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ZygmuntBauman

VIGILÂNCIALÍQUIDADiálogoscomDavidLyon

Tradução:CarlosAlbertoMedeiros

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·Sumário·

PrefácioeagradecimentosIntrodução,porDavidLyon

1.Dronesemídiasocial2.Avigilâncialíquidacomopós-pan-óptico3.Ausência,distanciamentoeautomação4.In/segurançaevigilância5.Consumismo,novasmídiaseclassificaçãosocial6.Investigandoeticamenteavigilância7.AgênciaeesperançaNotasÍndiceremissivo

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·Prefácioeagradecimentos·

Avigilânciaéumaspectocadavezmaispresentenasnotíciasdiárias,oquerefletesuacrescenteimportânciaemmuitasesferasdavida.Mas,naverdade,a vigilância tem se expandido silenciosamente pormuitas décadas e é umacaracterísticabásicadomundomoderno.Àmedidaqueessemundovemsetransformando ao longo de sucessivas gerações, a vigilância assumecaracterísticas sempre emmutação. Hoje, as sociedadesmodernas parecemtão fluidas que faz sentido imaginar que elas estejam numa fase “líquida”.Sempreemmovimento,masmuitasvezescarecendodecertezasedevínculosduráveis,osatuaiscidadãos,trabalhadores,consumidoreseviajantestambémdescobrem que seus movimentos são monitorados, acompanhados eobservados.Avigilânciaseinsinuaemestadolíquido.

Este livro, em forma de diálogo, analisa até que ponto a noção devigilância líquida nos ajuda a compreender o que está acontecendo nummundo de monitoramento, controle, observação, classificação, checagem eatençãosistemáticaquechamamosdevigilância.Issoforneceofiocondutordenossaconversa.Elaenvolvetantodebateshistóricossobreoprojetopan-óptico da vigilância quanto os inventos contemporâneos de um olharglobalizadoquenãodeixalugarparaocultação–e,aomesmotempo,ébem-vindo como tal.Mas também se expande, ao abranger amplas questões porvezes não abordadas pelas discussões sobre vigilância. É uma conversa emquecadaparticipantecontribuimaisoumenosigualmenteparaotodo.

Nós dois temos mantido contato, debatendo esporadicamente questõesrelacionadasanovastecnologias,vigilância,sociologiaeteoriasocialdesdeofim da década de 1970 (ou início da década de 1980, não nos lembramosbem).Baumancontinuouausaremseutrabalhoacríticapan-ópticaetemascorrelatos, e estimulou Lyon em sua análise, cada vez mais ampla, davigilância.Maisrecentemente,preparamosjuntossucessivasparticipaçõesnaconferência bianual de 2008 da Rede de Estudos sobre Vigilância (a deBauman tevedese realizar inabsentia).AdeLyonfoipublicadanarevistaInternational Political Sociology (dezembro de 2010) como “Liquidsurveillance: the contribution of Zygmunt Bauman’s work to surveillancestudies”.AdeBaumanpermanece inédita.Nossaconversaaconteceupore-mail,entresetembroenovembrode2011.

Estamosgratospelaajudacuidadosadealgunscolegasaquemestimamos,queleramnossodiálogoederamsugestõessobrecomoapresentarmelhorascoisas, tornando-asmais acessíveis aumpúblicomais amplo:KatjaFranko

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Aas, Kirstie Ball, Will Katerberg e Keith Tester. Também agradecemoscalorosamenteaEmilySmith,pesquisadoraassociadadoCentrodeEstudosdeVigilânciadaQueen’sUniversity,noCanadá,porsuaajudanesteprojeto,aAndreaDrugan,nossaeditoradaPolity,eaAnn-Bone,copidesque,porseuestímuloeaconselhamento.

ZYGMUNTBAUMANeDAVIDLYON

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·Introdução·

Avigilância é uma dimensão-chave domundomoderno; e, namaioria dospaíses,aspessoastêmmuitaconsciênciadecomoelaasafeta.NãoapenasemLondreseNovaYork,mastambémemNovaDélhi,XangaieRiodeJaneiro,as câmeras de vídeo são elemento comum nos lugares públicos. Por todaparte,viajantesempassagemporaeroportos sabemqueprecisamatravessarnão apenas o controle de passaportes em sua versão do século XXI, mastambém por novos dispositivos, como escâneres corporais e aparelhos dechecagembiométrica,quetêmproliferadodesdeo11deSetembro.Esetudoissotemavercomsegurança,outrostiposdevigilância,relativosacomprasrotineiras e comuns, acesso on-line ou participação em mídias sociais,tambémsetornamcadavezmaisonipresentes.Temosdemostrardocumentosde identidade, inserir senhas e usar controles codificados em numerososcontextos,desdefazercompraspelainternetatéentraremprédios.Acadadiao Google anota nossas buscas, estimulando estratégias de marketingcustomizadas.

Mas o que significa isso do ponto de vista social, cultural, político? Separtirmos simplesmente de novas tecnologias ou de regimes regulatórios,poderemos formar uma ideia da amplitude desse fenômeno. Mas será queconseguiremos compreendê-lo? Decerto, ter uma noção damagnitude e darápidadifusãodoprocessamentodedadoséfundamentalparaqueaondadevigilânciasejaavaliadapeloqueelaé;edescobrirexatamentequaischanceseoportunidades de vida são afetadas por esse fenômeno irá galvanizar osesforços no sentido de controlá-lo. Mas este diálogo tem uma pretensãomaior:adecavarmaisfundo–investigarasorigenshistóricaseocidentaisdavigilância atual e sugerir questões éticas, assim como políticas, sobre suaexpansão.

Por muitas décadas, a vigilância tem sido tema constante da obra deZygmuntBauman, emuitas de suas observações, ameuver, sãodegrandeinteresseparaosquehoje tentamentenderessefenômenoereagiraele.NaprimeiradécadadoséculoXXI,Baumantornou-semaisconhecidoporsuasanálises sobre a ascensão da “modernidade líquida”, e aqui examinamos seesse arcabouço também é esclarecedor quando se avalia o papelcontemporâneodavigilância.MasooutroleitmotivdaanálisedeBaumanéaênfasenaética,principalmenteaéticadoOutro.Emquemedidaissoofereceumacompreensãocríticasobreavigilâncianosnossosdias?

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Vigilâncialíquida?

“Vigilâncialíquida”émenosumaformacompletadeespecificaravigilânciae mais uma orientação, um modo de situar as mudanças nessa área namodernidade fluida e perturbadora da atualidade. A vigilância suaviza-seespecialmente no reino do consumo.Velhas amarras se afrouxam àmedidaque fragmentos de dados pessoais obtidos para um objetivo são facilmenteusados com outro fim. A vigilância se espalha de formas até entãoinimagináveis,reagindoàliquidezereproduzindo-a.Semumcontêinerfixo,mas sacudidapelasdemandasde“segurança”eaconselhadapelomarketinginsistente das empresas de tecnologia, a segurança se esparrama por todaparte.

A noção de Bauman de modernidade líquida estrutura a vigilância denovasmaneiras;oferecetambémnotáveisinsightssobreomotivopeloqualavigilância se desenvolve tal como o faz e algumas ideias produtivas sobrecomo seus piores efeitos podem ser confrontados e neutralizados.Evidentemente, essa é minha visão da situação. O que Zygmunt Baumanpensatorna-seclaroemnossodiálogo.

Aceita-se de forma ampla que a vigilância é uma dimensão central damodernidade.Masamodernidadenãoficaparada.Tambémtemosdeindagar:que tipo de modernidade? As condições atuais podem ser descritas comomodernidade “tardia”, possivelmente “pós-modernidade” ou, demodomaispitoresco, modernidade “líquida”. Zygmunt Bauman sugere que amodernidadetemse liquidificadodenovasediferentesmaneiras(paraalémdoinsightdeMarxeEngels,nafaseinicialdamodernidade,deque“tudoqueésólidosedesmanchanoar”).Duascaracterísticassedestacam.

Emprimeirolugar,todasasformassociaissedesmanchammaisdepressaqueavelocidadecomquesecriamnovasformas.Elasnãopodemmanterseumolde nem se solidificar em arcabouços de referência para as ações eestratégiasdevidadossereshumanosemfunçãodabrevidadedesuaprópriavida útil. Será que isso se aplica à vigilância? Uma série de teóricos temobservadoasmaneiraspelasquaisavigilância,antesaparentementesólidaeestável,setornoumuitomaismóveleflexível,infiltrando-seeseespalhandoemmuitasáreasdavidasobreasquaissuainfluênciaeraapenasmarginal.

GillesDeleuze introduziuaexpressão“sociedadedecontrole”,naqualavigilânciacrescemenoscomoumaárvore–relativamenterígida,numplanovertical,comoopan-óptico–emaiscomoervasdaninhas.1ComoobservamKevinHaggertyeRichardEricson,a“montagemdavigilância”captafluxosdo que se poderia chamar de dados corporais, transformando-os em“duplicatasdedados”altamentemóveise fluidas.2WilliamStaples tambémobserva que a vigilância atual ocorre em culturas “caracterizadas pela

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fragmentação e pela incerteza, quandomuitos dos significados, símbolos einstituições antes tidos como certos se dissolvem diante de nossos olhos”.3Assim,oqueéseguro,estruturadoeestávelseliquefaz.

Baumanconcordaqueopan-ópticofoiummeiomodernofundamentalnoque se refere à manutenção do controle, imobilizando os prisioneiros epromovendoomovimentodosobservadores.Masestesàsvezesaindatinhamdeestarpresentes.Evidentemente,oprojetopan-ópticodaprisãotambémeracaro. Foi planejado para facilitar o controle mediante a organizaçãosemicirculardosblocosdecelas,eo“inspetor”,situadonocentro,podiavertodaselasmantendo-seinvisívelparaosprisioneirosportrásdeumacortina.Ele obrigava o inspetor a assumir certa responsabilidade pela vida dosprisioneiros.Omundodehoje,dizBauman,épós-pan-ótico.4Oinspetorpodeescapulir, fugindo para domínios inalcançáveis. O engajamento mútuoacabou.Mobilidadeenomadismosãoagoravalorizados (amenosquevocêsejapobreousem-teto).Omenor,maisleveemaisrápidoéconsideradobom–pelomenosnomundodosiPhoneseiPads.

O pan-óptico é apenas um modelo de vigilância.5 A arquitetura dastecnologiaseletrônicaspelasquaisopoderseafirmanasmutáveisemóveisorganizações atuais torna a arquitetura de paredes e janelas amplamenteredundante (não obstante firewalls e windows). E ela permite formas decontrole que apresentam diferentes faces, que não têm uma conexão óbviacomoaprisionamentoe,alémdisso,amiúdecompartilhamascaracterísticasdaflexibilidadeedadiversãoencontradasnoentretenimentoenoconsumo.Ocheck-in do aeroporto pode ser feito com um smartphone, mesmo que astrocas internacionais envolvendo o crucial RNP (Registro do Nome doPassageiro) ainda ocorram, estimuladas pelomecanismooriginal de reserva(elaprópriapossivelmentegeradanomesmosmartphone).

Dessepontodevista,disciplinaesegurança têmrealmenteumaconexãoentresi,algoqueMichelFoucaultnãoconseguiureconhecer.Eleinsistiaemafirmarqueeramduascoisasdistintas,emborasuasconexões(eletrônicas)jáestivessem evidentes. A segurança transformou-se num empreendimentoorientadoparao futuro–agoranitidamentedescritono filmeeno romanceintitulados Minority Report (2002) – e funciona por meio da vigilância,tentandomonitorar o quevai acontecer pelo emprego de técnicas digitais eraciocínio estatístico. Como assinala Didier Bigo, essa segurança operaacompanhando “qualquer coisa que se mova (produtos, informações, sereshumanos)”.6Assim,asegurançafuncionaadistânciatantonoespaçoquantono tempo, circulando demaneira fluida, juntamente com os Estados-nação,masparaalémdeles,numdomínioglobalizado.Tranquilidadeerecompensasacompanham esses grupos móveis para os quais essas técnicas são feitascomosefossem“naturais”.Processosdeestereotipiaemedidasdeexclusão

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estãoàesperadosgruposdesafortunadosobastanteparaseremrotuladosde“indesejados”.

Em segundo lugar, e relacionado com isso, poder e política estão seseparando.Opoderagoraexistenumespaçoglobaleextraterritorial,masapolítica, que antes ligava interesses individuais e públicos, continua local,incapazdeagiremnívelplanetário.Semcontrolepolítico,opoder torna-sefonte de grande incerteza, enquanto a política parece irrelevante para osproblemasetemoresdavidadaspessoas.Opoderdevigilância, talcomooexercido por departamentos governamentais, agências de polícia ecorporações privadas, enquadra-se muito bem nessa descrição. Até asfronteirasnacionais,antesgeograficamentelocalizadas–aindaquedemodoarbitrário –, agora aparecem, nos aeroportos, distantes das “bordas”territoriais,e,oqueémaissignificativo,embasesdedadosquepodemnemestar“no”paísemquestão.7

Prosseguindo com o exemplo, a questão das fronteiras mutáveis, paramuitos,éfontedegrandeincerteza.Éummomentodeansiedadepassarpelasegurançadeumaeroportosemsaberexatamenteemquejurisdiçãoseestáouparaondeirãoseusdadospessoais,emespecialquandosefazpartedeumapopulação suspeita. E se você for desafortunado a ponto de ser detido oudescobrirqueseunomeestánumalistadepessoasproibidasdevoar,saberoque fazer émuitíssimodifícil.Alémdisso, éumdesafio assustador realizarmudançaspolíticasquepossam,porexemplo,tornarmaissimplesasviagensnecessárias.

A fusão de formas sociais e a separação entre poder e política são duascaracterísticasbásicasdamodernidadelíquidaquetêmóbviarepercussãonaquestãodavigilância,masvalemencionarduasoutrasconexões.Umadelaséa conexão mútua entre as novas mídias e os relacionamentos fluidos.Enquantoalgunsculpamasnovasmídiaspelafragmentaçãosocial,Baumanvêascoisasfuncionandonasduasdireções.Elesugerequeasmídiassociaissãoumprodutodafragmentaçãosocial,enãoapenas–ounecessariamente–ocontrário.Dizeleque,namodernidadelíquida,opoderdeveserlivreparaflutuar,ebarreiras,cercas,fronteirasepostosdecontrolesãoumtranstornoaser superado ou contornado. Densas e estreitas redes de vínculos sociais,especialmentecombasenoterritório,devemsereliminadas.Paraele,éantesde tudoocaráter instáveldessesvínculosquepermiteo funcionamentodospoderes.

Aplicadoàmídiasocial,issoécontroverso,poismuitosativistasveemumgrande potencial de solidariedade social e organização política em tuítes emensagens. Pense nos movimentos Occupy, o protesto generalizado doschamados99%contraoprivilégioeopoderdo1%nospaísesmaisricosdomundo; ou na PrimaveraÁrabe de 2011. Entretanto, essa é uma área a ser

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cuidadosamenteobservada,nomínimoporquejáestásobvigilância.Amídiasocialdepende,parasuaexistência,domonitoramentodeusuáriosedavendadeseusdadosparaoutros.Aspossibilidadesderesistênciadamídiasocialsãoatraentese,dealgumaforma,fecundas,mastambémsãolimitadas,tantopelafaltaderecursospararelacionamentosduradourosnummundoemliquefaçãoquanto pelo fato de o poder de vigilância no interior da mídia social serendêmicoesignificativo.

Aconexãofinalaserfeitaaquiéqueostemposlíquidosoferecemalgunsdesafios profundos para quem deseja agir de maneira ética, ainda mais nomundo da vigilância. O reconhecimento por Bauman das incertezasendêmicasnummundolíquidomodernoexprimemoproblematalcomoeleovê.Esuaatitudepreferida,rejeitandoregraseregulaçõesinertes,évistaemsua ênfase na relevância do encontro vivido com o Outro. Perceber nossaresponsabilidadeparacomoserhumanodiantedenóséopontodepartida.

Duasgrandesquestõesconfrontamaquiaéticadasegurança.Umadelaséa lastimável tendência ao que Bauman chama de “adiaforização”, em quesistemaseprocessossedivorciamdequalquerconsideraçãodecarátermoral.8“Não é meu departamento”, seria a típica resposta burocrática aquestionamentos sobre a correção de avaliações ou julgamentos oficiais. Aoutra é que a vigilância torna mais eficiente o processo de fazer coisas adistância, de separar umapessoa das consequências de sua ação.Assim, oscontrolesdefronteiraspodemparecerautomatizados,desapaixonados,mesmoquandonegamaentradadeumapessoaembuscadeasiloquetenhaaorigemétnica“errada”,temendoporsuaprópriavidaseforenviadadevolta.

Outro ângulo da adiaforização em termos de vigilância é a forma comodados do corpo (dados biométricos, DNA) ou por ele desencadeados (porexemplo, situações emque se faz um login, usa-se umcartão de acessooumostra-se a identidade) são sugados para bases de dados a fim de seremprocessados,analisados,concatenadoscomoutrosdadosedepoiscuspidosdevolta como “replicação de dados”. As informações que fazem as vezes dapessoa são constituídas de “dados pessoais” apenas no sentido de que seoriginaram em seu corpo e podem afetar suas oportunidades e escolhasexistenciais. A “replicação e fragmentação de dados” tende a inspirarmaisconfiançaqueaprópriapessoa–quepreferecontarsuaprópriahistória.Osdesignersdesoftwaredizemqueestãosimplesmente“lidandocomdados”,demodoqueseupapelé“moralmenteneutro”esuasavaliaçõesedistinçõessãoapenas“racionais”.9

Penselíquido

Assim,atéquepontoanoçãodemodernidadelíquida–e,aqui,devigilância

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líquida – nos ajuda a entender o que está ocorrendo no mundo demonitoramento, rastreamento, localização, classificação e observaçãosistemática que é a vigilância? A resposta simples, em uma só palavra, é“contexto”. É fácil interpretar a difusão da vigilância como fenômenotecnológico ou como algo que lida simplesmente com “controle social” e“GrandeIrmão”.Masissoécolocartodaaênfaseeminstrumentosetiranos,eignoraroespíritoqueanimaavigilância;asideologiasqueaimpulsionam;oseventosqueapossibilitam;easpessoascomunsqueconcordamcomela,aquestionamoudecidemque,senãopodemvencê-la,émelhorjuntarem-seaela.

Asinterpretaçõespopularesdavigilânciaveemessasmanifestaçõescomoamarchacadavezmaisaceleradada tecnologia, colonizandosemprenovasáreas da vida e deixando cada vez menos áreas intocadas, “indígenas”, daexistência “privada”.Assim, do onipresente código de barras que identificaváriasclassesdeprodutossegundootipoouafábrica,passamosparaoschipsde identificação por radiofrequência (RFID, de Radio FrequencyIdentification), que oferecem identificadores individuais para cada produto.Mas não apenas produtos. RFIDs também são usados em passaportes eroupas,eosdadosqueemitempodemserfacilmenteconectadosaoportadorou usuário. Ao mesmo tempo, outros dispositivos, como os códigos deresposta rápida (QR, de Quick Response code), conjuntos de símbolosquadriculadosquepodemserescaneadoscomumsmartphone,aparecememmuitosprodutos,marcas e, sim, roupas (embora também tenhamorigemnabuscadecadeiasaceleradasdesuprimentos).UseumbraceletedesilíciocomumQR como acessório damoda, e basta sussurrar “me escaneie”. Isso fazcom que se abra uma página da web com seus dados de contato, links demídiasocialetodooresto.Vocêéumhyperlinkhumano.

Oshabitantesdomundodamodernidade“sólida”reconheceriam,etalvezaplaudissem,aideiadecódigosdebarrascomoformaeficientedecatalogarestoques.Observemaracionalizaçãoburocráticaperfeitamenteexpressanumdispositivotecnológico.MasaetiquetaRFIDsignificamaisnummundoondese deve dar mais atenção não apenas a classificar e vender produtos, mastambém a descobrir exatamente onde eles estão a qualquer momento numregime de administração conhecido como just-in-time. Manter apenas oestoque é desperdício. Você precisa que os kanban (como os japoneses oschamam)sinalizemqueacoisacertaestáno lugarcertonomomentocerto.Não admira que essa ideia funcione demodo tão equivalente nomundodasegurança!

Masenquantonouniversosólidomodernoalgunsaprovariamanoçãodeconhecerdetalhesparagarantirqueaspessoascertasestejamno lugarcertono momento certo, quem poderia imaginar (num mundo solidamente

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moderno)que taisdetalhes seriamanunciados espontaneamentepara todos?Embora oRFID se ajuste a situações em que os dados são constantementeexigidos,asnovasaplicaçõesdeQRfalamaummundoondeaspessoasestãoativamenteengajadasnocompartilhamentodedados.ORFID,porexemplo,verificaosfluxostransfronteiriços,filtrando-osparapermitirapassagemfácilde alguns produtos e pessoas,masnãode outros.Maso novoQR, emboraaindasirvaapropósitosdevigilância,temcomoobjetivominimizarafricçãodo consumo compartilhando livremente informações sobre eventos,oportunidades e, possivelmente, pessoas. Sua atração reflete seu contextolíquido-moderno.

Equantoàquestãodocontrolesocial,doGrandeIrmãodeGeorgeOrwell?Se a vigilância não diz respeito unicamente ao poder crescente das novastecnologias,seráqueelanãoserefereàformacomoessepoderédistribuído?A metáfora-chave para a vigilância, pelo menos no mundo ocidental, semdúvida é o Grande Irmão. Quando a administração governamental seconcentra nas mãos de uma só pessoa ou partido que usa o aparatoadministrativo,comseusregistrosearquivos,comoformadecontrole total,estamosfalandodoGrandeIrmão.Em1984,deOrwell,“imaginado”–comojáodescrevi–“comoumaadvertênciapós-SegundaGuerraMundialsobreopotencial totalitário das democracias ocidentais, o Estado tornou-sepatologicamenteabsortopeloprópriopodereestáintimamenteenvolvidonocontrolecotidianodasvidasdeseuscidadãos”.10

Mas, embora a metáfora de Orwell seja convincente (assim como seucompromisso com a “decência” humana como seu antídoto), há outrasmetáforas. A descrição que Franz Kafka faz dos poderes obscuros que odeixaminseguroemrelaçãoaqualquercoisa(Quemsabesobrevocê?Comosabem? Como esse conhecimento o afeta?) talvez seja quase correta nomundodasbasesdedadosdosdiasatuais(comoDanielSoloveeoutrostêmafirmado),11 mas, tal como a de Orwell, ainda se refere essencialmente aagentes do Estado. Metáfora um pouco mais recente vem do utilitaristareformador prisional JeremyBentham, comuma palavra baseada no grego,“pan-óptico”,quesignifica“lugardeondetudosevê”.Todavia,issonãoeraficção. Era um plano, um diagrama, o desenho de um arquiteto.Mais queisso,significava“arquiteturamoral”,umareceitapararefazeromundo.

Esse postulado, o pan-óptico, conecta mais amplamente o mundoacadêmico com a vigilância, não apenas em função de Bentham, mas porcausadeMichelFoucault,que,emmeadosdoséculoXX,viuneleaprincipalcaracterística do que Bauman chama de modernidade sólida. Foucaultconcentrou-senadisciplinapan-óptica,ou“treinamentodaalma”,produzindotrabalhadoresbem-ordenados.ParaBauman,Foucaultusaopan-ópticocomoa “arquimetáfora do poder moderno”. No panóptico, os prisioneiros “não

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podiam mover-se porque estavam sob vigilância constante; tinham depermanecer o tempo todo nos lugares designados porque não sabiam, nemtinhamcomosaber,ondeestariamosguardas–estes,livresparasemoveràvontade–naquelemomento”.12Hoje,porém,essafixidezrígidasedissolveude tal forma que (quer chamemos ou não de “líquido” esse estágio damodernidade) “também é, e talvez acima de tudo, pós-pan-óptica”. Senaquelaépocaerapossívelpresumirqueoinspetorpan-ópticoestavapresente(em algum lugar), nas atuais relações de poder, os que controlam suasalavancas “têm a possibilidade de, a qualquer momento, fugir para algumlugarinalcançável–paraapuraesimplesinacessibilidade”.13

TantoBauman quanto eu pensamos (não necessariamente pelosmesmosmotivos!) quehojemuito se liga ao destinodopanóptico, e parte de nossoprojetonestelivroédesenredarasimplicaçõesprementeseaspráticasdoquepara alguns pode parecer um debate abstratamente acadêmico. Tal como aexpressão “Grande Irmão” continua a captar a imaginação dos que sepreocupamcomopoderarrogantedoEstado,adescriçãodopan-ópticonosdiz muito sobre como opera a vigilância no século XXI. Se Bauman estácerto, fechou-se a cortina de uma era de “engajamento mútuo”, em queadministradores e administrados confrontavam-se. O novo espetáculo é umdramamais ardiloso, em que “o poder podemover-se à velocidade de umsinaleletrônico”.

São enormes os desafios que isso apresenta. Expressando de uma formamuitosimples,asnovaspráticasdevigilância,baseadasnoprocessamentodeinformações e não nos discursos que Foucault tinha emmente,14 permitemumanovatransparência,emquenãosomenteoscidadãos,mastodosnós,portodo o espectro dos papéis que desempenhamos na vida cotidiana, somospermanentemente checados, monitorados, testados, avaliados, apreciados ejulgados. Mas, claramente, o inverso não é verdadeiro. À medida que osdetalhesdenossavidadiáriasetornammaistransparentesàsorganizaçõesdevigilância,suasprópriasatividadessãocadavezmaisdifíceisdediscernir.Àproporçãoqueopodersemoveàvelocidadedossinaiseletrônicosnafluidezdamodernidadelíquida,atransparênciasimultaneamenteaumentaparaunsediminuiparaoutros.

Entretanto isso não é necessariamente intencional, muito menosconspiratório. Parte da obscuridade da nova vigilância tem a ver com seucarátertecnicamentesofisticadoecomoscomplexosfluxosdedadosdentrodasorganizaçõeseentreelas.Outraparte relaciona-seaosigiloquecercaa“segurançanacional”ouacompetiçãocomercial.Alémdisso,noqueBaumanchama demundo pós-pan-óptico damodernidade líquida, grande parte dasinformações pessoais vigorosamente absorvida pelas organizações é, naverdade,disponibilizadaporpessoasqueusamtelefonescelulares,compram

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emshoppings,viajamdeférias,divertem-seousurfamnainternet.Passamosnossos cartões, repetimos nossos códigos postais e mostramos nossasidentidadesdeformarotineira,automática,espontânea.

Nadadisso,contudo,nosdeixaimpunes.Poisdamesmaformaqueopan-óptico moderno causou profundas consequências sociais e políticas, essesefeitos ainda acompanham os poderes amplamente pós-pan-ópticos damodernidade líquida. Embora a perda da privacidade possa ser a primeiracoisaquevemàcabeçademuitosquandosedebateo temadavigilância,éfácilcomprovarqueaprivacidadenãoéabaixamaisrelevante.Asquestõesdo anonimato, da confidencialidade e da privacidade não devem serignoradas,mastambémestãoestreitamenteligadasaimparcialidade,justiça,liberdades civis e direitos humanos. Isso porque, como veremos, acategorizaçãosocialébasicamenteoqueavigilânciarealizahoje,paraobemouparaomal.15

Evidentemente há algumas continuidades entre as formasmais antigas emaisnovasdopoderdevigilância,todaselasservindoparadistribuirchancese oportunidades de vida, recompensas e privilégios. Princípios pan-ópticosserviram historicamente paramanter a hierarquia e as distinções de classe,tanto em lares e escolas quanto em fábricas e prisões.16 Assim, embora,paradoxalmente, as correntes e contracorrentes da modernidade líquidapossamparecerarbitráriaseacidentais, a lógicadaestatísticaedo softwarequeorientaavigilânciaatualproduzresultadosestranhamentecoerentes.Nãoapenas – e clamorosamente – “árabes” e “muçulmanos” percebem estarsujeitos a um exame mais “aleatório” que os outros nos aeroportos, mastambém,comodemonstraOscarGandy,acategorizaçãosocialalcançadapelacontemporânea vigilância do consumidor constrói um mundo de“desvantagenscumulativas”.17

Mas estamos nos adiantando. Sugiro que o conceito de modernidadelíquidaofereceumcontextomais amploparauma reflexão sobrevigilânciado que simplesmente o desenvolvimento de tecnologias ou o crescentealcancedopoder.Avigilância,quesónostemposmodernosassumiuopapeldeinstituiçãosocial-chave,agoracompartilhaalgumascaracterísticascomasformasemergentesdemodernidadequeBaumanchamade“líquidas”,eporelas é moldada. Assim, um modo de entender os nascentes padrões devigilânciaéinvestigardequemaneiraelesserelacionamcomamodernidadelíquida.

Diálogo

Osdiálogosquese seguemabrangemumagamade tensõeseparadoxosdavigilância contemporânea, usando a já descrita metáfora “líquida” como

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instrumentodesondagem.Começamosajornada,porassimdizer,exatamenteonde estamos, no mundo das relações eletronicamente mediadas. Baumanpublicou,noverãode2011,umtextotipicamenteirônico,refletindosobreosdronesdevigilânciaeamídiasocial–eessetemavainoslevardiretamenteaoassunto.Osdronespodemseragoratãominúsculosquantoumbeija-flor,porém,onéctarqueprocuramécadavezmaiscompostodeimagensdealtaresolução das pessoas que encontra em seu caminho. De qualquer forma,contudo,porquesepreocupariam?Afinal,oanonimato jáestáemprocessodeauto-erosãonoFacebookeemoutrasmídiassociais.Oprivadoépúblico,éalgoasercelebradoeconsumidotantoporincontáveis“amigos”quantopor“usuários”casuais.

Mas, como já insinuamos, não podemos fugir à questão das dimensõespós-pan-ópticas damodernidade líquida, e vamos investigar profundamenteessedebate.Elesituanossadiscussão,contrastandoa fixidezeaorientaçãoespacial da vigilância sólidamoderna com os sinaismóveis, pulsantes, dasformas fluidas de hoje. Em que aspectos devemos continuar seguindoFoucaulteemqueseurelatoprecisaseratualizado,ampliadoou,noquenosinteressa, repelido? Esses diálogos também vão entrelaçar fios correlatos:sobre a relaçãoentremetáfora e conceito, sobredebates compessoas comoDeleuze,DerridaeAgamben,e,evidentemente,sobreasrepercussõeséticasepolíticasdenossasopçõesteóricaseconceituais.

As dimensões tecnológicas, oumelhor, tecnossociais, da vigilância atualtambémserãocolocadassobreamesa,emaisumavezvoltaremosatráspararecordar os legados terrivelmente ambivalentes da modernidade sólidaexpostos por Bauman emModernidade eHolocausto, de 2001. Será que aorganização meticulosa, a cuidadosa distinção entre o agente e a vítima, aeficiênciamecânicadaoperaçãoobservadanoscomboiosdegadohumanoenoscamposdeextermínioagorasedevotamnãomaisàviolênciafísica,masà classificação da população em categorias, tendo em vista um tratamentodiferencial? Como as tecnologias eletrônicas e em rede provocam essasconsequências menos catastróficas, porém não menos insidiosas, emparticular para os grupos já discriminados? Indiferença, distanciamento eautomação hoje desempenham cada qual o seu papel, com a ajuda docomputador.

Outra linha do diálogo diz respeito às formas de vigilância relacionadasespecificamente à segurança.Nonorteglobal, o11deSetembro serveparaamplificar obsessões preexistentes com segurança e risco, ainda que osacontecimentosdaqueledia sejam interpretadosde formadiferente ao redordoplaneta.Vamosevitarasnoçõessimplistasdequesegurançaeliberdadescivis constituemum jogo de soma zero, ou de que só aqueles com “algo aesconder”éque têmmotivoparaomedo.Evamosenviarnossosonarpara

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perscrutar o emergente complexo de segurança-vigilância, em que aterceirizaçãoeamediaçãodecontratosaproximamosmundospolvilhadosdedadosdasagênciasdecomércioe informações,eemqueasclássicasarmasdomedoedasuspeitaaindasãomanuseadas.

EcasovocêsestejamimaginandooqueaconteceuaostemasclássicosdeBauman, como consumismo e reprodução da pobreza,18 antes que seu caféesfrie também vamos confrontá-los, investigando o tempo todo suasrelevantesdimensõesdevigilância.Baumantemexpostoinfatigavelmenteasmaneiras pelas quais o consumismo está em simbiose com a produção dedivisõesetambémdeidentidadessociais.Umparadoxoaquiéque,enquantoo consumo exige a sedução prazerosa dos consumidores, essa seduçãotambéméresultadodavigilânciasistemáticanumaescalademassa.Se issonãoeraóbvioemfunçãodeformasanterioresdemarketingdebasededados,oadventodaAmazon,doFacebookedoGoogleindicaoatualestadodaarte.Umavezmais,porém,estamosnosadiantando.

Cada tema deste diálogo sugere questões não apenas sobre a análiseadequadadavigilância–“Seráqueelaélíquida?”“Quediferençaissofaz?”–,mastambémsobreosinsistentesdesafiosdeordeméticaqueacompanhamessapesquisa.PartindodeumaanálisedeBaumanemPostmodernEthics,de1993,eemoutrostextos,perguntamosemquemedidaaéticaexpositiva,oumesmonormativa,devefalaràsrealidadesdavigilânciacontemporânea.Emque medida elas podem ser usadas na abordagem das atuais e urgentesrealidadespolíticas davigilância, seja emdemandasdogovernopor acessoilimitadoaosdadospessoaisdosprovedoresde serviçosda internet, sejanautilização de perfis de saúde para limitar a cobertura dos planos de algunspacientes?

O último diálogo, sobre “agência e esperança”, nos levamuito além davigilância líquida(naverdade,odiálogoanterior tambémofaz;seriadifícilevitar isso!). Mas esses temas reapareceram diversas vezes em conversasanteriores, de modo que tentamos enfrentá-los diretamente aqui. Devoconfessar que quando nossos diálogos transatlânticos atingiram esse ponto,passeiaconsiderá-loscadavezmaisdivertidos–paranãodizereletrizantes–e a achar difícil esperar pelas respostas. Ao mesmo tempo, quando elasvieram(maisdepressaqueasminhas,deve-sedizer),àsvezesfiqueiconfusoparasabercomochegamosatéali,emnossodiálogo!Pensoque,francamente,háalgumascoisasquemeuqueridoamigorealmentequerdizereoutrassobreas quais ele preferiria não falar, embora eu possa pressioná-lo. E não háproblemanisso.Euorespeitoaindamais.

Emtodoessediálogo,deve-seenfatizarqueestamosapenasfazendoumaexploração conjunta, trocando ideias e insights, estimulados pela convicçãopredominante de que o teorema damodernidade líquida oferece indicações

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vitaisparaexaminarmosavigilânciaemnossosdias.Mas,emboraestejamosde acordo sobre alguns compromissos fundamentais comuns, nãoconcordamosnumasériedeaspectosimportantes.Mastambémconcordamosemquevaleapenadiscuti-los.

DAVIDLYON

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Dronesemídiasocial

DAVIDLYON:Tendoemmenteessescomentáriosintrodutóriossobrevigilâncialíquida,aprimeiraquestãoqueeugostariadeexploraréesta:nomundoquevocêchamadelíquidomoderno,avigilânciaassumealgumasformasnovasesignificativas,dasquaisosdroneseamídiasocialconstituembonsexemplos,comovocêobservourecentementenumblog.Ambosproduzeminformaçõespessoais a serem processadas,mas demaneiras diferentes. Seriam essasmídiascomplementares,demodoqueousodespreocupadodeumadelas(amídia social) naturalize para nós a extração involuntária de dados pessoaisemoutrocampopormeiodedronesminiaturizados?Equesignificamessesnovosdesenvolvimentosparanossoanonimatoenossainvisibilidaderelativanomundocotidiano?

ZYGMUNTBAUMAN:Creioqueopequenotextoquevocêmenciona,publicadoalgunsmeses atrás num blog postado no site Social Europe, seria um bompontodepartida.Esperoquevocêperdoealongacitação.Nesseensaioeufiza justaposição de duas notícias aparentemente não relacionadas queapareceram nomesmo dia, 19 de junho de 2011 – embora nenhuma delastenhasidomanchete,eosleitorespossamserdesculpadospornãotertomadoconhecimento de uma ou das duas. Como qualquer notícia, ambas foramtrazidas pelo “tsunami de informações” diário, duas gotas pequeninas numfluxodenotíciasaparentementedestinadoailustrareesclarecer(edoqualseesperaisso),enquantocontribuiparatoldaravisãoeconfundiroobservador.

Uma das matérias, da autoria de Elisabeth Bumiller e Thom Shanker,1falavadoaumentoespetaculardonúmerodedronesreduzidosaotamanhodeumalibélulaoudeumbeija-florconfortavelmenteempoleiradonopeitorildeumajanela;ambos(droneebeija-flor)destinados,nasaborosaexpressãodoengenheiro espacial Greg Parker, “a desaparecer em meio à paisagem”. Asegunda,escritaporBrianStelter,proclamavaainternetcomo“olugarondemorreo anonimato”.2As duasmensagens falavam em uníssono, previam eanunciavam o fim da invisibilidade e do anonimato, os dois atributosdefinidores da privacidade – embora os textos tenham sido escritosindependentementeesemconhecimentodaexistênciadooutro.

Osdronesnãotripulados,realizandotarefasdeespionagemerastreamentopelasquaisosPredatorssetornaramfamosos(“Maisde1.900insurgentesnasáreastribaisdoPaquistãoforammortospordronesamericanosdesde2006”),

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estãosendoreduzidosaotamanhodepássaros,preferivelmenteaodeinsetos.(O bater de asas dos insetos, ao que parece, é mais fácil de imitartecnologicamentequeosmovimentosdasasasdospássaros;segundoomajorMichaelL.Anderson,doutorandoemtecnologiadenavegaçãoavançada,ascomplexashabilidadesaerodinâmicasdamariposa-esfinge, insetoconhecidopela capacidade de pairar, foram escolhidas como alvo da onda atual dedesign–nãoatingidoainda,masaseralcançadoembreve–,emfunçãodeseu potencial de superar qualquer coisa que “nossas desajeitadas aeronavespodemfazer”.)

Anovageraçãodedronesseráinvisívelenquantotornatudomaisacessívelà visão; eles continuarão imunes, ao mesmo tempo que tornam tudo maisvulnerável. Nas palavras de Peter Baker, professor de ética da AcademiaNavaldosEstadosUnidos,osdronesfarãocomqueasguerrasentremna“erapós-heroica”;mas também, segundo outros especialistas em “éticamilitar”,vãoampliaraindamaisajáampla“desconexãoentreopúblicoamericanoesuas guerras”; vão realizar, em outras palavras, um novo salto (o segundoapósasubstituiçãodorecrutapelosoldadoprofissional)paratornaraprópriaguerraquaseinvisívelànaçãoemnomedaqualétravada(avidadenenhumnativoestaráemrisco)e,portanto,muitomaisfácil–naverdade,muitomaistentadora–deconduzir,graçasàausênciaquasetotaldedanoscolateraisedecustospolíticos.

Os drones da próxima geração poderão ver tudo, ao mesmo tempo quepermanecemconfortavelmente invisíveis–emtermos literaisemetafóricos.Não haverá abrigo impossível de espionar – para ninguém.Até os técnicosqueoperamosdronesvãorenunciaraocontroledeseusmovimentos,eassimse tornarão incapazes, embora fortemente pressionados, de isentar qualquerobjeto da chance de ser vigiado; os “novos e aperfeiçoados” drones serãoprogramados para voar por si próprios, seguindo itinerários de sua própriaescolha,nomomentoemquedecidirem.Océuéolimiteparaasinformaçõesqueirãofornecer,umavezpostosaoperarnaquantidadeplanejada.

Na verdade, esse é o aspecto da nova tecnologia de espionagem evigilância, dotada como é da capacidade de agir a distância e de modoautônomo, que mais preocupa seus inventores; por conseguinte, os doisjornalistas relatam suas preocupações: “um tsunami de dados” que já estáafogandoopessoaldosquartéisdaForçaAéreaeameaçandoultrapassarsuacapacidade de digeri-los e absorvê-los, e sua capacidade de sair de seucontrole(oudodequalqueroutrapessoa).Desdeo11deSetembro,onúmerodehorasdequeos funcionáriosdaForçaAéreanecessitampara reciclar asinformações fornecidaspelosdrones aumentou3.100%–e a cadadiamais1.500 horas de vídeos são acrescentadas ao volume de informações quedemandamprocessamento.Quandoalimitadavisão“emtúnel”dossensores

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dosdronesforsubstituídaporuma“visãodeGórgona”,capazdeabarcarumacidade todadeumasóvez (desenvolvimento iminente), serãonecessários2milanalistasparatratarasinformaçõestransmitidasporumúnicodrone,emlugar dos noventa que hoje fazem esse trabalho.Mas isso apenas significa,permita-me comentar, que pescar um objeto “interessante” ou “relevante”num poço de dados sem fundo vai exigir trabalho duro e custar muitodinheiro;nãoquequalquerobjetopotencialmenteinteressantepossagarantir-se contra a possibilidade de ser arrastado para esse poço. Ninguém saberácomcertezaseouquandoumbeija-florirápousaremsuajanela.

Quanto à “morte do anonimato” por cortesia da internet, a história éligeiramentediferente:submetemosàmatançanossosdireitosdeprivacidadeporvontadeprópria.Ou talvezapenasconsintamosemperderaprivacidadecomopreçorazoávelpelasmaravilhasoferecidasemtroca.Outalvez,ainda,apressãono sentidode levarnossa autonomiapessoalparaomatadouro sejatãopoderosa,tãopróximaàcondiçãodeumrebanhodeovelhas,quesóunspoucosexcepcionalmenterebeldes,corajosos,combativoseresolutosestejampreparados para a tentativa séria de resistir. De uma forma ou de outra,contudo,noséoferecida,aomenosnominalmente,umaescolha,assimcomoao menos a aparência de um contrato em duas vias e o direito formal deprotestareprocessarseeleforrompido,algojamaisasseguradonocasodosdrones.

Damesmaforma,umavezdentro,nostornamosrefénsdodestino.Comoobserva Brian Stelter, “a inteligência coletiva dos 2 bilhões de usuários dainterneteaspegadasdigitaisquetantosdelesdeixamnossitescombinam-separa tornar cada vez mais provável que todo vídeo embaraçoso, toda fotoíntima e todo e-mail indelicado seja relacionado à sua fonte, quer esta odeseje, quer não”. Levou apenas um dia para que Rich Lam, fotógrafofreelance que documentou os distúrbios de rua emVancouver, rastreasse eidentificasse um casal registrado (acidentalmente) em uma de suas fotos sebeijandoapaixonadamente.

Tudo o que é privado agora é feito potencialmente em público – e estápotencialmente disponível para consumo público; e continua sempredisponível, até o fimdos tempos, já que a internet “nãopode ser forçada aesquecer”nadaregistradoemalgumdeseusinumeráveisservidores.

Essaerosãodoanonimatoéprodutodosdifundidosserviçosdamídiasocial,de câmeras em celulares baratos, sites grátis de armazenamento de fotos evídeose,talvezomaisimportante,deumamudançanavisãodaspessoassobreoquedeveserpúblicoeoquedeveserprivado.

Todasessasengenhocastecnológicassão,peloquenosdizem,“amigáveisao usuário” – embora essa expressão favorita dos textos de publicidade

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signifique,sobexamemaisminucioso,umprodutoqueficaincompletosemotrabalhodousuário,talcomoosmóveisdaIkea.aE,permita-meacrescentar,sem a devoção entusiástica nem o aplauso ensurdecedor dos usuários. UmÉtiennedelaBoétiecontemporâneoprovavelmenteficariatentadoafalardeservidão,masnãovoluntária,esimdotipo“façavocêmesmo”.

Que conclusão se pode extrair desse encontro entre os operadores dedroneseosoperadoresdecontasdoFacebook?Entredoistiposdeoperadoresatuandoemfunçãodeobjetivosaparentementeconflitanteseestimuladospormotivosaparentementeopostos,enoentantocooperandointimamente,deboavontadeedeformabastanteefetivaparacriar,mantereexpandiraquiloquevocêapelidou,commuitafelicidade,de“categorizaçãosocial”?

Creioqueoaspectomaisnotáveldaediçãocontemporâneadavigilânciaéque ela conseguiu, de alguma maneira, forçar e persuadir opositores atrabalhar em uníssono e fazê-los funcionar de comum acordo, a serviço deumamesma realidade.Porum lado,ovelhoestratagemapan-óptico (“Vocênuncavaisaberquandoéobservadoemcarneeosso,portanto,nuncaimagineque não está sendo espionado”) é implementado aos poucos,mas demodoconsistenteeaparentementeinevitável,emescalaquaseuniversal.Poroutro,com o velho pesadelo pan-óptico (“Nunca estou sozinho”) agoratransformadonaesperançade“Nuncamaisvouficarsozinho”(abandonado,ignoradoedesprezado,banidoeexcluído),omedodaexposiçãofoiabafadopelaalegriadesernotado.

Osdoisdesenvolvimentos–eacimadetudosuaconciliaçãoecooperaçãona promoção da mesma tarefa – foram evidentemente possibilitados porexclusão, e prisão e confinamento assumiram o papel da ameaça maisadmirável à segurança existencial e da principal fonte de ansiedade. Acondiçãodeserobservadoevisto,portanto,foireclassificadadeameaçaparatentação.Apromessademaiorvisibilidade,aperspectivade“estarexposto”para que todo mundo veja e observe, combina bem com a prova dereconhecimento social mais avidamente desejada, e, portanto, de umaexistênciavalorizada–“significativa”.

Ter o nosso ser completo, com verrugas e tudo, registrado em arquivospublicamenteacessíveispareceomelhorantídotoprofiláticoparaatoxicidadedaexclusão–assimcomoumaformapoderosademanterdistanteaameaçade expulsão; é, na verdade, uma tentação a que poucos praticantes daexistência social, reconhecidamente precária, se sentiriam com forçasuficientepara resistir.Creioque ahistória do recente e fenomenal sucessodos“websitessociais”éumbomexemplodessatendência.

De fato, Mark Zuckerberg, o jovem de vinte anos que abandonou osestudos emHarvard, deve ter topado comumaespéciedeminadeouro aocriar(algunsdizemroubar)3aideiadoFacebook–elançá-lanainternet,para

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usoexclusivodosalunosdeHarvard,emfevereirode2004. Issoébastanteóbvio.Mas o que era aqueleminério parecido com ouro que o sortudo doMark descobriu e continua a extrair com lucros fabulosos, que prosseguememimperturbávelcrescimento?

No site oficial do Facebook pode-se encontrar a seguinte descrição dosbenefícios que tem a reputação de provocar, atrair e seduzir aquele meiobilhãodepessoasparagastargrandepartede seu tempodevigília emseusdomíniosvirtuais:

Osusuáriospodemcriarperfiscomfotos, listasdeinteressespessoais,dadosdecontatoeoutrasinformaçõespessoais.Podemsecomunicarcomamigoseoutrosusuárioscommensagensprivadasoupúblicasenumasaladebate-papo.Também podem criar grupos de interesse ou juntar-se a algum já existente,comonobotão “Curtir” (chamado “Fanpages” até 19de abril de 2010), queremete a algumas páginas mantidas por organizações como meio depropaganda.

Em outras palavras, o que as legiões de “usuários ativos” abraçaramentusiasticamente ao se juntar às fileiras dessa categoria noFacebook foi aperspectiva de duas coisas com as quais devem ter sonhado, embora semsaber onde procurá-las ou encontrá-las, antes (e até) que a oferta deMarkZuckerberg a seus colegas deHarvard aparecesse na internet. Em primeirolugar,elesdeviamsesentir solitáriosdemaisparaseremreconfortados,masachavamdifícil,porummotivoououtro,escapardasolidãocomosmeiosdeque dispunham. Em segundo lugar, deviam sentir-se dolorosamentedesprezados,ignoradosoumarginalizados,exiladoseexcluídos,porém,maisuma vez, achavam difícil, quiçá impossível, sair de seu odioso anonimatocom osmeios à disposição. Para ambas as tarefas, Zuckerberg ofereceu osrecursosatéentãoterrivelmenteausenteseprocuradosemvão;eelespularamparaagarraraoportunidade.Jádeviamestarprontosparasaltar,ospéssobreopontodepartida,osmúsculosretesados,asorelhasempinadasàesperadotirodelargada.

Como recentemente observou Josh Rose, diretor de criação digital daagênciadepublicidadeDeutschLA:“Ainternetnãonosroubaahumanidade,é um reflexo dela. A internet não entra em nós, elamostra o que há ali.”4Comoeleestácerto.Jamaisculpeomensageiropeloquevocêconsideraruimnamensagemqueeleentregou,mastambémnãoolouvepeloqueconsiderabom. Afinal, alegrar-se ou desesperar-se com a mensagem depende daspreferênciaseanimosidadesdodestinatário.

O que se aplica amensagens emensageiros também se aplica, de certaforma,àscoisasquea internetofereceea seus“mensageiros”–aspessoasque as exibem emnossas telas e as tornamobjeto de nossa atenção.Nesse

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caso, são os usos que nós – todo o meio bilhão de “usuários ativos” doFacebook– fazemosdessasofertasqueas tornam,assimcomoseu impactoemnossavida,boasoumás,benéficasouprejudiciais.Tudodependedoqueestamos procurando; engenhocas eletrônicas só tornam nossas aspiraçõesmais oumenos realistas e nossa buscamais rápida oumais lenta,mais oumenoseficaz.

DL:Sim, tambémgostodaênfasenaquiloqueousoda internetedamídiasocial revela sobre nossas relações sociais, ainda mais porque isso nosfornecepistassobreoqueestámudando.Asquestõesde“privacidade”,porexemplo,estãoemmudançaconstanteesãomuitomaiscomplexasdoqueseimaginava.Vemosalgosemelhantenaconexãoentreprivacidadeesigilo,sendo este último um tema importante no clássico sociológico de GeorgSimmel.5 Segundo Simmel, não divulgar informações é fundamental paraformatar a interação social; o modo como nos relacionamos com outraspessoasdependeprofundamentedoquesabemossobreelas.Masoartigode Simmel foi publicado em inglês em 1906, e o debate precisa seratualizado, não apenas em função das maneiras pelas quais os fluxos deinformaçãohojesãofacilitados,bloqueadosedesviados,6mastambémpelosnovos desafios em termos dos “segredos” e de seu impacto nos domíniospúblicosdamídiasocial.

NofimdoséculoXX,asideiasdeFoucaultsobre“confissão”tornaram-sebem conhecidas. Ele pensava que a confissão – digamos, de um crime –haviasetornadoumcritério-chavedeverdade,algoextraídodasprofundezasdo ser de uma pessoa. Ele observou tanto os meios mais privados deconfissão – a um padre, por exemplo – quanto os meios públicos, queconstituem asmanchetes. Na percepção de Foucault, a confissão religiosaera literalmente “boa para a alma”, enquanto seus correlativos secularescontemporâneosvalorizavamasaúdeeobem-estarpessoais.Detodaforma,pensavaFoucault,osindivíduostêmumpapelativoemsuaprópriavigilância.Ora,seFoucaultiriaconsiderarconfessionalounãooblogemqueserevelatudoouopost“íntimo”noFacebook, issoéassuntoparadebate.Eoqueé“público”ou“privado”éalgoaserdiscutido.Aconfissãocristã,sussurradaaumapessoa, temavercomhumilhação.Oblogétransmitidoparaqualquerum que queira lê-lo e faz propaganda de si mesmo. Tem a ver compropagandaoupelomenoscomexposiçãopública.

ZB:Háumadiferençaprofundaentreacompreensãopré-moderna(medieval)daconfissão–acimadetudocomoadmissãodeculpaporalgojáconhecidoantecipadamenteportorturadoresfísicosouespirituais,queaextraíamàguisade reafirmação e confirmação da verdade como atributo dos superiorespastorais–esuacompreensãomoderna,comomanifestação,exteriorizaçãoeafirmaçãodeuma“verdade interior”,daautenticidadedo“self”,alicercedaindividualidadeedaprivacidadedoindivíduo.Naprática,porém,oadvento

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da sociedade confessional de nosso tempo foi uma ocorrência ambivalente.Assinalou o triunfo final da privacidade, essa invenção inerentementemoderna,mastambémoiníciodesuavertiginosaquedadesdeospíncarosdeseu triunfo. Portanto, era chegada a hora de sua vitória (de Pirro, comcerteza);aprivacidadeinvadiu,conquistouecolonizouodomíniopúblico–masàcustadaperdadeseudireitoaosigilo, suacaracterísticadefinidoraeseuprivilégiomaisvalorizadoeardentementedefendido.

Um segredo, tal como outras categorias de propriedades pessoais, é pordefinição a parte do conhecimento cujo compartilhamento com outros érecusada,proibidae/ouestritamentecontrolada.Osigilotraçaeassinala,porassim dizer, a fronteira da privacidade; esta é o espaço daquilo que é dodomíniodaprópriapessoa,oterritóriodesuasoberaniatotal,noqualsetemopoderabrangenteeindivisíveldedecidir“oqueequemeusou”,edoqualsepode lançar e relançar a campanha para ter e manter suas decisõesreconhecidas e respeitadas.Mas, numa surpreendente guinadade 180grausemrelaçãoaoshábitosdenossosancestrais,perdemosacoragem,aenergiae,acimadetudo,adisposiçãodepersistirnadefesadessesdireitos,essestijolosinsubstituíveisdaautonomiaindividual.

Nosdiasdehoje,oquenosassustanãoétantoapossibilidadedetraiçãoouviolaçãodaprivacidade,masooposto,ofechamentodassaídas.Aáreadaprivacidade transforma-se num lugar de encarceramento, sendo o dono doespaço privado condenado e sentenciado a padecer expiando os próprioserros;forçadoaumacondiçãomarcadapelaausênciadeouvintesávidosporextrair e remover os segredos que se ocultam por trás das trincheiras daprivacidade, por exibi-los publicamente e torná-los propriedade comum detodos, que todos desejam compartilhar. Parece que não sentimos nenhumprazeremtersegredos,amenosquesejamdotipocapazdereforçarnossosegosatraindoaatençãodepesquisadoreseeditoresdetalkshowstelevisivos,das primeiras páginas dos tabloides e das capas das revistas atraentes esuperficiais.

“Nocernedasredessociaisháumintercâmbiodeinformaçõespessoais.”Os usuários sentem-se felizes por “revelar detalhes íntimos de suas vidaspessoais”, “postar informações precisas” e “compartilhar fotos”. Estima-seque61%dosadolescentesdoReinoUnidocomidadeentretrezeedezesseteanos“têmumperfilpessoalnumsitedarede”quelhespermite“conviveron-line”.7

NaGrã-Bretanha,lugarondeousopopulardedispositivoseletrônicostopde linha está ciberanos atrás do leste da Ásia, os usuários ainda podemacreditar que as “redes sociais”manifestam sua liberdade de escolha, e atéqueelassejamumaformaderebeliãoeautoafirmaçãodajuventude.MasnaCoreiadoSul,porexemplo,onde,nocotidiano,amaiorpartedavidasocial

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jáéeletronicamentemediada(oumelhor,ondeavidasocialjásetransformouemvidaeletrônicaoucibervida,eondeselevaamaiorparteda“vidasocial”nacompanhiadeumcomputador,iPodoucelular,esósecundariamentecomoutrosseresdecarneeosso),éóbvioparaosjovensqueelesnãotêmmuitachancedeescolha;ondeelesvivem,levaravidasocialeletronicamentenãoémaisumaopção,masumanecessidadedo tipo“pegarou largar”.A“mortesocial” aguarda os poucos que até agora não conseguiram vincular-se aoCyworld (o equivalente coreano do Facebook).ACoreia do Sul é líder nocibermercadoda“culturadomostreediga”.

Seriaumerrograve,contudo,suporqueoimpulsodeexibirpublicamenteo“eu interior”eadisposiçãodesatisfazê-losejamapenasmanifestaçõesdeum vício geracional, relacionado à idade, de adolescentes ávidos, comonaturalmente tendem a ser, por se colocar na “rede” (termo que depressasubstitui “sociedade”, tanto no discurso das ciências sociais quanto na falapopular)elápermanecer,emborasemmuitacertezasobreamelhormaneirade atingir esseobjetivo.Anova tendência à confissãopúblicanãopode serexplicadaporfatores“específicosdaidade”–dequalquermodo,nãosomenteporeles.EugèneEnriquezrecentementeresumiuamensagemtransmitidaporcrescentes evidências recolhidas de todos os setores do mundo líquidomodernodeconsumidores:

Desdequenãonos esqueçamosdequeoque antes era invisível – a cotadeintimidade, a vida interior de cada um – agora deve ser obrigatoriamenteexposto no palco público (sobretudo nas telas deTV,mas tambémno palcoliterário),devemosentenderqueaquelesqueprezamsuainvisibilidadetendemaserrejeitados,postosdeladooutransformadosemsuspeitosdeumcrime.Anudezfísica,socialepsicológicaestánaordemdodia.8

Os adolescentes equipados com confessionários eletrônicos portáteis nãopassam de aprendizes treinando a (e treinados na) arte de viver numasociedadeconfessional;umasociedadequesedestacaporeliminarafronteiraqueantes separavaoprivadodopúblico,por fazerdaexposiçãopúblicadoprivadoumavirtudeeumaobrigaçãopúblicas,eporvarrerdacomunicaçãopública qualquer coisa que resista a ser reduzida a confidências privadas,juntamentecomaquelesqueserecusamaconfidenciá-las.

Jánadécadade1920,quandoa iminente transformaçãodasociedadedeprodutores em sociedade de consumidores se encontrava em estadoembrionário, ou melhor, incipiente (e era, portanto, negligenciada porobservadores menos atentos e perspicazes), Siegfried Kracauer, pensadordotadoda estranha capacidadededistinguir os contornosquase invisíveis eainda incompletos de tendências que prefiguravamo futuro, perdidas numamassainformedecaprichoseidiossincrasias,fezoseguintecomentário:

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Ainvestidaaosnumerosossalõesdebelezanasce,emparte,depreocupaçõesexistenciais,eousodecosméticosnemsempreéumluxo.Pormedodeserempostos fora de uso como obsoletos, senhoras e cavalheiros tingem o cabelo,enquanto quarentões praticam esporte para semanter esbeltos. “Comopossoficarbonita”,dizotítulodeumpanfletolançadorecentementenomercado;osanúncios de jornal dizemque elemostra formas de “continuar jovem e belaagoraesempre”.9

OsnovoshábitosregistradosporKracaueremBerlim,noiníciodadécadade 1920, desde então têm se espalhado com notável curiosidade como umincêndio florestal, transformando-se em rotina do dia a dia (ou pelomenosnum sonho) por todo o planeta. Oitenta anos depois, Germaine Greerobservava que “até nos rincões mais longínquos do noroeste da China asmulheres deixaram de lado seus quimonos por sutiãs acolchoados e blusassensuais,passaramacachearepintarseuscabeloslisoseaeconomizarparacomprarcosméticos.Aissosedeuonomedeliberalização”.10

Estudantes de ambos os sexos, expondo ávida e entusiasticamente suasqualidades,naesperançadeatrairaatençãoetambém,possivelmente,ganharo reconhecimento e a aprovação necessários para permanecer no jogo daconvivência;clientespotenciaisforçadosaampliarseushistóricosdegastoselimitesdecréditoparasermaisbematendidos;possíveis imigrantes lutandopara ganhar e exibir brownie pointsb como prova da existência de umademandaporseusserviçosafimdetersuassolicitaçõesaprovadas;essastrêscategorias de pessoas, aparentemente tão distintas, assim comomiríades deoutrascategoriasforçadasasevendernomercadoeprocurando,paraisso,amelhor oferta, são incitadas, instigadas ou obrigadas a promover umamercadoria atraente e desejável; assim, fazem todo o possível, usando osmelhoresrecursosàdisposição,paraaumentarovalordemercadodosartigosque estão vendendo. Os produtos que elas são estimuladas a colocar nomercado,assimcomopromoverevender,sãoelaspróprias.

Elas são, simultaneamente, promotoras de produtos e os produtos quepromovem.São,aomesmotempo,amercadoriaeseusagentesdemarketing,osartigoseseusvendedoresitinerantes(e,permita-meacrescentar,qualquerestudiosoquetenhasecandidatadoaumafunçãoprofessoralouàconcessãode verbas de pesquisa reconhecerá facilmente nessas experiências seusprópriosapuros).Nãoimportacomoasenquadreoresponsávelpelastabelasde estatísticas, todas elas habitam o mesmo espaço social conhecido pelonome demercado. Não interessa em que rubrica suas preocupações sejamclassificadas por arquivistas do governo ou jornalistas investigativos, aatividadeemquetodasestãoenvolvidas(porescolhaounecessidade,oumaiscomumenteporambas)éomarketing.O testeemqueprecisampassarparaganhar os prêmios sociais que ambicionam exige que elas mesmas se

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reclassifiquemcomomercadorias: ou seja, comoprodutos capazes de atrairnãoapenasatenção,masdemandaeclientes.

Hoje,“consumir”significanemtantoasdelíciasdopaladar,mas investirnaprópriaafiliaçãosocial,quenasociedadedeconsumidoressetraduzcomo“potencial de venda”; desenvolver qualidades para as quais já exista umademandademercadooutransformaraquelasquejásepossuiemmercadoriaspara as quais ainda se possa criar uma demanda. A maior parte dasmercadoriasdeconsumooferecidasnomercadodevesuaatraçãoeseupoderderecrutarávidosconsumidoresaseuvalordeinvestimento,sejaelegenuínoou imputado, explicitamente propalado ou obliquamente implícito. Suapromessa de aumentar o poder de atração (e em consequência o preço demercado)deseuscompradoreséexplicitada–emletrasgrandesoupequenas,oupelomenosnasentrelinhas–nadescriçãodecadaproduto.Issoincluiosprodutosqueemaparênciasãocomprados,principalouexclusivamente,emfunçãodoprazerdoconsumidor.Oconsumoéuminvestimentoemqualquercoisaquesirvaparao“valorsocial”eaautoestimadoindivíduo.

O propósito crucial, talvez decisivo, do consumo na sociedade deconsumidores (embora raras vezes seja explicitado com tantas palavras emenosfrequentementeaindadebatidonoâmbitopúblico)nãoéasatisfaçãode necessidades, desejos e vontades, mas a comodificação ourecomodificação do consumidor: elevar o status dos consumidores ao demercadoriasvendáveis.Poressarazão,emúltimainstância,passarnotestedeconsumidorécondiçãoinegociávelparaaadmissãonumasociedadequefoiremodelada à feição do mercado. Passar no teste é a precondição nãocontratual de todas as relações contratuais que constituem a rede derelacionamentos chamada “sociedade de consumidores” e que nela seconstituem.Éessaprecondição,quenãopermiteexceçõesnemtolerarecusas,queconsolidaoagregadodetransaçõesvendedor/compradornumatotalidadeimaginada; ou que, mais exatamente, permite que esse agregado sejavivenciado como uma totalidade chamada “sociedade” – entidade a que sepodeatribuiracapacidadede“fazerdemandas”ecoagiratoresaobedecê-las–, possibilitando que se impute a isso o status de “fato social”, no sentidodurkheimiano.

Permita-me repetir:osmembros da sociedade de consumidores são, elespróprios, mercadorias de consumo, e é essa qualidade que os tornaintegrantes legítimos dessa sociedade. Tornar-se e continuar a ser umamercadoria vendável é o mais poderoso motivo de preocupações doconsumidor, aindaquequase sempreoculto e poucasvezes consciente, quedirá explicitamente declarado. É por seu poder de aumentar o preço demercadodoconsumidorqueopoderdeatraçãodosbensdeconsumo–atuaisou potenciais objetos de desejo que desencadeiam a ação do consumidor –

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tende a ser avaliado. “Fazer de simesmo umamercadoria vendável” é umtrabalho do tipo “faça vocêmesmo”, uma tarefa individual.Observemos: “fazerdesimesmo”,nãoapenastornar-se,esteéodesafioeatarefa.

Sermembrodasociedadedeconsumidoreséumatarefaassustadora,alémdeumesforçopenosoeinterminável.Omedodenãoconseguirconformar-sefoideslocadopelomedodainadequação,masnemporissosetornoumenosapavorante. Os mercados de consumo são ávidos por tirar proveito dessemedo,easempresasqueproduzembensdeconsumocompetempelostatusde guias e auxiliares mais confiáveis nos intermináveis esforços de seusclientes para enfrentar o desafio. Elas fornecem “as ferramentas”, osinstrumentos exigidos para o trabalho de “autofabricação” individualmenteexecutado. Os produtos que apresentam como “ferramentas” para usoindividual na tomada de decisões são de fato decisões tomadas porantecipação. Jáestavamprontasmuitoantesdeo indivíduo ser confrontadocoma tarefa (apresentada comooportunidade)dedecidir.É absurdopensarnessas ferramentas como algo que possibilite ao indivíduo escolher seupropósito. Esses instrumentos são cristalizações de uma “necessidade”irresistível – que, agora como antes, os seres humanos devem aprender,obedecereaprenderaobedecerparaseremlivres.

OespantososucessodoFacebooknãodeveriaseratribuídoaseupapeldemercado,onde,acadadia,essanecessidadeprofundapodeseencontrarcomumaemocionanteliberdadedeescolha?

DL:VocêafirmouumpoucoantesqueaGrã-BretanhaestáatrásdeumpaíscomoaCoreiadoSulemtermosdograuemqueasrelaçõessociaisentreosjovenssãomediadaseletronicamente.Éverdade,claro,queapenetraçãodemercado–comoachamam–damídiamóveledoCyworldémaiornaCoreiado Sul que no Reino Unido, mas haverá alguma razão pela qual isto nãopossase igualar?Nãoconsigo imaginarummotivosequer.Mas “igualar-se”podenãoseramelhormaneiradeconceberisso,porquenaverdadeestamosfalandodefenômenosbemdiversos.CyworldeFacebooknãosãoamesmacoisa.Adinâmicadiferecomahistóriaeacultura.

Mas em ambos os casos há questões difíceis. A sociologia agora éobrigadaaseentendercomodigitalparanãodeixardeinvestigareteorizarsobre espaços inteiros de atividade cultural significativa. Para início deconversa, a simples dependência tecnológica tem de ser consideradarelevante em qualquer explicação social digna desse nome. São tantos osrelacionamentosemparte–ouna totalidade–vivenciadoson-linequeumasociologia sem o Facebook é inadequada. Independentemente de como oentenda a geração mais velha, o Facebook se tornou um meio básico decomunicação–de“conexão”,comoexpressaopróprioFacebook–eéagoraumanovadimensãodavidacotidianaparamilhõesdepessoas.

DanielMiller,porexemplo,temumlivrorecente,TalesfromFacebook,de

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2011, noqualmostra comoessemeio digital está repleto de vida social deformasbastanteprofundas.CasaispodemolharoFacebookparadescobrirseo“statusdesuasrelações”continua intactooufoialteradoporumcliquedomouse do outro. Nos contos de Miller, esses parceiros podem culpar oFacebook por desempenhar algum papel no rompimento, ainda que elespróprioscontinuemausá-lo.Mesmonessenível,háaspectossecundáriosdevigilância, jáqueosparceirostambémficamdeolhonacompetiçãoefazemseus movimentos com base no que parecem informações fidedignasmostradasnatela.

Portanto,asociologiatemdelidarcomodigital.Masumacoisaéobservarque amediação eletrônica é um fenômeno em rápida expansão, emesmoperceberdequemodo,notrabalhoenadiversão,essanovamídiapodeser“consideradarelevante”.Outracoisaé lidarcriticamentecomossignificadosprofundosdessamediaçãoeoferecerperspectivascríticas.Claramente,vocênãotentaocultarsuapreocupaçãocomasrelaçõesaparentementeefêmerase fragmentáriasqueparecem fomentadas–oupelomenos facilitadas–poressanovamídia.

Claroquevocênãoestásozinhonisso.SherryTurkle,quenadécadade1980escreveu,emtomdeaprovação,sobreaspossibilidadesexperimentaisdanovamídiaeletrônicapordesenvolveroqueelachamoude “the secondself” (nomedeseu livro),eestudou issodemaneira fascinante,emmeadosdadécadaseguinte,emLifeonScreen,agora,emAloneTogether,mudoudetom.“Hoje,insegurosemnossosrelacionamentoseansiososporintimidade,recorremos à tecnologia, aomesmo tempo embusca demaneiras de viverrelacionamentosedenosprotegerdeles.”11Seumoteéqueesperamosmaisdatecnologiaemenosunsdosoutros.

Eu concordo com você: a sociologia é inelutavelmente crítica e deveanalisaroqueestárealmenteacontecendo.AobradeSherryTurkletornou-semuitomaiscríticaqueantes.Masessasquestõessobreoqueossociólogospoderiam chamar de “relacionalidade” digital dão outra guinada quandopensamos sobre as dimensões de vigilância da nova mídia. Não que asrelaçõespré-digitaisestivessemdealgumaformaisentasdevigilância–longedisso. Mas agora determinados tipos de vigilância estão rotineiramenteenvolvidos na mediação digital dos relacionamentos. Isso é válido emdiversos níveis, desde a perseguição obsessiva do dia a dia (agoramencionadasemdesaprovação)namídiasocialatéomarketingmultinívelceoutras formas de vigilância administrativa on-line, que também afetam osrelacionamentos.12

Minhaperguntaé:seouemquemedidaasrelaçõesdigitalmentemediadasestarãosemprecomprometidas,dealgumaforma,poressefatodenaturezatécnica, ou se o digital também pode apoiar o social? Isso afetaprofundamentemeutrabalhosobrevigilância,porquesempreafirmeiqueumproblema-chaveda vigilância contemporâneaé seu foco estrito no controle,que rapidamente exclui qualquer preocupação com a proteção. Como astecnologias eletrônicas servemmuito frequentemente para amplificar alguns

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dos aspectos mais questionáveis da vigilância burocrática (mais distância,menos concentração no rosto, o que iremos debater em outro diálogo),deveríamos concluir que toda vigilância produz erosão do social? Ou,alternativamente (o que também veremos adiante), será que são possíveisformasresponsáveiseatéprotetorasdevigilânciadigital?

ZB:Você está absolutamente certo em formular essas questões.Nossa vidadivide-se(ecadavezmais,quandopassamosdasgeraçõesmaisvelhasparaas mais jovens) entre dois universos, “on-line” e “off-line”, e éirreparavelmentebicentrada.Comonossavidaseestendepordoisuniversos,cadaqual comumconteúdo substantivo e regrasdeprocedimentopróprias,tendemos a empregar omesmomaterial linguístico ao nosmovermos entreum e outro, sem perceber a mudança de campo semântico cada vez quecruzamos a fronteira. Há, portanto, uma interpenetração inevitável. Aexperiênciaobtidaemumuniversonãopodedeixardereformaraaxiologiaque orienta a avaliação do outro. Parte da vida passada em um dos doisuniversos não pode ser descrita corretamente, seu significado não pode serapreendido, nem sua lógica e sua dinâmica entendidas sem referência aopapel desempenhado em sua constituição pelo outro universo. Quase todanoçãorelacionadaaosprocessosdevidadopresenteporta,inevitavelmente,amarcadesuabipolaridade.

JoshRose, que jámencionei antes, prosseguiu comoque instigadopelassuas(e,devoacrescentar,minhas)preocupações:

Recentemente fiz esta pergunta a meus amigos do Facebook: “Twitter,Facebook, Foursquare… Isso tudo está fazendo você se sentirmais próximodaspessoasoumaisafastado?”Elaprovocouummontederespostas,epareciatocarnumdosnervosexpostosdenossageração.Qualoefeitodainternetedamídia social sobre nossa humanidade? Vistas de fora, as interações digitaisparecemfrias e desumanas.Nãohá comonegar isso.E, semdúvida, dada aescolhaentreabraçare“cutucar”dumapessoa,achoquetodosconcordaremosquantoaoqueémelhor.OtemadasrespostasàminhaperguntanoFacebookfoi resumidopormeuamigoJason,queescreveu:“Maispróximodepessoasdas quais estou afastado.” Então, um minuto depois, acrescentou: “Porém,mais afastado de pessoas de que sou muito próximo.” E ainda: “Fiqueiconfuso.” Mas é confuso. Agora vivemos esse paradoxo em que duasrealidades aparentemente conflitantes coexistem lado a lado. Amídia socialsimultaneamentenosaproximaenosdistancia.

Reconhecidamente, Rose estava preocupado em fazer avaliaçõesinequívocas – como de fato se deveria estar no caso de uma transaçãoseminal, porém arriscada, como a troca de esparsos incidentes de“proximidade” off-line pela volumosa variedade on-line. A “proximidade”

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trocadatalvezfossemaissatisfatória,porémconsumiatempoeenergia,eeracercadaderiscos;a“proximidade”adotadasemdúvidaémaisrápida,quasenãoexigeesforçoeépraticamentelivrederiscos,masmuitosaconsiderammuito menos capaz de aplacar a sede de companhia plena. Ganha-se umacoisa, perde-se outra – e é terrivelmente difícil decidir se os ganhoscompensam as perdas; além disso, uma decisão está de uma vez por todasfora de questão – você vai achar a opção tão frágil e provisória quanto a“proximidade”queobteve.

O que você obteve foi uma rede, não uma “comunidade”. Como vaidescobrir mais cedo ou mais tarde (desde que, claro, tenha esquecido oudeixado de aprender o que era uma “comunidade”, ocupado como está emconstruiredesfazerredes),elasnãosãomaisparecidasquealhosebugalhos.Pertenceraumacomunidadeéumacondiçãomaisseguraegarantidadoqueterumarede–embora,reconhecidamente,commaisrestriçõeseobrigações.Acomunidadeoobservadepertoedeixapoucoespaçoparamanobras (elapodebani-loeexilá-lo,masnãopermitiráquevocêsaiaporvontadeprópria).Uma rede, contudo, pode ter pouca ou nenhuma preocupação com suaobediênciaàsnormasporelaestabelecidas(seéqueumaredetemnormas,oquefrequentementenãoocorre),eportantoodeixamuitomaisàvontade,eacima de tudo não o pune por sair dela. Você pode acreditar que umacomunidade seja “um amigo nas horas difíceis, e portanto um verdadeiroamigo”. Mas as redes funcionam mais para compartilhar diversão, e suadisponibilidade para vir em seu socorro no caso de problemas que não serelacionemaesse“focodeinteresse”comumdificilmenteépostaàprova;seofosse,aindamaisdificilmentepassarianaprova.

Nofinal,aescolhaéentresegurançaeliberdade:vocêprecisadeambas,masnãopodeterumasemsacrificarpelomenospartedaoutra;equantomaistiverdeuma,menosterádaoutra.Emmatériadesegurança,ascomunidadesao estilo antigo batem de longe as redes. Em matéria de liberdade, éexatamente o contrário (afinal, basta pressionar a tecla “delete” ou decidirpararderesponderamensagensparaselivrardesuainterferência).

Além disso, há uma diferença enorme, realmente profunda eintransponível, entre “abraçar” e “cutucar” alguém, comomostra Rose; emoutras palavras, entre a variedade on-line de “proximidade” e seu protótipooff-line,entreprofundoeraso,quenteefrio,sinceroesuperficial.Aescolhaésua,eémuitoprovávelquevocêcontinueaescolher,edificilmentepoderáevitá-lo,masémelhorescolhersabendoaquilopeloqualestáoptando–esepreparar para assumir o custo de sua escolha. Pelomenos é isso queRoseparecesugerir,enãohácomocontestarseuconselho.ComodizSherryTurklena passagem que você menciona: “Hoje, inseguros em nossosrelacionamentos e ansiosos por intimidade, recorremos à tecnologia, ao

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mesmo tempo em busca de maneiras de viver relacionamentos e de nosprotegerdeles.”

Assim, os nomes e fotos que os usuários do Facebook chamam de“amigos” são próximos ou distantes? Um dedicado “usuário ativo” doFacebook proclamou recentemente que conseguiu fazer quinhentos novosamigosemumdia–ouseja,maisdoqueconseguiem86anosdevida.MasRobinDunbar,antropólogoevolucionistadaUniversidadedeOxford,insisteemque“nossasmentesnãosãoplanejadas[pelaevolução]parapermitirquetivéssemos mais que um número limitado de pessoas em nosso mundosocial”. Na verdade, Dunbar calculou esse número; ele descobriu que “amaioriadenóssópodemantercercade150relacionamentossignificativos”.De modo nada inesperado, chamou esse montante, imposto pela evolução(biológica),de“númerodeDunbar”.Essacentenaemeia,podemoscomentar,é o número atingido mediante evolução biológica por nossos ancestraisremotos.Efoiaíondeelaparou,deixandoocampoabertoparasuasucessoramuito mais rápida, ágil, habilidosa, acima de tudo mais capaz e menospaciente – a chamada “evolução cultural” (promovida, moldada e dirigidapelos próprios seres humanos, empregando o processo de ensinamento eaprendizagem,emvezdemudaroarranjodosgenes).

Observemos que 150 era provavelmente o maior número de criaturascapazes de se reunir, permanecer juntas e cooperar lucrativamente,sobrevivendo apenas da caça e da coleta; o tamanho de uma horda proto-humana não conseguia ultrapassar esse limite mágico sem convocar, oumelhor, conjurar forças e (sim!) ferramentas além de dentes e garras. Semessasoutrasforçaseferramentasditas“culturais”,aproximidadepermanentedeumnúmeromaiordepessoasteriasidoinsustentável;assim,acapacidadede“teremmente”ummontantemaiorseriasupérflua.

“Imaginar” uma totalidade mais ampla do que aquela acessível aossentidos era desnecessário e, naquelas circunstâncias, inconcebível. Asmentes não precisavam armazenar o que os sentidos não haviam tido aoportunidadedeapreender.Achegadadaculturadeveriacoincidir,comodefatoocorreu,comomomentoemqueseultrapassouo“númerodeDunbar”?Teriasidoesseoprimeiroatodetransgressãodos“limitesnaturais”?Ecomotransgredir os limites (sejam eles “naturais” ou autoestabelecidos) é o traçodefinidoreoprópriomododeserdacultura,eleétambémoatoquemarcaseunascimento?13

As “redes de relacionamento” combase eletrônica prometiam romper asintrépidase recalcitrantes limitaçõesà sociabilidadeestabelecidaspornossoequipamentotransmitidopelagenética.Bem,dizDunbar,nãoofizeramenãoo farão: a promessa só pode ser quebrada. “Sim”, diz ele em seu artigopublicado no New York Times em 25 de dezembro de 2010, “você pode

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estabelecer ‘amizade’ com 500, mil, até 5 mil pessoas em sua página noFacebook, mas todos, com exceção do núcleo de 150, são meros voyeursobservandosuavidacotidiana.”EntreessesmilharesdeamigosdoFacebook,as “relações significativas”, sejamelas eletrônicasouvividasoff-line, estãorestringidas, tal como antes, aos limites intransponíveis do “número deDunbar”. O verdadeiro serviço prestado pelo Facebook e outros sites“sociais”dessaespécieéamanutençãodeumnúcleoestáveldeamigosnascondições de um mundo altamente inconstante, em rápido movimento eaceleradoprocessodemudança.

Nossosancestraisdistantestiveramumafacilidade:assimcomoaspessoasquelheerampróximasequeridas,elestendiamamorarnomesmolugardoberçoao túmulo,aoalcancedavistaunsdosoutros. Isso indicaqueabase“topográfica”dosvínculosdelongoprazo,eatéparatodaavida,nãotendeareaparecer,muitomenosaserimuneaofluxodotempo,vulnerávelcomoéàsvicissitudes das histórias de vida individuais. Por felicidade, agora temosformas de “permanecer em contato” que são plena e verdadeiramente“extraterritoriais”, e, portanto, independentes do grau e da frequência daproximidadefísica.

“OFacebookeoutrossitesderedesocial”,eapenaseles–insinuaDunbar–“nospermitemmanteramizadesquedeoutromodologodefinhariam.”Masessenãoétodoobenefícioqueproporcionam:“Elesnospermitemreintegrarnossas redes de modo que, em vez de termos vários subgrupos de amigosdesconectados, podemos reconstruir, embora virtualmente, o tipo decomunidade rural antiga, emque todomundo conhecia todomundo” (grifomeu); no caso da amizade, ao menos, pelo que está implícito no texto deDunbar, ainda que não com tantas palavras; foi refutada, assim, a ideia deMarshall McLuhan, de que “o meio é a mensagem”, embora sua outramemorávelsugestão,adoadventodeuma“aldeiaglobal”, tenhase tornadorealidade.“Aindaquevirtualmente.”

Hámotivoparasuspeitardequesãoessasfacilidadesquetêmasseguradoegarantidoa tremendapopularidadedossitesdas“redessociais”;equefezde seu autoproclamado inventor e, sem dúvida, marqueteiro-chefe, MarkElliot Zuckerberg, um multibilionário instantâneo. Essas faculdadespermitiramqueoavançomodernorumoaodesembaraço,àconveniênciaeaoconforto enfim alcançasse, conquistasse e colonizasse uma terra até entãoteimosa e apaixonadamente independente dos vínculos humanos. Tornaramessa terra livrede riscos,ouquase; impossibilitaram,ouquase,quepessoasnãomaisdesejáveisabusassemdahospitalidade;fizeramcomquereduzirasperdasfosseumacoisagratuita.Nocômputogeral,conseguiramafaçanhadeenquadrarocírculo,depreservarumacoisaeaomesmotempodestruí-la.Aolivrar a atividade do inter-relacionamento de toda e qualquer amarra, esses

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sites puxaram e removeram a mosca feia da inquebrantabilidade quecostumavamancharodoceunguentodaconvivênciahumana.

DL:Muitodoquevocêdiz ressoaemmim,Zygmunt.Mas,deminhaparte,estou profundamente consciente do fato de que não integro a geraçãoFacebook.Souoquechamamdeimigrantedigitalquetevedeencontrarseucaminhonumanovacultura,enãoumnativodigital,paraquemoFacebookéuma maneira garantida e indispensável de se conectar com os outros.Evidentemente,conseguimosperceberasformaspelasquaisosusuáriosdoFacebook são “comodificados”; que a palavra “amigo”, tal como aentendemos, é imprópria quando se refere a milhares de pessoas; e que,como instrumento de vigilância, o Facebook não apenas extrai dados úteisdas pessoas, mas também, de modo brilhante, permite que elas façam asclassificações iniciais, identificando-se como “amigos”. Falar sobreconspiraçãocomvigilância!Mastambéméfácildemaisvercomoaspessoaspodem ser usadas pelo Facebook e esquecer que, da mesma forma, elasusamoFacebookdemodoconstante,entusiásticoeviciador.

Nosestudossobrevigilância,é fácil demaisparanósacabar tratandoosusuários do Facebook (ou, nesse sentido, qualquer outra pessoa) comoincautos culturais. Reconhecemos que os aficionados da mídia socialencontram benefícios conectivos em seus posts, mensagens, fotos,atualizações, curtidas e cutucadas; mas, ao mesmo tempo, tem-se aimpressãodequeasformaspelasquaiselessãoseguidoseenredadosemsuas trilhasdedadosultrapassamtotalmenteasignificaçãododivertimento.Então, fico imaginando se você comentaria algumas questões que meparecempertinentesaesserespeito.

A primeira delas é: como você explica a palpável popularidade damídiasocial? Seria possível que, num mundo líquido moderno caracterizado porrelacionamentosdecurtoprazo,compromissos “atésegundaordem”ealtosníveis de mobilidade e velocidade, a mídia social preencha (ainda queinadequadamente) uma lacuna? As antigas comunidades face a face daaldeia em que todos conheciam todos são o tema de livros históricosromantizadosou,paraalguns,dememóriasclaustrofóbicas.Masodesejodeencontraramigos,aindaquepoucoestáveis,oupelomenosdeestabeleceralgumasconexõescomoutrossereshumanos,continuaforteetalvezatésejaestimuladopeloquesepercebecomoperdasemmatériade“comunidade”.

Asegundaperguntaé:seamídiasocialéativamenteusadapelaspessoasemfunçãodeseusprópriosobjetivos,oqueacontecequandoessesobjetivosse opõem aos das empresas ou governos que podem estar utilizando-os?Considere estes exemplos: uma campanha do McDonald’s pelo Twitterusando um hashtag (palavra-chave precedida do símbolo #) para gerarhistóriasafirmativassobreboasexperiênciascomasrefeições;contra-ataquedos clientes insatisfeitosqueaproveitamaoportunidadepara sequeixar deenvenenamentopelacomidaedoserviçodeficiente.14SeoFacebookeseususuários têm conflitos, estes quase sempre são sobre o modo como são

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utilizadasasinformaçõespessoais.Diversos recursos novos, como Beacone ou Linha do Tempo, têm

provocadoairadosusuários,quedesafiamopoderdoFacebookdeenfrentarofogo,suacapacidadedeapagaraschamas.Numoutroplano,amídiasocialtem sido empregada com preeminência numa série de protestos emovimentos democráticos, da chamada Primavera Árabe aos eventos doOccupy em 2011. Decerto isso também possibilitou que as autoridadesrastreassemosmanifestantes.Masseráqueesseaspectoanulaautilidadedamídiasocialemtermosdaorganizaçãodemovimentosdessanatureza?

Trata-se de uma questão complexa, bem sei, e você já apontou que amídia social se distingue por criar redes. Estas se caracterizam por laçostênues, bons para aumentar a participação ou espalhar novas ideias einformações – o que é embaraçoso para o McDonald’s, por exemplo. Masquem sabe eles seriam diferentes dos tipos de relacionamento com laçossólidosquetendemafavorecerapersistência,oautossacrifícioeaassunçãoderiscos?15No entanto, enquanto estou dizendo isso, parece que algumasdascaracterísticasdessescompromissoscomvínculossólidossãovisíveisaomenosemalgunspaísesdaPrimaveraÁrabe.

ZB:Oquevocêestádizendoéqueumafacapodeserusadaparafatiarpãoouparacortargargantas.Nãohádúvidadequevocêestácerto.Masdiferentespães e gargantas são cortados no caso da faca em particular denominadaconexões/desconexões,integrações/separaçõeson-line,eeufalomaissobreasubstânciada interaçãoedosvínculos interpessoais aque essadeterminadafacaéaplicada,especialmenteemseuefeitodotipo“omeioéamensagem”.

Permita-meilustrarbrevementeessaambiguidadecomoexemplodosexomediadoeexecutadoon-line.Ereferir-me,paraessepropósito,àbrilhanteeacurada observação de Jean-Claude Kaufmann, de que, graças à“computadorização” do namoro e do “encontro”, o sexo “agora é maisconfuso que nunca”. Jean-Claude Kaufmann acertou na mosca com essaspalavras.Dizele:

Segundo o ideal romântico, tudo começou com o sentimento que sedesenvolveuemdesejo.Oamorlevou(viamatrimônio)aosexo.Agora,parecequetemosopçõesmuitodiferentes:podemospraticarsexoalegrementecomoatividadede lazerouoptarporumcompromissode longoprazo.Aprimeiraopção significa que o autocontrole é basicamente uma questão de evitarcompromisso: temos o cuidado de não nos apaixonar (muito). … A linhadivisóriaentresexoesentimentoestásetornandocadavezmenosnítida.16

Kaufmann parte para deslindar esse emaranhado, mas não paradesemaranharoquesemostroutãoresistenteatodoequalqueresforçonessesentidoquantoonógórdio.

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As duas opções, assinala Kaufmann, referem-se a dois modelosconflitantes de “individualidade”: de modo correspondente, indivíduoscontemporâneos pressionados a seguir os dois tendem a ser puxados emdireçõesopostas.Porumlado,háo“modeloeconômico,presumindoqueosindivíduos sempre agem com base no autointeresse racional. O modeloalternativoé fornecidopeloamor.Estepermitequeo indivíduoabandoneoself egoísta do passado e se dedique aos outros.” (Essa descrição do amor,contudo, em minha visão, não é correta: os modelos “econômico” e do“amor” certamente se situam em profunda oposição – mas não da mesmaforma que egoísmo e altruísmo; na verdade, é o “modelo econômico” queclassificaegoísmoealtruísmo–“serbomparasimesmo”e“serbomparaosoutros”–comoatitudesconflitantes;enquanto,noamor,osdoisantagonistasaparenteseinimigosjuradosseunem,seaglutinamesemisturam–enãosãomaisseparáveisoudistinguíveisumdooutro.)

Aprimeiraopçãoéconstruídasegundoa“ilusãoconsumista”:

elaquerqueacreditemosserpossívelescolherumhomem(ouumamulher)damesmaformaqueescolhemosumiogurtenumhipermercado.Masnãoéassimque funciona o amor.O amor não pode ser reduzido ao consumismo, e issoprovavelmenteébom.Adiferençaentreumhomemeumiogurteéqueumamulher não pode trazer um homem para sua vida com a expectativa de quetudopermaneçaigual.

Mas,graçasà“ilusãoconsumista”,

tudoparecebastanteseguro.Elapodefazerologincomumcliqueeologoffcomoutro.…Umindivíduoarmadodemouseimaginaestarnocontroletotaleabsolutodeseuscontatossociais.…Todososobstáculosusuaisparecemterdesaparecido, abrindo-se um mundo de possibilidades infinitas. … Umamulhernanetécomoumacriançaperdidanumalojadedoces.

Tudoparecelimpo,seguroesimpático,amenos…Sim,eisadificuldade,a menos que surjam sentimentos, e o amor se aqueça, confundindo oraciocínio.

Por vezes Kaufmann se aproxima perigosamente de imputar aresponsabilidadedessaconfusãoàenganosabranduraedocilidadedomousee à revolução computacional que o colocou nas mãos de todos; mas temconsciência de que as raízes do problema estão fincadas muito maisprofundamentenosdilemasexistenciaisemqueasociedadeatuallançaseusintegrantes.Nofinal,elefazaobservaçãocorreta:

A sociedade está obcecada com a busca de prazer, tem uma atração pela

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aventuraeestá interessadaemnovasemais intensassensações,mastambémprecisadaestabilidadeedacertezaquenosestimulamaevitarassumirriscosea não ir muito longe. É por isso que os acontecimentos atuais parecem tãocontraditórios.

Bem,permita-mecomentar,nãoparecemapenas.Sãocontraditórios.Tãocontraditóriosquantoanecessidadedeliberdadeedeaventura,equantoaosinstrumentoseestratagemassocialmentefornecidosparaatenderacadaumadessasnecessidades,masdificilmenteasduasaomesmotempo.

Estamos todos num impasse – uma confusão sem saída clara e livre deriscos. Se você opta pela segurança em primeiro lugar, precisa desistir demuitas das experiências fantásticas que a nova liberdade sexual prometeoferecer, e com frequência oferece. No entanto, se você quer sobretudo aliberdade, esqueça um parceiro de cuja mão você possa precisar quandoestiver tropeçandopor umapaisagemcheia de pântanos traiçoeiros e areiasmovediças. Entre as duas opções, uma caixa de Pandora escancarada etransbordante!Amaldiçãodonamoropelainternetvemdamesmafonteaquecostumamosatribuirasuabênção,comoKaufmanncorretamentesugere.Elaemanadeuma“zonaintermediáriaemquenadaérealmentepreordenado,[e]ninguémsabeantecipadamenteoquevaiacontecer”.Emoutraspalavras,deum espaço em que tudo pode ocorrer,mas nada pode ser feito com algumgrau,mesmopequeno,decerteza,féeautoconfiança.

Oscomputadoresnãosãoosculpados,aocontráriodoquesugeremalgunsde seus críticos acostumados a “surfar”, emvez demergulhar e penetrar: avertiginosavelocidadedabrilhantecarreiradoscomputadoresdeve-seaofatodeelesofereceremaseususuáriosumaoportunidademelhordefazeroquesempredesejaram,masnãopodiam,porfaltadeferramentasadequadas.Mastambémnãosãoossalvadores,comoseusentusiastas,dejoelhos,costumamafirmar com impaciência. Essa confusão tem raízes na forma como acondição existencial é manejada e empregada pelo tipo de sociedade queconstruímosenquantoéramosporelaconstruídos.E,paranoslivrarmosdessaconfusão(seéque issoéconcebível),precisaríamos iralémdamudançadeferramentas – que, afinal, só nos ajudam a fazer o que de todo modotentaríamos fazer, quer àmaneira de uma fábrica caseira, quer utilizando atecnologiadepontaquetodosdesejam.

O fenômenode tuítes e blogs que convocamas pessoas a ocupar ruas epraçaspúblicaséoutroexemplodamesmaambiguidade.OqueprimeirofoiensaiadoverbalmentenoFacebookenoTwitteragoraévivenciadoemcarneeosso.Esemperderascaracterísticasqueotornaramtãobenquistoquandopraticado na web: a capacidade de aproveitar o presente sem hipotecar ofuturo,deterdireitossemobrigações.

A experiência inebriante da convivência – talvez, quem sabe, sejamuito

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cedo para dizer da solidariedade. Essa mudança, que já está ocorrendo,significanãoestarmaissozinho.Eexigiutãopoucoesforçoparaserealizar–poucomaisdoquecolocarum“d”nolugardo“t”nessapalavradesagradávelque é “solitário”. Solidariedade sob encomenda, e tão duradoura quanto ademanda(enemumminutoamais).Solidariedadenãotantoemcompartilharacausaescolhidaquantoemterumacausa;vocêetodoorestodenós(“nós”,quer dizer, as pessoas da praça) com um propósito, a vida com umsignificado.

Poucosmesesatrás,jovensquefaziamumavigíliaemtendasarmadasemtorno de Wall Street enviaram uma carta convidando Lech Walesa, olegendáriolíderdoigualmentelegendáriomovimentopolonêsSolidariedade,famoso por desencadear o desmantelamento do império soviético com ostrabalhadores de estaleiros, minas e fábricas, que permaneceramteimosamenteemseuslocaisdetrabalhoatéquesuasreivindicaçõesfossematendidas. Nessa carta, os jovens reunidos em ruas e praças deManhattanenfatizavam que eram estudantes e sindicalistas de muitas raças e com asmaisvariadashistóriasdevidaeideiaspolíticas,unidosapenaspelodesejode“restaurar a pureza moral da economia americana”; que não tinham líder,exceto a crença comum de que 99% dos americanos não toleravam nempodiamtolerarmaisacobiçaeaganânciado1%restante.Osautoresdacartadisseram que o Solidariedade, na Polônia, dera um exemplo de comomuralhasebarreiraspodiamserdestruídaseo impossível tornadopossível;umexemploquepretendiamseguir.

As mesmas palavras ou termos semelhantes poderiam ter sido escritospelasmultidõesdejovensenemtantodomovimentodosindignados,de15demaio, agitandoaspraçasdeMadri, assimcomopor seushomólogos em951cidadesdemaisdenoventapaíses.Nenhumdessesmovimentostemumlíder; seu apoio entusiástico vem de todas as veredas da vida, de todas asraças,credosecampospolíticos,unidosapenaspelarecusadepermitirqueascoisasprossigamdojeitoqueestão.Cadaqualtememmenteumasóbarreiraoumuralhaaserabaladaedestruída.Essasbarreiraspodemvariardeumpaísparaoutro,mascadaumadelas,acredita-se,bloqueiaocaminhoque levaaum tipo melhor de sociedade, mais hospitaleiro à humanidade e menostolerantecomadesumanidade.Cadabarreiraescolhidaévistacomoaquelacujademoliçãotenderáabotarfimatodoequalquerexemplodesofrimentoqueuniuosmanifestantes,comooeloqueseprecisadeslocarparapôrtodaacadeiaemmovimento.Aperguntasobrecomoserãoascoisassódevesurgirdepoisque isso for feitoequeaáreadeconstruçãodanovaeaperfeiçoadasociedade estiver esvaziada. Como os ingleses costumavam dizer, “Vamosatravessaraquelapontequandochegarmoslá.”

Nessearranjodeconcentraçãonumaúnicatarefadedemolição,enquanto

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sedeixavagaaimagemdomundonodiaseguinte,équeresideaforçadaspessoasnasruas–assimcomosuafraqueza.Játemosmuitasprovasdequeos movimentos dos indignados são de fato todo-poderosos quando agemcomobrigadasdedemolição;masaprovadesuacapacidadedeplanejaredeconstruir equipesaindaestápendente.Algunsmesesatrás, todosnósvimoscomarespiraçãocontidaeadmiraçãocrescenteomaravilhosoespetáculodaPrimaveraÁrabe. É final de outubro, quando escrevo estas palavras –masaindaesperamos,atéagoraemvão,peloVerãoÁrabe…

EWallStreetquasenãopercebeuestar“sendoocupada”porvisitantesoff-lineprovenientesdomundoon-line.

aEmpresa suecaprodutorademóveisbaratosquedevemsermontadospelocliente.(N.T.)bBrowniepoints: créditonãomonetário recebidoporesforços feitos,mesmoqueosresultadosnãotenhamatingidooobjetivo.(N.T.)cMarketingmultiníveloumarketingemrede(eminglês,marketinglayers):formadevender produtos e serviços sem intermediários e sem o custo de campanhaspublicitárias, por meio de uma estrutura disposta em camadas de distribuidoresautônomoseindependentes,numformatobasicamentepropiciadopelainternet.(N.T.)d No Facebook, quando clica no botão “cutucar”, o usuário emite um alerta paraalgumapessoacomquemdesejaestabelecercontato.(N.T.)eOBeaconpermitiaquefossemenviadosparaoFacebookdadosdewebsitesexternosrelatandoatividadesdosusuáriosforadosite;depoisdeumaaçãojudicial,oBeaconfoiretiradodoFacebook,emsetembrode2009.(N.T.)

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Avigilâncialíquidacomopós-pan-óptico

DAVID LYON: Para aqueles que são apresentados aos estudos consistentessobrevigilância,aideiadepan-ópticoparecebrilhante.Emumplano,éumateoriadecomofuncionaavigilância;emoutro,ummeiodesituá-lanahistóriadamodernidade.ParaFoucault,quereconhecidamentefocalizouoprojetodopan-ópticodeBenthamcomoalgoqueofereciaumachaveparacompreendera ascensão de sociedades modernas, autodisciplinadas, o pan-óptico éfundamental.

Entretanto, para alguns que têm se dedicado ao estudo da vigilância háalgum tempo, a simples menção do pan-óptico provoca gemidos deexasperação. Para eles, um número grande demais de pessoas esperoumuitodopan-óptico,e,comoresultadodisso,odiagramaerarenovadamentemencionadoacadaoportunidadeconcebível,bem,paraexplicaravigilância.Então, deparamos com pan-ópticos eletrônicos e superpan-ópticos, damesmaformaquecomsuasvariações,osinópticoouopolióptico. “Chega”,adverteKevinHaggerty,“vamosderrubarasmuralhas!”1Hálimiteshistóricos,assimcomológicos,àutilizaçãodasimagensdopan-ópticohoje.

Noentanto,Foucault semdúvida fezalgumasobservações fascinantesefundamentaissobreopan-óptico,mostrandocomoeleéverdadeiramenteumespelhodamodernidadeemalgunsaspectosrelevantes.Eleviaadisciplinacomo uma chave: controlar a “alma” para mudar o comportamento e amotivação.Háalgodeprofundoedeconstrangedoremsuaafirmação:

Quemestásujeitoaumcampovisual,esabedisso,assumeresponsabilidadepelas limitações de seu poder; faz com que elas explorem espontaneamentesuasfraquezas;inscreveemsimesmoarelaçãodepodernaqualdesempenhasimultaneamentedoispapéis;torna-seoprincípiodesuaprópriasujeição.2

É desse modo, diz também Foucault, que a visibilidade se torna umaarmadilha, mas uma armadilha que nós mesmos ajudamos a construir. Sealguémaplicasseodiagramadopan-ópticoparapensarsobreavigilâncianosdiasatuais,jávaleriaapenaexplorarsóesseinsight.Comoinscrevemosemnósmesmosopoderdevigilânciaaoentrarnoespaçoon-line,usarcartãodecrédito, mostrar nossos passaportes ou solicitar oficialmente ajuda dogoverno?

Tambémé verdade queFoucault nos ajudou a ver como as relações depodercaracterizamtodasas formasdesituaçãosocial,nãoapenasaquelasem que as tentativas de controlar ou gerenciar uma população – como no

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casodapolíciaoudosagentesdefronteira–sãomaisclarasemaisóbvias.Assim, não surpreende que, por exemplo, se descreva a vigilância doconsumidorpelautilizaçãodebasesdedadoscomo“pan-óptica”–comofezOscarGandy, àmaneira clássica, em seu livro sobreThe Panoptic Sort: APolitical Economy of Personal Information.3 Aqui, evidentemente, a relaçãocom o princípio pan-óptico original pode tornar-se um tanto exagerada(voltaremosaissoadiante).

Masatentativadeusaropan-ópticohojetambémpodeproduzirresultadosaparentemente paradoxais. O estudo de Lorna Rhodes sobre as prisões“supermax”–desegurançamáxima–,porexemplo, leva-aaconcluirqueopan-ópticopode “diagnosticara todosnós”.4Elamostracomoaexperiênciada supermax induz alguns presidiários a se automutilarem; a “calculadamanipulação” pan-óptica do corpo conclama seu oposto. Vivenciando oabandonodeseuscorpos,essespresidiáriosusam-nosparaseafirmar.Elesreagem à visibilidade negativa destinada a produzir submissão com atosvoltadosparaaumentaravisibilidade.5

Poroutrolado,naobradeOscarGandy,emaisrecentementenadeMarkAndrejevic,6atriagempan-ópticaévistanumcontextodeconsumo.Esseéoladosuavedocontinuumdavigilância.Nomarketingdebancodedados,aideiaéinduzirosalvospotenciaisapensarqueelescontam,quandotudoquese quer é contá-los e, claro, atraí-los para novas compras. Aqui, aindividuação está claramente comodificada; se há um poder pan-óptico, eleestáaserviçodosmarqueteiros,desejososde induzireseduziros incautos.Mas as descobertas de Gandy e Andrejevic indicam que essas técnicasfuncionam rotineiramente. Elas se ajustam a uma indústria de marketingflorescenteelucrativa.

Eis então o paradoxo: a extremidade dura do espectro panóptico podegerar momentos de recusa e resistência que lutam contra a produção dos“corpos dóceis” de Foucault, enquanto a extremidademacia aparentementeseduz os participantes para uma conformidade atordoante, da qual algunsparecem pouco conscientes.7 Paradoxos como esse realmente suscitamquestões vitais sobre o corpo e as tecnologias, sobre poder produtivo eresistênciaativa,esobreaobscuridadeoureciprocidadedavisão,paracitarapenas três. Mas também geram dúvidas embaraçosas sobre a possívelfertilidadedaanálisepan-ópticaemnossosdias.

Este é o motivo pelo qual eu desejo lhe perguntar sobre o panóptico,Zygmunt. Afinal, você já escrevia sobre esse tema muito antes de mim, eusoumuitasvezesacríticadopan-ópticocomoformadeindicaromeiopeloqual as modernidades contemporâneas ultrapassaram algumas de suascaracterísticasanteriores.Naverdade,vocêusaopan-ópticocomopartedahistória do “antes”, da qual o “depois” é agora a modernidade líquida. Omundodafixidezdissolveu-seemfluxos,adispersãodasdisciplinasdiluiu-seemnovosespaços,novassituações.

Voucomeçarcomumaperguntadiretaegeral,antesdechegaraalgumasparticularidades: o advento da vigilância líquida significaria esquecer o pan-

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óptico?

ZYGMUNTBAUMAN:EunãocompartilhoaspreocupaçõesdeKevinHaggerty…Jáháalgumasdécadasfuivacinadocontraesteeoutrosalarmessemelhantes,tendosidoprevenidopelograndepsicólogoGordonAllportdequenós,dasciênciashumanas, jamais resolvemosquestãoalguma– sónosaborrecemoscom elas. E os apelos ao esquecimento se transformaram desde então nosmais comuns (e também osmais traiçoeiros) cantos da sereia que emanamdosalto-falantesoufonesdeouvidodaeralíquidamoderna.

Tal como eu vejo, o pan-óptico está vivo e bem de saúde, na verdade,armado de músculos (eletronicamente reforçados, “ciborguizados”) tãopoderosos queBentham, oumesmo Foucault, não conseguiria nem tentariaimaginá-lo; mas ele claramente deixou de ser o padrão ou a estratégiauniversal de dominação na qual esses dois autores acreditavam em suasrespectivas épocas; nem continua a ser o padrão ou a estratégia maiscomumente praticados.O pan-óptico foi tirado de seu lugar e confinado àspartes “não administráveis” da sociedade, como prisões, campos deconfinamento,clínicaspsiquiátricaseoutras“instituições totais”,nosentidocriado por Goffman. Omodo como elas funcionam hoje foi soberbamenteregistradoe,emminhaopinião,definitivamentedescritoporLoïcWacquant.Em outras palavras, as práticas de tipo pan-óptico estão limitadas a locaisdestinadosasereshumanoscategorizadosnacolunadosdébitos,declaradosinúteis,plenae totalmente“excluídos”–eondea incapacitaçãodoscorpos,maisqueseuaproveitamentoparaotrabalhoútil,éoúnicopropósitoportrásdalógicadoassentamento.

Emvistadisso,asdescobertasdeLornaRhodesnãoparecem,afinal, tão“paradoxais”. A cooperação dos dominados sempre foi bem-recebida pelosdominadoreseconstituiparte integrantede seuscálculos.Aautoimolaçãoeos danos infligidos aos próprios corpos, até o ponto da autodestruição, é oobjetivoimplícitoouexplícitodastécnicaspan-ópticasquandoaplicadasaoselementos inúteis e totalmente inaproveitáveis. Com toda certeza essacooperação de parte das vítimas não seria seriamente vista com censura,depreciada e lamentada, não importa o barulhoque se pudesse fazer contraela!O gênio da dominação deseja que os dominados façam o trabalho dosdominadores – e os presidiários das supermax se apressamemobedecer.A“totalidade”dessetipodeinstituiçãototalmanifesta-seprecisamentenofatodequeaúnicaformade“autoafirmação”possívelparaosdominadoséfazercomasprópriasmãosaquiloqueosdominadores tantodesejamrealizar.Osprecedentes, se é que você precisa de algum, eram os prisioneiros que seatiravamnoaramefarpadodealtavoltagememAuschwitz.Emboraninguémtenha sugerido, naquela época ou depois, que, dessemodo, a “manipulaçãocalculada”resultasseemseuoposto!

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NãoseiseÉtiennedelaBoétierealmenteexistiuousefoiinventadoporMichel deMontaigne para evitar a ameaça de ser punido por escrever umtexto altamente perigoso, irônico e rebelde (nesse caso, o júri ainda estádecidindo).Porém, independentementedequemsejaoautor,oDiscurso daservidãovoluntáriaaindamereceserrelido,emparticularporaquelesquesemaravilhamcomnovidadesedeixamdeperceberacontinuidadeportrásdasdescontinuidades.

Quem quer que tenha sido o autor, ele ou ela previu o estratagemadesenvolvidoquaseàperfeição,váriosséculosdepois,namodernasociedadelíquidadosconsumidores.Tudo–padrõesdedominação,filosofiaepreceitospragmáticosdegerenciamento,veículosdecontrolesocial,opróprioconceitode poder (ou seja, o modo de manipular probabilidades para aumentar apossibilidadedeumacondutadesejávelereduziraummínimoaschancesdooposto)–parececaminharnamesmadireção.Tudosemove,daimposiçãoàtentação e à sedução, da regulação normativa às relações públicas, dopoliciamento à incitação do desejo; e tudo assume, a seu turno, o papelprincipalnoqueserefereaatingirosresultadosdesejadosebem-vindos,doschefes aos subordinados, dos supervisores aos supervisionados, dospesquisadoresaospesquisados,emsuma,dosgerentesaosgerenciados.

Eháoutratendência,estritamenterelacionadaàprimeira,equeàsvezesseresumeaodilemainjustificadamenteempobrecedordapuniçãoerecompensa.Maselasemanifestaemmuitasediversasmudançasseminais;acimadetudo,nodeslocamentodaapostaemtodaequalquer lutapelosucessoapartirdedisciplina,obediência,conformidade,respeitoàordem,rotina,uniformidadeedeumareduçãodeopções;demaneirageral,dapredeterminaçãodasescolhasdossubordinadosmediantemecanismosendereçadosàsuafaculdaderacionalde buscar recompensas e evitar punições – às faculdades essencialmente“irracionais” de iniciativa, audácia, experimentação, autoafirmação,emotividade,prazerebuscadediversão.

Benthamviaumachaveparaosucessogerencialnareduçãodasescolhasdos prisioneiros do pan-óptico às esquálidas alternativas de um empregomaçante ou um tédio aindamaismortal, umadose diária de castigos ou ostormentos da fome; os gerentes contemporâneos dignos desse nomeveriamnoregimerecomendadoumaperdatãoabominávelquantoindesculpáveldosrecursos essenciais ocultos nas idiossincrasias pessoais, e que crescemjuntamentecomsuavariedadeediversidade.Agoraéapenasaconfiançanaracionalidadehumana(easupressãodeemoçõescaprichosas)queosgerentesde ponta, afinados como são com o espírito de sua época, rejeitariam porindesculpavelmenteirracional.

Tendovistoaburocraciacomoamaisplenaencarnaçãodaracionalidademoderna, Max Weber enumerou as características que qualquer arranjo

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intencional das atividades humanas precisa adquirir e se esforçar poraperfeiçoar,alémdashierarquiasestritasdecomandoeinformação,afimdese aproximar do tipo ideal de burocracia, e assim atingir o máximo daracionalidade.Notopodalista,Webersituouaexclusãodequalquerlealdadepessoal, compromisso, crença e preferência que não aqueles declaradosrelevantes para atender aos propósitos da organização; tudo que fosse“pessoal”,ouseja,nãodeterminadopelosregulamentosdaempresa,deveriaser deixado na chapelaria, na entrada do prédio, e recolhido após o fim do“horáriodetrabalho”.

Hoje, quando o centro de gravidade, sob o ônus da prova e daresponsabilidadepeloresultado,foitransmitidopelosgerentes(comolíderesde equipe e comandantes de unidade) para os ombros de executantesindividuais, “terceirizados” ou “transferidos” lateralmente e avaliados deacordo com um padrão vendedor-comprador, e não de uma relação chefe-subordinado, o propósito é aproveitar o total da personalidade subalterna etodo seu tempo de vigília para as finalidades da empresa. Trata-se de umexpedienteconsiderado,enãosemmotivo,infinitamentemaisconvenienteelucrativo que as medidas pan-ópticas, sabidamente caras, incontroláveis,restritivas e trabalhosas. A servidão, com a vigilância do desempenho 24horaspordia,setediasporsemana,estásetornandoplenaeverdadeiramente,paraossubordinados,umatarefadotipo“façavocêmesmo”.Aconstrução,administraçãoemanutençãodepan-ópticos foi transformadadepassivoemativoparaoschefes,previstanasletrasmiúdasdetodocontratodeemprego.

Emsuma, tal comooscaramujos transportamsuascasas,osempregadosdo admirável novo mundo líquido moderno precisam crescer e transportarsobreospróprioscorposseuspanópticospessoais.Aosempregadoseatodasasoutrasvariedadesdesubordinadosfoiatribuídaaresponsabilidadeplenaeincondicional de mantê-los em bom estado e garantir seu funcionamentoininterrupto (deixar seu celular ou iPhone em casa para dar um passeio,suspendendoacondiçãodepermanentementeàdisposiçãodeumsuperior,éumcasodefalhagrave).Tentadospeloencantodosmercadosdeconsumoeassustadoscomapossibilidadedequeanovaliberdadeemrelaçãoaoschefessedesvaneça, juntamentecomasofertasdeemprego,ossubordinadosestãotãopreparadosparaopapeldeautovigilantesquesetornamredundantesemrelaçãoàstorresdevigilânciadoesquemadeBenthameFoucault.

DL:Ouçovocêdizer,Zygmunt,queopan-ópticoclássicoécoisadopassadopara a ampla maioria dos habitantes do norte global, exceto porque essamaioria deve carregar consigo seus “pan-ópticos pessoais”.De fato, o pan-ópticoclássicosópodeservistoàsmargens,emespecialnasáreasurbanaspara onde os pobres, como diz Wacquant, são “desterrados”. E concordosinceramente com você quando diz que formas agudas de algo

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suspeitamente parecido com o pan-óptico ainda estão à espreita nesseslugares.O“pan-opticismosocial”deWacquantéencontradosobodisfarcedeprojetos voltados para a promoção do bem-estar de famílias despossuídas,submetendo-asa “uma formacadavezmaisprecisae intensadevigilânciapunitiva”.8

Esse tipo de motivo também é muito visível no livro de John Gilliomintitulado Overseers of the Poor, em que ele examina o modo como asmulheresdependentesdaprevidênciasocialsãosubmetidasaousodeumaformadeassistênciasocialaltamenteinvasivaecomputadorizada(masque,de modo intrigante, embora não surpreendente, encontram maneiras desubverterosistemaemfavordeseusfilhos).9

Portanto, vamosseguir essa linhaumpoucomais, antesdeeu lhepedirpara pensar sobre uma ou duas das outras variações contemporâneas deanálise pan-óptica que nos incitam a abrir espaço para uma análise maisampla. Você insinua que o pan-óptico ainda pode ser encontrado nasmargens,eminstituiçõestotaisecoisasdessetipo.OtrabalhodeWacquantconcentra-se num pan-opticismo social em áreas degradadas e destituídasdas cidades, tanto no sul quanto no norte globais. Mas você acha que omesmo tipo de análise poderia ser aplicado a grupos marginais em si,imigrantespotenciais,suspeitosde“terrorismo”eoutraspessoassubmetidasaregimesde“segurança”mais recentes?AvariaçãodeDidierBigosobreotemadopan-óptico faladeum “ban-óptico”eseaplicaexatamenteaessesmarginaisdoglobo.

Emtermossimples,Bigopropõeo“ban-óptico”para indicardequemodotecnologiasdeelaboraçãodeperfis sãousadasparadeterminarquemserácolocado sob vigilância específica.Mas ele emerge de uma análise teóricacompleta a respeito de como surge uma nova “insegurança global” a partirdas atividades crescentemente combinadas dos “gerentes da inquietação”internacionais, como policiais, agentes de fronteira e companhias aéreas.Burocraciastransnacionaisdevigilânciaecontrole,tantoempresariaisquantopolíticas, agora trabalham a distância para monitorar e controlar, pelavigilância, os movimentos da população. Tomados em conjunto, essesdiscursos, essas práticas, regras e arquiteturas físicas formam um aparatocompleto,conectado,oqueFoucaultchamoudedispositif.Oresultadonãoéumpan-ópticoglobal,masum“ban-óptico”–combinandoaideiadeJean-LucNancyde“ban”,talcomodesenvolvidaporGiorgioAgamben,como“óptico”de Foucault. Seu dispositif mostra quem é bem-vindo ou não, criandocategoriasdepessoasexcluídasnãoapenasdedeterminadoEstado-nação,masdeumconjuntobastanteamorfoenãounificadodepotênciasglobais.Eeleoperavirtualmente,usandobasesdedadosemredeparacanalizarfluxosdedados,especialmentesobreoqueaindaestáporacontecer,comonofilmeenolivroMinorityReport.

Talcomovocê,Bigoinsisteemquenãoháhojeemdiaumamanifestaçãocentralizada do pan-óptico, e diz que, se o dispositif existe, é algofragmentado e heterogêneo. Opera por meio do Estado e das grandes

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corporações,que, juntamentecomoutrasagências, “convergemem relaçãoaofortalecimentodainformáticaedabiometriacomomodosdevigilânciaquese concentram nos movimentos de indivíduos pelas fronteiras”.10 SegundoBigo, essa é uma forma de insegurança no plano transnacional (e não, demodoalgum,umpan-óptico).

Bigoentãoanalisadiscursos(níveisderiscoeameaça,inimigosinternos,eassim por diante), instituições, estruturas arquitetônicas (de centros dedetenção a terminais de passageiros em aeroportos), leis e medidasadministrativas – cada uma das quais seleciona certos grupos paratratamentoespecial.A funçãoestratégicadodiagramaban-ópticoé traçaroperfil de minorias “indesejadas”. Suas três características são o poderexcepcional em sociedades liberais (estados de emergência que se tornamrotineiros), traçar perfis (excluir certos grupos, categorias de pessoasexcluídas de forma proativa em função de seu potencial comportamentofuturo) e normalizar grupos não excluídos (segundo a crença no livremovimentodebens,capital,informaçõesepessoas).Oban-ópticooperaemespaçosglobalizadosparaalémdoEstado-nação,demodoqueosefeitosdopoder e da resistência não são mais sentidos somente entre Estado esociedade.

Bigopercebeque, nesseponto – a divisãoentre os que você chamade“globaiselocais”–,otrabalhodeleeoseuconvergem.Eletambémindagasevocê não está subestimando as maneiras pelas quais os “globais” sãonormalizados no “imperativo da mobilidade”, por meio de algumas dasestratégias mutuamente dependentes do mesmo dispositif. Os discursossobre livremovimentaçãonormalizamamaioria.Nãoéaindaumpan-ópticoplenamente desenvolvido, nem mesmo um pan-óptico-sombra, claro, masajuda a explicar por que os seus “globais” praticam seus estilos de vidaperipatéticos do modo como o fazem e (acrescentaria eu) por que elesacreditamqueobanópticoénecessárioparaosoutros.(Talvezsejamessesos “pan-ópticospessoais”que,segundovocê,amaioria transportacomosefossemcaramujoscomsuasconchas?)Bigofaladetudoissofocalizandoasatividadesdaquelesquechamade “gerentesda inquietação”–profissionaisdesegurançaeoutros–,queestãomaispróximosdodispositifquecontrolaevigiacertosgruposdiferentesdamaioria.

Minhapergunta,portanto,éesta:atéquepontovocêachaqueessestiposdevariaçãosobreotemadopan-óptico,queaindareconhecemaimportânciadodispositifdeFoucault,masvãoalémdeleparaabordareconomiaspolíticasetecnologiasatuaisemcontextosglobalizantes,nosajudamaentenderoqueestáacontecendonestes tempos líquidosmodernos?Nessecaso,aanáliseparece próxima daquilo que você está procurando (e que discutiu, porexemplo,emGlobalização),ounão?

ZB: Bigo concentra-se nos imigrantes indesejados, mas a tecnologia devigilância instalada nos postos de fronteira doEstado é apenas um caso de“ban-óptico”(porsinal,acho“ban-óptico”umtermofeliz,aindaquerescenda

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maisatrocadilhoquealógicasemântica).Querdizer,éapenasoexemplodeum fenômeno mais geral da filosofia e do equipamento de vigilânciaenvolvidos na tarefa de “manter a distância”, em vez de “manter dentro”,como fazia o pan-óptico; e que extrai seus sumos vitais e energia para seudesenvolvimentodaascensão,atualmenteirreprimível,daspreocupaçõescomsegurançaenãodoimpulsodisciplinador,comonocasodopan-óptico.

EusugiroqueascâmerasdeTVquecercamascomunidadesfechadas,queseespalhampelosshoppingcentersepelospátiosdossupermercadossãoosespécimes principais – os mais comuns e os responsáveis peloestabelecimento de padrões – de dispositivos ban-ópticos. O ban-ópticoguarneceasentradasdaquelaspartesdomundodentrodasquaisavigilânciadotipo“façavocêmesmo”ésuficienteparamanterereproduzira“ordem”;basicamente, ele barra a entrada a todos os que não possuemnenhuma dasferramentas adequadas para isso (como cartão de crédito ouBlackberry); eque, portanto, não podem ser considerados confiáveis no que se refere àprática dessa vigilância por conta própria. Esses indivíduos (maisprecisamente, essas categorias de indivíduos) devem ter “ajudamecânica”,por assim dizer, para se alinhar aos padrões comportamentais dos “espaçosdefensáveis”. Outra tarefa dos dispositivos ban-ópticos, e de não menorgravidade,éidentificarprontamenteindivíduosquedeemsinaisdenãoestardispostos a se manter na linha ou que planejem quebrar esses padrõesobrigatórios.

Emoutraspalavras,atecnologiadevigilânciahojesedesenvolveemduasfrentesqueservemadoisobjetivosestratégicosopostos:numadasfrentes,oconfinamento (ou “cercar do lado de dentro”), na outra, a exclusão (ou“cercardoladodefora”).Aexplosãodamassaglobaldeexilados,refugiados,pessoas em busca de asilo – ou em busca de pão e água potável – poderealmentefortalecerambosostiposdetecnologiadevigilância(suponhoqueBigoconcordariacomisso).

Emseuúltimo livro,MichelAgier resumeseusdezanosdeestudosnoscampos de refugiados que se espalham pelaÁfrica e pelaAmérica do Sul,assim como pelos “centros de detenção” europeus destinados a imigrantesdefinidos como “ilegais” ou suspensos, na condição de “sem leis, semdireitos”reservadaàs“pessoasembuscadeasilo”.11Eleconcluique,setentaanos depois, a “má sorte” de Walter Benjamin (como Hannah Arendtclassificou a parada na fronteira franco-espanhola que o levou ao suicídio)praticamente perdeu sua condição de “extraordinária”, para não mencionarsuaaparentesingularidade.

Já em1950, as estatísticas oficiais globais registravam a existência de 1milhão de refugiados (principalmente pessoas “deslocadas” pela guerra).Hoje,aestimativaconservadoradonúmerode“pessoasemtransição”éde12

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milhões – mas a previsão para 2050 é de 1 bilhão de refugiadostransformados em exilados e abrigados na terra de ninguém dos camposestabelecidoscomessafinalidade.

“Estar em transição” é, evidentemente, uma expressão irônica quandoaplicadaàsortedeWalterBenjamineàrápidaexpansãodovolumedesuasréplicas mimeografadas. Por definição, a ideia de “transição” significa umprocesso finito, um período de tempo com linhas de partida e chegadaclaramentedemarcadas–apassagem deum“aqui”paraum“lá” espaciais,temporais,ouespaciaisetemporais;masessessãoprecisamenteosatributosnegadosàcondiçãode“serumrefugiado”,definidaeisoladadas“normas”,ea elas oposta, por sua ausência. Um “campo” não é uma estaçãointermediária,umahospedariadebeiradeestradaouummotelnumaviagemdo aqui para o lá. É a estação terminal onde acabam todas as estradasmapeadaseseinterrompemtodososmovimentos–compoucasexpectativasdeseobtercondicionaloudesecumprirasentença.Umnúmerodepessoascadavezmaiornascenessescamposenelesmorre,semvisitarnenhumoutropaísdurantesuasvidas.Oscampostranspiramfinalidade;nãoafinalidadedadestinação, contudo, mas do estado de transição petrificado em estado depermanência.

Aexpressão“campodetransição”,comumenteescolhidapelosdetentoresdo poder para designar os lugares em que os refugiados são obrigados apermanecer, é um paradoxo. “Transição” é exatamente a qualidade cujanegação e ausência definem a condição de refugiado. O único significadodefinido de ser enviado a um lugar chamado “campo de refugiados” é quetodososoutroslugaresconcebíveissãoclassificadoscomoforadoslimites.Oúnico significadopara alguémdentrodeumcampode refugiados é ser umforasteiro,umestrangeiro,umcorpoestranho,umintrusonorestodomundo– desafiando-o a se cercar de dispositivos ban-ópticos; em suma, tornar-sehabitante de um campo de refugiados representa ser excluído do mundocompartilhadopelorestodahumanidade.“Tersidoexcluído”,servinculadoàcondição de exilado, é tudo que consta e precisa constar na identidade dorefugiado.E,comoAgierrepetidamenteassinala,aquestãonãoédeondeseveio para o acampamento,mas a ausência de um para onde – a proibiçãodeclaradaouaimpossibilidadepráticadechegaraqualqueroutrolugar–queseparaumexiladodorestantedahumanidade.Serseparadoéoqueconta.

Exiladosnãoprecisamcruzarfronteiras,chegardeumoutropaís.Podemser,efrequentementesão,nascidosecriadosnopaísemqueagoravivemnoexílio.Podematénão ter semovidoumcentímetroemrelaçãoao lugaremque nasceram. Agier tem todo o direito de fundir campos de refugiados,acampamentos de sem-teto e guetos urbanos na mesma categoria, a de“corredores do exílio”. Os habitantes desses lugares, sejam eles legais ou

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ilegais, compartilham uma característica decisiva: são todos redundantes.Dejetosou refugosdasociedade.Emsuma, lixo.“Lixo”é,pordefinição,oantônimode“coisaútil”,denotaobjetossemutilidadepossível.Comefeito,aúnicahabilidadedolixoésujareatravancarumespaçoque,deoutromodo,poderiaserproveitosamenteempregado.Oprincipalpropósitodoban-ópticoégarantirqueolixosejaseparadodoprodutodecenteeidentificadoafimdesertransferidoparaumdepósitoadequado.Umavezlá,opan-ópticogarantequeolixoalipermaneça–depreferência,atéqueabiodegradaçãocompleteseucurso.

DL:Obrigado,Zygmunt.Éaomesmotempoinstrutivoeestimulantevercomonossotrabalhosobrevigilânciacoincidecomoseu–eàsvezesdivergedele.Mas,antesdeoabandonarmos,poderíamosconversarumpoucomaissobreo temadopan-óptico?Nósconcordamos,pensoeu,emqueoban-ópticoéondeoimpulsopan-ópticopodeagoraservistodemodomaisevidente,equeesse tipodeanálisese refereaalgumasexperiênciasdesanimadorasmuitocomuns num mundo em processo de globalização. Mas os estudiosos davigilânciatambémtêmseconfrontadocomessasideiasempelomenosdoiscontextos que se referem a populações majoritárias, e não ao “lixo”minoritário.

Lembro, por um lado, os interessantes estudos sobre vigilância doconsumidor realizados por Oscar Gandy, originalmente sob o título ThePanopticSort.Jámereferiaele,masagoragostariaquedesenredássemosumpoucomaisessefio.OargumentodeGandynesse livro inicialédequeumamáquina de classificação geral é evidente nomundo domarketing debase de dados e da chamada geodemografia. As pessoas se agrupam emsegmentospopulacionais incipientes,demodoqueosmarqueteirospossamtratá-lasdeformadiferente,dependendodeseucomportamentodeconsumo.Embora alguns estudiosos de Foucault possam discordar disso, o uso queGandyfazdopan-ópticoconsistetantoemexaminarcomoele“funciona”hojeem ambientes de consumo quanto, fundamentalmente, emmostrar de quemodoa lógicadopan-ópticoafetaosque seencontramaoalcancede suavisão.

Emminhaopinião,Gandycombinaaanálisedosaspectosdeordenamentoeclassificaçãodopan-ópticocomoprocessopeloqualosconsumidoressãomanipulados.12Entretanto,emboraobtenhadeFoucaultsuas ideiassobreoaspectoclassificatóriodopan-óptico,eleémaisexplícitosobreofatodeessaanálise ser também “uma economia política das informações pessoais”. Osmarqueteiros estão sempre em busca de novasmaneiras de racionalizar omercado, escolhendo como mira de atenção especial consumidores cujosatributosostornamatraentes“alvosdeoportunidade”.13Outrosconsumidorespotenciais podem obter a permissão de desaparecer de vista, enquanto osverdadeiramentevaliosossãoselecionados.

Oprocessodecategorizaçãoconcentra-seaquinaquelesque,longedesermarginalizados, já se beneficiam do sistema. Essa é a “forma burguesa de

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mobilidade monitorada”, segundo Mark Andrejevic,14 adaptada aosmartphone,aoSUVeàsmultidõesnoscruzeirosmarítimos.Osresíduosdepan-ópticoquetenhampermanecidoaqui–eAndrejevicrealmentevêessesalvos como encorajados a se autodisciplinar para se tornar consumidoresconsistentementeconspícuos–devemfornecerbenseserviçosaessaelite,demodoeficiente.

Dito isso, o objetivo do trabalho deGandy (e também do de Andrejevic,nessesentido)éindicarqueessaéapenasaimagemespeculardaatividadenegativamente discriminatória implícita no “tipo pan-óptico”. Na verdade, otrabalho de Gandy, em sua continuidade, dedica menos atenção ao pan-ópticoperse e se concentramais nosprocessosestatísticosede softwarededicados à “discriminação racional”.15 Ele observa queGeoffrey Bowker eSusan Leigh Star, em Sorting Things Out,16 argumentam de maneiraconvincente que a classificação organizacional de usuários, clientes,pacientes, consumidores, e assim por diante, é uma parte cada vez maissignificativada vidamoderna.Contudo, nãomostramcomo tal classificaçãonão apenas descreve, mas também define as possibilidades de ação dosgruposafetados.Gandyvaiadiante,e insistequea “discriminação racional”nas economias de informação muitas vezes se baseia em perfis raciais eprovoca uma desvantagem cumulativa para aqueles negativamenteidentificados.

Esseéumexemplodopan-opticismoteóricoemcurso.Poroutrolado,euoremetoaumtrabalhoquevocêjáanalisoumaisdeumavez,ao“sinóptico”,ohábil neologismodeThomasMathiesenquecontrastao “poucosvigiandomuitos” do pan-óptico àmídia atual, em que, como diz ele, “muitos vigiampoucos”.17Issosugerecomoopan-ópticopode,defato,encontrarumaliadonosatuaismeiosdecomunicaçãodemassa.Oponto-chavedeMathiesenéque,quaisquerquesejamosefeitosdopan-ópticoaindahojepresentesnassociedades,elesnãopodemserentendidosseparadamentedosinóptico,nomínimoporqueajudamamoldarosefeitosdeste. (Isso foi vistonitidamentedepoisdo11deSetembro,quandoaconstante repetiçãonaTVda imagemdasTorresGêmeasemchamasajudoua transmitirasensaçãodeestaremcurso uma ameaça iminente que, como as autoridades nos informaram adnauseam, poderia ser debelada por novas medidas de segurança evigilância.)18

Ora,vocêusaMathiesenemapoioàsuadefesadatesedamodernidadelíquida,eeuconcordo.Compreenderopapeldosmeiosdecomunicaçãodemassaé vital paranossoentendimentodasatuais condições culturais.MasseráqueMathiesen tentounosdizerqueopan-óptico funciona juntocomosinóptico, e não que este se sobreponha àquele? De modo que, uma vezmais, gostaria que você respondesse à pergunta: será que o pan-ópticorealmenteselivroudeseudestinofatalouaindaestávivoegozandodeboasaúde,embora,talvez,emestadosenil?Ehátambémumanotaderodapéaacrescentar. Aaron Doyle assinalou recentemente (e com precisão) que omodelode“mídia”usadoporMathiesenéumtantoinstrumentalehierárquico,

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epoucoounadadizsobreresistênciaouasmaneiraspelasquaisospúblicosdecodificamasmensagensdamídia.19Osinóptico tambémparece (emboraMathiesen não possa ser totalmente responsabilizado por isso, já queescreviaantesdosurgimentoda“mídiasocial”)desconhecerafragmentaçãodasaudiênciasdemassa(deTV)ouaamplainfluênciadamídiadigitalhoje.Seráqueosveículosdemassa,incluindoa“novamídia”,tambémconstituemespaçosparasequestionaroucriticaravigilância?

ZB:O“sinóptico”deMathiesen, emminha leitura, éumaespéciede“pan-óptico ‘faça você mesmo’”, que eu já expus brevemente, antes. Um pan-ópticosignificativamentemodificado,avigilânciasemvigilantes.Talcomoovejo,esseneologismofoicunhadoporMathiesencomaintençãodecaptaroimpactoexercidosobreavigilânciapelatransformaçãomuitomaisgeralqueestáocorrendonafilosofiagerencial (eumesmochameiessa transformação,em meu recente livro sobre os danos colaterais da desigualdade, de“Revolução Gerencial Parte 2”). O que antes era visto como dever dosgerentes,aserrealizadoàcustadeleseporseuesforço,foitransferidoparaosobjetosdogerenciamento.(Oulhesfoi“terceirizado”,nainsinuaçãodeoutroneologismo, agora comumente usado para disfarçar ou camuflar o zelo dosgerentes em se livrar das tarefas de controle que consideram enfadonhas,inconvenientes,difíceiseirritantementeconstrangedoras,passando-asparaosombros dos controlados; e, portanto, em representar a passagem do fardocomoumdote,umatodegarantiadedireitosdeautonomiaeautoafirmação,ou mesmo como a “habilitação” ou “ressubjetivação” de objetos da açãogerencialantespassivos.)Permita-mereafirmaraqui,emlinhasgerais,aqueserefere,emminhavisão,a“RevoluçãoGerencialParte2”.20

Em seu sentido original, legado pela época em que o ideal do processoindustrialeraconcebidosegundoopadrãodeumamáquinahomeostáticaquerealizamovimentospré-planejadoseestritamenterepetitivoseémantidanumcurso estável, imutável, gerenciar pessoas era mesmo uma tarefa difícil.Exigia uma organização meticulosa e uma vigilância contínua no estilopanóptico. Precisava da imposição de uma rotina monótona, tendente aridicularizar os impulsos criativos tanto dos gerenciados quanto de seusgerentes.Produziaenfadoeumressentimentoemconstanteebuliçãoque,porcombustãoespontânea,ameaçavatransformar-seemconflitoaberto.Tambémeraumaformacustosade“fazercomqueascoisasfossemfeitas”:emvezdealistarospotenciaisnãoarregimentadosdamãodeobracontratadaaserviçodo trabalho, ela usava recursos preciosos para reprimi-los, restringi-los emantê-losforadeencrencas.

No final,ogerenciamentocotidianonãoerao tipode tarefaquepessoasdesembaraçadas, pessoas com poder, tendessem a apreciar e valorizar: elasnãoiriamdesempenhá-lanemumminutoalémdoquefosseimpostoe,dados

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os recursos de poder à sua disposição, não seria de esperar que adiassemmuitoessemomento.Enãoadiaram.

A atual “Grande Transformação Parte 2” (tomando de empréstimo amemorávelexpressãodeKarlPolanyi),aemergênciadalouvadaebem-vinda“economia da experiência”, baseada na totalidade dos recursos dapersonalidadedosindivíduos,comtodasassuasidiossincrasias,assinalaquechegouessemomentode“emancipaçãodosgerentesemrelaçãoaofardodogerenciamento”.UsandotermosdeJamesBurnham,seriapossíveldescrevê-lacomo“RevoluçãoGerencialParte2”,embora,comoocorrenasrevoluções,nãohouvessegrandesmudançasnoqueserefereaosdetentoresdasposiçõesdepoder.

Oqueocorreu–oqueestáocorrendo–émaisumgolpedeEstadoqueumarevolução:umaproclamaçãoapartirdotopo,dizendoqueovelhojogofoiabandonadoenovasregrasestãoemvigência.Pessoasquecomeçaramarevolução e ficaram com ela até o triunfo permaneceram na direção – e seestabeleceram em seus cargos de modo ainda mais seguro que antes. Arevoluçãofoideflagradaeconduzidaparaaumentarseupoder,ampliaraindamais seu controle e imunizar sua dominação contra o ressentimento e arebelião que a forma por eles assumida provocava no passado, antes darevolução. Desde a segunda revolução gerencial, o poder dos gerentes temsidoreforçadoequasesetornouinvulnerável,oqueseobteveeliminando-seamaioriadascondiçõesrestritivaseinconvenientes.

Duranteessasegundarevolução,osgerentesbaniramabuscadarotinaeconvidaram as forças da espontaneidade a ocupar as agora vazias salas dossupervisores. Estas se recusaram a exercer a gerência, e, em vez disso,exigiram dos residentes, sob ameaça de despejo, o direito deautogerenciamento. O direito de ampliar seu contrato de arrendamentoresidencial foi submetido a uma competição recorrente; após cada round, omais espirituoso e aquele com melhor desempenho ganhariam o próximotermo de arrendamento, embora isso não fosse garantia (nem mesmoaumentasseaprobabilidade)dequeemergissemilesosdopróximoteste.Nasparedesdasaladebanquetesda“economiadaexperiência”,a lembrançadeque “você é tão bom quanto seu último sucesso” (mas não quanto aopenúltimo)substituiuainscrição“Mene,Tekel,Uprasin”(“Contado,pesado,alocado”). Favorecendo a subjetividade, a jocosidade e a performance, asorganizações da era da “economia da experiência” precisavam e desejavamproibir(edefatoproibiram)oplanejamentodelongoprazoeaacumulaçãodeméritos.Issopodemanterosresidentessempreocupadoseemmovimento–nabuscafrenéticadenovasevidênciasdequecontinuambem-vindos.

O “sinóptico” atende muito bem, obrigado, a essa nova demanda. Se osinóptico substitui o pan-óptico, não há necessidade de construir grandes

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muralhas e erigir torres de vigilância para manter os internos do lado dedentro,aomesmotempocontratandoumnúmeroincalculáveldesupervisorespara garantir que eles sigam a rotina prescrita; com o custo adicional deaplacar o ódio latente e a falta de disposição para cooperar que a rotinamonótona em geral alimenta; assim como de precisar fazer um esforçocontínuo para matar no nascedouro a ameaça de uma rebelião contra aindignidadedaservidão.

Agora,espera-sequeosobjetosdepreocupaçãodisciplinaresdosgerentesseautodisciplinemearquemcomoscustosmateriaisepsíquicosdaproduçãodadisciplina.Espera-sequeelesmesmosergamasmuralhasepermaneçamládentro por vontade própria. A recompensa (ou sua promessa) substitui apunição, e tentação e sedução assumindo as funções antes desempenhadaspela regulação normativa; o sustento e o aguçamento dos desejos tomamolugar do policiamento, caro e gerador de discórdias; portanto, as torres devigilância (tal como toda a estratégia destinada a estimular a condutadesejável e eliminar a indesejável) foram privatizadas, enquanto oprocedimento de emitir permissões para a construção de muralhas foidesregulamentado.Emvezdeanecessidadecaçarsuasvítimas,agoraétarefadosvoluntárioscaçarasoportunidadesdeservidão(oconceitode“servidãovoluntária”cunhadoporÉtiennede laBoétie tevedeesperarquatroséculosatésetransformarnoobjetivocomumdapráticagerencial).Apropósito,seráquevocênotouque,acadarodadade“cortedegastos”dasgrandesempresas,a“gerênciaintermediária”(ouseja,osantigossupervisoresdosfuncionáriosdoescalãomaisbaixo)éaprimeiraasofrercortes?

Evidentemente,omecanismoparaamontagemdeminipanópticosdotipo“façavocêmesmo”,móveisportáteisepessoais,éfornecidocomercialmente.Ospotenciaisinternoséquetêmaresponsabilidadedeescolhereadquiriromecanismo,montá-loecolocá-loparafuncionar.Emboraomonitoramento,averificaçãoeoprocessamentodavolátildistribuiçãodeiniciativassinópticasindividuaismaisumavezexijamprofissionais,sãoos“usuários”dosserviçosdo Google ou do Facebook que produzem a “base de dados” – a matéria-primaqueosprofissionaistransformamnas“categorias-alvo”decompradorespotenciais, na terminologia de Gandy – mediante suas ações difusas, emaparênciaautônomas,emborasinopticamentepré-coordenadas.

Para evitar confusão, portanto, prefiro abster-me de usar o termo “pan-óptico”nessecontexto.Osprofissionaisemquestãopodemsertudomenososvigilantesdeestiloantigo,zelandopelamonotoniadarotinaobrigatória;sãoantes rastreadores ou perseguidores obsessivos dos padrões intensamentemutáveisdosdesejosedacondutainspiradaporessesdesejosvoláteis.São,por assimdizer, o “ramo final”do sinóptico já emoperação, nãoplanejadonem construído por eles. Ou talvez esses engenheiros empregados no

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“processamento de bases de dados” se situem em algum lugar entre osinópticoeoban-óptico,àmedidaqueosprodutosdeseutrabalhoconstituemacondiçãonecessáriaparaoempregoproveitosodastécnicasban-ópticasemmarketing.

Assim é e deve ser, considerando-se que um marketing eficaz exige oconhecimento das clientelas inadequadas para funcionar como alvo, damesma forma que precisa identificar os “alvos” mais promissores de seusesforçoscomerciais.Ummarketingeficazprecisa tantodosinópticoquantodo ban-óptico. Os “engenheiros de processamento de dados” fornecem ocanaldecomunicaçãoqueligaumaooutro.

Umbomexemplo,naverdadeumexemploarquetípicodainterfaceentreesses dois tipos de técnica de vigilância institucionalizada é o softwaredesenvolvidoparausoemcorporaçõesqueprecisamprocessaraschamadasrecebidas.Essesoftwarepermitequeaquelesque fazemaschamadassejamclassificados e separados para tratamento diferenciado – de acordo com apromessa que representam (ou não) de aumentar os lucros da empresa. Ospromissores não são obrigados a aguardar na linha,mas são imediatamenteencaminhadosaoperadoresseniorescapacitadosparatomardecisõesnahora.Já os outros, os sem futuro, são submetidos a uma espera interminável,alimentados com mensagens tediosamente repetitivas, intercaladas pormúsicas reproduzidasad nauseam, juntamente com a promessa gravada deseremencaminhadosaoprimeirooperadordisponível.Seointrusosobreviverao tratamento e ao escárnionele implícito, por fimentrará emcontato comum operador de nível mais baixo, sem poder para resolver o problema(normalmenteumaqueixa)quedeuorigemàchamada.

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Ausência,distanciamentoeautomação

DAVID LYON: Uma das coisas mais surpreendentes propiciadas peloassombroso desenvolvimento tecnológico do século XX é a capacidadesuperampliada de agir a distância. Até nossa conversa é possibilitada pormeioseletrônicos.Não temosdeesperarpelaoportunidadedeumaviagemintercontinental, ou mesmo pelos dez dias que uma carta levaria paraatravessar o Atlântico, a fim de empreendermos um debate como este.Simplesmenteescrevemosnossasmensagenseaslançamossemesforçonoespaço,esperamosalgumashorasoudias,earespostaderepenteaparecenacaixadeentrada.Claro,comooconheço,possoouvirsuavozemminhacabeçaenquanto leio o próximoparágrafo, e comoconheçoa sala emqueestáescrevendo,eestoucientedasoutrasresponsabilidadesqueoassomamnesse momento, posso imaginá-lo trabalhando ao voltar para o espaço denossodiálogo.Masquesignificaessefazercoisasadistâncianocontextodavigilâncialíquida?

Antesfalamossobreosdrones,essaslibélulasmecânicasqueobservameespreitamoqueoutrosolhosnãoconseguemver(semesquecerseusprimosmaiores emaismortais, cuja tarefa ématar, demaneira limpa, em lugaresonde as Forças Armadas não podem ir, ou melhor, preferem não ir). Vocêfalou da “confortável invisibilidade” desses olhos nos céus e da isenção deresponsabilidade de seus senhores, que os programam para voar segundoseus próprios itinerários e para determinar a duração de seus registros deimagem. E você nos lembrou do efeito indireto do fato de esses países eEstadosusuáriosdetal tipodetecnologiaadistânciatambémseafastarem,portanto,deconflitos,crimesoucrisesquesupostamentedeveriamdetectarouimpedir.

NosanosemquevocêseestabeleceuemLeeds,eueraumalunodepós-graduação enfrentando as terríveis questões surgidas pelo meu mergulho,durantemeubacharelado,nosmundosdahistória,das ideiaseda literaturamodernasnaEuropa.AchoqueaminhamaiorperplexidadediziarespeitoaoHolocausto,echegamosavisitarumasériedelocais–Dachau,Ravensbruck,Mauthausen, Auschwitz – para ver os trilhos daquela ferrovia fatídica e osprédiosbem-ordenados,cujopropósitocalculadoeraaexploraçãodotrabalhoforçado, a experimentação com seres humanos e o extermínio. Embora eufosseumávidoleitordesuaobradesdeofimdadécadade1970,devodizerque, quando foi lançado, em 1989, achei Modernidade e Holocaustopeculiarmenteprofundoecomovente.Foiumdivisordeáguas.

Comecei a suspeitar de que esses temas assustadores não falavam

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apenasàburocraciamoderna,mas tambémà la technique, no sentido queJacques Ellul atribui a esse termo, e a várias tecnologias e sistemastecnológicos específicos que eram aspectos desafiadores da então recente“revolução da informação”. Pude discernir, do que você disse, algumasconsequências para as novas práticas organizacionais tecnologicamentereforçadas e, afinal, para uma vigilância mais ubíqua. A organizaçãometiculosa,acuidadosaseparaçãoentreooficial ea “vítima”eaeficiênciamecânicadaoperação–destacadano“Prefácio”dolivro–agorasedevotam,na verdade, não à violência física,mas à classificação das populações emcategoriaspara tratamentodiferenciado.Opadrãoé semelhante, aindaqueos efeitos – ser escolhido para certo tipo de morte ou para portar certadesvantagem social – estejam longe de ser comparáveis. Num contextoadiaforizado, contudo, o padrão ou processo, valorizado por sua eficiência,pode ter feitosque incluemdesde ser relegadoeconomicamenteàperiferiaatéarendiçãoextraordináriaaumpodernocivo.

Demodo que começo esta parte de nossa conversa com uma perguntamais geral a respeito da elaboração e do aperfeiçoamento dos tipos deracionalidade burocrática visíveis naquelas fábricas da morte e naquelescampos de trabalhos forçados da década de 1930 nos padrõesorganizacionais e nas práticas de vigilância atuais. Isso não significa,absolutamente, formas macabras, alarmistas ou anacrônicas. E, comosempre, relatos detalhados, e não apenas afirmações abstratas, são vitaispara uma análise completa. Quero chegar aos motivos subjacentes, àsconfigurações permanentes da imaginação e da realização, vistas emespecial nos conceitos – ou melhor, nas práticas – de distanciamento,ausência, automação. A seu ver, até que ponto essas conexões sãoconstrutivaseesclarecedoras?

ZYGMUNT BAUMAN: Presumo, embora não possa provar (tal como, creio eu,ninguém pode), que, no curso dos milênios transcorridos desde que EvaconseguiuseduzirAdãoaprovardofrutodaárvoredaciênciadobemedomal,ascapacidadesepropensõesdoserhumanoafazerobem,assimcomosuas inclinaçõesehabilidadespara fazeromal,permanecerambasicamenteinalteradas;oquevariou foramasoportunidadese/oupressõespara fazerobemouomal–emparalelocomosambientesdeconvivênciaeospadrõesdeinteração humanos.O que parece e tende a ser descrito como exemplos dedescarga e liberação dos instintos humanosmaléficos, ou, ao contrário, suasupressão,asfixiaeseusilenciamento,éagoramaisbemcompreendidocomoprodutodeuma“manipulaçãodeprobabilidades”social–e,comoregra,comajudamecânica(aumentandoaprobabilidadedecertostiposdecondutaeaomesmotemporeduzindoadeoutras).

Amanipulação(rearranjo,redistribuição)deprobabilidadeséosignificadoúltimo de toda “construção da ordem” e, de modo mais geral, de toda“estruturação”deumcampoamorfodeocorrênciasaleatórias(“caóticas”);e

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osmodelosde“ordem”predominantes,assimcomoospadrõespreferidosde“estrutura”,mudamcomahistória–embora,contrariamenteaoqueimplicaavisão comum de “progresso”, de forma pendular, jamais uniforme ecoordenada.

Os demônios que assombraram e atormentaram o século XX foramgestadosnocursodosesforçosresolutosdeconcluiratarefapretendidapelaera moderna, desde seus primórdios (a tarefa cuja assunção definiu essesprimórdios, desencadeando o modo de vida “moderno”, o que, em suma,significaumestadode“modernização”compulsiva,obsessivaeviciante).Atarefaestabelecidaparacadaáreaou fase sucessivadamodernização,aindaquedificilmenteconcluídanoseutodo(seéqueessaconclusãoalgumavezfoipossível),era imporumplanejamento transparenteeadministrávelsobreum caos turbulento e incontrolável: trazer a ordem ao mundo dos sereshumanos, até então irritantemente opaco, imprevisível a ponto dedesconcertar, desobediente e cego aos desejos e objetivos humanos – umaordem total, incontestável e inquestionável. Uma ordem submetida à regrainvencíveldaRazão.

EssaRazão,queteveseuberçona“CasadeSalomão”,daNovaAtlântidadeFrancisBacon,passouseusanosdeaprendizadonopan-ópticodeJeremyBentham; e, no limiar de nossa existência, se estabeleceu em inúmerosprédiosde fábricasassombradospelos fantasmasdas“mediçõesde tempoemovimento” de Frederick Winslow Taylor, pelo espectro da “correia detransporte” deHenry Ford e pela quimera da ideia de Le Corbusier do larcomouma“máquinadeviver”.

A Razão assumiu que a variedade e as divergências das intenções epreferênciashumanaseramapenasperturbaçõestemporáriasquetenderiamaseafastardocaminhodoempreendimentodeconstruçãodaordemmedianteamanipulação habilidosa de probabilidades comportamentais, por meio doarranjo apropriado de ambientes externos, e tornando impotentes eirrelevantesquaisquercaracterísticasresistentesatalmanipulação.AvisãodeJeremyBentham,nofimdoséculoXVIII,deumavigilânciauniversalacabouelevada por Michel Foucault e seus incontáveis discípulos e seguidores àcategoriadepadrãouniversaldepoderedominação–e,emúltimainstância,detodaordemsocial.

Essetipodeordemsignificavaaausênciadetudoquefosse“redundante”– inútil ou indesejável, em outras palavras –, de tudo que causasseinfelicidadeou fosseconfusoe/oudesconfortável,poiseraumobstáculonocaminhoquelevavaaoplenoetranquilocontrolesobreacondiçãohumana.Significava,emsuma,tornarobrigatórioopermissíveleeliminartodooresto.A convicção de que essa proeza é plausível, factível, estando à vista e aoalcance dos seres humanos, assim como o impulso irresistível de agir de

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acordo com essa convicção, foi e continua a ser o atributo definidor damodernidade. Ele teve seu auge no início do século XX. A “era modernaclássica”,brutalmentedesafiadaedespidadesuaautoconfiançapelaeclosãodaSegundaGuerraMundialeporelaconduzidaameioséculodeagonia,foiuma jornada rumo à perfeição: alcançar um estado em que as pressões nosentido de aperfeiçoar as coisas chegariam ao fim, já que qualquer outrainterferêncianoformatodomundodossereshumanossópoderiapiorá-las.

Pelasmesmasrazões,aeramodernafoitambémumaeradedestruição.Abuscadaperfeiçãoexigiaerradicar,eliminarelivrar-sedeinumeráveissereshumanos que não se adequavam num esquema perfeito de coisas. Adestruiçãoeraaprópriasubstânciadacriação:destruirasimperfeiçõeseracondição – tanto suficiente quanto necessária – para se preparar o caminhoquelevavaàperfeição.Ahistóriadamodernidade,eparticularmentedeseudesenredonoséculoXX,foiacrônicadadestruiçãocriativa.Asatrocidadesqueassinalamocursodesse“séculocurto”(comoochamouEricHobsbawm,fixando seu verdadeiro início em 1914 e seu verdadeiro fim em 1989)nasceramdosonhodelimpeza,pureza,claridadeetransparênciadaperfeiçãofinal.

As tentativasde concretizar esse sonho foramnumerosasdemaispara asrelacionarmosaqui.Masduasdelassedestacamdoresto,pelasuaescaladeambição sem precedentes e sua estranha obstinação. Ambas merecem serincluídasentreasversõesmaiscompletasefascinantesdosonhodo“regimefinal”,umtipoderegimequenãoprecisadereformasnempermitequeelasocorram. Foi em relação aos padrões por elas estabelecidos que todas asoutras tentativas,genuínasouputativas, realizadas,pretendidasousupostas,vieramaseravaliadas–eésuaimperturbáveleinflexíveleficáciaqueaindaespreitaemnossamemóriacoletivacomooprotótipode todososexemplossubsequentes que seguiram esse padrão, não importa quão francos oudisfarçados,determinadosouindiferentes.Asduastentativasemquestãosão,evidentemente, os esforços dos nazistas e dos comunistas para erradicar deuma vez por todas, no atacado e de um só golpe, qualquer elemento ouaspecto da condição humana considerado irregular, opaco, aleatório eresistenteaocontrole.

Exercícios de inspiração nazista foram realizados no próprio coração dacivilização, da ciência e da arte europeias – em terras que se orgulham deterem chegado perto de realizar o sonho da “Casa de Salomão” de FrancisBacon:ummundosobodomínioindivisoeincontestedarazão,elamesmaoservidormaislealdosprincipaisinteressesdossereshumanos,assimcomodeseu conforto e de sua felicidade.A ideia de colocar ordem nomundo pelaextirpaçãoeaqueimadesuasimpurezas,assimcomoaconvicçãodequeissoerafactível(desdequepoderevontadesemostrassemadequadosàtarefa),foi

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incubadanamentedeHitlerquandoelevagavapelasruasdeViena,entãoaverdadeiracapitaldaciênciaedasartesnaEuropa.

Maisoumenosnamesmaépoca,nolimendamodernidadeeuropeia,ideiaanálogaeragestadanamentedepessoasqueolhavamcomreverência,comummistode respeito ede inveja, paraooutro ladodapermeável fronteira,atemorizadospeloqueviam:aideiacomunistadeperseguir,emparelhar-seealcançar a civilizaçãomoderna na pista de corrida que leva à perfeição. Ahumilhante consciência de ter ficado para trás nessa disputa estimulava aurgência,encorajavaarapidezesugeriaaestratégiadecortarcaminho; issoimplicavaanecessidadedecondensarnoperíododevidadeumasógeraçãooque do outro lado da linha de fronteira teria levado um longo tempo pararealizar.Ehavia,claro,umaltopreçoapagaremtermosdasdoresdageraçãoescolhidaparanosconduziraessemundolivredesofrimentos.

Nenhum sacrifício era considerado excessivo quando comparado aosencantos e à nobreza do destino. E nenhuma parte da realidade existentepoderia exigir imunidade ou salvo-conduto em função de seus méritos dopassado,muitomenosporsuamerapresençanomundo.Obilhetedeingressono universo da perfeição tinha de ser ganho de outra maneira. E,evidentemente, nem todos tinham direito de entrar na fila. Como qualqueroutro modelo de admirável mundo novo, o modelo comunista não estariacompleto sem um inventário de pessoas desqualificadas cujo ingresso erarecusado.

Tendoexaminadocuidadosamenteosarquivosdasunidadesdepesquisaedosescritóriosdeadministraçãonazistas,GötzAlyeSusanneHeiminsistemem afirmar que a “política de modernização” e a “política de destruição”estavam intimamente conectadas às políticas nazistas voltadas pararedesenhar o mapa político, étnico e social da Europa. Os governantesnazistas estavamdeterminados a impor naEuropa, depois de sua conquistamilitar, “novas estruturas políticas, econômicas e sociais, do modo maisrápido possível”.1 Essa intenção evidentemente significava que não sepermitia considerar acidentes históricos como a localização geográfica degrupos étnicos e a resultante distribuição de recursos naturais e forças detrabalho;afinal,aessênciadopoderéacapacidadedeignoraressescaprichosdodestino.Nummundoconstruídoparaaordem,demaneirapré-planejadaepré-programada, racional, não haverá lugar para muitos vestígios de umpassado fortuito que poderia ser inadequado ou simplesmente prejudicial àrecém-instalada ordem de coisas. Talvez fosse preciso deportar algumaspopulações para outros lugares onde suas capacidades fossem mais bemempregadaseaproveitadasparaoutrosfins.

Pelasuanaturezaextrema,seuradicalismodesinibidoeincontrolado,suadecisãoderemover todososobstáculos,oscamposdeconcentração,Gulag,

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Auschwitz e Kolyma – e, tomados em conjunto, os episódios nazista ecomunistadahistóriamodernacomqueestãoassociados–sãovistos,emborade maneira equivocada, como rebeliões contra os preceitos essenciais da“civilizaçãomoderna”,enãocomofenômenoscondizentescomela.Emlugardisso,eleslevaramàsúltimasconsequênciasalógicadapaixãomodernapelaconstruçãodaordem–quedeoutromodonãoconseguiriaatingirtodooseupotencial nemadquirir umvolumedepoder e umgraude domínio sobre anaturezaeahistóriaequivalentesaossonhoseambiçõesdoespíritomoderno.Massóconseguiramoqueoutrostambémdesejavam,emborafossemtímidosdemais(oufracosoupoucoresolutos)pararealizar.

Eéoquecontinuamosafazer,emboranumaversãomenosespetaculare,portanto, menos repulsiva, mais diluída e atenuada, seguindo, como vocêcorretamenteapontou,opreceitode“ausência,distanciamentoeautomação”.Nós o fazemos agora, em outras palavras, de forma high-tech, tendotranscendido, rejeitado e abandonado os métodos primitivos da indústriacaseira, que usavama pregaçãomoral para forçar as pessoas a fazer coisasque prefeririam não fazer, usando olhos humanos, fracos e não confiáveis,para a vigilância; a lavagem cerebral para obter disciplina; a polícia paragarantirqueadisciplinasemantivesse.Alémdaeliminaçãodeindivíduosecategorias imperfeitos (unwerte), quando economistas, agrônomos eplanejadoresdeespaçospúblicossentiram-seobrigadosa“sanearaestruturasocial” das terras conquistadas. A qualidade racial dos seres humanos,segundo a engenharia social nazista, só poderia ser aperfeiçoada pelaaniquilaçãoouaomenospelacastraçãodaunwertesLeben(“vidainútil”).2

DL:Sim,amodernidade,aoqueparece,estádevendomuitasrespostas.Ou,emvezdisso,deveríamosdizerqueamodernidaderevelaalgumasdesuasfaces profundamente desagradáveis em seu relato de como as ambiçõestécnicaspodemsilenciaravozdaconsciênciaedacompaixão?Talvezaindamaisassustador,contudo,sejaofatodeque,adespeitodoqueseescreveuno pós-guerra sobre o Holocausto, tão pouco tenha se aprendido. Aexecraçãoeacondenação legítimasderegimesespecíficosparecemquasesuperficiais se comparadas ao presente impulso de destacar da técnica oslimites apropriados. A idolatria que nos atrai para essa lógica e nos cegaquanto a seus limites torna esses efeitos de distanciamento ainda maisdifusoseperniciososna“eradainformação”.

ZB: Hans Jonas, um dos maiores filósofos éticos do século XX, foipossivelmenteoprimeiroachamarnossaatenção,ecomumafranquezaquenãodeixounadaàimaginação,paraasconsequênciasrepulsivasdamodernavitória da tecnologia sobre a ética.Agoradispomosda tecnologia (observe,eledisseissobemantesquenascessemasideias,quediráastecnologias,demísseis inteligentes ou drones), com a qual podemos agir a distâncias tão

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enormes (no espaço e no tempo) que não podem ser abarcadas por nossaimaginação ética, ainda confinada, como o tem sido por séculos, ao curtoespaçodoqueestá“àvista”e“aoalcance”.EEllul,quevocêadequadamentelembrou,lançouumasombrasobreaexpectativadesechegaraconstruirumapontesobreoespaçocadavezmaisamploqueseparaa tecnologiadaética,observandoqueacapacidade“instrumental”denossaracionalidadetemsidoinvertida desde a época deMaxWeber: ela não nos levamais a ajustar osmeios aos fins, mas permite que nossos meios sejam determinados peladisponibilidadedosfins.

Nãomais desenvolvemos técnicas “a fim de” fazer o que queremos queseja feito, mas escolhemos coisas para fazer simplesmente porque atecnologia para isso foi desenvolvida (oumelhor, foi encontrada por acaso,acidentalmente, “por sorte”). Quanto maior a distância ao longo da qual atecnologianospermitefazerascoisasapareceremoudesaparecerem,menorachancedequeasnovasoportunidadespossibilitadaspela tecnologia fiquemsubaproveitadas – para não dizer não empregadas, porque seus resultadospotenciais ou efeitos colaterais podem chocar-se com outras considerações(moraisinclusive)irrelevantesparaatarefaemquestão.Emoutraspalavras,oefeitomaisseminaldoprogressonatecnologiade“ausência,distanciamentoeautomação”éa libertaçãoprogressivae talvez incontroláveldenossosatosemrelaçãoaoslimitesmorais.Quandooprincípiodo“podemosfazer,entãofaçamos” governa nossas escolhas, alcançamos um ponto em que aresponsabilidademoral pelos feitos humanos e seus efeitos desumanos nãopodesernemoficialmentepostuladanemexercidadefato.

Durante a última guerra mundial, George Orwell ponderou: “Enquantoescrevo, seres humanos altamente civilizados estão voando sobre mim,tentando me matar. Eles não têm inimizade em relação a mim comoindivíduo,nemeuemrelaçãoaeles.Estãoapenas‘fazendooseutrabalho’,como se diz.” Alguns anos depois, examinando o enorme cemitério emcamadas chamado Europa em busca do tipo de ser humano que conseguiufazer aquilo com outros de sua espécie, Hannah Arendt revelou o hábito“flutuante” da responsabilidade no interior do corpo burocrático; às suasconsequências ela deu o nome de “responsabilidade de ninguém”.Mais demeio século depois, poderíamos dizer o mesmo do atual estado da arte dematar.

Continuidade,então?Sim,temoscontinuidade,embora,porconstânciaaoshábitos dessa condição, na companhia de algumas descontinuidades… Aprincipalnovidadeéaobliteraçãodasdiferençasdestatusentremeiosefins.Ou melhor, a guerra de independência que terminou com a vitória dosmachadossobreoscarrascos.Agorasãoosmachadosqueescolhemosfins:ascabeçasadecepar.Oscarrascospodemfazermuitopoucoparaimpedi-los

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(ouseja,mudarasmentesqueelesnãotêmourecorrerasentimentosquenãopossuem)alémdoquepodiaolendárioaprendizdefeiticeiro.(Essaalegorianão é de modo algum fantasiosa; como escreveram Thom Shanker,correspondente no Pentágono, e Matt Richtel, correspondente na área datecnologia, noNew York Times de hoje: “Assim como têm promovido hámuitotempooavançotecnológico,osmilitaresagoraestãonalinhadefrenteimaginandocomoossereshumanospodemlidarcomatecnologiasemseremsobrepujados por ela.” E da forma como o neurocientistaArtKramer vê asituação: “Há uma sobrecarga de informação em todos os níveis da áreamilitar,dogeneralaosoldado.”3TodosnoExército,“dogeneralaosoldado”,foram rebaixados do gabinete do feiticeiro para a posição inferior de seuaprendiz.)

Desde11desetembrode2001,aquantidadede“informações”acumuladapela tecnologia de ponta à disposição do Exército americano aumentou1.600%.Não que os carrascos tenham perdido suas consciências nem sidoimunizadoscontraosescrúpulosmorais;simplesmentenãopodemdarcontadovolumedeinformaçõescoletadopelosdispositivosquecontrolam.Estes,naverdade,podemfuncionar igualmentebem(oumal)comousemaajudadeles, obrigado.Chute os carrascos para longe de suas telas, e dificilmentevocêvainotarsuaausênciaseobservaradistribuiçãodosresultados.

No início do século XXI, a tecnologia militar conseguira fazer aresponsabilidade flutuar, e portanto “despersonalizá-la” num grauinimaginável no tempo de Orwell ou Hannah Arendt. Mísseis ou drones(aeronaves não tripuladas) “espertos”, “inteligentes”, assumiram o processode tomadadedecisãoea seleçãodosalvos,confiscados tantodossoldadosrasos quanto dos membros dos mais altos escalões na máquinamilitar. Eusugeriria que os desenvolvimentos tecnológicos mais fundamentais dosúltimos anos não foram pesquisados e introduzidos para aumentar o podermortíferodosarmamentos,masnaáreada“adiaforização”damatançamilitar(ouseja,suaexclusãodacategoriadeaçõessujeitasàavaliaçãomoral).ComoGünther Anders advertiu depois de Nagasaki, mas muito antes de Vietnã,Afeganistão ou Iraque, “não é possível ranger os dentes ao pressionar umbotão.…Uma tecla é uma tecla”. Se a tecla for pressionada, ela liga umamáquina de fazer sorvete na cozinha, alimenta uma rede de eletricidade oulibera os cavaleiros do Apocalipse, não faz diferença. “O gesto inicial doApocalipsenão seriadiferentedenenhumoutrogesto– e seria feito, comoqualquer outro gesto semelhante, por um operador também guiado eaborrecido pela rotina.”4 “Se algo simboliza a natureza satânica de nossacondição, é precisamente a inocência do gesto”, conclui Anders, com airrelevânciadeesforço físicoedepensamentonecessáriosparadesencadearumcataclismo–qualquerum,incluindoo“globocídio”.

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Novoéodrone, adequadamente chamado de “predador”, que assumiu atarefadecoletareprocessarinformações.Oequipamentoeletrônicododronedestaca-se na execução de sua tarefa. Mas que tarefa? Tal como a funçãomanifesta do machado é permitir que o carrasco execute o condenado, afunçãomanifesta dodrone é habilitar seu operador a localizar o objeto daexecução.Masodronequesedestacanessafunçãoe inundaooperadordefluxos de informação que este é incapaz de digerir (muitomenos processarpronta e rapidamente) “em tempo real” pode estar desempenhando outrafunção, latente e não declarada: isentar o operador da culpa moral que oassaltariacasofosseincumbidodeselecionaroscondenadosaexecutar;e,oqueéaindamaisimportante,eledeixaooperadorsegurodeque,seocorrerum erro, ele não será acusado dessa imoralidade. Se “pessoas inocentes”foremmortas,seráumproblematécnico,nãoumpecadooufalhamoral–e,ajulgarpeloscódigos,nãoseráumcrime.

Como dizem Shanker e Richtel, “sensores baseados em drones deramorigema umanova classe de guerreiros com fios, encarregados de filtrar ooceanodeinformações.Àsvezes,porém,elesseafogam”.Masacapacidadede afogar as faculdades mentais (e, portanto, indiretamente, morais) dooperador não está incluída no projeto do drone? Quando, em fevereiro de2011,23afegãosconvidadosparaumacerimôniadecasamentoforammortos,os operadores responsáveis por apertar os botões puderam pôr a culpa nastelastransformadasem“atraçõesirresistíveis”:eleshaviamseperdidosódeficar com os olhos grudados nelas. Havia crianças entre as vítimas dasbombas, mas os operadores “não se concentraram nelas, em meio a umturbilhãodedados”–“comoumviciadoeminternetqueperdeapistadeume-mail importante diante de uma pilha crescente.” Bem, ninguém acusariaesseviciadodefalhamoral…

Desencadear um cataclismo (incluindo, como insiste Anders, um“globocídio”)agorasetornouaindamaisfácileplausíveldoquequandoeleescreveu suas advertências.Ao “operário enfadado com a rotina” se juntouseu colega e provável substituto e sucessor – o sujeito com os olhos fixosnuma“atraçãoirresistível”,amenteafundadanum“turbilhãodedados”.

DL: Concordo substancialmente com você, Zygmunt. Há importantescontinuidades que se deve ter em mente (com algumas descontinuidades,amplificaçõese reduções)nomundodoquesepoderiachamarde “ação inabsentia”. Entretanto, embora seus exemplos sejam deprimentes, gostariaque refletíssemos um poucomais sobre as continuidades nãomilitares, asquenãoenvolvemdiretamenteoassassinato.Algunscontextosdevigilânciade fato produzem a morte como resultado esperado ou possível, mas agrandemaioria,não.Noentanto,aadiaforizaçãoaquevocêsereferepodemuitobemserevidente,emboraocaráterdaresponsabilidademoralperdida

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talvezdifiramuito.Permita-me retomar alguns de seus comentários acerca da vigilância,

desta vez no contexto da globalização. Alguém poderia querer apresentarcríticas ou objeções às distinções que você faz entre “globais e locais” ou“turistas e vagabundos”, mas o que você defendeu em Globalização,originalmentepublicadoem1998,aindasesustenta:abasededadoséumaformaimportantedepeneirarousepararoquesequerdoquenãosequer,osmigrantes desejáveis dos indesejáveis. Essas bases de dados possibilitam“fazercoisasadistância”(oua“açãoinabsentia”),mormentenoscasosquevocêacaboudecomentarcomtantaperspicácia.Deformacorrelata,emmeutrabalho, tenhochamadoatençãoparao fatodeque,quandopensamosempopulaçõesmigrantes,asfronteirasestãoemtodaparte.5

Digoissoporváriosmotivos,masdoisdelessedestacam.Deumlado,afronteiracomolinhageográficafazmenossentidoaindadoquefaziaquandofoi concebida como uma espécie de expressão física da prática domapeamento.Emboraaparafernáliadospostosdecontroleoudosescritóriosalfandegáriosede imigraçãopossaestarnaspassagensde fronteira,ousodebasesdedados remotasede redesde telecomunicação significaqueaverificação fundamental – e capaz de gerar consequências – ocorreextraterritorialmente, ou pelo menos em múltiplos locais cujo endereçoverdadeiroéimaterial(quasequeemambosossentidos!).

Masoutrosignificadodofatodeafronteiraestaremtodaparteéquenãoimportanemondeomigrante “indesejável”esteja.Vocêpodeserdetidoemqualquer lugar. (Naverdade,acompanheiumcasoocorridonoReinoUnidoesta semana, em que agentes da imigração estavam verificando adocumentaçãodepessoasnasredesdetransportepúblico,emestaçõesdeônibus,numainterpretaçãoumtantoelásticadasregrasquesupostamenteosorientam.)6

Oqueestouinsinuandoéqueonegóciodefazercoisasadistânciasobreoqual Jonas, Levinas e outros escreveram agora se ampliou enormemente.Essa capacidade de ação remota possibilitada pelas infraestruturas deinformação e pelo software de categorização está de fato envolvida nastomadas de decisão militares, mas também é característica de todas asformas de tomada de decisão que possam ter consequências importantesparaaschanceseoportunidadesdevidademuitaspopulações.Poderíamosintroduzir a crítica da adiaforização também nesses contextos? Buscar asoluçãodessasquestõesparece-lheumaestratégiaválida?

ZB:Todoequalquertipoeexemplodevigilânciaserveaomesmopropósito:identificarosalvos,localizá-lose/ouconcentrar-seneles–todadiferenciaçãofuncionalcomeçanessabasecomum.

Evidentemente você está certo quando observa que se concentrar na“ordemparamatar”estreitaonosso tópico,emboraeusuponha(esuspeite)queotrabalhodepesquisaedesenvolvimentorelacionadoaosmilitaresepor

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elesfinanciadotendoemmentea“execuçãoadistância”constituiaunidadeavançadadoexércitodevigilância, fornecendoamaiorpartedas inovaçõestecnológicas depois adaptadas às necessidades de outras variedades, as de“segurança” paramilitar – e também a usos claramente comerciais e demarketing.Sugiro,ainda,queasaplicaçõesmilitarespioneirasestabeleceramos padrões técnicos dos conteúdos da caixa de ferramentas da vigilância,assimcomoo arcabouço cognitivo epragmáticopara seudesenvolvimento.Creio também que isso é mais verdadeiro na era do ban-óptico que emqualqueroutra.

Sim,vocêestácertooutravez–osinstrumentosdevigilânciainstaladosnaentrada de lojas ou condomínios fechados não estão equipados com um“braço executivo” planejado para aniquilar os alvos identificados eselecionados. Mas seu propósito, de qualquer forma, é a inabilitação e aremoção dos alvos para “além dos limites”. O mesmo se poderia dizer davigilância usada para identificar, entre aspirantes a clientes, os indignos decrédito; oudas ferramentas devigilância utilizadaspara, entre asmultidõesqueinundamossupermercados,separarosociosossemdinheirodosclientespromissores.Nenhumadasduasvariedadesdevigilânciacontemporâneatemopropósitodecausaramortefísica;noentanto,visamaumtipodemorte(amortedetudoaquiloqueimporta).Nãoumfalecimentocorpóreoe,acimadetudo, não algo finito, mas (em princípio) revogável: uma morte social,deixando em aberto, por assim dizer, a chance de uma ressurreição(reabilitação, restauraçãodedireitos) social.Aexclusão social, razãode serdo ban-óptico, é em sua essência análoga a um veredicto de morte social,ainda que na grandemaioria dos casos a sentença implique uma ordem deadiamentodaexecução.

Evocêtambémacertanoalvoquandoobservaqueacapacidadeoferecidapelatecnologiadevigilânciaadistância(emoutraspalavras,ofatodetornaroâmbitodasegurançaplenae totalmenteextraterritorial, livredos limiteserestrições impostos pela distância geográfica) é empregada com zeloexcepcional no controle da migração, um processo eminentemente global.Concordocomcadapalavradesuaanálise.

OsEstadosUnidos fizeramseusagentesde imigraçãosaíremdospontosde aterrissagem dos voos que chegavam para os pontos de embarque.Masessapareceumasoluçãoprimitiva,dotipoindústriadoméstica,secomparadacomosmétodos,emrápidadifusão,dosgovernosdospaísesricos,destinosem potencial dos migrantes, para “cortar a ameaça no nascedouro”:redirecionar o equipamento de segurança para os pontos de partida damigração, em lugar de seus destinos presumidos e temidos; identificar,prender e imobilizar os suspeitos bem longe das próprias fronteiras, echantagear ou subornar países exportadores demão de obra para que estes

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aceitemopapeldedelegaciasdepolíciaenvolvidasna(leia-se:responsáveispela)tarefade“prevençãodocrime”ou“encarceramentoeincapacitaçãodesuspeitos”.

Podemos dizer que o que está envolvido aqui não é tanto despir avigilância física de sua importância e superar seu potencial de resistir eobstruirquantomanipularasdistâncias.Adistânciaentreopontodepartidaeo ponto de chegada dos migrantes é estendida além de seu “âmbitoespecífico”(osmigrantessãocolocadosnacategoriade“suspeitosde teremcometidocrimes”muitolongedolugaremquealeirealmentepossatersidoinfringida;esãoreclassificadoscomoinfratores),enquantoadistânciafísicaqueseparaastorresdevigilânciadeseusobjetosédrasticamentereduzidaazeropormeiodasferramentaseletrônicasda“comunicaçãoemtemporeal”.

Um ganho colateral dos vigias – um bônus cuja atração não deve sersubestimada, uma tentação difícil de resistir – é a chance de “encobrir” ou“limpar” os efeitos odiosos e condenáveis dessa manipulação, com seupotencial provocador de retaliação: o distanciamento contrafactual,geográficoejurídicodoslocaisemquesefazo“trabalhosujo”daexecução,inevitavelmentenocivo,emrelaçãoaosescritóriosquecoletaminformaçõesedeondeemanamasordens.Emoutraspalavras,invocandoHannahArendt,a“flutuação” da responsabilidade. Trata-se de um expediente utilizado, comefeitos assombrosos, pelos perpetradores do Holocausto muito antes doadvento da sofisticada tecnologia de vigilância atual, mas que esta tornoumuitomaislimpo,suave,hábilelivredeproblemas(paraquemdáasordens).E,comojásabemos, fazer flutuara responsabilidadeéumdosdifundidoseeficazesestratagemasdaadiaforização–dadesativaçãodaresistênciamoralàperpetração de atos imorais e do uso exclusivo de critérios de eficiênciainstrumentalnaescolhadasformasdeprocedimento.

DL:Por favor,Zygmunt, podemosesclarecer umacoisa?Quando você falados “efeitos”da tecnologia,àsvezes issosoacomoseeles fossemsemprenegativos,emtodotempoelugar.Asnovastecnologias inseremumacunhaentre os seres humanos e suas responsabilidadesmorais recíprocas talvezsemelhante à introduzida pela burocracia, antes delas. Assim, os dronesajudamamataradistância,damesmaformaqueoutrasmáquinaseletrônicasem geral possibilitam a “ação in absentia”. Realmente parece, segundo osestudos relatados, queapenasumaminoriadosoperadoresdedrones (porexemplo) padece de estresse pós-traumático, ainda que os vídeos que sãoobrigadosaassistircontenhammuitasvezesdetalhespavorosos.7

Minhaperguntaé: precisa serassim?Haveriaalgo inelutável quantoaosefeitosmalignosdamediaçãoeletrônica,ouseráqueasmesmastecnologiastambém facilitam as relações humanas e, ao que se espera, sociais? Apergunta já estava implicitamente presente no modo como iniciei estaconversa,observandoqueseenvolvernumdiálogointercontinentalcomoeste

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sóépossível comas tecnologiasde informaçãoecomunicação,ouaoqueagoratendemosachamardenovamídia.

Nãoestoupropondo,claro,queasnovas tecnologiassejamumaespéciedeferramenta“neutra”,cujadireçãomoraléreveladaapenasnaquilo“paraoqualéusada”.Tododesenvolvimentotecnológicocertamenteéoprodutoderelaçõesculturais,sociaisepolíticas.Tudoquechamamosde“tecnologia”émais propriamente uma característica de relações “tecnossociais” ou“sociotécnicas”. Nesse sentido, todos os dispositivos e sistemas exibemtendências morais; não um comportamento moral em si (em minha visão),mas uma direção moral. Se isso está correto, então, empregadas dedeterminada forma, as tecnologias podem contribuir para efeitos dedistanciamento negativos; mas, de outra, para uma superação pelo menosparcial da distância geográfica.Meu desfrute doSkype com filhos ou netosdistanteséumexemploilustrativodisso.

O teórico damídia Roger Silverstone costumava lamentar o fato de queduascompreensõesdedistânciatendemasefundiremnossasreferênciasàstecnologias: a moral e a geográfica. Ele fala de “distância adequada”,querendo dizer uma distância “evidente, correta e moral ou socialmenteapropriada”,epropõequeessaexpressãosejaaplicadacriticamente.8Qualadistância adequada para os relacionamentos pela internet ou de vigilância?Fornecerosmeiosdesecomunicaradistânciaépromoveraconexão,talvezatéacomunicação,masoespacialeosocialnãodeveriamsersuprimidos.Adistância tambémé uma categoriamoral; e, para superá-la, é necessária aproximidade,nãoatecnologia.Isso,evidentemente,estápróximodoquevocêjádisse,porexemplo,emPostmodernEthics:essaproximidadeéadomíniodaintimidadeedamoral,enquantoadistânciaéoreinodoestranhamentoedalei.

Para você, penso eu, amodernidade recusa o íntimo e omoral, e essarecusa também nos é frequentemente imposta por atividades da lei e doEstado, incluindo,emespecial,acrescentariaeu,avigilância.Proximidadeedistância adequada exigem responsabilidade, o que amiúde é negado pelamodernidade e pela tecnologia.Mas a distância adequada deSilverstone énuançada.Navisãodele,atecnologianãodeterminaascoisas:elarestringe,mastambémpossibilita.Nofluxoenafluidezdosrelacionamentos,umagamademediações tecnológicasediscursivasdesestabilizaadistânciaadequadanecessária para agir eticamente. A distância adequada deve ser produzida.Venhopormuitotempoargumentandoque,emboragrandepartedavigilânciaestejaenvolvidacomquestõesdecontrole–opoderestásempreimplícito–,issonãoexcluiapossibilidadedequehajaformaspelasquaiselapossaestaraserviçodoOutro.Aquestão-chaveaquié:comopodemosnoscomportardeformaresponsávelemrelaçãoaoutrosmediados?

Assim, de volta àminha pergunta, será que as tecnologias de vigilânciapodem ser afinadas pela clave da proteção, ou estariam elasirremediavelmente comprometidas com a inabilitação da moral e com aadiaforização?

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ZB:Podemosimaginaramodernidade(queé,emúltimainstância,umestadode “modernização” compulsiva, obsessiva e viciante, um codinome paratornar as coisas melhores do que são) como uma espada com a pontapermanentemente pressionada contra as realidades existentes. Podemospensar da mesma forma sobre a tecnologia. Como a invenção, odesenvolvimentoeoempregodetécnicasadequadasaessatarefaconstituemuma ferramenta importante, possivelmente a principal da atividade práticamoderna,elapodeservistacomooatributodefinidordamodernidade.Masasespadasemgeral têmdoisgumes.Sãoaplicadascomutilidadepara lidarcom a tarefa que se tem pela frente, mas podem cortar dos dois lados, eespadasemmovimento,porsuanatureza,sãoferramentasperigosas.Alémdeseusobjetivosplanejados,escolhidosporsuasupostaadequaçãoequalidade,elas sãoconhecidaspor ferir edanificar alvosnão intencionais.Aatividadeprática, para ser eficaz, precisa concentrar-se no tema em questão; mas osobjetos da ação em geral são ligados por laços de interdependência cominúmerosoutrosobjetosque,naquelaocasião,ficamforadefoco.

Assim, ao lado dos objetos estabelecidos, as ações têm inevitavelmente“consequências imprevistas”; efeitos colaterais danosos que ninguémdesejava e que certamente ninguém planejou. Ulrich Beck genialmentesugeriuquetodaequalqueraçãoenvolve“riscos”,equeoefeito“positivo”daaçãoeseuefeitocolateral“negativo”têmasmesmascausas,demodoquenãosepodeterumsemooutro.Aoaceitarmosumaação,somosdamesmaformacompelidosaaceitarosriscosaqueelaestáinevitavelmenteassociada.Hápoucotempo,odiscursodos“riscos”passouaserdeslocadoesubstituídopelo discurso dos “danos colaterais” ou “baixas colaterais” – e a ideia de“colateralidade” sugere que os efeitos presumidamente positivos e osreconhecidamente negativos correm em paralelo; por essa razão, cadaaplicação consciente, honesta, de qualquer tecnologia nova abre (aomenosemprincípio)umanovaáreadefatalidadesantesnãovivenciadas.

Tendoinventadoeconstruídoaredeferroviária,nossosancestraistambéminventaramodesastredetrem.Aintroduçãodaviagemaéreaabriuumvastocampo de acidentes antes desconhecidos. A tecnologia atômica/nuclear nostrouxeChernobyleFukushima,oespectrojamaisexorcizadodeumaguerranuclear. A engenharia genética já aumentou radicalmente a quantidade dealimentos disponível, embora nunca tenha deixado de ser uma catástrofeglobal iminente, caso algumas espécies por ela produzidas estabeleçaminteraçõesnãoplanejadasedesencadeiemprocessos indesejadosquefiquemforadecontrole.

Silverstone,concluoeu,faladomesmoatributoinseparáveldo“progressotecnológico”,sóquenessecasoeleéapresentadocomouma“ordeminversa”,por assim dizer. Acho que ele concordaria sinceramente com a crítica das

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aplicações intencionais da vigilância e veria objetivos iníquos como aprincipal razão e o motor do progresso espetacular na tecnologia devigilância; sua “descoberta” é que uma tecnologia voltada para aincapacitação também pode ter algumas utilidades para os que buscam ooposto(comoosmurosusadosparaconstruirguetoseprisõestambémpodemserviraosqueprocuramnichosdesolidariedadeesentimentoscomunitários).

Nãosepodedizerquesejaumadescobertaafirmarqueatecnologiaéumaespada de dois gumes, e que ela pode encontrar aplicações imprevistas eservir a interesses não planejados. Não importa quão numerosos sejam osexemplosdeaplicaçõeslouváveis(aindaqueseguramentenãoplanejadas)dastécnicasdevigilância,permaneceofatodequenãosãoessesusosmeritórioseaprováveisqueestabelecemopadrãoedesenhamo“maparodoviário”dodesenvolvimentodessatecnologia;tampoucosãoelesquedecidemsobreseuvalorsocialeético.

Mesmoqueasnotíciasfavoráveissemultipliquem,aindahá–comoUlrichBeck insiste em nos lembrar – o imperativo do cuidadoso e consciente“cálculo de riscos”. Um cálculo de perdas e ganhos. O que prevalece nabalança, levando-se em consideração todos os impactos, os ganhos ou asperdassociais?Oavançodamoralidadeousuadevastação?Apromoçãodadivisão e separação social ouo reforçoda solidariedadehumana?Ninguémnegaque,àproporçãoqueossuprimentosdefontesdeenergianãorenováveisse esgotam, a energia atômica pode oferecer a verdadeira solução para aiminentecrisenessaárea.E,noentanto,depoisdeFukushima,osgovernosdospaísesmaispoderososestãoconsiderandoseriamenteapossibilidadedeumainterdiçãototaldeusinasatômicas.

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In/segurançaevigilância

DAVIDLYON: Entre as racionalizações para o engajamento na vigilância, ummotivo-chaveéabuscadesegurança.Evidentemente,comocostumaocorrernos debates sobre o tema, isso não é novidade. Pense nas referênciasbíblicasàimportânciadeseterum“vigilante”dacidade,ouemFrancisco,deguardanaentradadocastelodeElsinore,nacenadeaberturadoHamletdeShakespeare.Preservarasegurançasemprefoiumaracionalizaçãoparasedesenvolverumaatençãocuidadosa, identificarosqueseriamamigosouosadversários. Como tal, a vigilância parece ter um fortemotivo de proteção:vigiarparacuidar.NoséculoXXI,contudo,essainocênciapareceemfalta.Asegurança–palavracomaqual frequentementesedesejadesignaralgumaideia mal definida de segurança “nacional” – é hoje prioridade política emmuitospaíseseatravésdeles,econstituiumapoderosamotivaçãonomundodavigilância.

Os principais meios de obter segurança, ao que parece, são as novastécnicasetecnologiasdevigilância,quesupostamentenosprotegem,nãodeperigos distintos, mas de riscos nebulosos e informes. As coisasmudaramtantoparaosvigilantesquantoparaosvigiados.Seantesvocêpodiadormirtranquilosabendoqueovigianoturnoestavanoportãodacidade,omesmonãopodeserditoda“segurança”atual.Ironicamente,parecequeasegurançadehojegeracomosubproduto – ou talvez, emalguns casos, comopolíticadeliberada? – certas formas de insegurança, uma insegurança fortementesentidapelaspessoasmuitopobresqueasmedidasdesegurançadeveriamproteger.

Ora, você comentou que a sociedade líquidamoderna é um “dispositivoque tenta tornar suportável viver com medo”.1 Assim, longe de conseguirdominarosmedosumaum,amodernidadelíquidaagoradescobrequelutarcontra os medos é tarefa para toda a vida. Se nós, no Ocidente, nãoestávamos plenamente conscientes disso antes do 11 de Setembro, aquiloquevocêchamade“terroresdoglobal”nosfezrecuperaroatraso.Depoisdo11 de Setembro, as práticas de administração de riscos, já de rigueur háváriasdécadas, tornaram-seobviamentemuitodifundidas.E,umavezmais,vocêobservouque,comofocodasegurançanos“objetosexternos,visíveiseregistráveis”, os novos sistemas de vigilância tendem a ser “cegos aosmotivos e escolhas individuais subjacentes às imagens gravadas; assim,devemacabar levandoàsubstituiçãoda ideiade indivíduosmalfeitorespelade‘categoriassuspeitas’”.2

Não admira muito que inseguranças apareçam quando se instala nos

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aeroportosumnovoescânerparaocorpointeiro,ouumamáquinabiométricadedigitais,ouseexigemnospostosdefronteirapassaportesaperfeiçoados,cometiquetasembutidasdeidentificaçãoporradiofrequência.Nãoépossívelsaberquandoascategoriasderiscopodem“acidentalmente”nos incluir,ou,maisprecisamente,nosexcluirdeparticipação,ingressooudireitos.Outalvezapenas o que você corretamente denominou “obsessão por segurança”produzaumainquietaçãomaisbanal.

KatjaFrankoeoutrosautoresnoscontamsobreasempresasnorueguesasde aviação que escreveram às autoridades aeroportuárias reclamando da“segurançaexcessiva”queprejudicavaasegurançaaéreapropriamentedita.As tripulações sentiam-se molestadas por serem examinadas dez ou dozevezes por dia. Pilotos com centenas de passageiros a seus cuidados nãopodiam tirar uma pausa para lanchar sem passar pelos controles desegurança.Disseramque“sesentiamcriminosos”.3

Mas seria equivocado imaginar que as inseguranças relacionadas àvigilânciaaserviçodasegurançase limitemaassuntosdiretamente ligadosao pós-11 de Setembro. Por exemplo, TorinMonahanmostra em sua obradesanimadora, intitulada Surveillance in the Time of Insecurity, que váriostipos diferentes de “culturas de segurança”, com suas “infraestruturas devigilância” correspondentes, têm consequências semelhantes para gerarinseguranças,aomesmotempoqueagravamasdesigualdadessociais.NosEstadosUnidos,deondevemamaioriadosexemplos,Monahandizque“umtemaunificadoréomedodoOutro”.4Acrescenta-seumadistorção,segundoMonahan. Para lidar com cada novo medo, cada nova insegurança, oscidadãoscomunssãoestimuladosa fazerduascoisas:primeiro,sustentaracarga estocando mantimentos, instalando alarmes ou pagando um seguro;segundo,endossandomedidasextremas,incluindoatorturaeaespionagemdoméstica.

Tendoissoemvista,parece-mequeusarumaexpressãocomo“vigilâncialíquida”maisumavezéjustificado.Esseéotipodevigilânciaadequadoaostempos líquidos e portador de alguns dos sinais reveladores da liquidezcontemporânea. Tentamos desesperadamente tornar mais suportável vivercommedo,porém,cada tentativaproduzoutros riscos,novosmedos.Dissosãosintomáticososhorroresdo11deSetembroesuasconsequências,masnãoapenasisso.Pessoascategorizadascomoinocentesagoracorremriscoeestãoamedrontadas, numa irônicaparódiado terrorismo.Eoproblemaébemmaisgeraldoqueaquiloqueocorrenasegurançadosaeroportosenospostosdefronteira.Poderíamos,assim,iniciarestesegmentocomentandoasmudançasdopré-modernoparaomodernoedaíparaolíquidomodernonavigilância induzida pela segurança. O que realmente mudou, e será quealgumascaracterísticasdavigilânciadesegurançapré-moderna–sugeridasem meus exemplos bíblico e shakespeariano – foram permanentementeperdidas?

ZYGMUNTBAUMAN:Maisumaveznósconcordamosplenamente.

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Em primeiro lugar, Francisco, com ou sem os benefícios dos aparelhoseletrônicosmodernos,eraresponsávelpelasegurançadocastelodeElsinoreem relação aos perigos emanados de “fora da cidade”, esse amplo espaçofrouxamentecontrolado,habitadoporbandoleiros,salteadoreseoutros tiposde desconhecidos não categorizados, mas ameaçadores. Seus sucessoresguardam a cidade em relação às incontáveis ameaças que espreitamdentrodela. As cidadelas de segurança urbanas transformaram-se ao longo dosséculosemestufasouincubadorasdeperigosreaisouimaginários,endêmicosouplanejados.Construídascomaideiadeinstalarilhasdeordemnummardecaos, as cidades transformaram-se nas fontes mais profusas de desordem,exigindomuralhas, barricadas, torres de vigilância e canhoneiras visíveis einvisíveis–alémdeincontáveishomensarmados.

Em segundo lugar, como você assinala, citando Monahan, “o temaunificador”detodosessesdispositivosdesegurançaintraurbana“éomedodoOutro”. Mas esse Outro que tendemos ou somos induzidos a temer não éalgumindivíduooucategoriadeindivíduosqueseestabeleceu,oufoiforçadoafazê-lo, forados limitesdacidade,eaosquaissenegouodireitodefixarresidência ou se estabelecer temporariamente. Em vez disso, oOutro é umvizinho, um transeunte, um vadio, um espreitador, em última instância,qualquerestranho.Masentão,comotodossabemos,osmoradoresdascidadessão estranhos entre si, e todos somos suspeitos de portar o perigo; assim,todos nós, em algum grau, queremos que as ameaças flutuantes, difusas eincontroladas sejam condensadas e acumuladas numconjunto de “suspeitoshabituais”. Espera-se que essa condensação mantenha a ameaça afastada etambém, simultaneamente, nos proteja do perigo de sermos classificadoscomopartedela.

É por essa dupla razão – proteger-nos dos perigos e de sermosclassificados como um perigo – que temos investido numa densa rede demedidas de vigilância, seleção, segregação e exclusão. Todos nós devemosidentificar os inimigos da segurança para não sermos incluídos entre eles.Precisamosacusarparasermosabsolvidos,excluirparaevitarmosaexclusão.Precisamos confiar na eficácia dos dispositivos de vigilância para termos oconforto de acreditar que nós, criaturas decentes que somos, escaparemosilesosdasemboscadasarmadasporessesdispositivos–equeassimseremosreinvestidos e reconfirmados em nossa decência e na adequação de nossosmétodos. Realmente, é uma guinada curiosa e fatal no significado dacentenáriamensagemdeJohnDonne:“Nenhumhomeméuma ilha isolada;todohomeméumapartículadocontinente,umapartedaterra.…Eporissonãoperguntesporquemossinosdobram;elesdobramporti.”

E,emterceirolugar,agoraparecequetodosnós,oupelomenosagrandemaioria, nos transformamos em viciados em segurança. Tendo ingerido e

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assimilado oWeltanschauung da ubiquidade do perigo, da abrangência dasbasesparaadesconfiançaeasuspeita,danoçãodeconvivênciaseguracomoalgoconcebívelunicamentecomoprodutodavigilânciapermanente,nósnostornamosdependentesdavigilânciaqueéfeitaequeépercebidacomoalgofeito.

Como observa Anna Minton, “a necessidade de segurança torna-seviciante; as pessoas descobrem que, embora tenhammuito, isso nunca serásuficiente; e que, demodomuito semelhante ao que acontece com a drogaquevicia,umaveztendoseacostumado,apessoanãopodepassarsemela”.5“Omedoalimentaomedo”,concluiMinton,eeuconcordoplenamente.Creioque você também. A resistência singular e solitária à tendência geral e àdisposiçãoquaseuniversaltempoucautilidade;exigeumavontadeforteeésocialefinanceiramentecara.

Elaine, por exemplo, um dos casos citados por Anna Minton, foisurpreendida depois de se mudar para uma nova casa pela “quantidade deequipamentos de segurança que já estavam lá – de câmeras de circuitofechadoanumerosas trancas simpleseduplasnasportase janelas, alémdesistemas múltiplos de alarme altamente complexos”. Elaine sentiu-sedesconfortávelnumambienteque lhe lembravao tempo todoanecessidadedesentirmedo,deolharcomtemoremvoltadesiedetomarprecauções,edesejavaque amaior parte dos dispositivos fosse removida. “Mas eramaisfácildizerdoquefazer.Quandoelaafinalconseguiuencontrarpessoaspararemover as trancas, elas ficaram surpresas com o pedido de Elaine, e lhedisseramqueraramenterealizavamaqueletipodeserviço.”

A propósito, Agnes Heller observou, num número recente do periódicotrimestralThesis Eleven, uma guinada sintomática nos romances históricoscontemporâneos. Ao contrário de seus predecessores, os autores que agorasituam suas tramas em tempos passados, pré-modernos, dificilmente seconcentram em ultrajes perpetrados por exércitos estrangeiros, invasões ouguerras, ainda que não faltassem esses aspectos nos períodos em que sepassamashistórias.Emvezdisso,ofocoéo“medoambiente”quepermeiaavida cotidiana: medo de ser acusado de bruxaria, heresia, roubo ouassassinato. Autores nascidos e criados em nossa época imputamretrospectivamenteanossosantepassadosepercebementresuasmotivaçõesasespéciesdeterrortípicasdenossaeraobcecadacomasegurançaeviciadanela.Asfontesdepesadelosmudaramnomapa-múndideles,porassimdizer,do “lá fora” para o “aqui dentro”. Elas brotam no bar ou no pub maispróximo,entreosvizinhosdolado–eàsvezesseestabelecematéemnossacozinhaounoquartodedormir.

Esseéoparadoxodenossomundosaturadodedispositivosdevigilância,quaisquer que sejam seus pretensos propósitos: de um lado, estamos mais

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protegidos da insegurança que qualquer geração anterior; de outro, porém,nenhuma geração anterior, pré-eletrônica, vivenciou os sentimentos deinsegurançacomoexperiênciadetodososdias(edetodasasnoites).

DL: Minha concordância com você não poderia ser maior, Zygmunt. Masgostaria de instigá-lo em relação a um ou dois aspectos. Comecemos poraqueles “sentimentosde insegurança”.Elesexistememmuitosníveisenãocontribuem para uma generalizada “cultura do medo”, como algunsinsinuaram,masparamúltiplasculturasdomedo.Numnível,porexemplo,háosmedosassociadosao fatode sermembrodeumaminoria proscrita, umperigoso árabemuçulmano noOcidente. Poucas semanas atrás, encontrei-mepelaprimeiravezcomMaherArar,engenheirocanadenseque,depoisdeumasériedeerrosclamorososdasagênciasdesegurançadoCanadáedeuma prisão arbitrária por autoridades americanas em Nova York, acabouvítimade torturanaSíria,em2002-03.Uma interpretaçãosingular,baseadanamanipulaçãoequivocadadedadosaltamenteduvidosos,ameaçoudestruirsuasaúde,suavidafamiliar,tudoaquiloquedefatolheeracaro.

Mas as inseguranças das chamadas sociedades de risco não afetamapenas pessoas como Arar, sem qualquer conexão demonstrável com oterrorismo (incluindo as que nem mesmo têm traços físicos que possamcaracterizá-lascomodo“OrienteMédio”);atingemtambémpessoasavisadasde que testes genéticos indicam sua propensão a desenvolver certasdoenças,oupaisansiososporprotegerseusfilhosdosperigosdocentrodacidade.

Essescasostêmemcomumofatodequeasegurançaévistacomoalgorelativoaumamaioria,deixandoàmargemoanormal,osdesviosestatísticos.Assim, os árabes muçulmanos no Ocidente, mas também a minoria cujosgenes supostamente assinalam possíveis doenças, ou aqueles que sãovulneráveisaosriscosdasruasànoite,todossãoatingidospelainsegurança.Ofuturoqueseimaginaparaasegurançaprevêquetodasasanormalidades(terrorismo,doença,violência)tenhamsidoexcluídasoupelomenoscontidas.E, como diz Didier Bigo, a vigilância atualmente conecta o que Foucaultseparou – disciplina e segurança –, de tal modo que, num certo sentido,segurança é vigilância, porque suas técnicas em constante evoluçãomonitoram as mobilidades num mundo assombrado pelo risco.6 Asinsegurançassãoumcoroláriopráticodassociedadessecuritizadasdehoje.

De modo que podemos dizer que as tecnologias da in/segurança nãopodem ser entendidas meramente como produtos das tecnologias deinformaçãoecomunicação,oumesmocomoresultadodenossoenredamentoem estados de exceção (galvanizados, mas não iniciados pelo 11 deSetembro).Emvezdisso,elassãopartedeumaconfiguraçãosocialepolíticamaisampla,relacionadaaoriscoeaseuprimopróximo,aincerteza.Assim,comoabordamosissopoliticamente?Nacompanhiademuitosoutrosquenãosucumbiramaocinismosobreapossibilidadedepodermos“fazerdiferença”,eu prefiro pensar que há estratégias para questionar e reagir a esses

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processosque transformama in/segurançanumacategoria tão fundamentalpara as oportunidades de vida. No entanto, se eu o entendi bem, poder epolítica estão se distanciando cada vez mais nesses tempos líquidos, demodo que o poder está se evaporando no “espaço dos fluxos” de ManuelCastells,enquantoapolíticadefinhanoespaçodoslugares.7

Essanoçãoépersuasiva,mas,numcertosentido,paralisante,poisimplicaquesóumapolíticaglobal–aindainexistente–poderiateralgumefeitoreal.Concordo com você em que buscar a comensurabilidade do poder e dapolíticaéumobjetivoválido.Masoquedizerdaschancesdeumapolíticaemque a democracia (e, portanto, a responsabilidade) e a liberdade (tãolamentavelmente circunscrita pela aliança entre segurança e vigilância)poderiamserofocodoesforçoemníveismaislocais?

ZB:Houellebecq–escritorquemuitoadmiropelaperspicáciaepelaestranhaaptidãodeenxergarogeralnoparticular,assimcomodeextrapolareelucidarseupotencialinterno,equeéautordeApossibilidadedeumailha,primeiraeaté agora inigualada distopia da era líquida, desregulamentada,individualizada–talvezfosseaquelequevocêtinhaemmenteaodestacarosque “sucumbiram ao cinismo sobre a possibilidade de podermos fazerdiferença”. Ele é muito cético e desesperançado, e apresenta uma série derazõesválidasparacontinuarassim.Nãoconcordoplenamentecomaposturadele,masnãoachofácilrefutarseusmotivos.

Os autores dasmaiores distopias de outrora, comoZamyatin,Orwell ouAldous Huxley, descreveram suas visões dos horrores que assombram oshabitantes domundo sólidomoderno: ummundo de produtores e soldadosestritamente regulados e maníacos pela ordem. Colocados sob alertavermelho,esperavamqueessasperspectivaschocassemseuscompanheirosdeviagemrumoaodesconhecido,sacudindo-osdotorpordeovelhasmarchandocomhumildadeparaoabatedouro.Seráesseonossodestino,avisavameles,amenos que vocês se revoltem. Zamyatin, Orwell, Huxley, tal comoHouellebecq, eram filhos de seu tempo. Assim, em contraste comHouellebecq, apresentavam-se intencionalmente como alfaiatesespecializadosemtrajessobmedida;acreditavamemencomendarofuturoàordem,desprezandocomoenormeincongruênciaaideiadeumfuturoquesefizesse por si mesmo.Medidas erradas, modelos disformes e/ou malfeitos,alfaiatesbêbadosoucorruptososassustavam;nãotinhammedo,contudo,dequeasalfaiatariaspudessemfalir,perderasencomendasousairdemoda–edefatonãopreviramoadventodeummundosemalfaiates.

Houellebecq, porém, escreve a partir das vísceras de um mundoexatamenteassim,semalfaiates.Ofuturonessemundoéautoproduzido:umfuturo do tipo “faça você mesmo”, que nenhum viciado nessa modalidadeconsegue,desejaoupoderiacontrolar.Umavezcolocadosemórbitaprópria,

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que jamais atravessa nenhuma outra, os contemporâneos de Houellebecqprecisamtantodedespachantesecondutoresquantoosplanetaseasestrelasdeprojetistasdeestradasemonitoresdetráfego.Sãoperfeitamentecapazes,por simesmos,deencontraraestradaque levaaoabatedouro.Eo fazem–como fizeram antes os dois principais protagonistas da história, esperando(emvão,infelizmente,emvão…)encontrar-senocaminho.OabatedouronadistopiadeHouellebecqtambémédotipo“façavocêmesmo”.

Numa entrevista concedida a Susannah Hunnewell,8 Houellebecq nãolançamãoderodeios–e,talcomofizeramseusantecessores,comofazemosnós e fizeram nossos ancestrais, transforma num projeto de sua escolhacondições que não foram escolhidas por ele: “O que penso,fundamentalmente,équenãosepodefazercoisaalgumanoqueserefereagrandesmudançassociais.”Seguindoamesmalinhadepensamento,algumasfrases depois, ele assinala que, mesmo lamentando o que hoje ocorre nomundo, não tem “interesse em fazer o relógio andar para trás, porque nãoacredito que isso possa ser feito” (grifo nosso). Se os antecessores deHouellebecq estavam preocupados com o que os agentes no posto decomando das “grandes mudanças sociais” poderiam fazer para reprimir airritante aleatoriedade do comportamento individual, a preocupação dele éonde essa aleatoriedade vai levar, na ausência de postos de comando e deagentes dispostos a guarnecê-los tendo em mente uma “grande mudançasocial”. Não é o excesso de controle e coerção (sua companheira leal einseparável) que preocupa Houellebecq; sua escassez é que torna qualquerpreocupação ineficaz e supérflua. Ele fala de uma aeronave sem piloto nacabine.

“Nãoacreditomuitona influênciadapolíticasobreahistória…Tambémnãocreioqueapsicologiaindividualtenhaqualquerefeitosobremovimentossociais”, concluiHouellebecq.Emoutras palavras, a pergunta “Oque deveserfeito?”éinvalidadaeesvaziadapelaenfáticarespostaàpergunta“Quemvaifazê-lo?”:“Ninguém.”Osúnicosagentesàvistasão“fatorestecnológicosealgumasvezes,nemsempre,religiosos”.

Mas a tecnologia é conhecida pela cegueira; ela reverte a sequênciahumanadeaçõesdotadasdeumpropósito(aprópriasequênciaquedistingueoagentedetodososoutroscorposemmovimento),eseelasemoveéporquepodefazerisso(ouporquenãopodeficarparada),nãoporquedesejachegar;enquantoDeus,alémdaimpenetrabilidadequedeslumbraecegaaquelesqueo veem, representa a insuficiência dos seres humanos e sua inadequação àtarefa (ou seja, a incapacidade humana de enfrentar as disputas e agir demodoeficazdeacordocomsuasintenções).Osimpotentessãoguiadospeloscegos; sendo impotentes, não têm escolha. Não, pelo menos, se foramabandonados a seus próprios recursos, desagradável e abominavelmente

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inadequados;nãosemumpilotodeolhosbemabertos–umpilotoqueolheeveja. Fatores “tecnológicos” e “religiosos” comportam-se de maneira tãomisteriosaquantoanatureza:nãosepodesabercomcertezaondevãodesceratéqueaterrissememalgumlugar;masisso,comodiriaHouellebecq,sóatéquenãosejamaispossívelorelógioandarparatrás.

Houellebecq,quedeveserlouvadotantopelaautoconsciênciaquantopelafranqueza, faz um registro da futilidadedas esperanças, para o casodequealguém teimoso e ingênuo o bastante continue a alimentá-las.Descrever ascoisas,insisteele,nãolevamaisamudá-las,epreveroquevaiacontecernãolevamaisaevitarqueaconteça.Finalmenteatingiu-seumpontosemretorno?EstáconfirmadooveredictodeFukuyamasobreofimdahistória,mesmoqueseusfundamentostenhamsidorefutadoseridicularizados?

Estou questionando o veredicto de Houellebecq ao mesmo tempo queconcordoemquase tudocomo inventárioqueelefazdeseusfundamentos.Quase–jáqueinventáriocontémaverdade,apenasaverdade,masnãotodaaverdade. Algo muitíssimo importante ficou fora de sua avaliação: como adebilidade dos políticos e da psicologia individual não é o único fatorresponsávelpelatristeperspectivatalcomoelaseapresenta(corretamente!),opontoaquefomostrazidosatéagoranãoéumpontosemretorno.

Mas decerto você está consciente da fonte provável tanto de minhaaprovaçãoquantodeminhasreservas,umavezqueapontaparaoemergentedivórcio entre o poder (a capacidade de fazer coisas) e a política (acapacidadedeescolherascoisasaseremfeitas).

AdesesperançaeoderrotismodeHouellebecqderivamdeumacrise,deagênciaemduasfronteiras.Nacamadasuperior,noplanodoEstado-nação,aagência foi levada a uma situação perigosamente próxima da impotência, eisso porque o poder, antes preso num apertado abraço com a política doEstado, agora se evapora num “espaço de fluxos” global, extraterritorial,muitoalémdoalcancedapolíticadeEstadoterritorial.

As instituiçõesdeEstadoarcam,hoje,comapesada tarefade inventarefornecer soluções locais para problemas produzidos no plano global; emfunçãodeumacarênciadepoder,trata-sedeumpesoqueoEstadonãopodecarregar,eumatarefaqueéincapazderealizarcomasforçasquelherestamedentro do reduzido domínio das opções que lhe são viáveis. A reaçãodesesperada,emborageneralizada,aessaantinomiaéatendênciaaabandonarumaaumaasnumerosasfunçõesqueoEstadomodernodeveriarealizar,edefato realizava, aindaque com sucesso apenasduvidoso– enquanto sustentasualegitimidadenapromessadecontinuaradesempenhá-las.

As funções sucessivamente abandonadas ou perdidas são relegadas àcamada inferior,àesferada“políticadevida”,aáreaemqueos indivíduossão nomeados para a função dúbia de se tornar suas próprias autoridades

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legislativas, executivas e judiciárias numa só. Agora espera-se dos“indivíduos por decreto” que imaginem e tentem pôr em prática, com seusprópriosrecursosehabilidades,soluçõesindividuaisparaproblemasgeradosnonível social (esse é, em suma, o significadoda “individualização” atual,umprocessoemqueoaprofundamentodadependênciaédisfarçadoeganhaonomedeprogressodaautonomia).Comonacamadasuperior, tambémnainferior as tarefas são confrontadas com dificuldade pelos recursosdisponíveispararealizá-las.Daíossentimentosdedesespero,deimpotência,a experiência do tipo plâncton de ter sido condenado a priori, irreparável eirreversivelmente à derrota num confronto muito desigual contra marés deumaintensidadeirresistível.

Enquantopersistir,alacunacrescenteentreagrandiosidadedaspressõesea debilidade das defesas tende a alimentar e estimular sentimentos deimpotência.Essehiato,contudo,nãodevecontinuar.Sópareceintransponívelquando se extrapola o futuro como “mais do mesmo” em relação àstendências atuais – e a crença de que já se atingiu o ponto sem retornoacrescenta credibilidade a essa extrapolação sem necessariamente torná-lacorreta.Muitasvezesasdistopiassetransformamemprofeciasquerefutamasi mesmas, como pelo menos sugere o destino das visões de Orwell eZamyatin.

DL:Obrigadoporser tãosincero,Zygmunt.Fico impressionadopelofatodeissonoslevardevoltaàsnossasprimeirasdiscussões(nadécadade1980)sobre utópico e distópico. Cada gênero literário abre possibilidades de veralém do presente. Um deles induz a enxergar uma terra prometida que éplausível o bastante para valer a pena trabalhar por ela, mas quesimultaneamente estende a imaginação para características da sociedadehumana até então desconhecidas; o outro extrapola as tendências maiscapazesdegeraransiedadeemaissocialmentedestrutivasdomomentoparamostrar como logo seremos enclausurados, de modo permanente, numcenáriopatéticoepunitivo.

O crescimento da vigilância apoiada por computadores como umadimensão de democracias iliberais obcecadas com segurança certamenteincentivourecentesimaginaçõesdistópicas–eporvezesdesesperadas.IssopodeservistoemvariadosgrausemfilmescomoBrazil(1985),BladeRunner(O caçador de androides, 1992), Gattaca (1997) e Minority Report (2002),assim como na convincente sugestão de Daniel Solove, um estudioso dodireito,dequeKafkaoferecemetáforasmaisadequadasqueOrwellarespeitodavigilânciaatual.9

Poroutrolado,acautelaemrelaçãoafuturossupervisionadosnãopareceter interrompido o fluxo de futurismo (hesito em dignificá-lo com o termo“utopismo”)edesonhodigital.AnoçãodeciberespaçodecertocaptaoqueVincent Mosco chama de um “espaço mítico” que transcende os mundoscomunsdotempo,doespaçoedapolítica;eleochamade“sublimedigital”.10

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Desdea invenção,em1978,dochipdesilício,utópicos tecnológicos têmtagareladosobre“revoluçõesmicroeletrônicas”e“sociedadesdainformação”,eempresáriosdaerada informáticacomoSteveJobsatingiramostatusdecelebridades.Muitosespecialistasaindaparecemacreditarqueomelhordosmundos possíveis é digital; isso vale para democracia, organização,entretenimento e, evidentemente, ações militares e de segurança. Entreestes,claro,avigilânciasedestaca.ComodizomajoramericanoS.F.Murray,por exemplo, o domínio da batalha contemporânea começa com “acapacidadedeapessoaver,visualizar,observarouencontrar”.11

No entanto, em sua obra encontramos uma intensidade completamentediferentedoqueaindasepoderiachamardepensamentoutópico,que,pensoeu,expõe imediatamenteasuperficialidadedossonhosdigitais.Confirmeioqueme lembrava de seu livro intituladoSocialism: TheActiveUtopia, ondevocêobservaqueaspessoasescalam

sucessivas colinas só para descobrir, lá do alto, territórios virgens que seuespírito de transcendência nunca saciado os estimula a explorar. Depois decada colina eles esperam encontrar a quietude final. O que encontram é aagitaçãodocomeço.Hoje, talcomo2milanosatrás, “aesperançaquesevênãoéesperança.Porque,quemficaesperandoporalgoquevê?”(EpístoladePauloaosRomanos8:24).12

Estou decididamente com você no que se refere ao “espírito detranscendêncianuncasaciado”,mastambémimaginoseo“começo”eo“fim”dequevocêfala–outalvezdequefalaPaulo–podemtermaisemcomumdoqueadmitimos.Queaquietudeinscritanooriginalpossaseralcançadanofuturo.

Aondequerqueleveessepensamento,presumo,apartirdoquevocêdiz,queasmusasutópicaedistópicaaindadeemespaçoacríticosimaginativos,incluindo os que lançam seus olhares sobre a informação e a vigilância.Recordo-medainterpretaçãoqueKeithTesterfazdesuaposturaquandoelediz que seu “utopismo significa a práxis da possibilidade que busca abrircriticamente omundo contra a ossificaçãoda realidade pelo senso comum,pelaalienaçãoepelopoder irracional”.13Oqueconsideroanimadoremseutrabalhoéquevocêmostra“queomundonãotemdeserdaformacomoé,eque existe uma alternativa ao que agora parece tão natural, tão óbvio, tãoinevitável”.14NoFórumSocialMundialemMumbai,algunsanosatrás,fiqueichocadocommilharesdepessoasdemuitospaísesdiferentesque tambémhaviamsidoinspiradaspeloslogan“Outrosmundossãopossíveis”.

Comrespeitoàvigilânciaemseudisfarcedeserviçaldasegurança,issodefato oferece um insight. Os olhos eletrônicos sempre abertos nas ruas, acoleta de dados abrangente, os fluxos de informações pessoais com suapressãocadavezmaisaltasãovistoscomoreaçõesracionaisaosriscosdavida. Precisamos desesperadamente de vozes que perguntem: “Por quê?”“Paraquê?”“Vocêtemalgumaideiadasconsequênciasdissotudo?”Euficoatento,esperandoouviralguémdizer:“Haveriaoutrasmaneirasdeconceber

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o que há de errado com o mundo, e como seus males poderiam serabordados?”

ZB:Seme permite, gostaria de cometer a ousadia de dar apenas umpassoadiante–masumpasso importante,naminhavisão,oderradeiropassoquepodemuitobemnoslevaràfontemaisprofunda,inexauríveleperpetuamenterevoltadenossainquietação,daqualodesejodecadavezmaisvigilânciaésomente uma manifestação, embora uma das mais espetaculares eestimulantes do pensamento. O cerne da ânsia humana, demasiadamentehumana, por transcendência é o impulso no sentido do conforto e daconveniência; de um hábitat que não tenda a causar problemas nempreocupações, que seja totalmente transparente, sem guardar surpresas emistérios,semjamaisnospegardesprevenidosoudespreparados;ummundosemcontingênciasnemacidentes,“consequênciasimprevistas”oureversosdafortuna.

Essaderradeirapazdocorpoedamente,suspeitoeu,éaessênciadaideiapopular e intuitiva de “ordem”; ela está à espreita sob toda e qualquervariedade de urgência emconstruir emanter a ordem, desde umadona (oudono)decasaocupadaemdeixarascoisasdobanheironobanheiroeasdacozinha na cozinha, as do quarto no quarto e as da sala na sala, até osporteiros,osrecepcionistasesegurançasencarregadosdesepararosquetêmodireitodeentrardaquelesdestinadosapermaneceremoutroslugarese,nogeral,lutandoparacriarumespaçoemquenadasemova,amenosquesejaomovido.Comotenhocertezadequeolugarquemaisseaproximadessavisãodofimdasansiedadesemrelaçãoàcontingênciaéotúmulo–amaisplenaeabrangenteencarnaçãodaintuiçãoda“ordem”.

Freud diria que a inquietação que manifestamos ao instalarmos mais emaistrancasecâmerasdeTVemportasepassagenséguiadaporTanatos,oinstinto de morte! Paradoxalmente, estamos inquietos por causa de nossoinsaciáveldesejodesossego,quenuncaseráplenamenteaplacadoenquantoestivermos vivos. Esse desejo inspirado e instilado por Tanatos, afinal, sópode ser satisfeito na morte. A ironia, contudo, é que essa visão de uma“ordem final” formatada como um túmulo é precisamente o que nos tornacompulsivos, obsessivos e viciados “construtores da ordem”, e dessemodonosmantémvivos,sempreansiososeinstigadosatranscenderhojeaquiloqueconseguimosatingirontem.Éasededeordem,insatisfeitaeinsaciável,quenos faz vivenciar toda realidade como desordenada e carente de reforma.Creio que a vigilância é uma das pouquíssimas indústrias em que jamaisninguémprecisarátermedodeficarsemenergiaedeperderoemprego.

DL: Evidentemente, podemos dirigir nossa conversa para questões detranscendência;paraumainvestigaçãosobreasraízesdodesejodepazpara

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o corpo e para amente; emesmo para indagar se o apetite de vigilância,aparentemente insaciável, brota ou não do instinto demorte. Tais questõesdecerto nos levam muito além do complexo segurança-vigilância industrial,embora tambémnos forneçampotenciais indícios domotivo pelo qual esseempreendimentofloresceenquantooutrosdefinham.

Por mim, não tenho razão para deixar de concordar com você que asvisõesdeuma“ordemfinal”podemmuitobemestarsemiocultasportrásdasobsessõescontemporâneascomsegurança;ouqueosdesejosde“sossego”serelacionamdeformadestacadacomnossainquietaçãohumana–embora,confesso, tenhamenos certezadeque tais visões sejam “formatadas comoumtúmulo”.(Issoapesardofatodequeapaisagemquevíamosdecasa,umparquequeantesfoiumcemitério,tersidodivididaclaramente,em1816,emtrêsseções,“escocesa,irlandesaeinglesa”,correspondendoaquemoficiariaos funerais, se presbiterianos, católicos ou anglicanos. Havia também umaseção destinada aos pobres demais para descansar emumadas outras.Asociologiahistóricadoscamposfúnebreséesclarecedora.)

Mastalvezvocêmepermitacomentarsobrecomoeuabordariaaquestãoda segurança e da vigilância nesse quadro amplo (quem sabe deixando oproblemadoquadroemsiparaoutraconversa).Emborao11deSetembronão tenha por si mesmo produzido essa obsessão por segurança, ele fezmuito para promover a explosão da segurança-vigilância que produziu umgrande reforço nos lucros das indústrias correlatas e conseguiu reproduzirregimes de vigilância cotidiana intensificada em áreas urbanas por todo onorteglobal,especialmentenosEstadosUnidos.

Eisumexemploparticulardo“sublime”,comojámencionei.AsdeclaraçõesdoHomelandSecurityasãohinosà“transcendênciapelatecnologia”,sobreaqual David Noble e VincentMosco escrevem com tanta eloquência.15 Essagrandeféé investidadetalmaneiraemcadanovatecnologiaque,demodorelevante,questioná-laspodeserencaradocomosacrilégiooublasfêmia.

Provavelmente seria preciso voltar ao Renascimento para encontrar asraízes imediatasda ideiadequepazeprosperidadepodemserproduzidaspormeiodaciênciaedatecnologia,convicçãoafirmadaporgrandepartedopensamento iluminista.16 Enquanto o Renascimento foi, em parte, umacompreensívelreaçãoaoautoritarismodaIgrejanaEuropamedieval,anoçãode planejar a concretização do reinado da paz e da prosperidade pelomecanismodainvençãosignificouareversãodacrençadeque–comovocêmesmocitou–,sevocêdesejaapaz,busqueajustiça.NaTorájudaica,fazerjustiça e amar o próximo é o caminho da paz (ou shalom, significando atotalidade,aintegridadeeasrelaçõescorretasdetodosostiposentreDeus,aCriaçãoeossereshumanos).Oequivalentecristãoseria:“PrimeirobusqueoreinodeDeus,etodasasoutrascoisasvirão”,deJesus.

De modo que vejo esse compromisso com a eficácia da técnica e dainvenção–aciênciaeatecnologiadehoje–comoformadeobterapazemtermosdeumafalsabuscadegarantiadesegurançaimpossíveldeatingir.Acrença de que tecnologias de segurança maiores, mais rápidas e mais

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conectadas possam de alguma forma garantir a paz é evidentementeequivocadaefechaasoutrasopções.Emrespostaàcrescentevigilânciapós-11deSetembro,eucomentei:

JacquesEllulumavezobservou,refletindosobreodestinodecidadesantigascomo Babilônia e Nínive, que essas culturas também eram fechadas,“protegidas de ataques externos numa segurança constituída de muros emáquinas”. Haverá algo de novo sob o sol? No entanto, contra esta, insisteEllul,ergue-seavisãodeumacidadeondefazerjustiçaeamaropróximovêmprimeiro.DessecompromissocomaresponsabilidadepeloOutrovêmapazeaprosperidade, a liberdade e a segurança, que de outromodo se tenta atingircomfalsasprioridades.Éumacidadecujosportõesnuncasefecham.Umlugardeinclusãoeconfiança.Esualuzfinalmenteexpulsatudoaquiloqueagorasefaznaescuridão.17

Esses comentários seguiam-se a uma análise dos desenvolvimentos naáreadesegurançapós-11deSetembroquerealçavasuatendênciaareforçara exclusão (o ban-óptico), a fomentar omedo e a encobrir as tomadas dedecisãosobovéudosigilo.

a Department of Homeland Security: repartição cuja responsabilidade é proteger oterritório norte-americano contra ataques terroristas e agir em caso de desastresnaturais.(N.T.)

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Consumismo,novasmídiaseclassificaçãosocial

DAVIDLYON:Umtemacentraldesuaobra,Zygmunt,temsidoaexposiçãodasformaspelasquaisoconsumismosetornoutãofundamentalnaproduçãonãosó de divisões sociais, mas também de identidades. Fui daqueles queaplaudiramquando sepublicouWork,Consumerismand theNewPoor, em1998.Masoparadoxoaqui,talcomoovejo,éque,emboraoconsumoexijaaprazerosaseduçãodosconsumidores,essaseduçãoétambémresultadodevigilância sistemáticanumaenormeescala.Se issonão ficouóbvio comasformasanterioresdemarketingdebasededados,oadventodaAmazon,doFacebookedoGoogle indicaoatualestadodaarte.ThomasMathiesen,noprefácioaum livro recente intitulado InternetandSurveillance,apontacomoissotambéméocultado:“Porsobasuperfície,háumaenormehinterlândiadepráticasdevigilânciaocultasbaseadasnousoda internet.…Aampla trilhadesinaiseletrônicosquedeixamosaorealizarnossastarefascotidianas,embancos,lojas,centroscomerciaisetodososoutroslugares,todososdiasdoano.”1

Quando passamos da consideração de assuntos urgentes relativos asegurança e vigilância para a questão do consumo, parece que respiramoscom mais liberdade. Afinal, esse é o domínio da diversão, do flâneur, daliberdade. Pense outra vez! Aqui encontramos uma detalhada operaçãogerencial, baseada uma vezmais na coleta de dados pessoais em grandeescala,comoobjetivodeconcatenar,classificare tratarde formasdiversasdiferentes categorias de consumidores a partir de seus perfis. Considere abênção que é para muitos que a Amazon.com, com suas técnicas de“filtragemcolaborativa”,nosdigaque livrososoutroscompramsemelhantesao que pretendemos adquirir. Cada transação gera informações sobre elamesma, e depois são usadas a fim de orientar outras escolhas dosconsumidores. Alguns anos atrás, juntei suas ideias sobre o cortejo dosconsumidorescomasdeGaryT.Marxsobreaclassificaçãopelapolíciadeprováveissuspeitos (“suspeiçãocategórica”)paracriaroconceitohíbridode“seduçãocategórica”.2Achoqueeleaindafunciona.

AAmazon.com,noentanto, tambémsedispõea tornaros consumidoresconscientesdomodocomosãovigiadospelosoutrosrecorrendoàferramenta“Listadedesejos”.3Estenãoéumprocessototalmenteoculto!Assim, longedesersecreta,essaferramenta,aprincípio,podeserverificadaporqualquerum.A“Listadedesejos”tambémnosrelembracomoaspessoasgostamde

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ser observadas, e aqui funciona uma espécie de escopofilia dosconsumidores.4 Como aponta dana boyd, o voyeur se junta ao flâneur porcortesia da mídia social.5 Mas não é só isso. A “Lista de desejos” dá aosconsumidores a oportunidade de se gerenciar, de mostrar aos outrosdeterminada face. Ao que tudo indica, a Amazon.com consegue gerenciarseus clientes pormeio de relacionamento contínuoe tambémoferecendoaoportunidadedesedeliciarcomumpoucodegerenciamentodeimpressões.a

No fim das contas, porém, a Amazon.com obtém os dados de quenecessita,deixandoseusclienteshabitaremcomalegriaoqueEliPariser,demaneiraeloquente,chamade“bolhade filtro”.6Sabe-se razoavelmentebemque pessoas diferentes que consultam amesma palavra no Google obtêmresultadosdiferentes. IssoporqueoGooglerefinaseusresultadosdebuscasegundo as pesquisas anteriores. Da mesma forma, os que têm muitosamigosnoFacebooksóvãoreceberatualizaçõesdaquelessobreosquaisopróprioFacebookjulgaquesequerternotícias,combasenafrequênciadasinterações com essas pessoas. Evidentemente, a Amazon.com também seajustaaessemodelo.Apreocupaçãoparalela,ejustificável,dePariseréque“os filtrosdepersonalização servemaum tipo invisível deautopropaganda,doutrinando-nos com nossas próprias ideias, ampliando nosso desejo porcoisasquenossãofamiliaresedeixando-noscegosaosperigosàespreitanoterritóriosombriododesconhecido”.

O cenário mais amplo, porém, é este: os efeitos gerais da vigilância doconsumidor,emespecialpor todosos tiposdeutilizaçãoda internet,nãoseresumemaselecionarpositivamenteosconsumidoressatisfeitoseprometer-lhes futuros benefícios e recompensas, mas incluem selecionarnegativamente os que não se conformam às expectativas. Já mencionei otrabalho de Oscar Gandy sobre esse tema, mostrando como, em diversasáreas,a“discriminaçãoracional”realizadaporgrandesempresastemefeitosnegativossobrealgumaspessoas.ComoafirmaGandy:

Adiscriminaçãoestatísticapossibilitadaporsofisticadosdispositivosdeanálisecontribuiparaadesvantagemcumulativaqueoprime,isola,excluie,emúltimaanálise,ampliaos fossoshojeexistentesentreosqueestãono topoequasetodos os demais. Embora os observadores tendam a se concentrar no usodessessistemasemapoioàpublicidadeorientadaon-line,seualcanceémuitomaisamplo.Elecobreoacessoaumagamadeprodutoseserviços,incluindoos mercados financeiro e imobiliário, assim como atendimento de saúde,educaçãoeserviçossociais.7

Todosessessãotemasqueilustrama“vigilâncialíquida”,agorano“modoconsumidor”,etenhocertezadequevocêgostariadecomentarmaisdeumdeles!Masseráquepoderíamoscomeçara rolarabolacomumaperguntaoriginadadeseupróprio trabalho?Parece-mequesuapreocupaçãocomosefeitos da vigilância do ponto de vista da exclusão – com a qualcalorosamente concordo – por vezes o leva aminimizar asmaneiras pelasquais osmesmosmecanismos da vigilância líquida exercem pressão sobre

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todososconsumidores.Quandoseacreditaqueaanálisesocialdeveria terum particular interesse pelos marginalizados e excluídos, é fundamentalcompreenderosmecanismosquepossibilitamamarginalizaçãoeaexclusão.Contudo, o mesmo poder de vigilância produz uma variedade decomportamentos, afetando diferentes grupos de forma diversa. Então, aomenosemparte,seriapormeiodanormalizaçãodamaioria,nessecasopelasedução categórica, que a minoria se torna sujeita à desvantagemcumulativa?

ZYGMUNTBAUMAN:Algumasdécadasatrás,agranderevolução(ouograndesalto adiante, tal como registrado nos anais da arte do marketing) noprogresso da sociedade consumista foi a passagem da satisfação denecessidades (ou seja, da produção voltada para a demanda existente) parasuacriação(ouseja,demandavoltadaparaaproduçãoexistente),pormeiodetentação, sedução e estímulo do desejo assim despertado. Essa mudançaestratégicaproduziuumenormeavançoemtermosderesultados,juntamente,contudo, com um aumento considerável em matéria de custos: “criardemanda”(leia-se:despertaresustentarodesejodeobterepossuir)exigeumdispêndiocontinuamenteelevado.Oscustos,emprincípio,nãosãoredutíveis:cada novo produto atirado no mercado exige que o desejo seja invocadopraticamentedozero,jáqueosdesejossãosempreorientadoseespecíficos,eportantointransferíveis.

Atualmenteestamosatravessandooterceirosegmentodatríadehegeliana.Dada a propensão, em geral bem-consolidada, de buscar satisfação nasmercadorias em oferta, e a disposição universal a identificar “novo” e“aperfeiçoado”–assimcomoasofisticaçãodatecnologiademanutençãoderegistros,quepermitequeessadisposiçãosejalocalizadaquandoestivermais“madura”parareagirprontamenteàincitação–,outramudançaseminalpodeser alcançada: a de dirigir ofertas a pessoas ou categorias de pessoas jáprontas para aceitá-las com entusiasmo. A partemais cara da estratégia demarketinganterior–despertardesejos–foiportantoeliminadadoorçamentodemarketinge transferidaparaosombrosdospotenciaisconsumidores.Talcomonocasodavigilância,omarketingdeprodutostorna-secadavezmaisumatarefadotipo“façavocêmesmo”,easervidãodelaresultante,cadavezmaisvoluntária.

SemprequeentronositedaAmazon,souagorarecebidoporumasériedetítulos“selecionadosespecialmenteparavocê,Zygmunt”.Dadooregistrodeminhas comprasde livros anteriores, é alta aprobabilidadedeque eu fiquetentado.Eemgeralosou!Obviamente,graçasàminhacooperaçãodiligente,ainda que involuntária, os servidores da Amazon agora conhecem meushobbies ou preferências melhor do que eu. Não vejo mais suas sugestõescomoalgocomercial;encaro-ascomoumaajudaamigável,quefacilitameu

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avançopelaselvadomercadoeditorial.Eficograto.Eacadanovacompra,eu pago para que atualizem minhas preferências em sua base de dados eorientemminhasfuturascomprascomprecisão.

Visaraosnichosdomercadoprontosparauso,formadeprocedimentoquenão exige investimentos preliminares em matéria de meios, mas prometeresultados instantâneos,éumaáreaexcepcionalmenteadequadaaoempregodatecnologiadevigilância–comoquefeitaàsuamedida;énessanovalinhade frente que se tem registrado o mais rápido e notável progresso emtecnologiadevigilância,eondesepodeesperarumcrescimentoaindamaisrápidoenotávelnumfuturoprevisível.OexemplodaAmazon,quevocêtãoapropriadamentediscutiu,édefatopromissor;eleabre,permita-merepetir,oúltimosegmentodatríadehegelianaemsuaaplicaçãoàhistóriadomarketing.

OutrasempresastêmseguidooexemplodaAmazon,emuitassepreparampara isso.As ferramentasdavigilânciademarketing ficarammaisafiadaseajustadasemseuprocessodedifusão.NomarketingpraticadonoFacebook,por exemplo, não há referências potencialmente desconcertantes àspredileçõespessoaisdequemrecebeaoferta;emvezdisso,asreferênciassãoinofensivas, “socialmente corretas”, para os defensores das liberdadespessoais – referências a gostos e preferências, assim como a aquisiçõesfavoritasdosamigosdapessoa.Comefeito,umempreendimentointencionaledescaradamenterestritivo,noestilopan-óptico,édisfarçadocomoexemplodeoperaçãosinópticahospitaleiraesocialmenteamigável,sobabandeiradasolidariedade.

Toda essa atividade só se aplica, claro, aos consumidores preparados eamadurecidos. Sua aplicação a consumidores falhos ou indolentes, os“suspeitos de sempre”, que os ban-ópticos devem identificar, localizar eexcluir,seriapurodesperdícioderecursos.Naáreadavigilânciaconsumista,aplicaçõespan-ópticasesinópticassãopostasaoperarlogoqueseconcluiotrabalhodelimpezadoterrenoacargodosban-ópticos.

DL:Sim,exatamente.Eessaéoutrarazãopelaqualachoqueseuteoremada “modernidade líquida” se ajusta tão bem ao estudo da vigilância. Ondereina o consumismo, a chamada mídia social só é limitadamente social;8como você diz, ela poderia ser lida como um sinóptico sob a bandeirasedutoramente disposta da solidariedade. Os consumidores líquidosmodernos, instigadospordispositivoseletrônicos, tendemasevoltarparasimesmoscomoindivíduosembuscadoprazer.Umavezouviumestudantedegraduação queixar-se (numa curiosa justaposição de discursos) de que“temosodireitodenosdivertir”.Asbolhasdefiltragemoferecidaspelamídiasocial,mas infladas por nós quando nelas sopramos nossas preferências epredileções a cada clique do mouse, simplesmente reproduzem essa“introversão” consumista, líquida moderna, que é ao mesmo tempo eparadoxalmenteumaformadeextroversão,umdesejodepublicidade.

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Emminhavisão,issoestárelacionadoaumprocessodelongoprazonasculturasocidentais,emqueaescopofilia(ouoamordeservisto)sefundeàcrescente ubiquidade das práticas de vigilância, com vários efeitosdestacados. Um deles diz respeito ao óbvio envolvimento voluntário dosconsumidoresemsuaprópriavigilância.Comodizíamos,comoexemplodaAmazon,podemosentenderplenamenteapartirdedentro,porassimdizer,aatraçãodesseprocesso.Massuspeitofortementedequeessefenômeno,quepoderia ser lido também, embora de maneira mais crítica, como falta decuidadoparacomasinformaçõespessoais,podenosaquietar,tornando-nosmais complacentesem relaçãoàsviagensdenossaspersonasdigitais.Emvezdeperguntarmosporqueapessoaatrásdobalcãonospedenúmerodetelefone, identidade e código postal, ou questionarmos a exigência, pelamáquina,denovosdadosparaqueatransaçãosecomplete,presumimosquedevehaveralgumarazãoquenosbeneficiará.Porexemplo,quandosetratado uso, agora generalizado, de “cartões de fidelidade” de cadeias de lojas,linhas aéreas etc., um recente estudo internacionalmostra que as pessoas“nãoconhecemounãoseimportam”comasconexõesentreessescartõeseaelaboraçãodeperfis.9

Além disso, contudo, as bolhas de filtragem que cada vez mais tentamtransformar nossa categoria demercado no nicho de um único consumidortambém contribuem para a ignorância sobre outros que podem ter sidofiltradosnegativamentepelamesmatriagem.Seaspessoas“nãoconhecemou não se importam” com a elaboração on-line de perfis de consumidores,nãoéprecisotermuitaimaginaçãoparainferirquetêmmenosconhecimentoainda sobre o ban-óptico do consumidor, com seu “demarketing” deconsumidoresfalhos.Paranãomencionarosoutrosban-ópticosàespreitanoespaço urbano, como os que privam as populações proscritas de serviçosessenciais com base em seus perfis pessoais, ou os que valorizam algunsdistritosdacidadeenquantodemonizamoutros.

Isso nos leva de volta a uma conversa anterior. Como mostra StephenGraham, determinadas cidades americanas, assim como outras em lugaresdistantes, como o Afeganistão e outras partes do mundo, tornaram-se“espaços de batalha” e, portanto, alvos, também com base em perfispopulacionais.10Nissoosmilitareseomercadoatuamemconjunto,noqueJames Der Derian chama de “complexo industrial militar com mídia eentretenimento”.11

De todas essas e de outras formas, então, parece que os mundos davigilância ao consumidor, centrados no conforto, evidenciam curiosasconexões com as faces mais conhecidas da vigilância. Apoiam-se e sefortalecemmutuamente.12

ZB:A tecnologia é de fato transferível – e é avidamente transferida, nessecaso, da mesma forma que numa multiplicidade de outros. Não seria fácildecidirqualsetordonovo“complexo”(ampliadoe,presumivelmente,aindamais formidável) detém o pioneirismo; até um momento relativamente

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recente – durante a Guerra Fria e as subsequentes aventuras militares danaçãoqueaspiravaàposiçãodeimpériomundial,noqueacaboufracassando–,aopiniãomaiscomumeradequeosmilitaresestavamnaliderança.Porém,parece que a prolongada centralidade da segurança pública nas políticasdeclaradasdeEstadoéagoramaissustentadapela“realidadedosfatos”–dosfatosqueabandonamocentrodegravidadenadireçãodosetorcomercialdo“complexo”(incluindo“mídiaeentretenimento”).

Decerto você sabemais do que eu sobre o atual estado de coisas nessaárea,maseusugeririaqueosdepartamentosdePesquisaeDesenvolvimento(P&D)dasgrandesempresascomerciaisestãopassandoporumprocessonosentido de assumir a liderança do atual desenvolvimento de engenhocas eestratégias de vigilância, antes pertencente aos laboratórios militaresultrassecretos.Nãodisponhodasestatísticas–contoaquicomofatodevocêestar em melhor posição, tendo estudado o assunto com muito maisprofundidade do que eu. Mas sugiro que, hoje, não apenas o capitalverdadeiramente grande tende a ficar à deriva; em tempos de depressãoeconômica, esses departamentos de P&D estão entre as pouquíssimas áreasainda “livres de cortes” e imunes a reduções de efetivos no corpo de outromodotruncadoougravementedesbastadodocapitalderisco.

Quantoàcooperaçãosilenciosaouvociferante,conscienteouinconsciente,por ação ou omissão, porém indubitavelmente maciça, dos vigiados nonegóciodavigilânciavoltadaparaelaborarseus“perfis”,eunãoaatribuiria(aomenosprimariamente)ao“amordeservisto”.Numafrasefamosa,Hegeldefiniualiberdadecomoumanecessidadeaprendidaereconhecida.Apaixãoporsefazerregistraréumexemploimportante,talvezomaisgritante,dessaregrahegelianaemnossostempos,nosquaisaversãoatualizadaeajustadadocogito de Descartes seria “sou visto (observado, notado, registrado), logoexisto”.

Achegadadainternetpôsaoalcancedecadafulano,beltranoesicranoumfeito que antes exigia as incursões noturnas de uns poucos grafiteirostreinadoseaventureiros:transformaroinvisívelemvisível,tornandogritantee dissonantemente presente o negligenciado, ignorado e abandonado – emsuma, tornando tangível e irrefutável o ser e o estar no mundo. Ou,relembrando o diagnóstico feito doze anos atrás por Dick Hebdige, doBirminghamCentre forContemporaryCulturalStudies, a internetveioparasubstituirotrabalhodeerguer-seesairdainvisibilidadeedoesquecimento,eassimreivindicarumlugarnummundoreconhecidamenteestranhoeinóspito,quebrandogarrafasougargalos.

Visto contra esse cenário, afirmar seu estar nomundo com o auxílio doFacebook traz uma vantagem sobre desenhar grafites, não exigindohabilidades difíceis de adquirir e sendo “livre de riscos” (sem a polícia

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fuçandoseucangote),legal,amplamentereconhecido,validadoerespeitado.Oimpulsoémuitosemelhante.Omeiodecanalizá-loéqueseaperfeiçoaesetornamaisdisponívelefácildemanejar.Render-seànecessidadetransforma-aemdivertimento?

Oimpulsoemquestão,aindatãopoderosoeirresistível,seéquenãomais,quantonaerapré-internet,vemdosensogeneralizadodetersidoabandonadoe negligenciado, forçado à invisibilidade emmeio a um bazar de imagenscoloridas e sedutoras; ele gera sentimentos que, para usar uma recentesugestão do Le Monde, “oscilam entre a raiva entorpecida e o desesperoressentido”.Creioque,emúltimainstância,esseimpulsoeessessentimentosé que têm a maior responsabilidade pelo enorme, atordoante sucesso daatividadede“elaborarperfispelométododo‘façavocêmesmo’”.

a Processo consciente ou inconsciente pelo qual pessoas tentam influenciar apercepçãodeoutrassobreumapessoa,objetoouevento,pormeiodaregulaçãoedocontroledeinformaçõesnainteraçãosocial.(N.T.)

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Investigandoeticamenteavigilância

DAVIDLYON:Atéagora, cada temadenossaconversasuscitaquestõesnãosomente sobre a análise adequada da vigilância. Ela seria líquida? Quediferença isso faz? Mas também sobre os insistentes desafios éticos queacompanhamessaanálise,oumelhor,queestãonelaembutidos,quelhedãoforma.Umdosmaisconhecidosformuladoresdedenúnciassobreavigilânciaatualnocampoacadêmico,GaryMarx,advertiaaindaem1998queaéticaera necessária para a “nova vigilância”.1 Como é uma das poucas peças“éticas”nessecampo,elatendeasercitadaporquepelomenosoautortentaavançar um pouco nessa área. Argumenta ele que a mudança tecnológicaocorre tão depressa e com consequências tão profundas no campo dasegurançaqueformasderegulaçãomaisantigasprecisamurgentementeseratualizadas.

Emoutraspalavras,olouváveltrabalhodeGaryMarxofereceumguiaparaa intervenção jurídica e regulatória quanto à difusão da vigilância. Ele dáprioridadeàdignidadedaspessoaseenfatizaaprevençãodeprejuízos,queras pessoas estejam ou não conscientes de que são objeto de vigilância, eoutrosprincípiosgeraisadequadosparasetraduziremregras.Comoeudigo,osestudosdeGaryMarxsobrevigilânciaforamdefinitivosparaessecampoemdesenvolvimento.Ele foiumdosprimeiros,porexemplo,a insistirqueoque chamava de suspeito categórico tinha de ser considerado juntamentecomtiposindividuais,maisconvencionais,quandoosoftwareeasestatísticasajudamadeterminarquemédeinteresseparaapolícia.2

EmboraosprincípioséticosdeGaryMarxsejamdecarátergeral,elesdefatotêmavirtudedecorresponderasituaçõesespecíficas,naesperançadeque práticas alternativas possam ser forjadas. Por mim, contudo, tenho osentimento incômodo de que há questões éticas que também devemosconfrontarnumplanobemdiferente.Semquererqueadiscussãolevitenumdomíniodesconectadodos“prejuízos”edanosvinculadosàsnovastécnicasdevigilância–dasquaisjátivemosalgoadizeremnossaconversa–,parece-mequealgunstemaséticosfundamentaisnosconfrontamporqueavigilânciaeletronicamentemediadaenvolvenossasvidasnocotidiano.

Podemosvoltaratrásporum instante?Estáclaroquealgunsdossonhosiniciaisda“cibernética”(dadécadade1950)vieramalojar-seno“ciberespaço”eemsuasócia,avigilância.Ostiposdecontroleporlaçosdefeedbackquese buscava desenvolver para fins demanufatura industrial e quemigraramparaaadministração-geralantesdesegeneralizarcomoestratégiabásicadapráticaorganizacionalnoséculoXXsão fundamentaisparaoque tenhoem

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mente.NãoéàtoaqueautorestãodistantesquantoGillesDeleuzeeDavidGarland viram a vigilância se desenvolver muito depressa em relação,respectivamente,ao “controledesociedades”eao “controledeculturas”.3Eemboraocontrolehojetenhasetornadoamplamentelíquido,emoposiçãoaoperarnosespaçose recintos fixosdopan-óptico,ovelho temaamadoporBentham ainda é visível (ou talvez se torne visível pela ação de pessoascorajosasobastantepararevelá-loeexpô-lo).

Partedahistóriaaquié,comoKatherineHaylespungentementeaponta,omodocomoa informaçãoperdeuseucorpo.4Acibernéticaquegerminounadécada de 1950 não estava desconectada da emergente definição deinformaçãoque,pararesumir,concebiaestaúltimacomoalgoquantificávelecomodificável.Nosanosdopós-guerra,teóricosdacomunicaçãoengajaram-senumasériedeencontros“decúpula”decarátertransatlântico,conhecidoscomoConferênciasMacy, para debater comoa informação seria concebidanessecampoemrápidaexpansão.Oparticipantebritâniconessesencontrosdecisivos,oneurocientistaDonaldMacKay,daUniversidadeKeele,sustentouinutilmente que a informação, para ser considerada como tal, precisava teruma associação demonstrável com o significado. Mas a chamada EscolaAmericana – Claude Shannon em particular – foi vitoriosa, e a palavra“informação” seria cada vezmais utilizadaem teoria da comunicação comoumaentidadeisoladadesuasorigenshumanasesignificativas.

Amarremosissoàsrealidadesdavigilânciaemnossosdias.Cadavezmaisoscorpossão “informatizados”,palavra feia,masadequada.Emnumerosassituações de vigilância, corpos são reduzidos a dados, mais obviamente,talvez,pelousodabiometriaemfronteiras.Porém,nessecasoparadigmático,oobjetivoemquestãoéverificara identidadedocorpo,de fato,dapessoa,para permitir que cruze a fronteira (ou não). Só podemos concluir que ainformaçãosobreessecorpoestásendotratadacomosefosseconclusivanadeterminaçãoda identidade da pessoa.Se a distinção formantida, então apessoapodesepreocuparseaimpressãodigitalouoescaneamentodaírisaregistra adequadamente ou não no sistema, ignorando o que Irma van derPloeg chama de “integridade corporal”.5 Em forma condensada, essa é ahistória de como a informação desincorporada termina afetando de modocrítico as chances de vida de gente de carne e osso, como migrantes,pessoasembuscadeasilo,eassimpordiante.6

Ora,pensoqueissodáoutravoltaorientadaparaavigilâncianaquiloquevocê fala sobre adiaforização, as ações isentadas de avaliação ética pormeiostécnicos.Amediaçãoeletrônicapermiteumdistanciamentomaiorentreator e resultado do que se poderia imaginar na burocracia pré-digital. Mastambém se baseia numa noção de “informação” limitada e escassamentereconhecível, que se declarou liberta da pessoa. Como julgo que aadiaforização é essencial aqui, esse parece um bom lugar para começar.Antesdefazê-lo,contudo,tambémgostariaqueabordássemosessestemasdeumaperspectiva,porassimdizer,oposta:daperspectivadeumaéticadaproteção.Podemoscomeçartestandoavigilânciaadiaforicamente?

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ZYGMUNTBAUMAN:Maisumavezvocêacertounamosca,David.Suaintuiçãoquantoàs interfacesdavigilânciaedamoral,alémdaquelasassinaladasporGary Marx, incluindo uma interface ainda mais seminal e que exige umaatençãomaisinquisitiva,étãocorretaquantooportuna.Paracomeçar,nuncaocorreriaaBenthamquetentaçãoeseduçãofossemaschavesdaeficiênciadopan-óptico em produzir um comportamento desejável. Não havia cenoura,apenas uma vareta na caixa de ferramentas do pan-óptico. A vigilância aoestilopan-ópticopresumequeocaminhoparaasubmissãoaumaofertapassapela eliminação da escolha. Nossa vigilância empregada pelo mercadopresumequeamanipulaçãodaescolha(pelasedução,nãopelacoerção)éocaminho mais seguro para esgotar as ofertas por meio da demanda. Acooperação não apenas voluntária, mas entusiástica, dos manipulados é oprincipalrecursoempregadopelossinópticosdosmercadosdeconsumo.

Essa seria, porém, uma observação lateral, talvez conveniente, sedesejássemos estabelecer o cenário para sua pergunta principal. Decompor,fatiar, pulverizar totalidades em agregados de características capazes de serecompor (mas, em princípio, reordenadas e arranjadas numa “totalidade”diferente)nãoéinvençãodapolíciaoudosagentesdefronteira.Tampoucoéumaidiossincrasiadepoderestotalitáriosou,demodomaisgeral,deregimesobcecados com o poder. Particularmente vista em retrospecto, parece umatributo geral da forma de vida moderna (conhecida por sua obsessão pordiferenciação,classificaçãoearquivos),agoraamplamentereempregadoparaumaestratégiaemtudoalteradanocursodatransiçãoparaasociedadelíquidamoderna de consumidores. Reempregada em nome da inclusão da “livreescolha” na estratégia de marketing, ou, mais precisamente, de tornarvoluntáriaaservidãoefazercomqueasubmissãosejavivenciadacomoumavanço da liberdade e um testemunho da autonomia de quem escolhe (jádescrevi esse processo em outro texto, chamando-o de “fetichismo dasubjetividade”).7

Umexemploumtantoextremo,etalvezdesconcertantementeruidoso,masbastante característico, é fornecido pelo hábito universal das agências denamoro de arranjar os potenciais objetos de desejo segundo as preferênciasapresentadaspelospotenciaisclientes–comocordapeleoudocabelo,peso,tamanho dos seios, interesses declarados, passatempos favoritos etc. Opressuposto tácito é de que os seres humanos que procuram a ajuda daagêncianabuscadecompanheiroshumanosprecisamepodemconstituí-losapartir de sua seleção de características. No curso dessa “decomposição emnome da recomposição”, algo vital desaparece da vista e damente, e, paratodos os fins e propósitos práticos, está perdido: a “pessoa humana”, “oOutro”damoralidade,osujeitoporseuprópriodireitoeoobjetodeminharesponsabilidade.

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Você está certo em se preocupar com isso, David. Quando outro serhumanoétratadocomoumamercadoriaselecionadasegundocor,tamanhoenúmeros, a adiaforização está em pleno curso e é mais devastadora. Umconjuntodecaracterísticas,sejamelasanimadasouinanimadas,dificilmentepoderiaserumobjetomoralcujotratamentosesujeiteaumjuízomoral.Issose aplica às agências de namoro da mesma forma que às agências depoliciamento,aindaqueosobjetivosdabuscasejamdiferentes.Qualquerquesejaafunçãomanifestadesseexercício,suafunçãolatente,masindetectável,é a exclusão do objeto da decomposição/ recomposição da classe dasentidades moralmente relevantes e do universo das obrigações morais. Emoutraspalavras,aadiaforizaçãodeseutratamento.

DL:Sim,maisumavezreceioquevocêestejacerto.Ironicamente,porém,avigilância – alguém para me vigiar – pode ser valorizada e procurada nasvicissitudes da vida líquida moderna. Por infortúnio (para falar commoderação),contudo,esse“alguém”muitasvezestambéméalgumacoisa.Eessacoisaésupostamente informaçãodesencarnada,selecionadapormeiodesoftwareetécnicasestatísticas.Éoprodutodeumaduplaadiaforização,detalformaquenãoapenasaresponsabilidadeéeliminadadoprocessodecategorização,comotambémopróprioconceitodeinformaçãoemsireduzahumanidade dos categorizados, quer a finalidade em vista seja o namoro,queroassassinato.

Emoutraspalavras,esses filtroscolaborativoseaté, ironicamente,essasbasesdedados relacionais tendem,emalgumascircunstâncias,anegaroupelomenosobscurecernossarelaçãohumana.Se,comonosensinaLevinas,nossahumanidadesóédescobertadiantedoOutro,aoreconhecermosnossaresponsabilidade por ele, então existe algo profundamente perturbador emrelaçãoaossistemasdevigilânciaqueparecemromperessacapacidadederelação, ou até, de formamais sutil, erodi-la pedaço por pedaço.Mas seráque não é exatamente isso que devíamos esperar, se, como muitosconcordam,umdospontosdeviradaemdireçãoàvigilânciamoderna foi ohorrendodiagramaarquitetônicoconhecidocomopan-óptico?

JeremyBentham,entreoutrascoisas, foium reformadorprisional secularnumaeraemqueaopiniãopreponderantesobreoquehaviadeerradocomoslugaresdepuniçãoincluíamuitasvozescristãs(paranãomencionaroutrasque defendiam enviar os delinquentes para colônias penais no extremoopostodoplaneta).Muitasvezesfiquei imaginandoseBenthamnãoapenastinhaconsciênciadisso,mas tambémse tentouneutralizarascríticasaseuplanocitandoemepígrafeoSalmo139daBíblia,sobreoolhodeDeusqueatudoenxerga.Masa leituraqueele fazdoolhodeDeusenfatizaapenasoolhar aparentemente controlador, instrumental, de uma divindade invisível,inescrutável e possivelmente punitiva. Bentham enxergava somente aantolhadavisãoracionaldoIluminismo.

Uma leitura mais equilibrada daquele salmo revela um tipo totalmente

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diferente de visão, uma visão relacional que apoia e protege; “até ali a tuamãomeguiaráeatuadestramesusterá”(Salmo139:10).Evidentemente,háaqui uma orientação moral, mas a analogia contextual é o olharcalorosamente vigilante do amigo, do pai ou damãe.Encontro nessa outraleitura do salmo usado porBentham comoepígrafe uma crítica da ética daproteçãoemestadoembrionário.Nãonecessáriaoubasicamenteparabuscarpráticasde vigilância alternativas,maspara testar aspráticasexistentesnoobjetivodeexporseusefeitosreais.EsseéotipodeexercícioemqueLucasIntronaseengajouaomostrarcomooefeitodedistanciamentodatelapode“des-figurar” o Outro excluindo pela “filtragem” quase todas as suascategorias.8Encontroumaautênticapromessanessaética“reveladora”.

ZB:NãotenhotantacertezadequeavisãodeBenthamsobreoIluminismofosse,comovocêdisse,antolhada.Estava,afinal,emperfeitasintoniacomospreceitos mais centrais, definidores, de fato, do Iluminismo: colocar osassuntosdomundosobogerenciamentohumanoesubstituiraprovidência(odestino“cego”,acontingência“aleatória”)pelaRazão,essainimigamortaldeacidentes, ambiguidades, ambivalências e incoerências. Sou tentado a dizerque o pan-óptico de Bentham foi uma versão com tijolos e argamassa doespíritoiluminista.

Um aspecto menos divulgado, embora não menos fundamental, dessespreceitos gêmeos do Iluminismo foi o pressuposto da ignorância eincapacidade morais dos hoi polloi, as “pessoas comuns” (variadamentedenominadas“opovo”ou“asmassas”):comoRousseauproclamou(demodoum tanto abrupto), as pessoas devem ser forçadas a serem livres. Umacruzada moral precisa sustentar-se na obediência das pessoas ou em suaambição,nãoemseusduvidososimpulsosmorais.Époressarazão,creioeu,quenãosedeveesperarumamploalistamentovoluntárionaguerradeclaradaaos caprichos do destino; a aposta foi em codificar os deveres e não emdesatrelaras liberdadesdeescolha.Épor issoqueBentham,assimcomoospioneiros dos “moinhos satânicos”, e Frederick Taylor, o homem dasmedições de tempo e movimento, que pretendia reduzir o operador damáquinaaopapeldeescravoobedientedela,podiamacreditar sinceramentequeeramagentes,promotoresebraçosexecutivosdamoral–nosentidodeambasas interpretaçõesdoSalmo139:10:vigiar eguiarnadireçãocorreta.Juntamentecomtodasasiniciativasemanobras,aquestãodefundamentaramoral era tarefa e prerrogativa dos gerentes. Era a razão gerencial, dosgerentescapturadosemmovimentoeregistradosporJamesBurnhamemTheManagerialRevolution (1939), que falavapelos lábiosde JeremyBentham,assimcomodeHenryFord.

Hojeemdia,porém,deixamosparatrásasambiçõeséticaseditatoriaisdosgerentesdeestiloBurnham.Nósasdeixamospara trásemconsequênciada

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“RevoluçãoGerencial Parte 2” – tendo os gerentes descoberto uma receitamuito melhor (mais barata e menos difícil de carregar e manusear, assimcomopotencialmentemaislucrativa)paraocontroleeadominação:passarosdeveres gerenciais para os próprios gerenciados, transferindo a tarefa demantê-losnalinhadacolunadedébitosparaadecréditos,depassivosparaativos,decustosparaganhos–“terceirizando”essatarefaparaaquelesqueseencontramnaextremidadereceptoradaoperação.IssoéalgopeloqualalojademóveisIkeaéfamosa–deixaramontagemdoselementosproduzidospelafábrica para clientes que pagam pelo privilégio de executar essa tarefa, emvez de serem remunerados por seu desempenho –, mas é um princípioempregadodemaneiracadavezmaisamplanamoldagemdosatuaispadrõesdarelaçãodedominação/subordinação.

O caminho para a reeticalização desses padrões antes assinalados comreferência a Lucas Introna é tão estimulante e promissor quanto qualquercoisa que ainda possa ser testada na prática. Porém, não esqueçamos,ensinadoscomofomosnopassadoporumalongasériedefalsasalvoradaseamargosdespertares,queaslinhasseparando“proteção”de“dependência”e“liberdade” de “abandono” são endemicamente contenciosas; cada aparenteoposiçãoparecemaisumpardeaspectosinseparáveis(complementares,comefeito)damesmarelação.Simplificando:sim,avigilânciapodeanularalgunsescrúpulosmoraisaomanifestarsuas“aplicaçõesdeproteção”.Masissotemum preço – de maneira alguma moralmente inocente. E sem parar de servigilânciaesemeliminarasdúvidasdenaturezamoralcomasquaiselatemsido, e não injustamente, associada.Ainda estamos esperando em vão pelobolo que possamos comer e preservar, ainda que essa descoberta sejanovamenteanunciadaacadasucessivanovidadetecnológica.

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Agênciaeesperança

DAVID LYON: Tendo lido nossa conversa até agora, gostaria quedefrontássemosalgunstemasqueapareceramdiversasvezes,masquenãochegamosadebater comalgumaprofundidade.Semepermite, gostariadeassinalá-los com as palavras “agência” e “esperança”. A primeira é muitorelevante para a vigilância e se conecta com a observação que você fez aPeter Beilharz em 2001,1 de que Gramsci lhe mostrara como mulheres ehomensestão longedese tornar inconscientesem relaçãoà formacomoasociedade funciona e nunca deveriam ser considerados meras vítimas dasestruturassociais,não importaopoderqueelasaparentem.Algunsestudossobre vigilância parecem sugerir que os seres humanos são apenascerceados pela rede burocrática, capturados pelas lentes das câmeras ouinapelavelmente rastreados e seguidos por seus próprios celulares. Assim,ondesepoderiaencontraroufomentaraagência?

Asegundapodeser relacionadaàprimeira,especialmenteporque,aindaseguindoGramsci, suaobra indicacomoascoisaspoderiamserdiferentes.Ossereshumanospodemfazeradiferença,eefetivamenteofazem,podempensardeformanãoconvencionaleàsvezesatéalterarocursodahistórianadireçãodajustiçaedasolidariedade.Independentementedetudoquesedigasobreasmaneiraspelasquaisopoderevaporanoespaçodosfluxos,oude como o Homeland Security estimula políticas e práticas profundamenteracistasaolançarumaredetãoamplaquetodosnósnostornamossuspeitos“categóricos”,oumesmodacrescentecomplacênciaemrelaçãoàperdageralde controle sobre nossas informações pessoais, não creio que tudo estejaperdido. Mas quais são os fundamentos dessa esperança? Como ela étemperada pela incerteza, a ambivalência ou mesmo a suspeita? E comopode contribuir para o que você chama de escolhas vitais entre vidashumanaseinumanas?

ZYGMUNTBAUMAN:“Tudoestáperdido”apenasquando(se!)acreditamosqueissosejaverdade(W.I.Thomas,quasecemanosatrás,descobriuexatamenteisso,concluindoque,“umavezqueaspessoasacreditemquealgumacoisaéverdade,elatendeasetornarverdadeemconsequênciadesuasações”).Masmesmoassimnem tudo estáperdido.Anão aceitaçãodessa situação, aindaquelançadaàsmasmorrasdosubconscienteeláencarcerada,abreumgrandeburaconessaconvicçãopelaqualosmilagressãoconvidadosafluiredefatofluem.Suponhoque seja intrinsecamente impossível viver coma crençade

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que “tudo está perdido”, e que também isso seja inconcebível, presumindoqueossereshumanosconstituemumaespécieendemicamentetransgressora.Enãopoderiaserdeoutraforma,tendosidoabençoadaouamaldiçoadacomumalinguagemquecontémapartícula“não”(querdizer,apossibilidadedenegarourefutaroqueseja)eotempofuturo(querdizer,acapacidadedesermovidoporumavisãodarealidadequenãoexiste“ainda”,maspodeexistirno“futuro”,comamesmaforçacomqueoutrosanimaissãomovidospelasevidênciasfornecidaspelossentidos).

Numanimalqueescolhe, transcendee transgridecomooHomosapiens,nenhumacondiçãoéplenaeverdadeiramentedotipo“tudoestáperdido”.Oque não significa, contudo, que transformar o verbo em carne seja umaoperaçãodescomplicada,desucessogarantido,ouqueumareceitatotalmentesegura(eacimadetudoindisputada)parasairdoproblemaestejaàesperadequealguémaencontre;ouque,umavezencontrada,seria levadaacabodecomumacordoecomoaplausouniversal.MaspermitaqueeuomandedevoltaaoquediscutimosbrevementecomreferênciaaumarecenteentrevistadeHouellebecq.

Outraobservação:oEstado-naçãonãoéaúnica“agênciaemcrise”.Outra“agênciaemcrise”éoindivíduo,convocadoeencorajadoaencontrar(comoUlrich Beck com frequência nos lembra) “soluções individuais paraproblemassocialmentegerados”,edequemseesperaqueoconsiga.Todossomos agora “indivíduos” por cortesia desse decreto – não escrito, masprofundamentegravadoem todasouquase todas aspráticas sociais.Somostodos“indivíduosdedireito”,masamaioriadenós,emmuitasocasiões,sepercebe muito aquém do status de “indivíduo de fato” (em função de umdéficitdeconhecimento,dehabilidadesourecursos,ousimplesmenteporqueos problemas com que nos defrontamos só poderiam ser “resolvidos”coletivamente, e não por uma só pessoa; por uma ação organizada ecoordenadaenvolvendomuitagente).

Não é provável que sejamos perdoados por essa brecha entre asexpectativas sociais (também internalizadas por nós) e nossas habilidadespráticas.Tampoucopela chamada“opiniãopública”,nempornossaprópriaconsciência (mesmo que socialmente cultivada). Creio que esse sentimentomuitohumilhante,quenegaadignidadeprópriaeaesperançaderedenção,detersidolançadonumestadodeinescapáveleirredimíveldesqualificação,sejao estímulo mais poderoso da versão atual da “servidão voluntária” (nossacooperação com a vigilância eletrônica/digital); uma versão que, em últimainstância, não é mais, porém também não é menos, que uma tentativadesesperada de escapar ao abandono e à solidão (leia-se, impotência).Podemos ser “confinados” e “capturados”, mas também “pulamos”,mergulhamosesubmergimosporvontadeprópria,noúltimosustentáculode

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nossaesperança.

DL:Seassimfor,entãooúltimosustentáculodaesperançatalveznãoduremuito!Comopoderia?Eonde,nos tempos líquidosmodernos,alguémpoderealmente “se sustentar”? Estou com você quanto às mudanças tectônicasque tornamamodernidadebemmenossólidadoqueantesparecia–aindaqueMarx e outros nos tenham alertadomuito tempo atrás que a aparentesolidez“sedesmanchanoar”–,deumlado,comaambivalênciaevidenteaonosso redor, de outro, com as certezas meramente “manufaturadas” dassociedadesderisco.Nãoadmiraqueaesperançaocultesuafaceequeatéseu frágil conteúdo, o otimismo, fique esperando nos bastidores peloaparecimento de uma sugestão cultural que lhe conceda um momento nopalconadaacolhedordenossostemposlíquidos.

Osfluxosdeinformaçãoeimagensdigitaisquedebatemosnocontextodavigilância, por toda parte, estão ampliando esse senso de liquidez, quetambémtem,segundoalguns,oefeitode“esfriar”asmemórias.Asmemórias“quentes”quepoderiammoldaredirigirodesenvolvimentoculturaldeformasapropriadamenteéticassãosubstituídaspelafriezadededicaratençãoaoe-mail recebido, à atualização do status e ao prognóstico revisado, enquantoelesvoampelanossaconsciência.2Mesmonosdomíniosdavigilância,comoemsuametáforado“mergulhoe imersão”nos fazrecordar,ascoisasestãonum fluxoconstante.Aqui tambémostatusdoconsumidorsealteraacadanovo bit de informação transacional, e suas chances de ser detido noaeroporto para novos interrogatórios variam de acordo com os níveis detráfegoeatrilhaderastrosmaisrecentequevocêdeixouparatrás.

É por isso que, nummundo onde as ciências sociais muitas vezes têmrecorrido–adequado!–aumahermenêuticadasuspeita,euvoltoaosseustextos, repletos de odores que nos lembram que a hermenêutica tambémpode ser recuperada. Embora possamos nos fortalecer para viver comambivalência ou recuar dos sonhos com o sublime digital, também nãohaveria oportunidades de considerar o que pode ser recuperado devocabuláriosculturalmentedesprezadossemcairnanostalgiaounareação?Lembro-me com gratidão, por exemplo, de participar de um seminário, em1996, com Jacques Derrida quando ele fez brilhar a luz da exposição deLevinas sobre la responsabilité.3 Isso ajudou a reviver minha própria ehesitante esperança de que haja alternativas que também expliquem ostemposlíquidosemquevivemos.

Trata-sedeumahermenêuticadarecuperação,talcomoavejo,porquevaiparatrásafimdeconfrontareenvolveropresente,aomesmotempoqueseagarraàesperançadaquiloque (comovocênos lembroupelaspalavrasdePaulo)aindanãopodemosver.Nomundodavisãovigilante,seoolharpan-óptico objetifica oOutro, Levinas nos estimula a ver que isso não fecha aspossibilidadesdeoutrotipodeolhar.Avisãonãonecessariamente“noscegaparaahumanidadedooutro”.4 Levinasnos levade voltaaoOutrodaTorá,como o estranho ou forasteiro, a viúva e o órfão. E quem no relato bíblico

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representamaisplenamenteo forasteiromarginalizadoqueHagar,aesposahostilizadae cruelmenteexcluídaporAbraãoeSara?SuasubordinaçãodegêneroesuainferioridadeétnicanãopassaramdespercebidasaYHWH,queela reconheceagradecida como “oDeus queme vê”.Oolhar amoroso e aação libertadora são inseparáveis nesse relato.5 Outra forma é possível,impregnadadeesperança.

ZB: Por que recorri a uma expressão tão dramática como “o últimosustentáculodaesperança”?Emfunçãodacrisedaagência,omaisconspícuoveneno da condição atual. A esperança hoje sente-se frágil, vulnerável,fissípara precisamente porque não podemos localizar uma agência viável epotenteobastanteparatransformaroverboemcarne.Essadificuldade,comocontinuareiarepetir,deve-se,porsuavez,aoiminentedivórcioentreopoderquefazascoisasseremfeitaseopodercapazdegarantirquesejamfeitasascoisascertas(costumávamoschamaressesegundopoderde“política”).

As agências políticas existentes (estabelecidas pelo governo do Estado)tambémestão longedeseadequaràgrandiosidadeda tarefa.Nossos líderespolíticosacertamnasexta-feiraoquedeveserfeito,eentãopassamofimdesemana tremendo até a abertura das bolsas de valores, na segunda, paradescobriroquedefatofizeram(maisprecisamente,oquedefatofoifeito).Não admira que as sugestões de que estão nascendo agências alternativasansiosas por se juntar à luta sejam consumidas com tanta avidez – e semostrem, portanto, tão abundantes. Quem sabe melhores engenhocas devigilância possam realizar o que anos de pregação moral e elaboração decódigosdeéticanãoconseguiram?

Temosesperançade teresperança –umaesperançamais fundamentada,mais auspiciosa. Na facilidade digital de convocar milhares de homens emulheresaumapraçapública,tentamosaomáximoenxergarapromessadaconstruçãodeumnovoregimequeponhafimàsexcentricidadesefutilidadesdo atual. Isso está OK, e é muito bem-vindo para nossa saúde mentalenquanto continuarmos a ter esperança; ajuda muito menos quandoproclamamos (ouaceitamosasproclamaçõesdeoutros)quea caixaque talregimevaipreenchercomsucessojáfoiabertaefechada.

VocêestátotalmentecertoquantoàvisãodeLevinas,masquediriaeledaschances de essa perspectiva ganhar sustentação na realidade se tivesse deviajarnosveículosdavigilânciaeletrônicaedigital?Tantoomachadoquantoalâminasãoprodutosapuradosdatecnologia–masaidequemusá-lossemmoderação.Podemosfazerabarbacomummachado?Cortarlenhacomumalâmina? (Embora se possam usar tanto o machado quanto a lâmina, nãoexatamentedeacordocomseuspropósitos,paramatar.)Afinal,avigilânciaeletrônica–eninguémmostrouissodeformamaisconvincentedoqueDavidLyon–dividee“demografiza”oquea“FacedoOutro”deLevinassintetizae

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integraliza.GérardBerry,umdosprincipaisespecialistasfrancesesnosefeitossociais

da informática, contou a seu entrevistador Roger- Pol Droit a história dequandoencontrouadolescentestunisianoslogoapósaúltimarevolução.6Elelhes contoucomoeradifícil, quando tinhaa idadedeles,organizar atéumapequenareunião.Seusinterlocutoresficaramatônitoseacharamgraça.Nuncatinham imaginado um mundo assim, nem jamais haviam tentado pensarnessestermos.Poroutrolado,Berryficouigualmentesurpresoeachougraçaquandotentouextrairdosadolescentesorelatodecomohaviam“começado”a usar meios eletrônicos para compor e decompor sua “intimidade”. Nãoobteveumarespostasequer–epercebeuqueeraaperguntaerradaparaessesadolescentes.Nunca tinhamvividonummundosemFacebookeTwitter,demodo que nunca “começaram” a usar o Facebook e coisas do gênero paraconstruiredesconstruirseumundosocial.

Oúnicomundoqueconheciametinhamaprendidoahabitareraoperadodigitalmente.Paraeles,a interneteraalgo tãonaturalquantoomarouumamontanha,concluiuBerry,enãotinhamnadacomquepudessemcompará-laa fim de avaliar seus méritos ou vícios relativos. Pressionado por Droit aprever para onde vamos, Berry ficou aparentemente pouco à vontade. SeuGPS(GlobalPositioningSystem,sistemadeposicionamentoglobal)vai

transmitir eternamente suas coordenadas, e o computador, os cliques quepermitirãomensurarasvariaçõesdocomportamentocoletivoeindividual,mastambémdequantidadesdeinformaçãoquepoderãosetornarmuitoperigosaspara a democracia. Se as pessoas não forem alertadas agora, essas práticasperigosasestarãoemfuncionamentoantesqueasperguntaspossamserfeitas,eodebatedemocráticonormalnãoterálugar,serátardedemais.

Bem,podemosconcordar,aomenosporora(atéomomentoemqueumaevidênciamaisfirmeemenosambíguasejadisponibilizadapeloprocessodeconstrução da história pelos seres humanos), que a vigilância digital é umaespadaafiadacujaeficáciaaindanãosabemoscomoreduzir–e,obviamente,uma espada com dois gumes, que ainda não conseguimos manejar comsegurança.

Quantoanossasesperanças:aesperançaéumaqualidadehumanaquenãoperdemos sem que percamos também nossa humanidade. Mas tambémpodemos ter certeza de que vai levar muito tempo até encontrarmos umrefúgioseguroemqueépossível lançarumaâncora.Você,comotodosnós,sabe tudo sobre o destino domenino que vivia dando alarmes falsos.Mastendemos a saber menos (ao mesmo tempo em que o perdoamos maisfacilmente)quedestinosemelhanteestáàesperadequalquerumdenósqueviva dando alarmes falsos, do alto do ninho de um corvo, sobre “a terra

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prometidaqueseencontraànossafrente!”.

DL: Como aconteceu com nossas outras conversas, também estapermaneceráadequadamenteinconclusa.Masseusretumbantescomentáriosmeestimulamaexigirmais,pelaúltimavez.Sim,esperançaecompaixãosãoinseparáveise,sim,encontrarumaancoragemsegurapode levar tempo (e,deve-seacrescentar, parece ser algomais ilusório naera líquidamoderna).Masseogarotoqueanunciavaumlobofalsoavisavadeperigosinexistentes,que dizer daqueles que anunciam a “terra prometida”? A história do loboenfatizaa importânciadedizeraverdade,demodoaquetodossósejamosalertadossobreriscosreais.Vocêtangencioudiversoscasosopostos,emquese fazem tolas alegações futuristas sobre a promessa transformadora datecnologia (por exemplo). E, sem hesitar, concordamos que esse otimismovazioétãofalsoquantoolobotemidodaantigahistória.Nãoé,porém,maispossível?

Compartilho com você a situação em que encontrei uma orientaçãoverdadeira – que, estou persuadido, deriva da esperança – em minhasprópriastentativasdeentenderavigilância.Essasconvicçõesnãosãomoedacorrente na escrita pública da sociologia ou da história.Mas, não obstante,elas ou suas equivalentes estão presentes em silêncio nos bastidores.Nãopodem ser provadas (o que quer que isso signifique), mas não podemosdeixardepresumi-las.Todosnósnosbaseamos,queiramosounão,nessespressupostos“metateóricos”.

Quando comecei a tratar da vigilância pós-11 deSetembro, tentava lidarcom a ênfase crescentemente excludente das iniciativas de segurança-vigilância.Umvocabuláriodotadodeumanovaclarezaquetomavaformanamídiaenapolíticadestacavacomoproscritasascategoriasde“muçulmano”,“árabe” e “pessoa do Oriente Médio”. Como afirma Bourdieu comsimplicidade, mas também com sabedoria, “o destino dos grupos estáestritamente ligadoàspalavrasqueosdesignam”.7Eagorasabemoscomotem profundas consequências para essas designações o fato de seremassociadas à palavra “terrorista”. É a exclusão pela dominação, em que osexcluídossãosituadosforadavidanormal(e,nessecaso,legal).Mas,comoobserva o teólogo Miroslav Volf,8 outras exclusões incluem a eliminação(pensenaBósnia,emRuanda)esua irmãmaissuave,aassimilação (vocêpode sobreviver entre nós se renunciar à sua identidade; esta semana ogovernocanadenseanunciouquemulheresnãopodemmaisusaroniqabemcerimônias de concessão de cidadania). E então existe a exclusão porabandono,que já vimosem relaçãoaosconsumidores falhos, porexemplo.Sabemoscomoautomatizar“caminhandodooutrolado”.

Demodocomovente,VolfexplorouessesassuntosquandodesafiadoporJürgenMoltmannemrelaçãoaseele,umcroata,poderiaalgumdiaabraçarum cetnik – nome dos guerreiros sérvios que haviam devastado sua terranatal.Comocristão,eleespera,semdúvidaalguma,porumaeraemqueasespadas se transformem em arados, mas reconhece que, no presente, a

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questão é “como viver sob o governo de César na ausência do reino daverdadeedajustiça?”(itálicosnooriginal).9ElecitaHansEnzenberger(parairalémdele)indagandoseapedradeSísifo(queeleeraobrigadoaempurrarmorroacima)podeserchamadade“paz”.Aindaépossívelrealizarpequenosatos de sociabilidade, mas também é possível que o assassino retorne aqualquer momento. Porém, diz Volf, os que “carregam a cruz” na trilha doMessias “vão romperociclodeviolência recusando-seasercapturadosnoautomatismodavingança”,demodoque“ospreciososatosdenãoretaliaçãosetornamasementedequebrotaofrágilfrutodapazpentecostal”.10

Ora,minhaintençãoaomencionarissoéqueessasconvicçõesprofundasinformam a análise e a historiografia sociais. Embora discordemos dascrenças em que se originam, nem assim podemos formar aliançasestratégicascomoutrosqueafirmem,porexemplo,aagênciaeaesperança?KieranFlanaganobservou,eeuconcordo,quesuaobra,Zygmunt, “forneceuminesperadotestemunhode…ressonânciasteológicasnamodernidade”.11Achoquevocêusa“inesperado”nosentidodequetemgrandesdúvidasemrelaçãoàatividadedeDeusnomundo,eéprofundamentecrítico(comoeu)quanto a diversas manifestações do sentimento “religioso”. Mas ele estácorretoquandodizquevocêreconhececomaudáciaaimportânciadetemasmuitas vezes deixados apenas para os teólogos – a realidade do mal, ainescapabilidade da ética, o vigor dos relacionamentos de longo prazo, oaltruísmo do Outro e a prioridade do amor ao próximo, os enigmas damortalidade–,eváriosdosquaisjátangenciamosaqui.

Vejo-me transitando sem desculpas nem remorso pela tradição cristã,enquanto me refiro à sua obra unicamente porque ela articula ideias, etambém compromissos, que são muito próximas das minhas. Sua obracomportatãobemcoisasquemesãocarasquedescobriquepossocontinuarviajando muito tempo em sua companhia, ainda que encontremos tambémmomentosde tensãoou,emúltima instância,discordânciabásica.Descobriquevocêàsvezescitacomaprovaçãofontescristãs,equeelas– incluindoVolf–reconhecemodébitoparacomsuasabedoria.ComodiriaLevinas,háem seu trabalho certo rashimo, aquela ideia da Cabala, que faz eco àperspicácia e à lucidez dos Livros Sagrados, clareando e estimulando aconsciênciaenoslevandoanovasdireções.

Portanto, vigilância líquida? Bem, sim, pois é crucial entender as novasmaneiraspelasquaisavigilânciaestáseinfiltrandonacorrentesanguíneadavidacontemporânea,equeasformascomoofazcorrespondemàscorrentesdamodernidadelíquida.Masaideiadeliquidezvemdapenadeumapessoaque recusa terminantemente a superficialidade e a falta de substância degrandepartedateoriasocial;equesevolta,emvezdisso,paraostemasaosquais acabei deme referir. Creio queminha pergunta é: em quemedida ateoria social e política pode permanecer aberta às contribuições dos quefalam a partir de tradições religiosas? Quem, por exemplo, encontra nojudaísmoenocristianismoantigosasraízesda ideiadequeo testedaboagovernançaéaformacomosãotratadososmaisvulneráveisouosdotados

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devozesmaisfrágeis?Ouquemousateresperança,nãoemalgumautopiade fabricaçãomeramente humana,mas na concretização das palavras dossábios, das promessas dos antigos profetas ou até, repetindo palavrasfrequentementeusadasporvocê,do“verbofeitocarne”?

ZB: Como já ocorreu tantas vezes em nossa conversa, você pôs o dedoinequivocamente nos pontos e aspectos mais vulneráveis, contenciosos einflamáveis desse tema. Em meu pequeno estudo sobre a “arte da vida”,sugeri que é o destino (nome genérico de tudo que não podemos evitar oualterar significativamente) que estabelece para nós a gama de opçõesdisponíveiserealistas,maséocaráter(nomegenéricodaquiloquepodemostentarconscientementecontrolar, alteraroucultivar)que faza seleçãoentreelas.Acopresençaea interaçãodessesdois fatoresamplamenteautônomostornam os feitos humanos indeterminados, e, no fim das contas, jamaistotalmenteprevisíveis.Nemosnazistaseoscomunistas,emseuscamposdeconcentração,conseguirameliminardetodoasescolhashumanas!Vocêeeu,talcomotodosaonossoredor,desdeopassadomaisdistanteatéaeternidade,fomos,somosecontinuaremosaserhomoeligens–seresquefazemescolhas,quefazemhistóriadamesmaformaquesãofeitosporela.

Porestarconvencidodetudoisso,creiosimultaneamentenapossibilidadee na inevitabilidade da moral. Nunca esqueceremos o que Eva e Adãoaprenderamaoprovardofrutodaárvoredaciênciadobemedomal.Sóquecadaconjuntodecircunstâncias combinadaspara formaro“destino”atribuidiferentessançõesadiferentesescolhas.Issosignificaque,emcircunstânciasdiversas, as probabilidades de certas escolhas são distintas: embora, sendohominisapienti,alémdehominieligenti,nosinclinemosadarpreferênciaàsescolhasmenosdispendiosasemrelaçãoàsmaiscaras(nãoimportaamoedaemqueoscustoseganhosrelativossejamavaliados).

Existe, no entanto, uma enorme distância entre determinação eprobabilidade,eénesseespaçoparcamenteassinaladoqueoperaocaráter–nacompanhiadamoral.Ficorepetindoque“sermoral”émuitascoisas,masdecerto não a receita de uma vida fácil e confortável. A incerteza (e umaincerteza do tipo mais assustador, uma incerteza irrevogável e irredutívelantesdeumaescolhaserconsideradaedepoisdeelatersidofeita)éaterranatal, o hábitat da moralidade. E, com muita frequência, esta última(contrariamente aos ensinamentos de quase todos os filósofos éticosmodernos)nãoestáemconformar-seàsnormasquaseuniversalmenteaceitaseobedecidas,masnafirmeresistênciaaelas,comenormecustoparaquemresiste.

Creiohaveruma“afinidadeeletiva”entreessacrençaeocredodofalecidoTonyJudt.Nodiaseguinteàsuamorte,anoteiosseguintespensamentosemmeu diário: “Se nada mais aprendemos com o século XX”, insistia Judt,

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“deveríamosaomenosterentendidoquequantomaisperfeitaaresposta,maisassustadoras as consequências. Melhorias graduais em circunstânciasinsatisfatóriassãoomelhorquepodemosesperar,eprovavelmentetudoquedeveríamos buscar.” A história, em outras palavras, pode nos ensinar ahumildade e nos recomendar a modéstia em nossos empreendimentos. Poroutro lado, não vai destruir nossas esperanças – desde que escutemos seuaviso.NumaconversacomDavidFoley,do Independent, Judt apresentouoseucredo:

Outro dia me perguntaram se eu enxergava um desvio para alguma coisaparecidacomautoritarismooutotalitarismo.Nãovejoisso.Decertamaneira,vejoalgomuitomaiscorrosivo,queéumaperdadaconvicção,umaperdadafé na cultura da democracia plena, um senso de ceticismo e retraimento queprovavelmente está bem avançado em ambos os lados doAtlântico.…Mastambémachoquetendemosavernameiageraçãoseguinteumaressurgênciadoentusiasmocoletivo,naformadeprotestosmotivadospela irapolítica,deorganizaçãoentreos jovenscontraaestagnaçãodosúltimos25anos.Assim,otimismoamédioprazo,pessimismoacurtoprazo.12

Endossandoejustificandoretrospectivamenteo“otimismoamédioprazo”deJudt,ofuturo–nãoimediato,masrelativamentepróximo–terádenavegarentre o Cila de ressuscitar o passado e o Caribde de uma despreocupadanegaçãode seu legado. “Seria agradável–mas equivocado– afirmarque asocial-democracia, ou algo semelhante, representa o futuro que pintaríamospara nósmesmos como ummundo ideal”, declarou Judt em outra ocasião,“pronunciando cuidadosamente cada palavra”, como comenta Evan R.Goldstein, seu entrevistador.13 Abandonar os ganhos obtidos pelos social-democratas–oNewDeal,aGrandeSociedade,oEstadodebem-estarsocialeuropeu–“é trair tantoosquevieramantesdenósquantoasgeraçõesqueaindaestãoporvir”.

Atualmente, porém, estamos assistindo ao declínio de oitenta anos degrandesinvestimentosnosserviçospúblicos.Jogamosforaesforços,ideiaseambiçõesdopassado.Aoeliminarmosa resposta ruim,esquecemosasboasperguntas.Querocolocá-lasdevoltanamesa.

Pessoalmente, suspeito que Judt encontrou o significado que tãoardentementeprocurouemvida,pelomenosnavidadoindivíduoportadordonome Tony Judt, e – na medida em que outros seres humanos decidiramsaturarsuasvidasdeumsignificadosemelhante–talveztambémnahistóriahumana.JudtconfessouaFoley:

As únicas conversas filosóficas sérias que tenho tido foram com o filósofoThomas Nagel, aqui, da [Universidade de Nova York], que é amigo meu.

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Temos tido longas conversas sobre as responsabilidades dos vivos pelo queacontece depois que morrem. Em outras palavras, não sobre a vida após amorte, mas sobre a vida depois da morte de uma pessoa e sobre asresponsabilidadesquesetememrelaçãoaomundoquesedeixaparatrásemtermos de comportamento, em termos do que se diz ou do que se tentaconseguir,eassimpordiante.…

Essasresponsabilidadessãobastantesubstanciais.Defatomorremos–nãovivemosdepoisdemortos,oupelomenos,seofazemos,nadaseisobreisso,nem tenho a oferecer provas ou argumentos que o sustentem –, mascontinuamos vivendo em outras pessoas das formas pelas quais somosresponsáveis. A memória que deixamos, a impressão que permanece doformato das ideias que tivemos e as razões que as pessoas possam ter paracontinuar comprometidas com essas ideias são responsabilidades que temosagoraporummundopeloqualnãopodemosserresponsáveis.Existembasespara agirmos agora como se fôssemos continuar a viver, como se fôssemosestar lá para assumir responsabilidadepor nossaspalavras e nossos atos, umsentidodeviverparaofuturo,aindaqueestenãosejaoseu.

DL:Sim,sim,eessaédefatooutramaneiradeconceberlaresponsabilitéede influenciá-la.Deminhaparte, comocrente, sóacrescentariaqueoNovoTestamentonos impõevivernopresentecomosea futurashalom já tivessechegado. Vivermos agora integralmente uma vida de adoração, de nosencontrarmosna facedoOutro, de transformarmosespadasemarados,depressionar para garantir que as vozes dos marginalizados, doscategoricamente suspeitos, sejam ouvidas, sem temer as consequênciasdisso.

ZB: “Viver no presente como se a futura shalom já tivesse chegado”, vocêinsiste. Este, tal como outros apelos do Velho e do Novo Testamento, foidirigido aos santos, incluindo o preceito da responsabilidade incondicionalarticuladoporLevinas,tambémeleumcrente(mas,porfavor,considerequeesteseriaummundohorrívelseaatençãoàsmensagensdostestamentoseagraça de absorvê-las dependessem de uma crença na divindade de seusremetentes).Eossantos receberamamensagem,digeriram-nae reciclaram-na,transformando-aemações.Éporissoqueoschamamosdesantos.Éporissoquesãosantos.E,noentanto,nãoseríamoshumanossemapresençadossantos. Eles nos mostram o caminho (são o caminho), provam-nos que épossível segui-lo, sãodoresde consciênciaparanós,quenos recusamosousomosincapazesdeassumireseguirocaminho.

Emseuúltimoromance,Omapaeoterritório(reflitam,porfavor,sobreamensagem contida nesse título), Michel Houellebecq tenta responder seWilliam Morris (famoso pelo preceito de que “planejamento e execuçãojamais poderiam ser separados”) era um utópico. Ele medita, recusa-se

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resolutamenteaparecerconclusivo(“Estoumuitovelho”,explica,“nãotenhomais o desejo nem o hábito de chegar a conclusões”), mas, não obstante,sugere: “O que se pode dizer é que o modelo de sociedade proposto porWilliamMorris certamente não seria utópico nummundo em que todos oshomensfossemcomoWilliamMorris.”

Endosso essa hipótese, incluindo todos os encorajamentos explícitos eadvertênciasimplícitas.

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·Notas·

Introdução

1. Gilles Deleuze, “Postscript on the societies of control”, October 59(inverno1992),p.3-7.

2. Kevin Haggerty e Richard Ericson, “The surveillance assemblage”,BritishJournalofSociology,v.54,n.1,2000,p.605-22.

3.WilliamG.Staples,EverydaySurveillance:VigilanceandVisibility inPostmodernLife.Lanham,Rowman&Littlefield,2008,p.8,grifosnossos.

4. Zygmunt Bauman, Liquid Modernity, Cambridge, Polity, 2000, p.11[trad.bras.,Modernidadelíquida,RiodeJaneiro,Zahar,2001].

5.Paraadiscussão,verDavidLyon (org.),TheorizingSurveillance:ThePanopticonandBeyond,Cullompton,Willan,2006.

6.DidierBigo, “Security: a field left fallow”, inM.Dillon eA.W.Neal(orgs.),FoucaultonPolitics,SecurityandWar,Londres,PalgraveMacmillan,2011,p.109,grifosnossos.VertambémDavidLyon,“Everydaysurveillance:personal data and social classification”, Information, Communication, andSociety,v.5,n.1,2002,p.1-16.

7. Ver, por exemplo,David Lyon, “The border is everywhere: ID cards,surveillance and the other”, in E. Zureik e M.B. Salter (orgs.), GlobalSurveillanceandPolicing,Cullompton,Willan,2005,p.66-82.

8. Bauman debate a adiaforização em diversos textos, incluindoPostmodernEthics,Oxford,Blackwell,1993.

9. Ver, por exemplo, Oscar Gandy, Coming to Terms with Chance:EngagingRationalDiscriminationandCumulativeDisadvantage, Farnham,Ashgate,2009.

10. David Lyon, Surveillance Studies: An Overview, Cambridge, Polity,2007,p.32.

11. Daniel Solove, The Digital Person: Technology and Privacy in theInformationAge,NovaYork,NewYorkUniversityPress,2007,p.47.

12.Bauman,LiquidModernity,p.10.13.Ibid.,p.11.14. Ver, por exemplo, Katja Franko Aas, Sentencing in the Age of

Information,Londres,GlassHouse,2005,cap.4.15.DavidLyon(org.),SurveillanceasSocialSorting:Privacy,Risk,and

DigitalDiscrimination,Londres,Routledge,2003.

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16. Ver, por exemplo, Anna Vemer Andrzejewski, Building Power:ArchitectureandSurveillanceinVictorianAmerica,Knoxville,UniversityofTennesseePress,2008.

17.OscarGandy,op.cit.18. Ver, por exemplo, Work, Consumerism and the New Poor,

Buckingham,OpenUniversityPress,1998.

1.Dronesemídiasocial

1. ElisabethBumiller eThomShanker, “War evolveswith drones, sometinyasbugs”,TheNewYorkTimes,19jun2011.

2. Brian Stelter, “Now drones are absolute”; disponível em:http://motherboard.vice.com.

3. Essa particular acusação de roubo, tal como amaioria das que foramapresentadasecontestadasdurantea“CorridadoOuro”naCalifórnia,apartirde1849,nãotevesoluçãoinequívocanostribunais;masainternet,noiníciodoséculoXXI,talcomoaCalifórniaemmeadosdoséculoXIX,eraumlugarsingularmentesemlei–sempropriedadeprivada,taxasdelicenciamentoouimpostos.

4. Josh Rose, “How social media is having a positive impact on ourculture”,23fev2011;disponívelem:http://mashable.com/2011/02/23/social-mediaculture/;acessoemmar2012.

5.GeorgSimmel,“Thesociologyofsecrecyandof thesecretsocieties”,AmericanJournalofSociology,n.11,1906,p.441-98.

6.GaryT.MarxeGlennW.Muschert,“Simmelonsecrecy:alegacyandinheritanceforthesociologyofinformation”,inChristianPapiloudeCécileRol (orgs.), The Possibility of Sociology, Wiesbaden, VS Verlag fürSozialwissenschaften,2008.

7. Ver Paul Lewis, “Teenage networking websites face anti-paedophileinvestigation”,Guardian,3jul2006.

8.EugèneEnriquez,“L’idéal typedel’individuhypermoderne:l’individupervers?”,inNicoleAubert(org.),L’Individuhypermoderne,Toulouse,Érès,2004,p.49.

9.SiegfriedKracauer,DieAngestellen,ensaiosprimeiramentepublicadosem série noFrankfurter Allgemeine Zeitung durante o ano de 1929, e emformadelivro,em1930,pelaSuhrkamp.Aquicitadosegundoatraduçãoparao inglês deQuintinHoare,SiegfriedKracauer,The SalariedMasses:DutyandDistractioninWeimarGermany,Londres,Verso,1998,p.39.

10. Germaine Greer, The Future of Feminism, Dr. J. Tans Lecture,Maastricht,StudiumGenerale,UniversidadedeMaastricht,2004,p.13.

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11. Sherry Turkle,Alone Together:WhyWe ExpectMore of TechnologyandLessofEachOther,NovaYork,BasicBooks,2011,p.xii.

12.DanielTrottier,SocialMediaasSurveillance:RethinkingVisibilityinaConvergingWorld,Londres,Ashgate,2012.

13.Outrosestudiososchegaramadiferenteslimites,porvezesodobrodosde Dunbar. Segundo um recente verbete da Wikipédia, “o antropólogo H.RussellBernard,juntamentecomPeterKillwortheassociados,realizouumasériedeestudosdecamponosEstadosUnidosque resultaramnumnúmeroestimadodevínculos–290–queémaisoumenosodobrodaestimativadeDunbar. A mediana de Bernard-Killworth, de 231, é mais baixa graças àirregularidadeascendentenadistribuição:issoaindaébemmaisamploqueaestimativa de Dunbar. A estimativa de Bernard-Killworth da máximaprobabilidadedetamanhodaredesocialdeumapessoabaseia-senumasériede estudos de campo utilizando diferentes métodos em várias populações.Nãoéumamédiadasmédiasdo estudo,masumadescoberta reiterada.Noentanto,onúmerodeBernard-KillworthnãotemsidotãodivulgadoquantoodeDunbar.Diferentementedospesquisadorescitados,queseconcentramemconjuntos de pessoas em várias populações humanas contemporâneas, osprincipaisobjetosdosestudosdecampoedearquivosrealizadosporDunbareosfornecedoresdosdadosbrutosapartirdosquaisonúmerodeDunbarfoicalculado foramprimatas epopulaçõesdoPleistoceno; portanto, a propostade Dunbar – de que, dada a estrutura do neocórtex compartilhada pelosprimataseseusparentesmaisjovenshumanos,otamanhodahordaprimitivaestabelece limites ao número de “relacionamentos significativos” para osseres humanos – deve ser tomada como um pressuposto e não como umadescobertaconfirmada.

14. Ver “McDonald’s #McDStories Twitter campaign backfires”, DailyTelegraph,24jun2012;disponívelem:www.telegraph.co.uk;acessoemabr2012.

15. Sobre isso, ver o criterioso artigo de Malcolm Gladwell, “Smallchange:whytherevolutionwillnotbetweeted”,NewYorker,24out2010.

16.Ver Jean-ClaudeKaufmann,Sex@mour, Paris, ArmandColin, 2010,aqui citado a partir da tradução deDavidMacey,LoveOnline, Cambridge,Polity,2012.

2.Avigilâncialíquidacomopós-pan-óptico

1. Kevin Haggerty, “Tear down the walls”, in Lyon, TheorizingSurveillance.

2. Michel Foucault, Discipline and Punish, Nova York, Vintage, 1977,p.202-3.

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3. Oscar Gandy, The Panoptic Sort: A Political Economy of PersonalInformation,Boulder,Westview,1993.

4.LornaRhodes,“Panopticalintimacies”,PublicCulture,v.10,n.2,1998,p.308.

5. Lorna Rhodes, Total Confinement: Madness and Reason in theMaximumSecurityPrison,Berkeley,UniversityofCaliforniaPress,2004.

6.MarkAndrejevic,RealityTV:TheWorkofBeingWatched,NovaYork,Rowman&Littlefield,2004.

7. Essa é uma citação aproximada de David Lyon, “The search forsurveillancetheories”,inLyon,TheorizingSurveillance,p.8.

8. Loïc Wacquant, Punishing the Poor: The Neoliberal Government ofSocialInsecurity,Durham,DukeUniversityPress,2008,p.25.

9. JohnGilliom,Overseers of thePoor,Chicago,University ofChicagoPress,2005.

10.DidierBigo,“Globalized (in)security: the fieldand theban-opticon”,in Naoki Sakai e Jon Solomon (orgs.), Traces 4: Translation, Biopolitics,ColonialDifference,HongKong,HongKongUniversityPress,2006.

11. Michel Agier, Le Couloir des exiles. Être étranger dans un mondecommun,Marselha,ÉditionsduCroquant,2011.

12.Lyon,SurveillanceStudies,p.42.13.OscarGandy,“Comingtotermswiththepanopticsort”,inDavidLyon

e Elia Zureik (orgs.), Computers, Surveillance and Privacy, Minneapolis,UniversityofMinnesotaPress,1996,p.152.

14.MarkAndrejevic,iSpy:SurveillanceandPowerintheInteractiveEra,Lawrence,UniversityofKansasPress,2007,p.125.

15.Gandy,ComingtoTermswithChance.16. Geoff Bowker e Susan Leigh Star, Sorting Things Out, Cambridge,

MA,MITPress,1999.17.ThomasMathiesen,“Theviewersociety:MichelFoucault’spanopticon

revisited”,TheoreticalCriminology,v.1,n.2,1997,p.215-34.18. Ver David Lyon, “9/11, synopticon, and scopophilia: watching and

beingwatched”,inKevinD.HaggertyeRichardV.Ericson(orgs.),TheNewPoliticsofSurveillanceandVisibility,Toronto,UniversityofTorontoPress,2006,p.35-54.

19. Aaron Doyle, “Revisiting the synopticon: reconsideringMathiesen’s‘viewer society’ in the ageofweb2.0”,TheoreticalCriminology, v.15, n.3,2011,p.283-99.

20.ZygmuntBauman,CollateralDamage:SocialInequalitiesinaGlobalAge, Cambridge, Polity, 2011, p.46-7 [trad. bras., Danos colaterais:desigualdadessociaisnumaeraglobal,RiodeJaneiro,Zahar,2012].

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3.Ausência,distanciamentoeautomação

1.GötzAlyeSusanneHeim,VordenkerderVernichtung.AuschwitzunddiedeutschenPlänefürdieneueeuropäischeOrdnung,Hamburgo,Hoffmann&Campe, 1991, p.14, 482. “O que começara como um pequeno escritóriocriadoem6deoutubrode1939comamissãodecoordenaro‘reassentamentode nações europeias’ [Reichskommisariat für die Festigung DeutschenVolkstums] logo se transformou numa instituição poderosa, com inúmerasdivisões, empregando, além de seus funcionários, milhares de etnógrafos,arquitetos, agrônomos, contadores e especialistas em todas as disciplinascientíficas imagináveis” (p.125-6).O livro foi traduzido comoArchitects ofAnnihilation:AuschwitzandtheLogicofDestruction,Londres,Weidenfeld&Nicolson, 2001. Ver também a resposta de Götz Aly a Dan Diner, inVierteljahresheftefürZeitgeschichte,n.4,1993.

2.Cf.KlausDörner,TödlichesMitleid.ZurFragederUnerträglichkeitdesLebens,Gütersloh,Paranus,1988,p.13,65.

3.ThomShanker eMattRichtel, “Innewmilitary, dataoverload canbedeadly”,TheNewYorkTimes,16jan2011.

4.VerGüntherAnders,Le tempsde la fin (1960),Paris,L’Herne, 2007,p.52-3.

5.Lyon,“Theborderiseverywhere”.6.Ibid.7.Ver,porexemplo,ElisabethBumiller,“AirForcedroneoperatorsreport

high levels of stress”, The New York Times, 18 dez 2011. Disponível em:http://www.nytimes.com/2011/12/19/world/asia/air-force-drone-operators-show-highlevels-of-stress.html?_r=3;acessoemmar2012.

8.RogerSilverstone,“Properdistance:towardsanethicsforcyberspace”,in Gunnar Liestøl et al.(orgs.), Digital Media Revisited: Theoretical andConceptual Innovations in Digital Domains, Cambridge, MA, MIT Press,2003,p.469-90.

4.In/segurançaevigilância

1. Zygmunt Bauman, Liquid Fear, Cambridge, Polity, 2006, p.6 [trad.bras.,Medolíquido,RiodeJaneiro,Zahar,2008].

2.Ibid.,p.123.3.KatjaFrankoAas,HeleneOppenGundhuseHeidiMorkLomell(orgs.),

Technologies of InSecurity: The Surveillance of Everyday Life, Londres,Routledge,2007,p.1.

4.TorinMonahan,SurveillanceintheTimeofInsecurity,NewBrunswick,

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RutgersUniversityPress,2010,p.150.5.AnnaMinton,GroundControl:FearandHappinessintheTwenty-First

CenturyCity,Londres,Penguin,2011,p.171.6.Bigo,“Security”.7.ZygmuntBauman,“Conclusions:thetriplechallenge”,inMarkDavise

KeithTester(orgs.),Bauman’sChallenge:SociologicalIssuesfortheTwenty-FirstCentury,Londres,PalgraveMacmillan,2010,p.204.

8.“MichelHouellebecq, theartof fictionno.206”,ParisReview,n.194,primavera2000;disponívelem:www.theparisreview.org/interviews/6040/the-artof-fiction-no-206-michel-houellebecq;acessoemabr2012.

9.Solove,TheDigitalPerson,p.47.10.VincentMosco,TheDigital Sublime:Myth, Power andCyberspace,

Cambridge,MA,MITPress,2004.11. S.F. Murray, “Battle command: decision-making and the battlefield

panopticon”,MilitaryReview,jul-ago2006,p.46-51,apudinKevinHaggerty,“Visible war: surveillance, speed and information war”, in Haggerty eEricson,TheNewPolitics.

12. Zygmunt Bauman, Socialism: The Active Utopia, Londres, Allen &Unwin,1976,p.141.

13. Keith Tester, The Social Thought of Zygmunt Bauman, Londres,PalgraveMacmillan,2004,p.147.

14.KeithTester,ConversationswithZygmuntBauman,Cambridge,Polity,2000,p.9[trad.bras.,BaumansobreBauman,RiodeJaneiro,Zahar,2011].

15.DavidNoble,TheReligionofTechnology:TheDivinityofManandtheSpiritofInvention,NovaYork,Penguin,1997.

16.Tenteiexpressar isso,porexemplo, inDavidLyon,SurveillanceafterSeptember11,Cambridge,Polity,2003,cap.6.

17.Ibid.,p.166.

5.Consumismo,novasmídiaseclassificaçãosocial

1. Christian Fuchs, Kees Boersma, Anders Albrechtslund e MarisolSandoval(orgs.),InternetandSurveillance,Londres,Routledge,2011,p.xix.

2.Lyon,SurveillanceStudies,p.185.3. Ver Sachil Singh e David Lyon, “Surveillance consumers: the social

consequencesofdataprocessingonAmazon.com”,inRussellW.BelkeRosaLlamas(orgs.),TheRoutledgeCompaniontoDigitalConsumption,Londres,Routledge,2012.

4.Ver,porexemplo,Lyon,“9/11,synopticon,andscopophilia”.5. dana boyd, “Dear voyeur, meet flaneur, sincerely, social media”,

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SurveillanceandSociety,v.8,n.4,2011,p.505-7.6. Eli Pariser,The Filter Bubble:What the Internet IsHiding from You,

NovaYork,Penguin,2011.7.OscarGandy,“Consumerprotectionincyberspace”,TripleC,v.9,n.2,

2011,p.175-89.8. Pode haver exceções: reflito aqui principalmente no contexto da

vigilância. Talvez a mídia social possa ser pensada em relação à ideia deHardt eNegri de “enxame” – também usada porBauman, por exemplo, inConsuming Life, Cambridge, Polity, 2007 [trad. bras., Vida para consumo,RiodeJaneiro,Zahar,2008].VerMichaelHardteAntonioNegri,Multitude:WarandDemocracyintheAgeofEmpire,NovaYork,Penguin,2004.Ousoda mídia social durante a chamada Primavera Árabe de 2011 parece teralgumaressonânciacomaideiade“enxamear”.

9. Jason Pridmore, “Loyalty cards in the United States and Canada”, inElia Zureik et al. (orgs.), Surveillance, Privacy and the Globalisation ofPersonal Information, Montreal, McGill-Queen’s University Press, 2010,p.299.

10.StephenGraham,“Citiesandthe‘waronterror”,InternationalJournalofUrbanandRegionalResearch,v.30,n.2,2006,p.271.

11. James Der Derian, Virtuous War: Mapping the Military-Industrial-Media-EntertainmentComplex,Boulder,Westview,2001.

12. Aspecto ressaltado por Bauman, de forma ligeiramente diferente, inConsumingLife.

6.Investigandoeticamenteavigilância

1. Gary T. Marx, “An ethics for the new surveillance”, InformationSociety,v.14,n.3,1998.

2.GaryT.Marx,Undercover:Police Surveillance inAmerica,Berkeley,UniversityofCaliforniaPress,1988,cap.8.

3.Deleuze,“Postscript”;DavidGarland,TheCultureofControl,Chicago,UniversityofChicagoPress,2001.

4. N. Katherine Hayles,HowWe Became Posthuman: Virtual Bodies inCybernetics, Literature and Mathematics, Chicago, University of ChicagoPress,1998,cap.3.

5. IrmavanderPloeg,TheMachine-ReadableBody,Maastricht, Shaker,2005,p.94.

6. Ver, além disso, David Lyon, Identifying Citizens: ID Cards asSurveillance,Cambridge,Polity,2009,p.124-5.

7.VerBauman,ConsumingLife,p.14,17-20.

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8. Lucas Introna, “The face and the interface: thinkingwith Levinas onethics and justice in an electronically mediated world”, documento detrabalho,CentrefortheStudyofTechnologyandOrganization,UniversidadedeLancaster,2003.

7.Agênciaeesperança

1. Peter Beilharz (org.),The Bauman Reader, Oxford, Blackwell, 2001,p.334.

2. Essas ideias são estimuladas por Jan Assman, Das kulturelleGedächtnis, Munique, Beck, 1992, apud Miroslav Volf e William H.Katerberg, The Future of Hope: Christian Tradition amid Modernity andPostmodernity,GrandRapids,MI,Eerdmans,2004,p.x.

3.EssasériefoidepoispublicadaporJacquesDerrida,AdieuàEmmanuelLevinas, Paris, Galilée, 1997; e Adieu to Emmanuel Levinas, Stanford,StanfordUniversityPress,1999.

4.RobertPaulDoedeeEdwardHughes,“Woundedvisionandtheopticsofhope”,inVolfeKaterberg,TheFutureofHope,p.189.

5.Ibid.,p.193.6. Ver “Pour les enfants, Internet est aussi naturel que la mer ou la

montagne”,LeMonde,30nov2011.7. Pierre Bourdieu, Distinction: A Social Critique of the Judgement of

Taste,Londres,Routledge,1986,p.480-1.8.MiroslavVolf,Exclusion andEmbrace: A Theological Exploration of

Identity, Otherness and Reconciliation, Nashville, Abingdon Press, 1996,p.75.

9.Ibid.,p.277.10.Ibid.,p.306.11. Kieran Flanagan, “Bauman’s implicit theology”, in Davis e Tester,

Bauman’sChallenge,p.93.12.“TonyJudt:‘Iamnotpessimisticinheverylongrun’”,Independent,

24mar2010.13.EvanR.Goldstein,“ThetrialsofTonyJudt”,ChronicleReview,6jan

2010.

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·Índiceremissivo·

11deSetembroversegurançapós-11deSetembro

AAas,KatjaFranko,1abandono,exclusãopor,1AdãoeEva,1,2adiaforização:

doassassinatomilitar,1eaéticadavigilância,1,2-3edadoscorporais,1edistanciamento,1-2,3,4,5

Afeganistão,1Agamben,Giorgio,1,2agência:

criseda,1,2-3eesperança,1,2-3evigilânciaeletrônica,1-2,3-4

Agier,Michel,1,2aldeiaglobal,1Allport,Gordon,1Aly,Götz,1Amazon,1,2

evigilânciaconsumista,1-2ferramenta“Listadedesejos”,1-2filtragemcolaborativa,1filtrosdepersonalização,1-2

Anders,Günther,1-2Anderson,MichaelL.,1Andrejevic,Mark,1,2-3anonimato,1

eainternet,1,2-3eamídiasocial,1

Arar,Maher,1-2

115

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Arendt,Hannah,1,2-3,4asilo,pessoasembuscade:

eaéticadavigilância,1econtrolesdefronteira,1eoban-óptico,1-2

assimilação,exclusãopor,1Auschwitz,1,2,3autonomia,internetea,1,2

BBabilônia,1Bacon,Francis,sonhoda“CasadeSalomão”,1,2Baker,Peter,1ban-ópticos,1-2,3,4

eexclusãosocial,1evigilânciaconsumista,1,2odispositif,1-2

Beck,Ulrich,1,2,3Beilharz,Peter,1bememal,1Benjamin,Walter,1-2Bentham,Jeremy,1,2,3,4,5,6,7,8

eaéticadaproteção,1-2Berry,Gérard,1-2Bíblia,1

AntigoeNovoTestamentos,1Bigo,Didier,1,2-3,4BirminghamCentreforContemporaryCulturalStudies,1BladeRunner(Ocaçadordeandroides),1blogs,1,2Boétie,Étiennedela,1,2,3Bósnia,1Bourdieu,Pierre,1Bowker,GeoffreyC.,SortingThingsOut,1Brazil,1Bumiller,Elisabeth,1Burnham,James,1,2-3burocracias,1-2

116

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burocraciastransnacionaisdevigilância,1eHolocausto,1evigilânciaeletrônica,1

burocraciastransnacionaiseoban-óptico,1-2

CCabala,1câmerasdeTV,circuitofechadode,1câmerasdevídeo,1camposdeconcentração,1,2,3,4,5Canadá,1cartõesdecrédito,1,2cartõesdefidelidade,1Castells,Manuel,1categorizaçãosocial,1-2,3

categorizaçãopan-óptica,1-2consumismoenovamídia,1-2

Chernobyl,1chipsdeRFID(identificaçãoporradiofrequência,nasiglaeminglês),1-2cibernética,éticadavigilânciae,1cidades,segurançaevigilânciade,1,2códigosdebarra,1,2comunidadeseredes,1-2comunidadesfechadas,1,2comunismo,1-2,3ConferênciasMacy,1confissão:

ideiasdeFoucaultsobre,1-2sociedadeconfessionalhoje,1-2

consumismo,1,2-3,4-5eexclusão,1emodelosdeindividualidade,1-2emodernidadelíquida,1,2-3,4-5elaboraçãodeperfisdeconsumidoreson-line,1éticadavigilânciaconsumista,1-2indivíduosemercadorias,1-2mudançaparaacriaçãodenecessidades,1-2vigilânciaconsumistaepanopticismo,1,2-3,4

117

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vertambémmarketingcontrolesocial(“GrandeIrmão”),1,2-3,4controlesbiométricos,1,2,3,4CoreiadoSul,1-2,3-4corpos:

dadoscorporais,1,2eaéticadavigilância,1eospan-ópticos,1,2

criseenergética,1cristianismo,1,2,3Cyworld,1,2;vertambémCoreiadoSul

Ddanos/baixascolateraisedesenvolvimentotecnológico,1-2Deleuze,Gilles,1,2,3DerDerian,James,1Derrida,Jacques,1,2Descartes,René,1destruiçãocriativa,1destruiçãoemodernidade,1DeutschLA,1direitoshumanos,1disciplina:

epan-ópticos,1,2esegurança,1,2

discriminaçãoeaclassificaçãopan-óptica,1Discursodaservidãovoluntária,1dispositif,1-2distânciaadequada,1distopias,1-2,3

eutopias,1-2dominação,1-2,3,4,5

exclusãopela,1Donne,John,1Doyle,Aaron,1Droit,Roger-Pol,1-2drones,1,2,3-4,5,6

ecategorizaçãosocial,1

118

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edistanciamento,1-2,3Dunbar,númerode,1

eredesdeamizade,1-2Dunbar,Robin,1

Eeconomiadaexperiência,earevoluçãogerencial,1-2eliminação,exclusãopor,1Ellul,Jacques,1,2,3empresas,empregadosepanópticospessoais,1-2energiaatômica,1,2energianuclear,1,2Engels,Friedrich,1engenhariagenética,1-2Enriquez,Eugène,1Enzenberger,Hans,1Ericson,Richard,1escânerescorporais,1,2escopofiliaevigilânciadeconsumo,1,2-3espaçodefluxos,1esperançaeagência,1,2-3Estadoeagência,1,2EstadosUnidos:

coletadeinformaçõespeloExército,1-2controledaimigração,1-2HomelandSecurity,1vigilânciaeinsegurança,1,2

estressepós-traumático,1éticadavigilância,1,2-3,4,5,6-7

eadiaforização,1,2-3ecibernética,1econsumismo,1-2efetichismodasubjetividade,1-2etecnologia,1-2

evoluçãobiológica,redesdeamizadee,1-2evoluçãocultural,redesdeamizadee,1exclusão,1

econsumidores,1-2,3

119

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esegurançapós-11deSetembro,1-2vertambémban-ópticos

exclusãosocial,1exílios,1-2

FFacebook,1,2-3,4

easociedadeconfessional,1eagência,1eanonimato,1ecategorizaçãosocial,1eCyworld,1,2-3eosinóptico,1eredesdeamizade,1-2,3,4-5evigilânciaconsumista,1filtrosdepersonalização,1-2lançamentodo,1marketing,1usodeinformaçõespessoais,1-2“usuáriosativos”,1-2,3

“fetichismodasubjetividade”,1-2Flanagan,Kieran,1Foley,David,1,2Ford,Henry,1,2FórumSocialMundial(Mumbai),1Foucault,Michel,1,2,3,4,5

edispositif,1-2eopan-óptico,1,2-3,4,5,6,7,8sobreconfissão,1-2

Freud,Sigmund,1fronteiras:

adiaforizaçãoecontrolesdefronteira,1econtrolesbiométricos,1,2,3,4eoban-óptico,1-2epopulaçõesmigrantes,1-2mutáveis,1pan-ópticoseagentesdefronteira,1vigilânciaesegurançanas,1-2

120

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fronteirasentreEstadosverfronteirasfronteirasmutáveis,1Fukushima,1,2Fukuyama,Francis,1futurismo,1futurodotipo“façavocêmesmo”,nadistopiadeHouellebecq,1-2

GGandy,Oscar,1,2,3-4,5,6

ThePanopticoSort,1,2Garland,David,1Gattaca,1geodemografia,1Gilliom,John,OverseersofthePoor,1Globalização(Bauman),1globocídio,1Goffman,Erving,1Goldstein,EvanR.,1Google,1,2,3,4

filtrosdepersonalização,1Grã-Bretanha,redessociais,1,2-3Graham,Stephen,1Gramsci,Antonio,1Greer,Germaine,1GuerraFria,1guerrasedronesdevigilância,1-2

HHaggerty,Kevin,1,2,3Hayles,Katherine,1Hebdige,Dick,1Hegel,Georg,1

atríadehegeliana,1,2Heim,Susanne,1Heller,Agnes,1hermenêuticadarecuperação,1-2Hitler,Adolf,1Hobsbawm,Eric,1

121

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Holocausto,1,2,3,4Houellebecq,Michel,1-2

Omapaeoterritório,1humanidade,mídiasocialea,1-2Hunnewell,Susannah,1Huxley,Aldous,1-2

Iideiasrenascentistasdepazeprosperidade,1Ikea,1,2Iluminismo,1,2,3incerteza:

eesperança,1einsegurança,1emoral,1evigilâncialíquida,1,2-3

Independent,1individualidade:

modelos“econômico”edo“amor”,1-2novossistemasdesegurança,1

indivíduos,comoagentesnacrise,1insegurançaevigilância,1-2

distopias,1-2,3-4fronteirase,1,2medoe,1,2-3,4minoriasproscritas,1-2

“instituiçõestotais”epan-opticismo,1,2InternetandSurveillance(Fuchsetal.),1internet,1-2

anonimatoe,1,2,3-4blogs,1,2eagência,1evigilânciaconsumista,1-2namoro,1-2vertambémmídiasocial

Introna,Lucas,1,2investimentoeconsumo,1invisibilidade,1,2

122

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dosdrones,1-2easociedadeconfessional,1-2vigilânciaconsumistae,1

JJobs,Steve,1Jonas,Hans,1,2jovenseredessociais,1-2,3-4judaísmo,1

aTorá,1,2Judt,Tony,1-2justiça,1

eagênciahumana,1evigilância,1

KKafka,Franz,1,2Kaufmann,Jean-Claude,1-2Kracauer,Siegfried,1Kramer,Art,1

LLam,Rich,1LeCorbusier,1LeMonde,1Levinas,Emmanuel,1,2,3-4,5,6,7liberdadescivis,1

esegurançapós-11deSetembro,1

MMacKay,Donald,1mal,econstruçãodaordem,1ManagerialRevolution,The,1-2marketing,1

customizado,1esociedadedeconsumo,1-2vigilância,1-2vertambémmarketingdebasededados

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marketingdebasededados,1,2,3,4,5-6,7Amazon,1

Marx,GaryT.,1,2-3,4Marx,Karl,1,2Mathiesen,Thomas,1-2,3McDonald’s,campanhapeloTwitter,1-2McLuhan,Marshall,1medoeinsegurança,1,2-3,4memóriasevigilânciaeletrônica,1mercadoriasesociedadedeconsumo,1-2mídiaepan-opticismo,1-2mídiasocial,1

easociedadeconfessional,1-2eanonimato,1eexclusão,1-2ehumanidade,1-2eosinóptico,1-2eredesdeamizade,1-2erelacionamentosdigitalmentemediados,1-2evigilânciadeconsumo,1redesecomunidades,1-2solidariedadesocialeorganizaçãopolítica,1,2usoporcorporaçõesegovernos,1vertambémFacebook

Miller,Daniel,1minorias,medoeinsegurançarelacionadosa,1-2MinorityReport,1,2,3Minton,Anna,1modelode“amor”eindividualidade,1-2modelo“econômico”eindividualidade,1-2ModernidadeeHolocausto(Bauman),1,2modernidade,1-2,3-4

eocomunismo,1-2epan-ópticos,1nazismoe,1,2-3vertambémmodernidadelíquida

modernidadelíquida,1,2,3,4-5,6-7,8econsumismo,1,2-3,4-5

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econtrolesocial,1,2-3emedo,1epan-opticismo,1-2,3etecnologia,1-2

Moltmann,Jürgen,1Monahan,Torin,SurveillanceintheTimeofInsecurity,1-2Montaigne,Michelde,1moral:

eagência,1tecnologiaedistanciamentomoral,1-2vertambémadiaforização;éticadavigilância

Morris,William,1morte:

responsabilidadesdepoisda,1-2vigilânciaeinstintodemorte,1

Mosco,Vincent,1,2movimentodosindignados,1-2mudançasocial,Houellebecqsobre,1-2Murray,S.F.,1

NNagel,Thomas,1namoro:

agênciasde,1einternet,1-2

Nancy,Jean-Luc,1nazismo,1,2-3,4Nínive,1Noble,David,1nomadismo,1

OOccupy,movimentos,1,2,3,4ordem:

construçãodaordememodernidade,1-2criaçãoemanutenção,1“ordemfinal”esegurança,1-2

Orwell,George,1,2,3,4,5,6

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1984,1-2Outro,o,1,2

eaéticadavigilância,1,2,3eoolharpan-óptico,1“FacedoOutro”deLevinas,1medodo,1,2naTorájudaica,1proteçãoao,1

Ppan-opticismosocial,1pan-ópticos,1,2,3-4

eaburocracia,1-2eaéticadavigilância,1,2-3eamodernidadelíquida,1-2eavigilânciadeconsumo,1,2-3,4econstruçãodaordem,1eexclusão,1eFoucault,1,2-3,4,5,6,7,8e“instituiçõestotais”,1,2eomarketingdebasededados,1,2,3eprisõesdesegurançamáxima,1,2evigilâncialíquida,1eletrônico,1oolharpan-ópticoeoOutro,1opan-ópticodeBentham,1,2,3,4,5,6,7,8,9-10pan-opticismosocial,1pessoal,1-2poliópticos,1sinópticos,1superpan-ópticos,1vertambémban-ópticos;sinópticos

Pariser,Eli,1-2Parker,Greg,1passaportes,1,2,3perfeiçãoemodernidade,1,2pobreza,1

vigilânciadefamíliascarentes,1

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poder:doconsumismo,1eagênciahumana,1-2eagência,1econtrolesocial,1-2edistanciamento,1emodernidadelíquida,1eoban-óptico,1-2eoespaçodosfluxos,1epan-ópticos,1-2,3epolítica,1-2,3

poderdeEstado:perdado,1vigilânciaeo,1,2

Polanyi,Karl,1políciaepan-ópticos,1-2política:

eagência,1modernidadelíquidae,1podere,1-2,3solidariedadesocialeorganizaçãopolítica,1,2,3-4

políticadevida,1populaçõesmigrantes:

aéticadavigilânciae,1nasfronteiras,1-2pessoasemtransiçãoeobanóptico,1-2tecnologiadevigilânciaadistânciae,1-2

pós-modernidade,1PostmodernEthics(Bauman),1,2prevençãodocrime,1PrimaveraÁrabe,1,2,3prisões:

eopan-óptico,1supermax(segurançamáxima),1,2

privacidade,1eainternet,1,2,3esigilo,1-2

processamentodeinformaçõesvervigilânciaeletrônica

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proteçãoveréticadavigilância

QQR,códigos(códigosderespostarápida),1,2

Rracionalidadeepan-ópticos,1razão:

eaéticadavigilância,1emodernidade,1,2

redesdeamizade,1-2redesecomunidades,1-2refugiadoseoban-óptico,1-2,3refugoeoban-óptico,1relacionamentosdigitalmentemediados,1-2

namoropelainternet,1-2redesdeamizade,1-2

religião:agênciaeesperança,1-2confissõesreligiosas,1-2

resistênciaeoban-óptico,1-2responsabilidade,1-2

“flutuação”da,1revoluçãogerencial:

eaéticadavigilância,1eosinóptico,1-2

Rhodes,Lorna,1-2Richtel,Matt,1,2risco:

cálculo/administração,1,2,3einsegurança,1emodernidadelíquida,1

romanceshistóricos,medoeinsegurança,1Rose,Josh,1,2-3,4Rousseau,Jean-Jacques,1Ruanda,1

S

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Salmo139,eaéticadaproteção,1,2SegundaGuerraMundial,1segurança:

edisciplina,1-2,3insegurançaevigilância,1-2manutenção,1-2medodedispositivosdesegurança,1,2

segurançaaeroportuária,1,2-3,4eclassificaçãosocial,1-2

efronteirasmutáveis,1eoban-óptico,1-2etecnologiadevigilânciaadistância,1evigilânciaeletrônica,1-2

segurançanacional,1segurançapós-11deSetembro,1,2,3,4

eaexplosãodasegurança-vigilância,1,2-3edrones,1eexclusão,1-2egerenciamentoderisco,1einsegurança,1evigilâncialíquida,1

serviçospúblicos,declíniodoinvestimentoem,1servidãovoluntária,1,2Shakespeare,William,Hamlet,1Shanker,Thom,1,2,3Shannon,Claude,1shoppingcenters,1sigiloeprivacidade,1,2-3Silverstone,Roger,1-2,3Simmel,Georg,1sinópticos,1-2

evigilânciadeconsumo,1,2smartphones,1,2social-democracia,1-2Socialism:TheActiveUtopia(Bauman),1-2“sociedadedecontrole”,1softwaretelefônicoetécnicasdevigilânciainstitucionalizada,1Solidariedade,movimentopolonês,1

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solidariedadeeagênciahumana,1Solove,Daniel,1,2Staples,William,1Star,SusanLeigh,SortingThingsOut,1Stelter,Brian,1,2

TTalesfromFacebook(Miller),1Taylor,FrederickWinslow,1,2tecnologia:

eaéticadavigilância,1-2econsumismo,1edistanciamentomoral,1-2emodernidadelíquida,1-2eutopismo,1-2evigilânciamilitar,1Houellebecqsobre,1-2

terrorismo,medoseinseguranças,1;vertambémsegurançapós-11deSetembro

Tester,Keith,1testesgenéticos,1Thomas,W.I.,1trabalhodotipo“façavocêmesmo”,1transcendência,desejohumanode,1-2,3,4-5transição,pessoasemverpopulaçõesmigrantesTunísia,revolução,1Turkle,Sherry,1,2Twitter,1,2,3

campanhadoMcDonald’spelo,1

Uuniversos“on-line”e“off-line”,1-2,3utopias,1-2,3

VVanderPloeg,Irma,1verdadeeagência,1,2viagemaérea/desastres,acidentes,1

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vigilância,confidencialidadeda,1vigilânciacomajudadecomputadoresvervigilânciaeletrônicavigilância

digitalvervigilânciaeletrônicavigilânciadotipo“façavocêmesmo”,1,2

earevoluçãogerencial,1eelaboraçãodeperfis,1,2esinóptico,1

vigilânciaeletrônica,1,2,3-4,5-6eagência,1-2,3-4edistopias,1etransparência,1éticada,1vertambéminternet

vigilânciamilitar,1-2,3,4,5,6;vertambémdronesvigilânciaparamilitar,1Volf,Miroslav,1,2

WWacquant,Loïc,1,2Walesa,Lech,1Weber,Max,1,2Work,ConsumerismandtheNewPoor(Bauman),1

ZZamyatin,Yevgeny,1,2,3Zuckerberg,Mark,1-2,3

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ObrasdeZygmuntBauman:

44cartasdomundolíquidomodernoAmorlíquidoAprendendoapensarcomasociologiaAartedavidaBaumansobreBaumanCapitalismoparasitárioComunidadeConfiançaemedonacidadeAculturanomundolíquidomodernoDanoscolateraisEmbuscadapolíticaEnsaiossobreoconceitodeculturaAéticaépossívelnummundodeconsumidores?EuropaGlobalização:AsconsequênciashumanasIdentidadeIstonãoéumdiárioLegisladoreseintérpretesOmal-estardapós-modernidadeMedolíquidoModernidadeeambivalênciaModernidadeeHolocaustoModernidadelíquidaSobreeducaçãoejuventudeAsociedadeindividualizadaTemposlíquidosVidaacréditoVidaemfragmentosVidalíquidaVidaparaconsumoVidasdesperdiçadasVigilâncialíquida

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Títulooriginal:LiquidSurveillance(AConversation)

Traduçãoautorizadadaprimeiraediçãoinglesa,publicadaem2013porPolityPress,

deCambridge,Inglaterra

Copyright©2013,ZygmuntBaumaneDavidLyon

Copyrightdaediçãoemlínguaportuguesa©2014:JorgeZaharEditorLtda.

ruaMarquêsdeS.Vicente99–1º|22451-041RiodeJaneiro,RJtel(21)2529-4750|fax(21)[email protected]|www.zahar.com.br

Todososdireitosreservados.Areproduçãonãoautorizadadestapublicação,notodoouemparte,constituiviolaçãodedireitos

autorais.(Lei9.610/98)

GrafiaatualizadarespeitandoonovoAcordoOrtográficodaLínguaPortuguesa

Capa:SérgioCampante|Fotodacapa:©BrettLandrumsobreartedeMr.Brainwash

ProduçãodoarquivoePub:SimplíssimoLivros

Ediçãodigital:dezembro2013ISBN:978-85-378-1177-1

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Índice

Sumário 3Prefácioeagradecimentos 4Introdução,porDavidLyon 61.Dronesemídiasocial 182.Avigilâncialíquidacomopós-pan-óptico 403.Ausência,distanciamentoeautomação 554.In/segurançaevigilância 705.Consumismo,novasmídiaseclassicaçãosocial 836.Investigandoeticamenteavigilância 907.Agênciaeesperança 96Notas 107Índiceremissivo 115Copyright 133

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