8/19/2019 A ALFABETIZAÇÃO NO CURRÍCULO DA ESCOLA ORGANIZADA POR CICLOS NO SISTEMA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
RITA DE CÁSSIA SILVA GODOI MENEGÃO
A ALFABETIZAÇÃO NO CURRÍCULO DA ESCOLA ORGANIZADA POR CICLOSNO SISTEMA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO
CUIABÁ – MT
2008
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RITA DE CÁSSIA SILVA GODOI MENEGÃO
A ALFABETIZAÇÃO NO CURRÍCULO DA ESCOLA ORGANIZADA POR CICLOSNO SISTEMA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Educação do Instituto de Educação da Universidade Federal
de Mato Grosso para Defesa Pública como parte dos
requisitos para obtenção do título de Mestre em Educação
(Área de Concentração: Teorias e Práticas Pedagógicas da
Educação Escolar, Linha: Formação de Professores e
Organização Escolar), sob a orientação da Professora Doutora
Jorcelina Elisabeth Fernandes.
CUIABÁ – MT2008
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FICHA CATALOGRÁFICA
M541a Menegão, Rita de Cássia Silva GodoiA alfabetização no currículo da escola organizada
por ciclos no sistema estadual de educação / Rita deCássia Silva Godoi Menegão. – 2008.
215p.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal deMato Grosso, Instituto de Educação, Pós-graduação emEducação, Área de Concentração: Teorias e PráticasPedagógicas da Educação Escolar, Linha de Pesquisa:Formação de Professores e Organização Escolar, 2008.
“Orientador: Profª. Drª. Jorcelina ElisabethFernandes”.
CDU – 372.41/.45
Índice para Catálogo Sistemático
1. Alfabetização – Currículo – Ciclos de formação2. Alfabetização – Primeiro ciclo – Currículo3. Alfabetização – Primeiro ciclo – Ensino Fundamental4. Alfabetização – Brasil – istória5. Alfabetização – Desenvolvimento curricular6. Professores – Formação continuada7. Ensino Fundamental – Ciclos – Mato Grosso
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Estar no mundo, sem fazer história, sem por ela ser feito, sem fazercultura, sem ‘tratar’ sua própria presença no mundo, sem sonhar, semcantar, sem musicar, sem pintar, sem cuidar da terra, das águas. Semusar as mãos, sem esculpir, sem filosofar, sem pontos de vista sobre o
mundo, sem fazer ciência, ou teologia, sem assombro, em face domistério, sem aprender, sem ensinar, sem idéias de formação, sem politizar não é possível.
(Paulo Freire, 1996, p. 58).
A todos que fazem parte da minha história de amor, em especial, a meus filhos:Renan e Enio Júnior
Ao Enio (in memoriam), companheiro de muitos anos, pelo amor, compreensão, carinho e peloapoio e incentivo em meus estudos.
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AGRADECIMENTOS
A Deus pela alegria de viver, amar e aprender sempre.
Aos meus pais, Maria e José, que me receberam de braços abertos e desde então me nutrem deamor, de carinho e de cuidados.
Aos meus irmãos, pela inabalável compreensão e força.
À minha orientadora e amiga Profª. Drª. Jorcelina Elisabeth Fernandes, pelo diálogo
constante, crítico e aberto sempre. Em especial, pelas lutas na construção de uma escola pública inclusiva, democrática e qualificadora.
Aos membros da Banca Examinadora, Profª. Drª. Filomena Maria Monteiro, Profª. Drª. Andréa Rosana Fetzner e Profª. Drª. Lázara Nanci Amâncio, pela preciosa contribuição e generoso compartilhamento de conhecimentos.
Aos professores do mestrado que com seus conhecimentos e incentivos nos auxiliaram.
Aos meus familiares e amigos, pela presença e apoio irrestrito, especialmente nas horas de
dificuldades.
Aos colegas Eva, Sueleni, Irene, Leandro e Roberto companheiros nesta jornada, pelaalegria, cumplicidade e carinho.
À Eva,Glória, Gina e Selma companheiras de tantas trajetórias, amigas para a vida inteira.
Ás professoras alfabetizadoras e equipe gestora das escolas pesquisadas, pela disposição emcontribuir para a efetivação deste trabalho.
A todos que de uma ou outra forma contribuíram comigo nesta prazerosa e produtivatrajetória.
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RESUMO
Esta investigação aborda a alfabetização nos Ciclos de formação tendo por objeto de estudo o
currículo de alfabetização desenvolvido pelas professoras do 1º. Ciclo. O objetivo é
compreender como as professoras alfabetizadoras desenvolvem o currículo de alfabetização
no 1º. Ciclo do Ensino Fundamental da rede estadual de Mato Grosso no município de
Cuiabá. A investigação se construiu pela abordagem metodológica através da pesquisa
qualitativa e interpretativa e instrumentalizou-se pelo questionário, entrevistas e análise
documental no diálogo com 9 nove professoras alfabetizadoras que atuam em três escolas. A
questão norteadora se constituiu pelas seguintes indagações: Que currículo de alfabetização asprofessoras desenvolvem no 1º. Ciclo? Para as professoras alfabetizadoras, o que deve
aprender um aluno que está sendo alfabetizado? A tessitura do aporte teórico se deu tomando
por referência a comunicação dos estudiosos da organização em Ciclos: Mainardes (2007),
Barreto; Mitrullis (2004), Freitas (2004), Arroyo (1999; 2004; 2007), Fetzner Krug (2001;
2007); da alfabetização: Freire (2006), Mortatti (2004), Soares (2003; 2004; 2005); e do
currículo: Gimeno Sacristán (2000), Gimeno Sacristán e Perez Gómez (1998), Pacheco
(2005), entre outros. A análise dos dados indica que as bases teórico-conceituais de
alfabetização e de currículo, assumidas pelas professoras, transitam entre duas concepções:uma na perspectiva conservadora e restrita de alfabetização onde as alfabetizadoras
demonstram forte apego às aprendizagens básicas de leitura, escrita e aritmética, balizadas nasatividades de treinamento, de memorização mecânica e instrumental, elementos
caracterizadores de uma concepção curricular tradicional baseada na organização escolar em
séries que continua ocupando um espaço significativo nessas escolas; outra numa perspectiva
de alfabetização mais ampla e inovadora onde se compreende como necessários a
interpretação, o entendimento, o uso do raciocínio lógico possibilitando a compreensão de
textos e resolução de problemas, ou seja, atuando com a proposição de atividades
problematizadoras e reflexivas condizentes com um currículo de alfabetização emancipatório
e com a organização escolar por Ciclos. De modo geral, o que se percebe é que, nessasunidades escolares, os elementos inovadores e os tradicionais convivem cotidianamente.
Palavras-chave: 1º. Ciclo. Alfabetização. Currículo de alfabetização. Desenvolvimentocurricular.
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ABSTRACT
This investigation is about literacy in the formation Cycles having as the main objective the
literacy curriculum developed by the elementary grade school teachers. The aim is to
understand how the literacy teachers develop the literacy curriculum in the 1st Cycle of the
Elementary Public School of Mato Grosso in the district of Cuiabá. The investigation was
formed by the methodological approach through qualitative and interpretative research;
questionnaires, interviews and documental analysis were used in the dialogue with 9 (nine)
literacy teachers that work in three schools. The main issue is formed by the following
questions: What literacy curriculum do the teachers develop in the 1st Cycle? For the literacy
teachers, what should a student that is being taught to read, learn? The construction of thetheoretical approach happened based on the information of the scholars of the organization in
Cycles as Mainardes (2007), Barreto; Mitrullis (2004), Freitas (2004), Arroyo (1999; 2004;
2007), Fetzner Krug (2001; 2007); of literacy: Freire (2006), Mortatti (2004), Soares (2003;
2004; 2005); of the curriculum: Gimeno Sacristán (2000), Gimeno Sacristán and Perez
Gómez (1998), Pacheco (2005), among others. The data analysis shows that the conceptual-
theoretical bases of literacy and curriculum, used by the teachers, are between two
conceptions: one in the conservative and restricted perspective of literacy where the literacy
teachers show strong attachment to the basic learning of reading, writing and arithmetic,based on training activities of mechanic and instrumental memorization, elements that
characterize a traditional curricular conception based on the school organization in gradeswhich still occupies a significant space in these schools, and the other in a wider and more
modern literacy where we can realize how the interpretation, the comprehension and the use
of logical reasoning are necessary, allowing the comprehension of texts and resolution of
problems, that is, acting with the proposition of problematic and reflexive activities that
correspond to an emancipatory literacy curriculum and with a school organization in Cycles.
In a general way, what is noticed is that, in these school units, the modern and the traditional
elements go together
Key words: 1 st Cycle. Literacy. Literacy Curriculum. Curricular Development.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO E ORGANIZAÇÃO METODOLÓGICA DA PESQUISA...................11
A origem da pesquisa: ...........................................................................................................14
A trajetória do estudo.............................................................................................................21
O lócus e os sujeitos do estudo...............................................................................................22
Os instrumentos da investigação e a coleta de dados...........................................................24
1 RETRATOS DA ALFABETIZAÇÃO NO CONTEXTO DE MUDANÇAS NA
ORGANIZAÇÃO ESCOLAR ..............................................................................................30
1.1 Alguns indícios das concepções de alfabetização no contexto da implantação dos
ciclos no Brasil.........................................................................................................................30
1.2 Os ciclos em Mato Grosso: o contexto educacional.......................................................53
1.2.1 Ciclos: a proposta da rede estadual de Mato Grosso.......................................................56
1.2.2 A organização escolar numa perspectiva democrática.....................................................57
1.2.3 O enfoque curricular da Escola Ciclada de Mato Grosso................................................60
2 O DESENVOLVIMENTO CURRICULAR NA ALFABETIZAÇÃO: CONCEPÇÕES
E PRÁTICAS...........................................................................................................................68
2.1 Concepções de currículo de alfabetização na organização em ciclos...........................68
2.1.1 O currículo tradicional e a postura do professor alfabetizador........................................70
2.1.2 O currículo emancipador e a postura do professor alfabetizador....................................76
2.2 O currículo e seu planejamento: concepções e práticas................................................86
2.2.1 Planejamento curricular: prescritivo................................................................................90
2.2.2 Planejamento curricular: orientador................................................................................93
2.3 O Desenvolvimento curricular........................................................................................96
3 TECENDO UMA COMPREENSÃO SOBRE O CURRÍCULO DESENVOLVIDO NO
1º CICLO...............................................................................................................................101
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3.1 Elementos configuradores do cenário encontrado nas escolas..................................101
3.1.1 Alguns elementos caracterizadores das escolas e das professoras................................102
3.1.2 A estruturação do coletivo pedagógico do 1º ciclo.......................................................115
3.2 As bases teórico-conceituais de alfabetização e de currículo.....................................121
3.2.1 Concepções de alfabetização dos sujeitos.....................................................................121
3.2.2 Concepção do currículo de alfabetização......................................................................123
3.2.3 Opções na organização curricular.................................................................................143
3.3 O desenvolvimento curricular no contexto do 1º ciclo...............................................149
3.3.1 As superações necessárias no planejamento curricular................................................149
3.3.2 O desenvolvimento curricular no contexto da sala de aula..........................................172
3.3.3 O significado das intervenções pedagógicas nas dificuldades de aprendizagens........180
3.3.4 A formação continuada das professoras alfabetizadoras.............................................193
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................200
REFERÊNCIAS....................................................................................................................209
ANEXOS................................................................................................................................216
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LISTA DE QUADROS
Quadro 01 - Taxa de aprovação ao final da 1ª série do Ensino Fundamental........................16
Quadro 02 - Tabela de Progressão da escolaridade no 1º grau...............................................40
Quadro 03 - Demonstrativo de enturmação dos alunos..........................................................60
Quadro 04 - Matriz Curricular do 1º. ciclo..............................................................................65
Quadro 05 - Demonstrativo dos espaços físicos existentes nas escolas................................103
Quadro 06 - Recursos existentes nas escolas........................................................................104
Quadro 07 - Características pessoais das professoras...........................................................105
Quadro 08 - Formação Acadêmica das professoras..............................................................108
Quadro 09 - Situação profissional das professoras...............................................................110
Quadro 10 - Tempo de experiência profissional...................................................................112
Quadro 11 - Número de alunos por turma prevista na proposta...........................................116
Quadro 12 - Número de alunos por turma nas escolas pesquisadas.....................................116
Quadro 13 - Quantitativo de alunos com baixo aproveitamento..........................................143
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LISTA DE SIGLAS
CBA Ciclo Básico de alfabetização
CEFAPRO Centro de Formação e Atualização dos Professores
IBGE Instituto Nacional de Geografia e Estatísticas
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
LC Lei Complementar
LDB Lei de Diretrizes e Bases Nacionais
LOPEB Lei Orçamentária dos Profissionais da Educação Básica
PASE Progressão com Apoio de Serviço Especializado
PCN Parâmetros Curriculares Nacionais
PEC Projeto Escola Ciclada
PPAP Progressão com Plano de Apoio Pedagógico
PS Progressão Simples
RFC Retido no Final do Ciclo
SEDUC Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso
SME Secretaria Municipal de Educação
UFMT Universidade federal de Mato Grosso
UNESCO Organização das Nações Unidas para a educação, ciência e a cultura.
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INTRODUÇÃO
Usufruindo do legado que Paulo Freire – um dos educadores mais competentes e
respeitados de nosso país – nos deixou, posso dizer que me compreendo, nessa empreitada,
como uma mulher consciente de minha “inconclusão”, vivendo em permanente movimento de
busca e de crescimento pessoal e profissional, tentando fazer da minha “historia um tempo de
possibilidades e não de determinismos”. Freire dizia que, no âmbito da educação, a própria
consciência da “inconclusão” é que faz da “educação” um processo permanente, pois o
homem está em constante processo de aprendizagem. “Não é a educação que faz os homens
educáveis, mas a consciência que o homem tem de que é um ser inacabado é que gera sua
educabilidade” (FREIRE, 2005).
Em uma cidade do interior de Mato Grosso, após concluir o magistério aos dezoito
anos de idade, dou início a minha trajetória profissional como professora efetiva,
genuinamente uma “professorinha”. Desde então, a educação, mais especificamente, a
alfabetização, tem se tornado objeto de meu interesse e indagação.
Meus primeiros anos como professora foram ministrando aulas para turmas do pré-
escolar e 1ª. série, ou seja, com crianças de seis a sete anos, em escolas públicas. Nesse
período, o trabalho era baseado na repetição mecânica, centrado na cartilha, e bastava ter
formação inicial em magistério e conseguir aprovar pouco mais de cinqüenta por cento dos
alunos da turma para ser considerada “boa” professora. Essa situação, apesar de naturalizada
nessa época, sempre me foi incômoda, afinal por que só alguns aprendiam? Daí para frente
sempre me via envolta em uma profusão de interrrogações. Quase sempre sem as
“verdadeiras” respostas, diretas e objetivas, que a ciência positivista preconizava.
Hoje, se olharmos o percurso da escolarização brasileira, podemos perceber que os
problemas e desafios envolvendo a educação, de um modo geral, e a alfabetização, em
particular, não se reportam somente a este “meu tempo histórico”, uma vez que não são
atuais, eles vêm persistindo e se complexificando ao longo de décadas. Por outro lado,
também se tornam crescentes os desafios postos aos professores, pois o ensino tem sido
descrito como uma atividade cada vez mais exigente, onde o professor se vê obrigado a atuar
em múltiplas e complexas tarefas associadas à docência.
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Dentro desse quadro, meu interesse é pela alfabetização e pelos Ciclos de Formação,
pois estes fizeram parte de minhas vivências profissionais, como professora, nas denominadas
séries iniciais, experiências essas que me imputavam reflexões na e sobre minhas ações
pedagógicas cotidianas que, apesar de muito me inquietarem, na maioria das vezes ficavam
sem respostas.
Pela organização em Ciclos de Formação, meu interesse surgiu quando tive a
oportunidade de atuar na função assessora pedagógica na SME e depois de técnica na
Secretaria de Estado de Educação e, dessa forma, acompanhar os estudos, a elaboração e a
implantação da proposta de Ciclos na rede. Nessas funções vivenciei os avanços, as
dificuldades, os dilemas e as contradições enfrentadas para o entendimento e implementação
da proposta, no que se refere aos marcos teóricos e práticos, desde a sua “suposta”implantação no cotidiano escolar. Do lugar que ocupava, tive o privilégio, por assim dizer, de
ouvir as duas versões de um mesmo discurso, o do macro e o do microssistema.
Durante meu percurso profissional, acompanhei os processos de mudanças que
ocorreram com relação à alfabetização, envolvendo a base teórica e as orientações
pedagógicas, até chegar à concepção emancipadora, que enfatiza a dimensão simbólica e os
usos sociais da alfabetização, ou seja, alfabetização crítica.
Os fracassos escolares, expressos na repetência e na evasão escolar, notadamente nosanos iniciais de escolaridade, principalmente entre os alunos oriundos da classe trabalhadora,
têm se tornado um fenômeno recorrente. Esta situação coloca a alfabetização como um
problema da educação em nosso país, o qual necessita ser enfrentado e o mais urgentemente
possível sanado.
Os problemas referentes à alfabetização, como os demais da educação, fazem parte do
contexto social e são influenciados pela economia, pela política social, pelas desigualdades
sociais, pelas prioridades de investimentos e gastos públicos na educação, pela formação deprofessores, pela gestão educacional e escolar, e poderia ainda citar outros.
Mas gostaria de sublinhar que faço parte do grupo de profissionais que discorda que
estas situações sejam naturais e inevitáveis, pois coaduno com as idéias de Paulo Freire
(1996b, grifos do autor) quando diz que “[...] devemos nos reconhecer como seres
‘condicionados’, mas não ‘determinados’”. Para Freire a História é sempre tempo de
possibilidades e não de determinismos, o futuro permite o reiterar, podendo até ser
problemático, mas não inexorável. É com esse pensamento que me ponho a caminho,
tomando por empréstimo as palavras de Freire (1996b, p. 19): “Como presença consciente no
mundo, não posso escapar à responsabilidade ética no meu mover-se no mundo”.
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Por isso, o compromisso político e pedagógico que norteia o presente trabalho traz
para discussão as reflexões sobre “a alfabetização na organização escolar em Ciclos de
formação”, pautadas pela exigência de que a escola deve se qualificar tomando por referência
o direito à educação, especialmente dos estudantes oriundos das classes populares, uma vez
que eles, além de se constituírem no maior número de matriculados na rede pública, também
são os que dela mais necessitam. Pois compreendo que é preciso lutar para reverter ou pelo
menos minimizar o fracasso escolar que se faz presente no cenário educacional brasileiro e,
em especial, no de Mato Grosso.
Optei em estudar as questões relacionadas às perspectivas curriculares, pois o
currículo possibilita pela investigação focar diretamente os processos educativos, sendo
possível discutir e, sobretudo, intervir na organização do trabalho pedagógico que o professore a escola realizam para a formação do alfabetizando.
O destaque será para as questões relacionadas ao desenvolvimento do currículo por
compreender que ele é um dos mecanismos por intermédio do qual o conhecimento é
distribuído socialmente. Dessa forma, o grau e o tipo de conhecimentos que os estudantes
adquirem nas instituições escolares, ratificados e validados por elas, têm implicações no seu
nível de desenvolvimento pessoal, em suas relações sociais e, mais concretamente, no status
que esse estudante possa conseguir em seu contexto. Nesse sentido, o presente estudo tem porfoco o currículo desenvolvido pelas professoras, nas turmas do 1º. Ciclo.
A ação de organizar o trabalho pedagógico supõe alguns saberes concernentes ao ato
de ensinar, e o professor é o protagonista nessa ação. Ele pode ser capaz de realizar mediações
e intervenções em sua sala de aula e provocar mudanças e inovações na escola.
Busco identificar e compreender nesta pesquisa “o desenvolvimento do currículo
realizado pelas professoras alfabetizadoras do 1º. Ciclo da rede pública estadual de ensino no
município de Cuiabá”. Este é o objeto que leva a proposição da pesquisa.Pela minha vivência pessoal e profissional, considero que a temática desenvolvida
nesta pesquisa pode se tornar um auxílio para a reflexão e busca da construção de uma
educação menos estigmatizadora, mais humana e includente. Para tal relevância, este registro
deverá se fazer presente junto aos docentes e, assim, ser mais um material que, junto a outros,
possa contribuir para a reflexão de suas práticas cotidianas, pois suas práticas repousam
nessas relações de pensar-agir-pensar1 ou de ação-reflexão-ação2, principalmente situando o
currículo como núcleo de sua atuação profissional.
1 Termo usado por Gelta Xavier, 2006.
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A origem da pesquisa
É muito comum ouvir que o ensino público no Brasil é de má qualidade. Diantedesse discurso que aponta a baixa qualidade da educação brasileira, o anseio da sociedade se
pauta pela necessidade de buscar alternativas para facilitar o aprendizado dos estudantes e,
desta forma, garantir a aquisição de conhecimentos cada vez mais necessários, em virtude das
exigências impostas pela sociedade, pois uma boa escolaridade pode não garantir, mas, com
certeza, pode contribuir na formação da pessoa humana e para a melhoria das condições de
vida dos estudantes.
As últimas décadas foram marcadas por mudanças de toda ordem: sociais, estruturais eeconômicas. O reflexo dessa situação no contexto escolar reincide no fracasso exigindo
mudanças nos processos educacionais e proposições políticas capazes de impulsionar
inovações na cultura escolar, nas relações entre escolas e comunidade e, conseqüentemente,
entre professores e alunos na tentativa de assegurar a democratização da educação3. Esses
aspectos trazem para o campo educacional uma série de condições não-satisfatórias impelindo
lutas por direitos.
Nos anos de 1980 a 1990, o número de estudantes que não conseguiram avançar do
seu primeiro ano de estudo para o segundo ano com aprendizagem ficou em torno de 55%.
Tal fato já era ocorrência comum na maioria das escolas brasileiras.
No ano de 2000, quase 95% da população em idade escolar obrigatória (de 7 a 14
anos) estavam matriculados na escola, tendo o país, na virada do século, finalmente
conseguido dar concretude à obrigatoriedade do Ensino Fundamental. Esse contexto
de massificação escolar, de heterogeneidade dos alunos, de mudanças na organização escolar
via reformas, que principalmente as unidades escolares do Ensino Fundamental vêm
vivenciando, tem sido segundo os estudiosos, o responsável pelo quadro educacional que se
tem hoje. Essas alterações vindas em várias direções desafiam as escolas em seu que fazer.
Diante de tal realidade, a principal preocupação está em saber como a escola deve
trabalhar para dar conta do seu público, cada vez mais numeroso e diverso. Afinal, que
conhecimentos escolares contemplariam as necessidades dessa nova parcela da sociedade que
passou a freqüentar a escola?
2 Donald A. Schon (1983; 1987) propôs o conceito de reflexão-na-ação, definindo-o como o processo medianteo qual os profissionais (práticos) aprendem a partir da análise e interpretação da sua própria prática.3 Nessas décadas ocorre o denominado acesso “democrático” às escolas.
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Compreendendo a ideologia segundo Freire (2006), não no sentido ingênuo,
simplista, imobilizante, que ele tanto debatia, mas como algo que “[...] nos move
curiosamente, como presença consciente no mundo, enfrentando a responsabilidade ética
desse mover-se no mundo”, busco entender, baseando-me na história da educação brasileira, a
importância da alfabetização, bem como o valor de ser alfabetizado numa sociedade
grafocêntrica como a nossa.
A alfabetização é um bem cultural produzido pela humanidade, seu acesso está
vinculado aos bens econômicos e sociais mais amplos. Tal situação nem sempre consegue ser
revertida pela mediação da instituição escolar, pois a história da educação no Brasil é marcada
pela seletividade. A instituição escolar tem funcionado, em grande parte, como um espaço
social cujo papel é colaborar para dar sustentação à forma em que a sociedade estaorganizada. Assim, baseada na lógica da exclusão, a escola tem expulsado muitos daqueles
que nela ingressam, ainda em seu processo inicial de alfabetização.
No período colonial, a ordem era manter o saber escrito nas mãos dos colonizadores.
E, do império à república, a educação escolarizada continuou sendo privilégio de poucos, os
conteúdos propostos eram alienados e de concepção elitista. Era grande o contingente de
analfabetos.
Na segunda metade do século XIX, houve um intenso e rico movimento político,econômico e legal, mas a escola primária permaneceu quase da mesma forma, conservando
seu caráter mecanicista. O acesso ao saber escrito mantém-se como regalia de poucos, e a
entrada do século XX não trouxe consigo avanços significativos na área educacional.
Segundo Ferrari (1987 apud MOLL, 1996, p. 30), na década de 70, havia 7,7 milhões
de analfabetos na faixa etária do ensino obrigatório e, na década de 80, compreendendo a
mesma faixa etária, estimavam-se 8,4 milhões de analfabetos. Os dados oriundos dos censos
realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE ratificam que osprogramas educacionais propostos pelos governos militares não colaboraram para diminuir o
analfabetismo.
Nas décadas anteriores a de 90, segundo dados do IBGE/INEP (2001), acima de 50%
dos alunos matriculados na 1ª. série eram reprovados, sendo esta série considerada o “ponto
de estrangulamento” do Ensino Fundamental. Ainda neste período, começaram a surgir
experiências alternativas em vários estados e cidades, considerando principalmente os estudos
de Jean Piaget que servem de referência para os trabalhos de Emília Ferreiro (1992).
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Taxa de aprovação ao final da 1ª série do Ensino Fundamental4
1956 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1997* 1998*
41,8% 47% 46% 49% 51% 51% 51% 50% 53% 53% 65% 68,7%
*nos anos de 1997 e 1998, algumas Secretarias de Educação passaram a adotar os ciclos, previstos naLDBEN
As inovações teóricas que se apresentavam nesta década sobre a alfabetização na
Europa, nos Estados Unidos e na América Latina foram referentes às pesquisas de Emília
Ferreiro (1985; 1988; 1990; 1993). No Brasil elas exerceram influências de norte a sul na
implantação de políticas públicas de alfabetização. Tais pesquisas deslocavam a discussão
sobre alfabetização mudando o foco de análise: da professora que ensina e dos métodos e
técnicas de alfabetizar, para compreender a criança que se alfabetiza e seu processo deconstrução de conhecimentos, no caso, a linguagem escrita.
Vivia-se o período inicial, na área do ensino, da nova concepção que priorizava a
alfabetização como processo. Essa concepção contrapõe-se às anteriores e com elas os
métodos de alfabetização, as cartilhas, que orientavam até então o ensino e a aprendizagem da
língua escrita pautada na decodificação. Embora transcorrida mais de uma década, acredito
que essa situação ainda não foi superada, continua ativa e polêmica. E também é inserida
nesse campo a discussão do ensino e da aprendizagem da língua materna a partir de uma ótica
socioistórica e discursiva, aproximando os trabalhos de Vygotsky dos de Bakhtin, autores
fundantes da reflexão interacionista sociodiscursiva.
Ainda nesse período, as discussões curriculares, considerando a tendência crítica,
assumem destaque e importância no pensamento pedagógico. No cenário internacional, em
países como Espanha, França, Argentina e em alguns estados dos EUA, as mudanças são na
forma da organização escolar em favor do ensino organizado por ciclos de formação.
No Brasil, alguns estados também implantaram os ciclos: em Porto Alegre, a escola
Cidadã, em Belo Horizonte, a escola Plural. Estas cidades, com governos oposicionistas,
implantaram os ciclos considerados mais radicais. Entre outros estados e capitais que também
implantaram essa reforma, considerada menos radical, estão Brasília com a escola Candanga,
Cuiabá com a escola Sarã e ainda os municípios de Chapecó, Blumenau, Ipatinga, Curitiba,
Santo André, Santo Cristo, Caxias, Gravataí, Alvorada e outros.
O Estado de Mato Grosso, especificamente a rede estadual, no final da década, em
1997, implanta o ciclo básico de alfabetização – CBA, considerando-o uma importante
4 - Ministério da Educação – Secretaria de Educação Fundamental - Programa de Formação deprofessores Alfabetizadores. Janeiro de 2001. p.9.
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iniciativa estratégica político-pedagógica de caráter democrático para enfrentar o fracasso
escolar, pois, ao eliminar a reprovação no primeiro ano de escolaridade, contribui para a
permanência de crianças em idade escolar no sistema de ensino. Dessa forma garantia,
inicialmente, o direito à alfabetização (MATO GROSSO, 2001).
Após três anos da implantação do CBA, em 2000, a Secretaria de Estado de Educação
implanta os ciclos de formação denominada Escola Ciclada de Mato Grosso – “novos tempos
e espaços para aprender a sentir, ser e fazer”, organização esta baseada, principalmente, na
nova conceituação do tempo e do espaço. A constituição das turmas acontece de acordo com
as fases de desenvolvimento humano: infância, pré-adolescência e adolescência. Na proposta
pedagógica da escola ciclada, o tempo e os espaços para a construção dos saberes são mais
flexíveis, o currículo é integrado, a metodologia é globalizadora e a avaliação é processual eformativa.
Desde 2000, ano de implantação, a proposta tem sido alvo de críticas e até resistência
por parte dos professores. No ano de 2004, atuei como líder da equipe do Ensino Fundamental
na Superintendência de Ensino e Currículo, sendo responsável pela elaboração e
implementação pedagógica da proposta, realizamos uma pesquisa diagnóstica em 60 escolas
de 30 municípios, ou seja, em 15% das escolas organizadas em ciclos de formação da rede.
Esta pesquisa priorizava as questões pedagógicas, com o objetivo de compreender o processode desenvolvimento da proposta nas escolas que a implantaram e também verificar o que
estava, de fato, sendo colocado em ação (BORDALHO, 2007; FERNANDES, 2007;
MENEGÃO, 2007 apud MONTEIRO, 2007, p. 169-188).
Dentre os dados coletados, o que mais me chamou a atenção e causou inquietações foi:
o discurso dos sujeitos pesquisados (professores, coordenadores pedagógicos, coordenadores
de ciclos, diretores e secretários escolares) de que “[...] as crianças estão passando de
ano/ciclo sem aprender a ler e escrever”. Acredito que essa situação seja gerada pelaconcepção teórica que embasa os ciclos de formação, que não admite provas e notas como
momentos decisivos e definitivos de avaliação. Isto porque essa forma de avaliar, eliminando
a verificação isolada e fazendo uso de instrumentos pontuais, não acompanha os processos
contínuos e desiguais das aprendizagens e acaba por se tornar instrumento seletivo e
classificatório, justificador da exclusão.
Será que se pode aludir essa forma de pensar ao não-entendimento da nova lógica
escolar, que considera o tempo de desenvolvimento humano do aluno para constituir as
turmas? Na estrutura da organização escolar por ciclos, o ensino fundamental foi organizado
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em três ciclos, de três anos cada, para os estudantes na faixa etária dos seis aos quatorze anos,
com a formação dos coletivos de alunos considerando prioritariamente a idade.
Os três ciclos correspondem à infância, à pré-adolescência e à adolescência, e este
agrupamento de crianças e de adolescentes na escola fundamenta-se na relação
desenvolvimento e aprendizagem embasada nas contribuições de Piaget, Wallon e Vygotsky.
É principalmente na sala de aula, na ação dos professores, que as inovações
pedagógicas acontecem, pois são eles os principais protagonistas das mudanças no interior das
escolas. Portanto não se pode negar sua importância como “intelectuais transformadores” ou
conservadores na organização e funcionamento didático-curriculares da escola.
Compreendo ser necessário saber que conhecimentos os professores alfabetizadores do
1º. ciclo priorizam na implementação desta proposta nas unidades escolares que a assumiram.Assim concordo com a posição de Fetzner Krug (2001), quando afirma que:
[...] na escola por ciclos de formação, as crianças não aprendem somente aoserem reunidas por idade. As crianças constroem conhecimentosdependendo da qualidade da intervenção que lhes são oportunizadas, apartir do reconhecimento do seu desenvolvimento atual, de suaspossibilidades de idade, de tempo para aprender, da criação de espaçoseducativos que atendam a suas necessidades específicas e da veiculação deconhecimentos significativos.
Diante dessa posição, torna-se claro a necessidade de investir na formação dos
professores e também no desenvolvimento de pesquisas para transcender o censo comum do
discurso existente de que “o culpado pelas situações da não-aprendizagem dos alunos é a
organização em ciclos”. Afinal, este fracasso já estava instalado, e a nova organização veio no
intuito de minimizá-lo ou superá-lo.
Segundo Miguel Arroyo (2007):
Não foram os ciclos que criaram o problema. Os ciclos fizeram um favor,porque permitiram descobrir que esse problema não era do professor quelidava com repetentes, mas da escola e do sistema como um todo [...].Durante décadas encobrimos repetentes na 1ª. e 2ª. séries, e ninguém gritou.E agora, quando alguns repetentes chegam às séries mais adiantadas semsaber ler e escrever, todo mundo grita.
Com relação à afirmação da não-aprendizagem dos alunos em função da organização
em ciclos, é importante esclarecer que a demanda supostamente colocada como não-
alfabetizada presente nas salas de aulas, no regime seriado, ou reprovariam, elevando os
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índices estatísticos da repetência nas séries iniciais, ou abandonariam a escola, o que, a meu
ver, é inadmissível.
Freitas (2004), estudioso do assunto, entende que “Os ciclos estão inseridos em uma
perspectiva de mudança mais ampla e sua importância está mais ligada à resistência
necessária à lógica da seriação e à função excludente da escola do que a seu uso como solução
pedagógica”.
Considero que os problemas referentes à alfabetização fazem parte de um conjunto
maior que vai da economia à política social: desigualdades sociais, prioridades de
investimentos, gastos públicos na educação, formação de professores, gestão educacional e
escolar, entre outros. Há também problemas que podem estar relacionados aos procedimentos
didático-pedagógicos, pois não se pode desconsiderar o peso da organização do trabalhopedagógico na formação do alfabetizando.
Najar e Camargo (2006, p. 11-26) nos trazem a discussão referente à culpabilização
da má qualidade do ensino que perdurou por anos responsabilizando o próprio aluno que “não
aprendia”; hoje, culpabilizar o professor pela crise da educação em nosso país passa a ser
elemento do senso comum. A prática de avaliação presente no interior da maioria das
reformas educacionais implantadas serve, dentre outras coisas, para reforçar o diagnóstico
prévio da baixa qualidade da escola pública, culpabilizar os professores pela crise e mostrarquão necessários seriam os ajustes neoliberais (CARDELLI, 1998 apud NAJAR;
CAMARGO, 2006).
Nesse sentido, a atividade docente no contexto escolar não é simples e natural, mas
uma construção social e cultural que comporta múltiplas facetas. Imbernón (2006, p.19) nos
chama atenção para fatores que não devem ser ignorados tais como “[...] o ambiente de
trabalho, o clima e o incentivo profissional, a formação padronizada, a histórica
vulnerabilidade política do magistério, o baixo prestígio profissional, a atomização e oisolamento forçado pela estrutura”. Ele aponta ainda “[...] a falta de controle inter e
intraprofissional entre outros”.
Entretanto a preocupação, neste estudo, se refere ao trabalho dos professores, no
tocante ao desenvolvimento curricular da alfabetização no 1º. Ciclo. A relevância do estudo
desta temática destaca-se pela sua atualidade e abrangência no contexto da rede estadual de
Mato Grosso, por compreender que os professores e demais profissionais exercem ativo papel
no processo de (re)interpretação das propostas educacionais. Desta forma, o que eles pensam
ou acreditam têm implicações no processo de implementação dessas propostas. Portanto as
percepções e experiências das pessoas envolvidas nos processos de implementação, os
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docentes em especial, são essenciais para viabilizar a educação escolar numa lógica mais
inclusiva, em contraposição à lógica excludente e seletiva.
O grande desafio posto aos sistemas educacionais de ensino está em efetivar uma
educação inclusiva, movida pelo conhecimento epistemológico de que todo ser humano
aprende e pela vida inteira; pela superação da organização escolar seriada em prol da
consolidação de uma nova forma de organização escolar, dentre as quais a opção esclarecida
pelos ciclos de formação. Uma prática pedagógica pautada na preocupação em alfabetizar
letrando; em estabelecer condições para que o coletivo docente seja protagonista ativo por
intermédio do seu saber e saber fazer curricular, na construção dessa escola necessária onde o
direito de aprender seja garantido ao estudante.
O contexto escolar tem sofrido alterações e recebido contribuições importantes nasúltimas décadas. Do ponto de vista teórico, por exemplo, a Pedagogia tem recebido
contribuições significativas de outras áreas do conhecimento, principalmente da Psicologia,
da Psicolingüística, da Sociolingüística, da Neurolingüística e da Lingüística no que se refere
à alfabetização.
Do ponto de vista da organização escolar, há que se considerarem as alterações via
reformas que as unidades escolares da rede estadual do Ensino Fundamental de Mato Grosso
vêm vivenciando, desde o Projeto Terra, o Ciclo Básico de Alfabetização – CBA (MATOGROSSO, 1997), até a Escola Ciclada de Mato Grosso (MATO GROSSO, 2001).
Há que se considerar também como importante para a educação escolar,
principalmente nos anos iniciais de escolaridade, o grande debate nacional que vem ocorrendo
desde os meados dos anos 80 sobre a utilização dos métodos de alfabetização e, além disso, a
introdução recente do conceito de Letramento.
Há que se levar em conta ainda que a rigidez dos tempos e espaços que serviam de
formato para programas e conteúdos artificialmente concebidos, homogeneizadores deprodutos de aprendizagem, com conhecimentos fragmentados e parcelados em disciplinas,
apropriados para a organização seriada, fora substituída na organização escolar por ciclos.
Nesta nova organização, a forma de enturmação dos estudantes se pauta pela idade,
acompanhada de uma concepção de currículo que ordena uma relação imbricada entre
estrutura, ambiente, cultura e conhecimento.
Acredita-se que as situações expostas, provavelmente, em maior ou menor grau,
tenham influenciado o cotidiano das escolas e a ação das professoras alfabetizadoras.
Afinal, o que está acontecendo com a prática educativa, para que haja um discurso na
rede afirmando que os alunos estão passando de ano/ciclo sem saber ler e escrever?
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As professoras alfabetizadoras se sentem perdidas e já não sabem mais trabalhar o
currículo da alfabetização, na organização em ciclos de formação humana?
Podemos considerar a afirmação “as crianças estão passando de ano/ciclo sem
aprender ler e escrever” como um pedido de auxílio, um desabafo, uma denúncia que os
“educadores” fazem? Isto porque a maioria dos docentes reconhece a alfabetização como
direito do aluno e considera importante que todos aprendam a ler e escrever. Os docentes
alegam se sentirem bastante incomodados quando a aprendizagem dos alunos não é
satisfatória. Ou pode-se considerar uma reação conservadora em defesa da escola tradicional e
seus mecanismos de exclusão?
É necessário ainda saber qual a compreensão do professor sobre a ampliação do tempo
curricular na organização em ciclos de formação, que passou de 200 para 600 dias letivos e de800 para 2.400 horas para que o alfabetizando aprenda.
Enfim, as mudanças que ocorreram nas últimas duas décadas, tanto na forma de
organizar o ensino quanto as que se referem às contribuições teóricas sobre alfabetização,
dizem respeito a diferentes abordagens, pressupostos e conceitos a partir dos quais os
professores elaboram seu pensar e sua prática de alfabetização.
Neste cenário, o lugar da pesquisa na alfabetização me leva a indagar: Que currículo
de alfabetização os professores desenvolvem no 1º. Ciclo? Para os professoresalfabetizadores, o que deve aprender um aluno que está sendo alfabetizado? Diante dessas
indagações, tenho como objeto de estudo desta pesquisa o Currículo desenvolvido pelos
professores alfabetizadores no 1º. ciclo.
Assim o objetivo principal para a realização deste estudo é compreender como os
professores desenvolvem o currículo de alfabetização no 1º. ciclo do Ensino Fundamental da
rede estadual de Mato Grosso.
A trajetória do estudo
Para construir o percurso de investigação do objeto deste estudo, fiz opção pela
metodologia qualitativa interpretativa, de caráter indutivo e descritivo, pela especificidade e
identidade ligadas aos interesses da pesquisa. Procurei a compreensão contextual do
fenômeno analisado, privilegiando o desenvolvimento curricular realizado pelas professoras
alfabetizadoras do 1º. Ciclo, concordando com Goodson (1995, p. 55) quando diz que:
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Se for para ser útil, a teoria curricular deve começar com estudos que seconcentrem sobre escolas e ensino. A nossa teoria precisa desenvolver-se apartir do entendimento do currículo tal como é elaborado e realizado e como,ao longo do tempo, vem sendo reformulado.
Para a análise dos dados, parto do pressuposto de que a prática do desenvolvimento
curricular na organização em ciclos de formação, seja entendida e implementada pelas
professoras, neste estudo, como o processo em que o alfabetizador atua numa perspectiva
mais reflexiva e autônoma em seu cotidiano, superando a ação meramente técnica.
Considero ser essa abordagem a mais adequada para o estudo dos dados, pois todos os
detalhes do fenômeno podem ser significativos para a análise. Para isso, busquei amparo no
referencial teórico de Bogdan e Biklen (1994, p. 49), segundo os quais “[...] a abordagem da
investigação qualitativa exige que o mundo seja examinado com a idéia de que nada é trivial,
que tudo tem potencial para constituir uma pista que nos permita estabelecer uma
compreensão mais esclarecedora do objeto de estudo”. Dessa forma, coube-me buscar
estratégias e procedimentos que me permitiram compreender mais nitidamente as
experiências e o ponto de vista das informantes.
O investigador qualitativo não só precisa saber trabalhar e recolher os dados, como
também de ter uma boa idéia sobre o que os dados são (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 145).
A pesquisa qualitativa, se por um lado não pode servir para generalizações, por outro,
pode contribuir para a definição e redefinição dos vários elementos que hoje servem de base
para a elaboração de pesquisas e análises mais amplas sobre a prática pedagógica
desenvolvida em contextos educacionais, cujos resultados precisam ser melhorados.
Lócus e sujeitos do estudo
A primeira característica da investigação qualitativa, de acordo com Bogdan e Biklen
(1994), é a utilização do ambiente natural como fonte direta para a coleta dos dados, pois,
segundo eles, os investigadores qualitativos freqüentam os locais de estudo. Isso ocorre
porque se preocupam com o contexto e entendem que as ações podem ser mais bem-
compreendidas quando são observadas no seu ambiente natural de ocorrência.
Para tanto, elegemos o ambiente escolar como lócus privilegiado para a pesquisa.
Inicialmente 10 escolas urbanas da rede pública estadual pertencentes ao município de
Cuiabá, que representam 100% do universo a ser estudado, ou seja, cujas unidades escolarespossuem todo o Ensino Fundamental organizado por ciclos de formação. Destas 10 escolas, a
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amostra se constituiu de 3 (três) escolas, sendo uma da regional Leste, uma outra da Oeste e a
terceira da regional Norte. Esta definição não foi aleatória, a escolha se deu a partir dos
critérios:
a.
ser escola da rede pública estadual de ensino;
b. ter implantado a organização escolar por ciclos desde o ano 2000;
c. ter professores atuando desde o início do ano letivo de 2007, sem ter passado
por licenças e/ou afastamentos;
d. ter o maior número de professores efetivos atuando no 1º. Ciclo;
e. ter demonstrado interesse em participar da pesquisa.
Iniciei o trabalho aplicando um questionário de perguntas abertas e fechadas a 9
(nove) professores do 1º. Ciclo nas 3 (três) escolas, com o objetivo de levantar algumascaracterísticas referentes à identidade do professor alfabetizador do 1º. Ciclo, no município de
Cuiabá, precisamente na área urbana central.
Posteriormente a esse trabalho, tendo em vista as unidades escolares que atendiam aos
critérios estabelecidos, retornei às três escolas para esclarecer minha intenção, os
procedimentos que usaria com os investigados e também para ouvi-los sobre suas dúvidas,
sobre o tempo que poderiam disponibilizar, enfim, acertar um cronograma de trabalho.
Realizei os procedimentos de pesquisa em 3 escolas, o que implicou a necessidade deperfazer um total de 9 sujeitos. Foi feita a escolha de uma professora regente da 1ª. fase, uma
da 2ª. fase e uma da 3ª. fase do 1º. ciclo por unidade escolar.
Os critérios estabelecidos para definir os sujeitos da pesquisa foram os seguintes:
a. ser professor regente que atua no 1º. ciclo, preferencialmente efetivo;
b. possuir experiência em alfabetização de no mínimo 3 anos de trabalho;
c. estar trabalhando com a turma desde o início do ano letivo, sem ter passado por
licenças médica, especial ou outras;d.
ter se disponibilizado para ser sujeito da pesquisa.
Utilizei, preferencialmente, os professores efetivos no item “a” acima sobre os
critérios determinados, porque após a primeira visita realizada nas dez unidades escolares,
com o propósito de levantar dados de caracterização da identidade das professoras
alfabetizadoras do 1º. Ciclo, nas escolas estaduais no município de Cuiabá, eu me deparei
com a seguinte situação: uma significativa quantidade de professores alfabetizadores que, em
fase de aposentadoria, devido ao número de anos trabalhados, tem por direito a licença
especial de três meses para cada cinco anos trabalhados. Esse direito não é utilizado, pela
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grande maioria, em seu percurso profissional, mas geralmente “guardado” para ser usado na
fase de aposentadoria.
Estes professores afastados em licença, segundo as normativas da SEDUC, não podem
ser substituídos por professores efetivos. Isso tem gerado às escolas necessidades de contratar
professores interinos. Esse motivo foi um dos principais filtros de minha definição pelas 3
(três) escolas.
Optei pelos seguintes instrumentos e procedimentos metodológicos: questionário,
entrevista e análise de documentos oficiais, uma vez que meu empenho está em conseguir
descrever, analisar e compreender o currículo tal como é desenvolvido em um determinado
tempo de acordo com as situações de trabalho vividas e denominadas pelos próprios docentes
segundo as condições, os recursos e as pressões reais de suas atividades cotidianas.Elegi a aplicação desses três instrumentos considerando a necessidade de triangulação
das informações e consistência da análise.
Busquei, assim como Bogdan e Biklen (1994), “[...] analisar os dados utilizando toda
a sua riqueza, respeitando, tanto quanto possível, a forma em que estes foram registrados ou
transcritos”.
Os instrumentos da investigação e a coleta de dados
Foi aplicado, no primeiro semestre de 2007, um questionário, cuja finalidade era
caracterizar as escolas e delinear o perfil dos professores alfabetizadores do 1º. ciclo que
atuam nas escolas onde o Ensino Fundamental é organizado em ciclos, no município de
Cuiabá. Dessa forma, esse instrumento serviu para mostrar algumas práticas realizadas pelos
professores. Foi um momento importante também para que a pesquisadora e sujeitos da
pesquisa criassem um clima de cordialidade e confiança.
Retornei às unidades escolares com o segundo questionário a ser aplicado. Este
instrumento foi organizado de forma semi-estruturada. Sua aplicação se deu no final do ano
letivo de 2007, as professoras o responderam por escrito de forma individual, mas todas de
uma só vez, contando com a minha presença. Em uma das escolas, isso não foi possível, e
uma das professoras ficou com o questionário para responder e me entregar no outro dia.
As indagações foram elaboradas tendo por propósito levantar dados junto às
professoras alfabetizadoras, em busca de compreender melhor as concepções e as
experiências dos sujeitos da pesquisa, bem como a significação atribuída por eles ao objeto
estudado, durante a execução dos seus trabalhos pedagógicos.
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Levei junto comigo alunas do curso de Pedagogia, já em experiência de estágio, para
ficarem com os alunos enquanto as professoras, reunidas em minha presença, respondiam ao
instrumento.
O tempo de aplicação durou cerca de uma hora, elas começavam o registro
preocupadas em não demorar muito, mas depois se empolgavam com as questões que lhes
provocavam reflexões acerca de seu cotidiano.
Em investigação qualitativa, as entrevistas podem ser empregadas de dois modos, com
a estratégia dominante para a coleta dos dados ou, como nesse caso, utilizadas em conjunto
com outras técnicas.
Sua finalidade foi apreender as impressões subjetivas, organizadas a partir do ponto de
vista dos sujeitos. O roteiro para a entrevista foi pré-elaborado, preocupei-me em perceber ospontos críticos, as teorias implícitas, as hipóteses manifestas, os processos contraditórios nas
próprias crenças, assim como nas semelhanças entre os pensamentos e a maneira de agir.
As entrevistas foram realizadas posteriormente ao questionário; nesse momento, eu,
pesquisadora, e os sujeitos já estávamos bem mais familiarizados, o que é considerado
condição propícia à natureza desta pesquisa. Apesar da familiaridade, a entrevista realizada
pode ser considerada de cunho mais formal, uma vez que foram determinados o dia e o
momento para o encontro. Contudo os sujeitos demonstraram estar à vontade, pois tomei ocuidado de começar com conversas amenas esperando o tempo suficiente, até senti-las
dispostas a responder às indagações, para então dar início à entrevista.
As unidades escolares foram o ambiente definido para a realização das entrevistas, que
aconteceram no final do ano letivo de 2007, de forma individual, com o consentimento das
professoras, obedecendo ao dia e hora marcados por elas.
Mesmo assim, estive por diversas vezes nas escolas sem conseguir entrevistá-las, pois,
de um modo geral, as professoras que trabalham com crianças nessa faixa etária nãocostumam deixá-las a sós. Isso me obrigou a levar estudantes/estagiárias do curso de
Pedagogia para ficar com os alunos enquanto elas estivessem sendo entrevistadas, diante da
experiência anterior que tive na aplicação dos questionários.
O objetivo da entrevista era buscar explicações sobre as ações, o jeito de fazer,
conceber, pensar e agir dos professores na realização de suas atividades e ou trabalho, em
especial o planejamento curricular e os planos de aulas. Isto porque, segundo Bogdan e Biklen
(1994, p. 134), “[...] a entrevista é utilizada para recolher dados descritivos na linguagem do
próprio sujeito, permitindo ao investigador desenvolver intuitivamente uma idéia sobre a
maneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo”.
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A entrevista foi realizada com três professoras alfabetizadoras do 1º. ciclo, por
unidade escolar, em três escolas da rede estadual no município de Cuiabá. As entrevistas
tiveram a duração média de uma hora, para cada sujeito entrevistado. Para esse procedimento,
fiz uso de um gravador, fato esse importante a registrar, pois, para o seu uso, eu sempre pedia
autorização, e, somente após a concessão, as falas eram gravadas em microfitas cassetes e,
posteriormente, transcritas.
Nessa ação, procurei muito mais estimular as professoras a relatarem seu dia-a-dia
com os ciclos do que indagar a respeito de teorias e conceitos presentes na proposta da Escola
Ciclada de Mato Grosso. Para o procedimento, parti inicialmente de um roteiro semi-
estruturado, a partir do qual fui aprofundando as explicações sobre suas ações, seu jeito de
fazer, conceber, pensar e agir quando na realização de suas atividades docentes.Tendo a clareza de que as regras não podem ser aplicadas seguramente a todas as
situações de entrevistas, embora possam ser feitas algumas afirmações gerais, fui a campo
com as sugestões de Bogdan e Biklen (1994, p. 137) de que o que se revela mais importante é
a necessidade de ouvir cuidadosamente o que as pessoas dizem, encarando cada palavra como
se ela fosse potencialmente desvendar o mistério, que é o modo de cada sujeito olhar para o
mundo. Nesse sentido, segundo os autores, é necessário fazer sempre perguntas no intuito de
clarificar. E, caso não consiga entender, tomar esse defeito como meu e não como falta desentido do que o sujeito esta a dizer; nesse momento, é preciso voltar e refletir um pouco mais
sobre o que foi dito.
A técnica de entrevista demanda flexibilidade. Ser flexível não é possuir um conjunto
de procedimentos ou estereótipos predeterminados, ser flexível constitui-se em responder à
circunstância imediata, quando entrevistador e entrevistado estão frente a frente.
A análise documental (oficial) foi proposta, sustentada pela teoria de Bogdan e Biklen
(1994, p. 180). Acredito que o material escrito nos documentos externos e internos quecirculam dentro da própria organização, tal como o sistema escolar, pode revelar informações
preciosas acerca das relações de poder estabelecidas na escola, bem como as regras e
regulamentos que as determinam, capazes de propiciar revelações potenciais acerca de qual o
valor e qual o grau de participação dos membros na organização.
Isso me impeliu ao uso dos documentos oficiais. Num primeiro momento busquei, nos
documentos externos, os discursos oficiais da SEDUC, esboçados no Livro Escola Ciclada de
Mato Grosso, suas proposições no que se referem à organização escolar por ciclos. Nesse
material, procurei identificar as orientações básicas e as nomenclaturas empregadas na sua
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caracterização. Assim coletei dados a respeito da estruturação dos ciclos, da matriz curricular,
do processo de enturmação, dentre outros.
Esse documento trazia também informações sobre os contextos político-educacionais
mato-grossenses em que os ciclos foram implementados.
Em seguida, fiz uso dos documentos internos, tais como planejamento anual, planos de
aulas, pelo fato de serem os textos escritos pelos próprios sujeitos, o que coaduna com o meu
interesse em compreender como a alfabetização é definida na escola pelo coletivo de
professores do 1º. ciclo. Esse material também possibilitou visualizar como as professoras
alfabetizadoras interagem com os discursos “oficiais” e “extra-oficiais” sobre os conteúdos
curriculares e saberes que os alfabetizandos precisam dominar para serem alfabetizados. O
“planejamento curricular” elaborado pelos professores do 1º. Ciclo, os “planos de aulas” dasprofessoras, serviram ainda como ponto de partida e de significação para a identificação do
conteúdo, objeto deste estudo, manifestos alguns de forma explícita ou latente, em vinculação
com outras técnicas utilizadas nesta pesquisa.
Segundo Franco (2005, p. 24, grifos do autor), “[...] esse procedimento tende a
valorizar o material a ser analisado, especialmente se a interpretação do conteúdo ‘latente’
estipular, como parâmetros, os contextos sociais e históricos nos quais foram produzidos”.
Uma das escolas me entregou um planejamento único de todos os professores do 1º.Ciclo para que eu tirasse cópia. Uma outra escola me entregou o planejamento anual,
composto por quatro bimestres, realizados para cada uma das turmas do ciclo. Uma terceira
escola me entregou o planejamento anual realizado individualmente por professora. Obtive
também algumas amostras de cadernos dos alunos.
Nesses documentos, “planejamento curricular e planos de aulas”, procurei identificar
os seus elaboradores, ou seja, os partícipes dessa construção, buscando também saber os
principais materiais consultados para a sua elaboração e ainda os conhecimentos e conteúdosque priorizaram, no documento, para trabalhar com suas turmas de alunos.
Fiz uso desse material como uma possibilidade de apreender a compreensão própria de
cada professora num espaço-tempo distanciado de sua ação de planejar o currículo. Assim
aproveitei a amostra para tentar captar o significado que atribuem ao tempo curricular no
processo de alfabetização, bem como caracterizar como os professores organizam o tempo e o
espaço no desenvolvimento do currículo no processo de alfabetização.
Considerei as sugestões de Bogdan e Biklen (1994, p. 206), para quem os
pesquisadores iniciantes devem utilizar estratégias referentes ao modo de análise no campo de
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investigação, deixando a análise mais formalizada para quando estiver de posse da maior
parte dos dados.
Esse processo só foi possível através de uma leitura mais minuciosa das orientações
propostas nesses documentos para o trabalho curricular no 1º. Ciclo.
Franco (2005, p. 24) nos alerta que “[...] os resultados da análise de conteúdos devem
refletir os objetivos da pesquisa e ter como apoio indícios manifestos capturáveis no âmbito
das comunicações emitidas”. Ele diz ainda que é “[...] com base no conteúdo manifesto
explícito que se inicia o processo de análise”. Franco ainda aconselha ao pesquisador não
descartar a possibilidade de uma real análise acerca do currículo “oculto”, das mensagens e de
suas entrelinhas, o que conduz para além do que pode ser identificado, quantificado e
classificado, para o que pode ser compreendido mediante códigos peculiares e característicos.O processo de análise dos dados qualitativos é de natureza complexa, pois exige
procedimentos e decisões acerca da experiência do pesquisador e determina os prováveis
caminhos na determinação dos procedimentos de análise.
Realizei a codificação dos registros dos materiais coletados com a pretensão de criar
e especificar as categorias e ainda definir a estruturação dos conceitos e concepções mais
abrangentes. O processo de codificação reuniu uma série de meios que serviram para
organizar o conjunto de categorias que indicam as tendências mais marcantes ou significativassobre a problemática estudada.
As categorias foram levantadas, em grande parte, no próprio processo de construção
do referencial teórico e também a partir do próprio conteúdo dos dados levantados, o que
contribuiu para especificar e expandir seus conteúdos.
Assim, para orientação das análises, os dados foram organizados em três grandes
categorias e respectivas subcategorias
1. Os elementos configuradores do cenário encontrado nas escolas.1.1 Alguns elementos caracterizadores das escolas eprofessores do 1º Ciclo.
1.2 A estruturação do coletivo pedagógico do 1º Ciclo.
2. As bases teórico-conceituais de alfabetização e de currículo.
2.1 Concepções de alfabetização dos sujeitos
2.2 Concepção de currículo de alfabetização
2.3 Opções na organização curricular
3. O desenvolvimento curricular no contexto do 1º. Ciclo.
3.1 As superações necessárias no planejamento coletivo.
3.2 O desenvolvimento curricular no contexto da sala de aula.
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3.3 As ações de intervenção pedagógica pedagógica nas dificuldades de
Aprendizagem.
3.4 Formação Continuada das professoras alfabetizadoras.
Esta organização orientou a estrutura desta dissertação que se constitui de uma
introdução e três capítulos.
A Introdução traz a origem e a trajetória da pesquisa, o lócus, os sujeitos, os
instrumentos da investigação e a coleta de dados.
No Capítulo 1, Retratos da alfabetização no contexto de mudanças na
organização escolar, dediquei-me a retratar a alfabetização e a organização por ciclos emtempos e espaços determinados, buscando evidências na história que possibilitassem o
entendimento relacional entre ambos. Para tanto, contei especialmente com a colaboração de
Mortatti (2004; 2006), Moll (1996), Freire (2001), Freitas (2004), Barreto e Mitrulis (2001) e
Mainardes (2007).
O Capítulo 2, O currículo na alfabetização e seu planejamento: concepções e
práticas, foi organizado tendo por aporte teórico a compreensão e a produção deconhecimento no que diz respeito ao planejamento desenvolvimento curricular. Conta com as
contribuições de Freire (2006), Gimeno Sacristán (2000), Gimeno Sacristán; Pérez Goméz
(1998), Moreira (2004; 2006), Pacheco (2005), Goodson (2001), Fetzner Krug (2001; 2007),
Lima (2006) e Arroyo (1999; 2004; 2006; 2007) na busca de entendimento sobre o currículo
na alfabetização.
No Capítulo 3, Tecendo uma compreensão sobre o currículo desenvolvido no 1º.Ciclo realizo a interpretação e atribuição de significados sobre os dados coletados em campo,
num esforço de produção teórico-prática que a reflexão sobre estes propicia.
E nas Considerações Finais, trago os resultados da pesquisa em uma síntese que
condensa a análise.
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CAPÍTULO 1
RETRATOS DA ALFABETIZAÇÃO NO CONTEXTO DE MUDANÇAS NA
ORGANIZAÇÃO ESCOLAR
Neste capítulo procurei direcionar o meu olhar para o contexto histórico da educação,
em busca de retratar alguns períodos significativos da alfabetização, bem como o
entendimento de leitura, escrita e de alfabetizado nos períodos retratados. Deste modo tomei
por base as concepções de alfabetização, considerando o processo de mudança na organização
da escola pública brasileira, em particular do sistema estadual de Mato Grosso, na tentativa de
compreender o movimento relacional entre ambos – alfabetização e organização escolar por
ciclos.
Captar alguns dos aspectos presentes neste movimento relacional entre a alfabetização
e a organização escolar por ciclos torna-se importante neste estudo, considerando que estes
processos de mudanças ocorrem simultaneamente nos espaços escolares.
1.1 Alguns indícios das concepções de alfabetização no contexto da implantação dos
ciclos no Brasil
Alfabetização e organização escolar por ciclos constituem-se, neste momento, em
grandes desafios postos à educação brasileira, pois fazem parte das exigências de
transformação nos processos e práticas educativas, os quais se dizem preocupados emrecuperar a concepção de educação básica como direito de todos e não como privilégio das
elites.
Historicamente, as concepções acerca da alfabetização foram se formando como uma
prática plural e multifacetada, com diferentes sentidos e significados, no contexto
socioistórico-cultural econômico e político, sob a égide de diferentes concepções que
acarretaram mudanças nas definições metodológicas e nos procedimentos didáticos.
A organização escolar por ciclos também não é única, apresenta formas e concepções
diferenciadas a depender das políticas e contextos dos quais são provenientes. Dessa forma,
elas podem apresentar semelhanças, sem, contudo, serem iguais.
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A idéia não é historicizar exaustivamente sobre estas temáticas, mas certamente é
necessário reportar-me à trajetória histórica, em busca de melhor entender como a
alfabetização e a organização escolar por ciclos vêm se configurando no panorama
educacional.
Esta trajetória pode contribuir também com a minha finalidade de tentar sinalizar as
intencionalidades, nem sempre explícita, as quais levaram os mais diversos sistemas de ensino
a adotarem esta ou aquela forma de organização escolar. Ou seja, entender como a política de
ciclos vem sendo delineada e delimitada nos Estados Brasileiros, para então compreender a
situação em que se encontra a alfabetização na organização escolar por ciclos de Mato
Grosso, em especial o 1º. Ciclo, onde foco meu objeto de estudo.
Neste sentido, farei uma revisita a determinados períodos da história da educação,desde o descobrimento do Brasil aos dias atuais, para compor um breve histórico da
alfabetização e da organização por ciclos. Organizei os fatos compreendidos como
importantes em quatro (4) períodos, na tentativa de melhor situar os tempos descritos.
Para melhor abrangência, trouxe para o histórico dos ciclos os trabalhos de Barreto e
Mitrulis (2001, p. 103-140) e, para o histórico da alfabetização, contarei com as contribuições
de Moll (1996), Freire (2001) e, sobretudo, os estudos de Mortatti (2004; 2006). Os
estudiosos a quem me reporto, têm seus trabalhos reconhecidos como os mais completosacerca dos temas que serão abordados. Contei também, para compor esse histórico, com as
contribuições do recente estudo de Mainardes (2007), que trata das políticas de ciclos no
Brasil.
1º. Período – Do descobrimento do Brasil (1500) até o período pombalino ou de
remodelação iluminista (1759-1808)
No primeiro período, de 1500 a 1549, tempo de instalação das capitanias hereditárias,
não havia nenhuma preocupação com educação escolarizada. Esta preocupação veio surgir
com a chegada dos jesuítas após 1549 e sua permanência até os anos de 1759 e estava
vinculada à disseminação da doutrina católica. O interesse inicial era dedicado à criança
indígena, mas foi tomando outra estratégia e agregando índios, mestiços colonos e órfãos
vindos de Portugal, tanto nas “escolas de ler e escrever”, onde o ensino primário deveria ser
um prolongamento da catequese, quanto nos colégios, cujo objetivo era preparar os
missionários (FREIRE, 2001, p. 46).
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Mesmo considerando a dualidade do “instruir” e “catequizar” os indígenas, a educação
jesuítica foi uma ferramenta básica na formação da elite colonial, uma vez que foi reduzindo
suas ações aos colégios e destinando o ensino aos filhos dos colonizadores e senhores de
engenho. Segundo Freire (2001, p. 42), a preocupação da Companhia de Jesus não era voltada
à alfabetização e nem à educação para todos.
A reforma de Pombal, em 1759, beneficiou Portugal e trouxe retrocesso para a
educação no Brasil. Os cursos seriados dos jesuítas foram substituídos pelas “aulas avulsas”
dadas por professores improvisados, que as ministravam em suas próprias casas, sem
considerar questões de continuidade dos conteúdos e a relação entre as disciplinas estudadas
(FREIRE, 2001, p. 46).
2º. Período – Do Império ao primeiro período republicano – Introdução dos
“grupos escolares”
Nesse período, de 1822 a 1859, pelos relatos de Freire (2001, p. 47), deu-se
continuidade às “aulas avulsas” no ensino elementar. Apesar da Constituição de 25 de março
de 1824, no seu Capítulo IV, que trata da obrigação escolar, Art. 179, § 32, determinar a
instrução primária gratuita a todos os cidadãos, uma vez que não existia um sistemaeducacional próprio de um Estado nacional.
Os deputados brasileiros foram à Europa observar o sistema educacional e de lá
trouxeram o método Lancaster e Bell, chamado também de ensino mútuo, simultâneo ou
monitorial, adotado em 15 de outubro de 1827, no Brasil (FREIRE, 2001, p. 54).
Para as preocupações políticas da época, a vantagem desse método era que um só
mestre poderia ter até seiscentos discípulos, solucionando, assim, o problema da falta de
docentes formados para atuarem com essas turmas. Este método propunha lições com poucasidéias, para melhor repetição e fixação, e as atividades dadas eram sempre pré-requisitos para
as próximas lições.
A precariedade na educação, segundo Freire, prosseguiu, uma vez que “[...] não havia
formação profissional adequada para cuidar da alfabetização dentro do Estado Nacional
Brasileiro”. As camadas médias faziam seus estudos através de “aulas avulsas” nas escolas de
primeiras letras e nos liceus provinciais. Os filhos dos senhores de terras e escravos
começavam seus estudos com preceptores em suas casas, na maioria das vezes com o tio-
padre “ilustre” da família ou leigos trazidos da Europa para esta finalidade, algumas vezes nas
escolas públicas (FREIRE, 2001, p. 53).
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No Primeiro Império ‘As escolas de primeiras letras’, a duração era de doisa três anos, para o sexo masculino, o currículo constava de: ler, escrever, asquatro operações de aritmética, prática de quebrados, decimais e
proporções; noções gerais de geometria prática, gramática da línguanacional e princípios de moral cristã e de doutrina da religião católica.Aprendia-se a ler nos textos da Constituição do Império e de história doBrasil. O currículo para o sexo feminino excluía a geometria, resumiaaritmética às quatro operações e acrescentava prendas domésticas. Aideologia da interdição do corpo começa a ser incorporada à legislaçãoescolar através dos conteúdos educacionais diferenciados pelo sexo(FREIRE, 2001, p. 53-54).
Segundo Mortatti (2007, p. 54), “[...] o ensino das primeiras letras continuava
significando o ensino dos rudimentos da leitura e escrita muito próximos do ensino das letrasdo alfabeto”. A autora chama a atenção para o fato de que, apesar de ter sido indicado o
ensino simultâneo da leitura e escrita desde meados do século XIX, a leitura continuou em
primeiro plano e a escrita, secundarizada ou apenas como assinatura do próprio nome.
Acredita-se que isso se deva tanto ao fato de ser o ensino da escrita mais dispendioso quanto
pela atribuição à importância do ato de ler.
E o ensino da leitura se baseava, predominantemente, no método dasoletração e no método da silabação, os quais eram tidos como rotineiros e‘tradição herdada’, embora, ao longo da década de 1870, tenha sidodisseminada pelo menos uma discussão sistemática dessa ‘rotina’ e umaproposta para a metodização do ensino da leitura, com base no método dapalavração (MORTATTI, 2007, p. 54, grifos da autora).
Para ensinar a leitura, nesse período, valiam-se dos métodos de marcha sintética,
compreendidos como da “parte” para o “todo”.
No que se refere à “leitura”, a idéia era apresentar o nome das letras para iniciar o
ensino dos usualmente chamados “métodos de soletração/alfabético”; ou dos seus sons
correspondentes, “método fônico”; ou das famílias silábicas, “método da silabação”, devendo
sempre dar atenção à ordem crescente de dificuldades.
“Quanto à “escrita”, esta era reduzida à caligrafia e ortografia, e seu ensino, à cópia,
ditados e formação de frases, enfatizando-se o desenho correto das letras”. (MORTATTI,
2007, p. 5).
Por volta dos anos de 1890, surgem os métodos analíticos em oposição teórica aos
métodos sintéticos. Partem das unidades maiores (palavra, frase, texto) para as unidades
menores (letra, fonema, sílaba) através da decomposição. Utilizam o raciocínio dedutivo
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partindo do complexo para o simples, do todo para as partes. Os mais usuais foram o da
palavração, da sentenciação e o da historieta.
A partir de 1896, o embasamento da reforma estava nos novos métodos de ensino, em
especial no então “revolucionário” método analítico para o ensino da leitura, sob forte
influência da pedagogia norte-americana, tendo por fundamento didático a concepção de
caráter biopsicofisiológico da criança, cujo entendimento era o de que a apreensão do mundo,
pela criança, era sincrética.
Mainardes (2007, p. 55) considera o período de 1918 a 1921 como anterior aos ciclos,
onde o elemento-chave, no discurso oficial, era a promoção em massa, com a justificativa de
reduzir as taxas de reprovação, o desperdício de recursos financeiros e promover todos os
alunos (por falta de vagas no ensino primário). Nesse mesmo período, com “Carta Circular de1918, Thompson “inaugurou” a palavra “alphabetização” para designar oficialmente o ensino
inicial da leitura e da escrita”. (MORTATTI, 2004, p. 60).
A discussão sobre métodos prosseguiu até meados dos anos de 1920, segundo Mortatti
(2004), recaindo sobre o ensino inicial da leitura, uma vez que se entendia como ensino inicial
da escrita a questão de caligrafia (vertical ou horizontal) e a do tipo de letra a ser usada
(manuscrita ou de imprensa, maiúscula ou minúscula). Essas questões exigiam
abundantemente treino, mediante exercícios de cópia e ditado.Surge também, nesse período, segundo os relatos de Mortatti (2004), uma outra
tradição, o ensino da leitura envolvendo ações didáticas “como ensinar” a partir da definição
das habilidades visuais, auditivas e motoras da criança “a quem ensinar”, sendo “[...] o ensino
da leitura e escrita tratado como uma questão de ordem didática subordinada às questões de
ordem psicológica da criança”.
Os pressupostos dos métodos sintéticos e analíticos tinham por fundamento teórico o
empirismo-associacionista de aprendizagem, calcado no modelo de “estímulo resposta”. Seufoco de atenção se centrava em como ensinar, o alfabetizando era tido como uma
tábula rasa,
folha em branco, ou seja, alguém que não tem conhecimento e experiência anterior sobre a
língua, aprende recebendo e memorizando informações prontas sobre letras, sílabas e palavras
dadas pelo professor, tido como o detentor de todos os saberes.
A língua era concebida como um código a ser decifrado e codificado, predominando a
prática mecânica da memorização da grafia correta de palavras, cópias e ditados sem sentido,
assim como uma leitura descontextualizada, desprovida de significado para os alfabetizandos,
uma vez que a linguagem era trabalhada distanciada do seu uso real e de sua função principal,
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a interação entre as pessoas (função comunicativa real). Ler era, antes de tudo, dominar a
técnica de leitura e escrita.
O aprendizado do sistema de escrita estava reduzido ao domínio de correspondências
grafo-fonêmicas (decodificação e codificação) e na ênfase aos aspectos gráficos e
psicomotores como requisitos para prontidão da alfabetização, isto é, bom traçado, boa
coordenação motora e boa discriminação visual e auditiva.
Os métodos sintéticos e analíticos foram criados em virtude da urgência de facilitar as
habilidades de aprender a ler e escrever.
Na década de 1920, resultante da “autonomia didática” ditada pela “Reforma Sampaio
Dória” e das necessidades políticas e sociais que emergiram, incluindo a resistência dos
professores quanto ao uso do método analítico, deu-se início à procura de propostas capazesde solucionar os problemas acerca do ensino e aprendizagem iniciais da leitura e da escrita.
Tomando por base os estudos de Mainardes (2007), nesse mesmo período, retomam-se
as discussões sobre os ciclos, travadas desde 1910, logo após a introdução dos primeiros
grupos escolares no Brasil. Essas discussões acirram-se mais nos meados do século