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57 57 57 57 57 ZAHA HADID A PAISAGEM COMO PLANTA: TOPOLOGIA, ACESSIBILIDADE E LINHAS DE MOVIMENTO ORLANDO P. RIBEIRO Coordenador - Arquitetura e Urbanismo - UnicenP/Centro Universitário Positivo [email protected]

ZAHA HADID A PAISAGEM COMO PLANTA: TOPOLOGIA ... · público. A planta deveria estar aber-ta a todo o mundo e permitir assim muito mais interação e muitas ativi-dades simultâneas.”

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da Vinci , Curitiba, v. 3 , n. 1, p. 37-56, 2006

MARIA DA GRAÇA SANTOS

da Vinci , Curitiba, v. 3 , n. 1, p. 1-218, 2006 5757575757

ZAHA HADIDA PAISAGEM COMO PLANTA: TOPOLOGIA,

ACESSIBILIDADE E LINHAS DE MOVIMENTO

ORLANDO P. RIBEIROCoordenador - Arquitetura e Urbanismo - UnicenP/Centro Universitário Positivo

[email protected]

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ZAHA HADID - A PAISAGEM COMO PLANTA...

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RESUMO

Este ensaio procura confrontar a arquitetura proposta pela arquiteta iraquiana ZahaHadid, para o edifício Lfone / Landesgertenchau, Pavilhão de Exposições de Paisagismo eJardinagem de Baden-Württemberg [1999], Weil am Rhein, na Alemanha, com as críticas doarquiteto Douglas Vieira de Aguiar, Professor, Doutor, de que os arquitetos contemporâneosnão pensam na arquitetura como uma síntese da configuração espacial e suas relações com ocomportamento espacial das pessoas e com o uso do espaço em geral independente da escala[edifícios ou cidades]. A escolha deste edifício é didática. Com ele pretendo demonstrar queZaha Hadid, ao propor este edifício transcende o discurso de Douglas. Essa obra surpreende,pois, se traçarmos as linhas de movimento das pessoas dentro deste edifício e no seu entornoimediato, obteremos uma síntese da representação bidimensional das plantas, podendo sercomparado, ou até mesmo confundido, com os croquis que deram início ao processo dedesenvolvimento do projeto. Nesta obra especificamente, Zaha utiliza a metodologia de siste-matizar rotas [acessos e circulações] como instrumento de composição espacial, de forma aresultar em um entrelaçado de linhas de movimento que irão gerar um objeto arquitetônicocontextualizado com a paisagem lúdica do parque, beneficiada por privilegiada paisagem na-tural e topografia pouco acidentada.

Palavras-chave: Linhas de movimento, LFone / Landesgertenchau.

ABSTRACT

This trail try to compare the architecture proposal of the iraquian Zaha Hadid, for thebuilding LFone / Landesgertenchau, Exposition Pavilion for Landscape and Gardening deBaden-Wurttemberg [1999], in Germany, whit the critique of the architect Douglas Vieira deAguiar, teacher and PhD, that the contemporaries architects don’t think in the architecturelike a synthesis of the spacial shape and its relationship with the people behavior and howthey use this space in any scale [building or city]. This option is didactic. With that choice ismy intent to point out that Zaha Hadid, proposing this building overpass the Douglas concept.This draft surprise, when we pay attention to the moving of the people inside and around thebuilding, we find one synthesis of bidimensional representation of plan, we can compare oreven be confounded, with the croquis that are the first step in the development of the draft.In this work Zaha use one methodology that systemize routes [access and transit] like a toolto compose spaces, creating a interlacement moving space that will form one architectonicconcrete work, in consonance with the park landscape, using advantage of the native andfavorable landscape and the soft topography.

Key words: Movement lines, LFone / Landesgertenchau.

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ORLANDO P. RIBEIRO

ZAHA HADIDA PAISAGEM COMO PLANTA: TOPOLOGIA,

ACESSIBILIDADE E LINHAS DE MOVIMENTOORLANDO P. RIBEIRO

1 ZAHA HADID - (RELATOS SOBRE SUA ARQUITETURA E BREVE BIOGRAFIA)

Ao ser questionada pela arquitetura proposta ao edifício que abriga o Pavilhão deExposições de Paisagismo e Jardinagem de Baden-Württemberg, LFone / Landesgertenchau,Zaha Hadid comenta:

“Pareceu-me interessante comprovar que, mediante decisões muito simples,a forma com que se cortam os volumes permite-nos vê-los um através dooutro. Assim se tem uma sensação de transparência, mesmo sendo todo eedifício de concreto armado. Sim, a viagem à parte rústica do edifício é bas-tante interessante. No projeto LF-One, a suave rampa nos eleva do solo enos permite contar com três ou quatro pontos de acesso, e com vários pon-tos de vista insólitos. Todos são muito distintos. Pode-se entrar por umalateral, ou por cima, e em cada ocasião podemos ver as pessoas movendo-seatravés do edifício por distintos caminhos. As conexões e adjacências queisto cria, ou as estreitas relações entre o dentro e o fora e as distintas pessoasque se cruzam: são todas experiências diferentes do edifício que confirmamalgumas de minhas intuições sobre um possível espaço público. Trata-se de oferecer um espaço que,de forma variada, proporcione aos usuários um prazer ao serem percorridos, um descanso, e umbem- estar similares aos que poderiam desfrutar na paisagem. A intenção não é só questionar omodo como as pessoas usam o espaço, sua forma de viver ou sua forma de trabalhar, mas deproporcionar ainda uma sensação de bem-estar. Isto supõe reinventar permanentemente as formasde nosso marco vital, questionar avisão que temos dele e como o ha-bitamos. Para mim isto conduz a umproduto urbano muito mais perme-ável que já não tem a ver com o for-talecimento do privado diante dopúblico. A planta deveria estar aber-ta a todo o mundo e permitir assimmuito mais interação e muitas ativi-dades simultâneas.”

Figura 1 – Zaha Hadid.Detalhe: Foto de Zaha.

Figura 2 - Composição - Detalhe: Montagem digital com imagens das repre-sentações gráficas utilizadas pela arquiteta Zaha Hadid para documentar e via-bilizar a compreensão e execução do edifício LFone / Landesgertenchau.

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Zaha Hadid nasceu em Bagdá em 1950, estudou Arquitetura na ArchitecturalAssociation de Londres, onde obteve o Diploma com Menção Especial em 1977. Mais tardeingressou na Office Metropolitan Architecture e começou a compartilhar classes na AA juntoaos arquitetos Rem Koolhas e Elia Zenghelis. Em 1987 concluiu seu mestrado. Desde então,tem ocupado a cátedra Kenzo Tange na Graduate Scholl of Design da Universidade de Harvarde a cátedra Sullivan na Escola de Arquitetura da Universidade de Chicago. Tem sido professo-ra convidada na Hochschule für Bindende Künste de Hamburgo, na escola Knolton de Ar-quitetura de Ohio e na Máster Studio da Universidade de Columbia, em Nova Iorque. Atual-mente ocupa a cátedra Eero Saarinen de Desenho Arquitetônico na Universidade de Yale,New Haven, Connecticut. É membro honorário da Academia Americana de Artes e Letras, emembro do Instituto Americano de Arquitetura.

2 LFONE / LANDESGARTENCHAU - (WEIL AM RHEIN, ALEMANHA, 1997/1999)

Mais que se articular como um ob-jeto ilhado, o edifício destinado a servircomo espaço para exposições e celebrações,encontra-se física e formalmente encaixa-do em uma ampla paisagem ajardinada e deenorme riqueza topográfica. Os espaços construídos surgem de-licadamente da fluida geometria da rede decaminhos que os rodeiam, três dos quais seentrelaçam para formar o edifício. Um de-les se posiciona na fachada sul, outro se ele-va ligeiramente sobre sua parte posterior eum terceiro descreve um “S” que atravessadiagonalmente o interior.

Figura 3 – Foto do LFone / Landesgartenchau, 1999 - Detalhe:Vista aérea externa do Pavilhão de Exposições de Paisagismo e Jar-dinagem de Baden-Württemberg.

Figura 4 - Foto do LFone / Landesgartenchau, 1999- Detalhe: Vista externa do observador do Pavilhãode Exposições de Paisagismo e Jardinagem de Baden-Württemberg.

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ORLANDO P. RIBEIRO

Desta conjunção de caminhos resultam quatro espaços paralelos e parcialmenteentrelaçados. Os dois espaços principais, a sala de exposições e a cafeteria, se estendem aolongo desses caminhos, beneficiados por abundante aproveitamento de luz natural e visibi-lidade. Os espaços auxiliares desaparecem na raiz do edifício. Um terraço se situa ao sul dacafeteria, continuando seu nível ligeiramente fundido.

Figura 5 - Foto do LFone /Landesgartenchau, 1999 -Detalhe: Vista interna doobservador do Pavilhão deExposições de Paisagismoe Jardinagem de Baden-Württemberg.

Outra parte do programa, um pe-queno centro de investigação ambiental, sesitua ao norte da sala de exposições, parci-almente desconectado com o interior dovolume do vestíbulo e enterrado no terre-no para aproveitar a ter ra comoamortizador climático. A cobertura sobreeste centro fundido se converte em umimplúvio sobre a sala de exposições. Estenível intermediário funciona como umasegunda via que conecta a rota pública ele-vada com a passagem que cruza o edifíciono térreo. Este entrelaçamento de espaçosconhecido como LFone forma parte deuma seqüência de projetos que pretendemobter novas espacialidades fluidas atravésdo estudo de formações da paisagem na-tural, como deltas fluviais, cordilheiras,bosques, desertos, oceanos, etc.

As características gerais mais importantes que buscamos nos espaços paisagísticos,ao contrário do que ocorre com os espaços urbanos e arquitetônicos tradicionais, são asabundâncias de definições territoriais e as sutilezas destas, assim como a fluidez das tran-sições entre os espaços. Ambas as características, que supõem uma posição vantajosatradicional em arquitetura, podem ser consideradas como carentes de ordem e definição,e geradoras de uma ordem mais complexa e matizada de espaços e atividades.

Figura 6 - Foto do LFone / Landesgartenchau, 1999 - Detalhe:Vista interna do observador do Pavilhão de Exposições dePaisagismo e Jardinagem de Baden-Württemberg.

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Figura 7 - Foto do LFone / Landesgartenchau, 1999 - Detalhe:Vista interna do observador do Pavilhão de Exposições dePaisagismo e Jardinagem de Baden-Württemberg.

Figura 8 - Foto do LFone / Landesgartenchau, 1999 - Detalhe:Vista interna do observador do Pavilhão de Exposições dePaisagismo e Jardinagem de Baden-Württemberg.

Os diferentes âmbitos se interpenetram, as distinções são vagas e latentes mais queevidentes e congeladas. Estas distinções latentes e estas definições espaciais são reveladas eamplificadas pelas atividades temporais, sem cujas características particulares permaneceriamcomo algo mudo e discreto.

Os espaços paisagísticos permanecem flexíveis e abertos, não como resultado de umaneutralidade moderna, senão em virtude de uma superabundância e uma simultaneidade desuaves articulações. Enquanto a arquitetura geralmente canaliza, segmenta e fecha, a paisa-gem abre, oferece e sugere. Isso não significa que devamos abandonar a arquitetura e rendermo-nos à natureza bruta e selvagem. O importante é encontrar as analogias potencialmente pro-dutivas que inspirem a invenção de novas paisagens artificiais, ou formas de terreno, quesejam coerentes com nossos processos de vida contemporâneos, com seu caráter complexo,múltiplo e transitório.

Figura 9 - Foto do LFone / Landesgartenchau,1999 - Detalhe: Vista interna do observador doPavilhão de Exposições de Paisagismo e Jardi-nagem de Baden-Württemberg.

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ORLANDO P. RIBEIRO

3 APROXIMAÇÕES TEÓRICAS - (TOPOLOGIA, ACESSIBILIDADE E LINHASDE MOVIMENTO)

“Pensar o espaço arquitetônico como um sistema de rotas é ter consciência e tirar parti-do da condição topológica do espaço e do potencial dessa característica de orientar aação humana...”.

Douglas Vieira de Aguiar

Douglas Vieira de Aguiar é arquiteto formado na UFRGS [1975], Doutor[University College London, 1991], responsável pelas disciplinas de ProjetoArquitetônico [graduação] e Sintaxe Espacial [pós-graduação] na UFRGS e pesquisa-dor no CNPq. Douglas define no contexto disciplinar arquitetônico, topologia como oestudo de relações espaciais que independem de forma e tamanho. Topologicamente oque conta é a condição relacional, a articulação ou inflexão, a proximidade oudistanciamento, enfim, o modo como espaços se relacionam ou se articulam.

O conceito de ordem, desde um ponto de vista topológico é dado pelo modocomo uma determinada distribuição espacial em planta é utilizada, em amplo sensonaturalmente, ou seja, percebida, visualizada e percorrida pelas pessoas. Se por umlado a descrição do modo como o espaço é percebido é bastante subjetiva, por outro omodo como o espaço é percorrido é obviamente passível de descrições sintéticas base-adas essencialmente nos percursos evidenciados pela distribuição espacial ou, de modomais direto, na pura e simples descrição diagramática do movimento dos corpos noespaço.

Em seu texto sobre as linhas de movimento no espaço residencial, Aguiar afir-ma que a qualidade ou característica de acessibilidade não está certamente entre osassuntos mais discutidos na teoria da arquitetura. Muito embora a vida das pessoas esobretudo a realização de uma variedade de atividades humanas dependa essencial-mente dos diferentes modos como o arranjo espacial dado pelas plantas das edificaçõespropicia ou não acessibilidade, e em que medida.

Douglas considera acessibilidade em arquitetura algo abstrato e de complexadescrição. O problema em descrever acessibilidade é que aparentemente não se trata dealgo materializável, mas simplesmente de uma condição espacial decorrente da posiçãorelativa de cada um dos espaços que compõe uma edificação. Isso implica uma visãosistêmica da arquitetura onde edifícios são descritos como estruturas espaciais que or-ganizam o movimento das pessoas.

4 EXPRESSÃO E REPRESENTAÇÃO - (OS DESENHOS DE ZAHA HADID)

A profusão de croquis publicados, desenhos conceituais e pinturas de todos osprojetos proporcionam um extenso material para a investigação das intençõesarquitetônicas e urbanísticas de Zaha Hadid. Este material revela, com sutis variações,a contínua preocupação por temas similares, e indica a importância que a arquiteturaconcede aos desenhos como instrumento do processo de projeto.

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Figura 10 – Representação gráfica bidi-mensional Detalhe: Croquis de estudo de com-posição volumétrica com perspectiva aérea doPavilhão de Exposições de Paisagismo e Jardi-nagem de Baden-Württemberg.

As representações gráficas dos seus projetos pretendem lograr o efeito real que causa-rá o objeto, e são, portanto, menos abstratas que as convencionais. À primeira vista, isso podeparecer uma contradição. A representação arquitetônica convencional se baseia no conceitoeuclidiano do espaço. As representações estão restritas aos cortes verticais e horizontais, ou asua superposição para criar desenhos espaciais [tridimensionais].

Figura 11 – Representação gráfica digital - Detalhe: Rendering com simulação de uma vista externa deobservador do Pavilhão de Exposições de Paisagismo e Jardinagem de Baden-Württemberg.

A perspectiva, técnica mais européia de todas as representações gráficas, relacionacom um ponto de vista fixo um observador situado estrategicamente. Estes métodos de re-presentação têm uma relação simples e linear com o objeto. Portanto, não incluem os proces-sos de percepção, a sensação real, os pontos focais do espaço e o passo do tempo.

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Figura 12 – Representação gráfica tridimensional - Detalhe: Foto de maquetes de estudosvolumétricos, em papelão, do Pavilhão de Exposições de Paisagismo e Jardinagem de Baden-Württemberg.

Ao considerar os componentes não só espaciais senão os temporais, buscando a plas-mar o próprio processo de percepção, a posição subjetiva e relativa, e tratando de mostrar oscampos de tensão provocados pela criação arquitetônica onde está imerso o observador, oespaço se volta heterogêneo e distorcido. Os elementos da percepção resultam visíveis e oprocesso de projeto pode levá-los em conta. Ao incorporar a percepção ao próprio observa-dor, estas modalidades de representação arquitetônica fazem referências precisas às intençõesarquitetônicas. Permitem uma rica articulação de idéias que, gradativamente, resulta analitica-mente criativa.

Figura 13 – Representação gráfica bidimen-sional - Detalhe: Plantas baixas, referente aoprojeto executivo, dos dois pavimentos do Pa-vilhão de Exposições de Paisa-gismo e Jardi-nagem de Baden-Württemberg.

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Em conjunto, toda a representação de um pro-jeto revela uma tendência convergente. Esta forma derepresentação ao observador e o entendimento por par-te deste parecem ser parte da solução arquitetônica.Ao final, o edifício tem uma única forma material,contém um grupo de forma que constituem um cen-tro de gravidade comum.

A intenção de delimitar uma possível realida-de acompanha todo o processo de projetoarquitetônico de Zaha Hadid. Desde a concepção ur-bana até o detalhe, o essencial vai surgindo pouco a poucoe qualquer coisa irrelevante ou supérflua desaparece. Só seconserva o que é essencial ao edifício. Isto supõe um esfor-ço extraordinário, impulsionado pela mesma fascinação pelaclaridade intelectual que refletia o famoso “menos é mais”de Mies van der Rohe, por exemplo.

Zaha Hadid continua forçando os limites do pos-sível: experimentar é parte integral de seu processo criativo.A construção implica uma experimentação técnica e social.A construção entende-se como a expressão de um proces-so intelectual, de uma criação estudada com determinaçãoque evolui a partir de uma interação definida e compreensí-vel de suas partes, e que se oferece mimeticamente ao ob-servador permitindo estabelecer uma relação com o objetoe compreender sua estrutura intelectual.

Figura 14 – Representação gráfica tridi-mensional - Detalhe: Foto de maquete de apre-sentação do Pavilhão de Exposições dePaisagismo e Jardinagem de Baden-Württemberg.

Figura 15 - Detalhe: Elevações laterais, referente ao projeto executivo, do Pavilhão de Exposições de Paisagismo e Jardinagem deBaden-Württemberg.

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Figura 16 – Representação gráficabidimensional - Detalhe: Implantaçãogeral do Pavilhão de Exposições dePaisagismo e Jardinagem de Baden-Württemberg no contexto do parque.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Zaha Hadid tem desenvolvido ao longo das últimas décadas um conjunto de instrumen-tos arquitetônicos que tem, ou poderia ter, muito maior alcance e talvez seja mais influente doque sua corrente, fortemente formalista, que fizera-nos crer. Em quase todos os âmbitos daexpressão arquitetônica, Zaha Hadid tem proposto soluções inovadoras e em parte radicais. Anovidade da expressão construída e a eleição pouco habitual de “palavras e sintaxis” induzemfacilmente que o formalmente excepcional é o objetivo de sua obra, e a subestimar as estruturasque existem por trás delas. Neste caso a primeira impressão não pode confundir-se com oessencial. Recordemos Lubetkin: “A arquitetura é a arte que menos pode julgar-se pelo queaparece diretamente ante nossos olhos...”.

A obra de Zaha Hadid pode interpretar-se também como o trabalho em um capítulofundamental da arquitetura posterior ao Movimento Moderno: uma arquitetura que se livroudefinitivamente das ataduras de sua própria incapacidade teórica; uma arquitetura que, por ra-zões de sensibilidade e devido à falta de reflexão profissional, se supera a si mesma, pelo mo-mento, ali onde melhor funciona os meios da expressão arquitetônica: na realidade do edifícioconstruído.

Zaha tem liberado a arquitetura do domínio da planta emancipando para ela a secção.Tem introduzido uma espacialização global do mundo construído entrelaçando a circulaçãocom o entorno urbano, o edifício projetado com parte de sua dimensão pública com a cidade.Alguns de seus projetos redefinem as relações entre interior e exterior, entre o público e o privado,que se materializou na história mediante distintos tipos de portas de entrada de caráter monumental.

A articulação entre o tectônico e o tecnológico e suas analogias com o mundo de crescimentoorgânico, tem também uma dimensão paisagística. Em muitos projetos podemos apreciar uma tran-sição de um mundo orgânico a outro geométrico e racional. A dissolução desses pólos opostos quesão a paisagem e o edifício constitui outro objetivo de caráter emancipador. No projeto que foianalisado do edifício LF-One em Weil am Rhein (1998), este tema está abordado com toda acoerência. Segundo Zaha:

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“Não se trata de render-se ante a natureza selvagem. A questão consiste aqui em buscar analo-gias potencialmente produtivas que inspirem a criação de novas paisagens artificiais, de aciden-tes geográficos apropriados aos nossos processos vitais contemporâneos, que são complexos,múltiplos e efêmeros”.

Em muitos edifícios e projetos de Zaha Hadid se pode encontrar esta busca da inten-sificação, da concentração, da manifestação pura, da articulação mais clara possível de umaidéia, ao mesmo tempo que se conserva uma expressão sumamente individual. Em toda suaobra descobrimos complexas tramas de decisões arquitetônicas inter-relacionadas, destinadasa iludir uma “arquiteturização” universal da realidade, uma luta por alcançar uma transparên-cia intelectual, e não, como a primeira vista poderia sugerir, a profusão de formas, uma explo-são eruptiva de criações espontâneas. O edifício “arquiteturiza” um conjunto de relaçõesrevelando-as e concentrando-as em benefício de sua legibilidade. Como resultado podemosobservar uma forma muito específica de sensibilidade arquitetônica, ou uma interpretação detipo suprematista, tal como formulou Malévich.

Talvez de forma surpreendente, esta arquitetura resulta ser eminentemente contextual.Só pode existir com esta forma, neste lugar e com este programa, e só pode explicar-seatravés das qualidades específicas deste sítio. Os múltiplos extratos do sítio e o processo depercepção tornam-se atributos do próprio edifício, de sua específica paisagem exterior. Napercepção dos usuários que se movem pelo edifício, a paisagem exterior circundante se trans-forma em paisagem interior que, em combinação com a paisagem real, se transforma por suavez em paisagem exterior (o entorno construído) do novo edifício.

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ORLANDO P. RIBEIRO

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGUIAR, D. V. Linhas de movimento no espaço residencial. Ensaio fornecido na Disci-plina Arquitetura Urbana do PROPAR/UFRGS, 2000.

AGUIAR, D. V. Alma espacial. Disponível em <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp121.asp> Acesso em: 08/12/04.

EVANS, R. The projective cast: architecture and its three geometries. Cambridge (MA):TheMIT Press, 1994.

EVANS, R. Translations from drawing to building and other essays. Cambridge (MA):The MIT Press, 1993.

MARTINEZ, A. C. Ensaio sobre o projeto. Brasília: Ed. UnB, 2000.

MOSTAFAVI, M. A paisagem como planta: Zaha Hadid . Madrid: El Croquis, 2000.

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