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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ZILMA MARIA SILVA MARQUES PRESENÇA DE ALUNOS NEGROS NO ENSINO PROFISSIONALIZANTE NA PRIMEIRA REPÚBLICA EM CUIABÁ Cuiabá/MT 2012

ZILMA MARIA SILVA MARQUES PRESENÇA DE ALUNOS … · Pesquisa Movimentos Sociais, Política e ... Presença de alunos negros no ensino profissionalizante na Primeira República em

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ZILMA MARIA SILVA MARQUES

PRESENÇA DE ALUNOS NEGROS NO ENSINO PROFISSIONALIZANTE

NA PRIMEIRA REPÚBLICA EM CUIABÁ

Cuiabá/MT

2012

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ZILMA MARIA SILVA MARQUES

PRESENÇA DE ALUNOS NEGROS NO ENSINO PROFISSIONALIZANTE

NA PRIMEIRA REPÚBLICA EM CUIABÁ

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação

no Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso

como requisito para obtenção do título de mestre em Educação na

Área de Concentração Educação, Cultura e Sociedade, Linha de

Pesquisa Movimentos Sociais, Política e Educação Popular.

Orientadora: Prof. Dra. Maria Lúcia Rodrigues Müller

Cuiabá-MT

2012

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M357p

Marques, Zilma Maria Silva.

Presença de alunos negros no ensino profissionalizante na Primeira República em Cuiabá. / Zilma Maria Silva Marques. -- Cuiabá (MT): Instituto de Educação/IE, 2012.

119 f.: il.; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal de Mato Grosso. Instituto de Educação. Programa de Pós - Graduação em Educação.

Orientadora: Profª. Drª. Maria Lúcia Rodrigues Müller.

Inclui bibliografia.

1. Educação profissional. 2. Ensino profissionalizante – Alunos negros. 3. Ensino profissionalizante – Primeira República – Cuiabá.

I. Título.

CDU: 373.6

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ZILMA MARIA SILVA MARQUES

___________________________________________________________ Profª. Drª. Cynthia Greive Veiga

Examinadora Externa (UFMG)

____________________________________________________________ Profª. Drª. Elizabeth Madureira Siqueira

Examinadora Interna (IE/UFMTI)

_______________________________________________________________ Profª. Drª. Maria Lúcia Rodrigues Müller

Orientadora/UFMT

Cuiabá/MT

2012

DISSERTAÇÃO APRESENTADA À COORDENAÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA UFMT

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais João e Adelaide, pelo amor e dedicação. Ao meu esposo Genésio pela ternura,

tolerância e apoio incondicional. A minha filha Fernanda pelo carinho e incentivo, ao meu

filho Renato, que apesar da distância, sempre torceu pelo meu sucesso. E ao genro Rafael

pela paciência e ajuda.

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AGRADECIMENTOS

Ingressar no curso de mestrado e concluí-lo significou mais que a realização de um sonho

intelectual. Significou também enfrentar desafios particulares. Foram momentos de muitas

lagrimas, alegrias e muitos sorrisos. E para poder viver intensamente esse período recebi

contribuições de muitas pessoas. Quero agora agradecê-los e compartilhar o mérito deste

trabalho. Familiares, professores e amigos, vocês foram e são essenciais na minha caminhada.

Agradeço primeiramente a Deus e a espiritualidade pela proteção nesta caminhada.

À banca examinadora Profª Drª. Cynthia Greive, Profª Drª. Elizabete Madureira e Profº. Dr.

Marcos Caron pelas leituras atenciosas e pelas sugestões no exame de qualificação.

Aos professores da Pós-Graduação, especialmente, o Prof.º Dr.º Darci e Profª. Dr ª. Maria

Anunciação pela compreensão e pela contribuição para o meu crescimento intelectual.

A todas amigas e companheiras do Nepre. Não vou citá-las pelo nome, pois posso correr o

risco de esquecer algum. Afinal, todas fazem parte da minha vida e ocupam lugar especial no

meu coração.

À equipe da Secretaria de Pós-Graduação pela amabilidade com que sempre me atendeu,

especialmente, Luiza.

Aos funcionários do Arquivo Publico de Mato Grosso, do Instituto Federal de Educação,

Ciências e Tecnologia, do Colégio Salesiano São Gonçalo.

Aos simpáticos senhores que foram entrevistados.

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AGRADECIMENTO ESPECIAL

À professora Maria Lúcia Rodrigues Müller. Pessoa especial que cruzou o meu caminho há

alguns anos, devo todas as alegrias e, também por que não algumas lágrimas nesta caminhada.

Lágrimas de angústia quando não conseguia superar os obstáculos, lágrimas de alegria quando

com a orientação dela me fazia sentir capaz de seguir em frente. Obrigada pelas palavras de

incentivo quando manifestei minha desesperança, obrigada pela compreensão, pela dedicação

e pela oportunidade de conhecer e viver experiências maravilhosas.

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RESUMO

O objetivo desta dissertação é apresentar os achados sobre a presença de alunos negros no

ensino profissionalizante, em Cuiabá/MT, no período da Primeira República. A pesquisa foi

realizada nos arquivos de duas instituições: Escola de Aprendizes Artífices e Lyceu de Artes e

Ofícios São Gonçalo. Para a obtenção dos dados foram priorizados os documentos de época,

encontrados nos arquivos das seguintes instituições: Arquivo Público de Mato Grosso (APM);

Arquivo da Casa Barão de Melgaço; os Arquivos das Instituições de Ensino Colégio

Salesiano São Gonçalo, Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT) e o Arquivo da Cúria

Metropolitana de Cuiabá. Pensávamos encontrar farto material que comprovasse em detalhes

a presença desses alunos nas escolas, bem como identificar os processos para a sua admissão

e, na medida do possível, conhecer a origem social e econômica desses alunos. Contudo, a

constatação da existência de alunos negros nessas escolas se restringiu às fontes

iconográficas, fotografias de alunos. Devido a isso optamos por realizar entrevistas com

antigos ex-alunos dessas escolas, que pudessem informar sobre a presença de alunos negros

nas instituições. Utilizamos como suporte da pesquisa, na escolha do objeto e na ampliação

das fontes, o apoio da História Social. Nesta dissertação procuramos problematizar as

escassas informações nos arquivos sobre a presença de alunos negros nas escolas

profissionalizantes de Cuiabá/MT. Para isso procuramos entender os debates, iniciados ainda

no Império sobre a heterogeneidade racial da população brasileira e o que se pensava sobre as

possíveis consequências dessa heterogeneidade para o progresso do país. Ao final da pesquisa

achamos que temos condições de afirmar que alunos negros e mestiços pobres ingressaram

nas instituições profissionalizantes, tinham-nas como alternativa para adquirir os

conhecimentos práticos que possibilitassem sua inserção no mercado de trabalho.

Palavras Chaves: Primeira República; Ensino profissionalizante; Alunos negros.

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ABSTRACT

The objective of this dissertation is to present the findings on the presence of black students in

vocational education at Cuiabá/MT, during the First Republic. The survey was conducted in

the archives of two institutions: School for Craftsmen and Lyceum of Arts and Crafts São

Gonçalo. To obtain the data were then prioritized the documents found in the archives of the

following institutions: Public Archives of Mato Grosso (APM), House File Baron Melgaço;

Files Education Institutions in São Gonçalo Salesian College, Instituto Federal de Mato

Grosso (IFMT) and the Archive of the Metropolitan Curia of Cuiabá. We thought to find

abundant material in detail to prove the presence of these students in schools, as well as

identify the processes for admission and, as far as possible, knowing the origin of these social

and economic students. However, the finding of black students in these schools was restricted

to iconographic sources, photographs of students. Because of this we decided to conduct

interviews with former alumni of these schools, they could report the presence of black

students in institutions. Used to support the research, the choice of the object and the

expansion of the sources, the support of Social History. In this thesis we seek to problematize

the scarce information in the files of the presence of black students in professional schools of

Cuiabá/MT. To try to understand this debate it has started in the Empire on the racial

heterogeneity of the population and what we thought about the possible consequences of such

heterogeneity for the country's progress. At the end of the research we think we can assert that

black students and poor mestizos enrolled in vocational institutions, had them as an

alternative to acquire the practical knowledge that would enable their integration into the

labor market.

Keywords: First Republic, vocational education, black students.

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LISTA DE IMAGENS

Imagem 01 - Exposição dos trabalhos da oficina de sapataria no Lyceu de Artes o Ofícios São

Gonçalo, s/d. Arquivo do Colégio São Gonçalo.

Imagem 02 - Grupo de Aprendizes do Lyceu de Artes e Ofícios São Gonçalo, 1931. Arquivo

do Colégio São Gonçalo.

Imagem 03 - Grupo de formados das oficinas de tipografia e encadernadores do Lyceu de

Artes e Ofícios São Gonçalo, 1931. Arquivo do Colégio São Gonçalo.

Imagem 04 - Aprendizes de sapateiro na oficina do Lyceu de Artes e Ofícios São Gonçalo,

s/d. Arquivo do Colégio São Gonçalo.

Imagem 5 - Alunos e professores do Lyceu de Artes e Ofícios “São Gonçalo”, s/d. Arquivo da

Casa Barão de Melgaço em Cuiabá.

Imagem 6 – Religiosos, professores e alunos do Lyceu de Artes e Ofícios “São Gonçalo”,

1918. Acervo do Museu da Imagem e do Som de Cuiabá.

Imagem 7 - Professores e alunos na Collação de grão de bacharelado em sciencias e lettras do

Lyceu Salesiano São Gonçalo, 1907. Arquivo do Colégio São Gonçalo.

Imagem 8 – Professores e alunos da 4ª série ginasial do Lyceu Salesiano São Gonçalo, 1913.

Arquivo do Colégio São Gonçalo.

Imagem 9 – Aprendizes na oficina de marcenaria. Álbum Gráfico de Mato Grosso, 1914.

Arquivo da Casa Barão de Melgaço em Cuiabá.

Imagem 10 – Grupo de aprendizes de sapataria de alfaiataria. Álbum Gráfico de Mato Grosso,

1914. Arquivo Público de Mato Grosso.

Imagem 11 – Oficina de aprendizes de ferreiro e serralheiro. Álbum Gráfico de Mato Grosso,

1914. Arquivo Público de Mato Grosso.

Imagem 12. Alunos da Escola de Aprendizes Artífices de Cuiabá. Álbum Gráfico de Mato

Grosso, 1914. Arquivo Público de Mato Grosso.

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LISTAS DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AGMT – Álbhum Graphico de Mato Grosso

APMT – Arquivo Público de Mato Grosso

ACBM – Arquivo da Casa Barão de Melgaço em Cuiabá.

EAA - Escola de Aprendizes Artífices

IFMT – Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia

SGDE – Secretaria Geral de Documentação Escolar

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 12

CAPITULO I – MATO GROSSO EM FINS DO SÉCULO XIX E INICIO DO SÉCULO XX.

1.1 – Algumas considerações sobre os acontecimentos que antecederam a Proclamação da República. 17

1.2 – Novo modelo de Brasil é almejado com a República. 19

1.3 – A Educação. 22

1.3. 1 – A Igreja Católica e a Educação. 23

1.4 - Mato Grosso: alguns aspectos da população, trabalho e educação. 26

1.5 - O Trabalho. 35

1.6 - A Educação. 38

CAPITULO II – EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E POPULAÇÃO POBRE E DESVALIDA.

2.1 - Da Colônia ao Império. 43

2.2 – Primeira República. 47

2.3 – Os Salesianos no Brasil. 54

2.4 - As Escolas de Aprendizes Artífices. 56

2.5 – A Estrutura e o Corpo de Funcionários. 59

CAPITULO III – ESCOLAS PROFISSIONAIS EM MATO GROSSO: OS ALUNOS NEGROS NAS ESCOLAS PROFISSIONAIS.

3.1 – A Escola de Aprendizes Artífices em Cuiabá. 62

3.2 – O Lyceu Salesiano de Artes e Ofícios São Gonçalo em Cuiabá. 66

3.3 - Os Alunos Negros. 71

3.4 – O que as entrevistas revelam? 76

3.5 – As Imagens: o que revelam sobre os alunos negros? 81

Considerações Finais 97

Referências 102

Fontes 107

Anexo 01 115

Anexo 02 119

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INTRODUÇÃO

O objetivo desta dissertação é apresentar os achados sobre a presença de alunos negros

no ensino profissionalizante, em Cuiabá/MT, no período da Primeira República em duas

instituições: Escola de Aprendizes Artífices e Lyceu de Artes e Ofícios São Gonçalo.

O empenho em elaborar uma reflexão sobre a presença de alunos negros nas escolas

profissionalizantes nos primeiros anos da República em Cuiabá surgiu por três motivos. O

primeiro diz respeito ao interesse pelas questões raciais que foi despertado no curso de

especialização oferecido pelo Núcleo de Pesquisas em Relações Raciais e Educação na

Sociedade Brasileira da Universidade Federal de Mato Grosso. O segundo motivo se explica

pela constatação da carência de estudos sobre o negro na história da educação no Estado de

Mato Grosso. O terceiro, e o mais relevante, relaciona-se às possibilidades de

compreendermos as influências em Mato Grosso das ideias e ações desencadeadas a partir da

instalação do regime republicano, e como elas atingiram a população negra do Estado,

especialmente na educação profissional.

No final do século XIX e início do século XX, diversas mudanças ocorreram na

sociedade brasileira. Com a implantação do regime republicano, as elites nacionais

intensificaram os debates sobre o destino da nação e sobre o povo brasileiro, que já vinham

ocorrendo desde meados do século XIX (SKIDMORE 1997, MATTOS 2005). As elites

dirigentes concentraram esforços para incorporar um conjunto de valores e referências para a

sociedade brasileira. Ideias e progresso foram aos poucos incorporados no imaginário do povo

brasileiro.

Como projeto para o Brasil moderno, a sociedade brasileira deveria se organizar em

cidades modernas, urbanizadas e higiênicas, e com uma população ordeira, trabalhadora e

disciplinada. No entanto, a população era heterogênea, composta por uma pequena elite

letrada e rica, e por uma vasta camada de homens negros e mestiços pobres, trabalhadores

braçais e analfabetos que até então tinham pouca participação política e social (CARVALHO,

1990).

Com a finalidade de tornar o país moderno, cientistas, médicos, engenheiros e

educadores trabalharam no sentido de formular propostas para moldar a Nação e o povo que a

representaria. É nesse contexto que as teorias racistas e a política do branqueamento passaram

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a fazer parte dos debates entre os intelectuais brasileiros. Essas teorias postulavam a

existência das raças e a existência de uma divisão hierárquica entre os grupos humanos. Os

brancos seriam os mais desenvolvidos, em segundo lugar viriam os amarelos e por fim os

negros, que estariam no extremo inferior dessa hierarquia. Teorias produzidas na Europa e nos

EUA irão influenciar a maneira pela qual eram vistos e tratados os povos de países menos

desenvolvidos, como o Brasil e demais países da América do Sul entre outros. Em nosso país,

os postulados das teorias racistas serão incorporados nas análises sobre as possibilidades de

progresso do país e, a partir das primeiras décadas do século passado, irão influenciar a

construção das políticas públicas que tinham como objetivo modernizar o país e torná-lo

moderno e “civilizado”. (SKIDMORE, 1976; GUIMARAES, 1999; HASENBALG, 2005).

Com as aspirações da modernização e da industrialização do país, aliado à ideia de

tornar a sociedade civilizada, o ensino profissionalizante passou a ser atribuição do recém

criado Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Por iniciativa do Presidente Nilo

Peçanha, em 23 de setembro de 1909, é assinado o Decreto nº 7.566 criando 19 Escolas de

Aprendizes e Artífices destinadas aos “pobres e humildes” com ensino gratuito. No final do

século XIX os primeiros salesianos chegaram ao Brasil e trouxeram com eles a pedagogia de

D. Bosco. A meta principal desses educadores era a promoção das classes populares por meio

da educação e formação profissional. No entanto, o ensino de ofícios não era novidade no

Brasil, a aprendizagem de ofícios fez parte da formação de trabalhadores no Brasil desde a

colônia, porém com características diferentes.

No final do século XIX e início do século XX, o Estado de Mato Grosso possuía uma

população rarefeita, com hábitos simples, formada pela maioria de mestiços e negros,

reorganizando-se, espacial e economicamente e, assim como nos demais Estados brasileiros,

enfrentavam-se disputas acirradas pelo poder entre as elites locais. No entanto, os governantes

de Mato Grosso buscaram integrar o Estado ao processo de modernização advindo da capital

federal. Reformas nas estruturas urbanas foram sendo lentamente propagadas. A instrução

também passou por remodelações por meio da criação de diversas instituições. Na capital,

Cuiabá, foi inaugurada em 1º de janeiro de 1910, a Escola de Aprendizes Artífices e os

Salesianos, em 1898, instalaram as oficinas profissionalizantes. (VOLPATO, 1993;

SIQUEIRA, 2000).

Dos estudos que investigaram os aspectos do ensino profissionalizante em Mato

Grosso priorizamos Kunze (2005), Francisco (2006), de igual maneira, os autores que

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analisaram a História do ensino profissional no país Queluz (2000), Cintra (2004), Cunha

(2005), Nagle (2009), Santos Neto (2009) e Gurgel (2009). Os estudos desses autores dão

destaque à abordagem do contexto nacional e local, além dos aspectos legais da criação,

estrutura física e administrativa das instituições. No entanto, não fazem referência aos alunos

negros ou não.

Sobre a Escola de Aprendizes Artífices em Cuiabá, Kunze (2005 p. 32) citando Veiga

(2000) considera que, aos olhos do dirigente do país, os negros, rebeldes, desempregados e

viciados que se avolumavam com o crescimento das cidades precisavam ser atendidos,

educados e profissionalizados para se transformar em operariado útil à Nação. No entanto,

lembra Kunze (2005) que a Escola de Aprendizes Artífices de Mato Grosso não quis ser

confundida com instituições de recuperação de “menores delinquentes”, pois exigia, no edital

de matrícula, “[…] o requisito de bom comportamento dos candidatos interessados em lá se

profissionalizar”. (2005 p. 177). Kunze destaca ainda que em conjunto com a comunidade

local e externa a escola travou relações que lhe possibilitaram um reconhecimento enquanto

instituição educativa para o trabalho.

A investigação proposta insere-se no campo da história da educação do negro. Teve

como objetivo identificar a presença de alunos negros nas oficinas profissionalizantes na

Escola de Aprendizes Artífices e no Lyceu de Artes e Ofícios São Gonçalo, assim como a

origem econômica e social.

Para desenvolvê-la foram utilizadas fontes documentais escritas, iconográficas e orais.

Os locais da coleta de dados foram o Arquivo Público de Mato Grosso (APM), Arquivo da

Casa Barão de Melgaço, os Arquivos das Instituições de Ensino Colégio Salesiano São

Gonçalo, Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT) e o Arquivo da Cúria Metropolitana de

Cuiabá. Para a obtenção dos dados foram priorizadas as seguintes fontes: livros de registros

de exame final, fotografias, Relatórios de Instrução Pública, ofícios diversos, registro de

recenseamento populacional de 1890. No Arquivo Público de Mato Grosso também

recorremos à verificação dos acervos dos jornais que circularam no Estado no período

pesquisado, ademais de consultar o Álbum Graphico do Estado de Matto-Grosso, publicado

em 1914 e que é a publicação mais extensa do período sobre os assuntos e as características

do território mato-grossense, incluídas suas instituições.

Pensávamos encontrar farto material que comprovasse em detalhes a presença desses

alunos nas escolas, bem como identificar os processos para a sua admissão e, na medida do

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possível, conhecer a origem social e econômica desses alunos. Contudo, a constatação da

existência de alunos negros nessas escolas se restringiu às fontes iconográficas, fotografias de

alunos. Devido a isso optamos por realizar entrevistas com antigos ex-alunos dessas escolas,

que pudessem informar sobre a presença de alunos negros nas instituições.

Para localizar os senhores que foram entrevistados, buscamos informações com

conhecidos, amigos e parentes de mais idade sobre os profissionais que se dedicaram aos

ofícios que foram ensinados nas instituições e também percorremos as ruas de Cuiabá,

procurando informações sobre sapateiros, alfaiates, carpinteiros e tipógrafos mais antigos.

Não foram muitas as indicações, mas as poucas recomendações foram significativas.

Em relação aos documentos referentes aos alunos da Escola de Aprendizes Artífices e

qualquer documento referente à escola, consideramos relevante informar que não foi possível

localizá-los. As razões para a ausência dos documentos podem ser decorrentes das precárias

condições do arquivo do IFMT.

Primeiramente, a informação era de que a documentação estava arquivada no Campus

Bela Vista, em Cuiabá. Mas eles haviam sido transferidos para o IFMT, Campus Cuiabá. A

surpresa foi imensa ao constatar que todos os documentos estavam depositados sem qualquer

cuidado em um dos corredores do prédio, ainda em construção. Eram pilhas de papéis, alguns

empacotados e com datas, outros soltos e molhados pela chuva.

Mesmo desapontada, busquei, com a ajuda da estagiária, organizá-los, no entanto, não

havia espaço disponível para transportá-los e as condições eram por demais tormentosas, o

acúmulo de sujeira, poeira, o mau cheiro de urina de ratos e restos de insetos impossibilitou a

continuação da tarefa. A par de que pouco ou nada poderia ser realizado naquele momento e

orientada pela estagiária, procuramos o diretor substituto da Instituição e expusemos a

situação e a nossa urgência em consultar esses documentos. Como resposta, prometeu que em

breve a documentação seria transportada para uma sala mais adequada.

Um mês após, retornamos ao arquivo. Realmente, os pacotes foram transportados para

outro espaço, contudo, estavam empilhados em uma sala apertada e sem ventilação,

dificultando a localização dos documentos pertinentes à pesquisa.

Não sendo mais possível protelar a investigação sobre as três primeiras décadas da

EAA, especialmente documentos referentes aos alunos, encarregamo-nos, com o auxílio de

dois ajudantes, de remover e examinar os conteúdos de todos os pacotes e papéis soltos.

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A documentação indicava-me que foram preservados documentos de vários setores, a

partir de 1943, inclusive documentações dos alunos que estavam organizadas em caixas com

os nomes listados. Contudo, documentos referentes à EAA do período anterior não foram

localizados. É provável que esses documentos tenham sido incinerados. Uma indicação de

que ocorreu queima de documentos é a de livros e outros papéis com as bordas queimadas.

Tendo concluído as buscas no arquivo, procurei informações sobre a documentação

não localizada com uma das responsáveis pela Secretaria Geral de Documentação Escolar –

SGDE. Ela não soube informar sobre o destino dessa documentação, segundo sua informação

“nunca ninguém teve interesse em saber sobre os primeiros alunos da EAA”. Mas ela propôs

entrar em contato com funcionários mais antigos do setor para saber sobre os documentos. No

entanto, nenhuma pessoa consultada por ela soube informar sobre o destino dos documentos

relativos aos alunos do período de 1910 a 1942.

Apesar dos arquivos desordenados, da escassez e/ou inexistência de documentos

escritos que demonstram o pertencimento racial dos alunos, foi possível agrupar e reordenar

as fontes disponíveis para a escrita do trabalho.

A dissertação está organizada em três capítulos. No primeiro discorreu-se sobre alguns

acontecimentos importantes do contexto nacional antes e após a implantação da República,

assim como alguns aspectos da população, trabalho e educação de Mato Grosso no final do

século XIX e início do século XX.

No segundo capítulo, buscamos analisar o ensino profissional em diversos contextos

históricos do Brasil. No terceiro capítulo abordamos na primeira parte, o processo de criação

da Escola de Aprendizes Artífices e sua instalação em Cuiabá, bem como a presença dos

Salesianos no Brasil e em Cuiabá, e as concepções do ensino profissionalizante na Primeira

República. A segunda parte deste capítulo trata da análise da presença dos alunos negros nas

oficinas profissionalizantes, perseguindo a relação entre a concepção oficial da educação

profissional da Primeira República e o significado desta para a população pobre de Mato

Grosso.

O presente trabalho não tem a pretensão de esgotar o assunto, todavia, será de grande

valia para os que desejarem refletir a respeito e desenvolver maiores aprofundamentos sobre o

assunto.

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CAPÍTULO I – MATO GROSSO EM FINS DO SÉCULO XIX E INÍCIO DO SÉCULO XX

1.1 – Algumas considerações sobre os acontecimentos que antecederam a

Proclamação da República.

Antes de discorrer sobre o contexto do Estado de Mato Grosso, serão apresentados de

maneira sucinta alguns aspectos do final do Segundo Império que indicam que as condições

políticas, econômicas e sociais eram propícias para a implantação do regime republicano no

final do século XIX.

O fim do governo de D. Pedro II foi marcado por uma série de contestações, como a

campanha abolicionista, a questão religiosa, a questão militar, a insatisfação dos setores

produtivos das províncias e as transformações sociais e econômicas a partir da Revolução

Industrial. Transformações econômicas, políticas, culturais e sociais já vinham ocorrendo no

mundo por conta da Revolução Francesa e da Revolução Industrial. No Brasil, o final do

século XIX apresentou modificações que seguem o começo do capitalismo com todo o arsenal

de modernidade que lhe seguiu.

O Império se apoiava na escravidão e, portanto, tinha apoio dos escravistas. A Lei do

Ventre Livre, promulgada em 28 de setembro de 1871, desagradou os fazendeiros escravistas.

Com a abolição em 1888 sem indenização, a elite, especialmente os senhores de engenhos do

Nordeste e cafeicultores do Vale do Paraíba, se sentiu traída pelo governo imperial e deixou

de apoiá-lo inteiramente.

No entanto, Costa (2010, p. 457) considera que a ideia de que a Abolição tenha

provocado a queda da Monarquia é em parte verdadeira. Segundo a autora, o que se passou

foi que a Abolição veio dar o golpe de morte numa estrutura colonial de produção que a custo

se mantinha à frente das condições surgidas no país a partir de 1850. A classe senhorial,

ligada ao modo tradicional de produção, incapaz de se adaptar às exigências de modernização

da economia, foi profundamente abalada. Para ela,

[…] Abolição e República são sintomas de uma mesma realidade; ambas são

repercussões, no nível institucional, de mudanças ocorridas na estrutura econômica

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do país que provocaram a destruição dos esquemas tradicionais. […] Se houve casos

de fazendeiros que aderiram ao movimento republicano por vingança, foram casos

isolados que não podem explicar o fim da Monarquia.

Dentre as oligarquias regionais, a cafeeira do oeste paulista, que integrou o movimento

republicano, tornou-se a maior concentradora de poder econômico ainda no Império. Apesar

disso, a representação política era desproporcional, mesmo apresentando superioridade

populacional e econômica em relação ao Norte e Nordeste. As desigualdades na distribuição

de recursos financeiros em relação às regiões produtoras de café eram outra consequência

desse desequilíbrio político.

No final do século XIX essa elite já não concordava com a política centralizadora do

Império. Descontentes com a conjuntura, a alternativa republicana começava a ser

considerada como caminho viável para acabar com a centralização do poder. Assim, no

decorrer da segunda metade do século XIX, o movimento republicano obteve apoio da elite

cafeeira do oeste paulista.

Outro grupo que se tornou crítico feroz do Governo Imperial foi o integrado por

membros da alta cúpula da Igreja Católica. Embora subordinados ao rei pelo sistema de

Padroado, na segunda metade do século XIX, representantes do clero passaram a pregar

abertamente contra os maçons, ameaçados de excomunhão. Os atritos entre o alto clero e o

governo imperial se acirraram com as punições de quatro anos de trabalhos forçados

ordenadas pelo Papa Pio IX aos religiosos maçons. Para D. Frei Vidal Maria de Oliveira e D.

Manoel Costa, tais penalidades foram anuladas por D. Pedro II. Tal fato estremeceu as

relações entre a Igreja e o Império. A partir de então, muitos representantes do clero se uniram

aos ideais republicanos, pois eles pregavam a separação entre Igreja e o Estado.

Mais um fator importante que fez o Império perder apoio foi o descontentamento dos

militares. Após a Guerra do Paraguai, aflorou a percepção da sua importância para o país.

Antes, o segmento dos militares era relegado ao segundo plano diante dos civis. Com a

liderança de Benjamin Constant, que era partidário dos ideais republicanos e positivistas, um

grupo de oficiais começava a tornar públicas as insatisfações militares, juntando-se às causas

republicanas. No entanto, Murilo de Carvalho (1990) esclarece que, embora a Proclamação da

República tenha sido um fenômeno militar, em boa parte, desvinculado do movimento

republicano civil, não pode ser reduzido à questão militar e à insurreição das unidades

militares aquarteladas em São Cristóvão, no Rio de Janeiro. Segundo o autor (1990, p. 35-36)

“[…] seria incorreto desprezar os acontecimentos de 15 de novembro como se fosse simples

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19

acidente. Embora as raízes da República devam ser buscadas mais longe e mais a fundo, o ato

de sua instauração possui valor simbólico inegável.”

Além desses fatores, a evolução dos meios de transportes com o surgimento da rede

ferroviária e a navegação a vapor, a recente mecanização da lavoura de café, a substituição

dos velhos engenhos pelas usinas mais modernas, o crescimento populacional, o fim do

sistema escravista e a lenta substituição do trabalho servil pelo assalariado e o surgimento das

primeiras indústrias abalaram a estrutura do Governo Imperial instituída desde 1822 e

sustentada no latifúndio escravista e nos privilégios da elite rural.

Conforme Costa (2010, p. 491), o movimento para a instalação do regime republicano

foi resultado da conjugação de três forças: uma parcela do Exército, fazendeiros do oeste

paulista e representantes das classes médias urbanas, que para a obtenção de seus desígnios,

contaram indiretamente com o desprestígio da Monarquia. Ainda de acordo com a autora,

unidos momentaneamente em torno do ideal republicano, esses grupos conservaram

profundas divergências que abalaram a estabilidade dos primeiros anos da República.

Carvalho (1987) considera que no Brasil a República foi apresentada como regime de

liberdade e igualdade. Contudo, os primeiros 10 anos foram os mais conturbados. Mesmo

tendo enfrentado grandes dicotomias nos aspectos econômicos, políticos, sociais e culturais,

governantes, intelectuais e representantes da Igreja Católica empenharam-se para adequar o

Brasil nos moldes da modernidade.

1.2 – Novo modelo de Brasil é almejado com a República.

Com a Proclamação da República e em seguida, a elaboração da Constituição de 1891,

definiu-se o regime presidencialista e representativo. A República brasileira, proclamada em

meio aos ideais do liberalismo americano, idealizava uma sociedade de “autônomos”, cujos

interesses eram compatibilizados pela mão invisível do mercado. Nessa versão, cabia ao

governo interferir o menos possível na vida do cidadão. No entanto, a República brasileira

surge em uma sociedade diversificada, profundamente desigual e hierarquizada. Além das

elites dominantes, representadas pela elite rural e urbana, as classes médias apareceram com

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20

força no cenário político. Surge também um proletariado urbano influenciado pelas tradições

políticas anarquistas e socialistas trazidas pelos imigrantes europeus (CARVALHO, 1990).

Com o advento da República, não só se implantava uma nova ordem republicana, mas,

sobretudo, as elites concentraram esforços para incorporar um conjunto de valores e

referências para a sociedade brasileira. Um novo modelo de Brasil é almejado, um país

moderno. Ideias como o novo progresso foram incorporadas ao imaginário social. Marshall

Berman (2007) refere-se à modernidade como “[…] experiências de tempo e de espaço, de si

e dos outros”. Segundo ele, ser moderno é

[…] encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria,

crescimento, autotransformação e transformação das coisas ao seu redor – mas ao

mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos tudo o que sabemos, tudo o que

somos. (2007, p. 24)

Era preciso promover a modernização no que refere ao cotidiano, as instituições,

economias e ideias. Esse ideário modernizador para tornar o país em pé de igualdade com a

Europa é elucidado por Herschmann e Pereira (1994, p. 21):

[…] tanto cientistas como membros da elite política apregoavam, naquele

momento, a necessidade de “reformar”, “regenerar”, “civilizar” a sociedade e o país.

Esses agentes sociais, portanto tomavam como referência uma modernização “à

europeia”, buscando estar em pé de igualdade com a Europa.

Para Herschmann e Pereira (1994), “[…] ao tomar como referencial o modelo

europeu, essa elite importava valores e códigos sociais para o país, um cotidiano e uma

cultura que iriam caracterizar o conjunto da vida social na modernidade”. Ou seja, na

transformação estaria a marca de um novo conjunto de sonhos, desejos e aspirações.

O Brasil do final do século XIX e início do século XX viu surgir um conjunto de

valores, modelos e ações referenciados pelo modelo europeu. A criação de novas cidades

como Belo Horizonte, nova capital de Minas Gerais, a modernização das velhas cidades

coloniais como São Paulo, Curitiba e Manaus, a execução de obras de saneamento e de

embelezamento, constituía elementos da nova imagem de um país que ansiava por se integrar

ao mundo civilizado.

Ser moderno previa a incorporação do país à ordem urbana e industrial, ao mundo da

racionalidade. O centro urbano ganha nesse período predomínio em relação ao campo. A

cidade é vista como polo da cultura, como espaço de transformações e fermentação de novas

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ideias. Segundo Damazio (1996, p. 27), a cidade do Rio de Janeiro transformara-se,

adequando-se ao seu papel de capital da República, moderna e higiênica.

Contudo, as transformações não se limitaram às modificações arquitetônicas. A

medicina teve papel significativo nas estratégias desse estado modernizador. No início do

século XX foi adotada uma política de saúde fundada em bases científicas modernas. A

medicina diversificou suas linhas de atuação, criando especializações, como: criminologia,

medicina legal, higiene, saúde e psicologia, e se concentrou principalmente nos centros

urbanos, enquanto a Igreja manteve-se nas áreas rurais. (HERSCHMANN, 1994, p. 49).

De acordo com Herschmann (1994, p. 48), a medicina tornou-se responsável pela

orientação da vida privada dos indivíduos. O modelo almejado era o modelo burguês de

família. Esclarece o autor que os objetivos desses médicos, higienistas e sanitaristas, “[…]

era, de forma geral, normatizar, conseguir que homens e mulheres desempenhassem tanto

papéis como produtores, como reprodutores e de guardiães da prole sã e de uma raça “sadia” e

“pura”. (idem, 1994, p. 49).

No entanto, o novo conjunto de valores que se queria implantar esbarrou nos hábitos e

condutas dos que repetiam a tradição herdada do Império. Segundo Damazio (1996), o

estabelecimento da política sanitária dos domicílios e logradouros públicos atingiu

profundamente os hábitos e costumes da população pobre. Para ela, essa população foi

obrigada a

[…] cumprir determinadas proibições, como a lavagem de roupas em casas carentes

de quintais e instalações apropriadas, a cozedura de alimentos em quartos e

corredores das habitações coletivas, a divisão de prédios em quartos e cubículos pelo

expediente de utilizar tábuas de madeiras ou panos, entre outras. (p. 76)

Nem todas as modificações foram assimiladas ou aceitas com tranquilidade. Algumas

delas deram origens a diversos tipos de reações como ocorreu na Revolta da Vacina, em

19041, assim como outras bandeiras foram levantadas contra os projetos autoritários liderados

por higienistas contra a modernidade imposta de cima para baixo.

Outro ponto importante no Brasil com o surgimento da República era a eleição direta,

ou seja, o uso do voto para eleger seus representantes. Para isso, era necessário que alguns

requisitos fossem preenchidos, entre eles, a condição de ser alfabetizado era indispensável.

1 Sobre Revolta da Vacina, ver História da Vida Privada no Brasil. Nicolau Sevcenko. O prelúdio republicano,

astúcias da ordem e ilusão do progresso (1998, p. 23 a 28)

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Nessa conjuntura, os assuntos educacionais apoiados nas noções de progresso e modernidade

passaram a ser considerados imprescindíveis pelos intelectuais e governantes.

1.3 – A Educação

Na Primeira República é revelada a preocupação quanto à instrução do povo, a

preocupação de formar o homem cidadão. No entanto, para que o indivíduo pudesse exercer

sua cidadania era necessário saber ler e escrever. Explica Carvalho (1987 p. 45) que o país

tinha dois tipos de cidadãos: o ativo e o simples. O cidadão ativo é aquele que possuía além

dos civis, os direitos políticos. São cidadãos plenos aqueles que a sociedade julga

merecedores da cidadania. Os cidadãos simples são aqueles que só possuíam os direitos civis

da cidadania. Então, coube à educação esclarecer à população seus direitos e deveres, assim

como o direito ao voto.

Dessa forma, pode-se inferir que por meio da educação pretendia-se atender aos

princípios do progresso e da modernidade, com também a necessidade de aumentar o número

de eleitores.

De acordo com Carvalho (2010), do ponto de vista da representação política, a

Primeira República não significou grande mudança. A descentralização facilitou a

continuidade das oligarquias locais que mantiveram o controle político nacional até a década

de 30, sustentada pelo coronelismo. Foi em São Paulo e Minas Gerais que o coronelismo,

enquanto força política, atingiu a perfeição e contribuiu para o domínio que os dois Estados

exerciam sobre a federação. Como sistema político, “[…] o coronelismo é uma complexa rede

de relações que vai desde o coronel até o presidente da República, envolvendo compromissos

recíprocos”. (CARVALHO, 1998, p. 131)

Sobre o poder dos coronéis, Carvalho (2010, p. 56) esclarece que:

O coronelismo não era apenas um obstáculo livre ao exercício da cidadania. Ou

melhor, ele impedia a participação política porque antes negava os direitos civis.

[…] o direito de ir vir, o direito de propriedade, a inviolabilidade do lar, a proteção

da honra e da integridade física, o direito de manifestação, ficavam todos

dependentes do poder do coronel.

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Pela Constituição, somente eleitores brasileiros e alfabetizados podiam votar, sendo

este o artifício que permitiu o controle do eleitorado. A simples assinatura ou mesmo o

desenho do próprio nome era suficiente para validar o voto desse eleitor, que muitas vezes

tinha ao seu lado a companhia de um capanga do coronel lhe indicando de maneira pouco

delicada em quem votar.

Um dos problemas a serem enfrentados eram os altos índices de analfabetismo no

Brasil. De acordo com Damazio (1996, p. 125) isso foi detectado nos censos de 1890, com

85,21%, e o de 1900, com 75,78%. Prossegue a autora esclarecendo que a escolaridade do

povo brasileiro era precaríssima: em 1890 apenas 14,8% da população eram alfabetizadas.

A primeira Constituição da República, de 1891 definiu a descentralização do ensino.

Coube à União o direito de criar instituições superiores e secundárias nos Estados e também

passou a ser da competência dos Estados prover e legislar sobre a educação primária, além do

ensino profissional. Diante dessas condições, as reformas educacionais foram sendo

concretizadas.

No entanto, além das grandes diferenças geográficas e econômicas entre os Estados e

Municípios brasileiros, possivelmente os investimentos na educação foram disponibilizados

segundo as prioridades políticas, visto que o período foi marcado pelas oligarquias regionais.

1.3. 1 – A Igreja Católica e a Educação

Com a implantação do regime republicano, a Igreja Católica Apostólica Romana

enfrentou impasses e dilemas para se adequar ao novo regime e ao processo modernizador. De

um país oficialmente católico pela Constituição Imperial, essa disposição foi modificada pelo

Decreto 119-A, da Carta constitucional de 1891, que instituiu a separação entre a Igreja e o

Estado, e o ensino oficial tornou-se laico, em qualquer nível de governo e da escolarização, ao

contrário do Império em que a obrigatoriedade do ensino religioso se fazia presente.

Segundo Oliveira (1990, p. 161/162), a Proclamação da República aparecia ao

episcopado ao mesmo tempo como uma salvação e uma ameaça: salvação, do jugo a que a

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Igreja estivera submetida ao Império e ameaça, de que com a separação entre a Igreja e

Estado, a Igreja fosse circunscrita à esfera dos assuntos privados. Para a autora, ainda no final

do século XIX a Igreja Católica iniciou uma política de aproximação com o governo

brasileiro. O Vaticano reconheceu o regime republicano em 1890.

De acordo com Nagle (2009), o ajustamento à nova ordem não foi traumático para os

católicos brasileiros, como acontecera em outros países. Com a implantação do novo regime,

a acirrada batalha entre católicos, liberais e entre católicos e positivistas ou maçons vai

cessando de maneira progressiva.

Duas personalidades do clero brasileiro se destacaram frente ao movimento renovador

da Igreja: padre Júlio Maria e D. Sebastião Leme. O primeiro convite para a mobilização e

transformação da visão dos católicos no Brasil foi a Carta Pastoral de 1916, na qual foi

traçado plano de ação para despertar o catolicismo brasileiro da sonolência em que vivia e

lançá-la à conquista de espaços sociais. D. Sebastião tornou-se líder inconteste do catolicismo

declarando guerra à religião de encastelamento, reunindo segmentos de diversas camadas

sociais e intelectuais para as causas cristãs. Sobre o núcleo do documento, Nagle (2009)

expõe que,

[…] encontra-se na análise da ignorância religiosa no Brasil, fontes de todos os

males, e o “supremo remédio” será o da introdução religiosa, que precisa ser

intensificada: ignorância da religião nos meios intelectuais e nas massas populares e

na escola, entre os homens públicos e os pais de família. (p. 72)

Ainda segundo Nagle, em 1922, duas medidas foram concretizadas e tiveram

importância marcante na tarefa de congregação dos católicos para a ação conjunta. A

primeira, o Centro D. Vital destina a exercer uma influência espiritual na camada intelectual

brasileira, facilitando o acesso às doutrinas da Igreja e aos seus ideais, colocando-os na prática

social. A segunda iniciativa foi a criação da Confederação Católica, uma escola de formação

de líderes laicos que por meio da formação de ligas, uniões e ações foram difundidas pelo

Brasil.

A atuação dos representantes da Igreja Católica foi significativa na educação

brasileira. Sobre a expansão dos serviços educacionais, Nunes (1996) expõe que,

[…] após a separação entre a Igreja e o Estado, a prestação de serviços educacionais

pelas ordens religiosas passou a constituir a principal diretriz da política

expansionista da organização eclesiástica. Ao final dos anos 20, esta organização

exercia o controle de 70% das instituições de ensino privadas em funcionamento no

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país. A Igreja havia criado e estava gerindo escolas primárias, secundárias, agrícolas

e profissionais. (p. 158)

Sobre a prioridade do ensino ministrado e o público alvo dessas instituições a autora

continua esclarecendo que o destaque se deu às

[…] escolas secundárias destinadas aos filhos das grandes famílias proprietárias

rurais, fornecendo uma formação erudita para muitos dos intelectuais que assumiram

o papel de principais agentes do campo educacional ainda na Primeira República.

Essas escolas não só os prepararam para o ingresso nas escolas superiores de

Direito, Medicina e Politécnica, mas também ofereceram uma cultura básica que os

tornou receptivos a um pensamento científico que teve no positivismo sua principal

expressão. (p. 158/159).

No processo de reestruturação e restauração da Igreja Católica chegaram ao Brasil

padres e freiras vindos da Europa para se ocuparem das atividades pastorais e sociais. Esses

religiosos atuaram principalmente no campo educacional. Dentre os diversos grupos de

religiosos, representantes da Congregação Salesiana já se encontravam no Brasil desde o final

do Império.

A vinda dos salesianos para o Brasil se insere no quadro da reforma católica, fruto do

espírito romanizador e das insistentes solicitações do episcopado nacional, somadas às

demandas provenientes de autoridades brasileiras. Em linhas gerais, a romanização do

catolicismo foi movimento incentivado pelos núncios católicos estabelecidos no Brasil a

partir de 1808. Três fases marcaram a romanização no Brasil: a reforma católica, a

reorganização eclesiástica e a restauração católica.

A fim de fortalecer a instituição clerical, a Cúria Romana desenvolveu atividades em

três setores específicos: multiplicação das dioceses, reforma das antigas ordens religiosas e

envio de novas congregações para o Brasil.

Diante de tais acontecimentos é possível perceber que para alguns representantes do

clero brasileiro como D. Sebastião Leme, que o grande problema que a Igreja enfrentava não

estava nas perdas das regalias que a União com o Estado lhe proporcionavam, mas sim na

falta de unidade do clero e na ruptura deles com a massa de fiéis. Por conseguinte, para a

sobrevivência do aparelho eclesiástico sem o total apoio do Estado, a Igreja Católica se

reestruturou e se organizou para uma atuação decisiva e mais ampla no cenário sociocultural

brasileiro e republicano, valendo-se de seus direitos e tradição, tanto nas esferas da educação

quanto na difusão do ideário cristão católico.

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1.4 - Mato Grosso: alguns aspectos da população, trabalho e educação

Antes de apresentar o cenário mato-grossense, considero significativo e pertinente

apresentar alguns aspectos do Estado e da capital, Cuiabá, anterior à Proclamação da

República, pois a história de Mato Grosso esteve, por muito tempo, ligada à história de

Cuiabá.

O descobrimento das minas de ouro em 1719 na região que foi batizada com o nome

de Cuiabá promoveu o intenso fluxo de pessoas, sobretudo dos paulistas. A extração aurífera

transformou o cenário da região a partir do século XVIII. Ocorreu o incremento do comércio

por meio dos “monçoeiros”, que se utilizavam principalmente dos rios para se deslocar,

mesmo enfrentando constantes conflitos com as populações indígenas da região. Contudo, a

exploração contínua esbarrou nas condições das lavras, que eram superficiais. No entanto,

durante longo período, a atividade mineradora foi a principal fonte da economia mato-

grossense e responsável pelo surgimento de várias vilas e arraiais.

Em 1749, a região foi elevada à condição de Capitania, denominada a partir de então,

Mato Grosso, capital Vila Bela da Santíssima Trindade, cidade construída na fronteira com o

território espanhol para sediar a capital da recém Província. Mas permaneceu por pouco

tempo na condição de capital, pois os Capitães Generais designados para governar a

Província, alegando falta de efetivo para garantir a segurança, distância do centro de

abastecimento e insalubridades foi aos poucos se transferindo para Cuiabá. Francisco de Paula

Magessi, por meio da Lei de 17 de setembro de 1818, transferiu a capital para Cuiabá e

iniciou diversas construções na cidade. A partir de então, a cidade passou a concentrar grande

parte dos mandatários regionais e as atividades intelectuais e culturais2.

A sociedade nesse período era composta por fazendeiros, comerciantes, burocratas do

Estado, profissionais liberais, funcionários públicos, mineradores, pequenos agricultores e

escravos3. Esses últimos constituíam uma significativa parcela da população mato-grossense.

2SIQUEIRA, Elizabeth Madureira. História de Mato Grosso: da ancestralidade aos dias atuais. Entrelinhas.

Cuiabá, 2002. A autora apresenta nesta obra as condições da cidade de Vila Bela, as reclamações dos Capitães

Generais e o processo de transferência. 3 A inserção do segmento negro na região ocorreu desde o início do povoamento para atender a necessidade de

mão de obra na mineração, nos serviços domésticos e na agricultura.

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De acordo com Aleixo (1995) a população era heterogênea e dava margem ao

estabelecimento de extratos sociais dos mais variados. As “pessoas da primeira nobreza da

terra” (p. 141) seriam, certamente, os burocratas do Estado e os ricos comerciantes. Outros

membros estavam os comerciantes menos abastados, caixeiros e traficantes. Havia ainda os

mulatos, mestiços livres e homens pobres que vinham tentar a sorte nas lavras. Eles eram

considerados “pessoas de baixa condição” (p. 142). Segue a autora esclarecendo que “desde o

século XVIII a população de Mato Grosso se caracterizou por possuir um grande número de

pessoas de cor.” (p. 52). No entanto, mesmo sendo perseguidos pela população branca, os

mulatos foram ocupando os povoados e vilarejos da Capitania, sendo que em 1872 eles

ascendem de forma significativa e com o decorrer do tempo, acabaram por ocupar posição de

comando na sociedade mato-grossense.

Na segunda metade do século XIX, a Guerra com o Paraguai modificou o contexto da

Província. O conflito com o país vizinho, que durou cinco anos consecutivos, significou para

a Província de Mato Grosso mais do que desenvolvimento econômico e aumento da

população. De acordo com Siqueira (2000), o conflito revelou para o Governo Imperial a

fragilidade da Província. A autora explica que

[…] as dificuldades de acesso ao extremo oeste, antes da abertura da navegação pelo

rio Paraguai, fizeram que o território fosse pouco conhecido das autoridades

imperiais. Afora os relatório e correspondência dos presidentes da província com as

autoridades gerais e os escritos deixados pelos viajantes e exploradores nacionais e

estrangeiros, estes últimos bastantes pontuais e carregados de uma visão

europeisante, quase nada sabia-se acerca de Mato Grosso. (p. 53)

Após a Guerra,

[…] Mato Grosso passou a ser alvo de preocupação por parte das autoridades

imperiais que, mesmo desejando preferencialmente que a sua comunicação se

processasse por vias de comunicação internas, acabou cedendo e até mesmo

estimulando as negociações com a República paraguaia no franqueamento da

navegação pelo cone sul onde, historicamente, diferentes conflitos não só com a

república guarani, mas com a Argentina e Uruguai, ainda mereciam cuidados

diplomáticos (p. 53)

Com o fim da Guerra do Paraguai e a livre negociação, ocorreu aumento significativo

da população na Província e a cidade de Cuiabá ganhou força com as obras de melhoramento

na infraestrutura. Como polo em desenvolvimento no interior brasileiro, a região passou a ter

expressiva produção agroindustrial açucareira e intensa produção extrativa, em especial de

poaia, erva-mate e da seringa. A transformação no cenário regional influenciou na mudança

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de hábitos, costumes e maneira de pensar da elite mato-grossense, que passou a ter acesso às

ideias advindas dos centros mais desenvolvidos.

Para Volpato (1993, p. 16), as transformações advindas com a livre navegação

também definiram alterações no processo de apropriação da terra e o jogo político da

Província. Colocou-se em xeque a escravidão em Mato Grosso, pois […] “a escravidão não

era mais a forma adequada e deveria ser substituída; a mão de obra do trabalhador livre era

desprezível; e a Província não tinha como obter o trabalhador ideal, agente do progresso e da

civilização – o imigrante europeu”.

Outra consequência importante posterior ao conflito foi a concretização do

povoamento da região sul da Província. De acordo com Neves (1998, p. 72), o povoamento

do sul somente se consolida após a Guerra do Paraguai, em parte graças aos participantes das

operações militares que retornaram à região e lá se fixam com suas famílias em grandes

extensões de terras. Provenientes de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Goiás, eles se

dedicaram a atividades agropecuárias e mantiveram intercâmbio com o centro-sul.

A província de Mato Grosso, anterior à Guerra do Paraguai, possuía uma população

rarefeita. Sobre a população anterior ao conflito, Siqueira (2000) traça um ligeiro perfil da

constituição da população provincial. Na década de 20 do século XIX, a população era de

35.000 habitantes, sendo que na categoria de livres, 21.319 eram escravos, 12.715 almas, 156

eram estrangeiros de diversas nacionalidades. Em relação à composição racial da população

constatou-se a existência de maioria de pardos que, segundo a autora, “era fruto da

miscigenação entre diversos segmentos étnicos”. Em 1856, o levantamento apontou o total de

32.460 habitantes. Na categoria de livres enquadravam-se 24.120 e escravos 6.340. O

levantamento populacional de 1861 tomou por base 10 freguesias e o resultado apresentado

foi de 26.599 habitantes, sendo 21.210 na categoria de livres e 5.449 escravos.

Ainda segundo Siqueira (2000), o povoamento e a transformação aconteceram a partir

de 1870, com o início da navegação pelo rio Paraguai, a partir de então, os territórios se

tornaram atraentes para os interessados em desenvolver o comércio, instalando-se na cidade

de Cuiabá ou mantendo representantes. O censo de 1872 revelou um contingente populacional

da Província composta de 53.750 habitantes na categoria de livres e 6.667 de escravos. O

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mesmo levantamento aponta para a concentração da população na capital, Cuiabá, com o total

de 11.008 habitantes.4

O primeiro censo no regime republicano em 1890, apesar de ser considerado por

Siqueira (2000, p. 69) fragmentado, apontou aumento significativo em relação aos dados do

censo de 1872, registrando-se 92.872 habitantes. Contudo, mesmo não apresentando dados

fidedignos, tal documento é o único referencial sobre a população cuiabana da época.

Nesse recenseamento agregaram-se elementos como nome dos moradores, idades,

estado civil, profissão, raça, nacionalidade, religião, se eles sabiam ou não ler, se

frequentavam ou não a escola e se apresentavam defeitos físicos. De acordo com Pinho (2007,

p. 33) o censo suscita questões e revela personagens. Para ela, “as questões levantadas dizem

respeito ao desejo manifesto de alguns governantes e intelectuais de retirar da capital a

imagem de atraso e de semelhança com o mundo agrário e, sobretudo, ao processo de

constituição de uma nova ordem social.”

O quadro abaixo elaborado a partir das informações disponibilizadas por Perraro

(2005) possibilita entrever questões interessantes a respeito da população cuiabana no que diz

respeito à idade, raça e instrução.

Percentualidade da População de Cuiabá segundo a idade – 1890

Idade 1º Distrito (freguesia da

Sé)

2º Distrito (freguesia de São

Gonçalo)

01 a 10 anos 27 % 31%

11 a 20 anos 23 % 24 %

21 a 30 anos 15 % 14 %

31 a 40 anos 14 % 14 %

41 a 50 anos 09 % 09 %

51 a 60 anos 07 % 05 %

61 a 70 anos 03 % 02 %

71 a 112 anos 02 % 01 %

Total 100% 100%

4 Os dados populacionais da Província de Mato Grosso apresentados pela pesquisadora Elizabete Madureira no

livro Luzes e Sombras: modernidade e educação pública em Mato Grosso (1870-1889) páginas 53/61 são

baseados em dados oficiais preservados no Arquivo Público de Mato Grosso. Além das informações

apresentadas no texto, nos escritos da autora constam detalhes como a distribuição quanto à profissão,

quantidades de homens e mulheres, as localidades e freguesias onde ocorreram os levantamentos da população.

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Percentualidade da População de Cuiabá segundo a raça – 1890

Raça 1º Distrito (freguesia da Sé) 2º Distrito (freguesia de São Gonçalo)

Branca 30 % 29 %

Parda 51 % 57 %

Preto 19 % 14 %

Total 100 % 100 %

Percentualidade da População de Cuiabá segundo a Instrução – 1890

Instrução 1º Distrito (freguesia da

Sé)

2º Distrito (freguesia de São Gonçalo

Sabe ler 44 % 44 %

Não sabe ler 56 % 56 %

Total 100 % 100 %

Frequenta a

Escola

12 % 12 %

Não

frequenta a

Escola

88 % 88 %

Total 100 % 100 %

Fonte: PERRARO, 20055

O perímetro urbano de Cuiabá era composto de duas freguesias. A Freguesia da Sé,

que era composta das ruas centrais e era ocupada pelas classes mais abastadas e a Freguesia

do São Gonçalo, próxima ao rio Cuiabá, era habitada predominantemente por pessoas mais

humildes. A partir das informações expressas nos quadros acima, é possível constatar que

significativa parcela da população era de crianças e jovens. A maior parcela dessa população

residia na Freguesia do São Gonçalo. Quanto ao item raça, os dados apontam para uma

concentração maior de pardos, seguido por brancos e em menor quantidade de pretos. No

entanto, lembra Volpato (1993) assim como em outras regiões do Brasil, em Mato Grosso, a

categoria racial definia-se de acordo com as condições econômicas e sociais do indivíduo.

No que diz respeito à instrução, o documento aponta que havia entre a população

cuiabana parcela significativa de pessoas que sabiam ler. No entanto, a frequência em escola é

apresentada com baixo percentual. É provável que esse identificador expresse que aprender a

ler e escrever acontecia fora do espaço escolar e, também o ritmo lento das transformações na

instrução pública mato-grossense desde o período imperial.

5 O CD-ROM “A população urbana de Cuiabá em 1890” apresenta outros dados estatísticos provenientes do

censo.

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31

De acordo com as informações sobre os censos acima, a população de Mato Grosso

aumentou consideravelmente a partir da abertura da navegação, após o conflito com o

Paraguai. Contudo, a população mato-grossense, especialmente a pobre, mantinha o modo de

viver semelhante à do século XVIII.

O modo de vida do cuiabano, especialmente dos pobres, no final do século XIX, era

simples. O sustento provinha das riquezas da terra e dos rios. Para Madureira (2000), os

trabalhadores mato-grossenses não conseguiam perceber na atividade produtiva moderna

fontes de riqueza e de prosperidade. Em uma sociedade em que se pretendia integrar no

projeto do Brasil moderno, as práticas cotidianas da população pobre estavam em desacordo

com o desejado pelas elites mato-grossenses.

As moradias e os hábitos denunciam a simplicidade dos habitantes. Sobre esse

aspecto, Volpato (1993 p. 199/200) elucida que:

[…] para o pobre cuiabano do século XIX o importante era a sobrevivência – viviam

em ranchos ou casinhas de chão batidos cobertas de capim e praticamente sem

mobílias; redes, cochos e malas compunham a maioria do seu mobiliário. O clima

tornava a ausência de agasalhos pouco penosa a maior parte do ano, bem como

permitia que noites fossem passadas no relento. O uso de camas era pouco

frequente. Mais comumente as pessoas dormiam em redes ou couro.

Segundo Siqueira (2000) as práticas quotidianas da população pobre, sob a ótica das

elites não se coadunavam com o perfil do cidadão brasileiro e mato-grossense. Era preciso

modificar o modo de vida, pois a ociosidade e a indolência eram consideradas como a causa

maior da condição de atraso da província. Ainda de acordo com a autora, a população pobre

não aceitou pacificamente a imposição das práticas modernas e, tampouco se sujeitou à

normatização por que passava a província.

O contexto de Mato Grosso é assim apresentado para o regime republicano. Um

Estado com uma população rarefeita com hábitos simples, formada pela maioria de mestiços e

negros, reorganizando-se espacial e economicamente: ao sul, a pecuária e a extração da erva-

mate, e ao norte, a pecuária, o extrativismo e a agroindústria açucareira.

Assim como em outras regiões brasileiras, ideias republicanas já permeavam a política

mato-grossense desde as primeiras décadas do século XIX. A divulgação do ideário

republicano fortaleceu em Mato Grosso com a fundação do partido republicano em 1888.

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32

De acordo com Neves (1988, p. 91), a véspera da implantação do regime republicano,

a região norte já detinha a supremacia da centralização e do poder político, e a presença das

oligarquias dominantes expressa na hegemonia da aristocracia açucareira6, enquanto que o

processo de formação das oligarquias do sul ainda era inexpressiva como representação

política. A instalação de usinas de açúcar em Mato Grosso promoveu o acúmulo de capital, a

modernização de antigos engenhos e a criação de novas fábricas. Também foi decisivo para a

instauração de uma nova ordem que fortaleceu o poder dos coronéis perante os outros

segmentos sociais.

Segundo Siqueira (2002, p. 152), a proclamação do regime republicano que ocorreu no

Rio de Janeiro em 15 de novembro de 1889, só foi anunciada em Mato Grosso no mês de

dezembro do mesmo ano. Junto com a notícia da mudança de regime acompanhou o nome do

primeiro Presidente do Estado de Mato Grosso – General Antônio Maria Coelho, um dos

atuantes militares da Guerra do Paraguai.

Inicialmente, cabe lembrar que as condições econômicas, sociais e políticas em que,

objetivamente, se instalou a República nos Estados não mudaram de uma hora para outra,

apesar da mudança no regime político administrativo em âmbito nacional. Contudo, os

projetos de modernização pensados pelos governantes e elites brasileira no final do século

XIX previam a integração econômico-social entre os Estados brasileiros sob o controle do

Governo Federal.

A maioria dos recém-criados Estados se encontrava, no início da República, em

situação econômica desfavorável em relação a São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, cuja

hegemonia econômica e política se nomeara como a “Política do Café com Leite”. Como em

outros Estados brasileiros, em Mato Grosso, o início do regime republicano é marcado por um

dos momentos mais conturbados no processo político. Ocorreram disputas acirradas pelo

poder entre as elites locais. Naquele contexto político em Mato Grosso, Corrêa (1995, p. 16)

afirma que a partir do novo regime republicano,

Aflorou no Estado de Mato Grosso a violência explícita e escancarada, favorecida

por uma estrutura de poder excessivamente fortalecida em detrimento de um estado

débil e a serviço das oligarquias estaduais. O coronelismo promoveu disputas

acirradas pelo poder entre as elites locais.

6 Segundo Siqueira (2002, p. 114), durante o final do século XX até meados de 1930, ao longo dos rios Cuiabá e

Paraguai funcionaram as Usinas da Conceição, Tamandaré, Itaici, Maravilha, Flexas, Aricá, São Gonçalo e

Ressaca, produzindo açúcar, rapadura, álcool e aguardente. A decadência da produção açucareira de Mato

Grosso ocorreu por volta do ano de 1933, quando foi criado o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA).

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33

Por sua vez, apesar das disputas coronelistas que agitavam a capital de Mato Grosso,

da distância em relação à capital federal, da estrutura física limitada da cidade, apresentando

dois polos urbanos: a Freguesia de São Gonçalo de Pedro II, atual Bairro do Porto e a

Freguesia da Sé (Centro), existiam por parte dos governantes a preocupação e o interesse em

compartilhar das transformações e modernizações advindas da capital do Brasil.

Assim, a paisagem urbana foi se transformando lentamente nas primeiras décadas da

República. As fachadas das casas dos mais abastados e dos prédios públicos foram integrando

modelos arquitetônicos mais modernos. Ruas foram alargadas, passeios públicos e jardins

foram construídos, luz elétrica, automóveis passaram a integrar o cenário da cidade. Enfim,

foram aos poucos sendo criadas condições de melhoramentos urbanos para entrar em

compasso com as propostas de modernização. Mas, segundo Pinho (2007, p. 51) “o interior

das casas continuava inalterado, mantendo uma disposição de espaço fiel à época colonial. Os

hábitos da população cuiabana misturavam o modelo novo com os antigos”.

Criado a partir do povoamento da cidade de Cuiabá, o Estado de Mato Grosso tem a

sua formação e importância marcadas pela necessidade de guardar significativa extensão de

fronteiras e era pouco conhecida a realidade da região por parte dos governantes,

principalmente o Imperial. As atenções se voltaram para a região após o conflito contra os

paraguaios, revelando o desconhecimento do território por parte do governo imperial, e a

fragilidade de proteção na fronteira. Com o fim do conflito, a população aumentou

consideravelmente quando foi aberta a livre navegação, e o comércio intensificou-se e ocorreu

o reordenamento da economia. Quando ocorreu a instalação do regime republicano, os

dirigentes mato-grossenses, dentro dos limites impostos pelas condições políticas vigentes,

buscaram integrar o Estado ao processo de modernização advindo da capital federal.

No entanto, cabe indagar como e em que proporções a população foi envolvida nesse

processo de modernização. A população pobre constituída de maioria de mestiços e negros foi

abrangida por esse movimento ou ficara à margem da sociedade marginalizada? São

questionamentos que suscitam investigações sobre a realidade da população mato-grossense e

cuiabana na Primeira República.

O Álbum Graphico do Estado de Mato Grosso impresso em Hamburgo, na Alemanha

entre 1913 e 1914, é uma importante fonte de pesquisa. É uma peça de publicidade,

divulgação das potencialidades e do desenvolvimento do Estado no início da República, em

grande formato, contendo textos históricos, geográficos, econômicos, culturais e

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bibliográficos que foi organizado por iniciativa dos comerciantes ligados às atividades de

importação e exportação e por intelectuais mato-grossenses em conjunto com o governo

estadual. O objetivo, tal como expressa o texto introdutório, era de “propagandear” o Estado,

utilizando-se como recursos publicitários textos e imagens. No entanto, não se pode deixar de

imaginar o que está além dessa produção como as condições de moradia, trabalho e educação

de parte da população pobre de Mato Grosso.

Segundo Delamônica (2006, p. 28), ao organizarem o Álbum Graphico, no início do

século XX, a elite mato-grossense e, em particular, a cuiabana, objetivara “a inserção de uma

“identidade local” em formação, relacionada à história local e regional que ora se elaborava,

no contexto da Primeira República, pretendia demonstrar a economia pulsante do Estado, os

seus recursos e a sua modernização”. Em consonância com o modelo modernizador, a elite

mato-grossense foi lentamente construindo uma nova imagem do passado que buscava excluir

qualquer permanência de uma memória negra. Para Delamônica, desde o início da instalação

do regime republicano em Mato Grosso,

[…] a elite procurou consolidar projetos de identidade regional, que proclamava o

“mestiço como arquétipo da cidadania moderna mato-grossense”. Essa ideologia se

baseava na crença da inferioridade da população negra e em uma absoluta, e, por

vezes, confiante admiração e identificação com os ameríndios e seus mestiços. (p.

29)

Sobre a tentativa de homogeneização racial e étnica, a autora esclarece que “[…] esta

ideologia mato-grossense de identidade regional, tem como resultado uma interpretação

racista dos componentes étnicos do Estado” (p. 29). No entanto, “[…] as representações sobre

a população negra do Estado perpassaram os paradigmas teóricos raciais”. Sobre as

representações dos negros divulgadas no Álbum Graphico, Delamônica esclarece que elas

foram produzidas a partir de uma posição etnocêntrica, preconceituosa e pejorativa e mostram

que:

O conceito de negro assumido pelas elites cuiabanas não era um conceito estático,

pois a cada momento da história da organização da sociedade cuiabana ele foi

reconstruído, contudo essas representações eram normalmente negativas, ou às

vezes, agressivamente, preconceituosas e extremamente manipuladoras quando

assimilavam em seus discursos a face perversa da exclusão social. A maneira como

a elite cuiabana compreendia o negro estava edificada em termos pejorativos, pois

denotava um profundo desprezo, aversão e negação de suas aptidões intelectuais. (p.

30)

Outra perspectiva para visualizar a influência das teorias racistas em Cuiabá na

Primeira República, pode ser observada no trabalho monográfico desenvolvido por Gomes

Neta (2011) que discorre sobre a construção da imagem do negro na literatura mato-

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35

grossense. Para visualizar a presença do negro na literatura mato-grossense, a autora analisou

algumas obras dos intelectuais Estevão de Mendonça, Rubens de Mendonça e Firmo José

Rodrigues.7

De acordo com a autora, as produções literárias dos intelectuais reproduziram um

estereótipo extremamente negativo em relação às pessoas de cor da cidade de Cuiabá. Para

ela, os resultados da pesquisa “[…] permitiram observar a influência das teorias racistas na

construção da imagem do negro pelos intelectuais mato-grossenses.” (p. 42)

1.5 – O Trabalho

Os trabalhos desenvolvidos pela população mato-grossense estão diretamente ligados

à história da ocupação da região. Como exposta acima, a primeira ocupação dos

trabalhadores, sejam livres ou escravos, era dedicada à exploração aurífera. Vinculados à

extração do ouro e diamantes estiveram presentes para abastecer a área mineradora, o cultivo

da cana de açúcar, a criação de gado e as roças de subsistência. Sobre a importância dessa

produção Aleixo (1995 p. 68) esclarece que:

[…] Produziu a cana de tanto “boas cores” como ainda, redundou em ouro. Este,

muito bem utilizado, movimentou as trocas mercantis, comprou escravos e terras,

montou engenhos, e produziu a elite agrária regional. As fazendas de gado foram

aos poucos, crescendo em torno dos arraiais e vilas, tornado-se importante fonte para

o auto-abastecimento.

Com a mineração em declínio, a Capitania enfrentou um longo e difícil processo de

reordenamento das forças produtivas. Os mineradores e comerciantes que possuíam meios de

produção como terra, instrumentos de trabalho e escravos transferiram essa força produtiva

para atividades agrícolas e pecuárias. A população pobre sobrevivia dos recursos da natureza

e produção de subsistência em pequenos roçados. Sobre a condição dessa população mato-

grossense, no século XIX, Siqueira (1997, p. 78) descreve que

7 As obras analisadas pela pesquisadora foram: Tipos da Rua de Estevão de Mendonça, publicados na Revista do

IHGMT dos anos de 1943-1944; Dom pôr do sol (1954), História do Comercio de Mato Grosso (1973) e o

Humorismo na Política Mato-Grossense (1976) de Rubens de Mendonça, e Figuras e coisas da nossa terra

(1959) e Figuras e coisas da nossa terra, 2º volume de Firo José Rodrigues. Esclarece a autora (p. 10) que apesar

das obras serem publicados na segunda metade do século XX, os textos retratam o contexto histórico da Primeira

República.

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36

[…] era composta de uma camada expressiva formada de escravos e homens livres

pobres. Ao escravo era negado o acesso à educação e não podia votar. O homem

livre pobre dedicava-se ao trabalho braçal. Os filhos destes, geralmente, não

frequentavam a escola, pois tinham que ajudar os pais nos trabalhos de casa ou junto

às roças. Também não era eleitor, pois a sua renda não o permitia.

A concentração de terras para o cultivo da cana-de-açúcar e a criação de gado por

parte de uma pequena parcela da população definiu a posse da terra como símbolo de riqueza

e poder, enquanto que para a maioria da população mato-grossense a crescente pauperização.

Somente uma pequena parcela da população que vivia em torno das fazendas era

absorvida pelos proprietários. De acordo com Aleixo (1995 p. 72) a forma como a criação de

gado era conduzida e restringia o número de trabalhadores “empregava-se de 15 ou 20

pessoas para todas as 50 a 60 mil cabeças de gado”. Esses trabalhadores não tinham salários

definidos e não tinham condições para cultivar pequenas roças de subsistência. Os poucos

suprimentos eram fornecidos pelo fazendeiro. As condições de trabalho e sobrevivência dos

empregados nas usinas de açúcar também não eram muito diferentes.

Em Cuiabá, onde concentrava a maior parte da população, as ocupações apontadas no

censo de 1872 indicam que na Freguesia da Sé, dos 11.053 habitantes, 5.286 dedicavam-se às

atividades rurais, e destes apenas 684 executavam tarefas como marcenaria, ourivesaria,

construção, selaria, alfaiataria etc. Já na Freguesia do São Gonçalo, das 5.159 almas, 1.251

dedicavam-se aos serviços domésticos, 721 eram lavradores, 64 comerciantes e 62

costureiras, enquanto que 2.663 almas e não tinham profissão definida. (SIQUEIRA, 2000).

A abertura da navegação pelo rio Paraguai foi decisiva para a modernização das

usinas, quase todas localizadas ao longo do rio Cuiabá. A modernização significou

transformações tecnológicas, econômicas e “como principal formadora e disciplinadora da

mão-de-obra” (ALEIXO, 1995 p. 169).

A produção açucareira utilizava de mão de obra fixa e sazonal. De acordo com Aleixo

(1995 p. 181) “o aumento demográfico do final do século XIX e a abolição da escravidão

trouxeram, à economia açucareira, certo contingente de indivíduos que necessitavam de

trabalho para prover sua subsistência”. O trabalho nas usinas não era desenvolvido somente

pelos adultos.

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As crianças também participavam ativamente nas atividades da lavoura, na confecção

de sacos para acondicionar o açúcar, a rapadura, na produção da farinha. O trabalho infantil,

orientado pelos pais, servia de base à manutenção da condição de dependência do camarada à

usina. Em contrapartida, o coronel assegurava a essas famílias meios de subsistência. No

entanto, a relação de dependência levou a pauperização e a desvalorização: “o trabalhador era

considerado desinteressado, vagabundo e apático para o trabalho”. (ALEIXO, 1995).

A extração da erva-mate, da poaia e da borracha também era o mercado de trabalho

disponível para a população pobre de Mato Grosso. No caso da extração da erva-mate,

trabalhadores provenientes da República Paraguaia engrossaram o contingente de mão de

obra. As condições de trabalho e remuneração dos empregados pouco contribuíram para

melhorar sua condição de vida.

De acordo com Aleixo (1995) com a comercialização do açúcar, da borracha e dos

subprodutos da pecuária, ocorreu o crescimento urbano, incentivou o aparecimento de

pequenas empresas que ofereceram oportunidades de emprego, absorvendo toda mão de obra

disponível no mercado.

Em Cuiabá, de acordo com as informações do censo de 18908, os trabalhos

desenvolvidos pela população eram ligados ao comércio de importação e exportação,

lavradores, alfaiataria, caixeiro, carpinteiro, costureira, cozinheira, criado (a), lavadeira,

marceneiro, pedreiro, sapateiro, taverneiro, engomadeira, negociante e funcionários públicos.

A respeito da população negra nos projetos de organização do mercado de mão de

obra assalariada, na cidade de Cuiabá, Delamônica (2006) apresenta aspectos interessantes

sobre os trabalhadores afro-mato-grossenses. De acordo com a autora, os trabalhadores negros

da cidade de Cuiabá viviam nos bairros do Caixão, Baú, Araés e Lixeira. As dificuldades

enfrentadas pelos trabalhadores foram críticas, devido às relações de trabalho, eram

submetidos à vigilância dos capangas e recebiam castigos físicos e multas, carestia e baixos

salários. Percebe-se que as condições de trabalho desse segmento são análogas ao do

cativeiro, apesar de serem livres e de já haver sido abolida a escravidão.

8O CD-ROM “A população urbana de Cuiabá em 1890” apresenta dados estatísticos sobre a distribuição das

profissões da população de Cuiabá nas Freguesias da Sé e São Gonçalo.

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Citando o censo de 19149, a autora assinala que identificou cerca de 30 categorias

profissionais diferentes em que ocupava o negro, a saber: jornaleiros (do mercado, em geral),

motorneiros, chofer, marceneiros, “planeiros”, pedreiros, trabalhadoras domésticas,

costureiras, engomadeiras, padeiros, sapateiros, lancheiros, coletores de garrafas, operários de

fábricas, pescadores, peixeiros, cozinheiros, vendedores de leite, vendedores de cereais,

trabalhadores de dragas, operários das oficinas, empregados da Alfândega, catraieiros,

marítimos, policiais, taberneiros, carreteiros e “mata-mosquitos”. Indica a pesquisadora que

“[…] a percepção como ignorante e incapaz condicionou esses personagens urbanos a

executarem ocupações depreciativas”. (p. 32/33)

Para Aleixo (1995), o aumento da população e a decorrente necessidade de formar mão

de obra hábil para atender as atividades econômicas urbanas e rurais acirraram o processo de

controle da sociedade pelo trabalho. Em nome da moralidade, comodidade, segurança e

tranquilidade, o trabalho passou a ser instrumento de valorização do homem mato-grossense.

1.6 – A Educação

Em relação à educação no Estado de Mato Grosso, as mudanças foram incorporadas

desde o governo imperial, ou seja, a partir do ato adicional à Constituição do Império de 1834,

o qual determinava às Assembleias Provinciais a função de ordenar a instrução pública. Ao

discorrer a respeito da educação na província de Mato Grosso, Siqueira (2000) indica que a

primeira lei educacional implantada foi a Lei Provincial número 08, de 5 de maio de 1837.

Assim como nas demais províncias, Mato Grosso também enfrentou dificuldades para a

manutenção da instrução. A autora (2000, p. 41) esclarece a situação da Província ao afirmar

que “em Mato Grosso, onde os cofres encontravam-se sempre deficitários, a instrução pública

passou a ser considerada onerosa e sua evolução dependeu, fundamentalmente, de

disponibilidade financeira”.

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Ainda segundo Siqueira (2000), a partir de 1870 novas diretrizes foram estabelecidas

para a instrução pública. As escolas ganharam edifícios apropriados, os mestres deveriam ser

preparados e concursados, condenaram-se os castigos físicos. Os métodos e os livros didáticos

foram utilizados como propagadores da nova ordem escolar. A Província de Mato Grosso

acompanhou o movimento das transformações. Entretanto, em ritmo mais lento que o da

Corte, devido à realidade histórica.

No final do século XIX, Cuiabá já contava com algumas instituições de ensino

primário, secundário e profissional, que passaram as últimas a funcionar no Lyceu Salesiano

São Gonçalo. O colégio secundário de maior destaque nesse período foi o Liceu Cuiabano.

Quanto à formação e o público que frequentava esse estabelecimento de ensino, Siqueira

(2000, p. 118) ilustra:

Mesmo sendo criado sob o estigma da democracia, o Liceu Cuiabano serviu, quase

que exclusivamente, aos filhos das elites que, em geral, perseguiam os estudos

superiores. Para a grande maioria da população estava reservado o primário, para o

qual era exigido aquilo que se denominava no século passado como “primeira letra

ou “ensino rudimentar”.

Os relatórios10

apresentados pelos diretores da Instrução Pública aos Presidentes da

Província e, posteriormente, Presidentes de Estado, possibilitaram conceber parcialmente o

contexto da instrução de Mato Grosso, sobretudo, de Cuiabá. Neles, foi possível identificar a

menção da importância da instrução pública “como base do desenvolvimento e do progresso

social”.11

A importância do tema é assim revelada no Relatório de 2 de janeiro de 1897 do

Diretor José Estevão Correa, para o qual as mudanças promovidas pela Lei nº 152, de 16 de

abril de 1896, que reformulou a instrução pública primária. No documento, o Diretor enaltece

a ação dos legisladores por reconhecerem as necessidades do tempo e da importância do papel

do ensino para as classes populares nas sociedades modernas.

10

Relatório de 02 de Janeiro de 1897 do Diretor da Instrução Pública José Estevão Correa, o qual divulgou as

mudanças promovidas pela Lei nº 152 de 16 de abril de 1896. Disponível no APMT, estante 11, maço nº 90.

Relatório de 1911 do Diretor da Instrução Pública Major José Estevão Correa, referente à Lei nº 533 de julho de

1910. Disponível no APMT, estante 11, maço nº 97.

Relatório de 1913 do Diretor da Instrução Pública Major José Estevão Correa, referente ao ensino particular

mantido pela Missão Salesiana e Seminário Episcopal. Disponível no APMT, estante 10, maço 103.

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40

No entanto, os registros dão maiores destaque às reformulações da Instrução pública,

criação de escolas. Assim como informações sobre contratações e exonerações de professores

e funcionários e pagamento de despesas.

Percebe-se que com o início do período republicano, os dirigentes confiavam que o

progresso e a ordem social só seriam possíveis com a propagação do ensino. A instrução

popular na educação era concebida como capaz de afastar das trevas da ignorância o povo,

adequada para transformar cidadão e indivíduos. Nessa perceptiva, o então diretor da

Instrução Pública de Mato Grosso assim expressa sobre a importância da educação:

Negar a influencia social da educação, o mesmo seria negar as próprias leis de

progresso e da civilização dos povos cuja grandeza decorre do grau de cultura de

cada um deles e constitui, por assim dizer, o granito sobre se alicerça o edifício da

felicidade coletiva. (RELATÓRIO DA DIREÇÃO DE INSTRUÇÃO apud SÁ,

2007 p. 86)

Sobre as remodelações no ensino público no Estado, sob a égide do então governo

Pedro Celestino Correa da Costa, Siqueira (2002) explica bem esse fato:

Em meio aos movimentos coronelistas que agitavam principalmente a capital de

Mato Grosso, muitas das realizações foram feias no âmbito da cultura. O ensino

público sofreu remodelação consubstanciada na Reforma da Instrução Pública de

1910, sob a égide de Pedro Celestino Corrêa da Costa. (p. 190)

Com a reforma da Instrução Pública em 1910, as escolas primárias da capital e de

outras cidades mais povoadas foram reunidas em Grupos Escolares e, das localizadas com

população menor, em Escolas Reunidas. Foi também criada com a Reforma a Escola Normal

por meio da Lei nº 533, de 04 de julho de 1910, destinada à formação de professores e a

Escola Modelo, onde era ministrado, pelas normalistas, o curso primário, que servia de

laboratório para os professores em formação na Escola Normal.

As mudanças promovidas pelas elites políticas e intelectuais de Mato Grosso no

âmbito educacional aparecem nos registros de 1911 do Diretor Major José Estevão Correa.

Consta do relatório referente à Instrução Pública, ação desenvolvida nas escolas primária e

secundária. O ensino particular dedicado à instrução primária e secundária mantida pela

Missão Salesiana e Seminário Episcopal é mencionado no relatório de 1913 do Diretor Geral

da Instrução Pública Major Jose Estevão Correa.

[…] há ainda outros institutos de instrução secundária e primária mantidos pela

missão Salesiana e Seminário episcopal, bem como os de instrução primária

pertencentes aos Asylos Santa Rita e de Santa Catarina, e de cujo movimento em

relação a matrícula e exames, nada se conhece nesta Repartição por se negarem os

seus diretores a cumprirem com as suas obrigações que a este respeito lhes são

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impostas pelos arts. 67 a 70 do regulamento orgânico de instrução pública do

Estado.12

As escolas religiosas também foram responsáveis pela expansão das escolas

particulares no Estado. As escolas primárias salesianas, sob a direção dos padres salesianos,

localizados nos grandes centros urbanos eram o Lyceu de Artes e Ofícios São Gonçalo,

fundado em 1898, em Cuiabá; o Colégio Santa Tereza, criado em 1899, localizado em

Corumbá e a Escola Agrícola, localizada próxima à Cuiabá, dedicada ao ensino teórico-

prático da agricultura aos jovens pobres e indígenas. (SÁ, 2007)

Assim como ocorreu em outros Estados brasileiros, os governantes e as elites mato-

grossenses assentiram às propostas de modernização, incluídos nos debates, as propostas e

projetos para a reformulação da escola com a intenção de ampliar a educação popular por

meio dos grupos escolares. Essa intenção é assim expressa:

Um núcleo de ensino moderno, racional e prático […] Uma instituição, capaz de

libertar da ignorância lastimável em que vai crescendo a nossa infância, nossos

sucessores de amanhã […] e são incontestavelmente de elevado alcance e proveito

educativo para as crianças neles matriculados. (MATO GROSSO, mensagem…,

1911-1912, n.p, apud REIS, 2006 p. 20)

No entanto, segundo Sá (2007 p. 125) os grupos escolares que foram idealizados pelos

governantes e reformadores paulistas Lewigildo Martins de Mello e Gustavo Kuhlmann, eles

apresentavam a ideia de uma escola eficiente, organizada e homogênea, contrária à escola

isolada. Prossegue a autora afirmando que inicialmente os grupos escolares apresentavam

características semelhantes às das escolas reunidas, ou seja, ausência de prédios adequados,

materiais pedagógicos e professores sem a devida formação.

É também nesse contexto criada a Escola de Aprendizes Artífices, mantida pelo

Governo Federal, em conjunto com o governo estadual. Essa instituição oferecia ensino

primário e profissional nas oficinas de alfaiataria, ferraria, carpintaria e curtição de couro.

Além disso, já funcionava na capital desde 1898 o Lyceu Salesiano de Artes e Ofícios que

oferecia o ensino profissionalizante e secundário.

Em relação ao ensino profissional no Estado, especificamente na Escola de Aprendizes

Artífices, mantido pelo Governo Federal, essas informações são proporcionadas apenas nos

12

Disponível no APMT – estante 11, maço 103.

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42

relatórios de 1916, 1920 e 192113

. No primeiro relatório, na p. 18, os registros apontam 87

alunos matriculados e 51 frequentando as diferentes oficinas da Escola de Aprendizes

Artífices. No relatório de 1920, o total de alunos matriculados era de 107, assim distribuídos:

32 alunos na oficina de marcenaria; 33 na alfaiataria; 28 na sapataria; 7 na ferraria e 7 na

selaria.

Além de oferecer informações sobre as matrículas e frequência dos alunos da EAA, os

documentos fazem referência a duas outras escolas que mantinham o ensino profissional pela

missão Salesiana, situadas, uma, no Coxipó da Ponte, com 12 alunos, e outra anexa ao Lyceu

Salesiano São Gonçalo, com 41 alunos.

A Escola de Aprendizes Artífices e o Lyceu Salesiano de Artes e Ofícios São Gonçalo,

no viés do ensino profissionalizante, são as instituições pesquisadas, as discussões e

informações serão apresentadas no decorrer da escrita.

13

Disponível no APMT, estante 11, maço 104 e 108.

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43

CAPÍTULO II – EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E POPULAÇÃO POBRE E

DESVALIDA.

2.1 – Da Colônia ao Império

O trabalho manual desde a colonização esteve ligado ao processo de ocupação e

exploração econômica do Brasil. Os trabalhos manuais eram apoiados na exploração do

trabalho escravo da população nativa de índios e dos negros trazidos de diversas regiões do

continente africano. Esses trabalhadores, especialmente os africanos e seus descendestes,

eram vistos e tratados pelos senhores como seres humanos destinados a exercer atividades que

exigiam esforço físico e a utilização das mãos. O trabalho manual passava, então, a ser “coisa

de escravos” ou da “repartição de negros”. Sobre a compreensão do trabalho manual no

período da colonização, Cunha (2005) observa que:

Desde o início da colonização do Brasil, as relações escravistas de produção

afastaram a força livre do artesanato e da manufatura. O emprego de escravos, como

carpinteiros, ferreiros, pedreiros, tecelões etc. afugentavam os trabalhadores livres

dessas atividades, empenhados todos em se diferenciar dos escravos. Ou seja:

homens livres se afastavam do trabalho manual para não deixar dúvidas quanto a sua

própria condição, esforçando-se para eliminar as ambiguidades de classificação

social. (p. 02)

Assim como os homens livres, os mulatos e escravos alforriados também procuravam

se afastar da condição de trabalhador braçal, numa tentativa de estabelecer a separação de

papéis e por medo de serem confundidos com os cativos.

Então, pode-se compreender que a discriminação contra os ofícios manuais e contra

aqueles que o desempenhavam levava muitos a rejeitarem determinadas profissões. Considera

Santos (2000, p. 205) que a gênese do preconceito contra o trabalho manual vai estar centrada

muito mais no tipo de inserção do trabalhador na sociedade, e muito menos na natureza da

atividade em si.

Com a nova forma de exploração como a açucareira na Bahia e mineração nas Minas

Gerais, aliada ao aumento da população urbana, surgiu o mercado consumidor de diversos

produtos elaborados por artesãos como pedreiros, sapateiros e carpinteiros. Para dar conta das

necessidades da Colônia, a formação profissional foi promovida.

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Contudo Cunha (2005) esclarece que as condições da aprendizagem dos ofícios e

sobre os aprendizes atendiam as necessidades dos interessados em expandir fontes de renda:

[…] a aprendizagem dos ofícios tanto dos escravos quanto de homens livres era

desenvolvida no próprio ambiente de trabalho, sem padrões ou regulamentações,

sem atribuição de tarefas próprias para aprendizes. […] Os aprendizes não eram

necessariamente crianças ou adolescentes, mas os indivíduos que eventualmente

demonstrassem disposições para a aprendizagem em termos técnicos (força,

habilidade, atenção) quanto sociais (lealdade ao senhor e ao seu capital, na forma

das instalações, instrumentos de trabalho, matéria-prima, mercadoria e à

conservação de si próprio, também seu capital.) (p. 31/32)

Portanto, a qualificação dos escravos como dos homens livres se fazia de acordo com

as necessidades e os objetivos dos senhores e o processo da aprendizagem ocorrida nas mais

duras condições. Nesse contexto, a formação profissional pode ser identificada como de

natureza prática e voltada para indivíduos mais desfavorecidos social e economicamente. A

aprendizagem não sistematizada e institucionalizada dos ofícios mecânicos buscava também

atender a ordenação da sociedade nos moldes do regime português vigente na Colônia

brasileira.

No início do século XIX, a transferência da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro,

em 1808, modificou as relações econômicas entre a Metrópole e a Colônia, promovendo

mudanças significativas em vários setores da sociedade brasileira. O Rei D. João VI revogou

o alvará publicado em 1785 que proibia toda a produção manufatureira têxtil no Brasil,

estabelecendo, assim, liberdade de produção, e determinou a instalação de fábricas na

Colônia, bem como a criação do Colégio das Fábricas que tinha como objetivo ensinar ofícios

às crianças e aos jovens órfãos e desvalidos vindos de Portugal.

De acordo com Cunha (2005, p. 76), em 1809 havia dez unidades com duas aulas e

oito oficinas, situadas em diferentes endereços da Corte, que reuniam dois professores, e oito

mestres de ofícios e 57 aprendizes nas seguintes oficinas: oficinas de tecidos largos de seda e

algodão; oficinas de galão e fitas; oficinas de gravação em metal e madeira; oficina de

estamparia de chitas e cartas de jogar; oficinas de veludos; oficinas de carpintaria e

marcenaria; oficina de serralheria e ferraria; oficina de tornearia. Além das oficinas, os

aprendizes tinham aulas de desenho, arquitetura civil, música e também de primeiras letras. O

Colégio das Fábricas foi desativado definitivamente em 1812. No entanto, esse modelo

passou a ser referência para a criação de outras unidades profissionalizantes em várias regiões

do Brasil em outros períodos.

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A independência do Brasil, em 1822, significou apenas uma mudança política. A

independência da Metrópole não produziu transformação na estrutura econômico-social

brasileira, que permaneceu centrada no trabalho escravo e na manutenção dos privilégios aos

grandes proprietários rurais.

O ensino, especialmente, o ensino profissional, continuava a ser o que fora durante o

período colonial, ou seja, destinados aos excluídos. Preponderava o costume de destinar o

ensino dos ofícios aos humildes, pobres e desvalidos.

Durante o Período Imperial (1822 a 1888) constam registros de instituições

educacionais de caráter assistencialista e profissional, destinadas a amparar órfãos e os demais

“desvalidos da sorte”. Essas instituições foram criadas em diversas províncias do Brasil, em

diferentes períodos.

A formação compulsória da força de trabalho se ampliou com a criação das Casas de

Educandos Artífices, instaladas em províncias, entre 1840 e 1865. Sendo a do Rio de Janeiro

inaugurada 20 anos após o decreto de criação em 1875. Essas instituições foram criadas pelos

presidentes das províncias e sua clientela era predominantemente de meninos em estado de

pobreza, e que viviam na mendicância com idade entre 06 a 12 anos.

Os meninos eram encaminhados pela autoridade policial ao asilo onde aprendiam a

ler, escrever e ofícios como sapateiro, encadernação, tipografia, carpintaria, marcenaria,

ferraria e serralheria. Depois de concluído o período da aprendizagem, os jovens

permaneciam por mais três anos na instituição trabalhando, para saldar seu aprendizado e

acumular economias. O modelo de aprendizagem dos ofícios caracterizava-se pela hierarquia

e pela disciplina militar.

Os Arsenais de Guerra e de Marinha também foram instituições que se dedicaram à

formação compulsória da força de trabalho. O Estado coagia homens livres que socialmente e

politicamente não estavam em condições de opor resistência a ingressarem involuntariamente

no processo de aprendizagem dos ofícios.

Os órfãos abandonados e os desvalidos, em geral, também eram encaminhados pelos

Juízes e pelas Santas Casas de Misericórdia aos Arsenais de Guerra e de Marinha. As

formações dos aprendizes seguiam os mesmos procedimentos empregados na formação das

guarnições militares e navais.

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46

Nos estudos de Crudo (1998) sobre a aprendizagem de ofícios no Arsenal de Guerra

de Mato Grosso, em Cuiabá, a pesquisadora afirma que o Arsenal foi instalado na Capital da

Província, Cuiabá, no ano de 1832, tendo como uma das suas finalidades o abastecimento das

tropas militares sediadas em territórios mato-grossenses e pela Lei do Ministério da Guerra nº

85, de 26 de outubro de 1839, e organizou no seu interior a Companhia de Aprendizes de

Artífices, passando, também, a servir de abrigo e instituição educacional para meninos pobres.

Ainda, de acordo com Crudo, a instituição adotava o regime de internato, abrigando crianças e

jovens entre 8 e 14 anos, sendo que esses eram geralmente provenientes de famílias muito

pobres, órfãos indigentes e menores abandonados. Até 1850 ofereciam 25 vagas, chegando a

50 nos anos seguintes. Funcionou em Cuiabá de 1857 a 1878, quando foi transferido para

Ladário, situada no sul da Província (antes da sua divisão, agora Mato Grosso do Sul). A

transferência da instituição foi noticiada em jornal que circulava na cidade de Cuiabá da

seguinte forma,

[…] Está definitivamente resolvida a transferência da Escola de Aprendizes

Marinheiros para o Arsenal da Marinha de Ladário, ficando desocupado o prédio à

beira do rio Cuiabá, onde a referida escola funcionava nesta capital. Já uma vez se

efetuou esta mudança que, logo depois o Governo reconheceu ter sido

inconveniente, porque o número dos alunos foi cada dia diminuindo, de modo a

extinguir-se a escola por falta de aprendizes, se lá continuasse. Cremos que desta vez

acontecerá a mesma coisa e não tardará muito que a escola volte de novo para aqui,

a não ser que haja nas altas regiões o pensamento de voltar ao aniquilamento esta

capital, retirando dela todas as repartições federais. (JORNAL “O CRUZEIRO” Nº

01 p. 4 de 9/04/1908)14

Outras instituições criadas para ensinar ofícios manufatureiros para trabalhadores

livres foram os Liceus de Artes e Ofícios. Estes foram fundados a partir dos meados do século

XIX, no Rio de Janeiro (1858), Salvador (1872), Recife (1880), São Paulo (1882), Maceió

(1884) e Ouro Preto (1886). Os Liceus de Artes e Ofícios, de acordo com Santos (2000),

tinham como um dos principais objetivos propagarem e desenvolverem pela classe operária a

instrução indispensável ao exercício racional da parte artística e técnica das artes e dos

ofícios.

Os recursos para a manutenção provinham de doações de particulares e contavam com

recursos do Estado. O Liceu do Rio de Janeiro era gratuito para os filhos dos sócios ou para

qualquer indivíduo, menos para os escravos. A proibição de escravos nos Liceus aponta para a

permanência da discriminação contra a mão de obra escrava.

14

Disponível no Acervo de Jornais da Casa Barão de Melgaço em Cuiabá.

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47

Assim, levando-se em conta que as iniciativas educacionais no Brasil, desde o

princípio da colonização até o período imperial, a educação e o acesso ao saber ler era restrito

a uma pequena parcela da população, ou seja, a elite agrária. Não é de se surpreender que o

admirável contingente de analfabetos, sejam brancos pobres, mestiços e ex-escravos estava

destinado à aprendizagem do trabalho manual para atender as necessidade de força de

trabalho para a produção e como meio de prevenir a contestação da ordem.

Para Manfrendi (2002), duas concepções parecem refletir-se nas práticas educativas

promovidas pelo governo imperial; uma de natureza assistencialista e compensatória,

destinada aos pobres e desafortunados, de modo que pudesse, mediante o trabalho, tornar

digna a pobreza; a outra seria a educação como um veículo de formação para o trabalho

artesanal, qualificado, socialmente útil e legitimador da dignidade da pobreza.

Como se dava esse processo na Primeira República? É o que veremos a seguir.

2.2 – Primeira República

Com a Proclamação da República, novas perspectivas de mudanças despontavam no

panorama socioeconômico do Brasil. Sabe-se que nesse período, o país enfrentava grave

problema de ordem social, na medida em que se consolidaram projetos de imigração e

abolição dos escravos, de modo que esses últimos constituíram parcela significativa da

população marginalizada e discriminada, devido ao preconceito racial, o qual acabou

contribuindo para o aumento de desocupados nas cidades.

Hasenbalg (2005) considera que após a Abolição, o racismo, a discriminação e a

segregação geográfica dos grupos raciais bloquearam os principais canais de mobilidade

social ascendente, de maneira a perpetuar graves desigualdades raciais e a concentração de

negros e mulatos no extremo inferior da hierarquia social.

A concentração da massa da população brasileira nos centros urbanos causou, entre os

dirigentes e intelectuais, outras inquietações. Era preciso educá-los, ou melhor dizendo,

enquadrá-los de acordo com os princípios da República. Segundo Camara (2010), os vícios e

as virtudes se configuram como definidores das descendências e das proveniências sociais dos

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indivíduos, justificando ações intervencionistas no sentido de modelar uma nova identidade

nacional afeita ao progresso e à civilização. Segue a autora esclarecendo que:

Fatores de ordem genética, racial, social, moral, psicológica e econômica foram

identificados como corolários para o surgimento de patologias e desvios que

caracterizavam os atrasados, imorais, os transviados, as prostitutas, os malandros,

bem como as crianças identificadas como delinquentes, abandonadas e vadias. […]

Mediante a higienização, a medicalização, o controle e a conformação dos corpos e

da cidade buscaram promover a modernidade associada à ideia de limpeza, beleza,

planejamento, educação, saúde e trabalho (p. 125/126)

Dessa forma, enquanto os médicos higienistas propunham o controle da saúde pública,

a vacinação em massa e a reforma de hábitos higiênicos, os intelectuais ligados às outras

especializações, influenciados pela noção de raça, assumirão papel relevante nos projetos. De

acordo com Herschmann (1994, p. 69), é nesse contexto que a medicina também assumirá um

papel relevante no projeto, pois,

[…] se anteriormente, nesta área, a preocupação se concentrava mais nos focos da

contaminação das diversas epidemias que assolavam o país, agora a medicina se

preocupará com a higiene da mais nova epidemia do país: a degeneração da raça

brasileira. Cria-se neste momento a crença de que os aspectos degenerados,

herdados das raças negras e índia, tornavam o brasileiro indolente, preguiçoso,

indisciplinado, extremamente erotizado e promíscuo […]

Para entendermos a crença de que a herança do negro e do índio consistirá a causa da

degeneração da raça brasileira, devemos compreender a ideia de raça, seu significado, por

quem foi usado e ainda o é, e qual o seu papel nas políticas sociais e educacionais. A

utilização de teorias raciais, em cada momento histórico, não ocorreu de forma aleatória, já

que cada uma delas apresentava intenções e objetivos bastante definidos.

Kabengele Munanga (2003)15 discute raça, partindo do pressuposto de que os

conceitos têm uma historicidade por meio da qual podemos melhor compreender o seu

significado. Alerta ainda que conceitos são objetos de manipulação política e ideológica,

sendo necessário o máximo de atenção em sua análise para perceber sua eficácia em retratar a

realidade contemporânea.

Sobre a construção do conceito de raça, Munanga (2003 p. 8/9) esclarece que, como a

maioria dos conceitos, este passou a designar a descendência, a linhagem, ou seja, um grupo

de pessoa, com seu campo semântico e dimensão temporal e espacial. No latim medieval, o

conceito que tem um ancestral comum e que, ipso facto, possui algumas características físicas

15

Palestra proferida no 3º seminário Nacional Relações Raciais e Educação – PENESB-RJ, 05/11/2003. Site

http//www.acaoeduactiva.org.br. Acesso: 05/07/2011, às 17h.

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em comum. Em 1684, o francês François Bernier emprega o termo no sentido moderno da

palavra, para classificar a diversidade humana em grupos fisicamente contrastados,

denominados raças. Nos séculos XVI-XVII, o conceito de raça passou efetivamente a atuar

nas relações entre classes sociais da França, utilizado pela nobreza local que se identificava

com os Francos, de origem germânica, em oposição aos Gauleses, população local

identificada como a Plebe. No entanto, é a partir do século XVIII que o conceito de raça já

existente nas Ciências Naturais passou a ser utilizado para a explicação dos “outros”.

Para Munanga, foi no século XVIII que a cor da pele foi considerado critério

fundamental e divisor de águas entre as chamadas raças. Por isso “[…] que a espécie humana

ficou dividida em três raças estanques que resistem até hoje no imaginário coletivo e na

terminologia científica: raça branca, negra e amarela” (p. 4).

Ainda, segundo esse autor, raça já teve vários significados ao longo da história. Foi

utilizada para classificar espécies (animais e vegetais); como referência de “pureza” de sangue

por meio da expressão “raça nobre”; para classificar a diversidade humana, apoiando-se na

tese do determinismo biológico. Por meio da antropometria, teve o objetivo de analisar os

aspectos externos da raça e do seu potencial criminal para descobrir os criminosos, antes

mesmo da prática do crime, tentando provar que a mestiçagem produz raças degeneradas e a

superioridade da raça branca sobre as demais.

Percebe-se que o conceito de raças “puras” foi transportado da Botânica e da Zoologia

para o contexto social, visando legitimar as relações de dominação e sujeição entre as classes,

sem que houvesse diferenças morfobiológicas notáveis entre os indivíduos pertencentes a

diferentes raças.

No Brasil, desde meados do século XIX até as primeiras décadas do século XX, o

pensamento intelectual brasileiro tentava explicar porque o país se apresentava etnicamente

heterogêneo. As análises, mais ou menos pessimistas estavam circulando nos debates desde

1870. No entanto, considera Skidmore (1976, p. 12) que “[…] antes do clímax da abolição da

escravidão no Brasil, em 1888, a maior parte da sua elite dava pouca atenção ao problema da

raça em si, bem como à relação entre as características raciais do país e seu

desenvolvimento”.

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50

Segundo Skidmore (1976), a realidade social brasileira era muito diferente dos Estados

Unidos e da Europa. A sociedade brasileira do século XIX era composta por “homens de cor

de todas as tonalidades” (p. 55). Mas os brasileiros que “não teimavam com a evolução”

buscaram formas consistentes para o uso das teorias racista no Brasil.

De acordo com Gonçalves (2006 p. 20) o grupo de estudiosos e cientistas brasileiros

que se ocuparam desse tema era bastante extenso. Compunha-se de intelectuais que atuavam

nas diversas áreas do conhecimento e se encontravam distribuídos pelas instituições de

pesquisa e ensino superior e, guardadas as especificidades, suas produções utilizaram a

exemplaridade das teorias racistas para dominar os fatos da vida nacional, lançando, assim, as

bases científicas do preconceito racial e da legitimação das desigualdades sociais.

Dentre eles, Nina Rodrigues16

, no final do século XIX, formulou concepções a partir

do determinismo biológico que contribuíram para acentuar a inferioridade do negro,

reforçando, assim, as teorias racistas e a culpabilidade pelos atrasos atribuídos à impureza

racial do país, que recaiu sobre a massa negra e seus descendentes.

De acordo com Seyferth (1995, p. 187 apud Gonçalves 2006 p. 22) Nina Rodrigues

tinha visão negativa sobre a mestiçagem, considerando-a um elemento negativo na formação

da sociedade brasileira. Para ele, os mestiços herdavam “o vício degenerativo do cruzamento

entre raças desiguais, por isso, eles eram inteligentes, mas era associada à inércia, indolência,

apatia, desânimo, fraqueza e subserviência, degradação física e moral, imprevidência e outros

tantos atributos”.

Hasenbalg (2005) considera que com a abolição do escravismo, o racismo, como

construção ideológica e conjunto de práticas mais ou menos articuladas, foi preservada e em

alguns casos até mesmo reforçado. A preservação do racismo, independentemente do

conteúdo irracional do preconceito racial serviu aos interesses daqueles que dele se

beneficiaram.

O Brasil no final do século XIX e início do XX, podemos dizer que passou por um

período de profundas mudanças. Para o enfrentamento da implantação do regime e

atendimento das necessidades econômicas e sociais vigentes à época, há que se destacar uma

16

Nina Rodrigues foi médico legista e professor de Medicina Legal na Faculdade da Bahia. Foi o primeiro

pesquisador a estudar a influência africana de maneira sistemática.

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51

das medidas tomadas pelos governantes, qual seja a substituição dos ex-escravos pela mão de

obra assalariada dos imigrantes, cujas habilidades para o trabalho eram consideradas mais

eficientes.

É importante ressaltar que grande parte dos imigrantes europeus não tinha habilidade

ou qualificações especiais, nem dispunha de quaisquer recursos econômicos ou educacionais

particulares, entretanto, apesar dessa condição inicial dos imigrantes, foi possível monopolizar

as oportunidades de mobilidade social criadas pela abertura de posições no sistema

econômico. Enquanto que a população negra livre que vinha crescendo paralelamente à

economia escravista dominante, não obteve as mesmas oportunidades oferecidas aos

imigrantes da Europa. (HASENBALG, 2005).

Sobre a população negra livre Hasenbalg (2005, p. 174) afirma “que à época da

abolição, os escravos constituíam uma minoria no total da população de cor. Em 1887, 90%

da população de cor era livre”. Eles estavam inseridos em todas as camadas sociais em todas

as regiões brasileiras. No entanto, “o modelo do escravo transformado em homem livre em 1888,

usado para explicar a situação do negro e do mulato, não leva em consideração que a população

não-branca tinha experiência previa de liberdade” (idem)

Hasenbalg (2005) considera que foi no Sudeste que se estabeleceu uma clara relação

entre abolicionismo e imigracionsimo, como resultado do clima de pessimismo racial do fim

do século XIX. A política de imigração europeia ocorrida entre 1890 a 1930 foi a

circunstancia de maior importância relativa à causa das desigualdades entre brancos e negros

pós-abolição da escravidão.

Menciona o autor que na região Nordeste e em Minas Gerais a presença de uma

numerosa classe de pessoas de cor livre muito antes da abolição deve ter atenuado a dicotomia

que marcou o negro como escravo e o branco como livre. Isso facilitou a absorção do ex-

escravo na estrutura social dessas regiões. O destino deles foi subsequentemente,

condicionado pela mobilidade econômica e social da região. Contudo, nessas regiões as

oportunidades educacionais e ocupacionais eram limitadas.

O autor acima faz referência à integração de pessoas de cor livre na estrutura social de

duas regiões brasileiras. É possível conjecturar que assim como Minas Gerais, a região de

Mato Grosso, que também possuía significativa presença de pessoas de cor livre e a imigração

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europeia foi incipiente, tenha sucedido processo semelhante às regiões citadas pelo autor. No

entanto, isso não significa que a elite cuiabana não tenha assimilado o racismo como forma de

controle e como uma maneira de definir os papéis sociais da população negra da cidade de

Cuiabá, identificada como um segmento patologicamente incapaz de executar trabalhos mais

elaborados e com comportamentos e ações indesejáveis para participar diretamente dos

projetos modernizadores.

A presença do europeu foi ao encontro da ideologia do branqueamento da população

brasileira. De acordo com Hasenbalg (2005) a solução imigracionista aparecia não apenas

como resposta ao problema imediato da escassez de mão de obra na agricultura, mas também

como parte de um projeto de modernização a mais longo prazo, em que o branqueamento da

população nacional era altamente desejado.

Segundo Skidmore (1976), a teoria do “branqueamento” já tinha sido discutida no

Brasil nos anos entre 1889 a 1914. Teoria peculiar ao Brasil, os fundamentos da tese do

branqueamento se baseavam na “[…] presunção da superioridade branca, às vezes, pelo uso

dos eufemismos: raças “mais adiantadas” e “menos adiantadas” e pelo fato de ficar em aberto

a questão da “inferioridade inata”. Indica ainda o autor que, a essa suposição juntavam-se

mais dois supostos,

[…] a população negra diminuía progressivamente em relação à branca por motivos

que incluíam a suposta taxa de natalidade mais baixa, a maior incidência de doenças,

e desorganização social. Segundo, a miscigenação produzia “naturalmente” uma

população mais clara, em parte porque o gene branco era mais forte e em parte

porque as pessoas procurassem parceiros mais claros que elas. (p. 81)

A conclusão otimista dessa análise significava que “[…] a miscigenação não produzia

inevitavelmente ‘degenerados’, mas uma população mestiça sadia capaz de tornar-se sempre

mais branca, tanto cultural quanto fisicamente”. (idem p. 81)

Para Guimarães (1999, p. 50) a solução do branqueamento, no século XIX, foi o

resultado da racionalização dos sentimentos de inferioridade étnica e cultural instalada pelo

racismo científico e pelo determinismo geográfico. Essa corrente predominou entre os

intelectuais, sustentando os dogmas de superioridade racial, do determinismo climático, da

geopolítica, e tinha ampla aceitação entre as elites brasileira.

Portanto, as três primeiras décadas do regime republicano foram marcadas por

mudanças provocadas pela abolição da escravatura, pela imigração europeia, pela influência

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das teorias racistas, expansão da economia cafeeira, mudanças urbanas e pelo surgimento de

novos empreendimentos industriais, especialmente nos grandes centros como Rio de Janeiro e

São Paulo. Esse movimento estimulou novos setores da economia brasileira exigindo nova

configuração no campo da instrução básica, bem como a qualificação profissional da

população, a qual passou a ser considerada como possibilidade para atender as necessidades

do mercado como também capaz de promover a ordem e o progresso. Como considera Cunha

(2005),

Nas três primeiras décadas do período republicano três processos sociais e

econômicos combinaram-se para mudar a estrutura social, notadamente no Estado

de São Paulo, com fortes repercussões para a questão da educação, até mesmo para a

educação profissional: a imigração europeia, a urbanização e a industrialização. (p.

07)

Contudo, Nagle (1975) destaca que a educação profissional, como modalidade de

ensino, manteve as mesmas características que se estruturaram durante o período imperial e

até mesmo colonial. Isso é organizado com o objetivo de atender às “classes populares”, “às

classes pobres”, “aos meninos desvalidos”, “órfãos”, “abandonados” e “desfavorecidos pela

fortuna”. Era a regeneração pelo trabalho.

Sobre a perspectiva do ensino profissional para os desvalidos como uma pedagogia

tanto preventiva quanto corretiva, pensamento do liberalismo e do positivismo que

convergiam com o catolicismo, Cunha (2005) elucida que:

Enquanto pedagogia preventiva propiciaria o disciplinamento e a qualificação

técnica das crianças e jovens cujo destino era “evidentemente” o trabalho manual, de

modo a evitar que fossem seduzidos pelo pecado, pelos vícios, pelos crimes e pela

subversão político ideológica. Ademais, nas oficinas das escolas correcionais, o

trabalho seria o remédio adequado para combater aqueles desvios, caso as crianças e

os jovens já tivessem sido vítimas das influências nefastas das ruas. (p. 18)

Embora houvesse divergências entre os católicos e alguns governantes nas primeiras

décadas da República quanto à formação religiosa nas escolas e à formação das elites

intelectuais e profissionais, todos concordavam quanto à importância do ensino dos ofícios

manuais como mecanismo de controle e disciplinamento das camadas populares.

Em relação às instituições confessionais que se dedicaram à educação

profissionalizante no Brasil, destaca-se aqui a dos padres salesianos que, segundo Cunha

(2000b), dentre as numerosas congregações religiosas que atuaram no Brasil, a deles se

sobressaiu nos últimos anos do século XIX e início do século XX, por sua dedicação ao

ensino profissional para trabalhadores manuais e, secundários, para os intelectuais.

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Atraídos pela fama dos salesianos como transformadores de crianças pobres e órfãs em

trabalhadores tecnicamente qualificados e disciplinados, foi solicitada pelo bispo do Rio de

Janeiro e endossada pelo Imperador D. Pedro II, a vinda dos salesianos para o Brasil. No

entanto, para Santos (2003, p. 211), com a chegada dos salesianos, um “novo elemento

ideológico foi incorporado nos debates: o ensino profissional como antítese do pecado”.

2.3 – Os Salesianos no Brasil

A origem da Congregação Salesiana e o desenvolvimento dos princípios educacionais

consagrados em vários países europeus e latino-americanos foram fundados por João Bosco

inspirados na obra do padre francês João Batista La Salle17

e estiveram relacionados a

mudanças sociais, políticas e econômicas ocorridas na sociedade europeia no século XIX.

Nascido na cidade de Piemonte, na Itália, João Bosco vivenciou o início da Revolução

Industrial e os problemas sociais advindos com a migração dos camponeses para os centros

urbanos. A progressiva unificação política da Itália determinou a desorganização da produção

agrícola e industrial em diversas regiões. Por isso, grandes contingentes de trabalhadores

foram forçados a migrar para os centros industriais, principalmente para Turim. O padre João

Bosco entre os anos de 1815 a 1888, “deu expressão pedagógica ainda mais completa à

educação profissional das crianças das classes trabalhadoras” (CUNHA, 2005, p. 49).

Os jovens vindos da área rural que engrossavam o contingente de desempregados ou

subempregados, quando não entregues à vadiagem, provavelmente foram um dos motivos que

fizeram despertar em D. Bosco o interesse em colaborar para melhorar as condições de vida

desses jovens. Para Cunha (2005), o religioso

[…] se propôs a melhorar as condições de vida dos trabalhadores, concebendo a

miséria como uma situação que devia acabar porque produzia vícios morais, fontes,

por sua vez, de efeitos negativos em termos religiosos e temporais. Em outras

palavras, a miséria deveria ser combatida por ser geradora de pecados, como o

desrespeito à autoridade (a subversão) e o roubo (o não reconhecimento da

propriedade privada). (p. 50)

17

De acordo com Cunha (2005, p. 48) o padre católico francês João Batista de La Salle, fundou em 1679, uma

série de escolas paroquiais gratuitas para crianças pobres. Primeiro em Reims, depois em Paris e no resto da

França, passando em seguida para outros países.

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O objetivo de Dom Bosco, como passou a ser chamado, era transformar meninos

pobres em operários qualificados, para que pudessem ganhar o próprio sustento. D. Bosco não

foi o precursor da profissionalização de jovens na Europa, no entanto, o método educativo

desenvolvido por ele se apoiou numa pedagogia sustentada na trilogia: oração, trabalho e

alegria. O religioso procurava despertar nos jovens a paixão pelo trabalho que era considerado

por ele pré-requisito para a preservação da moralidade. Previa-se a formação de bons cristãos

e honestos cidadãos.

No decorrer das obras de Dom Bosco, foi redigido o Regulamento para orientar o

sistema pedagógico e os processos de ensino a serem utilizados pelos salesianos. Segundo

Francisco (2006, p. 18), em sintonia com educadores católicos de sua época, D. Bosco

articulara os componentes ético-religiosos católicos com princípios humanísticos, tais como

“a educação cívica, moral e científica”.

O Sistema Preventivo Salesiano sintetizado por D. Bosco e que norteou toda a ação

educativa, tem três princípios expressos no tripé: a razão, a religião e o afeto. Para Francisco

(2006, p. 18), a racionalidade e o afeto, componentes basilares desse sistema, “[…] deveriam

ser compreendidos à luz da orientação religiosa católica a sua preocupação de “salvar almas”.

Nesse sentido, a racionalidade pretendida na definição dos currículos, das normas, dos

espaços, não deveria prescindir de uma determinada noção de afeto.”

A religião, o segundo princípio, enfatiza que o Evangelho fundamenta e dá sentido às

atitudes, experiências e compromisso dos jovens enquanto pessoa e comunidade. Afeto, no

sentido original “amorevolezza”, terceiro princípio, qualidade indispensável ao educador

salesiano para a conquista do jovem para sempre, com a experiência de uma relação pessoal,

amiga, acolhedora e fraterna.

Os primeiros salesianos chegaram ao Brasil no final do século XIX e trouxeram com

eles a pedagogia de D. Bosco. A meta principal desses educadores era a promoção das classes

populares por meio da educação e formação profissional. Enfatizavam o trabalho como

principal proposta, pois unia o desejado desgaste físico à disciplina, além de resultar na

qualificação dos futuros operários. Ao dar condições aos meninos para a aprendizagem de

uma arte ou ofício, os salesianos almejavam facilitar a inserção dos jovens na sociedade

brasileira, evitando assim os traumas provenientes da marginalização social.

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Foi fundado em Niterói, em 1878, o Liceu de Artes e Ofícios Santa Rosa e,

posteriormente instalados em Campinas, Recife, Salvador e Rio Grande do Sul. Até 1904, já

havia dezesseis estabelecimentos, sendo que em quatorze havia escolas profissionais. No

entanto, as escolas salesianas não se dedicavam apenas ao ensino profissionalizante,

ministravam também o ensino secundário e comercial aos jovens provenientes das camadas

médias da sociedade.

O ensino profissionalizante na primeira metade do século XX era prioridade nas

escolas salesianas, mas, segundo (Cunha 2005), devido à pressão das famílias abastadas por

ensino secundário exclusivo e de boa qualidade, o ensino profissionalizante entrou em período

de decadência, quando passou a ser mero “anexo” dos liceus, que nada mais tinham de artes

nem de ofícios. Essa pressão forçou os diretores dos principais colégios à criação de ginásios

secundários, passando assim os cursos profissionalizantes ao segundo plano.

2.4 – As Escolas de Aprendizes Artífices

No governo de Nilo Peçanha, o ensino profissionalizante passou por modificações. Por

meio do Decreto nº 7.566, de 23 de setembro de 190918

, o Presidente determinou a criação de

19 Escolas de Aprendizes Artífices em todas as capitais brasileiras, à exceção do Rio de

Janeiro, onde a instituição fora construída na cidade de Campos; e do Rio Grande do Sul, pois

em Porto Alegre já funcionava o Instituto Técnico Profissional. Essas escolas estavam ligadas

ao Ministério da Agricultura, Comércio e Indústria a quem competia à responsabilidade de

acompanhar o processo de instalação e funcionamento de todas as Escolas estaduais.

Nas considerações do decreto que determina a criação das escolas, os motivos e as

finalidades são assim expressos;

Considerando;

Que o aumento constante da população das cidades exige que se facilite às classes

proletárias os meios de vencer as dificuldades sempre crescentes da luta pela

existência; que para isso se torna necessário não só habilitar os filhos dos

desfavorecidos da fortuna como o indispensável preparo técnico e intelectual, como

fazê-lo adquirir hábitos de trabalho profícuo que os afastará da ociosidade, escola do

18

O Decreto de criação foi localizado no

sitehttp://portal.mec.gov.br.setec/arquivos/pdf3/decreto_7566_1909.pdf. Acesso: 08/09/2011 às 16h24.

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vício, que é dos primeiros deveres do Governo da República formar cidadãos úteis à

Nação.

No considerando do decreto oficial que anuncia a criação das escolas, o governo

deixou transparecer suas preocupações. Sob o discurso de oferecer preparo técnico intelectual

para atender a população em situação social desfavorável está explícito que as escolas eram

destinadas a um grupo específico, ou seja, composto por membros das camadas inferiores da

população, cuja maioria era considerada perturbadora da ordem pública. Contudo, o decreto

também expressa que o ensino de ofícios destinava-se não só para os desfavorecidos da

fortuna como para todos os trabalhadores, é que iria,

a) imprimir neles a motivação para o trabalho; b) evitar o desenvolvimento de

ideias contrárias à ordem política, que estava sendo contestada na Europa; c)

propiciar a instalação de fábricas que se beneficiariam da existência de uma

oferta de força de trabalho qualificada, motivada e ordeira; e d) favorecer os

próprios trabalhadores, que passariam a receber salários mais elevados.

(CUNHA, 2005, p. 04)

No artigo 6º do decreto, são especificados quais eram os requisitos que os indivíduos

deveriam preencher para matricular-se nas escolas. Alguns pontos definiam que:

Art. 6º Serão admitidos os indivíduos para a matrícula que possuírem os

seguintes requisitos […] preferidos os desfavorecidos da fortuna:

a) Idade de 10 anos no mínimo e de 13 no máximo;

b) Não sofrer de doenças contagiosas […];

§ 1º A prova desses requisitos se fará por meio de certidão ou atestado passado por

autoridade competente.

§ 2º A prova de ser o candidato destituído de recursos será feita por atestado de

pessoas idôneas […]

De acordo com o artigo 6º, parágrafos 1º e 2º, o público alvo da escola eram os

desfavorecidos da fortuna, ou seja, os que integravam as classes pobres e não sofriam de

doenças contagiosas e que, por essa condição, estavam à margem da sociedade e

desvinculados dos setores produtivos, dificultando o desenvolvimento do país e causando

temor aos governantes.

Segundo Chalhoub (1996), as classes pobres não passaram a ser vistas como perigosas

apenas porque poderiam oferecer problemas para a organização do trabalho e a manutenção

da ordem pública, mas, sobretudo porque representava iminente perigo de contágio, uma vez

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que sua representação no imaginário político brasileiro era por meio da metáfora da doença

contagiosa.

Veiga (2000) considera que no final do século XIX e início do XX, no Brasil, as

chamadas classes perigosas tornaram-se um estorvo ao progresso e à almejada civilidade.

Nesse grupo estavam incluídos os mendigos, negros, loucos, prostitutas e rebeldes. Eles foram

objeto de estudos das ciências, das reformas urbanas e reformas escolares, no intuito de fazer

desaparecer o medo do contágio de doenças físicas, mas também da sua “rudeza” e de certos

hábitos e valores que cultivavam.

De acordo com o artigo 2º do Decreto, a finalidade dessas escolas era a formação de

operários e contramestres, mediante ensino prático e conhecimentos teóricos para que os

menores pudessem aprender um ofício mecânico ou manual. Cabia aos dirigentes dos Estados

a definição daqueles a serem oferecidos. Cunha (2005) lembra que uma das finalidades

apontadas no Decreto oficial era a formação de força de trabalho para a industrialização. Mas

ainda, de acordo com o autor, os ofícios ensinados em praticamente todas as escolas estavam

voltados para o artesanato de interesse local, como sapataria, alfaiataria, marcenaria, ferraria,

funilaria, selaria e encadernação.

Sobre os motivos para a criação e condições das Escolas de Aprendizes e Artífices em

algumas capitais brasileiras, pesquisadores apontam que a realidade mostrou-se diferente do

esperado. As escolas foram implantadas nas capitais onde ainda não havia iniciado o processo

de industrialização, a estrutura física era deficiente, os professores não tinham formação e os

ofícios eram artesanais e atendiam à demanda local.

Queluz (2000), ao estudar a Escola de Artífices do Paraná, entre 1910 e 1930,

compartilha da posição de Cunha quanto aos motivos para a criação das escolas. No entanto,

esclarece ainda que “[…] as escolas desempenhariam um papel importante na elaboração de

um alfabetismo técnico que traduzisse, para o ensino profissional, o nível de conhecimento

social e industrial do país”. (2000, p. 32).

Cintra (2004), nos estudos sobre a memória do aprendizado do ofício de alfaiate

oferecido na Escola de Aprendizes Artífices em Florianópolis, compartilha também da

posição de Cunha (2000b) quanto aos motivos do governo para a criação da Escola de

Aprendizes Artífice em Florianópolis, mas discute a precariedade de sua estrutura física,

assim como a carência material e da condição financeira dos alunos.

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Gomes (2004) buscou contribuir com a história da Escola de Aprendizes Artífices da

cidade de Campos/RJ, por meio da análise de 70 fotografias. Conforme o pesquisador, nas

imagens, “[…] a escola se revelou como as outras, incapazes de manter os jovens menos

favorecidos frequentando seus cursos profissionalizantes, pois as imagens revelam uma escola

com alunos em precárias condições econômicas”.

Santos Neto (2009), ao fazer referência à Escola de Aprendizes Artífices de Aracaju,

apresenta o contexto local e nacional, bem como alguns aspectos do cotidiano escolar como a

merenda e os castigos físicos. Ele considera que as escolas de aprendizes artífices foram

criadas em meio a uma cultura que sempre desvalorizou os ofícios manufatureiros, pois

faziam remissão ao regime escravista. Em relação à Escola de Aprendizes Artífices piauiense,

o pesquisador lembra que ela foi “[…] povoada por mendigos e desempregados, somando-se

aos operários pobres, os quais encontravam na capital ambiente de carestia de gêneros

alimentícios e de aluguel”. Era motivo de esperança de melhoria de vida para os filhos das

famílias desvalidas.

Gurgel (2009), que discute a organização do ensino profissional no Rio Grande do

Norte a partir da criação da Escola de Aprendizes Artífices de Natal, entre 1909 a 1942,

também compartilha da posição de Cunha no que diz respeito aos motivos para a criação da

Escola no Estado. No entanto, observa que as escolas “[…] foram implantadas em edifícios

inadequados, suas oficinas apresentaram precárias condições de funcionamento, seus

professores não tiveram formação específica para lidar com esse nível de ensino.” (p. 17)

Segundo a pesquisadora, a sociedade industrial não significou a superação de

preconceito sofrido pelas atividades manuais e que a sua instauração implicou novas relações

de poder e racionalidade, bem como novas formas de disciplinar os indivíduos.

Como era a estrutura e organização do ensino?

2.5 – A Estrutura e o Corpo de Funcionários

O espaço físico para a instalação das escolas em cada Estado era da responsabilidade

do governo central. Os recursos para manter os funcionários, professores, alguns móveis e

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materiais de consumo provinham do governo estadual. Nem sempre os prédios

disponibilizados para funcionamento desses estabelecimentos escolares possuíam estrutura

adequada.

A grade curricular das escolas profissionalizantes foi definida no primeiro

regulamento. Constava de cursos primários e de desenho. No primário, o ensino

compreenderia leitura, escrita, aritmética, noções de geografia do Brasil e a gramática

elementar da língua nacional. O curso de desenho abrangeria o ensino de desenho e memória,

do natural, de composição decorativa, de formas geométricas e de máquinas e peças de

construção. Como determinado pelo decreto de criação, poderiam ser instaladas até cinco

oficinas profissionalizantes, de acordo com as necessidades do Estado. A elaboração e

aplicação do programa educativo a ser ministrado nas oficinas eram de estrita competência

dos diretores.

Somente em 1926 é que se estabeleceu, na Consolidação dos Dispositivos

Concernentes às Escolas de Aprendizes Artífices, promulgada pela portaria do Ministro da

Agricultura, Indústria e Comércio, um currículo comum para todas elas. Constavam nas

modificações, o curso primário e de desenho, obrigatórios. Paralela a essa base, era oferecida

a aprendizagem de trabalhos manuais, como estágio pré-vocacional da prática dos ofícios.

Além dessas, outras modificações foram introduzidas para normatizar o ensino em todas as

escolas.

Além do diretor, o corpo docente era composto por professores e mestres de oficina.

Nos primeiros anos de funcionamento, os professores do ensino primário e desenho

desenvolviam suas funções em escolas que não tinham a conformação do ensino técnico,

contudo, não tinham a mínima ideia do que deveriam lecionar no ensino profissionalizante.

Quanto aos mestres de oficina, eram profissionais que não tinham conhecimentos teóricos,

mas, com habilidade, transmitiam conhecimentos empíricos aos alunos. (CUNHA, 2005).

Em 1918, com o Decreto nº 13.064, ocorreram mudanças a respeito do corpo docente.

O cargo de Diretor passou a ser ocupado mediante “[…] concursos de documentos de

idoneidade moral e técnica” promovido pela Diretoria Geral da Indústria e Comércio. Era

apresentada lista com nomes de três candidatos ao responsável pela nomeação. A escolha

recairia sobre o mais apto.

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O Decreto também criou normativas para a admissão dos demais integrantes do corpo

docente. Para assumir os cargos de professores e adjuntos destes, bem como os de mestres e

contramestres nas oficinas, os candidatos se submetiam a concurso de provas práticas, orais e

escritas presidido pelo diretor da escola.

Pode-se então concluir que a educação profissional ocorreu no Brasil em diversos

contextos históricos, com diferente disposição, mas foi quase sempre destinada àqueles que

não tivessem opção, como os brancos pobres, os ex-escravos, os desvalidos, os órfãos, os

criminosos e outros desafortunados. Os que podiam escolher buscavam outros caminhos

como a educação intelectual.

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CAPÍTULO III – ESCOLAS PROFISSIONAIS EM MATO GROSSO: OS

ALUNOS NEGROS NAS ESCOLAS PROFISSIONAIS.

3.1 – A Escola de Aprendizes Artífices em Cuiabá

Assim como os demais Estados brasileiros, Mato Grosso também foi influenciado

pelas mudanças políticas, econômicas e sociais ocorridas a partir da Proclamação da

República. No que diz respeito às questões educacionais, os governantes e as elites

mantiveram-se atentos às iniciativas do Governo Federal.

De acordo com o decreto de criação das Escolas de Aprendizes Artífices, todas as

capitais dos Estados deveriam criar suas escolas. Em Mato Grosso, os governantes e elites no

desígnio de divulgação e aceitação dos valores republicanos recém implantados se alinharam

para a execução do projeto.

Primeiramente, cabe lembrar que as condições econômicas, sociais e políticas em que

objetivamente se instalou a República nos Estados não mudaram de uma hora para outra,

apesar da mudança no regime político-administrativo em âmbito nacional.

A maioria dos recém-criados Estados se encontrava, no início da República, em

situação econômica desfavorável em relação a São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, cuja

hegemonia econômica e política se nomeara como a “Política do Café com Leite”. No Estado

de Mato Grosso, assim como em outros Estados, o início do regime republicano na região é

marcado por um dos momentos mais conturbados no processo político desencadeado nas

disputas pelo poder político republicano pelos coronéis.

Por sua vez, apesar das disputas coronelistas que agitavam a capital de Mato Grosso, a

estrutura física limitada da cidade apresentava dois polos urbanos: a Freguesia de São

Gonçalo de Pedro II, atual Bairro do Porto, e a Freguesia da Sé (Centro), existindo por parte

dos governantes a preocupação em participar das transformações emanadas do Governo

Republicano, especialmente no que se refere à educação.

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A educação era, então, um caminho para maior integração de Mato Grosso com o

restante do país, principalmente com os centros da República no sudeste brasileiro. Todavia,

propunha-se educação sofisticada e literária para os líderes; aos trabalhadores, uma instrução

voltada à profissionalização. (REIS, 2006)

De acordo com o Decreto nº 7.566, de 23 de setembro de 1909, cabia à União instalar

a escola em edifícios próprios. Como em Cuiabá não havia propriedade destinada para tal

finalidade, coube à administração local alugar imóvel para viabilizar a instalação da escola.

Após a definição da sede, o governo local recomendou o nome do professor Pedro

Gardés para assumir a direção da escola e providenciar a organização imediata para a

inauguração do estabelecimento de ensino.

Definidas a localização e a direção, os envolvidos diretamente no projeto passaram a

concentrar esforços para sua inauguração e funcionamento. Tais empenhos obtiveram o

reconhecimento da população cuiabana, o que pode ser comprovado pelas notícias

proclamadas no periódico Gazeta Oficial nº 3.039, de 30 de novembro de 1909,

“Correspondendo aos insistentes desejos do Sr. Ministro, está o novo funcionário

desenvolvendo toda atividade a fim de realizar no dia 1º de Janeiro próximo vindouro a

inauguração da referida Escola”.

O diretor da Escola de Aprendizes Artífices de Mato Grosso, Pedro Gardés, seguindo

as resoluções, providenciou nomeações para os novos cargos e fez publicar no dia 18 de

dezembro de 1909, na Gazeta Oficial o primeiro edital de matrícula nos seguintes termos:

Os Srs. Pais, tutores e educadores de menores que desejarem matricular seus filhos,

tutelados e educandos na Escola Federal de Artes e Ofícios, ultimamente criada pelo

Ministério da Agricultura, e que funcionará desde princípio de janeiro de 1910, são

convidados a apresentar suas petições no mais breve possível, declarando a idade,

naturalidade e sanidade dos matriculados. Cuiabá, 16 de dezembro de 1909. Pedro

Gardés, Diretor. 19

Kunze (2006) aponta que havia ambiguidades entre as determinações definidas no

decreto de criação e os exigidos pelo diretor da escola de Cuiabá. Segundo a pesquisadora, no

decreto oficial continha outras determinações como: idade mínima de 10 anos e máxima de 13

anos; não sofrer o candidato de moléstia contagiosa ou apresentar defeitos físicos, requisitos

19

Gazeta Oficial de 18 de dezembro de 1909, nº 3.047 p. 04. Microfilme nº 04. Disponível no APMT

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esses atestados por autoridade competente; o candidato deveria apresentar atestado emitido

por pessoas idôneas da sua condição de destituído de recursos; a cada aluno era facultada a

aprendizagem de um só oficio de acordo com aptidão e inclinação.

Mesmo não apresentando no edital veiculado no período todos os critérios exigidos

para a realização da matrícula, não se tem conhecimento de problemas em relação às petições.

A atitude do Diretor pode ser percebida como necessária para compor o quadro discente da

escola, pois, de acordo com Kunze (2006), “[…] subentende-se que todas as exigências foram

cumpridas pelos requerentes ou que a direção da escola as tenha dispensado devido ao fato de

essa prerrogativa lhe caber, até certo ponto.”

O edital de matrícula continuou a ser veiculado na Gazeta Oficial até o mês de

fevereiro, mesmo após o início das aulas. A razão para a prorrogação se explica pelo número

reduzido de alunos matriculados por ocasião do início do ano letivo.

Como as condições para o funcionamento da escola já estavam atendidas,

providenciou-se a inauguração da Escola de Aprendizes e Artífices de Mato Grosso. O evento

ocorreu no dia 1º de janeiro de 1910, com a presença das autoridades locais, funcionários da

escola e os quarenta alunos matriculados. Foi um acontecimento que mereceu destaque em

vários jornais locais, demonstrando a importância dessa escola para o Estado. A redação da

Gazeta Oficial de Mato Grosso assim se referiu ao fato:

Teve lugar no dia 1º de janeiro corrente, conforme determinação do Sr. Ministro da

Agricultura, às nove horas da manhã, […] a solene instalação da Escola de

Aprendizes Artífices […]. Ao ato que foi presidido pelo Exmo. Sr. Coronel

Presidente do Estado esteve presente grande número de pessoas gradas da nossa

sociedade, todo o pessoal da Escola e os quarenta meninos matriculados […].

Noticiando o auspicioso acontecimento, nutrimos via convicção de que o novo

departamento do Ministério da Agricultura será realmente, entre nós, de grandes e

incontestáveis benefícios.20

Da data do decreto que determinou a criação das escolas em todas as capitais, ou seja,

23 de setembro de 1909, à inauguração da EAA de Cuiabá, em 1º de janeiro de 1910,

transcorreram menos de quatro meses. Pela agilidade em cumprir as determinações do

Governo Federal, percebe-se o quanto governante e elites locais estavam determinados a

integrar-se ao contexto nacional, pelos menos no que diz respeito ao ensino profissionalizante.

O artigo publicado pelo jornal O Debate divulga o pensamento dos dirigentes a respeito da

importância da escola.

20

Gazeta Oficial de 04 de janeiro de 1910, nº 3.054, p. 04. Microfilme nº 04. Disponível no APMT

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65

A Escola de AprendizesArtífices custeada pela União, e sob direção do Bacharel

João Pedro Gardés. Esta escola, quando estiver devidamente aparelhada, há de, com

certeza, difundir consideráveis benefícios, principalmente por entre os filhos da

pobreza, que ali, a par da instrução primária e de aula de desenho industrial, já vão

encontrando nas suas oficinas os meios de se habilitarem nos ofícios de artes de que

tem necessidade o Estado, desviando-se assim do caminho da ociosidade e do vício

garantindo-lhes um meio de subsistência útil e honesta, como outrora lhes

proporcionaram as escolas de Menores do Arsenal de Guerra e de Aprendizes.21

Contudo, Kunze (2005 p. 32) citando Veiga (2000) considera que, aos olhos do

dirigente do país, os negros, rebeldes, desempregados e viciados que se avolumavam com o

crescimento das cidades precisavam ser atendidos, educados e profissionalizados para se

transformar em operariado útil à Nação. No entanto, lembra Kunze (2005) que a Escola de

Aprendizes Artífices de Mato Grosso não quis ser confundida com instituições de recuperação

de “menores delinquentes”, pois exigia, no edital de matrícula, “[…] o requisito de bom

comportamento dos candidatos interessados em lá se profissionalizar”. (2005, p.177). Kunze

destaca ainda que na escola de Cuiabá haviam outras condições específicas: a precariedade

da estrutura física do prédio, dos espaços das oficinas, a evasão escolar frequente e as

mudanças promovidas pelo governo e diretores no período em questão.

A intenção de enaltecer a instituição como respeitável espaço de formação profissional

e não como instituição de recuperação no contexto da sociedade mato-grossense, pode ser

avaliada pelo destaque dado pelo Jornal o Debate22

de 15/03/1915 e de 07/04/1915 ao

publicar trechos sobre a presença de visitantes ilustre como o Coronel Candido Mariano da

Silva Rondon e diretor do Arsenal de Guerra Major João Batista Martins Pereira.

Enaltece o redator a presença do Coronel Candido Rondon com as seguintes palavras

“[…] Não se pode apontar um modelo mais completo, mais perfeito de civismo, um exemplo

mais completo de trabalho, um padrão mais vivo de abnegação e de estadismo, do que a vossa

e extraordinária individualidade”. A impressão do visitante Major João Batista Martins

Pereira é assim expressa,

“[…] este estabelecimento federal serve de escola aos meninos, que, ávidos pela

educação moral e profissional procura esta fonte […] […] A disciplina, ordem e

método imprimido ao estabelecimento, aliam-se aos cuidados paternais

dispensados aos alunos pelos respectivos diretor e mestres […]”

21

O Debate de 05 de junho de 1912 p. 2. Disponível no APMT. 22

Jornal O Debate de 6 de março de 1915, nº 1.009 p. 02 e de 7 de abril de 1915, nº 1015, p. 02. Caixa 12 maço 1-B. Disponível do APMT.

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A dedicação do Diretor Avelino de Siqueira também fora registrada no jornal O

Debate com as expressões,

“[…] felicitamos ao Tenente Avelino de Siqueira e aos demais amigos que com elle

colaboram no louvável empenho de irradiar cada vez mais os benefícios com que o

governo da República tem em vista, mantendo a Escola de Aprendizes Artífices a

amparar os meninos não favorecidos de fortuna.”

A solenidade de distribuição de prêmios para os alunos e que contou com a presença

de diversos representantes da política local também foi destaque,

Realizou-se no dia 29 do mês findo, no edifício deste importante estabelecimento de

ensino, a festa de distribuição de prêmios aos alunos aprovados nos exames de

desenho e de ofícios, realizados nos últimos dias do mês de outubro. Compareceram

à encantadora festividade o Exmo. Sr. Dr. Joaquim Augusto da Costa Marques,

Presidente do Estado, acompanhado de seu oficial de gabinete e do ajudante de

ordens, o Dr. João da Costa Marques, Secretário da Agricultura, Dr. Oscar da Costa

Marques, Deputado Federal e Estadual, Dr. Diocleciano do Canto Menezes, Chefe

de Polícia, 1º Tenente Francisco Paes de Oliviera, entre outras autoridades e

convidados.23

Com essas manifestações, é possível conjeturar que a Escola de Aprendizes Artífices

tinha certa relevância social e política para a sociedade mato-grossense, contudo sua

importância permanecia em consonância com os princípios norteadores do decreto da sua

criação, ou seja, destinada a imprimir a disciplina e a profissionalização aos meninos menos

favorecidos da fortuna.

Como se apresentava o estabelecimento salesiano?

3.2 – O Lyceu Salesiano de Artes e Ofícios São Gonçalo em Cuiabá

A presença dos salesianos em Mato Grosso, segundo Francisco (1998) deu-se devido

aos contatos e insistentes solicitações do então arcebispo de Cuiabá, D. Carlos Luiz D’Amour

que se estenderam por mais de doze anos com os superiores em Roma e com o Pe. Lasagna,

no Uruguai. Frente às diversas dificuldades que se interpuseram à vinda dos esperados

missionários, sob a alegação de insuficiência de pessoal e atendimento a outros pedidos, o

arcebispo de Cuiabá recorreu ao governador, Dr. Manoel José Murtinho, a quem interessava a

23

O Debate nº 376 p. 1 de 1 de janeiro de 1913. Disponível no ACBM.

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67

vinda dos missionários para o Estado. O interesse do governante foi assim expresso na carta

abaixo:

Sendo de reconhecida conveniência confiar a missionários religiosos a catequese dos

índios existente neste estado, […]. Resolvi recorrer a V. Excia Revma, solicitando a

sua valiosa intervenção a fim de virem o quanto antes, para este estado se encarregar

da civilização dos índios, alguns religiosos que se destinam às missões; podendo eu,

[…] […] assegurar que o estado concorrerá com os indispensáveis meios

pecuniários para a côngrua instalações das missões que se estabelecerão, por que tal

serviço além do seu caráter humanitário e civilizador, ainda atende de perto com a

segurança e tranquilidade da indústria agrícola entre nós, a qual não poderá medrar,

enquanto viver sobressaltadas pelas correrias e ataques dos silvícolas. Do

reconhecido selo apostólico de V. Excia. Revma… Espero, Manoel Murtinho. Gov.

do Estado de Mato Grosso. (OFICIO nº 163 de 25/11/1891, Arquivo Salesiano de

Campo Grande-MS apud FRANCISCO, 1998, p. 95)

Percebe-se, na missiva, a preocupação do governador com a questão dos índios na

região, a que tudo indica o governador acha que os índios eram causadores de transtornos.

Pelo conteúdo da carta, a solicitação dos missionários no Estado é no sentido de atuar nas

missões com os indígenas. No dia 18 de junho de 1894, chegaram a Cuiabá os primeiros

representantes da Congregação Salesiana. Segundo Francisco (1998), os salesianos foram a

princípio convidados pelo bispo para aturarem no Seminário Episcopal, e pelo governo do

Estado, para o trabalho nas colônias indígenas. No entanto, os recém-chegados religiosos

passaram a atuar na catequese e na educação dos jovens da cidade de Cuiabá.

O autor acima aponta, ainda, que a chegada dos representantes da Congregação foi

destaque no jornal da cidade Gazeta Oficial do dia 03/07/1894. De acordo com o noticiário,

os salesianos foram conduzidos à Igreja da Freguesia do São Gonçalo pelo bispo D. Carlos

Luiz D’Amour e pelo governador do Estado, Dr. Manoel Murtinho, funcionários e povo.

Mereceu destaque na publicação do jornal, a Portaria que deu posse à primeira casa e

paróquia para abrigar as primeiras salas de aula, construídas na Igreja da Freguesia de São

Gonçalo do Porto com a criação do curso primário e, logo após, a criação do curso ginasial

que funcionavam nas salas anexas à Igreja.

Logo no primeiro ano de funcionamento, as instalações se tornaram insuficientes para

atender à demanda. Em 1895, com o auxílio do governo estadual, os apostólicos adquiriram

uma chácara para a construção do Lyceu Salesiano de Artes e Ofícios e, com o auxílio do

Governo Estadual, em 1898, foram instaladas as primeiras Oficinas Profissionalizantes, com

os cursos de alfaiataria, ferraria, carpintaria e curtição de couro.

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Logo após se instalarem nesse espaço, a instituição disponibilizou à sociedade mato-

grossense, a modalidade de internato, externato e semi-externato. A formação na instituição

era exclusivamente para indivíduos do sexo masculino. Além do ensino profissionalizante,

eram ofertados o primário e o secundário. O primário era preparatório para o ingresso no

secundário e no curso secundário os jovens se preparavam para ingressar no ensino superior24

ou para a obtenção do grau de bacharel em Ciências e Letras, curso oferecido pela escola

Salesiana.

O ensino profissionalizante implantado pelos salesianos em Cuiabá estava em

consonância com o pensamento vigente na época, entre os governantes, intelectuais e

representantes da Igreja Católica brasileira, conforme mencionado na publicação periódica do

então, Deputado Dr. Generoso de Siqueira ao participar da solenidade da entrega dos

diplomas aos oito novos operários:

[…] Enaltecendo a importância do ensino profissional no programa das públicas

administrações, elogia o governo de Mato Grosso pela iniciativa feliz de entregar

aos salesianos quarenta jovens desvalidos, cujos frutos ai se ostentavam nessa festa,

o acontecimento mais auspicioso havido nestes últimos tempos […] O orador finda a

sua brilhante oração. Formulando os melhores votos e concitando os poderes

públicos para atuação ainda mais ampla em benefício do ensino profissional em

nossa terra.25

De acordo com Silva (1983, p. 9), “[…] a mais pronta e a mais eficaz contribuição que

os salesianos deram à comunidade cuiabana foi sem dúvida o ensino profissional implantado

logo nos primeiros anos. […] “destinado principalmente a meninos pobres e desamparados”.

Em 1895, o ensino profissional já estava funcionando em Cuiabá, mas foi somente em

1905 que seu Estatuto definiu o perfil dos destinatários dessa modalidade de ensino. De

acordo com o Regulamento salesiano o ensino profissionalizante era destinado a

[…] fornecer aos jovens pobres e desvalidos, a Diretoria criou uma seção

profissional mantendo um curso teórico e pratico de agricultura (a 6 km de Cuiabá) e

as oficinas de tipografia, serralheria, carpintaria, alfaiataria, encadernação, curtume,

pedreiro e outras no mesmo Liceu (ESTATUTOS dos Lyceu Salesiano São Gonçalo

apud SOLENE, 1905, p. 46 apud FRANCISCO, 1998, p. 29)

De acordo com Francisco (1998, p. 22), somadas às exigências preventivas, como

requerimento de matrícula, atestados de vacinação e que não sofriam de doenças contagiosas,

24

O Estado de Mato Grosso não possuía até então instituição de ensino superior. Quando o jovem abastado

mato-grossense pleiteava ingressar em uma instituição de ensino superior, normalmente buscava outros Estados

brasileiros como a capital federal, Rio de Janeiro ou São Paulo. 25

Jornal “A Cruz” de 20 de julho de 1930 – APMT

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69

os alunos deveriam portar detalhado enxoval e os objetos de valor e dinheiro deveriam ser

entregues ao diretor.

Os empenhos dos salesianos tiveram visibilidade e suas ações foram publicadas no

jornal da cidade com as seguintes expressões,

[…] um dos institutos de ensino profissional e artístico melhor instalados nesta

capital, é o Liceu de Artes e Oficios São Gonçalo, fundado e dirigir pelos padres

salesianos. Nesse estabelecimento, ao lado dos cursos de instrução primária e

secundária, funcionam em proporção modesta, mas regularmente aparelhadas, as

oficinas de carpinteiro, ferreiro, sapateiro, alfaiate e um gabinete de química e física

e um pequeno museu para o estudo de História Natural e um observatório

meteorológico convenientemente instalados. Ultimamente foram ali criados mais um

curso de agrimensura e outro de escrituração mercantil.

O seu edifício, o melhor que até agora possuímos neste gênero, com as obras

complementares que se estão fazendo e dada à sua exelente situação, está destinado

a ser um dos mais importantes do Estado, uma vez que a sua direção continue

confiada a homens competentes e dedicados ao ensino. Na visita que ali fiz no mês

findo, fiquei agradavelmente impressionado e considerei dignos de louvor o esforço

e a dedicação desses padres em prol da instrução de nossa juventude e cuja atividade

tem-se estendido até os nossos desertos, levando aos habitantes das selvas os

benefícios da civilização. O movimento escolar neste estabelecimento foi no ano

passado de 71 alunos de instrução primária, 111 do curso secundário e 71 aprendizes

internos. Neste ano estão matriculados 80 da primeira classe, 100 da Segunda e 23

da terceira.26

As solenidades como a entrega de prêmios aos alunos também foram destaque

no jornal,

Realizou-se no dia 29 do mês findo, no edifício deste importante estabelecimento de

ensino, a festa de distribuição de prêmios aos alunos aprovados nos exames de

desenho e de ofícios, realizados nos últimos dias do mês de outubro.

Compareceram à encantadora festividade o Exmo. Sr. Dr. Joaquim Augusto da

Costa Marques, Presidente do Estado, acompanhado de seu oficial de gabinete e do

ajudante de ordens, o Dr. João da Costa Marques, Secretário da Agricultura, Dr.

Oscar da Costa Marques, Deputado Federal e Estadual, Dr. Diocleciano do Canto

Menezes, Chefe de Política, 1º Tenente Francisco Paes de Oliviera, entre outras

autoridades e convidados.27

É interessante observar que o Regulamento direciona visivelmente a que se destinava

o aprendizado dos ofícios, assim como no discurso do representante político do Estado, ou

seja, aos jovens pobres e desvalidos. Contudo, pelas exigências para o ingresso na instituição,

apontadas por Francisco (2006), pode-se deduzir que nem todos os alunos se enquadravam na

condição de pobres e muito menos na de desvalidos. De acordo com Kunze (2005) os jovens

matriculados nos cursos de ofícios eram mantidos pelos seus tutores, que se

responsabilizavam pelas obrigações financeiras, ou pelo estado, por meio de subvenções.

26

Jornal O Debate de 05 de junho de 1912 p. 2. Arquivo da Casa Barão de Melgaço em Cuiabá – Acervo de

Jornais. 27

Jornal O Debate e 1 de janeiro de 1913. ACBM – Acervo de Jornais

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70

Contudo, ainda que a instituição apresentasse exterioridade com os atos mais

abarcantes do Estado e da Igreja, torna-se pertinente estar atento ao escrito e o contexto da

região.

No entanto, apresentaria as escolas profissionalizantes a mesma importância para a

sociedade mato-grossense em relação às demais instituições de ensino da capital?

Averiguando alguns exemplares de jornais que circularam em Cuiabá no período é possível

depreender a visibilidade do ensino profissionalizante em relação às demais. Os jornais da

época são ricas fontes de investigação sobre o panorama educacional e a visibilidade das

escolas profissionais, pois são um dos poucos veículos de divulgação dos acontecimentos e

das ideias da sociedade local no início do século XX. Contudo, cabe ressaltar que não

constam no APMT todas as publicações dos periódicos e as averiguações de alguns

exemplares tiveram como obstáculo a precária condição para o manuseio e a pouca

visibilidade da escrita nos microfilmados.

OS JORNAIS E AS INFORMAÇÕES SOBRE AS ESCOLAS DA ÉPOCA

Jornal/Período de

Circulação

Quantidade de

jornais

verificados

Quantidade de Notícias

Escola Pública

primaria e

secundaria

Lyceu

Salesiano São

Gonçalo

Escola de

Aprendizes

Artífices

Gazeta Oficial de

Mato Grosso (1909-

1928)

221 193 10 17

Diário da Tarde

(1915)

10 05 02 01

O Matto Grosso

(1912-1928)

22 16 07 01

O Debate (1912-1915) 84 44 14 16 Quadro elaborado a partir dos exemplares verificados no APMT.

Como o quadro acima mostra, dentre as publicações da Gazeta Oficial de Mato

Grosso, 89 fazem referência ao Lyceu Cuyabano e 57 à Escola Normal e Modelo. Os outros

47 noticiários mencionam outras escolas como as escolas isoladas, grupos escolares e

relatórios da Instrução Pública. Em relação ao Lyceu Salesiano, os 10 noticiários são editais

de abertura de matrícula e visitas ilustres. Todas as 17 notícias sobre a Escola de Aprendizes

Artífices são editais de chamada para matrícula.

Embora o Jornal Diário da Tarde tenha circulado por pouco tempo, este reproduziu

notícias com características diferentes dos demais jornais em relação às escolas de Cuiabá. A

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71

única notícia sobre a Escola de Aprendizes Artífices reproduz o clima político envolvendo

diretor e ex-diretor da instituição. As cinco notícias sobre Lyceu Cuyabano retratam a relação

de descontentamento entre professor e alunos do estabelecimento. Em relação ao Lyceu São

Gonçalo, as duas noticiam concurso para professores.

Nos noticiários do Jornal O Debate verificou-se que entre as 44 notas sobre escolas

públicas primárias e secundárias, o maior destaque é para a Escola Normal e Modelo com 17

notícias referentes à chamada de matrícula, a exame de suficiência, à relação de alunos

aprovados e a festividades. As outras 27 notas são de diversas escolas da região, sendo que

somente duas se referem ao Lyceu Cuyabano.

Das 14 notas sobre o Lyceu Salesiano, uma dá destaque aos cursos profissionalizantes,

as demais são chamadas para matrícula, solenidades de encerramento do ano letivo com as

formaturas, festividades da padroeira, visitas ilustres. Em relação à Escola de Aprendizes

Artífices os noticiários são relativos às chamadas de matrícula, a relação dos alunos

aprovados nos exames finais de 1914 e a relação dos premiados, visitas ilustres.

Pelas notícias veiculadas pelos periódicos acima, é possível depreender que as escolas

profissionalizantes de Cuiabá tinham certa importância social e política para a sociedade

mato-grossense, pois a maior quantidade delas se refere às insistentes chamadas para

matrícula e as demais noticiam a presença de visitantes ilustres. Ao passo que as instituições

do ensino primário como a Escola Modelo e o secundário como o Lyceu Cuyabano parecem,

pelos menos nas publicações ter maior importância no contexto educacional.

3.3 – Os Alunos Negros

Eleger como objeto da pesquisa alunos negros na educação profissional na Primeira

República revelou o quanto é complexo dar visibilidade a esse grupo. No início da pesquisa

de campo tínhamos a expectativa de localizar documentos sobre a presença dos alunos negros

nas instituições profissionalizantes. No decorrer da investigação deparamos com arquivos

desordenados e com a ausência de documentos que esclarecem o pertencimento racial dos

alunos.

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Um dos desafios a ser superado pelos pesquisadores que percorrem a história do negro

é a ausência de documentos que indicam o pertencimento racial dos alunos, seja no âmbito da

educação ou em outros espaços sociais. No entanto, ainda que seja difícil precisar a cor dos

alunos no período pesquisado, não é tarefa impossível se transformarmos essa dificuldade em

um problema histórico. Trata-se de buscar todos os fiapos de informações e juntá-los em

mosaicos de evidência até que esse verdadeiro “quebra-cabeça” apresente um quadro

minimamente coerente. (MATTOS, 1998)

Mattos e Rios (2005), para resgatar a história dos ex-escravos e seus descendentes

após a abolição, utilizaram de grande número de entrevistas orais com as famílias dos ex-

escravos e mostram o quanto é difícil, porém, significativo registrar a história, até então dos

excluídos da historiografia. De acordo com as pesquisadoras, a análise das entrevistas orais

possibilitou não apenas complementar as lacunas das fontes escritas para o estudo das

populações libertas, mas também abriram perspectivas de análises das várias formas possíveis

de passagem da escravidão para a liberdade.

Para Schwartz28

, “a historiografia moderna apresentou interesse crescente pela

memória coletiva e cultural e pela maneira como ela afeta a forma como a história é

comemorada, celebrada, lembrada ou esquecida”.

Müller (2008) utiliza imagens fotográficas de professores e alunos para demonstrar

que apesar de os documentos oficiais não registrarem a cor, havia sim uma parcela

significativa de alunos e professores negros nas escolas. A autora levou dez anos para fazer a

pesquisa e teve a sorte de encontrar um conjunto de fotografias nos acervos pesquisados.

Em 2009, Cruz e Vila, ao pesquisar a presença de crianças negras e pardas nas escolas

de instrução pública primária na Primeira República no Estado de Mato Grosso, ponderou que

havia significativa quantidade de crianças negras e mestiças nas escolas de instrução pública

primária, apesar de a documentação não se referir diretamente à cor ou raça das crianças.

A confirmação das presenças dessas crianças nas escolas, segundo os pesquisadores,

se deu por meio de informações levantadas nos relatórios realizados pelos Diretores da

Instrução e pelo Presidente do Estado, combinadas com estudos populacionais exercidos

28

Stuart Schwart, in Rios e Mattos. Memórias do Cativeiro: família, trabalho e cidadania na pós-abolição, 2005,

p. 09.

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73

naquele período, além do trabalho de outros pesquisadores, os quais revelaram que a maior

parte da população mato-grossense era de pardos e negros.

Quanto ao silenciamento do quesito cor (raça) nos documentos educacionais, os

pesquisadores afirmam que a escola não estava preocupada em realçar as diferenças raciais

dos alunos, mas ao contrário, o interesse era o de homogeneizar todas as diferenças.

Peres (2002), por sua vez, analisa a presença de estudantes negros que frequentaram o

curso noturno da Biblioteca Pública Pelotense no século XIX. A pesquisadora constatou que

na documentação da escola não havia registro da condição racial dos alunos. Para averiguar a

presença de alunos negros, Peres cruzou os nomes dos registros escolares com outras fontes,

como jornais de entidades negras.

De acordo com essa autora, é fundamental ampliar o conceito de fontes, reinventar

formas e estratégias de tratamento dessas fontes e construir também novas formas de

interpretá-las para dar visibilidade à presença ou ausência do segmento negro no processo de

educação/escolarização no contexto da educação brasileira. Peres recomenda que trabalhar de

modo criativo as fontes em História da Educação, formulando estratégias para superar os

limites dos documentos, é essencial, uma vez que as escassas fontes existentes sobre o

segmento negro nem sempre registram o pertencimento racial.

Nessa perspectiva, entende-se que a utilização de diversas fontes abre possibilidades

de recuperação da experiência dos sujeitos sociais, que por muito tempo ficaram invisíveis

como agentes históricos. É o caso dos alunos negros das instituições profissionalizantes de

Cuiabá que ao terem seu universo revisitado possibilitam a reconstituição do contexto social e

escolar em que viviam.

De acordo com Ragazzini29

(2001), as fontes não revelam o conhecimento histórico

por si mesmo, como afirmaram os positivistas, mas pela leitura, análise e interpretação do

pesquisador. Para ele,

“a fonte é uma construção do pesquisador, isto é um reconhecimento que se

constitui em uma denominação e em uma atribuição de sentido; é uma parte da

operação historiográfica. Por outro lado, a fonte é o único contato possível com o

passado que permite formas de verificação. Está inscrita em uma operação teórica

produzida pelo presente, relacionada a projetos interpretativos que visam confirmar,

contestar ou aprofundar o conhecimento histórico acumulado. A fonte provém do

passado, é o passado, mas não está mais no passado quando é interrogado. A fonte é

29

Artigo intitulado “Para quem e o que testemunha as fontes da História da Educação”. Tradução de Carlos

Eduardo Vieira. Educar em Revista, nº 18, 2001.

Page 75: ZILMA MARIA SILVA MARQUES PRESENÇA DE ALUNOS … · Pesquisa Movimentos Sociais, Política e ... Presença de alunos negros no ensino profissionalizante na Primeira República em

74

uma ponte, um veículo, uma testemunha, um lugar de verificação, um elemento

capaz de propiciar conhecimentos acertados sobre o passado. (p. 14)

As fontes selecionadas para reconstituir a história das instituições escolares e dos

alunos não devem ser somente as que se encontram nos arquivos das instituições, “as fontes

provenientes das práticas escolares não representam as únicas possibilidades para os estudos-

educativos, portanto não autossuficientes, ainda que sejam importantes e significativas”.

(RAGAZZIN 2001, p. 20),

Como então foram sendo enfrentados os desafios apresentados pelo silêncio das fontes

a respeito nesta pesquisa? Para superar os desafios foi preciso percorrer longo caminho. Os

locais da coleta de dados foram o Arquivo Público de Mato Grosso (APM), os Arquivos das

Instituições de Ensino Colégio Salesiano São Gonçalo, Instituto Federal de Mato Grosso

(IFMT) e o Arquivo da Cúria Metropolitana de Cuiabá. Para a obtenção dos dados foram

priorizadas fontes documentais escritas e icnográficas como livros de registros de exame final,

fotografias, Relatórios de Instrução Pública, ofícios diversos, registro de recenseamento

populacional de 1890 e periódicos que circularam no Estado de Mato Grosso no período

pesquisado, e o Álbum Graphico do Estado de Matto-Grosso de1914.

A entrevista também foi instrumento empregado no decorrer da pesquisa. Para

localizar os senhores que foram entrevistados, buscamos informações com conhecidos,

amigos e parentes de mais idade sobre os profissionais que se dedicaram aos ofícios que

foram ensinados nas instituições e também percorri as ruas de Cuiabá procurando

informações sobre sapateiros, alfaiates, carpinteiros e tipógrafos mais antigos. Não foram

muitas as indicações, mas as poucas recomendações foram significativas, pois apontaram

indícios da presença de alunos negros nas instituições.

O que os documentos escritos revelam sobre os aprendizes?

Cellard (2008) considera que o uso de documentos escritos deve ser contemplado e

valorizado. A riqueza de informações que deles podemos extrair e resgatar justifica seu uso

em várias áreas das Ciências Humanas e Sociais, porque possibilita ampliar o entendimento

do objeto, cuja compreensão necessita de contextualização histórica e sociocultural. Na

reconstrução de uma história vivida “[…] o documento escrito constitui, portanto, uma fonte

extremamente preciosa para todo pesquisador nas ciências sociais.” (p.295).

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75

Inicialmente, os primeiros nomes dos alunos da EAA foram localizados em alguns

periódicos30

que circularam em Mato Grosso. Entre as fontes referentes ao Lyceu de Artes e

Ofícios São Gonçalo, localizei 03 (três) livros com os resultados de exames finais dos alunos

que frequentaram as oficinas e o curso elementar, sendo que parte do acervo continha

documentos a partir de 1930. Sobre os demais documentos do período pesquisado tivemos

notícias que eles, provavelmente, foram incinerados por falta de espaço para arquivá-los. No

entanto, não havia nos documentos localizados quaisquer indícios quanto ao pertencimento

racial dos alunos.

A partir dessas informações foi possível elaborar quadros31

com os nomes dos alunos

que frequentaram a Escola de Aprendizes Artífices nos anos de 1911, 1914 e 1916 e do Lyceu

de Artes e Ofícios São Gonçalo entre os anos de 1898 a 192432

.

De posse desses nomes, buscamos o censo de 1890 para identificar o pertencimento

racial dos alunos, pois esse documento contém o item raça. O objetivo de cruzar os nomes da

população listados no recenseamento, especialmente, com a idade entre 0 a 10 e, identificados

no item raça como preta, com os dos alunos, principalmente as do Lyceu Salesiano de Artes e

Ofícios São Gonçalo, que instalaram as oficinas desde 1897, por acreditar na probabilidade de

identificação de jovens negros com idade entre 10 e 12 anos que frequentaram as oficinas do

Lyceu. Contudo, não obtivemos sucesso, pois vários nomes que são relacionados com a cor

preta listados no censo não aparecem completos. Os censos posteriores não foram

consultados, pois o item que define o pertencimento racial não fez parte do referido

levantamento censitário. Somente em 1940 é que ocorreu a inclusão da categoria cor.

Na busca por mais informações sobre os alunos negros das instituições, buscamos os

arquivos da Cúria Metropolitana de Cuiabá. Os registros de batismos verificados foram os da

Paróquia Catedral, Igreja Senhor dos Passos, Santa Casa de Misericórdia, Igreja Nossa

Senhora do Rosário, Bella Vista, freguesia de Nossa Senhora da Boa Morte, Capella do Asylo

Santa Rita, Capella do Colégio Salesiano, Bom Despacho e Seminário Episcopal de Cuiabá.

Os registros verificados foram entre 1890 a 1923. Entretanto, é relevante ressaltar que não

foram averiguados todos os registros dos anos acima.

30

Os periódicos que contem os nomes dos alunos são: Gazeta Oficial de Mato Grosso nº 3339 de 14/11/1911 e de

nº 3.943 de 11/01/1916; o Debate nº 943 de 19/12/1914. 31

Os quadros com os nomes dos alunos e as oficinas que cursavam constam nos anexos. 32

A elaboração do quadro com os nomes dos alunos do Lyceu de Artes e Ofícios é de acordo com os nomes

disponíveis nos 3 livros. No entanto, considerando que são 26 anos do período verificado, não é possível afirmar

que todos os alunos que frequentaram os cursos profissionalizantes no período mencionado constam nos

referidos livros.

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76

Esse procedimento metodológico, de cruzar alguns nomes de alunos com os registros

teve limites, pois as informações nos registros de batismo se limitam ao primeiro nome da

criança batizada, nomes dos pais, nem sempre completos e corretos e os nomes dos padrinhos.

3.4 – O que as entrevistas revelam?

Como não foram localizadas fontes escritas sobre os alunos da Escola de Aprendizes

Artífices, decidimos pela continuidade da coleta de dados, o uso de entrevistas, pois a referida

técnica permite estabelecer diálogo com os sujeitos entrevistados, em momento de trocas de

ideias e significados. Além disso, as entrevistas aprofundam as questões e esclarecem os

problemas observados (ANDRÉ, 1998).

Minayo (1994, p. 57) assinala que a entrevista pode ser entendida sob dois aspectos:

“[…] num primeiro nível, essa técnica se caracteriza por uma comunicação verbal

que reforça a importância de linguagem e do significado da fala. Já num outro

nível, serve como um meio de coleta de informação sobre um determinado tema

cientifico”.

O uso da entrevista no contexto desta pesquisa contribuiu para obtenção de múltiplos

subsídios que possibilitaram indagar e refletir sobre as instituições profissionalizantes e seus

alunos, negros ou não.

O objetivo inicial era reunir maior quantidade possível de senhores que estudaram nas

escolas profissionalizantes ou que conheceram outras pessoas que as frequentaram no período

escolhido para o estudo, mas isso não foi possível. Após muitas indagações, contatamos seis

senhores com idade variando entre 78 a 92 anos. Cabe observar que os entrevistados não

estudaram nas escolas no período cronológico pesquisado, no entanto, é admissível inferir que

a diferença entre os períodos não são distantes o suficiente para que pudessem ocorrer

mudanças significativas na estrutura das escolas e da sociedade. Assim sendo, o depoimento

de quase contemporâneos pode trazer novas perspectivas para a pesquisa e análises.

Mattos e Rios (2005), para resgatar a história dos ex-escravos e seus descendentes,

após a abolição utilizaram de grande número de entrevistas orais com as famílias dos ex-

escravos. Para as autoras, as análises das entrevistas possibilitaram não apenas complementar

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77

as lacunas das fontes escritas para os estudos, mas também abriram perspectivas de análises

das várias formas possíveis de passagem da escravidão para a liberdade.

Para Bosi (1994), a memória como função social “possui uma riqueza e uma

diversidade que não conhecemos e pode chegar-nos pela memória dos velhos”. (p. 82) Sobre

as lembranças das pessoas idosas a autora indica que nelas é possível verificar uma história

social bem desenvolvida; elas já atravessaram um determinado tipo de sociedade, com

características bem marcadas e conhecidas, elas já viveram quadros de referências familiares e

culturais igualmente reconhecíveis.

Os senhores33

são o Sr. A. S., nascido em 1929, em Cuiabá, exerceu na juventude a

profissão de alfaiate no Bairro do Porto. Não frequentou as escolas profissionalizantes,

aprendeu o oficio com o mestre Benedito Infantino. Sr. A. P., hoje com 92 anos de idade,

permaneceu como interno, no ano de 1930, no Lyceu de Artes e Ofícios São Gonçalo,

estudando o primário e aprendendo o oficio de alfaiate. O Sr. I. S., 75 anos de idade,

cuiabano, sapateiro, em 1949 foi matriculado na EAA. O Sr. L. L., 81 anos, natural Rosário

Oeste, foi matriculado na EAA em 1947, aprendeu o oficio de marceneiro. O Sr. L. B., 78

anos, nascido em Nossa Senhora da Guia, em 1948 prestou o exame para ingressar na oficina

de sapataria na EAA.

O que nos informam esses senhores sobre os alunos das Escolas profissionalizantes?

Apesar de não ter sido aluno em nenhuma das instituições, o Sr. A. S. informou que,

[…] a EAA era mais frequentada por meninos pobres, uma vez que a instituição era

mantida pelo governo federal e não cobrava nada das famílias, além de que os

alunos passavam o dia inteiro na Escola e recebiam uniformes e alimentação, além

de aprender uma profissão, mesmo que não fossem praticar depois.

E, como “a maioria dos pobres era de pretos ou quase pretos, então só podia ter mais

pretos do que brancos”. De acordo com os dados dos censos de 1890, em Cuiabá, na

Freguesia da Sé 51% da população era de pardo e 19% de preto, enquanto que na Freguesia

do São Gonçalo era de 57% de pardo e 14% de preto. Conforme os dados apresentados por

Hasenbalg (2005 p. 288), a população de não-brancos de Mato Grosso em 1890 era de 70,2;

em 1940, de 48,4% e em 1950 de 45,7 %. Considerando os dados do censo e a fala do

entrevistado é possível perceber que a população do Estado tinha a composição racial

significativa formada por negra e mestiça.

33

O nome completo dos entrevistados não será apresentado. Eles foram identificados apenas pelas primeiras

letras dos nomes.

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78

Ao referir-se ao Lyceu Salesiano de Artes e Ofícios São Gonçalo, diz que “pouco sabe

dessa escola, pois os padres quase não faziam questão de ter gente pobre estudando lá, porque

dava despesas”.

O Sr. A. P. conviveu com muitos meninos de outras cidades próximas e distantes de

Cuiabá, como Santo Antonio, Barão de Melgaço, Livramento, Dourados, Poconé. Os “os

internos era gente pobre e os semi-externos eram gente que tinha melhores condições, esses

ficavam o dia inteiro na escola e no final da tarde iam para suas casas. Eram poucos”.

Buscando saber sobre a cor desses meninos, disse-me que “era misturado, tinha

menino de todo jeito”. Ao serem apresentadas as listas com os nomes dos alunos das duas

escolas, o Sr. A. P. reconheceu alguns nomes do Lyceu de Artes e Ofícios São Gonçalo,

como: Apolônio Bouret “foi prefeito de Cuiabá”, Ferreira Mendes “naturais de Diamantino”,

Paes de Barros “família numerosa” e Figueiredo “muito inteligentes”. Indagado sobre a cor

dessas pessoas, o entrevistado disse serem “mais para branca”.

Em relação à EAA, Sr. A. P. tinha notícias dessa escola por meio das conversas que

ouvia nas alfaiatarias e nas ruas da cidade. “Quem estudava lá eram meninos de famílias

pobres da cidade ou eram meninos que moravam com gente de “situação boa”. Sobre a escola,

“[…] era muito boa, os alunos iam de manhã e ficavam o dia inteiro, recebiam alimentação e

uniformes e aprendiam uma profissão”.

O Sr. I. S., quando aluno da EAA teve vários colegas, inclusive um que era “bem

preto” de nome Benigno Pereira, “virou mestre da escola”.

Ao apresentar a lista com nomes dos alunos que frequentaram a EAA entre os anos de

1914, 1915 e 1916 o Sr. L. L. identificou os seguintes nomes34

: Isidoro Pinto de Arruda

(1916), negro, alfaiate; Libânio do Amarante (1916), moreno escuro, carpinteiro; Aureliano

de Oliveira (1916), negro, carpinteiro; Cesário José do Espírito Santo (1916), negro,

carpinteiro; João Libânio, negro, carpinteiro; João Felix, negro, mestre de carpintaria e foi

aluno na EAA. O entrevistado lembra que não conhecera essas pessoas como alunos da EAA,

mas sabe que eles foram aprendizes dessa escola e exerciam as profissões acima.

O Sr. L. B., indagado sobre os primeiros anos da EAA e seus alunos, informou ter

conhecido muitas pessoas que estudaram nas oficinas, principalmente sapateiros e alfaiates.

34

Os cinco primeiros nomes identificados pelo entrevistado constam no quadro 02 do anexo. Os dois últimos

nomes não fazem parte de nenhum dos quadros.

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79

Quanto à cor desses seus conhecidos disse que “[…] tinha pessoas de todo jeito branca,

moreno, preto”. Em relação à condição social e econômica o entrevistado indicou que “a

maioria dos alunos eram pessoas de famílias pobres”.

As entrevistas confirmam que alunos negros, provenientes de famílias pobres

frequentaram os cursos profissionalizantes da Escola de Aprendizes Artífices e do Lyceu de

Artes e Ofícios São Gonçalo para estudar o primário, desenho e para aprender os ofícios

oferecidos pelas escolas. No entanto, as entrevistas deixaram também espaços para a história

de vida e as experiências individuais nas quais foi possível vislumbrar alguns aspectos das

escolas e dos alunos, como o apadrinhamento para o ingresso nas escolas e, na escolha dos

ofícios, o preconceito entre os próprios alunos em relação às profissões, a curta permanência

da maioria dos alunos no Lyceu de Artes e Ofícios São Gonçalo.

O apadrinhamento parece ter sido importante no processo de inclusão dos jovens nas

escolas e na escolha das oficinas. Essa situação confere nas falas dos Sr. A. P. “a

oportunidade de estudar e ter uma profissão foi com a ajuda do Dr. Athayde, médico da

cidade de Poconé”. Semelhante processo ocorreu também com o Sr. I. S., pois a sua matrícula

na EAA foi por interseção dos seus “protetores”, “era muito difícil conseguir uma vaga nessa

escola, muita gente pobre queria, mas era (sic) poucas vagas, sempre foi assim”, e a do Sr. L.

B. foi indicação do mestre de marcenaria da EAA.

No complexo sistema social brasileiro, as relações foram e são interligadas de

patrocínio, amizades e relacionamentos familiares. No Brasil, percebe-se a coexistência de

dois códigos sociais de conduta. O primeiro é o tradicional, organizado por hierarquia, no qual

a identidade se dá pelo sentimento de pertencimento a determinado patamar, e que

predominam as relações pessoais. O segundo é moderno e coloca todos em igualdade,

teoricamente. Os indivíduos são aqueles que estão subjugados às leis impessoais e as

pessoais, são aqueles que possuem papel de relevância dentro da hierarquia social local, ricos,

políticos, médicos. As pessoas têm o poder de transpor a lei, usá-las ou passar por cima dela

de acordo com os seus interesses. Os que têm relação de parentesco ou apadrinhamento

podem também de sua influência usufruir por meio do fenômeno de projeção social.

(DAMATTA, 1997, p. 192).

No processo de inclusão dos jovens nas escolas profissionalizantes, é razoável

presumir que os indivíduos, no termo usado pelo autor citado, ao lançar mão do

apadrinhamento para dar acesso à educação aos jovens, são porque provavelmente a educação

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80

para essas famílias significava sinônimo de sociabilidade e melhores condições de vida para

os seus e a intervenção de pessoas de relevância dentro da hierarquia social possibilitava a

realização do desígnio.

Outro aspecto interessante ressaltado é a escolha dos ofícios e as diferenças entre os

alunos, principalmente entre os aprendizes de sapateiro e alfaiate. Pressupunha que as

escolhas deveriam ser de acordo com as aptidões dos alunos, após a observação deles em

todas as oficinas por determinado período, sobretudo na EAA. No entanto, há indícios de que

esse processo nem sempre era respeitado. As escolhas das oficinas apresentam diversas

possibilidades.

Os ingressos nas oficinas podiam ser pela escolha do aluno, como, por exemplo, a

oficina de sapataria “[…] era a profissão que tinha melhor condições de dar retorno financeiro

imediato e podia fazer os calçados para os membros da família” (Sr. L. B.) Pela aptidão

“minha escolha foi para aprender o trabalho de marcenaria, tinha mais facilidade” (Sr. L. L.)

Também o processo ocorria pela condição social, “mais pobre”, “menos pobre”, parecem ser

os ofícios de sapateiro e seleiro mais adequados a esse grupo, “eu não queria ser sapateiro,

porque os colegas discriminavam, ficava fedendo o couro, queria estar na oficina de alfaiate,

era mais limpo” (Sr. I. S.), enquanto que as oficinas de ofícios de alfaiataria e marcenaria

eram destinados ou escolhidos por aqueles considerados de melhores condições financeiras

“era comum os alunos menos pobres ir aprender esses ofícios, porque era caro montar um

negócio depois de formado” (Sr. L. B.), “não era qualquer pessoa que tinha condições de

montar marcenaria para a fabricação de móveis, exigiam muitos recursos” (Sr. L. L.)

O preconceito e as disputas entre os jovens alunos se davam ao mesmo tempo em

torno das profissões, principalmente das oficinas de alfaiates e sapateiros, as querelas eram

assim expressas “os alunos da alfaiataria chamavam os alunos da sapataria de “lambe sola” e

os alunos da sapataria retrucavam chamando os alunos da alfaiataria de “bicha”, porque

aprendiam ofícios de mulher” (Sr. L. L.) Essa situação é assinalada também pelo Sr. L.S. da

seguinte maneira “eu não queria ser sapateiro, porque os colegas discriminavam, ficava

fedendo o couro, queria estar na oficina de alfaiate, era mais limpo”.

Dentre esses jovens que buscavam a EAA para aprender os ofícios como forma de

ingressar no mercado de trabalho, havia também os considerados rebeldes, para eles,

frequentar a escola não era uma escolha, mas castigo “comentava-se entre os funcionários

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mais antigos que muitos alunos da escola eram os rebeldes que haviam sido expulsos de

outras escolas”, mas que “esses meninos não eram filhos de gente pobre”. (Sr. L. L.)

Os depoimentos permitem deduzir que nem sempre a escolha da aprendizagem do

ofício atendia às expectativas dos jovens, especialmente na EAA. Frequentar oficinas como

alfaiataria, marcenaria, que eram ofícios considerados, pode-se dizer, de maior prestígio,

dependia das conjunturas em que o candidato estava inserido. Os ofícios menos prestigiados,

mas que dariam retorno financeiro mais fácil por serem ofícios que necessitavam de pequenos

investimentos como sapataria e selaria, provavelmente estavam entre as escolhas ou

imposição aos jovens mais pobres.

No Lyceu de Artes e Ofícios, normalmente, os alunos não concluíam o curso

profissionalizante […] “quase ninguém terminava o curso” […] (Sr. A. P.) Nos dados do

quadro 05 (anexo) constata-se que poucos foram os alunos que permaneceram na escola até a

conclusão do curso, com duração de quatro anos. Dos 180 nomes que constam no quadro,

somente 17 permaneceram na escola por quatro anos. Sendo 7 entre 1897 a 1910 e 10 nos

primeiros anos da década de 20. A média da permanência dos demais é 1 a 2 anos.

A curta permanência pode ser compreendida pelas reais condições da escola,

[…] a vida no internato era muito difícil […] a comida era pouca, um pedaço de pão

com manteiga e chá pela manha e feijão com arroz no almoço, o banho de corpo

inteiro era só uma vez por semana quando sai em passeio ao riacho próximo à

escola, em outros dias o asseio era feito com pouca água. (Sr. A.P.)

No entanto, não se pode afirmar que durante todo o período em que funcionou o

regime de internato, as condições eram iguais ou semelhantes às descritas acima.

Outro aspecto a ser considerado é a necessidade ou interesse que esses jovens tinham

de se inserir no mercado de trabalho, pois “quando aprendiam um pouco dos ofícios, iam

procurar trabalho nas alfaiatarias da cidade, todo mundo usa terno, os meninos faziam bainha

e pregavam botão até aprender a cortar e costurar” (Sr. A.P.).

3.5 – As Imagens: o que revelam sobre os alunos negros?

A utilização da fotografia como documento é um conceito que se origina já com os

primeiros usos por ela propiciados. A representação fotográfica acompanhou as

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transformações sociais e necessidades de grupos que dela se serviram. Sua peculiaridade é

apresentar duplo sentido: o que expõe e o que oculta.

Segundo Turazzi (2005), na historiografia do século XIX e boa parte do século XX,

o documento escrito era encarado como fonte pronta e acabada que concebia ao historiador as

certezas da História. No entanto, hoje, essas concepções já não respondem às nossas

indagações sobre o passado e o presente das sociedades. Para muitos pesquisadores

contemporâneos, o conhecimento histórico se constrói e se renova a cada dia com estudos e

questionamentos de fontes de informações diversificadas – documentos textuais, visuais, entre

outros. Trata-se, portanto, de outra postura metodológica diante dos documentos históricos em

geral, na qual se inclui o documento fotográfico.

De acordo com Kossoy (2001, p. 32), as fontes fotográficas são uma possibilidade de

investigação e descoberta que promete frutos na medida em que se tentar sistematizar suas

informações, estabelecer metodologias adequadas de pesquisa e análise de seus conteúdos e,

por consequência, da realidade que os originou.

Segundo Leite (1998, apud TURAZZI, 2005, p.01),

“um conhecimento pré-existente da realidade representada na imagem mostrou-se

indispensável para o reconhecimento do conteúdo da fotografia. Essa apreensão

requer, além de aguçados mecanismos de percepção visual, condições culturais

adequadas, imaginação, dedução e comparação”.

Ciente das especificidades das imagens fotográficas, de seus alcances e limites como

fontes, se fazem necessário estar atenta às indicações de Burke (2004, p. 237) que “esses

“documentos” precisam ser colocados no contexto político, cultual e material, incluído o

lugar, o tempo, os interesses do artista e do patrocinador e a pretendida função da imagem”.

A confirmação da presença de alunos negros frequentando as oficinas

profissionalizantes nas escolas, no período pesquisado, pode ser constatada por meio das

fotografias do Lyceu Salesiano de Artes e Ofícios São Gonçalo e da Escola de Aprendizes que

foram localizadas nos arquivos do Colégio São Gonçalo e no O Álbum Graphico do Estado

de Mato Grosso de 1914. As fotografias localizadas no arquivo da instituição referente ao

Lyceu Salesiano de Artes e Ofícios São Gonçalo foram reproduzidas em tamanho 18x12, em

preto e branco e nem todas elas estão identificadas com datas. Quanto aos nomes, dos

retratados e do fotógrafo, o anonimato é total.

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Souza (2001, p. 78/79) esclarece que o anonimato nas imagens fotográficas, como a

ausência de datas e nomes que as identifiquem são indicativos de uma funcionalidade que se

inscreve na ordem afetiva dos significados compartilhados e escapa à lógica do documento e

do arquivo. Desse modo, elas se constituem em um instrumento de memória institucional e de

recordação e, poucas vezes, como instrumento de história.

Imagem 01. Exposição dos trabalhos da oficina de sapataria. Autor não identificado.

Fonte: Acervo do Colégio São Gonçalo

Esta fotografia não tem data de identificação, porém, é possível deduzir que pela

seriedade, o vestuário e a disposição dos fotografados, que se trata da solenidade de formatura

e a exposição dos trabalhos desempenhados pelos aprendizes. Na imagem, percebe-se que há

preocupação em destacar quem comandou os envolvidos da aprendizagem e comandou a

respectiva produção, ou seja, o professor e o mestre estão sentados à frente da mesa e os dois

prováveis formandos estão em pé logo atrás. A exposição parece ter sido uma prática

constante nas solenidades de encerramento do curso de aprendiz ao final ano. Isso porque o

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jornal “A Cruz” faz referência a uma dessas festas, ocorrida em 1926, que contou com a

presença do Presidente do Estado.

[…] Exmo. Sr. Presidente do Estado visitou todas as dependências do

estabelecimento, as aulas oficiais, refeitórios, dormitórios, o importante observatório

meteorológico e santuário de N. S. Auxiliadora em adiantada construção, recebendo

de tudo ótima impressão. Teve palavras de elogio e carinho particular no pavilhão da

Exposição profissional, em que se admitiram os trabalhos confeccionados pelos

pequenos aprendizes.35

Divulgar o momento solene da formatura e expor os resultados dos trabalhos

elaborados pelos aprendizes sob a orientação dos responsáveis, provavelmente, constituía

estratégia de valorização do ensino profissionalizante perante a sociedade mato-grossense,

especialmente no que diz respeito à formação de artesãos na fabricação de calçados a fim de

atender às necessidades da população na época.

Imagem 02. Grupo de Aprendizes do Lyceu de Artes e Ofícios São Gonçalo, 1931. Autor não identificado

Fonte: Acervo do Colégio São Gonçalo

35

Jornal “A Cruz” ano XVII nº 737 p. 2 de 8 de agosto de 1926. Disponível no Arquivo da Casa Barão de

Melgaço em Cuiabá.

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Ao eleger a imagem “Grupo de Aprendizes”, fotografada em 1931, como parte do

acervo a ser analisada é porque, mesmo fora do período da pesquisa, a imagem revela a

presença de aprendizes com idades variadas, onde os que aparentam mais velhos,

provavelmente, ingressaram na Instituição em período anterior à data da fotografia.

Conquanto não haja identificação de qual curso profissionalizante se trata a formalidade

fotografada, verifica-se a presença de alunos negros e mestiços entre o grupo de alunos.

Imagem 03. Grupo de formados das oficinas de tipografia e encadernadores, 1931. Autor não identificado.

Fonte: Acervo do Colégio São Gonçalo

A imagem acima também é relativa ao ano de 1931 e se refere à formatura dos

Tipógrafos e Encadernadores. Pela organização do grupo, é possível deduzir que os

formandos sejam os dois jovens sentados à esquerda e um à direita, de maneira que os

professores e mestres ficaram ao centro. Os demais aprendizes do curso ficaram dispostos

atrás, em pé. Nota-se que o grupo é formado pela maioria de jovens negros e mestiços,

inclusive os formandos.

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Imagem 04. Aprendizes de sapateiro na oficina. s.d. Autor não identificado.

Fonte: Acervo do Colégio São Gonçalo

É relevante salientar que nas imagens acima, os fotografados expõem ar de seriedade,

somente uma criança na imagem 2, que está em pé na extrema esquerda, emite sorriso furtivo.

No mais, observa-se que, em geral, a postura dos aprendizes é de manter as pernas juntas,

com os braços cruzados ou estendidos rente ao tronco. Segundo Souza (2001 p. 90), a pose

para a fotografia na primeira metade do século XX consistia num ritual de compenetração,

haja vista que a escola sempre foi dita como espaço de ordem, obediência, silêncio e

disciplina.

As imagens revelam que todas as atividades que formaram a dinâmica cotidiana

escolar caracterizam-se, principalmente, como modo de organizar o espaço, de controlar o

tempo, de vigiar e registrar continuadamente o indivíduo e sua conduta. A distribuição dos

alunos nos espaços de cada oficina sob o controle dos mestres é o primeiro passo da

disciplina. Separar os corpos. Nas imagens comemorativas, como formaturas e visitas de

pessoas ilustres, os aprendizes vestem uniformes semelhantes a dos militares. A disposição

dos menores na foto também denota postura ereta e rostos compenetrados.

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Para Foucault (1987), disciplina não se encontra localizada, e sim se constitui numa

tecnologia, espécie de poder composto por instrumentos, técnicas, procedimentos e alvos. De

acordo com o pensador, “esses métodos que permitem o controle minucioso das operações do

corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhe impõem uma relação de

docilidade-utilidade, são o que podemos chamar “as disciplinas”. (p. 126)

A importância da implantação de métodos disciplinares nas escolas profissionalizantes

deve-se ao fato de que eles, não apenas tendem a evitar a utilização de castigos violentos, mas

permitem o aproveitamento aprimorado e eficiente do potencial do aluno, enfraquecendo,

assim, as possibilidades de revoltas e questionamentos à ordem estabelecida. De acordo,

ainda, com Foucault (1987, p. 127) “a disciplina fabrica corpos submissos exercitados, corpos

dóceis. A disciplina aumenta as forças do corpo, em termos econômicos de utilidade, e

diminui essas mesmas forças, em termos políticos e obediência”. Os métodos disciplinares

nas escolas, dessa forma, permitem incrementar as aptidões, a atividade, a produtividade e

mantém relação de dominância e obediência aumentada.

Sendo assim, o regime de ordem imposta ou livremente consentida à massa de

analfabetos brasileiros, destacando aqui mestiços e negros, a ser feita pelas escolas

profissionalizantes nas primeiras décadas da República, provavelmente, contribuiu para

internalizar as regras de convivência em uma sociedade disciplinada e, consequentemente,

impedir comportamentos revoltosos que colocassem em perigo a ordem social estabelecida.

Imagem 05. Alunos e professores do Lyceu de Artes e Ofícios “São Gonçalo”

Fonte: Acervo da Casa Barão de Melgaço

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É provável que esta fotografia tenha sido tirada nos primeiros anos de funcionamento

do Lyceu, pois se percebe que as crianças enfileiradas na parte da frente e que,

provavelmente, eram os aprendizes das oficinas profissionalizantes, não usam o uniforme

como os alunos das imagens 2 e 3, que são da década de 30. Os que estão em pé no fundo

usam ternos como se fossem uniformes e têm a cabeça coberta com uma espécie de casquete,

aparentando serem alunos do curso científico que se dividiam em primário e secundário.

Outro detalhe interessante é a estrutura da escola, onde se vê que não havia o espaço

adequado para o ensino profissionalizante, como é o caso das fotografias nº 2, 3 e 4. A

imagem assemelha-se a um cartão postal, pois na lateral há identificação da instituição. São

destacados, em primeiro plano, os alunos e em segundo, o edifício.

Percebe-se na disposição do grupo, a preocupação em dar destaque aos dirigentes e

professores, os responsáveis pela mais nobre das missões, isto é, a formação do cidadão

republicano. Estes estão à frente e sentados, enquanto que os alunos maiores estão em pé,

atrás, e os menores sentados, na frente. Outro detalhe importante é a presença das bandeiras,

sendo a do Brasil, a do Estado e a outra, provavelmente, é a de Cuiabá. Considerando que os

cartões postais são meio de divulgação acessíveis de panoramas que abrangem desde a

correspondência pessoal até a divulgação oficial, é presumível que estes cartões tenham sido

produzidos com a intenção de valorizar e divulgar a instituição na sociedade mato-grossense.

Mesmo não sendo nítida, é possível identificar crianças negras nas primeiras fileiras.

Imagem 06. Religiosos, professores e alunos do Lyceu Salesiano “São Gonçalo”, 27/04/1918.

Fonte: Acervo do Museu da Imagem e do Som de Cuiabá

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Esta imagem possui semelhanças com a anterior no que diz respeito à disposição dos

fotografados. No entanto, parece que a instituição estava no processo de melhorias das

instalações.

Imagem 07 – Professores e alunos do Lyceu Salesiano “São Gonçalo”

Fonte: Acervo do Colégio São Gonçalo

Imagem 08 – Professores e alunos do Lyceu Salesiano São Gonçalo

Fonte: Acervo do Colégio São Gonçalo

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As imagens 07 e 08 foram acrescentadas porque expõem professores e alunos que

frequentaram os cursos de Ciências e de Letras em 1907 e 1913, onde é possível refletir sobre

a quantidade de alunos negros e mestiços nessa modalidade de ensino em cotejo com aqueles

que frequentavam as oficinas profissionalizantes na mesma instituição. Percebe-se que nessas

imagens não há aluno negro e sim mestiço; na imagem 07, os dois jovens em pé aparentam

ser mestiços, já na imagem 08, logo acima, observam-se apenas dois alunos mestiços, sendo o

que está sentado da direita para a esquerda na segunda cadeira, e o outro está na ponta

esquerda; ambos têm características intrínsecas de mestiços. Vale anotar que a presença

desses alunos (mestiços) nessa modalidade de ensino era realidade possível, pois em Mato

Grosso a categoria racial definia-se de acordo com as condições econômicas e sociais do

indivíduo. No entanto, ao comparar as imagens 07 e 08 com as imagens 01, 02, 03 e 04,

relativas às oficinas profissionalizantes, nota-se que, com exceção de alguns membros que

estão sentados e que provavelmente são professores, os demais são mestiços e negros.

Imagem 09. Aprendizes na oficina de marcenaria

Fonte: Álbum Graphico do Estado de Matto-Grosso (1914). APMT.

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Imagem 10. Grupo de Aprendizes na oficina de sapataria e alfaiataria

Fonte: Álbum Graphico do Estado de Matto-Grosso (1914). APMT.

Imagem 11 – Oficina de Aprendizes de ferreiro e serralheiro

Fonte: Álbum Graphico do Estado de Matto-Grosso (1914). APMT.

Nota-se que nas imagens 9, 10 e 11 os aprendizes estão usando trajes que aparentam

ser ternos e calças e camisas normalmente usados para eventos sociais, os quais,

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provavelmente não condizem com o cotidiano nas oficinas. Percebem-se na imagem 13 que

os retratados não parecem ser aprendizes como foram identificados pelos organizadores do

Álbum. São pessoas adultas. As oficinas normalmente eram frequentadas por meninos,

conforme mostram as imagens 11 e 12. Quais seriam as intenções de vincularem a imagem de

adultos e crianças tão bem trajadas e distribuídas nesse instrumento de propaganda?

Imagem 12. Alunos da Escola de Aprendizes Artífices de Cuiabá

Fonte: Álbum Graphico do Estado de Matto-Grosso (1914). APMT.

O Álbum Graphico do Estado de Matto-Grosso foi instrumento de divulgação das

potencialidades e do desenvolvimento do Estado no início da República. As imagens

encontram-se em quase todas as páginas. Das 433 páginas que compõem a obra, 34 são de

fotografias, sem incluir as 8 panorâmicas das paisagens naturais e urbanas.

Ao contemplar as páginas do Álbum, verificou-se que organizadores dedicaram 7

páginas (212 a 218) na divulgação dos trabalhos desenvolvidos pela Missão Salesiana no

Estado. São imagens e textos que fazem referência aos trabalhos com os índios da colônia,

“Sagrado Coração”, a escola agrícola, no Coxipó da Ponte, a construção do prédio, o gabinete

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de física, assim como as oficinas profissionalizantes. Cabe ressaltar que não há nenhuma

imagem de alunos do curso “scientifico-litterario” (p. 214). Enquanto que a Escola de

Aprendizes Artífices somente aparece em duas fotografias, sendo uma dos professores e outra

dos alunos nas páginas dedicadas à instrução pública do Estado.

O que teria levado os organizadores do Álbum à maior divulgação das oficinas

profissionalizantes e os alunos do Lyceu Salesiano, em relação ao ensino profissionalizante e

aos alunos da Escola de Aprendizes Artífices? Seria o pretexto para a pouca divulgação da

Escola de Aprendizes Artífices, devido às condições de precariedade da estrutura física do

prédio, dos espaços das oficinas, a evasão escolar frequente e as mudanças promovidas pelo

governo e diretores no período em questão conforme informa a pesquisadora Kunze?

É possível depreender que a vinculação de imagens de oficinas profissionalizantes,

provavelmente, a intenção era a de propagar que os meninos pobres e desamparados mato-

grossenses estavam sendo preparados para desenvolver trabalhos manuais, atendendo assim às

expectativas dos princípios que nortearam a educação profissional estabelecida na Primeira

República.

Segundo Müller (2008 p. 89), “[…] no imaginário social brasileiro é bastante

arraigada a crença que a população negra só tenha tido acesso à escola nos idos dos anos

cinquenta e sessenta do século XX”. Contudo, na literatura sobre a educação do negro há

pesquisas que apontam para a presença da população negra no contexto da educação nos

períodos anteriores à República.

Nas escolas mineiras no século XIX crianças negras e pardas estavam presentes de

forma expressiva nas escolas das primeiras letras. Fonseca (2006) contesta assim, a noção de

que esses grupos poderiam ter sido impedidos de frequentar instituições de ensino nesse

período. A enorme quantidade de negros livres circulando por todos os espaços sociais é fator

que explica a presença significativa na população escolar de crianças negras e mestiças nas

escolas.

Para Fonseca, o processo de subalternização do negro no final o século XIX e início

do século XX, no âmbito da educação formal, não foi realizado por uma política de

segregação racial, pois após a Abolição as escolas não podiam oficializar a distinção entre

seus alunos. A inexistência da segregação racial e a omissão na maioria dos documentos da

cor/raça dos alunos identificada durante a pesquisa dificultou para o autor a investigação. Ele

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teve de recorrer às listas nominativas dos habitantes dos Distritos. Essas listas continham

informações sobre a procedência racial, condição social, econômica e educacional.

A presença de crianças negras e pardas nas escolas, segundo Fonseca não significou

que essas instituições pudessem ser democráticas ou libertas de racismo, pois os professores

ao elaborarem as listas dos alunos tendiam a colocar primeiro os brancos, em seguida os

pardos e no final os crioulos e os cabras.

Silva (2007) nos estudos que trata de alguns aspectos dos processos de construção e

manutenção do sistema público de instrução primária na Capitania e, sobre a instrução na

Província de Pernambuco entre o período do século VIII e primeira metade do século XIX,

afirma que, com base nas listas de alunos de algumas aulas públicas de primeiras letras da

província, na primeira metade do século XIX, em Pernambuco, foi possível encontrar

registros indicando que as aulas públicas de primeiras letras não era privilégio para ricos ou

para grandes centros de população. De acordo com a pesquisadora, meninos pobres e ricos e

de todas as cores tiveram acesso à educação escolarizada, no período mencionado.

Assim como Fonseca (2006), nos estudos da educação do negro em Minas Gerais,

Silva (2007) afirma que para Pernambuco não encontrou lei de interdição racial ou social para

o ingresso de alunos ou professores desde que fossem saudáveis e livres. Segundo essa

pesquisadora, as leis de 1837 e 1855 interditavam apenas os escravos à frequência escolar. Já

a Lei de 1854 interditou não só escravos, mas também crianças com doenças contagiosas e as

que não fossem vacinadas.

Ainda segundo Silva, as aulas públicas primárias em Pernambuco no período em foco,

foram disputadas pelas populações brancas e não brancas que lutaram para entrar, para nelas

permanecerem e para que outras fossem criadas.

Thais Fonseca (2008) trata da educação em Minas Gerais, no período de 1750-1814,

para meninos pobres. De acordo com a pesquisadora, a educação envolvia o Estado e a Igreja

e era movida tanto pela necessidade do controle social por meio da educação para o trabalho

como o de civilizar os povos por meio da difusão dos valores morais e religiosos,

principalmente para as camadas mais baixas da população. Desse modo, a educação para as

camadas mais baixas da população associava-se à difusão da doutrina cristã e à formação

profissional como meio de controle e era realizada em instituições assistencialistas. De acordo

com a autora, o ensino das primeiras letras, visa facilitar o aprendizado da doutrina, sem criar

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possibilidades de ascensão social pela educação. Enquanto que a educação profissional era,

prioritária para o aprendizado de ofícios que pudesse servir de ocupação e de sustento.

Segundo Veiga (2008), a ausência de impedimentos para que crianças negras e

mestiças frequentassem escolas no período imperial possibilita refletir que os debates sobre o

civilizar pela escola, a expansão dos saberes elementares e a estatização do ensino foram

perpassados por um conteúdo étnico e racial altamente significativo.

A principal questão da pesquisadora é demonstrar o caráter popular da escola do

Império e discutir que o seu fracasso na função de instruir e civilizar pobres, negros e

mestiços pode estar exatamente relacionado à desqualificação da educabilidade da clientela à

qual se destinava a escola pública do século XIX.

E mais: para Veiga, a presença de filhos da população negra e mestiça nas escolas

brasileiras não é decorrente da abolição da escravidão e instalação da República, mas é parte

da História do Brasil. Destaca, ainda, a pesquisadora a importância da temática para a

ampliação dos debates sobre a História da escola no Brasil.

Não investigamos alunos negros na Primeira República em outras escolas de Cuiabá

para comprovar a presença ou ausência deles, mas podemos assegurar que, apesar dos

documentos escritos não esclarecer o pertencimento racial, as entrevistas e as fotografias

indicam que alunos negros frequentaram as oficinas da Escola de Aprendizes Artífices e do

Lyceu Salesiano São Gonçalo na Primeira República. Esses alunos, provavelmente, eram

provenientes de famílias pobres e moravam em Cuiabá e cidades próximas.

Segundo o Decreto nº 7.566 de 23 de setembro de 1909 que determinou a criação da

Escola de Aprendizes Artífices, estas eram destinadas a atender aos desfavorecidos da

fortuna, ou seja, aos pobres, com a finalidade de afastá-los da ociosidade e da escola do

vício. O Lyceu Salesiano de Artes e Ofícios em 1905, regulamento o ensino

profissionalizante. De acordo com as normas, os destinatários dessa modalidade de ensino

eram os jovens pobres e desvalidos.

Mas quem era considerado pobre e desvalido em Mato Grosso e que poderia

frequentar a instituição? Brancos, mestiços e negros certamente havia muitos, pois as

pesquisas de Siqueira (2000) e Volpato (1993) apontam para uma significativa parcela dessa

população em condições menos favorecidas na região de Mato Grosso no período.

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E quais parâmetros utilizados para definir quais jovens pertenciam à condição de

desvalido? Segundo Sonia Camara (2010 p. 44), “[…] por desvalidas, passou a ser

caracterizada toda criança identificada como inferior do ponto de vista físico, moral,

intelectual e econômico”. Considerando que os acontecimentos e as medidas adotadas em

Mato Grosso estavam em conformidade com as expressas pela capital federal, é possível

deduzir que as características de desvalidos expressas no regulamento estavam de acordo ao

apresentado pela autora.

Os jovens negros ou não de Cuiabá e das regiões próximas se enquadravam em

padrões educacionais pensados para os candidatos dessas escolas? Seriam eles ociosos

propensos aos vícios e possíveis perturbadores da ordem estabelecida? Entretanto, não se

pode esquecer que a sociedade ainda permanecia hierarquizada e essa situação foi agravada

com o racismo. Em Cuiabá, ao negro foram relegados os mais sofridos trabalhos e tratamento

como lembrou Delamônica (2006), e a discriminação aparecia de todas as formas, inclusive

na literatura como nos informa Gomes Neta (2011). Para desvendar a real situação da

população jovem negra mato-grossense nesse período é preciso ainda que sejam levadas a

cabo mais pesquisas sobre o negro em Mato Grosso.

É provável que esses jovens negros mato-grossenses não se enquadrassem nos termos

que “os legisladores brasileiros utilizaram para classes perigosas” como sinônimas de “classes

pobres”, e isso significa dizer que o fato de ser pobre torna o indivíduo automaticamente

perigoso à sociedade. (CHALHOUB, 1986, p. 47/48 apud SANTOS, 2002, p. 121).

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Considerações Finais

No âmbito do que propõe a presente pesquisa, no sentido de buscar identificar a

presença de alunos negros no ensino profissionalizante na Primeira República, em Cuiabá, é

cabível afirmar que foi possível identificá-los e conhecer alguns aspectos da condição social,

e como se deu o processo de admissão nessa modalidade de ensino. Possibilitou-nos ainda

compreende as políticas públicas instituídas a partir da instalação do regime republicano para

modificar a higiene, a urbanização e a educação profissional que foi direcionada para os

jovens negros e mestiços.

Proclamação da República e abolição da escravidão são dois acontecimentos muito

próximos e que influenciaram transformações no modo de vida dos brasileiros. Uma nação

que é formada por cidadãos significa que perante a lei todos são iguais, com direitos e deveres

a serem seguidos. O fim da escravidão colocou homens e mulheres que ainda viviam no

cativeiro, na condição de cidadãos dessa nação. Mesmo que essa parcela da população já não

fosse muita, o fim da escravidão por promulgação de Lei Áurea não significou que toda a

população negra livre e mestiça foi aceita e integrada na sociedade, sem restrições.

A introdução e assimilação das teorias racistas pela sociedade brasileira foram

determinantes para se consolidar a ideia da inferioridade do negro e pôr em dúvida as

qualidades do mestiço. O branqueamento da população foi a solução vislumbrada para

transformar essa nação e torná-la digna de ser respeitada por outros países. Quanto mais

brancos europeus, mais eram as possibilidades de ter uma nação com a composição racial

branca, ou seja, a superior, mas esse projeto só apresentaria resultados em longo prazo.

Uma nação formada por brancos pobres, mestiços e negros analfabetos em nada

contribuía para fortalecer o poder estabelecido. Então, era preciso ordenar e planejar políticas

para modificar a realidade. Dessa forma, a educação foi sendo reformulada e serviu como

instrumento para aumentar os eleitores daqueles que detinham o poder nacional e local e,

também, para incutir valores significativos para o desenvolvimento da nação.

Nesse contexto, o Governo Federal criou dezenove Escolas de Aprendizes Artífices

com políticas específicas para essa modalidade de ensino. Mas o ensino de ofícios não foi

desenvolvido na República. A aprendizagem de ofícios fez parte da formação de

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trabalhadores no Brasil desde a colônia, porém com características diferentes. Na Colônia, tal

aprendizagem não teve caráter escolar, mas qualificar o escravo para atender as necessidades

de produção nos engenhos. No Império, as diversas instituições criadas como a Casa de

Educandos Artífices esteve voltada para amparar os órfãos e desvalidos da sorte; a escola dos

Arsenais de Guerra que se dedicara à formação de homens adultos e serviu de abrigo e

instituição de formação profissional para jovens de 8 a 14 provenientes de famílias muito

pobres, órfãos, indigentes e menores abandonados.

Já nos primeiros anos da República, essa modalidade de ensino foi considerada como

capaz de preparar mão de obra para as primeiras indústrias e, principalmente, evitar a

ociosidade e vícios entre a população pobre brasileira. A criação de Escolas de Aprendizes

Artífices em todas as capitais brasileiras revela preocupação do Governo Federal em integrar

todo território brasileiro nas medidas adotadas, pelo menos no que diz respeito à população

pobre.

A população mato-grossense constituída na maior parte de pobres com composição

racial, na maioria de mestiços e negros, e que mantinha hábitos simples, morando em casas

simples, sobrevivendo dos recursos da natureza, das atividades agropastoris e das ocupações

disponíveis no meio urbano, também foi alvo da integração e civilização. Para integrar e

civilizar a sociedade mato-grossense, os dirigentes do Estado promoveram algumas mudanças

na estrutura urbana, na economia, na educação e nas formas de tratar a população. O Álbum

Graphico do Estado de Matto-Grosso publicado em 1914, elaborado para propagandear o

Estado, utilizando-se como recursos publicitários textos e imagens, indica que havia interesse

dos organizadores em divulgar que a região estava alinhada de acordo com as perspectivas da

nação que se pretendia construir com a República.

A educação como base de desenvolvimento e progresso era questão importante para a

integração do Estado. Medidas foram tomadas para implementá-las como o aumento de

escolas, a criação da escola normal e criação dos grupos escolares. No que diz respeito à

educação profissional, o governo subsidiou a vinda e as acomodações dos Salesianos e

condições para as instalações das oficinas que tinham como objetivo, oferecer aos jovens

pobres e desvalidos do Estado, a formação profissional. A Escola de Aprendizes Artífices de

Cuiabá foi inaugurada em 1º de janeiro de 1910, e atendeu às determinações do Decreto

Federal de criação de 23 de setembro de 1909. Ao verificarmos a data do decreto de criação e

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a data da inauguração da escola, nota-se o quanto governante e elites locais estavam

determinados a atender o mais rápido possível as determinações do Governo Federal.

A criação da Escola de Aprendizes Artífices em tempo recorde e os investimentos do

governo local para instalar as oficinas dos Salesianos em Cuiabá podem ser considerados a

partir da composição racial da população mato-grossense. O censo de 1890 aponta que a

população era formada na maioria de mestiços e negros. O censo de 1940 mostra que a

composição racial do Estado sofreu pouca alteração, então, havia a época da criação dessas

escolas muitos jovens negros que eram o público alvo das instituições de ensino de uma

profissão. Outro ponto importante a ser considerado é a condição social da população negra.

As ocupações agropastoris e urbanas, que eram restritas, não proviam para que este grupo

tivesse condições de melhorar sua condição social. Portanto, a condição de pobreza da

população também influenciou no processo acelerado da instalação das escolas profissionais.

Nesse sentido, entendemos que a implantação das oficinas de alfaiataria, carpintaria,

tipografia, serralheria, selaria e sapataria atendiam as necessidades do consumo da população,

e também as expectativas dos governantes, ou seja, evitar a ociosidade e desviar os jovens do

crime, e principalmente não serem estes estorvos para a consolidação da ordem estabelecida.

No decorrer da pesquisa, confirmamos a presença de alunos negros e mestiços nas

oficinas dessas escolas, assim como as imagens 10 e 11 indicam a presença de jovens

mestiços no Lyceu Salesiano, em outra modalidade de ensino.

Os alunos que ingressaram nas escolas profissionais pertenciam à classe pobre, mas

também havia alunos de famílias que possuíam melhor condição social. Essa circunstância foi

verificada no Lyceu de Artes e Ofícios São Gonçalo, que era instituição particular, apesar de

receber subsídios do governo. A instituição admitia alunos internos e semi-externos para

aprender os ofícios. Os semi-externos eram os que tinham melhor condição social, os

internos, os mais pobres.

Outro ponto importante é o ingresso do candidato, que também se dava pelo

apadrinhamento de pessoas que tinham bom relacionamento com os integrantes da igreja

católica, é o caso do entrevistado Sr. A.P. Nas exigências para o ingresso do candidato

constavam que os alunos deveriam portar enxoval, assim como explica que os objetos de

valor e dinheiro não poderiam ficar na posse do aluno. As formas para ingressar e as

exigências denotam que essa instituição era mais seletiva na admissão dos jovens. O quadro

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elaborado a partir dos livros de registros de exames finais, apesar de não comprovar que

consta o nome de todos os alunos nos anos indicados, aponta que a escola não acolhia muitos

alunos.

Nos livros de registros de exame finais que trazem a data da avaliação, foi possível

constatar que foram poucos os aprendizes que estiveram na instituição até o final do curso,

com duração de quatro anos. Dos 180 nomes que constam no quadro (anexo), somente 17

permaneceram durante os quatro anos. Sendo 07 entre 1897 a 1910 e 10 nos primeiros anos da

década de 20. A média de permanência dos demais é de 1 a 2 anos. A razão para a evasão

está relacionada ao interesse ou à necessidade que esses jovens tinham de se inserir no

mercado de trabalho.

Em relação à Escola de Aprendizes Artífices que era mantida pelo Governo Federal e

estadual, as oficinas profissionalizantes foram frequentadas por jovens, mestiço e negro,

procedentes de famílias pobres de Cuiabá, e meninos que moravam com famílias de melhor

condição social.

A escolha das oficinas que deveria ser de acordo com as aptidões dos alunos nem

sempre foi respeitada. Frequentar oficinas como alfaiataria, marcenaria, que eram ofícios

considerados, de maior prestígio, dependia das conjunturas em que o candidato estava

inserido. Os ofícios menos prestigiados, mas que dariam retorno financeiro mais fácil por

serem ofícios que necessitavam de pequenos investimentos como sapataria e selaria,

provavelmente estavam entre as escolhas ou imposição aos jovens mais pobres.

Ingressar nas escolas profissionalizantes talvez não fosse a primeira escolha das

famílias e dos jovens, mas sim a única oportunidade que eles tinham de aprender as primeiras

letras e ter um ofício para ingressar no mercado de trabalho em Cuiabá e regiões próximas.

Havia escolas que ofereciam o ensino propedêutico na cidade. No próprio Lyceu Salesiano

funcionava o ensino para os bacharéis de Letras, mas esse era direcionado aos filhos da elite,

e que tinham condições de prosseguir os estudos, o mesmo ocorrendo com o Lyceu Cuiabano.

Não estamos assegurando que não existissem alunos negros nessa modalidade de ensino,

mesmo porque as imagens nº 10 e 11 certificam a presença de indivíduos mestiços no Lyceu

Salesiano. Assim como Müller (2008, p. 26) apresenta fotografia da professora negra Maria

Dimpina Lobo Duarte com seus alunos. A referida professora estudou no Lyceu Cuiabano,

formando-se em 1906. Contudo, é provável que os alunos negros dessas escolas tolerassem

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situações desagradáveis decorrente da cor. A discriminação aparecia de todas as formas,

inclusive na literatura como nos informa Gomes Neta (2011).

A pesquisa confirmou a presença de jovens negros e mestiços provenientes da camada

pobre da sociedade mato-grossense nas escolas profissionalizantes. No entanto, não há

indícios de que eles eram pessoas com características de degenerados, viciosos e propensos ao

crime. O ingresso nas escolas profissionalizantes pode ser considerado como possibilidade de

aprender uma profissão e inserir no mercado de trabalho, seja como proprietário ou

empregado das oficinas.

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SIQUEIRA, Elizabete Madureira. Luzes e sombras: modernidade e educação pública em

Mato Grosso (1870-1889). INEP/COMPED/EdUFMT, 2000. 282 p.

_________. História de Mato Grosso: da ancestralidade aos dias atuais. Cuiabá/MT.

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SKIDMORE, Thomas E. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro.

Trad. Raul de Sá Barbosa. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1997.

SOUZA, Rosa Fátima. Fotografias escolares: a leitura de imagens na história da escola

primária. Educar em Revista. Editora da UFPR. Curitiba, 2001. p.75-101.

TURAZZI, Maria Inez. História. A fotografia e o ensino de História. Local: Moderna,

2005. Site www.moderna.com.br. Acesso em: 08. Mar.2011.

VEIGA, Cynthia Greive. Escolas públicas para negros e os pobres no Brasil: uma

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2008. Disponível em: http:///www.scielo.br/scielo. Acesso: 05/09/2010, às 7h.

________. Cythia Greive. Educação estética para o povo. In: LOPES, Eliane Marta

Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes; VEIGA, Cynthia Greive (Org.). 500 anos de

educação no Brasil. 2. ed., Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 398/422.

VOLPATO, Luiza Rios Ricci. Cativos do sertão: vida cotidiana e escravidão em Cuiabá:

1850/1888. São Paulo. Marco Zero/Cuiabá. EdUFMT, 1993.

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107

FONTES

1 – Documentação expedida pelo Governo de Mato Grosso.

MATO GROSSO. (Estado). Instrução Pública. Relatório de 22 de abril de 1893. Estante 11,

maço nº 88. Disponível no APMT.

MATO GROSSO. (Estado). Instrução Pública. Relatório de 02 de Janeiro de 1897. Estante

11, maço nº 90. Disponível no APMT.

MATO GROSSO. (Estado). Instrução Pública. Relatório de 1911. Estante 11, maço nº 97.

Disponível no APMT.

MATO GROSSO. (Estado). Instrução Pública. Relatório de 1913. Estante 10, maço 103.

Disponível do APMT, estante 10, maço 103.

MATO GROSSO. (Estado). Instrução Pública. Relatórios de 1916, 1920 e 1921. Estante 11

aços de 104 a 108. Disponível no APMT.

LYCEU de Artes e Ofícios São Gonçalo. Livro de exame final de 1897 a 1923. Disponível no

Arquivo do Colégio Salesiano São Gonçalo.

2 – Matérias publicadas nos jornais de Cuiabá e na Gazeta Oficial de Mato

Grosso.

ESCOLA de Aprendizes Artífices. Gazeta Oficial de 18 de dezembro de 1909, nº 3.047 p. 04.

Microfilme nº 04. Disponível no APMT

ESCOLA de Aprendizes Artífices. Gazeta Oficial de 04 de janeiro de 1910, nº 3.054, p. 04.

Microfilme nº 04. Disponível no APMT.

ESCOLA de Aprendizes Artífices. Gazeta Oficial de 14 de novembro de 1911, nº 3339, p.

04/05. Microfilme nº 06. Disponível no APMT.

ESCOLA de Aprendizes Artífices. Gazeta Oficial de 11 de Janeiro de 1916, nº 3.943, p. 03.

Microfilme nº 04. Disponível no APMT.

ESCOLA de Aprendizes Artífices. O Debate de 05 de junho de 1912, p. 2, nº 325. Disponível

do APMT.

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108

ESCOLA de Aprendizes Artífices. O Debate de 1 de janeiro de 1913, nº 376 p. 1. Disponível

no Arquivo da Casa Barão de Melgaço em Cuiabá.

ESCOLA de Aprendizes Artífices. O Debate de 19 de Dezembro de 1914, nº 943, p. 02.

Disponível no APMT.

ESCOLA de Aprendizes Artífices. O Debate de 6 de março de 1915, nº 1.009, p. 02 e de 7, nº

1015, p. 02. Caixa 12 maço 1-B. Disponível do APMT.

LYCEU de Artes e Ofícios São Gonçalo. O Debate de 05 de junho de 1912 p. 2. Arquivo da

Casa Barão de Melgaço em Cuiabá – Acervo de Jornais.

LYCEU de Artes de Ofícios São Gonçalo. Jornal “A Cruz” de 20 de julho de 1930 -

Disponível no APMT.

3 - FOTOGRAFIAS

Arquivo do Colégio Salesiano São Gonçalo.

Álbum Gráfico do Estado de Mato Grosso, 1914.

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ANEXOS

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110

Anexo 01

Os quadros 01, 02, 03 e 04 são referentes aos alunos da Escola de Aprendizes Artífices

dos anos de 1911, 1914 e 1916.

ALUNOS Primário Desenho Oficinas

Alfaiataria Carpintaria Saparatia Selaria

Adalberto Estahachio Solano # Adhemar Gardés # Alípio Afonso da Costa # Angelo Rodrigues Xavier * * # Antonio Antunes Ferraz # Antonio Francisco dos Santos # Antonio José de Sant’ Ana * # Antonio Pereira da Silva # Audelino de Arruda Pinto * * # Austreclínio de Arruda Pinto * * # Avelino de Arruda Pinto * * # Brides Ferreira # Celestino Quirino da Costa # Elizário Jorge da Costa * * # Emilio Florestan * * # Euzébio Antunes Ferraz # Gentil Ferreira * * # Helvécio Tocantins # Hercílio Tocantins # Hermogenes Ferreira * * # Jerôncio Ferreira # João da Cruz # João Jorandy Alves # José Agostinho de Cerqueira

Caldas * #

José Delgado Fonseca # José Manoel Eduardo # Leonel Mamoré Nobre * * # Luiz Antunes Ferraz # Manoel Francisco de Oliveira # Manoel Jorge da Costa * * # Manoel José dos Santos # Martinho da Silva # Oscar Brandão * # Pedro Paulo de Cerqueira

Caldas * #

Pedro Roma Xavier # Ponciano Felix dos Guimaraes # Sebastião Paulo da Silva * * #

QUADRO 01

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111

Quadro elaborado a partir dos dados publicados na Gazeta Oficial de Mato Grosso nº 3339 de 14/11/1911. Arquivo Público

de Mato Grosso (APMT).

A publicação também contém informações como média de aprovação do primário e desenho, média de classificação das

oficinas.

Os nomes dos alunos reprovados não aparecem na publicação.

QUADRO 02

ALUNOS

ANO

OFICINAS

Alfaiataria Carpintaria Sapataria Selaria

Acyndino Dias 1º # Afrisio de Mattos Galvão 1º #

Ambrosio Lemes da Silva 1º # Antonio Antunes Ferraz 4º # AntonioCatharino 1º # Antonio de Souza Oliveira 4º # Antonio F. da Costa Vianna 2º # Antonio Leite Pereira 1º # Aristides de Arruda Barros 1º # Ary Paulo da Silva 1º # Athanazio Fernandes dos Reis Primário Aureliano de Oliveira * 3º # Aureliano Pinto da Silva 1º # BenedictoCaracciolo de Barros 1º # BenedictoCecilio Alves Marim 1º # Benedicto José da Silva 1º # Benedicto Lazaro de Lima 1º # Benedicto Octavio Ribeiro 1º # Benedicto Rodrigues de Carvalho 1º # BenedictoTheotonio da Costa 1º # Brazilino da Silva Prado 1º # Cesário José do Espírito Santo * 1º # Clovis de Campos Borges 1º # Delmiro Soares da Silva 1º # Diniz Marques Sampaio 1º # Domingos Getulio 1º # Domingos Henrique de Souza 4º #

Sebastião Soares da Silva # Silvestre Nominando Nunes # Silvino Porfírio a Costa # Syrio Mendes da Silva # Timótheo Ferreira # Tomaz José Dias * # Valentim Alves Ribeiro # Valeriano de Pina # Victal Pinto de Souza * # Zeferino Leite da Costa #

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112

Eleuterio Nilo da Conceição 1º # Estevão Gomes de Lima 1º # EulogioTheodorico Ribeiro 1º # Eulydes de Mattos Galvão 1º # Isidoro Pinto de Arruda * 1º # Ismerio de Mattos Galvão 1º # Iygnacio de Loyola Martins 1º # Izaltino Marques Fontes 4º # João Archanjo da Silva 1º # João Batista Bôa Ventura 1º # João Batista de Souza 1º # João Constancio dos Santos 1º # João Delfino de Araujo 1º # João Domingos da Costa 1º # João Guedes 1º # João Gutemberg 1º # João Iris Pinto 1º # João Monge dos Guimarães 2º # Joaquim Alcebiades 1º # Joaquim da Silva Prado 1º # Joaquim de Sant Anna 1º # José Bôa-Morte 1º # José da Silva Prado 1º # José de Souza Brandão 1º # Julio Guimarães da Silva 4º # Juvencio Alves de Castro 1º # Laurindo Rodrigues de Carvalho 1º # Leonel Mamoré Nobre 4º # Leonidas Paulo de Moraes 1º # Libanio do Amarante * 4º # Lucio Pinto de Fiqueredo 1º # Luis Martins Pinto 4º # Luiz Alves de Arruda 1º # Luiz Antunes Ferraz 4º # Luiz Jeronymo da Silva 1º # Lysandro de Hollanda 2º # Manoel A. Fernandes dos Reis Primário Manoel Delfino de Arruda 1º # Manoel Getulio 1º # Manoel Herminio Monteiro Primário Manoel Jorge da Costa 2º # Manoel José dos Santos 4º # Manoel Pedro A. Ferraz 1º # Manoel R. Mendes de Carvalho 1º # Mario Pinto da Silva 1º # Nemesio Gomes Monteiro 1º # PalmyroDamasio da Silva 2º # Pedro Elesbão da Silva Primário Ponciano Félix Guimarães 4º # Procopio Soares da Silva 1º #

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Severiano Pinto e Fiqueredo 2º # Tarciso Braz de Sampaio 2º # Thimotheo Ferreira 4º # Thomaz José Dias 4º # Vicente de Paula Antunes Maciel 2º # Victorino Rodrigues de Souza 1º #

Quadro elaborado a partir dos dados publicado no Jornal Gazeta Oficial nº 3.943 de 11 de Janeiro de 1916 páginas 05-06.

Arquivo Público de Mato Grosso (APMT).

QUADRO 03

ALUNOS

ANO Resultado OFICINAS

Alfaiataria Carpintaria Sapataria Selaria

Acendino Dias 1º R #

Afrísio de Mattos Galvão 1º 4 A #

Ambrósio Lemes da Silva 1º 9 AP #

Antonio Antunes Ferraz 4º 8 AP #

Antonio Catarino ¨ 4 A #

Antonio de Souza Oliveira ¨ 10 ACD #

Antonio F. da Costa Vianna 2º 6 A #

Antonio Leite Pereira ¨ 4 A #

Aristide de Arruda Barros ¨ 4 A #

Ary Paulo da Silva ¨ 5 A #

Aureliano de Oliveira 3º 7 A #

Aurelino Pinto da Silva ¨ 9 AP #

BenedictoCaracciolo de Barros ¨ R #

BenedictoCecilio Alves Marim 1º 4 A #

Benedicto José da Silva ¨ R #

Benedicto Lázaro de Lima ¨ 4 A #

Benedicto Octavio Ribeiro ¨ R #

Benedicto Rodrigues de

Carvalho

¨ R #

BenedictoTheotonio da Costa ¨ 9 AP #

Brazilino da Silva Prado ¨ 8 AP #

Cesário José do Espirito Santo ¨ 9 AP #

Clóvis de Campos Borges ¨ 5 A #

Delmiro Soares da SIlva ¨ 4 A #

Diniz Marques de Sampaio ¨ 4 A #

Domingos Getúlio ¨ R #

Domingos Henrique de Souza 4º 5 A #

Eleutério Nilo da Conceição ¨ 6 A #

Estevão Gomes de Lima ¨ 7 AP #

Euclydes de Mattos Galvão 2º 6 A #

EulógioThedorico Ribeiro ¨ R #

Ignácio Loyola Martins ¨ R #

Imério de Mattos Galvão ¨ 5 A #

Izaltino Marques de Fontes ¨ 10 ACD #

Izidoro Pinto de Arruda ¨ R #

João Archanjo de Faria ¨ 5 A #

João Baptista Boa Ventura ¨ R #

João Baptista de Souza ¨ R #

João Constantino dos Santos ¨ R #

João Delfino de Araujo ¨ 5 A #

João Domingos da Costa ¨ 5 A #

João Guedes ¨ R #

João Gutemberg ¨ 5 A #

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114

Quadro elaborado a partir dos dados publicados no Jornal O Debate nº 943 de 19 de Dezembro 1914.

A publicação contém os resultados e aprovação do primário e desenho. Resultados não foram expostos neste quadro.

Legendas: ACD – Aprovado com distinção; AP – Aprovado plenamente; A – Aprovado; R – Reprovado.

QUADRO 04

ALUNOS PREMIADOS Ano Resultados OFICINAS

Carpintaria Alfaiataria Sapataria Selaria

Antonio Antunes Ferraz ¨ 07 #

Antonio de Souza 3º 10 #

Aureliano de Oliveira 1º 10 #

Benedicto Lazaro de Lima 1º 04 #

Brides Ferreira 4º 05 #

Domingos Henrique de Souza 3º 05 #

Eleuterio Simão ¨ 05 #

Euzébio Antunes Ferraz ¨ 10 #

Izaltino Marques de Fontes ¨ 09 #

Joaquim Gonçalves de Lara 3º 09 #

João Iris Pinto ¨ 5 A #

João Monge dos Guimarães ¨ 5 A #

João Rosa do Espirito Santo ¨ 4 A #

Joaquim Alcebiades ¨ 9 AP #

Joaquim da Silva Prado ¨ 8 AP #

Joaquim de Sant’ Anna ¨ 4 A #

José Boa Morte ¨ R #

José da Silva Prado ¨ 9 AP #

José Souza Brandão ¨ 10ACD #

Júlio Guimarães da Silva 4º 6 A #

Juvencio Alves de Castro ¨ 9 AP #

Laurindo Rodrigues de Carvalho ¨ 7 AP #

Leonel Mamoré Nobre ¨ 5 A #

Leonidas Paulo de Moraes ¨ 10 ACD #

Libâneo do Amaranto ¨ 10 ACD #

Lúcio Pinto de Figueiredo ¨ 4 A #

Luiz Alves de Arruda ¨ 10 ACD #

Luiz Antunes de Ferraz ¨ 7 AP #

Luiz Jeronymo da Silva 1º 7 AP #

Luiz Martins Pinto ¨ 4 A #

Lysandro de Hollanda ¨ 6 A #

Manoel Delfino de Araujo ¨ 5 A #

Manoel Getúlio ¨ 10 ACD #

Manoel Hermínio Monteiro ¨ 6 A #

Manoel Jorge da Costa ¨ 5 A #

Manoel José dos Santos ¨ 7 AP #

Manoel Pedro Antunes Ferraz ¨ R #

Manoel R. Mendes de Carvalho ¨ 4 A #

Mário Pinto da Silva ¨ 9 AP #

Nemésio Gomes Monteiro ¨ 4 A #

PalmyroDamázio da Silva 2º 4 A #

Pedro Elesbão da SIlva ¨ 4 A #

Ponciano Félix dos Guimarães ¨ 5 A #

Procópio Soares da Silva ¨ 4 A #

Sebastião Alves de Fraça ¨ 4 A #

Severino Pinto de Figueredo ¨ 6 A #

Tarcísio Braz de Sampaio ¨ 5 A #

Thomas Jóse Dias ¨ 10 ACD #

Timotheo Ferreira ¨ 9 AP #

Vicente de P. Antunes Ferraz ¨ 4 A #

Victorino Rodrigues de Souza ¨ 9 AP #

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115

José Delgado da Fonseca ¨ 08 #

Julio Guimarães 3º 07 #

Leonel Mamoré Nobre ¨ 07 #

Libaneo do Amarante ¨ 10 #

Luiz Antonio Ferraz ¨ 07 #

Luiz Martins Pinto ¨ 05 #

Mamede da Silva Mará ¨ 05 #

Manoel José dos Santos ¨ 08 #

Marcus de Moraes Guerra 2º 05 #

Octavio Ferreira 3º 05 #

PalmiroDamasio ¨ 04 #

Ponciano Guimarães ¨ 05 #

Tarciso Braz de Sampaio ¨ 05 #

Thimotheo Ferreira 4º 09 #

Thomaz José Dias 4º 10 #

Vicente de Paula 1º 04 #

Quadro elaborado a partir dos dados publicado pelo “O Debate” em 19/12/1914.

Anexo 02

O quadro 05 é concernente aos alunos do Lyceu de Artes e Ofícios São Gonçalo entre os anos

de 1898 a 1924.

QUADRO 05

ALUNOS ANO Alfaiat. Carpint. Marcen. Sapat. Ferraria Encadernação

Agnelo Speridião d’

Albuquerque

1907/08/09

Ajax Alves Correa 1907/08/09

Alarico Devid

Medeiros

1911/12

Alberto Gomes da

Silva

1897/89/89/1901 *

Altivo Martins 1909

Americo Paes de

Barros

1917/18

Anastacio de

Moraes Barros

1920/21

André Virgilio d’

Albuquerque

1907/08

Antonio Fernandes 1897

Antonio Luz 1917/18

Antonio Malheiros 1907/08/09/10

Antonio Maregodo 1921

Antonio Pancracio

Arruda

1907/08/09

Antonio Pedro Dias 1917/18

Antonio S. de

Oliveira

1901

Antonio Soares 1926

Antonio Soares da

Silva

1912

Antonio Vicente 1922/23 *

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116

Pacheco

Apolonio Bouret 1908

Armando da Silva

Carmelo

1918/19/20

Armando Francisco

Pereira

1923 *

Atayde Ivo Serra 1920/21/22

Auro Martins 1909

Avelino da Silva

Siqueira

1903

Avelino de Pessoa

Prado

1904

Balbino Metello 1901

Benedicto Ferreira

do Prado

1904

Benedicto França 1908

Benedicto Lucas

Arruda

1911/12

Benedicto Sampaio 1901

Benedicto Xavier

Pedroso

1903 *

Benedito Ary 1917/18

Benedito F. de

Siqueira

1920/21/22/23 *

Benedito Pina da

Silva

1920/21/22/23/24

Benicio Correa da

Costa

1917/18

Cantidio Francisco

Peres

1923/24/25

Carlos Grezzi 1917/18/20

Celso Ignacio

Bicudo

1907/08

Chrispino de

Marques Fontes

1922

Claudio Gardés 1901/02 *

Clodolaldo

Henrique Amarante

1907/08/09/10

CorsinoBouret 1909

Cyrillo Francisco

Leite

1923 *

David Lacerda 1911/12

Deusdeti Neves

Pinto de Carvalho

1911

Elpidio Babiano 1902

Emilio Moraes

Leme

1923 *

Emilio Neves da

Silva

1923/24/25 *

Enio Martins 1909

Espiridião da Silva 1901/02/03/04

Estacio C. Trindade 1911/12

Estevão Capriata 1904

Ethocrates Salagado 1909

Eulalio Gaudio Ley 1902/03/04 *

Euripedes Cypriano

Gomes

1902

Faustino Isario 1920/21/22

Fortunato Alves

Ribeiro

1901/02/03/04 *

Firmo Moraes de

Mattos

1909

Francisco Adolfo

Josetti

1911/12

Francisco Capriata 1904

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Francisco de

Oliveira

1917/18

Francisco de Souza

Pinto

1917/18

Francisco José

Rodrigues

1923/24/25 *

Francisco Rodrigues 1920/21/22

Francisco Sales de

Pinho

1921/22

Generoso Fontes 1911/12

Gregorio Palma 1917/18

Gustavo Aquilino

de Oliveira

1920/21/22/23/24

Henrique Sampaio 1921

Herisbal Salgado 1907/08/09/10

Hermes C. Trindade 1911/12

Homero Borralho 1918

Ignacio Claro 1901

Isidoro Benedicto

Ferreia

1922/23/24/25 *

Jacol da Luz 1923/24 *

João Austrecelino

de Almeida

1920/21

João Baptista da

Conceição

1921/22/23 *

João Carneiro 1917/18

João Cesario do

Amaral

1921/22/23/24/25 *

João Ferreira

Mendes

1898/89/1900/01 *

João Gardés Neto 1917/18/20/21/22

João Guilherme de

Miranda

1921/22

João José do

Amaral

1899

João Marciano da

Villa

1907/08

João Nominato de

Arruda

1907/08/09/10

João Nunes Dias 1920/21/22

João Paes de

Campos

1923

João Pedroso

Rondon

1911/12

João Pedro de

Carvalho

1922 *

João Speridião 1899

João Teodorico de

França

1923 *

Joaquim de Arruda 1922 *

Joaquim L. Ferreira

Mendes

1922/23/24 *

Joaquim Paes de

Barros

1911/17/18

Joaquim Pinto

Brazil

1922

Joaquim Porença 1921

Joaquim Soares 1926

Joaquim Zeferino

de Paula

1920/21/22/23

Jorge de Campos 1917/18

José Alves de

Campos

1911/12

José Anastacio de

Carvalho

1898/99/1901 *

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118

José Austrecelino

de Almeida

1923/24 *

Jose´de Moraes

Castro

1911/12

Jose de Oliveira 1920

José de Souza Pinto 1920

José Dias dos Reis 1923/24 *

José Estevão

Rezende

1921

José Ferreira

Mendes

1902

José Gloriando

Pinto de Barros

1907/08

José Gomes de

Oliveira

1907/08

José Lavaquial 1911

José Mattos 1911/12

Jose Noqueira de

Queiroz Filho

1920/21/22/23 *

José Nunes Ferraz 1917/18/20

Josephi Nunes 1911/12

Julio Barbeis

Ligoare

1923/24 *

Juvenal Luz 1918

Leonel Alves

Correa

1907/08/09

Leopoldino Jacintho

de Moraes

1899

Leopoldo Ambrosio 1911/12

Lourival da Silva

Carmelo

1922/23/24/25 *

Ludgeiro de

Albuquerque

191718

Ludgeiro Ribeiro de

Siqueira

1903/04

Luis Malheiros 1907/08/09

Luiz Benedicto

Garcia

1911/12

Luiz de

Albuquerque

1921

Luiz de Moraes

Botelho

1923

Luiz Laureano Leite 1903/04 *

Manoel de Jesus 1901/02

Manoel Adolfo

Josetti

1907/08

Manoel do Espirito

Snato

1901

Manoel dos Santos

Cabral

1907/08/09

Manoel Estevão da

Silva

1909/10/11

Manoel Gregorio do

Nascimento

1901/02

Manoel Leopoldino

do Nascimento

1901

Manoel Memesio da

Silva

1920/21/22 *

Manoel Olynto de

Arruda

1920

Manoel Philippe do

Amarante

1921/22 *

Manoel Philippe de

Carvalho

1902/03/04

Manoel Xavier de 190203/03

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119

O quadro foi elaborado a partir de três livros de exame final do Lyceu. Nem todos os alunos tinham a identificação da oficina

que estavam frequentando. Disponível no Arquivo do Colégio São Gonçalo.

Carvalho

Marciano Moreira

de Araujo

1920/21

Marcos Antonio do

Amaral

1898/99 *

Mario Martins 1923 *

Martinho Oicare 1921

Maturio Amarante 1921/22 *

Maximo Levy 1907/08/09/12/13

Napoleão Luiz

Licetti

1918

Natalio Baptista da

Silva

1902

Nicodemos Pereira

Fortes

1923/24/25

Octavio Joaquim

Evangelista

1901/02/03/04 *

Octavio Marques de

Barros

1907/08/09

Odilon Gardés 1911/12

Olegario Oscar L.

de Oliveira

1899

Olivio Guerra 1922

Omar Canavarros 1917/18

Oscarino da Costa 1923/24 *

Paulo de França 1923/24 *

Pedro Alexandrino 1909

Pedro da Silva

Rondon

1911/12

Pedro Monteiro

Salgado

1921/22

Pedro Paulo de

Souza Lobo

1911

Pedro Rostey 1911/12

Pedro Sigarini 1917/18/20

Pery Martins 1909/10

Ramão de Campos

Maciel

1920/21/22

Raymundo de

Souza Lobo

1909/10

Richarte de

Albulquerque

1903/04

Savio de Amarante 1925/26

Sebastião Allender 1922

Sebastião Gusmão

de Faria

1920/21/22

Socrates de Espirito

Santo

1901

Tertuliano de Souza

Ribeiro

1901/02

Thiago Marques 1911/12

Thimoteo Rostey 1911/12

Tolentino de Arruda 1922/23/24 *

Venicio Correa da

Costa

1920

Vyriato C. de

Fiqueredo

1899 *

Waldomiro Gomes

Pulcheiro

1921/22/23 *