5
Tiragem: 150000 País: Portugal Period.: Semanal Âmbito: Interesse Geral Pág: 56 Cores: Cor Área: 20,34 x 24,76 cm² Corte: 1 de 5 ID: 62263508 13-12-2015 CILICIA ZITA MARTINS A CIENTISTA QUE PROCURA VIDA EXTRATERRESTRE NÃO É FICÇÃO CIENTÍFICA, MAS TEM OS INGREDIENTES DE UMA AVENTURA GALÁCTICA. A PRIMEIRA ASTROBIÓLOGA PORTUGUESA PASSA OS DIAS A TENTAR ENCONTRAR PISTAS PARA RESOLVER DOIS ENIGMAS: COMO SURGIU A VIDA NA TERRA E SE EXISTE VIDA FORA DELA. AS RESPOSTAS TANTO PODEM ESTAR EM METEORITOS (COMO ESTES FRAGMENTOS À DIREITA), EM MARTE OU NAS LUAS GELADAS DE JÚPITER E SATURNO. CIENTISTA NO IMPERIAL COLLEGE, EM LONDRES, ONDE GERE UMA BOLSA DE UM MILHÃO E MEIO DE EUROS, COLABORADORA DA AGÊNCIA ESPACIAL EUROPEIA E DA NASA, ZITA MARTINS QUER AGORA CONTINUAR A VIAGEM INTERMINÁVEL EM PORTUGAL. Textu João Pombeiro Fotografia Miguel Angel Fonta

ZITA MARTINS · vida extraterrestre nÃo É ficÇÃo cientÍfica, mas tem os ingredientes de uma aventura galÁctica. a primeira astrobiÓloga portuguesa passa os dias a tentar encontrar

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: ZITA MARTINS · vida extraterrestre nÃo É ficÇÃo cientÍfica, mas tem os ingredientes de uma aventura galÁctica. a primeira astrobiÓloga portuguesa passa os dias a tentar encontrar

Tiragem: 150000

País: Portugal

Period.: Semanal

Âmbito: Interesse Geral

Pág: 56

Cores: Cor

Área: 20,34 x 24,76 cm²

Corte: 1 de 5ID: 62263508 13-12-2015

CILICIA

ZITA MARTINS A CIENTISTA QUE PROCURA VIDA EXTRATERRESTRE

NÃO É FICÇÃO CIENTÍFICA, MAS TEM OS INGREDIENTES DE UMA AVENTURA GALÁCTICA. A PRIMEIRA ASTROBIÓLOGA PORTUGUESA PASSA OS DIAS A TENTAR ENCONTRAR PISTAS PARA RESOLVER DOIS ENIGMAS: COMO SURGIU A VIDA NA TERRA E SE EXISTE VIDA FORA DELA. AS RESPOSTAS TANTO PODEM ESTAR EM METEORITOS (COMO ESTES FRAGMENTOS À DIREITA), EM MARTE OU NAS LUAS GELADAS DE JÚPITER E SATURNO. CIENTISTA NO IMPERIAL COLLEGE, EM LONDRES, ONDE GERE UMA BOLSA DE UM MILHÃO E MEIO DE EUROS, COLABORADORA DA AGÊNCIA ESPACIAL EUROPEIA E DA NASA, ZITA MARTINS QUER AGORA CONTINUAR A VIAGEM INTERMINÁVEL EM PORTUGAL.

Textu João Pombeiro Fotografia Miguel Angel Fonta

Page 2: ZITA MARTINS · vida extraterrestre nÃo É ficÇÃo cientÍfica, mas tem os ingredientes de uma aventura galÁctica. a primeira astrobiÓloga portuguesa passa os dias a tentar encontrar

Tiragem: 150000

País: Portugal

Period.: Semanal

Âmbito: Interesse Geral

Pág: 57

Cores: Cor

Área: 19,49 x 25,87 cm²

Corte: 2 de 5ID: 62263508 13-12-2015

L-fs

Page 3: ZITA MARTINS · vida extraterrestre nÃo É ficÇÃo cientÍfica, mas tem os ingredientes de uma aventura galÁctica. a primeira astrobiÓloga portuguesa passa os dias a tentar encontrar

Tiragem: 150000

País: Portugal

Period.: Semanal

Âmbito: Interesse Geral

Pág: 58

Cores: Cor

Área: 20,32 x 26,92 cm²

Corte: 3 de 5ID: 62263508 13-12-2015

ClíN[;IA

uarenta anos. Um feito científico. Zita Martins conseguia finalmente colocar um ponto final na dúvida que se alastra-va há mais de quatro dé-

cadas: as b nitrogenadas dos meteo- ritos seriam realmente extraterrestres? O calendário avançava entre 2005 e 2006, quando a astrobióloga portuguesa, licen-ciada em Química pelo Instituto Superior Técnico, aceitou ser cientista convidada na agência espacial norte-americana, en-quanto concluía o doutoramento em Lei-den, na Holanda. Seriam as suas inves-tigações na NASA a permitir desvendar o mistério. «Os cientistas detetavam ba-ses nitrogenadas - moléculas do nosso có-digo genético - em meteoritos. Só que a comunidade científica não sabia se essas moléculas eram extraterrestres ou sim-ples contaminação terrestre. Eu fiz aná-lises que mostram que são extraterrestres e resolvi de uma vez por todas essa dis-cussão.»

Se o leitor ficou com a cabeça no espa-ço durante o primeiro parágrafo, fique a saber que a viagem continuará sem os pés muitos assentes na Terra. Hoje, tal como em 2005, o raio de ação de Zita Martins estende-se até aos limites da resposta a dois dos mais cativantes enigmas do uni-verso: «como é que a vida surgiu no nos-so planeta», e «se existe vida extraterres-tre, onde é que se manifesta e se teve uma origem semelhante à nossa». A primei-ra astrobió-loga portuguesa tem de recu-ar ao passado mais remoto para explicar de onde vimos. «Sabemos que a vida ter-restre surgiu há cerca de 3,5 a quatro mil milhões de anos» através de fósseis, que não só funcionam como «amostras reais» como ajudam a fazer os cálculos. O siste-ma solar, esse, formou-se bem antes, há 4,6 mil milhões de anos. «Temos amos-tras extraterrestres na Terra, ou seja, me-teoritos que vieram, na maioria dos ca-sos, da cintura de asteroides entre Marte e Júpiter. Quando analisamos os meteo-ritos, por vários processos, conseguimos datá-los. Alguns não foram significativa-mente transformados desde a formação do sistema solar.» Pelo meio, entre 4,6 e 3,8 mil milhões de anos, «a Terra sofreu um grande bombardeamento de cometas e asteroides».

A origem da vida apresenta-se aos cien-tistas como um grande puzzle incom-pleto, sucessivamente construído e re-lacionado peça a peça. Umas há que se

«OS CIENTISTAS DETETAVAM

MOLÉCULAS DO NOSSO

CÓDIGO GENÉTICO EM

METEORITOS. MAS NÃO

SABIAM SE ERAM

EXTRATERRESTRES OU

CONTAMINAÇÃO TERRESTRE.

EU FIZ ANÁLISES QUE

MOSTRAM QUE SÃO

EXTRATERRESTRES E

RESOLVI ESSA DISCUSSÃO.»

Em 2018, o envio de um veículo não tripulado

para Marte pode revelar novos dados.

conseguem encaixar por prova científica, outras são equacionadas através de teo-rias. «Uma teoria defende que houve sín-tese na atmosfera da Terra primitiva - ao tempo da formação do nosso sistema so-lar era muito diferente da Terra atual. Os cientistas acreditam que moléculas orgâ-nicas possam ter sido sintetizadas na at-mosfera ou no fundo dos oceanos em fon-tes hidrotermais. No meu caso, gosto de outra teoria, que diz que as moléculas or-gânicas vieram todas de fora da Terra.» Os meteoritos voltam a ser chamados ao texto, ou não fossem eles o campo de in-vestigação por excelência de Zita Mar-tins. «Os meteoritos são as amostras mais antigas do sistema solar, têm cerca de 4,6 mil milhões de anos. São máquinas do tempo. Não é todos os dias que podemos tocar em rochas extraterrestres.» A pre-ferência teórica, admite, deve-se ao «fas-cínio» de «contactar com amostras reais que apelam um pouco à ficção científica».

Ficção científica, sim, mas na dose cer-ta. A investigadora de 36 anos nunca foi leitora compulsiva de género literário. E se hoje é uma conceituada cientista inter-nacional no campo da astrobiologia, uma dose generosa de culpa deve ser atribuí-da a Cosmos, a série de televisão escrita e apresentada por Carl Sagan nos anos 1980. «No liceu, a professora de Biolo-gia passava os vídeos da série, e eu lem-bro-me de ficar absolutamente fasci-nada pelo facto de se misturar Biologia, Física, Química, o espaço e tudo o res-to, mas também por Carl Sagan ser um

Page 4: ZITA MARTINS · vida extraterrestre nÃo É ficÇÃo cientÍfica, mas tem os ingredientes de uma aventura galÁctica. a primeira astrobiÓloga portuguesa passa os dias a tentar encontrar

Tiragem: 150000

País: Portugal

Period.: Semanal

Âmbito: Interesse Geral

Pág: 60

Cores: Cor

Área: 19,98 x 26,96 cm²

Corte: 4 de 5ID: 62263508 13-12-2015

• BBC, Sky News, Channel 4... Zita

Martins integra uma lista restrita de nomes

a que os meios de comunicação

britânicos recorrem sempre que é preciso

falar do espaço.

grande comunicador de ciência. Desafia-va a ideia que tínhamos dos cientistas.» Zita Martins parece ter seguido o modelo à risca. Integra atualmente umalista res-trita de nomes a que os meios de comuni-cação britânicos recorrem - seja a BBC, a Sky News ou o Channel 4 - sempre que é preciso falar do espaço. Preparação tem de sobra, seja em televisão ou em rádio,

resultado da sua participação no progra-maBBC'sExpert Women (2013). Em me-ados de 2015 surgiu a condecoração ofi-cial da Presidência da República, com a Ordem de Sant'lago da Espada, pelo mé-rito de contribuir para a investigação e a divulgação científicas.

Ao laboratório da cientista residente no Imperial College, em Londres, conti-nuam a chegar amostras de meteoritos e cometas de várias proveniências. Da mis-são Rosetta, por exemplo, organizada pe-la Agência Espacial Europeia (ESA), que em 2014 «recolheu amostras do cometa 67P e enviou os dados para Terra». An-tes da missão Stardust, preparada pela NASA, que «trouxera amostras do come-taVild-2». Missões espaciais, telescópios, investigação. Tudo serve, desde que adap-tado à circunstância. «Cometas e mete-oritos transportaram moléculas orgâni-cas extraterrestres fundamentais para a vida.» Vida, vida. Terreno escorregadio. «A definição de vida é muito discutida. Neste caso, entenda-se "vida" como nós a conhecemos, baseada em carbono, e que é possível replicar. Realmente não sabemos como é que saltamos de ter simples molé-culas orgânicas para a vida. É a grande, grande questão.» Zita Martins, por ela, manterá sempre a quota-parte de res-ponsabilidade na procura de respostas, o mesmo é dizer «simulações em laborató-rio e análise de moléculas orgânicas pre-sentes em asteroides, cometas ou meteo-ritos». Passo a passo, com a cadência re-gulada pelo relógio do universo. «Não podemos dizer que daqui a dez anos va-mos descobrir como a vida surgiu na Ter-ra. Talvez a perspetiva mais realista seja descobrirmos primeiro se existe vida ex-traterrestre. E uma coisa estáligada à ou-tra. Podemos sempre comparar e tentar perceber se são iguais ou diferentes.»

Falar de potencial «vida extraterres-tre» é falar do Planeta Vermelho. «Co-mo ainda não houve uma missão espa-cial a Marte para recolha de amostras, precisamos de treinar os instrumen-tos e otimizar as condições dessa futu-ra missão.» Há dois anos, a astrobiólo-ga foi «treinar» para o deserto da Aus-trália, um dos locais terrestres mais semelhantes «do ponto de vista químico, físico e geológico» a Marte, que vai-não--vai se atravessa no caminho de Zita Mar-tins. Em 2007, quase a terminar o dou-toramento na Holanda, recebeu diversas propostas. Acabou por optar pelo pós--doutoramento no Imperial College,

Page 5: ZITA MARTINS · vida extraterrestre nÃo É ficÇÃo cientÍfica, mas tem os ingredientes de uma aventura galÁctica. a primeira astrobiÓloga portuguesa passa os dias a tentar encontrar

Tiragem: 150000

País: Portugal

Period.: Semanal

Âmbito: Interesse Geral

Pág: 62

Cores: Cor

Área: 20,37 x 27,14 cm²

Corte: 5 de 5ID: 62263508 13-12-2015

CIENCIA

colaborando com a missão ExoMars (ESA) até 2009. «O objetivo continua a ser detetar sinais de vida extraterrestre em Marte. Será enviado um rover (veícu-lo não tripulado) que chegará ao solo da-quele planeta em 2018. É uma missão im-portantíssima. No entanto, acho que o fo-co está agora muito voltado - e eu sempre fui grande fã desta perspetiva - para as luas geladas de Júpiter e de Saturno. Sa-bemos que existe um oceano líquido por baixo dessa camada de gelo e, potencial-mente, poderá existir ali vida. Mas vai de-morar décadas até descobrirmos.»

Em 2009, Zita Martins garantiu a bol-sa de investigação (fellowship) da Royal Society (Academia de Ciências Britâni-ca) e com ela surgiu uma nova etapa pa-ra a menina que poderia ter sido uma es-trela de ballet clássico - quando tinha 9 anos, os professores disseram à mãe que devia seguir a carreira de bailarina - e que aos 15 anos decidiu aprender russo pela influência da Rússia na corrida es-pacial. «Qualquer astronauta que vá para a Estação Espacial Internacional tem de saber russo.» Nunca ambicionou ser as-tronauta, mas agrada-lhe a ideia de o seu

«OS METEORITOS SÃO AS

AMOSTRAS MAIS ANTIGAS

DO SISTEMA SOLAR, TÊM

CERCA DE 4,6 MIL MILHÕES

DE ANOS. SÃO MÁQUINAS

DO TEMPO. NÃO É TODOS

OS DIAS QUE PODEMOS

TOCAR EM ROCHAS

EXTRATERRESTRES.»

trabalho «seguir um dia numa missão». A Agência Espacial Europeia (ESA) tem por tradição abrir vários concursos pa-ra missões espaciais. Zita Martins can-didatou-se recentemente com o proje-to MarcoPolo-2D. Objetivo? Recolher amostras de um «asteroide muito primi-tivo». «Chegámos à fase final da seleção, passando por muitas etapas, mas a pro-posta foi recusada. Neste momento posso dizer que os estudos deste projeto estão a ser utilizados para potenciais futuras missões da própria ESA.» Ainda não há decisões finais, é certo, mas a astrobiólo-ga portuguesa, membro de uma das equi-pas de aconselhamento da ESA, levanta um pouco o véu sobre o alcance das mis-sões: «Ira Fobos, uma das luas de Marte, e voltar à Lua, aos polos da Lua, porque são feitos de gelo e funcionam como uma arca frigorífica preservada no tempo.» De resto, esta disciplina científica tam-bém se rege por alguns segredos, sobretu-do quando a conversa puxa pelos detalhes da investigação mais atual. «Posso dizer que continuo a analisar meteoritos. Nes-ta área não divulgamos muito. Há uma grande competição.»

«QUERO REGRESSAR A PORTUGAL»

HÁ 15 ANOS A INVESTIGAR NO ESTRANGEIRO - HOLANDA, ESTADOS UNIDOS E AGORA INGLATERRA -, ZITA MARTINS NÃO ESCONDE QUE UM DOS SEUS OBJETIVOS É CRIAR O PRIMEIRO GRUPO DE ASTROBIOLOGIA EM PORTUGAL. A PARTIR DE 2017, TUDO É POSSÍVEL.

Em que fase está a sua car-reira em Londres? Em 2009, ganhei uma fello-wship da Royal Society, com a duração de oito anos, o que faz que eu seja tratada como membro permanente. Além de ser muitíssimo prestigias-te e competitivo, permite-me ser investigadora indepen-dente. Recebi um milhão de libras [cerca de1,4 milhões de euros]. *Um milhão de libras só pa-ra a sua investigação? Sim, para pagar a minha in-vestigação, os reagentes no la-boratório, as viagens, os custos indiretos do Imperial College, os ordenados, etc. *Faltam, portanto, dois anos para terminar a bolsa

de investigação. Regressar a Portugal faz parte dos seus planos? Há alguns anos que o meu ob-jetivo é regressar e ter o meu grupo de astrobiologia. Saí há quase 15 anos porque não ha-via - e continua a não haver -astrobiologia em Portugal. *Ainda hoje? Sim. Não há. Há investigado-res que fazem pontualmente geologia ou astronomia, mas não há oficialmente nenhum grupo de astrobiologia. Fui a primeira portuguesa (ou por-tuguês) a ter um doutoramen-to e atrabalhar nesta área cien-tífica. O meu objetivo sempre foi, e continua a ser, colocar Portugal no mapa daastrobio-logia - internacionalmente,

toda a gente sabe que sou por-tuguesa. Ia Com os meios financeiros e de investigação que tem hoje àsuadisposição em Londres, como é que, na prática, se vê acontinuarasuacarreiraem Portugal, onde a redução do investimento em ciência foi muito criticada pelo meio universitário e científico? Primeiro que tudo, eu sou li-cenciadaem Química,portan-to a minha investigação pode ser feita em qualquerlaborató-rio de Química, seja numa uni-versidade ou num instituto. Não é nada de exótico. Exóti-cas são apenas as amostras em que trabalho e as missões de que faço parte. Para continuar a carreira em Portugal, basta

as universidades ou os institu-tos decidirem abrir uma posi-ção. Isso é normalissimo. De-pois é candidatar-me a finan-ciamento e a fundos europeus. É o processo normal de quem faz ciência, em Portugal ou em qualquer outra parte do mun-do. Em segundo lugar, sabe-mos bem como é que as coisas ficaram com o governo de di-reita. Neste momento tenho grande esperança de que re-gresse o investimento. Voltá-mos ater um Ministério da Ci-ência, o que é muito positivo, e o novo ministro [Manuel Hei-tor] foi secretário de Estado no tempo de Mariano Gago, que impulsionou muitíssimo a ci-ência em Portugal. Espero an-siosamente para ver.