Introdução ao Ensino pela Imagem
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Conceito de imagem
O conceito de imagem tanto pode ser aplicado a representações visuais,
utilizando as mais diversas técnicas, como às representações recriadas no
nosso cérebro, o que permitirá considerar duas grandes classes: as
imagens materiais, que constituem sistemas de representação sensorial
materializados em documentos, e as imagens mentais de que
apresentámos anteriormente alguns conceitos e que são recriadas no nosso
cérebro, constituindo como que esqueletos estruturais criados pela
percepção. Donde o papel da imaginação, capacidade que o homem tem de
evocar ou produzir imagens independentemente da presença do objecto ou
objectos a que se referem.
1. Imagem mental
Entende-se por imagem mental as imagens que a mente produz, assim
se imaginarmos uma coisa qualquer estamos a produzir uma imagem
mental. Quando uma imagem é apenas uma imagem, sem uma história que
a contextualize, ela é apenas uma recordação, uma memória.
Do ponto de vista filosófico e psicológico, imagem, imagem mental e
imaginação têm sido motivo de reflexão desde tempos remotos da história
do homem.
Para Aristóteles, a imagem não é mais do que a representação
analógica deixada na alma pela sensação, que persiste e pode renovar-se
com uma certa liberdade mesmo após ter cessado o acto da percepção.
Significa, pois, que as imagens são inicialmente como as próprias coisas
sensíveis, delas diferindo pelo facto de não possuírem matéria. Embora
resultantes da observação de objectos materiais, acabam por adquirir uma
vida própria, podendo na mente do observador combinar-se, associar-se
entre elas e reaparecer à superfície da consciência, por força da
imaginação.
A imagem é a própria sensação ou percepção do objecto no momento
da observação; mas, por outro lado, é também o resultado da imaginação.
Num sentido epistemológico, a imagem é a forma inicial do homem aceder
ao conhecimento das coisas, podendo este conhecimento situar-se a dois
níveis: por um lado, o homem, pela faculdade de permutar, de combinar os
conhecimentos, pode chegar à criação e ao alcance de conhecimentos mais
elevados, que são, quer a arte (techne), quer a ciência (episteme). A arte
nasce quando de uma quantidade de noções da experiência resulta um juízo
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universal aplicável a todos os casos semelhantes. A ciência surge quando o
homem procura conhecer o estudo das causas primeiras, a que Aristóteles
atribui quatro sentidos, ou seja, quatro tipos de causas (formal, material,
eficiente, final).
O sentido de imagem como sensação ou percepção do objecto no
momento da sua observação, por oposição ao de resultado da imaginação,
é um sentido que ainda hoje se conserva e que passou a designar, num
sentido corrente, todo e qualquer objecto real susceptível de poder ser
observado, abrangendo, mediante alargamento semântico do vocábulo,
toda e qualquer criação humana que tem por objectivo reproduzir, mais ou
menos fielmente, objectos reais ou imaginários, tendo em vista não só a
sua difusão, como também a sua conservação no tempo.
Descartes refere, muitas vezes as imagens que chegam ao cérebro
são fonte de erro, pelo que o homem terá de proceder à análise metódica
daquilo que observa, para poder chegar ao verdadeiro conhecimento.
John Locke desenvolveu a teoria da tábua rasa, segundo a qual a
mente humana se encontra vazia no momento em que o homem nasce e
que todas as ideias que vão sendo adquiridas provêm originariamente dos
sentidos. A teoria de Locke foi o ponto de partida para a valorização pelos
psicólogos do meio ambiente em detrimento da hereditariedade, tendo
levado a que, no plano pedagógico, os professores, numa dada fase da
história da educação, tenham desenvolvido um método educativo baseado
mais no desenvolvimento das faculdades sensoriais do que das faculdades
de raciocínio.
Husserl deu também um grande contributo no sentido da reabilitação
do conceito de imaginação, passando a considerá-la como um acto ou
fenómeno psíquico tão válido como qualquer outro. Ele estabelece uma
distinção entre percepção e imaginação. A percepção exige presença do
objecto no espaço e no tempo, ao passo que a imaginação, baseada na
percepção, é uma modificação intencional, distinguindo-se da percepção na
medida em que não precisa da presença do objecto, podendo reconstitui-lo
através de imagens mentais.
A imagem mental é a «representação mental evocadora das
qualidades sensoriais de um objecto ausente do campo perceptivo». A
imagem será, neste caso, um facto psicológico que tem por objectivo
restituir a aparência figurativa dos objectos ou dos acontecimentos fora das
condições materiais de realização de um campo perceptivo, podendo os
indivíduos, graças à capacidade da imaginação, não só reportarem-se
cognitivamente a experiências passadas como antecipar e construir
situações que ainda não foram vividas.
Para Jean Paul Sartre, a imagem mental é uma maneira específica
que a consciência tem de representar um objecto, chamando a atenção
para o facto de que não se trata da consciência de uma imagem, mas sim
da consciência de um objecto como imagem.
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De acordo com os psicólogos cognitivistas, e como também refere
Josette Sultan, as imagens mentais são produtos da actividade humana,
bem distintos das imagens materiais. Uma das principais propriedades da
imagem mental é o seu isomorfismo relativamente à percepção. «A imagem
mental conserva as propriedades estruturais, particularmente espaciais, dos
objectos representados. Enquanto instrumento de representação analógica
dos objectos do mundo, ela apresenta um carácter funcional e operatório.
Ela é um meio não só de convocar esses objectos» ou seja, ela permite, tal
como anteriormente referimos, evocar não só as qualidades sensoriais dos
objectos ausentes do campo perceptivo, como permite também «operar
transformações, combinações e comparações.»
Outros trabalhos puseram também em evidência que a imagem mental
não se limita a ser uma simples cópia figurativa do mundo real, mas é
também e sobretudo uma construção activa operada pelos indivíduos,
apresentando uma função referencial (na medida em que reenvia para o
referente evocado pela imagem) e uma função construtiva («elaborativa»)
posta em jogo quando se trata de organizar conteúdos imagísticos em
relações novas. Estas duas características funcionais, já implícitas na
definição que fornecemos inicialmente, quando afirmámos que a imagem
mental constitui um facto psicológico que permite reconstituir a aparência
figurativa dos objectos na sua ausência e não só recordar factos passados
como antecipar e construir novas situações, foram também postas em
evidência por Piaget e Inhelder, quando se referem a «imagens
reprodutoras» e «imagens antecipadoras».
Para Jean Piaget, as imagens que directamente captamos da
realidade envolvente constituem percepções da totalidade, pelo que as
sensações visuais constituem elementos estruturados: «Quando vejo uma
casa não vejo primeiro a cor da telha, o tamanho da chaminé, etc., e
finalmente a casa! Percebo logo a casa como "Gestalt" e só em seguida passo
à análise do pormenor .»
Significa que, segundo Piaget, os conhecimentos que adquirimos não
resultam imediatamente das imagens visuais que percepcionamos, mas da
acção de que a percepção constitui a função de sinalização. O conhecimento
humano resulta, pois, de duas fases importantes: a percepção dos objectos,
fase primordial, e a acção que exercemos sobre as imagens percepcionadas.
O conhecimento propriamente dito só se verifica a partir da acção que
exercemos sobre os objectos percepcionados. O conhecimento não é uma
mera contemplação, mas o resultado de uma série de acções realizadas
pelo sujeito observador, podendo ser consideradas duas formas de
transformar o objecto a conhecer: primeiro, através de uma acção física,
mediante modificação das posições, movimentos e propriedades para
exploração da natureza do objecto; segundo, através de uma sequência de
acções lógico-matemáticas, enriquecendo o objecto da observação de
propriedades ou relações novas que, conservando as anteriores, as
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completam por sistemas de classificação, ordenação, enumeração,
correspondência, etc.
Segundo M. Morais «Os nossos conhecimentos não provêm unicamente
nem da sensação nem da percepção, mas de toda a acção de que a
percepção apenas constitui a função de sinalização. O próprio da inteligência
não é, efectivamente, contemplar, mas "transformar", e o seu mecanismo é
essencialmente operatório. Ora, as operações consistem em acções
interiorizadas e coordenadas em estruturas de conjunto (reversível, etc.) e se
queremos atender a este aspecto operatório da inteligência humana, é,
portanto, da própria acção e não unicamente da percepção que temos de
partir. »
De acordo com António R. Damásio, todo o pensamento humano
está dependente das imagens. «O conhecimento factual que é necessário
para o raciocínio e para a tomada de decisões chega à mente sob a forma
de imagens.» E as imagens podem ser de dois tipos: imagens perceptivas,
as que chegam ao cérebro e são portadoras de informações do mundo
exterior, e imagens evocadas, as que ocorrem à medida que «evocamos
uma recordação de coisas do passado.» As imagens evocadas podem dizer
respeito tanto a factos ou processos de reconstituição de factos passados,
como a factos relativos ao futuro, apresentando umas e outras as mesmas
características.
As imagens são geradas por uma maquinaria neural complexa de
percepção, memória e raciocínio, sendo a sua construção regulada, por
vezes, pelo mundo exterior ao cérebro, outras vezes inteiramente dirigida
pelo interior do nosso cérebro, mediante o processo do pensamento. E
todas as imagens «são baseadas directamente nas representações neurais,
e apenas nessas, que ocorrem nos córtices sensoriais iniciais e são
topograficamente organizadas.»
Ainda segundo A. Damásio, todo o nosso pensamento é constituído por
imagens. Ainda que o pensamento inclua também palavras e símbolos, a
verdade é que tanto umas como outros são baseados em representações
topograficamente organizadas sendo, eles próprios, imagens; até mesmo os
símbolos utilizados na representação mental de um problema matemático
são imagens, pois se não fossem imagináveis, nunca os poderíamos
conhecer e manipular conscientemente. O que importa salientar «é que as
imagens são provavelmente o principal conteúdo dos nossos pensamentos,
independentemente da modalidade sensorial em que são geradas...».
2. Imagem material ou técnica
Alonso & Matilla (1990) definem como conjunto de estímulos
visuais organizados espacialmente de forma intencional que desencadeiam no receptor um processo de percepção diferente da soma que
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desencadeariam em separado, e semelhante ao provocado por estímulos
visuais derivados de determinados fragmentos do espaço visual.
A imagem material é, por conseguinte, uma imagem técnica. Embora estas imagens representem todas contornos dos objectos que as
constituem, elas não se identificam quanto ao modo como se produzem. Para passar da realidade a três dimensões a uma a duas dimensões, em
qualquer suporte – o papel, a fotografia, a tela – a sua produção faz apelo a técnicas corporais, materiais, ou seja constituem sistemas de representação sensorial materializados em documentos.
Miguel Angel Santos Guerra, na obra Imagem e educação, indica-
nos que as imagens podem ser classificadas de acordo com os seguintes aspectos:
- Campo visual ou iconográfico:
· imagens propriamente ditas (p. ex., fotografia);
· imagens de imagens (p. ex., fotografia reproduzida em reportagem
televisiva);
· imagens de não imagens (textos, títulos de um filme, etc.);
· não imagens de imagens (descrição escrita de uma imagem).
- Objectivos:
· imagem documental (foto de família, de acontecimentos sociais, p.
ex.);
· imagem artística (com objectivos estéticos);
· imagem como texto (sequência narrativa em imagens tipo banda desenhada, fotonovela, etc; imagem metáfora visual; imagem símbolo).
- Grau de iconicidade: do maior para o menor: fotografia - ilustração por desenho - diagrama - gráficos.
- Modo de reprodução:
· imagens manuais (desenho, pinturas);
· imagens técnicas (mediante máquinas).
- Movimento:
· imagens fixas;
· imagens em movimento (cinema);
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· imagens idealmente mecânicas (foto novelas; banda desenhada;
metáforas cinéticas para sugerir movimento).
- Natureza: visuais; sonoras; olfactivas; tácteis; gustativas.
Trabalho elaborado por:
Sabina Valente, nº44608
Pós-Graduação em Tic
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3. Bibliografia
- Aristóteles, Metafísica, I.
- DAMÁSIO, António R. (1995). O erro de Descartes. Emoção, razão e
cérebro humano, 1ª ed., Mem Martins, Publicações Europa-América.
- GUERRA, Miguel Angel Santos (1984). Imagen y educación, Col. Ciências de
la educación, Madrid, ediciones Anaya.
- MORAIS, M. ( 1989-92) Imaginação, In: Logos Enciclopédia Luso-Brasileira
de Filosofia, Lisboa, Editorial Verbo, vol. II.
- PIAGET, Piaget. Psicologia da inteligência.
http://www.atelierdaimagem.org/atelierdaimagem/modulos/1/conceito.php