A Confissão de Fé da Guanabara
Alderi Souza de Matos
1. A França Antártica
Em 1555, o vice-almirante Nicolas Durand de Villegaignon resolveu fundar uma colônia francesa na baía da Guanabara.
Conseguiu o apoio do almirante Gaspard de Coligny, simpático à fé reformada, que obteve o patrocínio do rei Henrique II para o empreendimento.
O rei concedeu a Villegaignon dois navios e recursos para a expedição.
Villegaignon e seus comandados deixaram a França em julho de 1555 e chegaram à baía da Guanabara em novembro.
Ocuparam uma ilha da baía, onde construíram o Forte Coligny. A colônia ficou conhecida como França Antártica.
Alguns meses depois, Villegaignon escreveu à igreja reformada de Genebra, solicitando o envio de colonos evangélicos.
O almirante Coligny convidou um amigo seu, Filipe de Corguilleray, conhecido como senhor Du Pont, para liderar o grupo.
O reformador João Calvino e seus colegas escolheram dois pastores para acompanhar os colonos: Pierre Richier e Guillaume Chartier.
Faziam parte do grupo de reformados Jean du Bourdel, Matthieu Verneil, Pierre Bourdon, André Lafon, Jean de Léry e outros seis.
Os calvinistas deixaram Genebra no dia 16 de setembro de 1556 e embarcaram no porto de Honfleur, na Normandia, em 19 de novembro.
Chegaram ao Forte Coligny no dia 10 de março de 1557, ocasião em que foi realizado o primeiro culto evangélico da história das Américas.
Os seus objetivos eram organizar uma igreja reformada entre os colonos e evangelizar os indígenas.
Inicialmente, Villegaignon mostrou-se simpático à fé reformada e apoiou o trabalho dos huguenotes.
Depois de algum tempo, porém, começou a divergir deles sobre várias questões doutrinárias.
Depois de restringir progressivamente as suas atividades religiosas, no final de outubro ordenou que se retirassem para o continente .
Os reformados permaneceram por dois meses em uma aldeia de franceses, tendo constantes contatos com os índios tupinambás.
Verificando a impossibilidade de alcançarem os objetivos que os haviam trazido ao Brasil, resolveram retornar para a sua pátria.
No dia 4 de janeiro de 1558, embarcaram em um navio que seguia para a França carregado com pau-brasil e outros produtos da terra.
Depois de navegarem por alguns dias, o navio apresentou vários vazamentos no casco. Parte do estoque de alimentos foi atingida pela água do mar.
Constatando que a viagem seria penosa e certamente não haveria provisões para todos, o capitão sugeriu que aqueles que o desejassem voltassem à terra.
Cinco voluntários se ofereceram para tanto: Jean du Bourdel, Matthieu Verneil, Pierre Bourdon, André Lafon e Jacques Le Balleur.
2. A Morte dos Autores
Os cinco calvinistas regressaram ao Forte Coligny e de início foram bem recebidos pelo almirante.
Alguns dias após a chegada dos reformados, Villegaignon os acusou de serem traidores e espiões. Um deles, Le Balleur, fugiu para o litoral de São Paulo.
Como pretexto para condená-los, deu-lhes o prazo de doze horas para responderam uma série de questões teológicas.
Os quatro acusados escolheram o mais idoso e experiente dentre eles, Jean du Bourdel, para redigir as respostas.
O documento final, devidamente assinado por todos, ficou conhecido como Confissão de Fé da Guanabara.
Com base nesse texto, Villegaignon os acusou de heresia e os condenou à morte. No dia 9 de fevereiro de 1558, Bourdel, Verneil e Bourdon foram estrangulados e lançados nas águas da baía da Guanabara. André Lafon foi poupado por ser o único alfaiate da colônia.
No mesmo ano de 1558, algumas pessoas que testemunharam as execuções voltaram para a França levando o texto da Confissão de Fé, escrito com tinta de pau-brasil, e o entregaram ao senhor Du Pont, de quem o obteve Jean de Léry.
Este então escreveu um relato da morte dos calvinistas, que foi incluído no livro História dos Mártires, de Jean Crespin. Foi assim que a Confissão de Fé chegou até nós.
3. O Texto da Confissão de Fé
A Confissão de Fé da Guanabara foi escrita em latim por Jean de Bourdel, o mais velho dos quatro signatários, e conhecedor desse idioma.
Embora um leigo, Bourdel revela notável conhecimento da Bíblia, dos antigos escritores cristãos e da história da igreja.
A Confissão foi escrita em resposta a perguntas ou quesitos apresentados por Villegaignon. Ele já havia levantado essas questões anteriormente.
Estritamente, trata-se de um credo, pois quase todos os artigos começam com a palavra “cremos”.
Todavia, a sua extensão e variedade de temas a coloca na categoria das confissões de fé, comuns na época da Reforma.
Na verdade, é uma dos primeiros documentos confessionais reformados. A Confissão Galicana, a Confissão Belga, o Catecismo de Heidelberg e a Confissão de Fé de Westminster são todos posteriores.
A Introdução faz uma bela aplicação do texto de 1 Pedro 3.15.
A Confissão de Fé em si é composta de 17 parágrafos de diferentes tamanhos que tratam de cinco ou seis questões principais:
1. Parágrafos 1-4: a doutrina da Trindade, e em especial, da pessoa de Cristo, com as suas naturezas divina e humana.
2. Parágrafos 5-9: a doutrina dos sacramentos; a Ceia é tratada em quatro artigos e o batismo em um.
3. Parágrafo 10: a questão do livre arbítrio.
4. Parágrafos 11-12: a autoridade dos ministros para perdoar pecados e impor as mãos.
5. Parágrafos 13-15: divórcio, casamento dos bispos, voto de castidade.
6. Parágrafos 16-17: intercessão dos santos e orações pelos mortos.
4. Referências aos concílios e pais da igreja
Credo Niceno e o “símbolo” (1-4) Concílio de Nicéia (5) Pais da Igreja:
- Agostinho (5,7,11,17)
- Tertuliano (5)
- Ambrósio (11,13)
- Cipriano (11,15)
5. Conclusão
Uma confissão de fé bíblica: está repleta de referências e argumentos extraídos diretamente das Escrituras.
Uma confissão de fé cristã: expressa convicções e conceitos dos primeiros séculos da igreja.
Uma confissão de fé reformada: contém pontos importantes do calvinismo, como a centralidade das Escrituras, a natureza simbólica dos sacramentos, a supremacia de Cristo, a importância da fé e a eleição, entre outros.
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