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_______________ 1 SBARRA, M.; ANGOTTI, F; RHEINGANTZ, P; PEDRO, R. Zona Portuária/RJ: Teoria Ator-Rede, Edifícios e Lugares em ação. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE QUALIDADE DO PROJETO NO AMBIENTE CONSTRUÍDO. 2017 - João Pessoa-PB; Anais... Porto Alegre: ANTAC. p x-y . ZONA PORTUÁRIA/RJ: TEORIA ATOR-REDE, EDIFÍCIOS E LUGARES URBANOS EM AÇÃO 1 SBARRA, Marcelo PROARQ/FAU/UFRJ, e-mail: [email protected] ANGOTTI, Fabíola PROARQ/FAU/UFRJ, e-mail: [email protected] RHEINGANTZ, Paulo Afonso PROGRAU/FAUrb/UFPel e PROARQ/FAU/UFRJ, e-mail: [email protected] PEDRO, Rosa PPGP/IP/UFRJ, e-mail: [email protected] RESUMO Este trabalho se insere nas pesquisas realizadas pelos grupos de pesquisa Qualidade do Lugar e Paisagem (PROARQ/FAU/UFRJ) e Cultura Contemporânea: subjetividade, conhecimento e tecnologia (PPGP/IP/UFRJ), relacionadas aos desenvolvimentos das teses de doutorado de seus pesquisadores e nas contribuições metodológicas e teóricas discutidas no âmbito do desenvolvimento das mesmas, tendo já gerado artigos de livros, periódicos, participação em seminários nacionais e internacionais. Especificamente, neste artigo, busca-se compreender de que forma as ações resultantes das inserções dos edifícios icônicos no entorno do chamado Boulevard Olímpico – por sua vez inserido no contexto do projeto Porto Maravilha – atuam no ambiente urbano. Em um percurso que propõe diferentes caminhos, que se entrelaçam em múltiplas direções contrárias às formulações hegemônicas, que apagam e/ou encobrem outros modos de percepção do lugar, se ocupa dos efeitos das múltiplas realidades performadas a partir dessas inserções no lugar em ação Zona Portuária do Rio de Janeiro. Como estratégia metodológica na tentativa de mapear as associações dos diferentes atores – humanos e não- humanos – no lugar em ação Zona Portuária, que se constitui como uma rede sociotécnica ou coletivo, o estudo se alinha com a Teoria Ator-Rede. Como contribuição para a temática da Avaliação Pós-Ocupação de lugares e edifícios em ação ambientes urbanos, destaca narrativas das múltiplas ontologias políticas e traduções que são produzidas pelos diferentes atores sobre (e dos) lugares em ação: os movimentos de um conjunto heterogêneo, não hierarquizado e distribuído de narrativas que evidenciam os jogos de força e de poder que constroem outras formas de "objetividade". Palavras-chave: Zona Portuária/RJ, Porto Maravilha, Teoria Ator-Rede, Lugares em ação. ABSTRACT This paper is part of the research developed by the Qualidade do Lugar e Paisagem (PROARQ/FAU/UFRJ) and Cultura Contemporânea: subjetividade, conhecimento e tecnologia (PPGP/IP/UFRJ) groups, related to the developments of the doctoral theses of its researchers and to the methodological and theoretical contributions discussed in the scope of their development, having already generated book chapters, articles, , participation in national and international seminars . Specifically, this article seeks to understand how the actions resulting from the insertions of the iconic buildings in the surroundings of the Olympic Boulevard - inserted in the context of the Porto Maravilha project - work in the urban environment. In a route that proposes different paths, which intertwine in multiple directions contrary to hegemonic formulations, which erase and / or obscure other modes of perception of the place, deals with the effects of the multiple realities performed from these insertions in place in action Port Zone from Rio de Janeiro. As a methodological strategy in the attempt to map the associations of the different actors - human

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_______________ 1 SBARRA, M.; ANGOTTI, F; RHEINGANTZ, P; PEDRO, R. Zona Portuária/RJ: Teoria Ator-Rede, Edifícios e Lugares em ação. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE QUALIDADE DO PROJETO NO AMBIENTE CONSTRUÍDO. 2017 - João Pessoa-PB; Anais... Porto Alegre: ANTAC. p x-y.

ZONA PORTUÁRIA/RJ: TEORIA ATOR-REDE, EDIFÍCIOS E LUGARES URBANOS EM AÇÃO1

SBARRA, Marcelo PROARQ/FAU/UFRJ, e-mail: [email protected]

ANGOTTI, Fabíola PROARQ/FAU/UFRJ, e-mail: [email protected]

RHEINGANTZ, Paulo Afonso PROGRAU/FAUrb/UFPel e PROARQ/FAU/UFRJ, e-mail: [email protected]

PEDRO, Rosa PPGP/IP/UFRJ, e-mail: [email protected]

RESUMO

Este trabalho se insere nas pesquisas realizadas pelos grupos de pesquisa Qualidade do Lugar e Paisagem (PROARQ/FAU/UFRJ) e Cultura Contemporânea: subjetividade, conhecimento e tecnologia (PPGP/IP/UFRJ), relacionadas aos desenvolvimentos das teses de doutorado de seus pesquisadores e nas contribuições metodológicas e teóricas discutidas no âmbito do desenvolvimento das mesmas, tendo já gerado artigos de livros, periódicos, participação em seminários nacionais e internacionais. Especificamente, neste artigo, busca-se compreender de que forma as ações resultantes das inserções dos edifícios icônicos no entorno do chamado Boulevard Olímpico – por sua vez inserido no contexto do projeto Porto Maravilha – atuam no ambiente urbano. Em um percurso que propõe diferentes caminhos, que se entrelaçam em múltiplas direções contrárias às formulações hegemônicas, que apagam e/ou encobrem outros modos de percepção do lugar, se ocupa dos efeitos das múltiplas realidades performadas a partir dessas inserções no lugar em ação Zona Portuária do Rio de Janeiro. Como estratégia metodológica na tentativa de mapear as associações dos diferentes atores – humanos e não-humanos – no lugar em ação Zona Portuária, que se constitui como uma rede sociotécnica ou coletivo, o estudo se alinha com a Teoria Ator-Rede. Como contribuição para a temática da Avaliação Pós-Ocupação de lugares e edifícios em ação ambientes urbanos, destaca narrativas das múltiplas ontologias políticas e traduções que são produzidas pelos diferentes atores sobre (e dos) lugares em ação: os movimentos de um conjunto heterogêneo, não hierarquizado e distribuído de narrativas que evidenciam os jogos de força e de poder que constroem outras formas de "objetividade".

Palavras-chave: Zona Portuária/RJ, Porto Maravilha, Teoria Ator-Rede, Lugares em ação.

ABSTRACT This paper is part of the research developed by the Qualidade do Lugar e Paisagem (PROARQ/FAU/UFRJ) and Cultura Contemporânea: subjetividade, conhecimento e tecnologia (PPGP/IP/UFRJ) groups, related to the developments of the doctoral theses of its researchers and to the methodological and theoretical contributions discussed in the scope of their development, having already generated book chapters, articles, , participation in national and international seminars . Specifically, this article seeks to understand how the actions resulting from the insertions of the iconic buildings in the surroundings of the Olympic Boulevard - inserted in the context of the Porto Maravilha project - work in the urban environment. In a route that proposes different paths, which intertwine in multiple directions contrary to hegemonic formulations, which erase and / or obscure other modes of perception of the place, deals with the effects of the multiple realities performed from these insertions in place in action Port Zone from Rio de Janeiro. As a methodological strategy in the attempt to map the associations of the different actors - human

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and non-human - in the place in action Port Zone, which is constituted as a sociotechnical or collective network, the study aligns with the Actor-Network-Theory. As a contribution to the theme of Post-Occupancy Evaluation of places and buildings in urban environments, it emphasizes narratives of the multiple political ontologies and translations that are produced by different actors about (and of) places in action: the movements of a heterogeneous Hierarchical and distributed narrative that shows the games of power and power that construct other forms of "objectivity".

Keywords: Portuary zone/RJ, Porto Maravilha, Actor-Network Theory, Places in Action.

1 INTRODUÇÃO Ao escolher a Zona Portuária do Rio de Janeiro como objeto de estudo das teses de doutorado do Programa de Pós-graduação em Arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PROARQ/FAU/UFRJ), uma série de desafios foram colocados em discussão.

O primeiro e mais urgente tem sido o aprofundamento dos referenciais teóricos a serem utilizados como “chaves de leitura” ou Metodologia utilizada nas pesquisas, fruto de enriquecedora parceria com o grupo Cultura Contemporânea: subjetividade, conhecimento e tecnologia, do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGP/IP/UFRJ),que tem resultado em publicações acerca da Teoria Ator-Rede (TAR) e sua aplicabilidade nos estudos de Arquitetura-Urbanismo (AU)

O segundo está relacionado com o modo como a mídia – nacional e internacional – e o governo municipal tem feito referências ao projeto do arquiteto espanhol Santiago Calatrava para o Museu, implantado no Boulevard Olímpico – ocupando o antigo Píer da Praça Mauá, na cidade do Rio de Janeiro.

Este novo “ícone arquitetônico” passou a ser o símbolo da renovação urbana da Zona Portuária, com vistas a abrigar os grandes eventos internacionais – Copa do Mundo (2014) e Jogos Olímpicos (2016) – que a cidade sediou.

Antiga porta de entrada da cidade, praticamente abandonada pelo poder público na segunda metade do século XX, a Zona Portuária passou por um processo de gentrificação e especulação imobiliária associado ao projeto Porto Maravilha, que incluiu a demolição do elevado da Avenida Perimetral, a recuperação e abertura ao público da orla marítima entre as Praças XV e Mauá, o projeto e a construção do Museu de Arte do Rio de Janeiro (MAR), do Museu do Amanhã, do Aquário Marinho e de edifícios de habitação e de escritórios e serviços, entre os quais, o megaprojeto das Torres Trump – com três torres de 50 andares.

Por seus trabalhos sobre os ícones e sua inserção urbana para a recuperação de áreas consideradas “degradadas” Charles Jencks e Josep Maria Montaner surgem como importantes referenciais teóricos cujos posicionamentos necessitavam de uma “tradução” a partir do entendimento da TAR sobre lugar em ação, agenciamento, protagonismo e políticas ontológicas.

Nessa perspectiva, neste artigo discutimos o entendimento tradicional de ícone a partir da inserção de novos edifícios no lugar em ação Zona Portuária, à luz da Teoria Ator-Rede (TAR), tendo como base uma leitura do lugar oferecida pelo marketing oficial da Prefeitura do Rio de Janeiro e algumas possíveis traduções deste material.

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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 Sobre ícones e ícones icônicos Embora seja utilizado para designar um elemento que se destaca dos demais da mesma categoria, o entendimento do que seja um ícone arquitetônico carece de revisão.

O debate crítico nas décadas de 1960 e 1970 retirou do objeto parte de seu protagonismo e o resultado final – o objeto construído – passou a ter uma importância secundária em relação à construção e ao entendimento do discurso que embasava sua concepção. Os conhecidos textos de Peter Eisenman (Hays, 2000) sobre os conceitos que norteavam sua produção passaram a assumir maior importância do que os objetos que fundamentavam. O processo passou a ser a chave para se entender a arquitetura.

Por sua vez, em meados dos anos 1990, segundo Jencks (2005), algo de diferente começa a acontecer com a produção dos edifícios, especialmente os projetados pelos "arquitetos-estrela". Os objetos arquitetônicos retomam sua importância enquanto os discursos passam a ter uma importância secundária. Jencks entende que este novo tipo de arquitetura estaria diretamente relacionado com o crescimento econômico das cidades e/ou com a busca por fama instantânea e a publicidade, alterando drasticamente o significado tradicional de monumento arquitetônico. As cidades passaram a competir entre si por ícones, recorrendo a arquitetos internacionais em busca de oferecer um “algo a mais” (Jencks, 2005, p. 19).

O autor localiza no Museu Guggenheim de Bilbao, projetado por Frank Gehry (Figura 1) um momento de mudança de paradigma no papel do edifício como objeto inserido na cidade, que passou a ser chamando de “efeito Bilbao” (Jencks, 2005, p.7)

Figura 1 – Museu Guggenhein de Bilbao, Arquiteto Frank Gehry

Fonte: https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=48773201, acesso em 12 mai 2017

É importante perceber que a disputa pelas cidades está diretamente ligada a eventos internacionais e ao público que eles potencialmente atraem – como a Copa do Mundo de Futebol e os Jogos Olímpicos (Jencks, 2005, p. 19).

O autor não se furta em expor sua opinião – já provou ser conhecedor das principais teorias e manifestos que rondaram a arquitetura contemporânea ao

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editar uma compilação sobre o tema (Jencks & Kropf, 2006) – além de ter publicado dezenas de livros sobre a Modernidade e a Pós-modernidadei. Esta “liberdade” de pensamento possibilita que ele exponha claramente o que pensa sobre o julgamento de um edifício icônico:

“[...]. Quem realmente se importa quão bom eles são? Um edifício icônico é criado para fazer barulho, para fazer dinheiro e o critério normal de avaliação não se aplica. ” (Jencks, 2005, p.21, grifo nosso)

Não satisfeito, Jencks acrescenta uma nova categoriaii ao estudo dos ícones: o edifício que é duplamente icônico.

A título de exemplo, cita a Ópera de Sidney (1959-1973), de autoria de Jørn Utzon.

Quando a maioria das pessoas pensam sobre a história recente dos edifícios icônicos, vem à mente estruturas como a Ópera de Sydney. Obviamente, devido a sua presença proeminente na baia, sua beleza alva, suas formas inusitadas que nos lembra outras coisas – as velas brancas dos navios ou o branco da arrebentação que pode ser visto tão contundentemente por perto. De fato, este tipo de edifício é duplamente icônico. Em primeiro lugar é uma imagem reduzida bizarramente – como um logo. Em seguida, como um signo icônico, existe a similitude entre as imagens visuais. Uma estranha imagem que nos chama atenção para metáforas surpreendentes. (Jencks, 2005, p. 28)

Aqui, finalmente, temos algumas pistas mais concretas sobre a interpretação de Jencks da iconicidade de um edifício. A edificação precisa ser “reduzida” a uma imagem visual fácil de ser apreendida, como um logotipo (Figura 2). Além disso, se for possível equipará-la por similitude com outras imagens (Figura 3) – a metáfora estaria então neste aspecto – teríamos o ícone icônico.

Figura 2 – O Edifício como um Logotipo

Fonte: http://www.sydneyoperahouse.com/, acesso em 09 jul 2016

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Figura 3 – A metáfora presente no ícone icônico (interpretação de um estudante, 1973)

Fonte: Arte do Autor sobre Jencks (2005, p. 32)

Para Jencks, a maneira como cada pessoa reage a possíveis interpretações e metáforas não é importante. O que importa é sua reação espontânea, que revela formas, conceitos, frases e semelhanças com coisas que já conhecem.

Em resumo [...], um novo gênero de arquitetura. Para ser icônico, um edifício precisa oferecer uma nova e condensada imagem, ter força como forma ou Gestalt e se levantar da cidade. Por outro lado, para se tornar poderoso, precisa estar presente como reminiscência de importantes metáforas e ser um símbolo a ser adorado, o que é uma tarefa difícil em uma sociedade secular. (Jencks, 2005, p. 9, grifo nosso)

Alinhado a esta linha de interpretação do edifício icônico, Rheingantz (2015) associa a imagem do Museu do Amanhã com a de um “esqueleto cyborg de um crocodilo gigante de duas bocas”. (Figura 4)

Figura 4 – Museu do Amanhã ou a “boca do crocodilo”

Fonte: Rheingantz (2015)

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2.2 Montaner e o novo pragmatismo: fragmentação, caos e iconicidade Bronstein (2013)iii nos alerta sobre a necessidade de termos chaves de leitura a respeito da crítica aos objetos arquitetônicos, quando propõe “uma inversão gestáltica do material a ser analisado: não mais objetos arquitetônicos, mas as práticas discursivas que enredam estes objetos. Um elenco de criatura e criadores que pairam sobre a materialidade da obra” (Bronstein, 2013, p.2).

Em alinhamento com a incursão pioneira de Jencks sobre iconicidade, Montaner (2016) analisa seu papel renovador da cidade em um mundo de complexidades. No entanto, sugere a retomada da análise do objeto como fruto de uma produção autoral, sem considerar os possíveis discursos que poderiam tê-los produzido. Ao exemplificar seu entendimento de ícone, em lugar de teorizar, relaciona, apresenta as características formais de exemplos de objetos arquitetônicos (Montaner, 2016) e produz modificação na análise crítica: a dissecação da forma por ela mesma, em lugar de um discurso do que está por trás da forma.

É interessante observar que, em lugar de uma chave de leitura baseada na teoria que cita no começo de seu texto – seja baseada na semiótica de Peirce (2005), na crítica de Rowe e Tafuri (Hays, 2000) ou mesmo nos diagramas de Eisenman– Montaner nos oferece uma análise puramente subjetiva e parcial, como se percebe em sua análise do projeto da Cidade da Cultura (1999-2013), em Santiago de Compostela (Figura 5):

O gigantesco projeto cria uma montanha artificial de mármore inacessível para substituir o ecótopo existente, com certas passagens para pedestres que lembram desfiladeiros e imensos espaços internos definidos por tramas diagramáticas e fragmentadas formadas por tetos falsos que ocultam uma grande quantidade de volumes perdidos. Portanto, aplicando a mesma teoria pragmática que valoriza os fenômenos em seus efeitos sobre a realidade e suas qualidades comprováveis, os nefastos resultados da Cidade da Cultura põem em crise as propostas teóricas que ela própria pretendia legitimar. (Montaner, 2016, p.72-3, grifo nosso)

Figura 5 – Cidade da Cultura, Arquiteto Peter Eisenman, 1999-2013

Fonte: https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=26366545, acesso em 09 jul 2016

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Mesmo partindo de análises semelhantes e, por vezes utilizando os mesmos edifícios, Jencks e Montaner percorrem caminhos distintos, mas aparentemente chegam a conclusões muito próximas: o edifício icônico possui uma mensagem a ser dita, uma metáfora a ser compreendida, uma imagem a ser lembrada.

Apoiando-se principalmente na Semiologia – sob diferentes perspectivas – ambos vislumbram na Arquitetura icônica uma nova forma do objeto arquitetônico retomar seu protagonismo: ainda que dentro do discurso de cada arquiteto-autor, o objeto inserido no contexto da cidade irá por si só conseguir ter seu próprio discurso.

Neste ponto, a TAR nos permite entender que as diferentes traduções dos autores remetem às múltiplas maneiras de se analisar o objeto e seu protagonismo, sua relação com os diferentes atores (humanos e não-humanos), fornecendo a ligação necessária para um entendimento do papel do ícone, mais alinhado com os estudos desenvolvidos nas pesquisas de tese.

2.3 TAR os Lugares em Ação Ao pensar as associações entre humanos e não-humanos ou entre pessoas e coisas ou matéria e significado (Fallan, 2008), a TAR tem contribuído significativamente com os estudos de AU.

Ao invés de entender edifícios e lugares como fenômenos isolados que são inseridos em contextos pré-existentes que, a partir desta inserção passam a desenvolver uma relação de objeto para o todo, a TAR oferece uma ontologia alternativa para seus diferentes modos de “estar presentes” (Farías & Bender, 2010). Nessa perspectiva, suas qualidades não são pré-existentes nem únicas: elas emergem de múltiplos processos de associações (Farías, 2010a).

Ao cartografar as relações entre TAR e AU, recorremos a alguns princípios norteadores. Um deles, é que lugares e edifícios são performados ou trazidos à existência (Mol, 2008) nas redes de objetos, materialidades, tecnologias, natureza, organismos e seres humanos (Farías, 2010a).

Os edifícios, por sua vez, por operarem simultaneamente com diferentes usos e atores, não são objetos estáticos (Latour & Yaneva, 2008), uma vez que são transformados por seus usuários, dispositivos, sistemas tecnológicos, e, principalmente, pelas ações que acontecem em seu interior e exterior: são, neste entendimento, objetos em movimento contínuo; edifícios e lugares são construções ontológicas e políticas (Mol, 2008): em outras palavras, produzem mundos.

Neste entendimento, os lugares em ação são interfaces que aprendem e performam conhecimentos que, modelados por diferentes políticas ontológicas, são ao mesmo tempo localizados e globais – portanto, tem a ver com o modo que o narrador opera sua seleção e exerce sua parcialidade (Haraway, 1995).

Desta forma, tanto edifícios como lugares, projetos arquitetônicos e seus autores, clientes e usuários desses projetos, matérias publicadas na imprensa, em artigos, livros, observações de campo, são atores presentes nos lugares em ação.

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Latour (2002) nos oferece, ainda, uma interessante análise sobre o conceito de “fetiche”. Seguindo o autor, o fetiche possui uma relação etimológica entre aquilo que é feito/produzido pelo homem (portanto, um objeto) com aquilo que é artificial e produz algum tipo de fascínio sobre alguém. O ícone arquitetônico em sua conceituação mais tradicional encontra aqui uma maneira de ser traduzido pela TAR e incluído nas análises do objeto no lugar e seu papel de protagonista: “o fetiche é um fazer-falar” (Latour, 2002, p. 17)

Sob a fantasia do fetiche, agora dissipada, o humano esclarecido percebe que, por isso, não está mais sozinho, que divide sua existência com uma multidão de agentes. O alien que se acreditava eliminado, retorna sob a forma terrivelmente complicada de multidão social. O ator humano nada fez senão trocar uma transcendência por outra [...] (Latour, 2002, p.28)

A partir deste entendimento, a TAR nos permite compreender a política ontológica, traduzir os entendimentos/proposições de ícone além de nos auxiliar a ter algumas chaves de leitura possíveis para o entendimento do lugar em ação Zona Portuária.

Podemos então atualizar/traduzir o entendimento tradicional de ícone/arquitetura icônica, como elemento primário nas análises dos efeitos deste tipo de edificação na percepção do lugar em ação Zona Portuária do Rio de Janeiro, propondo diferentes caminhos, que se entrelaçam em múltiplas direções à formulações hegemônicas, que apagam e/ou encobrem outros modos de percepção do lugar.

3 METODOLOGIA Como estratégia metodológica – ou melhor, como uma possibilidade de tradução da TAR sobre o papel do ícone - neste artigo, utilizamos como suporte primário o material utilizado durante os Jogos Olímpicos (2016) através do setor de marketing da Prefeitura do Rio de Janeiro, para exemplificar as associações dos diferentes atores – humanos e não-humanos – no lugar em ação Zona Portuária.

O projeto Porto Maravilhaiv, aqui entendido como uma rede sociotécnica ou coletivo, produziu profundas alterações no ambiente urbano da região portuária do Rio de Janeiro, sendo uma das suas maiores intervenções a implantação do Museu do Amanhã no Píer da Praça Mauá associada com a construção do chamado Boulevard Olímpico, passeio público que conecta o Armazém 8 do cais do porto à Praça da Misericórdia, que abriga o Museu Histórico Nacional. (Figura 6).

Figura 6 – Museu do Amanhã e Boulevard Olímpico

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Fonte: Autores (2014)

Essa aqui é a cereja do bolo. Isso aqui é o ícone maior da revitalização da Zona Portuária. Isso aqui vai ser uma marca nova para essa cidade, como são os Arcos da Lapa, como é o Maracanã, como é o Cristo Redentor. Isso aqui vai ser certamente uma nova marca da nossa cidade. (RJTV, 2011, grifo nosso)

Outros edifícios, como o Museu de Arte do Rio (MAR) e o Aquário Marinho do Rio de Janeiro (AquaRio), também atuam como ponto de referência e se destacam na paisagem. (Figuras 7 e 8)

Figura 7 – Museu de Arte do Rio (MAR), visto a partir do Boulevard Olímpico

Fonte: Autores (2016)

Figura 8 – AquaRio, com a Gamboa ao fundo

Fonte: Autores (2016)

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A propaganda oficial produzida pelas equipes de marketing da Prefeitura do Rio de Janeiro se utilizou de mapas esquemáticos da região portuária para reproduzir novas arquiteturas icônicas (Jencks, 2005), inseridas no ambiente urbano existente. Nestes mapas nota-se um território (re) configurado pelo desaparecimento de Morros e comunidades, além da sensível diminuição da massa de edificações do Centro do Rio de Janeiro, sugerindo um apagamento da memória (Montaner & Muxi, 2014:159) (Figura 9)

Figura 9 – Mapa Oficial distribuído pela Prefeitura do Rio

Fonte: http://www.brasil2016.gov.br/pt-br, acesso 09 jul 2016

Este modo de traduzir o ambiente urbano evidencia um sentido hegemônico produzido pelo marketing urbano oficial, que busca qualificar a imagem do lugar, desconsiderando outras múltiplas ontologias políticas e realidades possíveis. No entanto, acreditamos que essas múltiplas realidades são performadas a partir de configurações diversas e que precisam ser consideradas na compreensão e avaliação da qualidade do lugar. Uma (das muitas) leituras possíveis da Figura 9 nos permite identificar o Museu do Amanhã em primeiro plano, destacando a ligação com a cidade tradicional que valoriza sua História. No entanto, é importante observar que nem o Museu do Amanhã e nem o Museu de Arte do Rio aparecem indicados dentre as atrações da imagem.

Outro fator interessante é a pouca densidade de edificações mostrada, contrastando com uma alta densidade de áreas verdes ou vazios urbanos, podendo levar aqueles que não conhecem este ambiente urbano a terem uma visão diferente da qualidade ambiental do local.

O Morro da Conceição (cuja localização coincide com a “atração” 13), importante marco geográfico e histórico do início da ocupação urbana da

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cidade não foi representado, sugerindo um “apagamento da memória”, que pode conduzir a uma “perda da memória crítica” (Montaner &Muxi, 2014:159).

O Museu do Amanhã - a “cereja do bolo” - aparece em destaque, podendo ser entendida como objeto/fetiche (Latour, 2002) cujo fascínio parece enredar o conceito de ícone de Jencks e Montaner.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Tudo pode ser um ícone.

(Jencks, 2005, p.40)

Buscamos através deste artigo contribuir com algumas relações possíveis entre a teoria da AU e a TAR – no que se refere ao ícone ou objeto arquitetônico, cujos significados parecem estar longe de ser um consenso. Discutir conceitos – ou mesmo criá-los – faz parte da discussão teórica no campo da arquitetura e urbanismo e não constituem unanimidades, muito pelo contrário.

Mesmo críticos reconhecidos pela contribuição de sua produção podem ter dificuldade para propor critérios para a análise de determinados assuntos. É assim em relação a questão do ícone, por exemplo.

Embora seja um termo bastante utilizado, o ícone em AU necessita de algo mais do que relação com a simplificação da forma e sua apreensão gestáltica e similitude – como sugere Jencks – ou a retomada do objeto e da análise diagramática – como propõe Montaner. O objeto/fetiche, aquele ator que desperta o fascínio de outros agentes nos parece ser uma maneira de se re-ler o conceito.

A TAR nos auxilia na busca desta resposta, considerando que em lugar de única e imutável ela é múltipla e dinâmica. Os diferentes atores envolvidos – humanos e não-humanos – nos permitem enxergar a presença do ícone como elemento transformador do ambiente em que está inserido, mas não como único protagonista como sugere a análise tradicional. O ícone, inegavelmente, nos inquieta e nos obriga a estar atentos a sua ação na paisagem urbana.

Como contribuição para a temática da Avaliação Pós-Ocupação de edifícios e ambientes urbanos, o artigo destaca a importância de se cartografar múltiplas narrativas, diferentes percepções e traduções – apropriações que cada ator faz dos (e sobre os) lugares em ação: os movimentos de um conjunto heterogêneo, não hierarquizado e distribuído de narrativas que evidenciam os jogos de força e de poder que constroem outras formas de "objetividade".

REFERÊNCIAS BRONSTEIN, L. Acerca da crítica aos objetos arquitetônicos. Arquitextos, São Paulo, ano 14, n. 160.03, Vitruvius, set. 2013 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/14.160/4879>.

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RJTV (Rio de Janeiro). O Globo (Ed.). Começam as obras para o Museu do Amanhã, no Rio: Projeto vai ocupar área de 15 mil metros quadrados. Inauguração deve ser no primeiro semestre de 2014. 2011. Disponível em: <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2011/11/comecam-obras-para-o-museu-do-amanha-no-rio.html>. Acesso em: 01 nov. 2011.

iA produção bibliográfica de Charles Jencks é impressionante, assim como a falta de um aprofundamento e debate teórico sobre sua obra – em especial em relação ao tema ícones, ver Jencks (2005; 2011).

Page 13: ZONA PORTUÁRIA/RJ: TEORIA ATOR-REDE, EDIFÍCIOS E …...Museu do Amanhã, do Aquário Marinho e de edifícios de habitação e de escritórios e serviços, entre os quais, o megaprojeto

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iiA categorização é uma temática constante em seus trabalhos. iiiBronstein (2013) oferece um panorama acerca da trilogia formado por Depois do Movimento moderno (Montaner, 2001), As formas do século XX (Montaner, 2002) e Sistemas Arquitetônicos Contemporâneos (Montaner, 2009). ivFruto de parceria entre os governos municipal, estadual e federal, com vistas aos megaeventos como Copa do Mundo (2014) e Jogos Olímpicos (2016)