tante elucidativo em relação a es ta temática: “the king can do no w rong”. O Rei (a Coroa) não erra. N ão

 pode, portanto, s er res pons abilizado. N ão obs tante, importa ques tionar como s e s us tentava o Es tado, quem

 pagava, e como pagava as “módicas ” condições régias ?

  O s impos tos cons is tiam em rendas da Coroa, eram jus tificados por s erem tradicionais cobram-s e

d e sd e t e mp o s i m em o ra i s; a s si m a c on t ec e c o m o s d i re i to s r e ai s ( r ég i os ) d e q u e t r at a m a s O rd e na ç õe s F i li p in a s

( L i v r o I I , T í t u l o X X V I ) . C o n t u d o , a a r r e c a d a ç ã o e r a p a r t i c u l a r ( p r i v a d a ) ; a s s i m , e l a e r a d e f e r i d a à q u e l e s

 particul ares que a contratam , por meio de lances em leilão, e, “O que prometer mais à Coroa, o que puder 

o f er e ce r m a io r v a nt a ge m , o b té m o lançam ento,  pois deu o melhor lance”.[27]

  H avia, no A ntigo Regime, impos tos comunitários , coletivos , chamados de “repartição” que eram

d e vi d os p or c om u ni d ad e s c o mo o d i s t r i t o , a p a r ó qu i a , o u a f r e gu es ia ; a c o l e ti v i d ad e t o d a pa ga va t a is

i m p o s t o s , m a s a d i v i s ã o d o e n c a r g o n o s e u i n t e r i o r f a z i a - s e c o m o f o s s e p o s s í v e l . J á a s v i l a s “ s ã o t r a t a d a s

c o m o c o r p o r a ç õ e s c o m ó r g ã o s p r ó pr i o s ( c â m a r a, c on s e l h o , j u í z e s , m a g i s tr a t u r as ) ”[28].O s tributos eram

 bas tante es táveis , vis to que para a criação de novos impos tos fazia-s e neces sária a oitiva das cortes

(aprovação dos povos , na linguagem da época); eram criados tributos es peciais vis ando o cus teio das novas

a t i v i d a d e s d o e s t a d o , q u e f o r a m a m p l i a d a s p a u l a t i n a m e n t e , p a s s a n d o a e x i g i r , p o r e x e m p l o , u m e x é r c i t o e

u m a a r ma d a p r of i ss io n ai s , u m s is t em a p ol i ci a l e f i sc a li z ad o r p er m an e nt e , e t c[29].

  O s e to r q u e s e c h am a va j u st i ça e r a d i ve r so d o q u e d e si g na m os c o nt e mp o ra n ea m en t e p o r j u st i ça[30].

H oje, atribuímos como função típica do P oder J udiciário a res olução de conflitos , ou, na conceituação dos

 proces s uali s tas cíveis a res olução de lides (conflit os caracteri zados por uma pretens ão res is tida) . P os s ui oP o d e r J u d i c i á ri o t a m b é m f u n ç ã o a t í p i c a , q u e s e c o n s t i t u i e m s u a a d m i n i s t r a ç ã o i n t e r n a . A s s i m , o P o d e r  

J udiciário faz licitações , pos s ui proces s os adminis trativos internos (de conces s ão de férias , apos entadorias ,

etc..) e julga s eus membros em proces s os adminis trativos . Em s íntes e, es tas s ão as tarefas des empenhadas

 por es te poder contemporaneamente.

  D i ve r sa s e r am a s f u nç õ es d a j u st i ça n o A nt i go R e gi m e. N a qu e la é p oc a a j u st i ça i n cl u ía v á ri a s f u nç õ es

que s eriam denotadas , hoje, como adminis trativas /de governo (do P oder Executivo), ou como Legis lativas ,

a l é m d o q u e s e c o m pr e e nd e c o m o f u n ç ã o j u r i s d ic i o n a l “ p r o p r i am e n t e d i t a ” . C o n f o r me a f ir m ad o a c i ma ,

d u r a n t e o p e r í o d o d o A n t i g o R e g i m e v i g i a o u t r a l ó g i c a d e o r g a n i z a ç ã o d o s p o d e r e s . P a r a m u i t o s p a r e c i a

verdadeira des organização, quando, na verdade, havia outra racionalidade, na qual divers os órgãos fazem,

m u i t a s v e z e s , o m e s m o t r a b a l h o . I s t o e n s e j a v a d i v e r s o s c o n f l i t o s d e c o m p e t ê n c i a [31], q u e c a b e r i a a o R e i

dirimi-los.

  S egundo H es panha,T o da s a s f o nt e s d o ut r in a is m ed i ev a is e d a p r im ei r a é p oc a m od e rn a n o s f a l a rã o d a j u st i ça com o prim eiraatribuição do rei. N a verdade, e de acordo com a teoria corporativa do poder e da sociedade, a funçãos u p r e m a d o r e i e r a ‘ f a z e r j u s t i ç a ’ – i.e., g a r a n t i r o s e q u i l í b r i o s s o c i a i s e s t a b e l e c i d o s e t u t e l a d o s p e l od i r ei t o – , d o q u e d e c or r e ri a a u t om a t ic a m en t e a                  paz. A j u st i ça e r a, p o rt a nt o , n ã o a p en a s u m a d a s á r ea s d eg o v e r n o , m a s a s u a á r e a p o r e x c e l ê n c i a ( r e m o t a i u s t i t i a , r e g n a l a t r o c i n i a [ a b a n d o n a d a a j u s t i ç a , o s

r e in o s s ã o o r ga n iz a çã o d e l a dr õ es ] , h a vi a e s cr i to S . A go s ti n ho , C i v. D ei . , 4 , 4 )[32].

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010   6154

Page 5: XIX Conpedi Fortaleza Dádiva, Graça, Direito e Governo no Antigo Regime

7/21/2019 XIX Conpedi Fortaleza Dádiva, Graça, Direito e Governo no Antigo Regime

http://slidepdf.com/reader/full/xix-conpedi-fortaleza-dadiva-graca-direito-e-governo-no-antigo-regime 5/16

 

P r o ss e g ue , a f i r ma n d o q u e

Esta concepção jurisdicionalisa do poder não se esgotava, no entanto, na com posição de conflitos dei n t e r e s s e s (i.e. , n a q u i l o q u e n ó s h o j e i d e n t i f i c a m o s c o m o ‘ t e r m o j u s t i ç a ’ ) , i n t e g r a n d o a l g u m a s d a s

  prerrogativas que, nos nossos dias, incluiríam os na ‘adm inistração activa’. O conceito chave era, parae st e e fe it o, o d e m e r u m i m p e ri u m , e m q ue a d ou tr in a d o ius com une c l á s si c o ( s é c ul o s X I I -X I V) i n c lu í aa s a t ri b ui ç õe s q u e o j u iz e x er c ia o f ic i os a me n te t e nd o e m v i st a a utilitas publica (‘ubicum que concernite t r e sp i ci t p u bl i ca m u t il i ta t em ’, A si n io , s é cu l o X VI I ). A qu i s e i n cl u ía , d e sd e l o go , o p o de r d e e d it a r l e is(                 potestas leges ferendi), a p un iç ão d os c ri mi no so s (i u s g l a d ii) , o c o ma n do d o s e x ér c it o s, a e x pr o pr i aç ã o

  por utilidade pública e o poder de im por tributos[33].

  A diante,

A á r e a d a ‘ j u s t i ç a ’ é , a s s i m , a á r e a e m q u e d o m i n a m o s ó r g ã o s o r d i n á r i o s d e g o v e r n o ( ‘ t r i b u n a i s ’ ,‘conselhos’, ‘m agistrados’, ‘oficiais’), com com petências bem estabelecidas na lei, obedecendo a um

  processo regulado de form ação da decisão, norm alm ente dom inados por juristas que, na resolução dasq u es t õe s , p r e f er e m a s r a zõ e s d a                           justitia e da                  prudentia aos arbitria d a o p o rt u n id a d e e d a c o n ve n i ên c i a.

 

A s s i m , c a b e r i a a o m o n a r c a , m a s t a m b é m a o s M a g i s t r a d o s e a o u t r o s ó r g ã o s d o E s t a d o f a z e r a

       jus tiça, que s e cons tituía à época a “dar a cada um o que é s eu” [34], também conhecido como a fórmula do

“ s u um c u i qu e ”[35].

  P as sa -s e a a na li sa r a e st ru tu ra d a j us ti ça n o A nt ig o R eg im e[36]. A “ úl ti ma i ns tâ nc ia ” d a J us ti ça e ra o

Rei. A ele caberia rever os recurs os das outras ins tâncias , bem como decidir s obre as matérias referentes à

G r a ç a ; p r ó x i m o s a C o r o a e s t a v a m s e u s S e c r e t á r i o s ( d a c â m a r a , d e d e s p a c h o e d e E s t a d o ) , d e n t r e o u t r o s

c on se lh os ( de E st ad o, G er al d o S an to O fí c io , U lt ra ma ri no ). E m L is bo a a s p ri nc ip ai s i ns tâ nc ia s e ra a C as a d e

S uplicação, a M es a da Cons ciência e O rdens e o D es embargo do P aço. N a adminis tração periférica havia osT ribuna is d a Rel aç ão (de S al va do r, Go a, e , post eri orme nte , d o Ri o d e Ja ne iro)[37], nel es “Os

d e se m ba r ga d or e s e r am a p en a s u m a d a s v i as q u e a s e l it e s l o ca i s u sa v am p a ra c o lo n iz a r a a d mi n is tr a çã o . O ut r a

v i a e r am a s c â ma r as , c o m a s q ua i s o s g o ve r na d or e s m a nt i nh am f r eq ü en t es c o nf l it o s[38]”

  T a i s c â m a r a s e r a m C â m a r a s M u n i c i p a i s , q u e , e m t e s e , s ó d e v e r i a m e x i s t i r e m l o c a l i d a d e s q u e

 pos s uís s em a categoria de vila [39]. C a t e g o r i a e s t a c o n c e d i d a a t r a v é s d e a t o r é g i o . S u a e s t r u t u r a f o i t r a z i d a

 para o Bras il de P ortugal, em conformidade primeiro com as O rdenações M anoelinas, depois com as

O r d e n a ç õ e s F i l i p i n a s ; e r a c o m p o s t a p o r c i n c o m e m b r o s p r i n c i p a i s : t r ê s v e r e a d o r e s e d o i s j u í z e s ( u m j u i z

ordinário e um juiz de fora – onde houves s e –, s ervindo um de cada vez) [40] . O s j uí ze s o rd in ár io s n ão e ra m

remunerados , e nem letrados (em regra), eram eleitos pelo povo s egundo o proces s o das O rdenações ; já os

       juízes de fora eram oficiais de carreira, de nomeação régia e letrados [41] . T am bé m h av ia o fi ci ai s d a C âm ar a

c o m f u n ç õ e s e s p e c í f i c a s c o m o o p r o c u r a d o r ( q u e a g i a e m n o m e d o j u í z o o u f o r a d e l e ) , o t e s o u r e i r o , o

e s c r iv ã o , e t c . , i n v e st i d o s p o r e l e i ç ã o d a m es ma f or ma q u e o s j u í ze s o rd i ná r io s e o s v e re a do r es[42]. A

C â m a r a n o m e a v a o s j u í z e s d e v i n t e n a , a l m o t a c é s ( a q u e m c o m p e t i a a r e g u l a m e n t a ç ã o d o a b a s t e c i m e n t o e

r e gu l am e nt a çã o e d il í ci a ), d e po s it á ri o s, q u ad r il h ei r os e o u tr o s f u nc i on á ri o s. H a vi a d u as e s pé c ie s d e t a be l iã e s:

de notas – que outorgava fé pública aos documentos ; e os judiciais , es tes des empenhavam importante papel

d e d i f u s ã o ( e m v e r s ã o v u l g a r i z a d a ) d o s p r i n c í p i o s d e d i r e i t o d a c u l t u r a l o c a l ( f u n ç ã o q u e n o d o m í n i o d a

cultura religios a era des empenhada pelo pároco)[43] ; a l é m d i s s o , é i m p o r t a n t e d e s t a c a r q u e a m a i o r p a r t e

d os a to s n ão e ra r ed uz id o a e sc ri to , o q ue a tr ib uí a m ai s p od er a t ai s f un ci on ár io s[44].

  Se g un d o a s O r de n aç õ es F i li p in a s, o s v e re a do r es e r am e l ei t os s o b o s e gu i nt e s i st e ma ,seis ‘eleitores, escolhidos de entre os m ais aptos pela elite l o c al , e l ab o r av a u m a l i st a d a s p e s so a s ‘ q uem a is p e r t e n c e nt e s l h e s p a r e c e r e m p a r a o s c a r r e g o s d o c o n c e l h o ’ . [ O b s e r v a H e s p a n h a e m n o t a d er o d a p é : “ O u s e j a , p a r a j u í z e s , p a r a v e r e a d o r e s , p a r a p r o c u r a d o r , p a r a t e s o u r e i r o , p a r a e s c r i v ã o d ac â ma r a, p a ra j u iz e e s cr i vã o d o s ó r fã o s ( o nd e f o ss e m f e i to s p o r e l ei ç ão ) o u p a ra q u ai s qu e r o u t r os o f ic i ai sq u e c o st u ma s se m s e r e l ei t os (O r d. f i l    . , I , 6 7 , p r .) . ”] C o nf r on t ad a s a s l i st a s e a p ur a do s o s q u e m a is v o to s

t i nh a m p a r a c a da m a gi s tr a tu r a o u o f íc i o, o s s e us n o me s e r am e s cr i to s n u ma n o va l i st a ( ‘ pa u ta ’ ) e t i ra d osà s o rt e [ E m r o d a pé : “ P el o s i st e ma d e ‘ p el o ur o s’ , b o li n ha s d e c e ra n a s q u ai s s e m e ti a u m p a pe l in h o c o mo n o m e d e u m c o n j u n t o d e j u í z e s , v e r e a d o r e s , e t c . ] o s c o n j u n t o s d e m a g i s t r a d o s o u o f i c i a i s p a r a o

  próxim o triênio. O s não sorteados ficavam para os triênios seguintes, até se esgotarem os nom esc o ns t an t es d a ‘ p au t a’ ( c f. O rd . f i l. , I , 6 7 ). C om o s e v ê , e s t e s i st e ma g a ra n ti a a o s n o t á ve i s l o ca i s ( m eliores

terrae, ‘ g en t e d a g o ve r na n ça ’ ) a o c up a çã o o u d i st r ib u iç ã o d a s m a g i st r at u ra s p o r a p an i gu a do s s e us[45].

 

Todavia, não terminava aí o proces s o de es colha. Em algumas terras a es colha final pas s ava pelo

a l ve dr i o d o D e s e m b a rg o d o P a ç o ; e m o u t r a s vi g o r a v a m os c o s t u m e s l o ca i s ; e m o u t r a s , a i nd a , e r a m o s

s e nh o re s i n te g ra n te s d a s e l it e s l o ca i s q u e n o me a va m o s m e mb ro s d as c â ma r as .

  A s competências das câmaras eram amplas , o que corrobora a crítica ao centralis mo e ao exces s ivo

abs olutis mo régio frente as localidades periféricas . Incumbiam-lhe, mormente, todos os as s untos de ordem

l o c al f o ss e m d e n a t ur e z a a d m in i s tr a t iv a , p o l ic i a l o u j u d ic i á ri a[46]. O s atos de conteúdo normativo cons tavam

 principalmente das pos turas e editais . P ara V ictor N unes Leal o controle da legalidade e conveniência de taisatos era exercido pelo Corregedor em P ortugal, e no Bras il pelo O uvidor, que tinha funções de corregedor 

d a c o m a r c a ; j á p a r a M a n u e l H e s p a n h a , p o r o u t r o l a d o , o c o r r e g e d o r d a c o m a r c a n ã o p o d e r i a r e v o g a r a s

 pos tura s , vereaçõ es , etc. editada s pelas Câmaras , s ó poderia fazê-l o o Rei, ou, poderia es crever à câmara

s u g e ri n d o s u a r e v o ga ç ã o [47]. P os s uí a m a s c â ma r as r e la t iv a a u to n om i a, p o rq u an t o h a vi a a m pl a m a rg e m p a ra

s uas provis ões , as s im como para a competência dos juízes e dos concelhos na eleição dos magis trados , e em

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010   6155

Page 6: XIX Conpedi Fortaleza Dádiva, Graça, Direito e Governo no Antigo Regime

7/21/2019 XIX Conpedi Fortaleza Dádiva, Graça, Direito e Governo no Antigo Regime

http://slidepdf.com/reader/full/xix-conpedi-fortaleza-dadiva-graca-direito-e-governo-no-antigo-regime 6/16

m a té r ia s d e f i na n ça s , s ua c a pa c id a de d e r e si s tê n ci a à s c r is e s e r a m a io r es d o q u e a s d a A dm i ni s tr a çã o C e nt r al .

  A pes ar da ampla autonomia que gozavam as Câmaras havia alguns limites a s uas capacidades

n or ma ti va s, p oi s n ão p od er ia d is po r so br e m at ér ia re se rv ad a a o r ei (r eg al ia ), t ai s c om o m on op ól io s

( e s t a n c o s ) e a i m p o s i ç ã o d e t r i b u t o s e m g e r a l ; e n ã o p o d e r i a t o r n a r l í c i t o a q u i l o q u e e r a i l íc i to[48]. O

c ont ro le das Câ mara s se dava pel o De se mba rg o d o P aç o a tr av és do s C or re ge dor es (n o Brasil, do s

O u v i d o r e s ) ; e , d o s j u í z e s d e f o r a , q u e , q u a n d o e x i s t i a m , p r e s i d i a m a C â m a r a[49]. H a v i a , p o r t a n t o , u ma

d is pu ta e nt re o d ir ei to o fi ci al ( Tr ib un ai s r ég io s, j uí ze s l et ra do s) e o d ir ei t o o u c os tu me l oc al d os j uí ze s l ei go s

e l e i to s p e l a c o m un i d ad e .

  A i n d a , i m p o r t a c o n s i g n a r q u e p a r a a b u r o c r a c i a e s t a r p r e s e n t e e m t o d o l u g a r e l a c o n t a v a c o m o

a ux íl io d o P od er l oc al , d e m od o q ue o p od er p úb li co e o p od er d o s en ho r p ri va do d is pu ta va m c on ti nu am en te

f o r ça e i n f lu ê n ci a , e , à s v e z es , a s s oc i a va m - se , c o n fu n d in d o -s e .O R ei, m uitas vezes, era ou se m ostrava im potente para deter o m andonism o desses potentados, qued o mi n av a m a s c â ma r as e , p o r m e io d e la s , t o do o e s pa ç o t e rr i to r ia l c o mp r ee n di d o e m s u a j u ri s di ç ão . Am a s s a d a p o p u l a ç ã o – c o m p o s t a e m s u a g r a n d e m a i o r i a d e e s c r a v o s e d o s t r a b a l h a d o r e s c h a m a d o slivres, cuja situação era de inteira dependência da nobreza fundiária – tam bém nada podia contra esse

  poderio privado, ante o qual se detinha por vezes a própria soberania da C oroa.[50]

 

A d ve r te - se , e n tr e ta n to , q u e a f ir m ar a f r aq u ez a d o g o ve r no c o lo n ia l n ã o s i gn i fi c a d i ze r q u e o s c o lo n os

 brancos eram fracos , pelo contrário, houve diversas formas de manifes tação de violência física e

simbólica[51]. H a v i a o u t r a s f o r m a s d e d o m i n a ç ã o e d e m a n u t e n ç ã o d o p o d e r p o l í t i c o , m u i t a s d e l a s m e n o s

violentas e mais efetivas , como, por exemplo, a “G raça” e o regime das “M ercês ”; o que ens ejou verdadeira

“economia política dos privilégios ”. Retornar-s e-á ao tema adiante; antes , porém, devemos analis ar a noção

d e d á di v a, e s se n ci a l p a ra a c o mp r ee n sã o d a G ra ç a e d a e c on o mi a p ol í ti c a d os p r iv i lé g io s.

 4 . D ád i va

 

O antropólogo francês M arcel M aus s publicou, em 1925, o Ens aio S obre a D ádiva: F orma e razão da

troca nas s ociedades arcaicas [52]. O ens aio ganhou notoriedade, pois , ao analis ar os s is temas de pres tações

econômicas e o regime do direito contratual de s ociedades arcaicas (terminologia do autor); des velou uma

s érie de relações complexas as quais M aus s denominou fatos s ociais totais . Igualmente, propôs a noção de

dádiva para analis ar o intercâmbio des tas pres tações . Es te ens aio s e relaciona com a his tória do direito, por 

d ua s r az õe s: p or um l ad o, Ma us s s er ve -s e d e e tn og ra fi as p ar a e xpl ic it ar a s r el aç õe s e o s c on ce it os

s u bj a ce n te s à n o çã o d e d á di v a, p a ra e s te f i m, e x pl i ca a l gu ns s i st e ma s j u rí d ic o s e d e mo n st r a s ua s r e la ç õe s c o m

a d á di v a[53]; e, por outro lado, pelo fato de que A ntonio M anuel H es panha s e vale da idéia de dádiva para

explicar o ins tituto da G raça no antigo regime português [54]. É neces s ário, portanto, es clarecer o que vem a

s e r a “ d ád i va ” , t a l c o mo f o ra c o nc e bi d a p e lo a n tr o pó l og o f r an c ês .

  A n a l i s a n d o o r e g i m e d o d i r e i t o c o n t r a t u a l e d e p r e s t a ç õ e s e c o n ô m i c a s d e d i v e r s a s c u l t u r a s ,

s o b r e t u d o d e i l h a s d a P o l i n é s i a e a l g u m a s t r i b os N o r t e - Am e r i c a n a s , Ma u s s c o n st a t o u a r e g u l a r i d a d e d e

c e r t o s f a t o s q u e e x t r a p o l a v a m o â m b i t o “ d o e c o n ô m i c o ” , “ d o j u r í d i c o ” , “ d o p o l í t i c o ” [55], n e s s e s e n t i d o ,

a f i rm a q u e: H á anos nossa atenção dirige-se ao m esm o tem po ao regim e do direito contratual e para o sistem a de

  prestações econôm icas entre as diversas seções ou subgrupos de que se com põem as sociedades ditas  prim itivas, e tam bém as que poderíam os cham ar arcaicas. Existe aí um enorm e conjunto de fatos. E fatosque são m uito com plexos. N eles, tudo se m istura, tudo o que constitui a vida propriam ente social dass o ci e da d es q u e p r ec e de r am a s n o ss a s – a t é à s d a p r ot o -h i st ó ri a . N e s se s f e nô me n os s o ci a is ‘ t ot a is ’ , c o m on os p ro po mo s c ha má -l os , e xp ri me m- se , d e u ma s ó v ez , a s m ai s d iv er sa s i ns ti tu iç õe s: r el ig io sa s,

              jurídicas e m orais – estas sendo políticas e fam iliares ao m esm o tem po –; econôm icas – estas supondof o rm a s p a rt i cu l ar e s d e p r od u çã o e c o ns u mo , o u m el h or , d o f o rn e ci m en t o e d a d i st r ib u iç ã o – ; s e m c o n t ar  

o s f e nô m en o s e s té t ic o s e m q u e r e su l ta m e s se s f a to s e o s f e nô m en o s m o rf o ló g ic o s q u e e s sa s i n st i tu i çõ e smanifestam [56].

Es tas práticas , ou fenômenos s ociais “totais ”, as s umem divers as formas ; às vezes apres entam-s e

como pres entes , meros regalos , aparentemente des pretens ios os [57], e m o u t r a s , n o e n t a n t o , d e m o n s t r a m - s e

c o mo v e rd ad ei ra s t ra ns aç õe s ( n ão n ec es sa ri am en te d e c un ho m on et ár io o u e c on ôm ic o) [58]; s ão , por  

c o n s e g u i n t e , t r o c a s q u e n ã o s e r e s u m e m à “ c o m p r a s e v e n d a s ” o u a o u t r a s f o r m a s d e n e g ó c i o s j u r í d i c o s ,

t r oc a s d e m e rc a do r ia , a i nd a q u e p o ss a m s ê -l o . O u s e ja , s ã o i n úm e ro s o s f e nô m en o s e n gl o ba d os p e la i d éi a d e

d á d i v a . P o r i s s o é i m p o r t a n t e d e s c r e v e r q u e m t r o c a , e o q u e s e t r o c a , p o i s a t é a g o r a s ó s a b e q u e s e e s t á a

tratar de alguma forma de troca, mas des conhece-s e qual é objeto de tal trans lação, bem como quem a faz.

A ntes é importante compreender que na noção de dádiva es tá implícita uma troca que ocorre em três etapas :

d a r , r e c e b e r e r e t r i b u i r . E s t a s t r ê s “ f a s e s ” d a d á d i v a s ã o d e v e r e s ( m o r a i s ) , n ã o s ã o m e r o s c a p r i c h o s . N a s

s ociedades es tudadas por M aus s [59]  a dádiva era um fenômeno fundamental para o relacionamento internod a t r ib o, e e xt er no s e nt re tr ib os ; a lé m d is so , e st e f at o so ci al t o ta l e r a c on st it ut iv o d a i de nt id ad e d o s

integrantes des tas tribos , o que pode s er es tendido ao período analis ado nes te trabalho (no A ntigo Regime).

  N o que cons is te, então, a obrigação de dar, nes te proces s o?

        A obrigação de dar é a essência do potlatch. U m c h ef e d e ve o f er e ce r v á ri o s                 potlatch,   por ele m esm o,

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010   6156

Page 7: XIX Conpedi Fortaleza Dádiva, Graça, Direito e Governo no Antigo Regime

7/21/2019 XIX Conpedi Fortaleza Dádiva, Graça, Direito e Governo no Antigo Regime

http://slidepdf.com/reader/full/xix-conpedi-fortaleza-dadiva-graca-direito-e-governo-no-antigo-regime 7/16

  por seu filho, seu genro ou sua filha, por seus m ortos. Ele só conserva sua autoridade sobre sua tribo es ua ald ei a, a té mesmo s ob re sua famíl ia, s ó mantém s ua p osição e ntr e chefes – nacional ei n te r na c io n al m en t e – s e p r ov a q u e é v i si t ad o c o m f r e q üê n ci a e f a vo r ec i do p e lo s e s pí r it o s d a f o rt u na , q u eé p os su íd o p or e la e q ue a p os su i; e e le n ão p od er p ro va r e ss a f or tu na a n ão s er g as ta nd o- a, d is tr ib ui nd o-a , h um il ha nd o c om e la o s o ut ro s, c ol oc an do -o s ‘ à s om br a d e s eu n om e’ . ( .. .) D iz -s e d e u m d os g ra nd esc h ef e s m ít i co s q u e n ã o o f er e ci a p o tl a ch q u e e l e t i nh a a ‘ f ac e a p od r ec i da ’ . A e x pr e ss ã o é a q ui m ai s e x at ad o q u e n a C h i n a . P o i s , n o n o r o e s t e a m e r i c a n o , p e r d e r o p r e s t í g i o é d e f a t o p e r d e r a a l m a : é p e r d e r  r e al me n te a ‘ f ac e ’, a m ás c ar a d e d a nç a , o d i re i to d e e n ca r na r u m e s pí r it o , d e u s ar u m b r as ã o, u m t o te m, ér e a lm e nt e a                  persona   que é assim posta em jogo, que se perde no potlach, no jogo das dádivas, assimc o m o s e p o d e p e r d ê - l a n a g u e r r a o u p o r u m a f a l t a r i t u a l . E m t o d a s e s s a s s o c i e d a d e s , a s p e s s o a s s ea p re s sa m e m d a r. N ão h á u m i n st a nt e u m p ou c o a lé m d o c o mu m, m es mo f or a d a s s o l e ni d ad es e r e un i õe sd e i nv er no , e m q u e n ão h aj a o br ig aç ão d e c on vi da r o s a mi go s, d e p ar ti lh ar c om e le s o s g an ho s d e c aç a ed e c ol he it a q ue v êm d os d eu se s e d os t ot en s; e m q u e n ão h aj a a o br ig aç ão d e r ed is tr ib ui r t ud o o q ue v emd e u m p o tl a tc h d e q u e s e f o i o b e ne f ic i ár i o; e m q u e n ã o h a ja o b ri g aç ã o d e r e co n he c er m ed i an t e d á di v asq u al q ue r s e rv i ço , o s d o s c h ef e s, d o s v a s s al o s, d o s p a re n te s ; s o b p e na , a o m e no s p a ra o s n o br e s, d e v i ol a r  

a e t iq u et a e p e rd e r s u a p o si ç ão s o ci a l[60]. 

P or outro lado,

 A o b r i g a ç ã o d e r e c e b e r não é m enos constringente. N ão se tem o direito de recusar um a dádiva, der e c u s a r o p o t l a t c h . A g i r a s s i m é m a n i f e s t a r q u e s e t e m e t e r d e r e t r i b u i r , é t e m e r t e r d e ‘ f i c a r c a l a d o ’enquanto não se retribuiu. D e fato, é já ‘ficar calado’. É ‘perder o peso’ de seu nom e; é confessar-sev e nc i do d e a n te mã o , o u , a o c o nt rá r io , e m c e rt o s c a s o s, p r oc l am ar - se v e nc e do r e i n ve n cí v el . ( . .. ) M as , e m

  princípio, toda dádiva é sem pre aceita e m esm o louvada. D eve-se apreciar em voz alta o alim ento quen o s p r ep a ra m. A o a c ei t á- l o, p o ré m, a p e ss o a s a be q u e s e c o mp r om et e . R e c e be - se u ma d á di v a c o mo ‘ u m

  peso nas costas’. Faz-se m ais do que se beneficiar de um a coisa e de um a festa, aceitou-se um desafio; e  pôde-se aceitá-lo porque se tem certeza de retribuir, de provar que não se é desigual.[61]

 

P o r f i m,

        A obrigaç ão de retribui r é todo o potlatc h, na m edida em que ele não consiste em pura destruição.

P a re c e q u e n e m t o d a s e s sa s d e st r ui ç õe s , m ui t as v e ze s s a cr i fi c ia i s e e m b e ne f íc i o d o s e s pí r it o s, p r ec i sa r  s e r r e tr i bu í da s i n co n di c io n al m en t e, s o br e tu d o q u an d o s ã o o b ra d e u m c h ef e s u pe r io r n o c l ã o u d e u mc h ef e d e u m c l ã j á r e co n he c id o s u pe r io r . M a s , n o rm al me n te , o p o tl at c h d e ve s e mp r e s e r r e tr ib u íd o c o m

              juros, aliás toda dádiva deve ser retribuída dessa form a[62].

 

T od av ia q ue m f az e st as t ro ca s? E , a fi na l, o q ue s e t ro ca ? 

    N as econom ias e nos direitos que precederam os nossos, nunca se constatam , por assim dizer, sim plest r oc a s d e b e ns , d e r i qu e za s e d e p r od u to s n u m m e rc a do e s ta b el e ci d o e n tr e i n di v íd u os , s ã o c o le t iv i da d esq u e s e o b ri g am m u tu a me n te , t r oc a m e c o nt r at a m; a s p e ss o as p r es e nt e s a o c o nt r at o s ã o p e ss o as m o ra i s:c lã s, t ri bo s, f am íl ia s, q u e s e e nf re nt am e s e o põ em s ej a e m g ru po s f re nt e a f re nt e n um t er re no , s ej a p or  i n t e r m é d i o d e s e u s c h e f e s , s e j a a i n d a d e s s a s d u a s m a n e i r a s a o m e s m o t e m p o . A d e m a i s , o q u e e l e st r oc a m n ã o s ã o e x cl u si v am e nt e b e ns e r i qu e za s , b e ns m ó ve i s e i m óv e is , c o is a s ú t ei s e c on o mi c am e nt e .S ã o , a n t es d e t u d o, a m a bi l i d ad e s , b a n q ue t e s , r i t o s, s e r vi ç o s m i l it a r es , m u l he r e s, c r i an ç a s , d a n ç as , f e s t as ,f e ir a s, d o s q u ai s o m er c ad o é a p en a s u m d o s m om en t os , e n o s q u ai s a c i rc u la ç ão d e r i qu e za s n ã o é s e nã o

u m d o s t e r mo s d e u m c o nt r at o b e m m a i s g er a l e b em m ai s p e rm an e nt e[63]. 

Logo, “tudo s e mis tura numa trama inextricável de ritos , de pres tações jurídicas e econômicas , de

d et er mi na çõ es d e c ar go s p ol ít ic os n a s oc ie da de d os h om en s, n a t ri bo e n as c on fe de ra çõ es d e t ri bo s, e m es mo

internacionalmente.” [64]. N es tas trocas de bens , pres entes , dons , etc. criam-s e relações de reciprocidade que

iriam cons tituir laços afetivos , familiares , dentre outras formas de relações s ociais . P or is s o, “Eis aqui uma

outra maneira de repres entar o vínculo de direito, não menos expres s iva: ‘N os s as fes tas s ão o movimento da

agulha que s erve para ligar as partes do telhado de palha, para que haja um único teto, uma única palavra.’

S ão a s m es ma s c oi sa s q ue v ol ta m, o m es mo f io q ue p as sa .”[65].

  F eitas tais cons iderações , é neces s ário es clarecer qual a relação entre a dádiva e a graça e qual s eu

n ex o c om o A nt ig o R eg im e, o q ue s er á f ei to n o p ró xi mo i te m. 

5 A Gra ça e a Dá di va 

V igiam à época do A ntigo Regime várias ordens morais que procediam a dis ciplina do s ocial; o

d i r e i t o e r a u m a d e s t a s o r d e n s , c o m p a r t i l h a v a c o m a s o u t r a s a “ r e g u l a ç ã o ” d a s o c i e d a d e . A n t o n i o M a n u e l

H e s p a n h a n o t a a p r o x i m i d a d e e n t r e e s t a o r d e m e a q u e l a a q u a l s e r e f e r i a M a r c e l M a u s s , p o i s e m a m b a s a

m o r a l , o u , a s d i v er s a s i n s tâ n c i as d a m o r al , d e se m pe n ha v am u m p ap e l f u nd a m en t al n a n o r ma t iz a çã o d a

s ociedade. Is to não s e dá à toa. N es tes períodos , anteriores à modernidade, a cons tituição da pers onalidade

da pes s oa (literalmente a cons tituição da s ua “pers ona”) s e dava, dentre outros fatores , pela s ua relação com

o g r u p o . I s t o n ã o s i g n i f i c a d i z e r q u e d u r a n t e a m o d e r n i d a d e i s t o d e i x o u d e o c o r r e r , m u i t o p e l o c o n t r á r i o ,

como demons tra N obert Elias [66]. Todavia, àquela época ocorria fenômeno s emelhante ao que fazia o K ula

e o P otlach em s uas s ociedades . Eles circulavam, cons tituíam o elo do s ocial; aquilo que era de todos , e por 

s er de todos não podia s er de um s ó. Eis , também, a razão pela qual quando o K ula “terminava” o s eu ciclo

s ó teria um des tino: a des truição. P or quê? P orque aquilo que é de todos não pode s er de um s ó; é uma parte

d e c a d a u m q u e e s t á s e n d o p r e s e r v a d a , e , a o m e s m o t e m p o , p r e s e r v a n d o o e l o q u e l i g a a t o d o s ; l o g o , s ó

res ta a des truição de algo tão importante, tão s agrado. Is to fomenta a cons trução da pers onalidade daqueles

q u e l á v i v i a m , p o r s e r d e u m a t r i b o e t r o c a r K u l a é q u e e l e p o d e c a ç a r , p e s c a r , d a n ç a r , c a s a r , e t c . P o i s n ã o

era diferente no A ntigo Regime, s eja no Bras il “colonial”, s eja em P ortugal, havia uma economia moral do

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010   6157

Page 8: XIX Conpedi Fortaleza Dádiva, Graça, Direito e Governo no Antigo Regime

7/21/2019 XIX Conpedi Fortaleza Dádiva, Graça, Direito e Governo no Antigo Regime

http://slidepdf.com/reader/full/xix-conpedi-fortaleza-dadiva-graca-direito-e-governo-no-antigo-regime 8/16

dom.

  N es s e s e n ti d o , a f i rm a H e sp a n ha ,

 L a s p á g i n a s d e M a u s s s e a s i e n t a n e n p a r a j e s c u l t u r a l e s c i e r t a m e n t e e x ó t i c o s , p e r o p o d r í a n s e r c a s idirectam ente aplicadas a las sociedades europeas, desde las clásicas hasta las de antiguo régim en (ei n cl u so a l a s c o mu n id a de s c a mp e si n as a c tu a le s ). E l p r op r io a u to r n o d e ja d e s e ña l ar l a s c o in c id e nc i as , at r av é s d e b r ev e s c i ta s d e A ri s tó t el e s s o br e l a m ag n if i ce n ci a o m en d ia n te e l r e la t o d e e x pe r ie n ci a s v i vi d ase n e l m e d i a r u r a l d e l a F r a n c i a c o n t e m p o r á n e a . P o r t o d o e s t o , n o s e q u i e r e n d e j a r a q u í d e r e c o r d a r  c i er t as n o ta s e s en c ia l es d e e s ta économ ie du don, a   f i n d e c o mp r en d er m e jo r l a s s u je c io n es y r e la c io n esd e p od er q ue e ma na n d e u na d is po si ci ón d el a lm a t a n l ib re y g ra tu it a e n a pa ri en ci a c om o e l a fá n d e d a r y

  beneficiar (al m argen del nom bre que se em plee en la sociedad europea de la época m oderna:l i b e r al i t a s, m a g na n i m it a s , c h a r it a s)[67]. ( n e g ri t a mo s )

 

P a r a q u e s e p o s s a c o m p r e e n d e r e s t a l i g a ç ã o e n t r e a e c o n o m i a m o r a l d o d o m e a g r a ç a , M a n u e l

H es panha explica a diferença entre economia contábil e economia s imbólica [68]; a l é m d i s s o , u t i l i z a - s e d o

m ét od o d a l it er at ur a s oc io ló gi ca d a “ ne t wo rk a na ly si s”[69]  p a ra an al is ar a s r ed es so ci ai s q ue f or am

c o n st r u íd a s a p a r t i r d a e c o no m i a d o d o m . E s t a m e t o d o l o g i a f a c i l i t a a v i s u a li z a ç ã o d e t r a n sa ç õ e s / t r o c a s

as s imétricas nas quais criaram diferenças entre as pes s oas . S obre a economia dos atos gratuitos (economia

m or al d o d om ) d em on st ra q ue

 S i g u ie n d o e s t a l í n e a i n t e nt a m os m o s tr a r d o s c o s a s: l a p r i me r a , q u e i n s o sp e c h ad a m en t e n o s e n f r en t a mo sc o m a c ti t ud e s r e gl a da s q u e e x cl u ye n c a si p o r c o mp l et o l a d i sc r io n al i da d d e l o s a g en t es ; l a s e gu n da , q u el a s u pu e st a “ g ra t ui d ad ” d a p i e e n r e al i da d a i n ve r si o ne s p o lí t ic a s e x tr e ma d am en t e p o te n te s , d u ra d er a s ytodavía m ás estructurantes que esas inversiones político-jurídicas que estudia la historia institucionalm ás tradicional[70].

 

Em outra obra A ntonio M anuel H es panha, des taca que a G raça, além de s er um “bem” pas s ível det ro ca , p od ia s er c on si de ra da c om o a f or ma s up er io r d e j us ti ça , d es se m od o,

 P o te n ci a nd o a j u st i ça e s tá a      graça, q u e c o ns i st e n a a t ri b ui ç ão d e u m b e m q u e n ã o c o mp e ti a p o r j u st i ça ,

n e m c o m u t a t i v a , n e m d i s t r i b u t i v a ( i . e . , q u e n ã o e r a , p o r q u a l q u e r f o r m a , j u r i d i c a m e n t e d e v i d o ) . T a lc o mo a g r aç a d i vi n a n ã o d e st r ói a n a tu r ez a ( a nt e s a a p er f ei ç oa , S . T o má s , Sum m a T heol   ..., I-2, qu. 1121 c . ) , t a m b é m a g r a ç a r é g i a n ã o s u b v e r t e a j u s t i ç a ( a n t e s a c o m p l e t a ) . E r a o q u e s e p a s s a v a c o m ad i sp en sa d o d ir ei to ( qu a nd o, p or e xe mp lo , s e m an d a q u e n ão s e a pl iq u e u m a l ei a c er to c as o c on cr e to ,q u a n d o s e d e c l a r a m a i o r u m m e n o r , q u a n d o s e p e r d o a u m c r i m e o u , e m g e r a l , q u a n d o s e p r a t i c aq u al q ue r d o s a c to s d e d i sp e ns a d o d i re i to p r ev i st o s n o r e gi m en t o d o D es e mb a rg o d o P a ço ) ; p o is e n tã o oq ue se e st á é a r e a l iz a r u ma f o rm a s u pr e ma d e j u s ti ça , r em ov en do a g en er al id ad e d a n o rm a e mh o me n ag e m à s p e cu l ia r id a de s d o c a so ( c f. S . T o má s , Sum m a T heo, I I- 2, q u. 8 8 1 0 a d 2 ; F ra go so , 1 64 1,I I I, d i sp . I V , 1 1 , 2 ,3 2 [ p . 4 1 8] ) .[71]

 

O a u t o r p o r t u g u ê s f a z a a n á l i s e d a a m i z a d e t a l c o m o t e o r i z a d a p o r A r i s t ó t e l e s , p o i s a c o n c e p ç ã oaris totélica de amizade (pres ente na s ua Ética a N icomaco) influenciava s obremaneira as relações s ociais do

tempo; influenciou profundamente as teorizações de S ão Tomás de A quino, um dos principais filós ofos da

i da de m éd ia , q ue s er ia m ui to c it ad o p el os j ur is ta s d o A nt ig o R eg im e. A a mi za de e m A ri st ót el es é i mp or ta nt e

 para o es tudo da economia do dom porque ela explica e jus tifica relações des iguais , onde, contudo, havia

reciprocidade[72]. É p o s s í v e l q u e u m a m i g o s e i d e n t i f i q u e c o m o o u t r o , d a í a r e l a ç ã o d e r e c i p r o c i d a d e ,

apes ar de que pode haver uma des igualdade, mormente quando um dos “pólos ” (pes s oas ou grupos ) es tá em

condições as s imétricas em relação à outra. Era jus tamente o que ocorria no A ntigo Regime, o Rei, ou s eus

c o rt e sã o s, m e mb r os d o D e se m ba r go d o P a ço , o u a t é da s c â ma r as m u ni c i pa i s c o nf e ri a m h o nr a ri a s, t í t ul o s, o u

cargos , que, em muitos cas os não traziam benefícios materiais aos s ujeitos agraciados . M as es te “dom” que

e ra , o ra u m t ít ul o, o ra u m c ar go , s ed uz ia a qu el e q ue e ra a gr ac ia do , c ri av a- se a ss im u ma r el aç ão d e

 proxi midad e, e de recip rocid ade; ficav a o agrac iado, com o “deve r de receb er” e o “deve r de retri buir” ,

c on fo rm e j á a ss in al av a M au ss ; o q ue o t or na va v in cu la do a p es so a q ue l he c on fe ri u u m d om .

  A p a rt i r d e st a s c o ns i de r aç õ es é q u e o u tr o s h i st o ri a do r es d e se n vo l ve m a n o çã o d e “ e co n om i a p o lí t ic a

d o s p r i vi l é g io s ” [73], t a l c o m o B i c a l h o e G o u v ê a , o u “ r e d e s d e r e c i p r o c i d a d e ” , o u “ r e d e s d e d e p e n d ê n c i a

m ú tu a ”, c o mo o f a z M a r i a L u i z a A n dr ea z za[74]. N o t e - s e q u e a p a r t i r d e t a l i n s t r u m e n t a l c o n s e g u e - s e

d e sv e la r r e la ç õe s d e p o de r o n de , a p ar e nt e me n te , s ó h a vi a a t os g r at u it o s.

  N aquela s ociedade as honrarias , as roupas e os nomes compunham todo um aparato de dominação,

uma linguagem s ilencios a do poder. Es s e dis curs o s ilencios o pos s ibilitava um âmbito de dominação muito

m a i s e f e t i v o , a l g o q u e o d i r e i t o o f i c i a l n ã o p o d e r i a f a z e r . E x p l i c a - s e . O r a , s e r f i d a l g o n e s t a s o c i e d a d e e r a

muito importante, pois lhe pos s ibilitava alçar a pos tos , cargos , e a ter um poder s imbólico que não lhe s eria

aces s ível por meio de aquis ição de poder econômico. Importa es clarecer, contudo, que, a palavra fidalgo é a

c o nt r aç ã o d e : f i lh o -d e -a l go ; o u s e ja , f i lh o -d e -a l gu é m; t e m- s e, p o rt a nt o , q u e o n o me d a f a mí l ia e d e te r mi n an t e

d e q u a i s p o s t o s a p e s s o a p o d e r á t e r a c e s s o e q u e m e l a s e r á [75] . N ã o s ó i s s o . O v e s t u á r i o t a m b é m e r ad e te r mi n ad o p e la s ua p o si ç ão s oc i al ,

 V a le l e mb r ar q u e n a s o ci e da d e d a qu e le t e mp o t o do s d e vi a m v e st i r- s e c o m r o up a s q u e o s d i st i ng u is s emo u i de nt if ic as se m p or e st am en to , o u p ro fi ss ão , o u g ru po s oc ia l ( as l ei s r eg ul am en ta va m e st aa p r e se n t aç ã o p ú b li c a ): n o b re s c o m o n o b re s , c l é ri g o s c o mo c l é ri g o s e j u í ze s c o m o j u í ze s , d i s ti n g u in d o -s e

  pela vara ou bastão que com pletava o traje.O regim ento de 1609, do Tribunal da R elação da B ahia, por e x em p lo , i mp u nh a q u e o s d e se mb a rg a do r es n ã o u s as s em v e st i do s d e c o r, m as s e a p re s en t as s em t r aj a do s

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010   6158

Page 9: XIX Conpedi Fortaleza Dádiva, Graça, Direito e Governo no Antigo Regime

7/21/2019 XIX Conpedi Fortaleza Dádiva, Graça, Direito e Governo no Antigo Regime

http://slidepdf.com/reader/full/xix-conpedi-fortaleza-dadiva-graca-direito-e-governo-no-antigo-regime 9/16

c om r o up a s u s ad a s p el os d es em ba rg ad or es d e L is bo a, n o t r i bu n a l o u n a c id ad e, d e m an ei ra q ue‘representassem o cargo que detinham ’, disposição repetida no regim ento de 1652 e no regim ento daR e la ç ão d o R i o d e J a ne i ro ( 1 75 2 )[76].

 

O u , c o mo l e mb r a S h ak e sp e ar e , n a s p a la v ra s d e P o lô n io p a ra s e u f i lh o L a er t es ,

 U s a r o u p as t ã o c a ra s q u an t o t u a b o ls a p e rm it i r,M a s n a d a d e e x tr a va g ân c ia s – r i ca s , m a s n ã o p o mp o sa s .O h áb i to r e ve l a o h o me m,E , n a F ra nç a, a s p es so as d e p od er o u p os iç ãoS e m os t ra m d i st i nt a s e g e ne r os a s p e l a s r o up a s q u e v e s t em .[77]

 

  N o fundo, o que es tá implícito a toda es ta regulamentação de ves tuários , nomes , apadrinhamentos ,

e tc . é o “ se u d e c ad a u m” , p oi s a j us ti ça é a “ fi na li da de ú lt im a” d o E st ad o; e , f az er j us ti ça é d ar o s eu d e c ad a

u m . F i c a , a s s i m , s u b j a c e n t e , c o m o u m s i l ê n c i o c o m p a r t i l h a d o , e s t e a s s e n t i m e n t o a o q u e d i r e i t o n a t u r a l , o s

c os tu me s e a s p rá ti ca s d is põ e. A de ma is , “ o s e u d e c a da um ” n ã o e r a e st ab el ec id o a tr av és d e c r it é ri o s

i g u a l i t á r i o s , m a s p o r m e i o d e c r i t é r i o s e q u i t a t i v o s c o m o e r a m i n t e r p r e t a d o s à é p o c a , i s t o é , e r a n e c e s s á r i o

m a n t e r a s c o i s a s c o m o e s t a v a m , p o r q u a n t o “ d a r o s e u d e c a d a u m ” é m a n t e r a p a z e a j u s t i ç a d e m o d o a

garantir ao nobre o que é do nobre, ao clérigo aquilo que é do clérigo, e àquele que não pertence a nenhuma

d e s t a s o r d e n s , o u n ã o e r a u m c i d a d ã o , a q u i l o q u e l h e e r a d e v i d o ; a i n d a q u e i s t o r e s u l t a s s e e m n a d a . E s t a

o r d e m e r a e s t a b e l e c i d a p e l o d i r ei t o n a t u r a l , q u e j u s t i f i c a va j u r í d i c a e i d e ol o gi c a me n te a m a n u t e n çã o d a

ordem[78]. A ordem também era legitimada utilizando-s e a tradição como argumento de autoridade. D es s a

f o r m a , a t r a d i ç ã o e r a j u s t i f i c a v a p a r a d i v e r s a s p r á t i c a s , q u e s e r e p e t i a m d e s d e t e m p o s i m e m o r i a i s e n ã o

deveriam e nem podiam s er ques tionadas para que fos s e mantida a ordem natural do mundo. N o entanto, a

tradição, e, de certa maneira, o direito natural, utilizado como jus tificativa tradicional as s emelham-s e a certa pers onagem da dramaturgia bras ileira que , ao s er que s ti ona do s ob re o mot ivo de um ato , ou de out ro,

r es po nd ia : “ “N ão s ei , s ó s ei q ue f oi a ss im .” , e n ov am en te .. .“ Nã o s ei , s ó s ei q ue f oi a ss im .” [79]  E s t e a m b ie n t e

d i fi c ul t av a e a t é i m po s si b il i ta v a m ud a nç a s n o A n ti g o R e gi m e, e , c o mo s e s a be , a r gu m en t os à l á C h ic o , f o ra m

d ur am en te c ri ti ca do s p o r d iv er so s a ut o re s m od er no s n o â mb it o t eó ri co e p o r v ár io s r ev ol uc io ná ri os ,

s o b r e t u d o , f r a n c e s e s n a e s f e r a p o l í t i c a . N ã o o b s t a n t e , u m a v e z q u e a n o v a o r d e m f o r a e s t a b e l e c i d a o u t r o s

f o ra m o s a r gu m en t os q u e e ri g ir a m, p a ss a nd o , a p ós a l gu m t e mp o a s e r em r e p et i do s , c o mo u m m a nt r a, o u u m

terço, da mes ma maneira que faziam os antigos jus naturalis tas equitativos porém, não tão igualitários . M as

i s to , e n fi m , j á é u m a o ut r a h i st ó ri a . P a ss e mo s, p o r f i m, a a l gu m as c o ns i de r aç õ es f i na i s.

 

6 . C o ns i de r aç õ es F i na i s: D á di v a, G r aç a ; D i re i to e G o ve r no .

 

P rocurou-s e traçar algumas linhas s obre a organização do Es tado no A ntigo Regime P ortuguês ,

f or am r es sa lt ad as f or ma s d e r el aç õe s d e p od er s il en ci os as , q ue e ra m c on si de ra da s p el a h is to ri og ra fi a

t r a d i c i on a l c o m o m e r o s a t o s g r a t u i t o s , r e l a ç õ e s q u e n ã o d e t i n h a m u m l u g a r d e d e s t a q u e n a a n á l i s e d o s

h is to ri ad or es c om o o ut ro s t em as , p or e xe mp lo , a e sc ra vi dã o, o u a té , a a ná li se d os t ex to s l eg is la ti vo s c om o a s

O r d e n a ç õ e s o u o s C ó d i g o s . P a r a t a n t o , f o r a m f e i t a s a l g u m a s c o n s i d e r a ç õ e s m e t o d o l óg i c a s , e m s e g u i d a ,

e x p ô s - s e o q u e p o d e r i a s e r c h a m a d o d e “ e s t r u t u r a a d m i n i s t r a t i v a ” e a n o ç ã o d e d á d i v a , c o m s e u s t r ê s

momentos cons titutivos : dar, receber e retribuir. A s s im, pode-s e analis ar o que A ntonio M anuel H es panha

c ha mo u d e e co no mi a m or al d o d om ; e o s a to s d e G ra ça , r es sa lt an do -s e q ue t ai s a to s, ap ar en te me nt e

gratuitos , poderiam s er utilizados como um meio muito eficaz para aproximar s úditos e s oberanos , de modo

a c r i a r v i g o r os a s r e l a ç õe s d e r e c i p ro c i d ad e . R e l a ç õe s e s t a s q u e p o s si b i l i t av a m o t r â n s i to d e b e n s , h o n r ar i a s e

a t é d e c a r g o s p ú b l i c o s , o q u e a m p l i a v a o s p o d e r e s d o m o n a r c a , d o s D e s e m b a r g a d o r e s , d o s s e n h o r e s d e

terras e dos membros das Câmaras nas vilas e nas cidades , não exigindo o us o da coerção fís ica para que s em a n t iv e s se m r e l a çõ e s d e r e c i pr o c i da d e e n t re p e s so a s d e s ig u a is .

  F oi apontado, também, que a fórmula “s uum cuique” que pres idia a noção de jus tiça daquele tempo

tinha uma importante função de legitimação da ordem es tabelecida, impedindo mudanças ; cons olidando o

arranjo da s ociedade do modo como ele es tava concebido, perpetuando, portanto, a tradicional des igualdade

q ue v ig ia ( e, n o c as o d e a lg um as d el as , q ue s eg ue v ig en do , c om o ut ra s m ás ca ra s, c om o ut ro s d is fa rc es ). T ai s

críticas não foram feitas com um intuito fes tivo querendo afirmar uma “evolução”, no s entido de que após

alguns s éculos teríamos melhorado em comparação com as relações daquele tempo. Iniqüidades exis tiam, e,

i n fe l iz m en t e, i n úm e ra s i n iq ü id a de s a i nd a e x is t em . C r ê- se q u e o e s se n ci a l f o i d e st a ca d o: n ã o s e d e ve i d ol a tr a r  

n e m o p a s s a d o , n e m o p r e s e n t e , c o m o t u d o q u e é h u m a n o c a d a t e m p o t ê m s e u s p r o b l e m a s e d i f i c u l d a d e s ;

e sp er a- se q ue a lg un s d el es , n o q ue t oc a a o A nt ig o R eg im e f or am a po nt ad os .

  H á q ue s e d es ta ca r, a in da , a lg un s l im it es d es te t ra ba lh o. O ra , a n oç ão d e G ra ça t al c om o a pr es en ta da

no contexto do pres ente es tudo remonta a muitos es tudos que foram feitos s obre P ortugal es pecificamente.

C ar ec e, p or ta nt o, o pr es en te t ra ba lh o d e a ná lise s e mp ír ic as e m r el aç ão a o q ue s e p ass ava n o Br asi l,

e s p e ci f i c a me n t e , j á q ue i nú m e r as e r a m a s d i f e r en ç a s e n t r e o B r a si l e o P o r t ug a l d u r a nt e o p e r í od o , p o d em - s e

citar algumas delas , como a ins tituição da es cravidão (que durou no Bras il mais de 300 anos ), e a diferença

d o r e g i m e d a s S e s m a r i a s p o r t u g u ê s q u a n d o i m p o r t a d o p a r a o B r a s i l [80]. É n e c e s s á r i o , p o i s , q u e s e f a ç a m

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010   6159

Page 10: XIX Conpedi Fortaleza Dádiva, Graça, Direito e Governo no Antigo Regime

7/21/2019 XIX Conpedi Fortaleza Dádiva, Graça, Direito e Governo no Antigo Regime

http://slidepdf.com/reader/full/xix-conpedi-fortaleza-dadiva-graca-direito-e-governo-no-antigo-regime 10/16

e st udo s em pír ic os bu sca ndo anali sar s e t ai s r el aç õe s se da vam n o Brasil e com o se da va m. Po rém, é

i m p o r t a n t e , q u e s e d i g a q u e é p o s s í v e l r e t o m a r a l g u m a s g r a n d e s o b r a s d a h i s t o r i o g r a f i a e d a s o c i o l o g i a

 bras ileira, relendo-a com um olhar des prendido de dicotomias que muitas vezes não tem s ubs trato nos dados

e m a t e r i a i s a n a l i s a d o s . P o d e - s e , a l é m d i s s o , u t i l i z a r d e l i t e r a t o s e d a l i t e r a t u r a d a é p o c a q u e d e d i v e r s a s

maneiras s ão capazes de deitar luz s obre fatos e relações que es caparam a muitos his toriadores . É por is s o

que se lança mão do sarcasmo de Gregório de Mat tos [81]  e m r el aç ão a s O rd en aç õe s Fi li pin as, que

d em on st ra va c om a cu id ad e a d is tâ nc ia e nt re o q ue e st av a p re sc ri to e o q ue s e p ra ti ca va , 

D E FI NE A S U A C I D AD E  MOTE:       D e dous ff se com põe

  Es ta c id ad e a m eu v er      um f u rt a r, o u tr o f o de r    

 GLOSA 1.R e c op i l ou - s e o d i r ei t o ,e q u em o r e co p il o uC o m d o u s                             ff                              o e x p li c o u

  por estar feito, e bem feito:  por bem D igesto, e C olheitos ó c om d ou s                             ff                              o e x põ e ,e a ss im q ue m o s o lh os p õen o t r at o , q u e a q ui s e e n ce r ra ,h á d e d iz er , q ue e ss a t er ra

     D e dous ff se com põe. 2.S e d e d ou s                             ff                              compostae s tá a n o ss a B ah i ae r r ad a a o r t og r a fi aa g r an d e d a no e s tá p o st a :e u q u er o f a ze r u ma a p os t a,e q u er o u m t o st ã o p e rd e r,q ue i ss o a h á d e p re ve rt er ,s e o f ur ta r e o f od er b emn ão o s                             ff q u e t e m

   E sta cidade a m eu ver.

 3.P r ov o a c o nj e tu r a j áP r o nt a me n t e c o m o u m b r i nc oB ah i a t em l e tr a s c i n c oq u e s ã o B ah i al o go n i ng u ém m e d i rá

q u e d o us                             ff                              c he g a a t e r,  pois nenhum conte sequer,s a lv o s e e m b oa v on t ad es ão o s                             ff d a c i d ad eU m f u rt a r, o u tr o f o de r .[ 8 2 ]”

 

P o r t a nt o , d i a nt e d a p r ec a r i e da d e d o s a b e r h i s t ó r i c o , e a t é q u e n ov as l e i t u r a s da s f o n t es s e

a pr es en te m, p od e- se c on cl ui r c om a s p al av ra s d e C hi co : “ Nã o s ei , s ó s ei q ue f oi a ss im .. .”

 

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010   6160

Page 11: XIX Conpedi Fortaleza Dádiva, Graça, Direito e Governo no Antigo Regime

7/21/2019 XIX Conpedi Fortaleza Dádiva, Graça, Direito e Governo no Antigo Regime

http://slidepdf.com/reader/full/xix-conpedi-fortaleza-dadiva-graca-direito-e-governo-no-antigo-regime 11/16

 

Referências Bibliográficas

A ND RE AZ ZA , M a ri a Lu i z a. Do m i ni u m , t e r r a s e v a ss a l ag e m n a Am é r ic a P o rt u gu e sa . I n: S I LV A, L ui sG eraldo. (org.) F acetas do Império na H is tória: conceitos e métodos . S ão P aulo: H ucitec, 2008. B EN JAM IN , W al te r. S ob re o c on ce it o de H is tó ri a. I n: M ag ia e t éc ni ca , a rt e e p ol ít ic a. S ão Pa ul o:Bras iliense, 1985. B I C A L H O , M a r i a F e r n a n d a B a p t i s t a . A s c â m a r a s u l t r a m a r i n a s e o g o v e r n o d o I m p é r i o . I n : F R A G O S O ,J o ã o ( o r g . ) O a n t i g o r e g i m e n o s t r ó p i c o s : a d i n â m i c a i m p e r i a l p o r t u g u e s a ( s é c u l o s X V I - X V I I I ) . R i o d eJ a n ei r o : C i v il i z aç ã o B r a si l e ir a , 2 0 01 . B O U R D I E U , P i e r r e . O P o d e r S i m b ó l i c o . 9 ª e d . T r a d . : F e r n a n d o T o m a z . R i o d e J a n e i r o : B e r t r a n d B r a s i l ,2006. E L IA S, N ob e rt . A S o ci e da d e d o s I n di v íd u os . T r ad . : V e ra R i be i ro . R i o d e J a ne i ro : J o rg e Z a ha r , 1 9 94 . F A US T O, B o ri s . H i st ó ri a d o B r as i l. 1 3 ª ed . S ã o P a ul o : E du s p, 2 0 08 . F ON SE C A, R i ca r do M a rc e lo . A C u lt u ra J u rí d ic a B ra s il e ir a e a Q ue s tã o d a C o di f ic a çã o C i vi l n o S é cu l o X IX .R ev is ta d a F ac ul da de d e D ir ei to d a U FP R. C ur it ib a, n º 4 4, 2 00 6, p . 6 1- 76 . 

F O UC AU L T, M i ch e l. M i cr o fí s ic a d o P o de r . 2 2 ª e d . T r ad . : R o be r to M ac h ad o . R i o d e J a ne i ro : G r aa l , 2 0 06 . G AY , P et er . O e st il o n a H is tó ri a. S ão P au lo : C om pa nh ia d as L et ra s, 1 99 0. G OU VÊ A, M ar ia d e Fá ti ma Si lva . P od er p ol ít ic o e a dm in is tr aç ão na f or ma çã o d o c om pl ex o a tl ân ti co

 portug uês (1645-1 808). In: F RA G O S O , J oão (org. ) O antigo regime nos trópicos : a dinâmica imperial portugues a (s éculos X V I-X V III). Rio de J aneiro: Civilização Bras ileira, 2001. H E S P A NH A , A n t o n i o M a nu e l. O D i r e i t o d o s L e t r a d o s n o I m p é r i o P o r t u g u ê s . F l or i a nó p ol i s: F u nd a ç ãoBoiteux, 2006. H E S PA N HA , A n t o n i o M a n u e l . Go v e r no , e l i te s e c o m p e t ê nc i a s o c i a l : su g e st õ e s p a r a u m e n t e nd i m en t orenovado da his tória das elites . In: BICA LH O , M aria F ernanda (org.) M odos de governar: idéias e práticas

 políticas no Império P ortuguês (s éculos X V I a X IX ). S ão P aulo: A lameda, 2005, p. 45-68.

 H ES P A N H A , A ntonio M anuel. Cultura J urídica Européia: S íntes e de um M ilênio. F lorianópolis : F undaçãoBoiteux, 2005. H E S P A N H A , A n t o n i o Ma n u e l . A c o n s t i t u i ç ã o d o I m p é r i o P o r t u g u ê s . R e vi s ão d e a l g un s e n vi e sa m en t osc o rr e nt e s. I n : F RA GO S O, J o ão ( o rg . ) O a n ti g o r e gi m e n o s t r óp i co s : a d i nâ m ic a i m pe r ia l p o rt u gu e sa ( s éc u lo sX V I -X V II I ) . R i o d e J a n ei r o : C i v il i z a çã o B r a si l e i ra , 2 0 0 1. H ES PA NH A, A nt on io M an ue l. L a G ra ci a d el D er ec ho : E co no mi a d e L a C ul tu ra e n l a E da d M od er na . T ra d. :A n a C a ñe l la s H a ur i e. M ad r id : C e nt r os d e E s tu di o s C o ns t it u ci o na l es , 1 9 93 . 

H O L A N D A , S é r g i o B u a r q u e d e . P o l í t i c a e a d m i n i s t r a ç ã o s o b o s ú l t i m o s v i c e - r e i s . I n : H i s t ó r i a G e r a l d ac i v i l i z a ç ã o b r a s i l e i r a ; T o m o I ( A É p o c a C o l o n i a l ) : a d m i n i s t r a ç ã o , e c o n o m i a e s o c i e d a d e . R i o d e J a n e i r o :

Bertrand Bras il, 2003, p. 395-422. K E LS E N, H a ns . A J us t iç a e o D i re i to N a tu r al . T r ad . J o ão B a pt i st a M ac h ad o . C o im b ra : A l me d in a , 2 0 01 . L E AL , V i ct o r N u ne s . C o ro n el i sm o , e n xa d a e v o to . 6 ª e d . S ã o P a ul o : A l fa - Om e ga , 1 9 93 . L O P E S , J o s é R e i n a l d o d e L i m a ; Q U E I R O Z , R a f a e l M a f e i R a b e l o ; A C C A , T h i a g o d o s S a n t o s . C u r s o d eH is tó ri a d o D ir ei to . 2 ª e d. r ev is ta e a mp li ad a. S ão P au lo : M ét od o, 2 00 9. L OP ES , J os é R ei na ld o d e L im a. O D ir ei to n a H is tó ri a: L iç õe s I nt ro du tó ri as . 3 ª e d. S ão P au lo : A tl as , 2 00 8. L O P E S P E R E I R A , L u í s F e r n a n d o . D i s c u r s o H i s t ó r i c o e D i r e i t o . I n : F O N S E C A , R i c a r d o ( o r g . ) D i r e i t o eD i s cu r s o: d i s c ur s o s d o D i r ei t o . F l o ri a n óp o l i s: B o i t eu x , 2 0 0 6. 

LO WY , M ichel. A s A venturas de K arl M arx contra o Barão de M ünchhaus en: M arxis mo e pos itivis mo nas ociologia do conhecimento. 9ª ed. S ão P aulo: Cortez, 2007. M A TO S , G regório de. D efine a s ua cidade. In: M A TO S , G regório de. A ntologia. S eleção e notas de H iginoBarros . P orto A legre: L&P M , 2007. 

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010   6161

Page 12: XIX Conpedi Fortaleza Dádiva, Graça, Direito e Governo no Antigo Regime

7/21/2019 XIX Conpedi Fortaleza Dádiva, Graça, Direito e Governo no Antigo Regime

http://slidepdf.com/reader/full/xix-conpedi-fortaleza-dadiva-graca-direito-e-governo-no-antigo-regime 12/16

M A U S S , M a r c e l . E n s a i o s o b r e a d á d i v a : f o r m a e r a z ã o d a t r o c a n a s s o c i e d a d e s a r c a i c a s . I n : S o c i o l o g i a eA n tr o po l og i a. T r ad . : P a ul o N e ve s . S ã o P a ul o : C o sa c N a if y , 2 0 03 . S H AK E SP E AR E , W i l l ia m . H a m le t . T r a d. M i l lô r F e rn a n de s . P o r t o A le g r e : L & PM , 1 9 9 7 . S O U Z A , J e s s é d e . A C o n s t r u ç ã o S o c i a l d a S u b c i d a d a n i a : P a r a u m a S o c i o l o g i a P o l í t i c a d a M od e r n i da d eP e ri f ér i ca . B e lo H o ri z on t e: U FM G, 2 0 03 . S UA SS UN A, A ri an o. A ut o d a C om pa de ci da . 1 4ª e d. R io d e J an ei ro : A gi r, 1 97 8. V AR EL A, L a ur a B ec k. Da s S es ma ri as à P ro pr i ed ad e M od er na : Um E st u do d e H is tó ri a d o Di re it oB r as i le i ro . R i o d e J a ne i ro : R e no va r , 2 0 05 .

 V I AN A, O li v ei r a. I ns t it u iç õe s p o lí t ic a s b ra s il e ir a s. 2 ª e d . R i o d e J an e ir o: J os é O l ym p io . 1 9 55 . V ILEY , M ichel. A formação do pens amento jurídico moderno. Trad.: Claudia Berliner. S ão P aulo: M artinsF ontes , 2005.

 

[ 1 ] A e c on o mi a b r as i le i ra p a ss o u p o r i n úm e ra s m u da n ça s , t o da v ia , m u it o d e s u a p r od u çã o a g rí c ol a a i nd a r e pr o du z p a rt e d al ó gi c a c o lo n ia l , d o l a ti f ún d io p a ra e x po r ta ç ão ( e e m a l gu n s c a so s d e m o no c ul t ur a , e a t é c o m t r ab a lh o e s cr a vo , a i nd a q u e i l eg a l h o je ) .S o b r e a e s t r u t u r a f u n d i á r i a d a s S e s m a r i a s e o s L a t i f ú n d i o s , c f . a o b r a d e V A R E L A , L a u r a B e c k . D a s S e s m a r i a s à P r o p r i e d a d eM o de r na : U m E s tu d o d e H i st ó ri a d o D ir e it o B ra s il e ir o . R i o d e J a ne i ro : R en o va r , 2 0 0 5 .  [ 2 ] C o mo f a zi a m o s a u to r es c l ás s ic o s d o p o si t iv i sm o h i st ó ri c o, c o mo p o r e x em pl o , R an k e, p a ra m en c io n ar u m d e le s , p a ra

m ais detalhes, C f. sobre o tem a: G A Y , Peter. O estilo na H istória. São Paulo: C om panhia das Letras, 1990, p. 63-94, e LO WY ,M i ch e l. A s A ve n tu r as d e K a rl M ar x c o nt r a o B ar ã o d e M ün c hh a us e n: M a rx i sm o e p o si t iv i sm o n a s o ci o lo g ia d o c o nh e ci me n to . 9 ª e d .S ã o P a ul o : C o rt e z, 2 0 07 , p . 6 3 -9 6 .  [ 3 ] A e x pr e ss ã o é d e W a lt e r B e nj a mi n , “ A n a tu r ez a d e ss a t r is t ez a s e t o rn a rá m a is c l ar a s e o s p e rg u nt a rm o s c o m quem   oi n ve s ti g ad o r h i st o ri c is ta e s ta b el e ce u ma r e la çã o d e e mp a ti a . A r es p os t a é i n eq u ív o ca : c o m o v e nc e do r O ra , o s q u e n u m m o m en t o d a d od o mi n a s ã o o s h e rd e ir o s d e t o do s o s q u e v e n c er a m a n t es . A e m pa t ia c o m o v e nc e do r b e ne f ic ia s e mp r e, p o rt a nt o , e s s e s d o m in a do r es .” ,B E NJ A MI N, W a lt e r. S o br e o c o nc e it o d e H is t ór i a. I n : M a g i a e t é cn i ca , a r te e p o lí t ic a . S ã o P a ul o : B r a s il i en s e, 1 9 85 , p .2 2 5.  [ 4 ] H E S PA N HA , A n t on i o M a n ue l . A c o n s ti t u iç ã o d o I m p ér i o P o r t ug u ê s . R e v is ã o d e a l g u ns e n v i es a m en t o s c o r r en t e s . I n :F R A G O S O , J o ã o ( o r g . ) O a n t i g o r e g i m e n o s t r óp i c o s : a d i n â m i c a i mp e r i a l p o r t u g u e s a ( sé c u l o s X V I - XV I I I ) . R i o d e J a n ei r o :C i v il i z a çã o B r a si l e i ra , 2 0 0 1 , p . 1 6 5 .  [ 5 ] H E SP A NH A , A n to n i o M a nu e l . O b . c i t .  [ 6 ] H E S PA N HA , A n t on i o M a n ue l . C u l tu r a J u r í di c a E u r o pé i a : S í n t es e d e u m M i l ê ni o . F l o r ia n ó p ol i s : F u n d aç ã o B o i te u x ,2 00 5, p . 2 2 e s s.

[ 7 ] D a s t e o ri z a çõ e s p r o po s t a s p o r M a u ss , E l i a s, F o u c au l t , d e n tr e o u t ro s .  [ 8 ] H E SP A NH A , A n to n i o M a nu e l. L a G r ac i a d e l D e re c ho : E c o no m ia d e L a C u lt u ra e n l a E d ad M o de r na . T r ad . : A n aC a ñ el l a s H a u ri e . M a d ri d : C e nt r o s d e E s t ud i o s C o n st i t uc i o na l e s, 1 9 9 3.  [ 9 ] F O UC AU LT , M i ch e l. M i cr o fí s ic a d o P o de r . 2 2 ª e d . T r ad . : R ob e rt o M a ch a do . R io d e J a ne i ro : G r aa l , 2 0 0 6 , s o br e tu d o,

  p.179 -191, e 277-293.  [ 1 0] H E SP AN HA , A n to n io M a nu e l. G ov e rn o , e l it e s e c o mp e tê n ci a s o ci a l: s u ge s tõ e s p a ra u m e n te n di m en t o r e no v ad o d ah i s tó r i a d a s e l i te s . I n : B I CA L HO , M a r ia F e r na n d a ( o r g. ) M o d os d e g o v er n a r: i d é ia s e p r á ti c a s p o l ít i c as n o I m p ér i o P o r tu g u ês ( s é cu l o sX VI a X I X) . S ã o P a ul o : A la m ed a , 2 0 05 , p . 4 5 -6 8 .  [ 1 1] “ Ou t ro c u id a do d e m a io r i m po r tâ n ci a é d e st a ca r a d i fe r en ç a s e mp r e p r es e nt e e n tr e o d i re i to o f ic i al e o d i re i to v i vo .U ma c oi sa é a l in gu ag em d a l ei , o u tr a é s ua a pl ic aç ão . O d is cu rs o d a l e i e d a a u t or id ad e n o A nt ig o R eg im e n ã o é s ep ar ad o d o e st il o d od i sc u rs o e m g e ra l . N o p e rí o do d e p re d om ín i o d o b a rr o co , d o g o ng ó ri c o, d o r o co c ó, d o e s pe t ác u lo , a l i ng ua g em o f ic ia l d a l e i é t a mb é m

  barroca, gongórica, rococó, espetacular. Mas sua finalidade nem sem pre é atuar conform e parece, senão m uito frequentem ente, com oa n o t a H e s p a n h a , p e r s u a d i r , i n t i m i d a r , p e r m i t i r o e x e r c í c i o d o p a t e r n a l p e r d ã o d a a u t o r i d a d e , f a z e r d o r e i u m p a i . ” L O P E S , J o s éR e in a ld o d e L i ma . O D ir e it o n a H is t ór i a: L i çõ e s I n tr o du t ór i as . 3 ª e d . S ã o P a ul o : A tl a s, 2 0 08 , p . 2 1 4,  [ 12 ] “ De a qu í q ue , s i n o s e q ui er e c ae r e n l as m an os d e é st a, l a l ec tu ra d e l as f ue nt es e xi ge s u d es ar ti cu la ci ón ; e xi ge d ar sec u en t a d e s u s t o ma s d e p o st u ra , q u e n o s o n s i n o ‘ t ra d uc c io n es ’ d e l a r e al i da d , s i le n ci o s s o br e l a r e al i da d , r e ch a zo s d e l a r e al i da d . E nc u al qu ie r c as o, l o q u e i m p or ta p or e nc im a d e t od o e s n o d ej ar se e ng a ña r p o r l a e vi d en ci a y l a e sp o nt an ei d ad d e l o q ue r el at a n y n oc a e r e n l a t r a m p a d e l a p a r á f r a s i s . ” H E S P A N H A , A n t o n i o M a n u e l . L a G r a c i a d e l D e r e c h o : E c o n o m i a d e L a C u l t u r a e n l a E d a dM o d er n a . T r a d. : A n a C a ñ el l a s H a u ri e . M a d ri d : C e nt r o s d e E s t ud i o s C o n st i t uc i o na l e s, 1 9 9 3, p . 1 7 . 

[ 1 3] L O PE S P E RE I RA , L u ís F e rn a nd o . D i sc u rs o H i st ó ri c o e D i re i to . I n : F O NS E CA , R i ca r do ( o rg . ) D i re i to e D i sc u rs o :d i s c ur s o s d o D i r ei t o . F l o r ia n ó p ol i s : B o i te u x , 2 0 0 6 . p . 1 3 2 .  [ 1 4 ] H E S PA N HA , A n t on i o M a n ue l . A c o n s ti t u iç ã o d o I m p ér i o P o r t ug u ê s . R e vi s ã o d e a l g un s e n v ie s a me n t os c o r re n t es . I n :F R A G O S O , J o ã o ( o r g . ) O a n t i g o r e g i m e n o s t r óp i c o s : a d i n â m i c a i mp e r i a l p o r t u g u e s a ( sé c u l o s X V I - XV I I I ) . R i o d e J a n ei r o :C i v il i z a çã o B r a si l e i ra , 2 0 0 1 .  [ 1 5 ] H E S PA N HA , A n t on i o M a n ue l . O D i re i t o d o s L e t ra d o s n o I m pé r i o P o r tu g u ês . F l o ri a n óp o l is : F u n da ç ã o B o i te u x , 2 0 0 6,

  p. 344.  [ 1 6 ] C o nf o r me o b s e rv a H e s pa n h a, a h i s t or i o gr a f ia r o m ân t i ca e n a c io n a li s t a ( p o rt u g u es a ) a l i me n t ou v á r ia s t e o ri a s a c e rc a d oc a rá t er i n te n ci o na l d a e x pa n sã o p o rt u gu e sa ; l a nç a nd o c o mo a r ti f íc i os p a ra a e x pl i ca ç ão : a “ E sc o la d e S a gr e s” , “ P ol í ti c a d o S e gr e do ” ,“ I d éi a I m p er i a l” , e t c .  [ 1 7 ] H E S PA N HA , A n t on i o M a n ue l . A c o n s ti t u iç ã o d o I m p ér i o P o r t ug u ê s . R e vi s ã o d e a l g un s e n v ie s a me n t os c o r re n t es . I n :F R A G O S O , J o ã o ( o r g . ) O a n t i g o r e g i m e n o s t r óp i c o s : a d i n â m i c a i mp e r i a l p o r t u g u e s a ( sé c u l o s X V I - XV I I I ) . R i o d e J a n ei r o :C i vi l iz a çã o B r as i le i ra , 2 0 01 , p . 1 6 8- 1 69 . R ef e ri n do - se a a l gu n s c l ás s ic o s d a h i st o ri o gr a fi a b r as i le i ra , e m n o ta d e r o da p é, p r os s eg u e om e sm o a u to r c r it i ca n do t a is c o ns t ru ç õe s : “ E st e t ó pi c o t e m, n a tu r al me n te , d e s e r m ui t o m a ti z ad o . U m c a so e x tr e mo é o d e R ay m un d oF a o ro ( F ao r o, 2 0 00 ) , q u e , e m bo r a a n ot a n do u m a s é ri e i m pr e ss i on a nt e d e a r gu m en t os a n ti c en t ra l is t as , e s tá c o mp l et a me n te c e go p o r  u m m o de l o d e i n te r pr e ta ç ão ‘ a bs o lu t is t a’ e ‘ e xp l or a do r ’ d a h i st ó ri a l u so - br a si l ei r a, p r od u zi n do u m t e xt o e m q u e t o da a b a se e mp í ri c ai n vo c ad a e s tá e m c o nt r ad i çã o c o m a s i n te r pr e ta ç õe s p r op o st a s ( .. .) D es d e q u e s e t i re m c o nc l us õ es o p os t as à s s u as , s u a s í nt e se s o br e osistem a político-adm inistrativo (pp. 199-229) é bastante boa.”, A diante, “N a verdade, o que se passa com m uita da historiografia

  brasileira é que estende a todo o A ntigo R egim e as intenções centralizador as pós-revoluci onárias, retroprojetan do, por isso, um ao p o s i ç ã o B r a s i l - M e t r ó p o l e d e q u e n ã o é f á c i l f a l a r a a n t e s d a d é c a d a d e 7 0 d o s é c . X V I I I . A n t e s , e n c o n t r a v a m - s e t e n s õ e s v á r i a s :a n t if i sc a li s mo , p r in c í pi o d o i n di g e na t o n o p r ov i me n to d o s c a rg o s , s e nt i me n to s c o nt r a o n o v o e m ig r an t e, l o ca l is m o, a n ti u rb a ni s mo ,d e ca d en t is m o e r e st a ur a ci o ni s mo d e u m a é p oc a d e o u ro j á p a ss a da , s e nt i do d e i n fe r io r id a de i n te l ec t ua l ( v . a l gu n s d e st e s t ó pi c os e mM o ta , 1 9 96 ) .” , p . 1 6 8. C f. n o m e sm o s e nt i do : A ND RE A ZZ A, M ar i a L u iz a . D om i ni u m, t e rr a s e v a ss a la g em n a A mé r ic a P o rt u gu e sa .I n : S I LV A, L u is G er a ld o . ( o r g. ) F a ce t as d o I mp é ri o n a H is t ór i a: c o nc e it o s e m é to d os . S ã o P a u l o: H uc it e c, 2 0 08 .  [ 1 8 ] H E S PA N HA , A n t on i o M a n ue l . A c o n s ti t u iç ã o d o I m p ér i o P o r t ug u ê s . R e vi s ã o d e a l g un s e n v ie s a me n t os c o r re n t es . I n :F R A G O S O , J o ã o ( o r g . ) O a n t i g o r e g i m e n o s t r óp i c o s : a d i n â m i c a i mp e r i a l p o r t u g u e s a ( sé c u l o s X V I - XV I I I ) . R i o d e J a n ei r o :

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010   6162

Page 13: XIX Conpedi Fortaleza Dádiva, Graça, Direito e Governo no Antigo Regime

7/21/2019 XIX Conpedi Fortaleza Dádiva, Graça, Direito e Governo no Antigo Regime

http://slidepdf.com/reader/full/xix-conpedi-fortaleza-dadiva-graca-direito-e-governo-no-antigo-regime 13/16

C i v il i z a çã o B r a si l e i ra , 2 0 0 1 , p . 1 6 7 .  [ 1 9] F ON S EC A, R ic a rd o M ar c el o . A C u lt u ra J u rí d ic a B ra s il e ir a e a Q ue s tã o d a C od i fi c aç ã o C iv i l n o S é cu l o X IX . R ev i st ada Faculdade de D ireito da U FPR . C uritiba, nº 44, 2006, p. 61-76, conform e Fonnseca, à p. 70: “N esse período os filhos das elites

  brasileiras, querendo, deveriam fazer seus estudos superiores no exterior e, no caso da form ação jurídica, isso geralm ente se dava naU niversidade de C oim bra. A penas para apontar um dado, entre os anos de 1772 e 1872 passaram pela U niversidade de C oim bra1 . 2 4 2 e s t u da n t es b r a si l e i ro s , e n q ua n t o n a A m ér i c a e s p a nh o l a n e s s e m e s mo p e r í od o 1 5 0 m i l e s t ud a n t es p a s s ar a m p e l as u n i v er s i d ad e s .O s cursos jurídicos no B rasil som ente foram inaugurados, após longos debates legislativos, no ano de 1827, com um a Faculdadee s ta b el e ci d a e m O l in d a ( e t r an s fe r id a p a ra R ec i fe e m 1 8 54 ) e o u tr a e m S ã o P a ul o . P o de - se d i ze r , p o rt a nt o , q u e é s o me n te a p a rt i r d a íq u e v ai s e f o rm an d o, d e m od o l e nt o e g r ad u al , u ma c ul t ur a j u rí d ic a t i pi c am en t e b r a s il e ir a. ”  [ 2 0] R ef e re - se a q ui a P o rt u ga l e a o B ra s il ; q u an d o f o r e m f e i t as r e fe r ên c ia s a o u tr a s l o c a li d ad e s e l as s e rã o a s si n al a da s . S o b r ea s p r á t ic a s m e di e v ai s q u e p e r ma n e ce m a t é h o j e, p o d em - s e d e s ta c a r a l g um a s f o r ma s d e c o r po r a ti v i sm o s , p o r e x e mp l o , n a s /d a s I g r ej a s ,n a s U ni v er s id a de s , n a s F o rç a s A r m ad a s, e n o P o de r J u di c iá r io . V ol t ar em o s a e s te q u es t ão a d ia n te .  [21] V ide em nota de rodapé, acim a, a crítica que faz Manuel H espanha a outro clássico da historiografia nacional:Ra ymu nd o F ao ro , q ue e nx er ga va c en tr al iz aç ão d o p od er a pe sa r d e su a s f on te s i nd ic ar em o c on tr ár io . E ra c om um a a lg un sh i st o ri a do r es d o B r as i l q u e p o ss u ía m f o rm a çã o j u rí d ic a a n o çã o d e f a lt a d e l ó gi c a o u a t é d e b a gu n ça a o v i sl u mb r ar a a d mi n is t ra ç ão

c o l o n i a l , j á q u e t a i s a u t o r e s b u s c a v a m n a s f o n t e s a d i v i s ã o o r g â n i c a d o p o d e r c o n f o r m e h a v i a p r e c o n i z a d o M o n t e s q u i e u , a l g u n ss é c u lo s a p ó s o p e r ío d o a n a l is a d o.  [ 2 2] F AU S TO , B o ri s . H is t ór i a d o B r as i l. 1 3 ª e d . S ã o P a ul o : E d us p , 2 0 0 8 , p . 6 2 .  [ 2 3] L O PE S , J o sé R e in a ld o d e L i ma . O D ir e it o n a H is t ór i a: L i çõ e s I n tr o du t ór i as . 3 ª e d . S ã o P a ul o : A tl a s, 2 0 08 , p . 2 1 5 e s s .À p. 215 afirm a: “Segundo A ntónio Manuel H espanha, o A ntigo R egim e português é m arcado por um conflito quase perm anentee n t r e r e i e b u r o c r a c i a . O A n t i g o R e g i m e , p a r a e l e , e m P o r t u g a l é u m s i s t e m a d e a u t o n o m i a d o s c o r p o s a d m i n i s t r a t i v o s e dei n di s po n ib i li d ad e d o s c a rg o s p o r p a r t e d a C or o a ( H E S PA NH A, 1 9 82 : 3 8 5) . A e s ta a u to n om ia c o rr e sp o nd i am d u as t e se s : u m a t e nd i a av er n o s ob er an o e s ua c or te ( Co ro a, c or te , v al id os , c la ss e p ol ít ic a q ue o c er ca ) o s d et en to re s ú ni co s d o p od er p ol ít ic o; o ut ra e ra a d oc o r p or a t iv i s mo b u r o cr á t i co q u e s a l va v a a o s oficiais ( c l a ss e b u r o cr á t i ca ) c e r t a l i b e rd a d e d e a t u a çã o . A m b as t ê m m a t ri z e s d o u t ri n á r ia sd i s t in t a s , d e r i va s n a t u ra l m en t e d e d o u t ri n a s m e d ie v a i s: a m a t ri z d o u t ri n á r ia                  patrim onialista e a m a tr i z d o ut r in á ri a corporativa o u d af u nç ã o s o ci a l d o c a rg o . O s e nt i do p a tr i mo n ia l d i fu s am en t e e x i s te n te l i mi t av a , p o r t an t o, o p o de r r e al .” O u s e ja , o M on a rc a n ã o p o s s uí a

  poderes ilim itados, ele detinha m uito poder, m as este sofria lim itações.  [ 2 4] F A US T O, B o ri s . O b . c i t. , p . 6 3 . L O PE S , J o sé R e in a ld o d e L i ma . O b . c i t. , p . 2 1 3. H E SP A NH A, A n to n io M an u el . OD i r ei t o d o s L e t ra d o s n o I m p ér i o P o r tu g u ês . F l o ri a n óp o l is : F u n da ç ã o B o i te u x , 2 0 0 6, p . 3 4 3 .  [ 2 5] D e st a ca - se , n o v am e nt e , q u e a e x pl i ca ç ão r e fe r e- s e a o B r as i l, d u ra n te u m p e rí o do , d a s C a pi t an i as H e re d it á ri a s. P o r  c o nt a d o r e co r te a d ot a do n o p r es en t e t ra b al h o n ã o s e rá a n al i sa da e m d e ta l he s , n e m o p o de r m il i ta r , n e m a f az e nd a , p o r qu a nt o o b je t iv a -s e d e s c r e v e r n e s t e t ó p i c o a e s t r u t u r a ç ã o d a “ A d m in i s t r a ç ão ” , q u e e s ta r i a i n s e r i d a p r i n c i p al m e n t e , m a s n ã o e x cl u s i v a m e n t e , n a

“ j us t iç a ”, c o nf o rm e s e v e rá a d ia n te . B or i s F a u s to t rá s n a o b ra c it a da a e v ol u çã o d a “ F az e nd a ” e d o s e to r “ Mi l it a r” n o B ra s il .  [ 2 6] F A US T O, B o ri s . O b . c i t . , p . 6 3 .  [ 2 7 ] L OP E S, J o sé R e in a ld o d e L i ma . O D ir e it o n a H is t ór i a: L i çõ e s I n tr o du t ór i as . 3 ª e d . S ã o P a ul o : A tl a s, 2 0 08 , p . 2 2 4.  [2 8 ] L OP E S, J o sé R ei n al d o d e L i ma . O b. c i t. , p . 2 2 4.  [ 2 9] L O PE S , J o s é R ei n al d o d e L i ma . O b. c i t. , p . 2 2 4- 2 25 .  [ 3 0] N e ss e s e nt i do , a f ir m a V i ct o r N u ne s L e al : “ N ão s e p o de , e n tr e ta n to , c o mp r ee n de r o f u nc i on a me n to d a s i n st i tu i çõ e sd a qu e le t e m po , i n c l us i v e d a s a u t or i d a de s lo c a i s, co m a n o ç ã o d a s e pa r aç ã o d e po d e r es , b a se a da n a d i v i sã o da s fu n ç õ es e ml e g i sl a t i va s , e x e c ut i v a s e j u d i ci á r ia s . H a v ia , n e s s e t e r r en o , a t o r do a d o ra c o n f us ã o , e x e r ce n d o a s m e s ma s a u t o ri d a d es f u n ç õe s p ú b l ic a sd e q u a l q u e r n a t u r e z a , l i m i t a d a s q u a n t i t a t i v a m e n t e p e l a d e f i n i ç ã o , n e m s e m p r e c l a r a , d a s s u a s a t r i b u i ç õ e s , e s u b o r d i n a d a s a u mc o nt r ol e g r ad a ti v o, q u e s u bi a a t é o R e i. ” L E AL , V ic t or N u ne s . C o ro n el i sm o , e n x a d a e v o to . 6 ª e d . S ã o P a ul o : A lf a -O me g a, 1 9 93 , p .6 1 - 6 2 .  [31] A o que nós designam os hoje com o com petências. A título de exem plo, referindo-se às C âm aras U ltram arinas:B I CA L HO , M ar i a F e rn a nd a B a pt i st a . A s c â ma r as u l tr a ma r in a s e o g o ve r no d o I m pé r io . I n : F R AG OS O, J o ão ( o rg . ) O a n ti g o r e gi m en o s t r ó pi c o s : a d i n âm i c a i m p er i a l p o r tu g u es a ( s é cu l o s X V I- X VI I I ). R i o d e J a n ei r o : C i vi l i za ç ã o B r as i l e ir a , 2 0 0 1 .  [ 3 2 ] H E S PA N HA , A n t on i o M a n ue l . O D i r ei t o d o s L e t ra d o s n o I m p ér i o P o r tu g u ês . F l o ri a n óp o l is : F u n da ç ã o B o i te u x , 2 0 0 6,

  p. 344-345.  [ 3 3 ] H E S PA N HA , A n t on i o M a n ue l . O D i r ei t o d o s L e t ra d o s n o I m p ér i o P o r tu g u ês . F l o ri a n óp o l is : F u n da ç ã o B o i te u x , 2 0 0 6,

  p. 345-346. N as páginas 346-347 o historiador português explica: “Exercer o poder na área da justiça era, essencialm ente, realizar u m ‘ j u í z o ’ ( iustum iudicium) , o u s e j a , l e v a r a c a b o u m p r o c e s s o r e g u l a d o e m etódico de decisão, ouvidos todos os interessados,  ponderados todos os argum entos e cum pridos todos os requisitos de com petência e processuai s estabelecid os pelo direito. N estesentido, i u d i c i u m o p õ e - s e a o arbitrium , tal com o – no plano das qualidades aním icas que estão no centro da actividade – a ratio

( r a z ã o , p o n d e r a ç ã o ) s e o p õ e à v o l u n t a s . E , c o m o o p o d e r é e s s e n c i a l m e n t e f a z e r j u s t i ç a , o s m e i o s d o s e u e x e r c í c i o d e v e m s e r ,fundamentalmente, iudicia, i . e .,               juízos proferidos pelas entidades com petentes, de acordo com o processos estabelecidos, orientados

  por m odelo s de raciocínios adequa dos ( r e c t a e r a t i o n e s) e c u l ti v a do s , s o b re t ud o , p o r u ma ‘ a r t e d e e n c on t r ar o e q u it a t iv o ’ , aurispudentia.”

  [ 3 4] M ic h el V il e y d e mo n st r a q u e p a r a A ri s tó t el e s: “ O o b je t o p r óp r io d e ss a v i rt u de é a t ri b ui r a c a da u m o s e u – s u um c u iq u et ri bu er e – c on fo rm e a f ór mu la t ra di ci on al j á m en ci on ad a p or P la tã o e q ue s er á r et om ad a p or t od a a l it er at ur a c lá ss ic a: q ue s e e fe tu eu m a p a rt i lh a a d eq u ad a , e m q u e c a da u m n ã o r e ce b e n e m m ai s n e m m e n o s d o q u e a b o a m ed i da e x ig e . A r is t ót e le s e n co n tr a , p o rt a nt o ,u m a a p li c aç ã o d e s u a t e or i a g e ra l d a v i rt u de c o mo b u sc a d o m e io - te r mo : m a s, a q ui , o m e io - te r mo s e s tá n a s p r óp r ia s coisas, q ue s ãod i st ri b uí da s a c a da u m e m q ua n ti da d es n e m g r a nd e s n e m p e qu en a s d em ai s , m a s m éd i as e n tr e e s se s d o is e x ce s so s ( m e d iu m r e i) . ( .. .) Oo b je ti vo é o bt er e p r es er va r u ma c er ta h ar mo ni a s oc ia l; p ro cu r ar c on s eg ui r o q ue A ri st ót el e s c h a ma d e i g ua ld ad e, u m i gu al ( íson)”V I LE Y , M i c h el . A f o rm a çã o d o p e ns a me n to j u rí d ic o m o de r no . T r ad . : C la u di a B e rl i ne r . S ã o P a ul o : M a rt i ns F o nt e s, 2 0 05 , p . 4 1 -4 2 .C f. , t a mb é m, L OP E S, J o sé R ei n al d o d e L i ma . O b. c it . , p . 2 5 1.  [ 3 5] A di an t e s e r ão f ei t as a l gu ma s c rí t ic a s a f o rm a c o mo e r a a p l ic a da a f ó rm ul as s uu m c u iq u e n o A nt i go R eg i me .  [ 3 6] P r et e nd e -s e t r aç a r u m q u ad r o g e ra l , p o is , l e va n do e m c o ns i de r aç ã o a d o cu me n ta ç ão , p e rí o do s d i ve r so s e a s f o rm aç õ ese s p e c íf i c a s p o d e rã o v e r i fi c a r - se c o n f ig u r a çõ e s d i s t in t a s . N ã o s e p r e t en d e a p r e se n t a r a f o r ma ç ã o d e f i ni t i v a d a A d m in i s t ra ç ã o d u r a n tet o do o p e rí o do d o A nt i go R eg i me . P a ra u ma v i sã o m ai s c o mp l et a s u ge r e- s e a l e it u ra d o Q u ad r o V – Á re a s d e G ov e rn o e T r ib u na i s d aC o rt e , à p . 3 5 6, d a o b ra “ Di r ei t os d o s L e tr a do s n o I mp é ri o P o rt u gu ê s” , q u e e s tá a n ex o a e s te t r ab a lh o .  [ 3 7] E m r e la ç ão a o s T r ib u na i s d e R el a çã o , a f i r ma - se q u e “ As s u as d e ci s õe s t ê m a m e sm a d i gn i da d e d a s d e ci s õe s r e ai s , n ã o

  podendo, no entanto, ser revogadas, ou restringidas por atos régios. D aí que a adm inistração da justiça, que pelos o u v i d o r e s quer   pelas R elações, constituísse um a área bastante autônom a e auto-regulada, não apenas porque os governadores não podiam controlar oc o n te ú do d a s d e c is õ es j u di c ia i s, m a s a i nd a p o rq u e s e us p o de r e s d i sc i p li n ar e s s o br e o s j u íz e s e r am d é be i s e e f êm e ro s .” A l ém d i s so ,“ De sd e o e st ud o c lá ss ic o d e S tu ar t S ch wa rt z s ob re a    R elação da B ahia ( Sc hw ar tz , 1 9 73 ) , s ab em os c om o e ra m f or te s a ss o l i da r i ed a d es e n t re s e u s d e s em b a rg a d or e s e a s e l i te s c o l on i a i s, n o m ea d a me n t e a d o s s e n ho r e s d e e n g e nh o s .” , H E S PA N HA , A n t on i oManuel. A constituição do Im pério Português. R evisão de alguns enviesam entos correntes. In: FR A G O SO , João (org.) O antigor eg im e n os t ró pi co s: a d in âm ic a i mp er ia l p or tu gu es a ( sé cu lo s X VI -X VI II ). R io d e J an ei ro : C iv il iz aç ão B ra si le ir a, 2 00 1 ,r e sp e ct i va m en t e, p . 1 8 0 e 1 8 1.  [ 3 8] H E SP AN HA , A n to n io M an u el . A c o ns t it u iç ã o d o I m pé r io P o rt u gu ê s. .. , p . 1 8 2. O a u to r c i ta u m e x em p lo d e C âm a raq u e g o z av a d e c er ta a ut on o mi a e o pe ra va e m f av o r d a s e li te s l oc ai s : a C âm ar a d e M ac au , à é po ca c ha ma da d e “ L ea l S en ad o ”. V er ,t a mb é m, o A n ex o I I , Q u ad r o I – A d mi n is t ra ç ão M u ni c ip a l, e x tr a íd o d o l i vr o H E SP A NH A, A nt o ni o M an u el . O D i re i to d o s L e tr a do sn o I m pé r i o P o r tu g u ê s. F l o ri a n ó po l i s: F u n da ç ã o B o i te u x , 2 0 0 6, p . 2 5 5 .  [ 3 9 ] S e g u n d o O l i v e i r a V i a n a , n o B r a s i l , “ N o p e r í o d o c o l o n i a l – p a r a f o r a d o s l i m i t e s d a s g r a n d e s c i d a d e s o u v i l a s

m e rc a nt i s d a s z o n a s d a c o st a , o u d o s n ú cl e os d a s z o n a s m in e ra d or a s, f e rv i lh a nt e s d e p o pu l aç ã o, a d en s ad a e m t o rn o d a s ‘ c a t as ’ – o q u ev e mo s , c o mo u ma l e i i n va r iá v el , é q u e o s n ú cl e os u r ba n os o u v i la r ej o s, p o rv e nt u ra e x is t en t es n a s r e gi õ es u m p o uc o m a is p e ne t ra d asd o i n t e r i o r ( s e r t õ e s n o r d e s t i n o s , m a t a s e p a m p a s d o s u l ) , e r a m r e s u l t a n t e s d a a ç ã o u r b a n i z a d o r a d a s a u t o r i d a d e s c o l o n i a i s , e n ã ocriação espontânea da m assa – com o o foram a vila de C am pos ou a vila de Parati, erigidas por m ovim entos revolucionários dos

  próprios m oradores locais.  E s te s c a so s d e i n ic i at i va p o pu l ar , e n tr e ta n to , s ã o t ã o r a r o s e e x ce p ci o na i s q u e n ã o m er e ce m s e r c o m p ut a do s , n e m d e st r oe ma r e gr a g e ra l – d e q u e, f o ra d o s c e nt r os m et r op o li t an o s d a s C a p it a ni a s, q u e e r a m t a mb é m c e n t ro s d e c o mé rc i o m ar í ti mo e d e p e qu e na si n d ús t r ia s a r t es a na i s – a f or ma çã o d a s v i la s e c id ad es é s em pr e u m a t o d e i n i ci a t iv a o fi ci al , d as a u t or i d ad e s d a M et r óp o le ,

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010   6163

Page 14: XIX Conpedi Fortaleza Dádiva, Graça, Direito e Governo no Antigo Regime

7/21/2019 XIX Conpedi Fortaleza Dádiva, Graça, Direito e Governo no Antigo Regime

http://slidepdf.com/reader/full/xix-conpedi-fortaleza-dadiva-graca-direito-e-governo-no-antigo-regime 14/16

g o v e rn a d or e s d e C a p it a n i as , g o v e rn a d o re s g e r ai s o u v i c e- r e i s – e n ã o d a i n i c ia t i v a d o p o v o .” , V I AN A , O l i ve i r a. I n s t it u i ç õe s p o l ít i c a s  brasileiras. 2ª ed. R io de Janeiro: José O lym pio. 1955, p. 135.  [ 4 0] L E AL , V i ct o r N u ne s . C o r o ne l is mo , e n xa d a e v o to . 6 ª e d . S ã o P a ul o : A lf a -O me g a, 1 9 9, p . 6 0 ; t a mb é m H E S P AN HA ,A n t on i o M a n ue l . O D i r ei t o d o s L e t ra d o s n o I m pé r i o P o r tu g u ês . F l o ri a n óp o l is : F u n da ç ã o B o i te u x , 2 0 0 6, p . 2 5 9 .  [ 4 1 ] H E S PA N HA , A n t on i o M a n ue l . O D i r ei t o d o s L e t ra d o s n o I m p ér i o P o r tu g u ês . F l o ri a n óp o l is : F u n da ç ã o B o i te u x , 2 0 0 6,

  p. 261.  [ 4 2] S o br e e s te s c a rg o s d i z V i ct o r N u ne s L e al q u e: “ A o o u vi d or i n cu m bi a , a s si m , d e te r mi n ar à s a u to r id a de s l o ca i s q u e‘ fa ça m a s b en fe it or ia s p úb li ca s, c al ça da s, p on te s, f on te s, p oç os , c ha fa ri ze s, c am in ho s, c as as d o C on ce lh o, p ic ot as , e o ut ra s

  benfeitorias, que forem necessárias, m andando logo fazer as que cum prir de novo sejam feitas, e reparar as que houverem m ister r e p ar o .” “ O p r o cu r ad o r, p o r e x e mp l o, r e qu e ri a e f i sc a li z av a a s o b ra s d e q u e n e ce s si t as s em o s b e n s d o c o nc e lh o , c o br a va a s m u lt a s,representava o concelho em juízo e funcionava com o tesoureiro, onde não houvesse. O tesoureiro arrecadava as rendas e fazias asd e sp e sa s d e te r mi n ad a s p e lo s v e re a do r es , e o s e s cr i vã o f u nc i on a va c o mo s e cr e tá r io e e n ca r re g ad o d a e s cr i tu r aç ã o d a c â ma r a e c o moe s cr i vã o j u di c ia l n a s c a us a s d e j u ri s di ç ão d e st a .” L E AL , V i ct o r N u ne s . C o ro n el i sm o , e n xa d a e v o to . 6 ª e d . S ã o P a ul o : A l fa - Om e ga ,1 9 9 3, r es p ec t iv a me n te à s p . 6 1 e 6 3 .  [ 4 3 ] H E S PA N HA , A n t on i o M a n ue l . O D i r ei t o d o s L e t ra d o s n o I m p ér i o P o r tu g u ês . F l o ri a n óp o l is : F u n da ç ã o B o i te u x , 2 0 0 6,

  p. 261-262.  [ 44 ] “ Ne ss e t ip o d e c ul tu ra p ol ít i ca – q ue e ra o d a E ur o pa m od er na e d a s s u a s c o lô ni as – , o s d oc um en to s e sc ri to s e ra mdecisivos para certificar m atérias decisivas, desde o estatuto pessoal aos direitos e deveres patrim oniais.” H ESPA N H A , A ntonioManuel. A constituição do Im pério Português. R evisão de alguns enviesam entos correntes. In: FR A G O SO , João (org.) O antigor e g i me n o s t r ó pi c o s : a d i n âm i c a i m p er i a l p o r tu g u e sa ( s é cu l o s X V I- X VI I I ). R i o d e J a n ei r o : C i vi l i z aç ã o B r a si l e i ra , 2 0 0 1, p . 1 8 6 .  [ 4 5 ] H E S PA N HA , A n t on i o M a n ue l . O D i r ei t o d o s L e t ra d o s n o I m p ér i o P o r tu g u ês . F l o ri a n óp o l is : F u n da ç ã o B o i te u x , 2 0 0 6,

  p. 257-258.  [ 4 6] “ Re s um i nd o a s a t ri b ui ç õe s d e c a rá t er l o ca l , d i sp u nh a m a s O rd e na ç õe s q u e ‘ a os v e re a do r es p e rt e nc e t e r c a r r eg o d e t o doo r eg im en to d a t er ra e d as o br as d o C on ce lh o, e d e t ud o o q ue p ud er em s ab er , e e nt en de r, p or qu e a t er ra e o s m or ad or es d el a p os sa m

  bem viver, e nisto hão de trabalhar’. Para satisfação desses encargos, dispunham as câm aras de rendas próprias, em regra exíguas, our e co r ri a m a c o nt r ib u iç õ es e s pe c ia i s p a r a d e te r mi n ad a o b ra .” L E AL , V ic t or N un e s, O b. c i t. , p . 6 1 .  [ 4 7] L E AL , V ic t or N un e s, O b . c i t ., p . 6 1 ; e H ES P AN HA , A nt o ni o M a nu e l. O b. c i t. , p . 2 5 6 e s s .  [ 4 8] H ES P AN HA , A nt o ni o M an u el . O b . c i t ., p . 2 5 6 e s s .  [ 4 9] A fi r ma J o sé R e in a ld o L i ma L o pe s : “ O s j u íz e s d e f o ra e o s c o rr e ge d or e s f o ra m i n st r um e nt o s d i re t os d e i n te r ve n çã or é g i a n a s a u t o n o m i a s l o c a i s . E r a m l e t r a d o s n o m e a d o s p e l o r e i p a r a e x e r c e r e m u m a j u r i s d i ç ã o q u e c o m p e t i a c o m a d o s j u í z e so r di n ár i os , l e ig o s e l e it o s p e l a C âm a ra s . E r a m j u íz e s d e                             fora das câm aras. ” L OP E S, J o sé R e in a ld o d e L i ma . O b. c i t. , p . 2 3 9, t a mb é mH E S PA N HA , A n t on i o M a nu e l . O b . c i t ., p . 2 7 1

  [50] LEA L, V ictor N unes, O b. cit., p. 65-66, o m esm o autor afirm a adiante “Por tudo isso, o latifúndio m onocultor ee s cr a vo c ra t a r e pr e se n ta v a, a e s sa é p oc a , o v e rd a de i ro c e nt r o d e p o de r d a C ol ô ni a : p o d e r e c on ô mi c o, s o ci a l e p o lí t ic o .” , p . 6 8 .  [ 5 1] C f. a r e to ma d a d o s e s cr it o s d e G il b er t o F r e y re l ev a da s a c a bo p o r J e s s é d e S o uz a , n a q u al d e mo n st ra f o rm as s i le n ci o sa sd e d om in aç ão e fa z u ma r el ei tu ra d a i dé ia F re yr ea na /F re ud ia na d o s ad om as oq ui sm o n a s r el aç õe s s oc ia is d aq ue la s oc ie da dee s cr a vo c ra t a, i n : S O UZ A , J e s s é d e . A C o ns t ru ç ão S o ci a l d a S u bc i da d an i a: P a ra u m a S o ci o lo g ia P o lí t ic a d a M o de r ni d ad e P e ri f ér i ca .B e lo H o ri z on t e: U F MG , 2 0 03 , p . 1 0 1- 1 21 .  [ 5 2] M AU S S, M ar c el . E n sa i o s o br e a d á di v a: f o rm a e r a zã o d a t r oc a n a s s o c i ed a de s a r ca i ca s . I n : S o ci o lo g ia e A nt r op o lo g ia .T r ad . : P a u l o N e ve s . S ã o P a ul o : C os a c N ai f y, 2 0 03 , p . 1 8 3 e s s .  [ 5 3] “ No e n ta n to , e l es t ê m u m v a lo r s o ci o ló g ic o g e ra l , p o i s n o s p e rm it e m c o m pr e en d er u m m o me n to d a e v ol u çã o s o ci a l. Em a is : t ê m t a m bé m u m a i m p or t ân c ia d e h i st ó ri a s o ci a l. I n st i tu i çõ e s d e ss e t i po f o rn e ce r am r e al me n te a t r an s iç ã o p a ra n o ss a s f o rm as , a sf o rm a s d e n o ss o d i re i to e d e n o ss a e c on o mi a . E l as p o de m s e rv i r p a ra e x pl i ca r h i st o ri c am e nt e n o ss a s p r óp r ia s s o ci e da d es . A m o ra l ea s t r a ça s p r a ti c a d as p e l as s o c ie d a d es q u e p r e ce d e ra m i m ed i a t am e n te a s n o s sa s c o n s er v a m a i n da v e s tí g i os m a i s o u m e n os i m p or t a n te sd e t o do s o s p r in c íp i os q u e a c ab a mo s d e a n al i sa r . A c re d it a mo s p o de r d e mo n st r ar , d e f a to , q u e n o ss o s d i re i to s e n o ss a s e c on o mi a s s eo r i gi n a m d e i n s ti t u iç õ e s s i mi l a re s à s p r e ce d e nt e s . ( . .. )V i ve m os e m s o ci e da d e q u e d i st i ng u em f o rt e me n te ( a o p os i çã o é a g or a c r it i ca d a p e lo s p r óp r io s j u ri s ta s ) o s d i re i to s r e ai s e o s d i re i to s

  pessoais, as pessoas e as coisas. Essa separação é fundam ental: ela constitui a condição m esm a de um a parte de nosso sistem a de  propriedade, de alienação e de troca. N o entanto, é alheia ao direito que acabam os de estudar. D e m esm o m odo, nossas civilizações,

desde a sem ítica, a grega e a rom ana, distinguem fortem ente entre obrigação e a prestação não gratuita, de um lado, e a dádiva, deo u tr o .” , M AU S S, M ar c el . O b. c i t. , p . 2 6 5.  [ 5 4] H E SP A NH A, A n to n io M a nu e l. L a G r ac i a d e l D e re c ho : E c o no m ia d e L a C u lt u ra e n l a E d ad M o de r na . T r ad . : A n aC a ñ el l a s H a u ri e . M a d ri d : C e n tr o s d e E s t u di o s C o n st i t uc i o n al e s , 1 9 9 3, p . 1 5 4 .

[ 5 5] É i mp o rt a nt e r e ss a lt a r q u e e s te s f a to s e x tr a po l av a m o q u e s e c h am a h o je d e “ â mb i to ” e c on ô mi c o, j u rí d ic o , p o l í ti c o; oq u e n ã o o c o r re r ia n o s l o ca i s a n a l is a do s p o r M a u ss , b em c o mo n ã o o c o r ri a m n o I mp é ri o P o rt u gu ê s d u r a nt e o A nt i go R eg i me .  [ 5 6] M AU S S, M ar c el . E n sa i o s o br e a d á di v a: f o rm a e r a zã o d a t r oc a n a s s o c i ed a de s a r ca i ca s . I n : S o ci o lo g ia e A nt r op o lo g ia .T r ad . : P a u l o N ev e s. S ã o P a ul o : C o sa c N a if y , 2 0 0 3 , p . 1 8 7.  [ 5 7] “ E le s a s su mi r am q u as e s e mp r e a f o rm a d o r e ga l o, d o p r es e nt e o f er e ci d o g e ne r os a me n te , m e sm o q u an d o, n e ss e g e st oq u e a c om p an h a a t r an s aç ã o, h á s o me n te f i cç ã o, f o rm al i sm o e m en t ir a s o ci a l, e q u an d o h á , n o f u nd o , o b r i ga ç ão e i n te r es s e e c on ô mi c o.( . .. ) T a mb é m s e v e rá a q u e n o v o s p r ob l em as s o mo s l ev a do s : u n s d i ze m r e sp e it o a u ma f o rm a p e rm an e nt e d e m o ra l c o nt r at u al , a s a be r :a m aneira pela qual o direito real perm anece ainda em nossos dias ligado ao direito pessoal; outros dizem respeito às form as e àsidéias que sem pre presidiram , ao m enos parcialm ente, à troca, e que ainda hoje suprem em parte a noção de interesse individual.”M AU S S, M a rc e l. O b. c i t. , p . 1 8 8.  [ 5 8] “ De s cr e ve mo s o s f e nô me n os d e t r oc a e d e c o nt r at o n e ss a s s o ci e da d es q u e s ã o, n ã o p r iv a da s d e m e rc a do s e c on ô mi c osc om o s e a fi rm ou – p oi s o m er ca do é f en ôm en o h um an o q ue , a o n os so v er , n ão é a lh ei o a n en hu ma s oc ie da de c on he ci da – , m as c uj or e gi me d e t r oc a é d i fe r en t e d o n o ss o . N e l as v e re mo s o m er c ad o a n te s d a i n st it u iç ã o d o s m er c ad o re s , e a n te s d e s u a p r i n ci p al i n ve n çã o ,a m oe d a p r op r ia m en t e d i ta ; d e q u e m a ne i ra e l e f u nc i on a va a n te s d e s e re m d e sc o be r ta s a s f o rm a s, p o de - se d i ze r m od e rn a s ( s em í ti c a,h el ên ic a, h el en ís ti ca e r om an a) , d o c on tr at o e d a v en da , d e u m l ad o, e a m oe da o fi ci al , d e o ut ro . V er em os a m or al e a e co no mi a q uer e ge m e s sa s t r an s aç õ es . ” M AU S S, M ar c el . O b. c i t. , p . 1 8 8.  [59] Mauss explicará a dádiva a partir do K ula, dos habitantes das ilhas Trobriand, estudado por Malinow ski na obra

       A rgonautas do P acífico O cidental, e n o P o tl a ch , d a s t r i b os N or t e- Am er i ca n as q u e f o i e s tu d ad o p e lo a u to r f r an c ês .  [ 6 0 ] M AU S S, M a rc e l. O b . c i t . , p . 2 4 2- 2 44 .  [ 6 1] M AU SS , M ar c el . O b. c i t. , p . 2 4 7- 2 48 .  [ 6 2] M AU S S, M a rc e l. O b . c i t . , p . 2 4 9. “ A o b ri g aç ã o d e r e tr i bu i r d i gn a me n te é i m pe r at i va . P e rd e -s e a ‘ f ac e ’ p a ra s e mp r es e n ã o h o uv e r r e tr i bu i çã o o u s e v a lo r es e q ui v al e nt e s n ã o f o re m d e st r uí d os .” , p . 2 5 0.  [ 6 3] M AU S S, M a rc e l. O b. c i t. , p . 1 9 0- 1 91 . Q ua n do c o mp a ra c o m o K u la q u e M a li n ow sk i e s tu d ou , a s se v er a : “ M al i nw os k in ã o d á a t ra d uç ão d a p al av r a, q ue c er ta me nt e q ue r d iz e r c í r cu lo ; d e f at o, é c om o s e t o da s e ss as t ri bo s , e s s as e x pe di çõ e s m a r ít im as ,e s sa s c o is a s p r ec i os a s, e s se s o b je t os d e u s o, a l im en t os e f e st a s, e s se s s e rv i ço s d e t o da e s pé c ie , r i tu a is e s e xu a is , e s se s h o me n s e e s sa sm ulheres, fossem pegos dentro de um círculo e seguissem ao redor desse círculo, tanto no tem po com o no espaço, um m ovim entor e gu l ar . ”, p . 2 1 5.  [ 6 4] M AU S S, M ar c el . O b. c i t. , p . 1 9 2.  [ 6 5] M AU S S, M ar c el . O b. c i t. , p . 2 1 3.  [ 6 6] E L IA S, N ob e rt . A S o ci e da d e d o s I n di v íd u os . T r ad .: V er a R ib e ir o . R i o d e J a ne i ro : J o rg e Z a ha r , 1 9 9 4 .  [ 6 7] H E SP A NH A, A n to n io M a nu e l. L a G r ac i a d e l D e re c ho : E c o no m ia d e L a C u lt u ra e n l a E d ad M o de r na . T r ad . : A n a

C a ñ el l a s H a u ri e . M a d ri d : C e nt r o s d e E s t ud i o s C o n st i t uc i o na l e s, 1 9 9 3 , p . 1 5 4 .  [ 6 8 ] “ E s t a d i s t i n c i ó n e n t r e l a econom ía contable del intercam bio y la econom ía sim bólica de la liberalidad perm itec o mp r en d er d o s c o s a s. E n p r im er l u ga r, l a i n tr í ns e ca c a pa c id a d d e r e pr o du c ci ó n d e l d o n : r e cl a ma s e r r e c o mp e ns a do d i gn a me n te y c o ns u pe rá vi t; p on e a s u v e z e n m ar ch a o t ro m ec an is mo d e l ib er a li da d y p ro v oc a e n c o ns ec ue n ci a u n a e s p ir al d e r el a ci on es s oc ia le s d efavor y gratitud recíprocas. En segundo lugar, la radical oposición entre la econom ía de intercam bios ‘liberales’ y la econom ía dei n t e r c a m b i o s g u i a d a p o r l a s i d e a s d e f a s t o a f o n d o p e r d i d o , m a g n i f i c e n c i a y p u b l i c i d a d ; é s t a , a u n a l ó g i c a d e b e n e f i c i o m a t e r i a lc o nf o rm ad a p o r e l c á lc u lo d e l i n t e ré s c o nt a bl e (i n t e re s s e , l u c ru m, q u e s o n t é rm in o s d e o r ig e n c o n t ab l e) l a c i rc un s pe c ci ó n y e l s e cr e to .E s te ú lt im o e s e l e sp ír it u c om er ci al , e l c ua l c om pa ra do c om l a b en ef ic en ci a y d es de l a ó pt ic a d el p od er , s e t ra du ce e n u na a ct iv id ad

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010   6164

Page 15: XIX Conpedi Fortaleza Dádiva, Graça, Direito e Governo no Antigo Regime

7/21/2019 XIX Conpedi Fortaleza Dádiva, Graça, Direito e Governo no Antigo Regime

http://slidepdf.com/reader/full/xix-conpedi-fortaleza-dadiva-graca-direito-e-governo-no-antigo-regime 15/16

i n ú ti l , c u a do n o s e n ci l l am e n te d e s pr e c ia b l e. ” H E S PA N HA , A n to n i o M a n ue l . L a G r ac i a d e l D e re c h o, p . 1 5 5 .  [ 6 9 ] “ C a d a r e d p u e d e s e r c o n s i d e r a d a c o m o u n c i r c u i t o s o c i a l e n e l q u e s e l l e v a n a c a b o i n t e r c a m b i o s exchanges,

transactions) d e s e rv i ci o s, t a n a c tu a le s c o mo v i rt u al e s. S i l o s i n te r ca mb i os s o n d e si g ua l es ( o a s im ét r ic o s) , l a p a rt e a c re e do r a g a na e na s ce n de n ci a , d a n do e n to n ce s o r ig e n a u n a r e la c ió n d e p o de r. ” H ES P AN HA , A nt o ni o M an u el . L a G ra c ia d e l D e r ec h o, p . 1 5 6.  [ 7 0] H ES P AN HA , A nt o ni o M a nu e l. L a G ra c ia d el D er e ch o , p . 1 5 7.  [ 7 1 ] H E S PA N HA , A n t on i o M a n ue l . O D i r ei t o d o s L e t ra d o s n o I m p ér i o P o r tu g u ês . F l o ri a n óp o l is : F u n da ç ã o B o i te u x , 2 0 0 6,

  p. 348 e ss., D eve-se consig nar que a graça não exigia nenhum a form alid ade, era, pois, inform a l. V igia no âm bito do govern oi n fo r ma l , o r ie n ta d o p o r d e ve r es m or a is o u d e c o ns c iê n ci a , a s d e ci s õe s e r am t o ma d as n o c í rc u lo m ai s r e se r va d o d a s a t iv i da d es r e ai s , aC â m a r a . E m P o r t u g a l h a v i a a l g u m a s m a t é r i a s d e g r a ç a c o m u m t r a t a m e n t o m a i s r e g u l a d o , p o r e x e m p l o , a s d e c i s õ e s e m c a s o d em a té r ia d e j u st i ça q u e e r am i n st r uí d as p e lo D e se m ba r go d o P a ço p a ra p o st e ri o r d e ci s ão r é gi a e n o q u e d i zi a r e sp e it o à s r e la ç õe s c o mo p o de r e c le s iá s ti c o, c u ja d e ci s ão e r a p r ep a ra d a p e la M es a d a C on s ci ê nc i a e O r de n s. H a vi a u m a v i n c ul a çã o d a g r aç a c o m u m a o r de mo b je t iv a s u pe r io r d o j u st o , s e n d o q u e o s a t os d e g r aç a p o ss u ía m u m c a rá t er n ã o i n te i ra me n te g r at u it o , e s ta e r a u m d o m, q u e d e pe n di ad a l i be r al i da d e r é gi a , s e n d o q u e o r e i s ó e r a o b ri g ad o a o u vi r a s u a c o ns c iê n ci a .  [ 7 2] “ Ar i st ó te l es d i st i ng u e l a a mi s ta d f u nd a d s o br e l a v i rt u d d e a q ue l la q u e b u sc a e l p r ov e ch o o e l p l ac e r. E s ta ú l ti m a e s l am á s f r e c ue n te , p e ro s ó lo l a p r im er a c o ns t it u ye u n a v i r t ud v e rd a de r a y p e rm a ne n te ( VI I , 2 , 1 2 36 b ) . D e u n m od o p a re c id o , y a u nq u e l a

n o c i ó n d e a m i s t a d i m p l i c a , d e a l g u n a m a n e r a , l a i g u a l d a d ( V I I , 3 , 1 2 3 8 b ) , c a b e l a a m i s t a d e n t r e p e r s o n a s d e s i g u a l e s , c o m o l ae s ta b le c id a e n tr e g o be r na n te y g o be r na d o, p a dr e e h i jo , m a ri d o y m uj e r, b e ne f ac t or y b e ne f ic i ar i o. P a ra l a e c on o mí a d e n u es t ro t e mae s j u s t a m e n t e e s t e p o d e r e n t r e l o s h o m b r e s l i b r e s ; s i n e l l a , e s t a s r e l a c i o n e s s e c o n f u n d i r í a n c o n l a r e a l i d a d – s o c i a l y é t i c a m e n t ed eg ra da da - d el p od er b ru ta l q ue e l s eñ or e je rc e s ob re s u e sc la vo o e l t ir an o s ob re s us s úb di to s (   E tica a N icóm aco, V II I, 1 1, 1 1 61 a) ”H E S PA N HA , A n to n i o M a n ue l . L a G r ac i a d e l D e re c h o, p . 1 5 7 .  [ 7 3 ] G O UV Ê A, M a r ia d e F á t im a S i l va . P o d er p o l ít i c o e a d m in i s tr a ç ão n a f o r ma ç ã o d o c o m pl e x o a t l ân t i co p o r tu g u ês ( 1 6 45 -1 8 0 8 ) . I n : F R A G O S O , J o ã o ( o r g . ) O a n t i g o r e g i m e n o s t r ó p i c o s : a d i n â m i c a i m p e r i a l p o r t u g u e s a ( s é c u l o s X V I - X V I I I ) . R i o d eJ a n ei r o: C i vi l iz a çã o B r as i le i ra , 2 0 01 ; e B I CA L HO , M a ri a F e rn a nd a B a pt i st a . A s c â ma r as u l tr a ma r in a s e o g o ve r no d o I m pé r io . I n :F R A G O S O , J o ã o ( o r g . ) O a n t i g o r e g i m e n o s t r óp i c o s : a d i n â m i c a i mp e r i a l p o r t u g u e s a ( sé c u l o s X V I - XV I I I ) . R i o d e J a n ei r o :C i v il i z aç ã o B r a si l e ir a , 2 0 0 1 ; E m r e l aç ã o a s C â ma r a s U l t ra m a ri n a a f i r ma e s t a a u t or a ( p e rf e i t am e n te a p l ic á v e l a q u i ): “ C o mo s e r e f er i ua n te r io r me n te , o a t o r é gi o d e c o nf e ri r h o nr a s, c a rg o s e p r iv i lé g io s t e m s i d o a n al i sa d o p e la h i st o ri o gr a fi a c o mo e l em en t o i n st i tu i do r d eu m a ‘ e co n om i a m or a l d o d o m’ . I n st i tu c io n al i za d a p e la s m on a rq u ia s e u ro p éi a s d o A n ti g o R e gi me , e s ta p r át i ca q u e, e m o u tr o e s tu d o,cham am os de econom ia política dos privilégios   (B icalho, Fragoso e G ouvêa, 2000) baseava-se num com prom isso lógico – num

  pacto político – entre rei e súditos, por interm édio de seus órgãos de representação, ou seja, as câm aras. D essa form a, o indivíduo ouo g r up o q u e, e m t r oc a d e s e rv i ço s p r es t ad o s ( m or me n te n a c o nq u is t a e c o lo n iz a çã o d o u l tr a ma r ), r e qu e ri a u m a m e rc ê , u m p r iv i lé g ioo u um c ar go a o r ei , r ea fi rm av a a o be di ên ci a d ev id a, a le rt an do p ar a a le gi ti mi da de d a t ro ca d e fa vo re s e , p or ta nt o, p ar a ao b ri g at o ri e da d e d e s u a r e tr i bu i çã o . A o r e tr i bu i r o s e f ei t os d e s e us s ú di t os u l tr a ma r in o s, o m o na r ca r e co n he c ia o s i mp l es c o lo n o c o mo

vassalo, reforçando o sentim ento de pertença e estreitando os laços de sujeição em relação ao reino e à m onarquia, reafirm ando o  pacto político sobre o qual se forjava a soberania portuguesa nos quatro cantos do m undo. D ito de outra form a, a e c o n om i a p o l í ti c a

dos privilégios   r e l a c i o n a v a , e m t e r m o s p o l í t i c o s , o d i s c u r s o d a c o n q u i s t a e a l ó g i c a g r a c i o s a i n s c r i t a n a e c on o mi a d e f a v o r e sinstaurada a partir da com unicação pelo dom .”, p. 219. A título de esclarecim ento, as Mercês eram , em sua grande m aioria, atosm a te r ia i s, o u s e ja , b e ns q u e e r am p r od u zi d os , q u e s e r e ga l av a m.  [ 7 4 ] A N DR E AZ Z A, M a r ia L u i za . D o mi n i um , t e r ra s e v a s sa l a ge m n a A m ér i c a P o r tu g u es a . I n : S I L VA , L u i s G e r al d o . ( o r g. )F a ce t as d o I mp é ri o n a H is t ór i a: c o nc e it o s e m ét o do s . S ã o P a ul o : H u c i te c , 2 0 0 8 , p . 2 8 0 e s s .  [ 7 5] N ão é à t o a, p o is , q u e i n úm e ra s p e ss o as p e di a m p a r a q u e s e us f i lh o s f o ss e m “ a p a dr i nh a do s ” p o r a l gu m f i da l go . I s to s ec o ns t it u ía e m u m a “ p ou p an ç a” , n a p e rs p ec t iv a d a e c on o mi a m o ra l d o d o m, o u s e ja , a c um u la v a- s e h o je u m “ c ap i ta l ” q u e p o de r ia s e r  u t il i za d o n o f u tu r o, q u e s e ri a b e né f ic a t a nt o p a ra o p a dr i nh o c o mo p a ra o a p ad r in h ad o . D e v e -s e a p on t ar q u e t a l p r át i ca p e rm an e ce e mm u it a s c i da d es a t é h o je . S o br e e s te a p ad r in h am e nt o é b a st a nt e e l uc i da t iv a a p r im e ir a c e na d o f i lm e “ T he G o df a th e r” , m a l t r ad u zi d o

  para o português com o o “Poderoso C hefão”, cujo nom e, em um a tradução literal seria “O Padrinho”, e dem onstra a perm anênciad e s t a s r e l a ç õ es e m f a mí l i a s “ m a f i os a s ” p r o ve n i e n t es d o s u l d a I tá l i a , e a co n s t i t ui ç õ e s d e r e d e s d e r e c i p ro c i d a d e a p a r t i r d e at o s d e“apadrinhamento”.  [ 7 6] L OP E S, J o sé R e in a ld o d e L i ma . O D ir e it o n a H is t ór i a: L i çõ e s I n tr o du t ór i as . 3 ª e d . S ã o P a ul o : A t l a s, 2 0 08 , p . 2 3 9.  [ 7 7 ] S H AK E S PE A RE , W i l li a m . H a ml e t . T r a d. M i l lô r F e r na n d es . P o r to A l eg r e : L & P M, 1 9 9 7, p . 2 4 .  [ 7 8] S e gu n do H a ns K e ls e n : “ 1 0. A f ó rm u la d e j u st i ça m a is f r eq u en t em e nt e u s ad a é a c o nh e c id a  suum cuique , a norm a

s eg un do a q ua l a c ad a u m s e d ev e d ar o q ue é s eu , i st o é , o q ue l he é d ev id o, a qu il o a q ue e le t em u ma p re te ns ão ( tí tu lo ) o u u m d i r ei to .É fácil de ver que a questão decisiva para a aplicação desta norm a: O que é o “seu”, o que é que é devido a cada um , o que é o seud i re it o – n ã o é d e ci d id a a t ra v és d a m es ma n or ma . ”“ A a p li c aç ã o d e st a n o rm a d e j u st i ça p r es s up õ e a v a li d ad e d e u ma o r de m n o rm at i va q u e d e t e rm i ne o q u e é p a ra c a da u m o “ s eu ” , q u e r  dizer, o que é que lhe é devido, a que é que ele tem direito – por os dem ais, segunda a m esm a ordem norm ativa, terem um dever correspondente.I s t o s i g n i f i c a , p o r é m , q u e q u a l q u e r q u e s e j a e s s a o r d e m n o r m a t i v a , q u a i s q u e r q u e s e j a m o s d e v e r e s e d i r e i t o s q u e e l a e s t a t u a ,

  particularm ente, qualquer que seja a ordem jurídica positiva, ela corresponde à norm a de justiça do  suum cuique e,c o n se q u en t e me n t e, p o d e s e r e s t im a d a c o m o j u s ta . N e s ta f u n çã o c o n se r v ad o r r e s id e a s u a s i g ni f i ca ç ã o h i s tó r i ca . ”“ 50 . U ma t al i nd ag a çã o r e ve l a qu e a s d ou tr in as j u sn at ur al is ta s, t ai s c om o f or am e fe ct iv am en te [ sic] a p r es e n t ad a s p e lo s s e u sr e p r es e n t an t e s m a i s d e s t ac a d o s, s e r v ir a m p r i n ci p a l me n t e p a r a j u s t if i c ar a s o r d en s j u r í di c a s e x i s te n t es e a s s u a s i n s t it u i çõ e s p o l í ti c a s ee c o n ôm i c as e s s e nc i a is c o m o h a r mó n i c as [  sic] c om o d ir ei to n at ur al e t iv er am , p or ta nt o, u m c ar ác te r [ sic] i n t ei r a me n t e c o n se r v a do r .R e ve l a a i n d a q u e a i d ei a d e u m d i re i to n a tu r al s ó e x ce p ci o na l me n te d e se mp e nh o u u m a f u nç ã o r e fo r ma d or o u m es mo r e vo l uc i on á ri a eq u e, q u an d o t a l s u ce d eu , n o s f i ns d o s é cu l o X VI I I, n a A mé r ic a e n a F r an ç a, s u rg i u i m ed i at a me n te u m m ov i me n to e s pi r it u al d i ri g id oc o nt r a e s ta d o ut r in a d o d i re i to n a tu r al , m o vi m en t o e s se q u e e n co n tr o u a s u a e x pr e ss ã o c a ra c te r ís t ic a n a c h am ad a e s co l a h i st ó ri c a d od i re i to , p r ec u rs o ra d o p o si t iv i sm o j u rí di c o q u e v e i o a d o mi n ar n o s é cu l o X I XO c a rá t er e m in e nt e me n te c o ns e rv a do r d a d o ut r in a d o d i re i to n a tu r al é c o ns e qü ê nc i a d a p o si ç ão t o ma d a p e la m a io r ia d o mi n an t e d o ss e us r e pr e se n ta n te s , e e s pe c ia l me n te p e lo s c l ás s ic o s, n a q u es t ão , d e ci s iv a p a ra t o da a d o ut r in a , d a s r e la ç õe s e n tr e o d i re i to n a tu r al e od i r e it o p o s i ti v o ” , p . 1 4 1 - 14 2 .“ A t e or i a d e u m d u pl o d i re i to n a tu r al é u m a i d eo l og i a e m s i m e sm a c o nt r ad i tó r ia c u jo p r op ó si t o e s se n ci a l é a j u st i fi c aç ã o d o d i re i to

  positivo em cada caso. Tem um caráter totalm ente conservador. Este caráter conservador explica-se pelo facto [ sic] d e o e st oi ci sm oser a filosofia de um a classe superior, isto é, de um a classe possuidora, que estava de acordo, de um a m aneira geral, com a ordem

s o ci a l e x is t en t e q u e a e s sa c l as s e c o nf e ri a p r iv i lé g io s .”. K EL S EN , H a ns . A J u st i ça e o D i re i to N at u ra l . T r ad . J o ão B a pt i st a M a ch a do .C o im br a : A lm e di n a, 2 0 01 , r e sp e ct i va me n te à s p . 5 3 , 5 4 e 1 4 4.  [ 7 9] A s si m c o mo a q ue l es q u e j u st i fi c am a t r ad i çã o e m c o st u me s i m em or i ai s , e s ta s e r am a s p a la v ra s d e C h ic ó n o A u to d aC o mp a de c id a . S U A SS U NA , A ri a no . A u to d a C om pa d ec i da . 1 4 ª e d . R i o d e J a ne i ro : A gi r , 1 9 7 8 , p . 2 8 -2 9 . 

[ 8 0 ] R e s s a l t a n d o a i m p o r t â n c i a d a e s c r a v i d ã o n a c o n s t i t u i ç ã o d a s o c i e d a d e b r a s il e i r a e n a p e r p e t u a ç ã o d a s s u a sd e s i gu a l d ad e s , c f . S O UZ A , J e s s é d e . A C o n st r u çã o S o c ia l d a S u b ci d a d an i a : P a r a u m a S o c io l o gi a P o l í ti c a d a M o d er n i da d e P e r if é r ic a .B e lo H o ri z on t e: U F MG , 2 0 03 ; p o r s u a v e z, c o lo c an d o e m d e st a ca a d i fe r en ç a e n tr e o s i st e ma d e S e sm a ri a P o rt u gu ê s e o B r as i le i ro ,

  bem com o dem onstrando sua relações com a origem dos latifúndios: V A R ELA , Laura B eck. D as Sesm arias à Propriedade Moderna:U m E s tu d o d e H is t ór ia d o D ir e it o B r as i le i ro . R i o d e J a ne i ro : R en o va r , 2 0 0 5 .  [ 8 1] “ GR E GÓ RI O D E M AT O S ( 1 62 3 -1 6 96 ) . O p o et a b a ia n o é c r ít i co d e s e u p r óp r io e s ta m en t o, o g r up o d o s l e tr a do s . E l em e sm o f o rm a do e m d i r ei t o e m C o im b ra , i n gr e ss o u n a c a rr e ir a d a m a gi s tr a t ur a p o rt u g ue s a, m a s n ã o p o up o u r e ss a lv a s à m a ne i ra d ev i ve r e c o mp o rt a r- s e d e ss e g r up o . N o p o em a “ D e d o us f f s e c o mp õ e e s ta c i da d e. . .” a a l us ã o a o s t e xt o s j u rí d ic o s é e x pl í ci t a. Q u an d ose fazia referência a algum texto do      D igesto, c o s t u ma v a - s e i nd i c a r s u a p r o c ed ê n c i a c om d u a s l e t r a s                             ff   pequenas, seguidas da fraseoperam daturum ... E s se s d o is p e qu e no s                             ff e ra m a f or ma p el a q ua l o s c op is ta s m ed ie va is h av ia m t ra ns cr it o a l et ra g re ga [ nã o h á t all et ra n o t ec la do , p or ta nt o, f oi s up ri mi da a l et ra n a g ra fi a o ri gi na l] ( pi ) c om a q ua l s e i ni ci av a    P andctas (o nom e grego do      D igesto).T o d o j u r i s t a e n t e n d e r i a o t r o c a d i l h o d e G r e g ó r i o d e M a t o s . ” L O P E S , J o s é R e i n a l d o d e L i m a ; Q U E I R O Z , R a f a e l M a f e i R a b e l o ;A CC A, T h ia g o d o s S a nt o s. C ur s o d e H i st ó ri a d o D ir e it o . 2 ª e d . r e v i st a e a mp l ia d a. S ã o P a ul o : M ét o do , 2 0 09 , p . 1 1 4.  [ 8 2] M AT O S, G r eg ó ri o d e . D e fi n e a s u a c i da d e. I n : M AT O S, G re g ór i o d e . A n to l og i a. S e le ç ão e n o ta s d e H i gi n o B a rr o s.P o rt o A le g re : L &P M , 2 0 0 7 , p . 3 6 -3 8 . 

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010   6165

Page 16: XIX Conpedi Fortaleza Dádiva, Graça, Direito e Governo no Antigo Regime

7/21/2019 XIX Conpedi Fortaleza Dádiva, Graça, Direito e Governo no Antigo Regime

http://slidepdf.com/reader/full/xix-conpedi-fortaleza-dadiva-graca-direito-e-governo-no-antigo-regime 16/16