A ordem da interação
segundo Erving Goffman
Sociologia da Comunicação
FLUL,04.10.2017
Docente: Rita Marquilhas
Bibliografia Principal
●Erving Goffman. 1959. The Presentation of
the Self in Everyday Life. Nova Iorque:
Doubleday.
●Yves Winkin. 1996/2001. Anthropologie de
la communication: de la théorie au terrain.
Paris: Seuil.
Bibliografia Secundária
Condon, W.S., e W.D. Ogston. 1966. «Sound film analysis of normal and
pathological behavior patterns». Journal of Nervous and Mental Disease
143: 338–347.
Goffman, Erving. 1961. Encounters. Indianapolis: Bobbs-Merrill.
———. 1963. Behavior in Public Places. Nova Iorque: Free Press.
———. 1967. Interaction Rituals. Essays on Face-to-Face Behavior. Garden
City, Nova Iorque: Doubleday.
Hess, U., P. Philippot, e S. Blairy. 1999. «Mimicry: facts and fiction». Em The
Social Context of Nonverbal Behavior. Studies in Emotion and Social
Interaction, ed. P. Philippot e R.S. Feldman, 213–241. Cambridge, UK:
Cambridge University Press.
Scheflen, Albert E. 1964. «The significance of posture in communication
systems». Psychiatry 27: 316–331.
Scheflen, Albert E. 1973. Communicatyional Structure: Analysis of a
Psychotherapy Transaction. Bloomington: Indiana University Press.
Consenso e socialização
(Durkheim)
●A socialização é uma interiorização das
convenções por parte do indivíduo.
●O consenso social constrói-se por
esse processo de automatização de
convenções.
●As religiões captam o fenómeno: no
fundo, estilizam uma coisa que não é o
sobrenatural, não é o misterioso, são,
sim, as categorias mais constantes da
vida social.
Delicadeza e consenso social
(Goffman)
●Erving Goffman veio lembrar que as
mesmas oposições sagrado/profano das
religiões se podem observar no quotidiano
ao nível da oposição delicadeza/grosseria:
●A delicadeza e a grosseria não são
operadores sociais de superfície. A primeira
confirma, a segunda abala o frágil edifício
societal.
(Erving Goffman 1959)
Yves Winkin: relação entre teoria
social e teoria da interação ●Nas cenas da vida quotidiana acontece comunicação: ●Não é só transmissão intencional de mensagens verbais. ●É também execução de gestos, olhares, sorrisos... intencionais e não intencionais. ●São interações momentâneas que confirmam relações de longo prazo e pertenças culturais. ●As palavras e os gestos inserem os participantes num fluxo comunicacional ●previsibilidade mútua ●conhecimento da distância corporal a manter ●revelação dos códigos da cultura a que se pertence. ●A atuação em conjunto transmite sensação de segurança quanto à qualidade de membro da mesma cultura.
(Yves Winkin 1996/2001)
A busca do consenso na interação
quotidiana (Winkin) ●Temas a explorar: interação quotidiana, sincronia interacional, interação centrada e difusa, gestão da copresença. ●Método: seleção de um lugar de observação de grandeza natural (em vez de um laboratório). ●a) princípio: é necessário ter dados reais para dar a compreender fenómenos reais. ●b) equipa: um fotógrafo, um observador e um desenhador; um dos três deve ser admitido no local para minimizar o impacto da observação na gestão das impressões. ●c) técnica: uma vez reveladas as fotografias, selecionam-se as que ilustram a teoria; ampliam-se e copiam-se os seus contornos (silhuetas) para a superfície de um papel vegetal. ●Evento: Congresso realizado em 1984 num castelo da Normandia.
Posições em espelho (Winkin)
●Primeiro exercício: detetar as posições em espelho (Scheflen 1964) como as da silhueta 1.
●"Mimicry: facts and fiction" (Hess et al. 1999, 213 ss.)
Posturas corporais congruentes
(Winkin)
●Vários comportamentos não verbais têm sido
associados à mímica, como é o caso da adoção de
posturas corporais congruentes (Scheflen 1964).
●A mímica tem sido concebida como cumprindo dois
papéis:
● um meio de compreensão dos outros, e,
● um processo envolvido na sincronização de
interações.
No primeiro caso, a mímica é um reflexo, parcialmente
inconsciente, que desencadeia contágio emocional,
empatia afetiva, ou então é uma forma adicional de
compreensão das reações emocionais dos outros.
Mímica e empatia (Winkin)
●Quanto ao papel da mímica na sincronização de interações, observou-se que a adoção de comportamento não-verbal congruente cria uma relação mais estreita, uma simpatia mútua, ou pelo menos uma impressão mais positiva da pessoa que imita. ●Scheflen (1973) definiu a congruência da postura entre terapeutas e doentes como um índice de empatia.
Padrão da sincronia interacional
(Winkin)
●Segundo exercício: verificar que o comportamento não fica
preservado numa imagem isolada, mas sim na relação entre
imagens. Só se consegue extrair o padrão da sincronia
interacional (Condon e Ogston 1966) comparando diferentes
silhuetas. Na silhueta 2, dois membros da assistência imitam
mutuamente a posição do braço e a posição da cabeça.
Orientação centrípeta da sincronia
(Winkin) ●Na silhueta 3 (pausa do café) dois congressistas entram aos poucos em sincronia (orientação progressivamente centrípeta) depois de terem escorraçado um intruso.
●As sequências de silhuetas permitem captar a dimensão temporal das estruturas interacionais: compreende-se a configuração geral da interação e percebe-se que o sentido não está no ator social, mas sim na relação entre atores.
Interação difusa e interação focada
(Goffman) ●Goffman 1963: ●Interação difusa: tipo de comunicação que se produz quando recolhemos informação sobre outra pessoa presente lançando um olhar de soslaio sobre ela no momento em que entra ou sai do nosso campo visual. A interação difusa trata essencialmente da gestão da copresença pura e simples. ●Goffman 1961: ●Interação focada: tipo de interação que se produz quando as pessoas se encontram e colaboram abertamente entre si para manterem um único centro de interesse, intervindo na conversação de forma tipicamente alternada.
Interação difusa e interação focada
(Winkin) ●Silhuetas 4 a 11 são interações centradas de quatro diferentes
graus, do mais fechado ao mais elástico.
●Silhueta 4: interação centrada sobre uma só pessoa graças à
organização do espaço; o controlo do comportamento é mínimo
para os membros da assistência e máximo para o conferencista.
Empenho na interação (Winkin)
●Silhueta 5: o empenho dos atores em assumirem
comportamentos idênticos permite analisar a refeição coletiva
como uma só interação. Falar e comer ao mesmo tempo
corresponde a duas maneiras complementares de fazer a
mesma coisa: mostrar o empenho na interação (“prestamos
atenção um ao outro, portanto formamos parte do mesmo grupo;
não prestamos atenção a vocês, portanto não fazem parte do
nosso grupo”).
Exclusão do grupo em interação
(Winkin)
Na silhueta 6 o grupo está centrado sobre si
mesmo. As intrusões são difíceis no círculo
fechado que se formou. Mantém-se um tipo
particular de ação comum que exclui outros
atores presentes na situação.
Interação multicentrada (Goffman,
Winkin) ●Na silhueta 7 há vários focos de atenção simultâneos: há um
mesmo ajuntamento, mas com várias subunidades, o que
resulta numa interação multicentrada (Goffman 1963).
●Os intrusos só são escorraçados da mesa pelas postura de
costas de todos os participantes, mas têm formalmente direito a
entrar. Há uma adequação à disposição do espaço.
Das silhuetas 4 a 7 a interação vai evoluindo ao
longo de uma escala, da mais centrada para a
mais difusa.
Repertório de formas grupais
(Goffman)
●Vai-se formando a ideia de que há um
repertório finito de formas grupais
postas à disposição dos atores
sociais
●Goffman (1967) dizia que se podia
estudar antropologicamente não os
homens e os seus momentos, mas os
momentos e os seus homens.
Eficácia na transição entre
interações (Winkin)
●Na silhueta 8, ao se porem em linha, os membros desta
interação difusa dão-se uns aos outros duas possibilidades
simultâneas:
●de início de conversação
●de retirada.
Eficácia na transição (II)
● É um momento fugidio, mas importante na manutenção da ordem da interação (a ordem social ao nível da interação) porque permite que fique assegurada a transição entre várias interações centradas, de pequena ou longa duração, com um máximo de eficácia. Ninguém precisa de recorrer ao arsenal de rutura de conversação (“bom, vou andando”, “então até já”, etc.).
Formação de pares (Winkin)
Silhuetas 5 e 9: formam-se pares, sendo
que na 9 fica garantida a companhia no
regresso à sala quando as conferências
recomeçarem.
●Silhuetas 6 e 10: interações centradas e
sem líder específico, mas com
mecanismos diferentes de inclusão na
interação por causa da forma do grupo.
●Na silhueta 6, o membro que fecha o
grupo (o último a sentar-se) não pode
partir cedo demais porque foi aceite num
grupo que ele próprio ajudou a formar.
Para sair de forma não embaraçosa, tem
que se prestar a um trabalho subtil de
figuração: esperar uma interrupção
natural, como o de um silêncio
espontâneo, para não ofender ninguém.
●Na silhueta 10, a forma em V do grupo
permite que o recém-chegado se
mantenha num estatuto intermediário de
observador que pode gerir no sentido da
participação plena (sentando-se no chão
no bico do V), ou no sentido da retirada
(ficando em pé na haste do V). Se quiser
sair não tem que se dar a nenhum
trabalho de reparação da ofensa. Mais
uma vez encontramos uma situação de
trânsito em que se pode evoluir de uma
interação para outra utilizando interações
difusas de limite. Pode-se ficar numa
zona neutra e observar a evolução da
situação geral ganhando forças antes de
se decidir ir para a frente.
●Silhueta 11: a mesa não tem nenhuma função instrumental precisa, a não ser a de organizar o grupo no espaço. Tem uma função interacional oposta à da mesa da silhueta 7: a da 7 é centrípeta e a da 11 é centrífuga. ●Nesta silhueta, os membros que passam a integrar o grupo não poderão, mais uma vez, sair bruscamente sem ofender os que ficam (semelhanças com a silhueta 6). Na mesa 7 a interação era, pelo contrário, uma interação de limite, atribuindo aos membros do grupo o estatuto de membros em trânsito, com a segurança de se poderem retirar sem embaraço.