A educao das relaes tnico-
raciais, a pedagogia das africanidades e a Pedagogia Gri1
Benjamin Xavier de Paula*
* Doutor em Educao pelo Programa de Ps-graduao em Educao da Universidade Federal de Uberlndia PPGED/UFU; Professor do Ensino Superior Junto ao Departamento Interdisciplinar de Cincias Bsicas da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri UFVJM; [email protected].
1Introduo
Joseph Ki-Zerbo (2010),
na introduo do pri-
meiro volume e da Co-
leo sobre a Histria
da frica disserta,
1 O presente artigo fruto de uma pesquisa financiada pela Fundao de Amparo a Pesquisa do estado de Minas Gerais e pela Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel superior CAPES, por meio do Programa Mineiro de Capacitao Docente PMCD/FAPEMIG/CAPES.
Neste artigo abordamos o conceito de educao para as relaes tnico-raciais em dilogo com uma perspectiva da pedagogia das africanidades e com uma prtica Pedaggica Gri. Esta ltima, entendida por ns (PAULA, 2013) como uma nova referncia para a ao dos professores e profissionais da educao amparada nos princpios de respeito, valorizao e promoo das diversas identidades e culturas por meio da ampliao e valorizao das tradies orais e das histrias de vida dos alunos e professores, como instrumentos efetivos de significao e resignificao dos currculos escolares.PALAVRAS CHAVES: Educao, relaes tnico-raciais, pedagogia
das africanidades, prticas Pedaggicas Gri.
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Com efeito, a histria da frica, como a de toda a hu-
manidade, a histria de uma tomada de conscincia.
Nesse sentido, a histria da frica deve ser reescrita [...]
esse continente presenciou geraes de viajantes, de tra-
ficantes de escravos, de exploradores, de missionrios,
de procnsules, se sbios de todo tipo, que acabaram por
fixar sua imagem no cenrio da misria, da barbrie, da
irresponsabilidade e do caos. Essa imagem foi projetada
e extrapolada ao infinito ao longo do tempo, passando
a justificar tanto presente quando o futuro. (KI- ZERBO,
2010, p.XXXII).
Sua percepo a de que a histria da frica, conhecida
at ento fora escrita por no africanos, por estrangeiros
que acabaram por fixar uma viso sobre frica e sua His-
tria que precisa ser reescrita (KI- ZERBO, 2010). Para este
autor, no se trata de escrever uma histria revanche,
mas de mudar a perspectiva de uma historiogrfica eu-
rocntrica para uma historiografia africana construda a
partir da tomada de conscincia autntica sobre a frica.
A perspectiva da unidade africana apresentada por Ki-
Zerbo (2010), a partir de uma perspectiva de unidade e
diversidade, seguida por diversos outros autores, parti-
cularmente, por aqueles radicados na perspectiva terica e
epistemolgica africana a qual entendemos neste trabalho
como o africanismo.
O africanismo um conceito e uma ideia central para
os pesquisadores alinhados perspectiva da dispora ne-
gra-africana, pois representam o entendimento do car-
ter universal da histria africana articulada a uma ideia
de unidade e multiplicidade de experincias articuladas
entre si: a perspectiva terico-epistemolgica fundada
numa cosmoviso africana de mundo e de sociedade. Estes
pesquisadores recusam a condio de objeto de estudo,
e assumem a condio de protagonistas de um projeto
de emancipao.
O africanismo, como movimento de ideias fundado na
cosmoviso radicada na experincia africana ampara-se
nos sculos XIX, XX e XXI, de forma privilegiada no Pa-
nafricanismo e no afrocentrismo.
O termo afrocentrismo foi cunhado pelo terico afro-
norte-americano Molefi Kete Asante (1987, 1989, 1990),
como forma de designar o centro como o lugar de onde
se cunha uma cosmoviso de mundo, neste caso, o lugar
a frica. Erradicado na experincia africana, Asante en-
tende a frica no somente como um continente, mas,
na perspectiva da Histria de um povo, tal como disserta
Ki-Zerbo (2010). O Afrocentrismo na perspectiva de Asante
(1987, 1989, 1990) a viso do mundo e das suas relaes
humanas e sociais, a partir da experincia negra, seja ela
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dentro ou fora da frica. Nascimento (1996, p.35-36) com
o intuito de esclarecer seu significado, afirma que, no que
se refere ao afrocentrismo h uma tendncia, alimentada
[pela antropologia] de fazer equivaler o eurocentismo a um
etnocentrismo especfico [...] o etnocentrismo seria um
fenmeno universal, aplicando-se tanto aos povos nativos
do terceiro mundo como aos europeus. O afrocentrismo
e um conjunto de teorias e prticas que fundadas na ex-
perincia de um povo - o povo negro de origem africana
(afrodescendente), busca destituir este sistema de vio-
lncia e subordinao do outro (eurocentrismo), rumo
construo de uma sociedade baseada nos princpios de
respeito a pluralidade e de emancipao humana.
O Panafricanismo encontra no pensamento de autores
como Aim Csaire, Frantz Fanon, Cheikn Anta Diop, Leo-
pold Sdar Senghor e o brasileiro Abdias do Nascimento,
a afirmao da negritude com instrumento de articulao
das principais foras e agrupamentos polticos que luta-
ram pela emancipao e libertao da frica, bem como,
suporte poltico-terico-ideolgico para os movimentos
radicados na experincia das disporas africanas, dentre
os quais, o movimento rastafri na Jamaica e o Teatro Ex-
perimental do negro no Brasil, dentre outros. Abdias do
Nascimento (2002) articula a perspectiva do africanismo s
questes inerentes dispora africana no Brasil, ao abor-
dar a questo dos negros afrodescendentes radicados na
experincia da dispora forada (escravizao dos negros
de origem africana) perpetuao da herana racista que
esta experincia sustentou, nos currculos escolares das
instituies educativas brasileiras, no imaginrio social da
nossa sociedade, particularmente, nas aes de negao
do legado histrico-cultural dos negros brasileiros para a
formao do povo e da cultura nacional. Assim, entende
necessidade de construo no mbito da educao e do
currculo das instituies educativas brasileiras, de uma
perspectiva poltico-pedaggica que possibilite o reconhe-
cimento, valorizao e promoo do legado histrico cul-
tural dos negros, na perspectiva de construo de relaes
raciais positivas, a que o arcabouo jurdico normativo e
pedaggico da Lei Federal n 10.639/2003, designar como
Educao para as relaes tnico-raciais positivas.
Os estudos africanos e afro-brasileiros, na perspectiva
das disporas africanas, pressupem a articulao destes a
uma dimenso de unidade e multiplicidade: compreender
o africanismo como uma unidade terica que possibilita
um posicionamento diante das inquietaes que envolvem
os africanos e afrodescendentes dentre o fora da frica,
entender as vrias disporas africanas, dentre elas, a afro
-brasileira, como uma multiplicidade de experincias que
devem ser compreendidas em suas particularidades.
O africanismo, em suas varias vertentes epistemolgi-
cas, seja na perspectiva panafricanista, no afrocentrismo,
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ou na perspectiva das disporas africanas que integra as
duas anteriores, um movimento que almeja um sistema
social de combate permanente ao eurocentrismo/colonia-
lismo/racismo, rumo a descolonizao territorial, fsica,
poltica, social, psicolgica e intelectual, seja do Sul ou do
Norte, seja do Leste ou do Oeste - da humanidade.
A educao das relaes tnico-raciais na perspectiva das africanidades
A Lei Federal n 10.639, de 09 de janeiro de 20032, alterou
a Lei Federal n 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de
Diretrizes e Bases da Educao Nacional - LDB), acrescen-
tando a esta os artigo 26A e 79B. Por meio da alterao
legislao existente, a lei supracitada instituiu a obrigato-
riedade da incluso do estudo da Histria e Cultura afro
-brasileira, nos estabelecimentos de ensino fundamental
e mdio, tanto oficiais quanto particulares.
A referida lei foi ampliada e complementada por duas
disposies legais, aprovadas pelo Conselho Nacional de
Educao CNE: o Parecer n 03/2004 e a Resoluo n
2 As alteraes e modificaes inseridas na Lei Federal 9.394/1996 e na Lei Federal n 10.639/2003 pela Lei Federal n 11.645, de 10 de maro de 2008, no invalidam e nem revogam nenhuma das duas anteriores, que continuam tendo a sua validade; mas acrescenta a referida lei, a abordagem tambm
da questo indgena.
01/2004 que instituem as Diretrizes Curriculares Nacio-
nais para a Educao das Relaes tnico-raciais e para
o Ensino de Histria e Cultura afro-brasileira e africana.
Estes dois documentos legais, para alm do carter de
regulamentao e complementaridade da lei, trazem em
si, alguns conceitos que a permeiam e elucidam, dentre
os quais, a educao das relaes tnico-raciais.
Uma melhor definio deste conceito se faz presente
no Parecer CNE/CP n 3/2004. Nas questes introdutrias
do parecer, o mesmo evidencia as duas dimenses que
orientam a implementao da Lei Federal n 10.639/2003:
o combate ao racismo na educao e na sociedade e a
valorizao, reconhecimento e promoo do legado his-
trico cultural dos negros brasileiros.
O parecer procura oferecer uma resposta, entre outras,
na rea da educao, demanda da populao afrodes-
cendente, no sentido de polticas de aes afirmativas,
isto , de polticas de reparaes, e de reconhecimento e
valorizao de sua histria, cultura, identidade [...] Nesta
perspectiva, prope divulgao e produo de conhe-
cimentos, a formao de atitudes, posturas e valores que
eduquem cidados orgulhosos de seu pertencimento tni-
co-racial - descendentes de africanos, [grifo nosso] [...] tais
polticas tm, tambm, como meta o direito dos negros,
assim como de todos os cidados brasileiros, cursarem
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cada um dos nveis de ensino, em escolas devidamente
instaladas e equipadas, orientados por professores qua-
lificados para o ensino das diferentes reas de conheci-
mentos; com formao para lidar com as tensas relaes
produzidas pelo racismo e discriminaes, sensveis e
capazes de conduzir a reeducao das relaes entre di-
ferentes grupos tnicoraciais [grifo nosso] ou seja, entre
descendentes de africanos, de europeus, de asiticos, e
povos indgenas. (Brasil, 2004a).
Trata-se de poltica curricular, orientada para o combate
ao racismo que atinge particularmente os negros. Prope
a produo e divulgao de conhecimentos que levam a
valorizao e reconhecimento do legado histrico-cultural
dos negros brasileiros como forma de resgate da autoes-
tima e da construo de uma identidade positiva de si
e em relao aos outros, eurodescendentes, indgenas e
asiticos. As dimenses de combate ao racismo e valoriza-
o do legado histrico-cultural dos negros na educao
e na sociedade, na perspectiva do parecer, implicam em
aes reparatrias de reconhecimento e de valorizao
dos negros.
Em relao s aes de reconhecimento na perspectiva
da reeducao das relaes tnico-raciais dispe o parecer,
Reconhecimento implica justia e iguais direitos sociais,
civis, culturais e econmicos, bem como valorizao da
diversidade daquilo que distingue os negros dos outros
grupos que compem a populao brasileira. E isto requer
mudana nos discursos, raciocnios, lgicas, gestos, pos-
turas, modo de tratar as pessoas negras. Requer tambm
que se conhea a sua histria e cultura apresentadas,
explicadas, buscando-se especificamente desconstruir o
mito da democracia racial na sociedade brasileira; mito
este que difunde a crena de que, se os negros no atin-
gem os mesmos patamares que os no negros, por falta
de competncia ou de interesse, desconsiderando as de-
sigualdades seculares que a estrutura social hierrquica
cria com prejuzos para os negros. Reconhecimento requer
a adoo de polticas educacionais e de estratgias peda-
ggicas de valorizao da diversidade, a fim de superar a
desigualdade tnico-racial presente na educao escolar
brasileira, nos diferentes nveis de ensino. Reconhecer
exige que se questionem relaes tnico-raciais baseadas
em preconceitos que desqualificam os negros e salientam
esteretipos depreciativos, palavras e atitudes que, velada
ou explicitamente violentas, expressam sentimentos de
superioridade em relao aos negros, prprios de uma
sociedade hierrquica e desigual. (Brasil, 2004a).
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Se o racismo implica em injustias, a educao das
relaes tnico-raciais implica em justia e iguais direitos
de vrias naturezas aos negros e seus descendentes, bem
como a mudana nas estruturas sociais que historica-
mente edificaram estas injustias. Este reconhecimento,
implica estratgias pedaggicas de valorizao da diver-
sidade como instrumento de superao da desigualdade,
que questionem as relaes tnico-raciais baseadas em
preconceitos e esteretipos depreciativos que buscam
desqualificar o negro.
Quanto valorizao do legado histrico-cultural dos
negros, como instrumento desta reeducao das relaes
raciais dispe o parecer,
Reconhecer tambm valorizar, divulgar e respeitar os
processos histricos de resistncia negra desencadea-
dos pelos africanos escravizados no Brasil e por seus
descendentes na contemporaneidade, desde as formas
individuais at as coletivas. Reconhecer exige a valori-
zao e respeito s pessoas negras, sua descendncia
africana, sua cultura e histria. Significa buscar, com-
preender seus valores e lutas, ser sensvel ao sofrimento
causado por tantas formas de desqualificao: apelidos
depreciativos, brincadeiras, piadas de mau gosto suge-
rindo incapacidade, ridicularizando seus traos fsicos,
a textura de seus cabelos, fazendo pouco das religies
de raiz africana. Implica criar condies para que os
estudantes negros no sejam rejeitados em virtude da
cor da sua pele, menosprezados em virtude de seus
antepassados terem sido explorados como escravos,
no sejam desencorajados de prosseguir estudos, de
estudar questes que dizem respeito comunidade
negra [...] exige professores competentes no domnio
dos contedos de ensino, comprometidos com a edu-
cao de negros e brancos, no sentido de que venham
a relacionar-se com respeito, sendo capazes de corrigir
posturas, atitudes e palavras que impliquem desrespeito
e discriminao. (Brasil, 2004a).
Valorizar significa a superao do currculo ampara-
do em contedos pejorativos e depreciativos em relao
ao negro que exalta a escravizao dos africanos, como
processos naturais e naturalizados ao qual denominam
de escravido, rumo a incorporao de contedos re-
lativos a luta dos negros ao enfrentamento do processo
de escravizao, bem como as construes individuais e
coletivas por estes empreendidas no campo da cultura,
da memria, da histria, da economia, da religio, bem
como dos demais valores materiais e simblicos, as festas
de congadas, a capoeira, a folia de reis, o jongo, o coco, o
candombl, a umbanda, a jurema, as histrias contadas de
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gerao a gerao, os rituais fnebres, as formas prprias
de organizao do trabalho na agricultura, nas manufaturas
e nos ofcios especializados, dentre outras manifestaes.
Implica em construir estratgias pedaggicas de aceita-
o e respeito da presena do negro nos espaos escolares,
de forma que a eles seja assegurado ao ingresso perma-
nncia e o avano nos estudos da educao infantil a ps-
graduao stricto-sensu. Implica que os sistemas de ensino
convertam as demandas dos negros afrodescendentes em
polticas pblicas de Estado, voltadas para as aes afir-
mativas de valorizao do legado histrico cultural destes
povos, bem como as instituies de ensino transformem
estas demandas em polticas institucionais nesta mesma
direo, por meio da reestruturao dos seus planos de
ensino e propostas curriculares, reviso dos mtodos de
ensino, de avaliao e ressignificao dos saberes escolares
e das prticas pedaggicas, com vistas uma reeducao
positiva das relaes tnico-raciais.
No que se refere educao para as relaes tnico-ra-
ciais o parecer dispe,
O sucesso das polticas pblicas de Estado, institucionais
e pedaggicas, visando a reparaes, reconhecimento e
valorizao da identidade, da cultura e da histria dos
negros brasileiros depende necessariamente de condi-
es fsicas, materiais, intelectuais e afetivas favorveis
para o ensino e para aprendizagens [de] todos os alunos
negros e no negros, bem como seus professores, preci-
sam sentir-se valorizados e apoiados. Depende tambm,
de maneira decisiva, da reeducao das relaes entre
negros e brancos, o que aqui estamos designando como
relaes tnico-raciais [...] (Brasil, 2004a).
O entendimento acerca da educao para as relaes
tnico-raciais disposta no parecer, diz respeito a uma ree-
ducao das relaes entre negros e brancos, com vistas s
condies materiais, fsicas e intelectuais para as aprendiza-
gens significativas de todos os alunos negros e no negros.
No que se refere aos adjetivos tnico e racial, escla-
rece o parecer,
[...] se entende por raa a construo social forjada nas
tensas relaes entre brancos e negros, muitas vezes si-
muladas como harmoniosas, nada tendo a ver com o
conceito biolgico de raa cunhado no sculo XVIII e
hoje sobejamente superado [...] Contudo, o termo foi
ressignificado pelo Movimento Negro que, em vrias si-
tuaes, o utiliza com um sentido poltico e de valori-
zao do legado deixado pelos africanos. importante,
tambm, explicar que [...] o emprego do termo tnico,
na expresso tnico-racial, serve para marcar que essas
relaes tensas devidas a diferenas na cor da pele e
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traos fisionmicos o so tambm devido raiz cultural
plantada na ancestralidade africana, que difere em viso
de mundo, valores e princpios das de origem indgena,
europia e asitica. (Brasil, 2004a).
A educao para as relaes tnico-raciais , portanto,
uma escolha social de natureza poltica, tica e moral. Im-
plica em aes de valorizao, reconhecimento e promoo
de uma educao para as relaes tnico-raciais, amparadas
em pressupostos, que no podem repetir o passado e as
mazelas presentes em nosso sistema educacional.
A educao para as relaes tnico-raciais, no so
tarefas exclusivas da escola, mas de toda a sociedade,
porm, a escola tem o papel importante na eliminao das
barreiras sociais criadas pelas prticas racistas. Nesta pers-
pectiva, o papel da escola se estende a ao anti-hegemnica
de superao do etnocentrismo e, consequentemente, do
colonialismo intelectual e terico que orientam as prticas
pedaggicas excludentes e segregadoras prprias do racismo.
O texto do parecer indica, tambm, a necessidade de
dois movimentos necessrios para a construo desta
nova pedagogia, fundada nas africanidades e numa cos-
moviso africana e afrocentrada de sociedade: o reco-
nhecimento e valorizao da identidade do aluno negro
como estratgia e instrumento de combate ao racismo,
fortalecer entre os negros e despertar entre os brancos
a conscincia negra, como instrumento efetivo de cons-
truo de relaes tnico-raciais, fundadas no respeito e
valorizao das diferenas, instituir uma slida formao
dos professores no mbito da formao acadmica ini-
cial e no campo da formao continuada, como processo
efetivo para o tratamento das questes relacionadas
diversidade tnico-racial nas escolas.
Estas so, a nosso ver, em linhas gerais, as principais
disposies do parecer que muito mais do que orienta-
es para a implementao do estudo da histria e cul-
tura africana e afro-brasileira, diz respeito a necessidade/
obrigatoriedade de se repensar a estrutura da educao e da
sociedade brasileira, a partir da contribuio das diferentes
matrizes tnico-raciais que formaram a nossa sociedade, com
vistas a construo de novas teorias de ensino, prticas
pedaggicas, saberes novos, reestruturao dos currculos
e prticas educativas, enfim, um repensar do corpo epis-
temolgico, das teorias e dos paradigmas que sustentam
as nossas prticas educacionais e sociais, rumo a outras
epistemologias teorias e prticas, no to novas.
A educao para as relaes tnico-raciais, constitui-se
numa outra referncia para a prtica pedaggica dos pro-
fessores, mais que um marco legal, aponta para a necessi-
dade de um novo campo epistemolgico e paradigmtico.
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necessrio fazer o caminho de volta da ideologia colo-
nialista de matriz europeia para as tradies afro-brasileiras
e afro-indgenas como forma de se reapropriar desta pri-
meira em favor das demais. Precisamos religar os conhe-
cimentos, fruto da experincia colonizadora aos saberes
tradicionais, em favor deste segundo, afim de que desta
experincia se possibilite uma libertao, da educao ra-
cista segregadora e excludente em favor de uma educao
das relaes raciais e tnicas positivas, onde se valorize a
histria e culturas de matrizes africanas como dimenso
indissocivel deste novo fazer pedaggico.
A pedagogia das africanidades
Uma pedagogia voltada para o reconhecimento e valori-
zao da diversidade, aquela que rompe com as vrias
teorias e prticas, que fundamentam seu discurso na de-
fesa de um nico sujeito educacional como caminho para
romper com a excluso que os outros promovem, como
por exemplo: a educao inclusiva, baseada no discurso
de Salamanca; as teorias que defendem o aluno como
principal sujeito da aprendizagem, ignorando os demais
sujeitos ou que todos so sujeitos; as teorias que dissol-
vem os sujeitos em um todo abstrato inteligncia cole-
tiva; dentre outras. Esta pedagogia comprometida com
reconhecimento e valorizao da diversidade deve estar
amparada na educao plural, em que as vrias diferen-
as so vinculadas em uma nova identidade que no as
dissolve em uma identidade homogeneizadora, mas no
a funde em uma identidade complexa.
Essa nova identidade forjada no seio da pedagogia com-
prometida com a diversidade, passa pela articulao de
trs conceitos edificantes da sua gnese epistemolgica:
O conceito de identidade entendido como um mo-
vimento que funda os sujeitos como portadores de
uma conscincia de si, na interlocuo com outros
sujeitos, portanto, de uma identidade individual;
O conceito de alteridade entendido como o movimento,
que reconhece os vrios sujeitos histricos, como por-
tadores de uma identidade individual a qual deve no
ser tolerada, mas sim, respeitada, aceita e incorporada
ao tecido social que no a dilui, mas preserva-a;
O conceito de diversidade entendido como o movi-
mento que forja uma nova identidade, no mais a do
eu identidade individual ou a do outro identida-
des que dialogam e a quem respeito e reconheo, mas
a do ns que ao nos reconhecermos e respeitarmos
no nos opomos e ao no se oporem s identidades
que no se dissolvem, mas dialogam, e neste dilo-
go, promovem formas de convvio social em que o
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conflito faz surgir o novo a cada dia e com ela, uma
identidade em permanente mutao.
No possvel construir uma educao positiva das re-
laes tnico-raciais e uma prtica pedaggica antirracista,
nos marcos terico-epistemolgicos que sustentaram e
sustentam a educao e o currculo escolar fundados no
eurocentrismo e, consequentemente, nos seus adjetivos
ptrios, a saber, o maniquesmo pedaggico, o ocidenta-
lismo, o racismo e as epistemologias do norte.
Uma educao antirracista, fundada nas relaes t-
nico-raciais positivas, deve estar amparadas em marcos
terico-epistemolgicos que Boaventura Souza Santos3
chama de Epistemologias do Sul, dentre os quais o afro-
centrismo, na pluralidade pedaggica, no reconhecimento
da diversidade cultural e identitria dos alunos, em prti-
cas pedaggicas emancipatrias e emancipadoras, numa
Pedagogia das Africanidades, afrocentrada.
O afrocentrismo (asaNTE, 1987; 1989; 1990, apud Nas-
CiMENTO, 1996) consiste na construo de uma pers-
3 A este respeito ver: SANTOS, B. de S.; MENEZES, M. P. (Orgs). Epistemil-ogias do Sul. So Paulo: Cortez, 2010. Nesta obra, o autor defende o que um campo epistemolgico, ao qual denomina de Epistemologias do Sul. O pensamento abissal a marca do pensamento ocidental moderno que caracteriza as epistemologias do norte, consiste na concesso a cincia moderna do monoplio da distino universal da verdade, em detrimento de outras experincias epistemoilgicas.
pectiva terica radicada na experincia africana, sntese
dos sistemas ontolgicos e epistemolgicos de diversos
povos e culturas, fundamentada nas civilizaes clssicas
africanas: egpcia, nbia e cushita, dentre outras.
A tarefa acadmica afrocentrada, e neste contesto, a
Pedagogia das Africanidades consiste em estudar, articular
e afirmar aquilo que diferencia o ponto de vista africano,
identificando, ao mesmo tempo, os postulados supos-
tamente universais do eurocentrismo e desmascarando
sua natureza especfica (NASCIMENTO, 1996). O ponto de
vista, ou a cosmoviso africana, presente no legado cul-
tural e histrico das populaes afro-brasileiras, intenta
a construo de relaes sociais fundadas na pluralidade
de fontes para a aprendizagem: oral escrita, corporal, reli-
giosa, etc; e de concepes acerca do processo de ensino
aprendizagem, pois esto amparados na experincia da
vida cotidiana e no somente na experincia da escrita
escolar como resumo de todo legado educacional e escolar
como se manifesta na perspectiva eurocntrica.
Esta referncia frica, e a uma cosmoviso africana,
na construo de novas referncias para os estudos afro-
brasileiros segundo Nascimento (1996, p.17-20).
[...] no deve ser entendida como volta ao passado, mas
como necessidade fundamental para a construo de
uma identidade prpria, viva, tanto no presente, como
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na perspectiva de um futuro melhor, para os filhos, deste
continente to sofrido. A frica foi vtima do maior holo-
causto que o mundo j conheceu, o trfico escravista do
mercantilismo europeu. O objetivo desse holocausto, no
inteiramente logrado devido resistncia das vtimas, foi
a aniquilao da identidade dos descendentes de africa-
nos e sua integrao ao modelo ocidental, supostamente
universal [...] Sem dvida, a distoro da histria africana
est entre os maiores responsveis pela perpetuao da
imagem dos negros como tribais, primitivos e atrasados.
Para Georg Hegel (1956: 91 e 96), por exemplo, a frica se-
ria uma terra da criancice, que jaz alm do dia da histria
consciente, envolvida na mantra escura da noite. Hegel
conclui que entre os negros, os sentimentos morais so
extremamente fracos, ou melhor dizendo, inexistentes.
Este apenas um exemplo do discurso eurocentrista
que condena os africanos e seus filhos condio de
objetos, e no sujeitos, de sua histria. Recuperando-se o
referencial do protagonismo dos povos africanos, faz-se
possvel a contestao desse quadro.
No possvel, portanto, desconstruir esta distoro
da histria da frica e dos africanos, a partir dos mesmos
referenciais tericos e epistemolgicos que a edificaram,
motivos pelos quais, na perspectiva apontada por Boa-
ventura de Sousa Santos (2010) necessrio caminhar
ontologicamente rumo s Epistemologias do Sul, ou no
caso especfico, a uma cosmoviso africana.
A perspectiva das africanidades na educao tambm
esta presente em Munanga (1986, 2006), Gonalves (2008),
Gonsalves e Silva (2002), dentre outros.
Tal abordagem ainda fruto de crticas e oposies no
mundo acadmico, e disto no temos dvidas. Segundo
Nascimento (1996,p. 37),
No Brasil, comum argumentar que tal procedimento
seria uma postura excludente, racista e no aplicvel
realidade do pas. Entretanto, h pesquisas (in Larkin Nas-
cimento, 1991) que comprovam as consequncias da falta
de referencial prprio da criana afro-brasileira numa
escola que no comporta nem leva em considerao a
sua identidade: os ndices de repetncia e evaso so
muito maiores entre as crianas negras. As consequncias
psicolgicas da falta desse referencial so abordadas pela
psicanalista Neusa Santos Souza no seu livro Tornar-se
Negro (1983).
Esta construo constitui-se numa necessidade funda-
mental para aprendizagens das crianas e adultos negros
e negras que frequentam as escolas brasileiras, tambm
uma necessidade das crianas e adultos no negros para
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que aprendam a conviver com as diferenas, as diversi-
dades, as pluralidades.
Avanar na perspectiva de uma Pedagogia das Africanida-
des como possibilidade de abordagem terico-pedaggica
das questes pertinentes educao de modo geral, e da
educao paras as relaes tnico-raciais e do ensino de
histria e cultura da frica e afro-brasileira de modo par-
ticular, tarefa dos pesquisadores que de vrias maneiras
trilham os caminhos da educao, da formao dos profes-
sores e demais profissionais do ensino e da pesquisa sobre
estas temticas. Este o esforo que realizamos neste texto.
A necessidade de um mundo democrtico no eli-
minar as diferenas, mas com elas conviver. As diferen-
as no devem ser transformadas em desigualdades, mas
valorizadas em um contexto de respeito mtuo e bom
convvio. Essas diferenas enriquecem e enaltecem o meio
cultural e a identidade nacional. (NasCiMENTO, 1996).
Esta a tarefa da urgente que reivindica uma Pedagogia
das Africanidades como aporte s praticas pedaggicas de
valorizao, promoo e reconhecimento das diferenas.
A prtica Pedaggica Gri: africanidade e oralidade como eixo das prticas pedaggicas dos professores
Nas culturas de matrizes africanas verificam-se dife-
rentes tradies oriundas das mais diversas experincias
vivenciadas no continente, que no podem ser reduzidas,
pejorativamente, como oriundas de culturas orais sem
conhecimento da escrita - a escrita nasceu na frica. Con-
tudo, constitui-se foco de estudos de diversas naturezas
seja na frica4, ou nas experincias da dispora africana,
em alguns casos a prevalncia, em outros, permanncia,
em muitos, a existncia de culturas de tradio oral.
Disserta Hampat Ba,
Quando falamos de tradio em relao histria afri-
cana, referindo-nos tradio oral, e nenhuma tentativa
de penetrar a histria e o esprito dos povos africanos
4 Polmica recorrente entre os ditos estudiosos dos estudos africanos ou africanistas no Brasil que no se pode falar na frica, pois a frica no nica, mais hbrida e diversa. Neste sentido, correto falar em frica. No estou certo desta diferenciao, em meu entender, esta uma questo ainda de natureza retrica, no legitimada pelo esforo intelectual de problematizao do tema. Falar em frica pode significar tambm a negao de sua unidade, e por consequncia, de possveis significaes para uma perspectiva africanista, ou mesmo afrocentrada. Se concordssemos com esta dicotomia estaramos negando tudo que pesquisamos estudamos e fizemos at aqui - isto no teria nenhum problema se fosse fruto de um amadurecimento intelectual e terico contudo, tal polissemia ainda nos parece uma necessidade de alguns pesquisadores que, tentando se esquivar dos temas centrais como a questo das disporas africanas, dos debates sobre raa, etnia e do racismo enquanto norteador de relaes sociais de violncia e subordinao do outro, ancoram-se em falsas polmicas sem sustentao prtica buscando atribuir a estas um lugar de centralidade e originalidade nos debates sobre a questo da frica e suas disporas.
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ter validade a menos que se apie nessa herana de
conhecimentos de toda espcie, pacientemente transmi-
tidos de boca a ouvido, de mestre a discpulo, ao longo
dos sculos. Essa herana ainda no se perdeu e reside
na memria da ltima gerao de grandes depositrios,
de quem se pode dizer so a memria viva da frica [...]
Entre as naes modernas, onde a escrita tem precedn-
cia sobre a oralidade, onde o livro constitui o principal
da herana cultural, durante muito tempo julgou-se que
povos sem escritas eram povos sem cultura. (HaMPaT
B, 2010, p.167).
A vivacidade da tradio oral da frica no um fen-
meno exclusivo do continente, est presente tambm nos
povos e culturas de matrizes africanas espalhados pelo
mundo por meio das diversas experincias da dispora.
Est presente na sociedade e na cultura brasileira como
elemento constituinte das relaes sociais e culturais, bem
como nas experincias de socializao do saber que se
compartilham nas escolas e demais espaos educativos.
Na tradio do Mande, cujo centro se acha no Mali,
mas que cobre mais ou menos todo o territrio do anti-
go Bafur - a antiga frica ocidental francesa narra-se a
existncia dos nyamakala em fulfulde, ou dieli em bambara,
que em francs passaram a ser conhecidos como Gri
(griots), espcie de trovadores que ocupam-se da histria,
da msica, da poesia lrica e dos contos que animam as
recreaes populares (HaMPaT B, 2010).
Classificam-se em trs categorias:
os griots msicos, que tocam qualquer instrumento (mo-
nocrdio, guitarra, cora, tant, etc.). Normalmente so
excelentes cantores, preservadores, transmissores da
msica antiga e, alm disso, compositores; os griots em-
baixadores e cortesos, responsveis pela mediao entre
as grandes famlias em caso de desavenas. Esto sempre
liga a uma famlia nobre ou real, s vezes a uma nica
pessoa; os griots genealogistas, historiadores ou poetas (ou
os trs ao mesmo tempo), que em geral so igualmente
contadores de histria e grandes viajantes, no necessa-
riamente ligados a uma famlia. (HaMPaT B, 2010, p.193).
Atuando como uma espcie de tradutores populares,
guardies da cultura, a tradio lhe confere um status social
especial, gozam de grande liberdade de falar. Na tradio
do Bafur, o nobre ou o chefe no s proibido de tocar
msica em reunies pblicas, os griots desempenham o
papel de mediadores, ou interlocutores: Eles so a lngua
de seu mestre. (HaMPaT B, 2010, p.195). Um jovem
nobre no se dirigir diretamente a uma jovem para dizer-
lhe de seu amor, o far o griot. Partindo dos pressupostos
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que as sociedades africanas desta regio so baseadas
no dilogo entre os indivduos e na comunicao entre
comunidades ou grupos tnicos, os griots so os agentes
ativos destas sociedades.
O nome dieli em bambara significa sangue como tal,
eles circulam pelo corpo da sociedade e conforme bus-
cando atenuar, ou mesmo aliviar os conflitos atravs das
palavras e das canes. O Gri um contador de histria,
um antroplogo, um memorialista, um msico, poeta, um
intermediador de conflitos, enfim, um guardio, divul-
gador e interprete da memria e da cultura de um povo. A
importncia do dieli se encontra em sua arte de manejar a
fala, que, alis, tambm uma forma de magia. (HaMPaT
B, 2010).
A fala, por excelncia, o grande agente ativo da magia
africana - designa o controle das foras em si, uma coisa
neutra que pode se tornar benfica ou malfica (Idem,
2010).
Na tradio africana, a fala, que tira do sagrado o seu
poder criador e operativo, encontra-se em relao di-
reta com a conservao ou com a ruptura da harmonia
no homem e no mundo que o cerca [...] O que a frica
tradicional mais preza a herana ancestral. O apego
religioso ao patrimnio transmitido exprima-se em fra-
ses como: Aprendi com meu Mestre, Aprendi com meu
pai, Foi o que suguei no seio de minha me (HaMPaT
B, 2010, p.173).
Os tradicionalistas na frica tradicional concebem o
saber a partir de uma perspectiva de ancestralidade e
hereditariedade, uma cincia eminente prtica que con-
siste em saber como entrar em relao apropriada com as
foras que sustentam o mundo visvel e que podem ser
colocadas a servio da vida (Ibidem, 2010).
Nas teias de relaes que permeiam os saberes pre-
sentes na frica tradicional, a educao comea no seio
de cada famlia, onde os pais, as mes ou as pessoas
mais idosas so ao mesmo tempo mestres e educado-
res e constituem a primeira clula dos tradicionalistas.
So eles que ministram as primeiras lies da vida, seja
atravs da experincia, de histrias, fbulas, lendas, os
provrbios, legados posteridade pelos ancestrais. O en-
sinamento no sistemtico, mas ligado s circunstncias
da vida. A lio dada na ocasio de certo acontecimento
ou experincia fica profundamente gravada na memria
da criana. (Idem).
Os ensinamentos referentes ao homem baseiam-se
em mitos da cosmogonia, determinando seu lugar e papel
no universo e revelando qual deve ser sua relao com o
mundo dos vivos e dos mortos, ensina-se qual deve ser
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seu comportamento frente natureza, como respeitar o
equilbrio e no perturbar as foras que a animam, sendo
a finalidade ltima tornar-se, tal como Maa, um homem
completo, interlocutor de Maa Ngala e guardio do mundo
vivo. A educao africana no tinha a sistemtica do en-
sino europeu, sendo dispensada durante toda a sua vida.
A prpria vida era educao (Ibidem).
Nossas influncias de uma tradio escolar e educa-
cional ainda ancorada em concepes de matrizes eu-
rocntricas e ocidentais, impe dificuldades de ordem
epistemolgica e metodolgica para se compreender estas
tradies de matrizes africanas como fonte do saber es-
colar e das experincias vividas dentro e fora da escola,
na perspectiva de que dispe a Lei Federal n 10.639/2003
e a sua legislao correlata, com vistas a uma educao
para as relaes tnico-raciais positivas.
Questionar e redesenhar as prticas escolares a partir
de saberes de tradio oral presentes tanto nas comuni-
dades de maior permanncia das tradies de matrizes
africanas, quanto nas diversas experincias sociais e edu-
cacionais oriundas desta tradio, requer repensar e resti-
tuir a oralidade posio de centralidade na construo/
reconstruo, organizao/reorganizao e ressignificao
do saber escolar, juntamente com outras tradies, como
a tradio escrita.
No a oralidade ou a escrita a fonte do saber, mas
a experincia humana. sbio, portanto, compreender
como, tanto a escrita como a tradio oral, possuem uma
importncia na organizao dos currculos e culturas es-
colares. A oralidade -, constituiu-se ao longo da Histria
da educao brasileira e ocidental, motivos de repulsa e
incompreenso, sinnimo do popular como oposto
cultura erudita, letrada, acadmica. Restituir o lugar da
oralidade nas prticas escolares constitui-se em tarefa
urgente, como forma de reconhecimento e valorizao
das culturas e tradies sejam elas de matrizes africanas,
indgenas, ciganas e europeias. A esta operao com im-
plicaes nos sistemas de ensino o nas teorias e projetos
educacionais em curso, que denominamos de prticas
pedaggicas Gri.
Hoje, a educao e as escolas convivem com um con-
junto de culturas escolares que no so contempladas
em seus currculos. A mudana nas leis recente mas a
sua aplicao ainda foco de resistncias fruto de uma
mentalidade educacional alienada e colonizada, pelo pen-
samento europeu/ocidental. Os professores, profissionais
de ensino e dirigentes educacionais pautam as suas aes
e prticas educativas nesta mentalidade, porm, h de se
considera que h povos e realidades sujeitos a outras leis,
com outras mentalidades, ideologias e cosmoviso - estes
povos ao migrarem para o Brasil, possibilitaram que as
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suas tradies, culturas e identidades passassem por pro-
cessos de modificao, reconstruo e ressignificao, que
se fazem presentes em nossa tradio escolar, de forma
plural e multifacetada.
Um novo paradigma (a pluralidade epistmica) e uma
nova pedagogia (das africanidades) exigem uma nova pr-
tica pedaggica (Gri) rumo reeducao positiva das rela-
es raciais. Esta prtica pedaggica representa uma nova
postura dos educadores diante da realidade educacional
vivenciada no ambiente escolar. Uma prtica pedaggica
Gri uma nova referncia para a ao dos professores
e profissionais da educao, amparada nos princpios de
respeito, valorizao e promoo das diversas identida-
des e culturas, por meio da ampliao e valorizao das
tradies orais e das histrias de vida dos alunos e pro-
fessores como instrumentos efetivos de significao e
ressignificao dos currculos escolares.
Uma prtica pedaggica Gri e uma pedagogia fundada
nas africanidades, busca por meio das tradies orais de
matrizes africanas, a construo de uma ao pedaggica
amparada no somente na tradio escrita como nica
referncia de saber escolar, mas tambm na oralidade e na
ancestralidade onde os saberes so passados de gerao
em gerao. Afirma que oralidade associada histria de
vida como uma forma organizada de compreender os va-
lores sociais. Na tradio oral, as palavras transformam em
ao em atividade comunicativa, relao de cumplicidade
entre o contador e o ouvinte.
A prtica pedaggica Gri possibilita, por meio da ora-
lidade e da histria de vida dos familiares de cada aluno, o
trabalho com a valorizao da sua identidade, em que este
poder, por meio de entrevistas e registros, compreender
a histria dos seus ancestrais e apreender a memria que
guardam seus familiares e valoriza como saberes escolares
as experincias, tanto dos professores como dos alunos
profissional e pessoal de cidados negros e brancos
comprometidos com a superao do racismo na escola e
na sociedade, que buscam transformar as suas experin-
cias de vida numa experincia de luta, por uma sociedade
mais humana, plural e sem racismo.
Consideraes gerais
A superao de uma sociedade fundada no colonialismo/
eurocentrismo, implica na emancipao tanto dos povos
colonizados quanto dos colonizadores. Estes ltimos se
tornaram vtimas do seu prprio sistema de segregao
e violncia, como visto no perodo entreguerras na Euro-
pa, com a ascenso dos regimes totalitrios, dentre eles
o nazismo, o fascismo e o stalinismo, os dois primeiros,
orientados por ideologias racistas, o terceiro no livre dela.
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Uma prtica pedaggica Gri e uma pedagogia fundada
nas africanidades, busca por meio das tradies orais de
matrizes africanas, a construo de uma ao pedaggica
amparada no somente na tradio escrita como nica
referncia de saber escolar, mas tambm na oralidade e na
ancestralidade onde os saberes so passados de gerao
em gerao. Afirma que oralidade, associada histria de
vida como uma forma organizada de compreender os va-
lores sociais. Na tradio oral, as palavras transformam em
ao em atividade comunicativa, relao de cumplicidade
entre o contador e o ouvinte.
Essa nova prtica pedaggica deve abranger as diferen-
tes dimenses da profisso docente, por isto, deve articu-
lar as aes de planejamento e organizao pedaggica,
bem como de desenvolvimento e avaliao das prticas
curriculares, amparadas no somente em contedos, mas
em um conjunto de aes que levem a reflexo acerca
dos valores, comportamentos e atitudes que os docentes
devem desenvolver no trato dos currculos escolares, nos
planos de ensino e nos planos de aula.
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