RENATA AVELAR GIANNINI
A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS E O DESAFIO DAS INTERVENÇÕES
HUMANITÁRIAS
São Paulo
2008
12
RENATA AVELAR GIANNINI
A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS E O DESAFIO DAS INTERVENÇÕES
HUMANITÁRIAS
Dissertação apresentada ao programa interinstitucional (PUC-SP/UNESP/ ÚNICAMP) de mestrado em Relações Internacionais como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre.
Área de concentração:Política Externa.
Orientador: Prof. Dr. Hector Luis Saint-Pierre
SÃO PAULO2008
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RENATA AVELAR GIANNINI
A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS E O DESAFIO DAS INTERVENÇÕES
HUMANITÁRIAS
Dissertação apresentada ao programa interinstitucional (PUC-SP/UNESP/ ÚNICAMP) de mestrado em Relações Internacionais como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre.
Área de concentração:Política Externa.
Orientador: Prof. Dr. Hector Luis Saint-Pierre
SÃO PAULO2008
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“À velhinha, pelo entusiasmo e apoio incondicional ...”
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente, gostaria de agradecer aqueles que permitiram a realização deste trabalho do ponto de vista financeiro, ou seja, a CAPES e minha mãe.
Em seguida, agradeço àqueles que estiveram presentes durante este período e que dividiram comigo momentos de incertezas, desafios, alegrias, raiva e apreensão. Enfim, aos colegas do mestrado Henrique, Márcio, Thiago, pelas boas piadas e histórias; e em especial, André, Mojana e Priscila pelos pedidos atendidos de socorro, pela lealdade e acima de tudo amizade.
Aos colegas do Gigante, aqueles que já partiram, Juan e Mônica, os de sempre, Leo e Luara, e o novo, Gustavo, pela compreensão e acima de tudo paciência.
Aos amigos de toda vida, Willian, Didi, Bruna e Leo, que sempre transformaram essa existência boba em uma grande aventura e contribuíram para dar sentido a ela.
Ao Paulo por tudo e mais um pouco, mas principalmente pela paciência ilimitada.
À Nanny pela eterna amizade, sinceridade e transparência.
Ao meu orientador Hector, não somente pelos debates acadêmicos e por ter desempenhado brilhantemente seu papel de orientador, mas principalmente pela consideração e amizade, e à Suzeley, que acompanhou tempos atrás meu amadurecimento, se é que posso chamá-lo assim, acadêmico.
E acima de tudo à minha velhinha que tornou tudo isso possível e me fez achar que tudo era fácil e que o mundo estava pronto para me servir. Acabou que o mundo não estava tão pronto assim, mas pelo menos, eu acreditei que estava, e isso já foi um grande passo.
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RESUMO
Este trabalho tem como objetivo analisar as intervenções humanitárias empreendidas pela Organização das Nações Unidas. Para tanto analisamos a estrutura e as diferentes formas de ação neste campo, privilegiando-se o sistema de segurança coletiva e posteriormente as missões de paz, bem como o sistema de assistência humanitária da organização. Neste sentido, estudamos também o contexto em que se inserem estas intervenções quando de sua euforia no período posterior à Guerra Fria, destacando-se o surgimento dos chamados Estados falidos e colapsados, a inclusão de temas não tradicionais à noção de segurança internacional e, finalmente a intensa codificação dos Direitos Humanos, que passam a figurar como motivo para ruptura da paz e segurança internacional e, portanto, sujeitos ao uso da força. Por fim, analisamos alguns conceitos considerados primordiais para compreensão do atual status das intervenções humanitárias, quais sejam, o próprio conceito de intervenção humanitária, o de soberania e finalmente o de emergência complexa. A confusão relativamente a estes termos tem contribuído para a politização das ações humanitárias e para a confusão acerca do significado do termo. As implicações destas últimas são o foco desta dissertação.
PALAVRAS CHAVES: INTERVENÇÕES HUMANITÁRIAS - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES HUNIDAS – DIREITOS HUMANOS – SEGURANÇA INTERNACIONAL – EMERGÊNCIAS COMPLEXAS
ABSTRACT
The objective of this study is to analyze the humanitarian interventions established by the United Nations Organization. For this purpose we analyzed the structure and its different forms of action in this specific field, priorizing the coletive security system, and later the peacekeeping missions, as well as, its humanitarian assistance system. Furthermore, we studied the context in which these interventions took place in the post Cold War period, specially the appearance of the so called Failed and Colapsed States, the inclusion of non traditional themes in the international security field, and finally, the intense human rights codification, which contributed to its consideration as a factor to the break down of international peace and security. Finally, we analyzed some concepts that are very important to the comphension of the actual status of the humanitarian interventions nowdays. The studied conpts were: humanitarian intervention, sovereignty, and complex emergencies. The existent confusion in reference to these terms has contributed to the politization of humanitarian actions. The implications of this last fact will be the focus of this dissertation.
KEYWORDS: HUMANITARIAN INTERVENTIONS – UNITED NATIONS
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ORGANIZATION – HUMAN RIGHTS – INTERNATIONAL SECURITY – COMPLEX EMERGENCIES
RESUMEN
El presente trabajo tiene como objeto analisar las intervenciones humanitarias emprendidas por la Organización de las Naciones Unidas. Para lo cual analizaremos la estructura y diferentes formas de acción en dicha área, privilegiado el sistema de seguridad colectiva y posteriormente las misiones de paz, como sistema de asistencia humanitaria de la mencionada organización. En este sentido, también estudiaremos el contexto en el cual se incertan las intervenciones, con su auge posterior a la Guerra Fria, destacandosé el surgimiento de los llamados Estados fallidos y colapsados, la inclusión dentro de la noción de seguridad internacional de temas no tradicionales y finalmente la intensa codificación de los Derechos Humanos, que aparecen como motivos de quebrantamiento de la paz y seguridad internacional y por tanto sujetos al uso de la fuerza. Finalmente, analizaremos algunos conceptos considerados como primordiales para la comprensión del actual status de las intervenciones humanitarias, o sea, el propio concepto de intervención humanitaria, el concepto de soberanía y finalmente el concepto de emergencia compleja. La confusión relativa a estos términos ha contribuido a la politización de las acciones humanitarias y a una confusión sobre el significado de las mismas. Las implicaciones de estas últimas serán el foco de la presente disertación.
PALABRAS LLAVES : INTERVENCIONES HUMANITARIAS – ORGANIZACIÓN DE LAS NACIONES UNIDAS – DERECHOS HUMANOS – SEGURIDAD INTERNACIONAL – EMERGENCIAS COMPLEJAS
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LISTA DE FIGURAS
1. Organograma do Departamento de Operações de Paz .................... 402. Organograma Divisão Militar............................................................... 453. Mapa da presença do OCHA no mundo ........................................... 604. Organograma OCHA........................................................................... 65
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS*
Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR)Agência de Coordenação de Emergências (Emergency Liason Branch – ELB)Agência de Resposta a Emergências Complexas (Complex Emergency Response Branch – CERB) Autoridade de Transição no Camboja (Transitional Authority in Cambodia - UNTAC) Centros de Operações Civil-militares (Civil-Military Operations Center – CMOC)Comitê Interinstitucional Permanente (Inter Agency Standby Comittee – IASC)Conselho de Segurança (CS)Departamento de Assuntos Humanitários (DHA)Departamento de Operações de Manutenção de Paz (DPKO) Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA)Força das Nações Unidas de Emergência (UNEF I)Fundo Central de Emergência (Central Emergency Revolving Fund – CERF)Fundo das Nações Unidas para a infância (UNICEF)Grupo de Assistência das Nações Unidas para o Período de Transição (UN Transition Assistance Group in Namibia -UNTAG)Grupo de Observadores das Nações Unidas na América Central (United Nations Observer Group in Central America - ONUCA)Grupo de Observadores Militares no Irã e Iraque (UN Iran-Iraq Military Observer Group – UNIIMOG)Missão das Nações Unidas para Assistência em Ruanda (UN Assistence Mission in Rwanda - UNAMIR) Missão de Bons Ofícios no Afeganistão e Paquistão (UN Good Offices Mission in Afghanistan and Pakistan – UNGOMAP)Missão de Observação das Nações Unidas para Verificação do processo eleitoral na Nicarágua (ONUVEN)Missão de Observação em El Salvador (ONUSAL) Missão de Verificação da Angola (I UNAVEM)Operação de Manutenção da Paz da ONU no Chipre – UNFICYPOperação das Nações Unidas em Moçambique (UN operation in Mozambique - ONUMOZ)Operações das Nações Unidas no Congo (ONUC)Organização das Nações Unidas (ONU)* Em razão da dificuldade em encontrar a tradução em português de alguns termos ou a referente sigla em português, deixamos a sigla correspondente ao termo em inglês.
20
Organização das Nações Unidas para o Socorro em Desastres (UNDRO)Organização de Alimentação e Agricultura (FAO)Organizações Intergovernamentais (OIGs)Organização Mundial de Saúde (OMS).Organizações não governamentais (ONGs) Plano de Ação Humanitário Comum (Common Humanitarian Action Plan – CHAP)Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento(PNUD)Programa Mundial de Alimentos (PMA)Sistema de Chamadas Unificadas (Consolidation Appeal Process – CAP)
21
SUMÁRIOINTRODUÇÃO............................................................................................ 12
PARTE I: A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS: ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO
CAPÍTULO I: O SISTEMA DE SEGURANÇA COLETIVA........................... 19
1.1 AS EXPERIÊNCIAS ANTERIORES: O CONCERTO EUROPEU E A LIGA DAS
NAÇÕES 19
1.2 O SISTEMA ONUSIANO: PRINCÍPIOS E AÇÕES .............................. 23
1.3 AS OPERAÇÕES DE PAZ DAS NAÇÕES UNIDAS ............................ 29
1.4 O DEPARTAMENTO DE MISSÕES DE PAZ DAS NAÇÕES UNIDAS 39
CAPÍTULO 2: O SISTEMA DE ASSISTÊNCIA HUMANITÁRIA ............... 52
2.1 ORIGENS, PRINCÍPIOS E ESTRUTURA DE FUNCIONAMENTO .... 53
2.2 O ESCRITÓRIO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA ASSUNTOS HUMANITÁRIOS
............................................................................................................................... 60
PARTE II :AS INTERVENÇÕES HUMANITÁRIAS E AS NAÇÕES UNIDAS
CAPÍTULO 3: AS INTERVENÇÕES HUMANITÁRIAS E OS NOVOS TEMAS 76
3.1 ESTADOS FALIDOS: ORIGENS E DEFINIÇÕES .............................. 78
3.2 A SEGURANÇA INTERNACIONAL E AS NOVAS AMEAÇAS .......... 85
3.3 OS DIREITOS HUMANOS E AS INTERVENÇÕES HUMANITÁRIAS. 91
CAPÍTULO 4 : ANÁLISES TEÓRICAS DAS INTERVENÇÕES HUMANITÁRIAS 100
4.1 ENTENDENDO O CONCEITO DE INTERVENÇÕES HUMANITÁRIAS 102
22
4.2 A SOBERNAIA E A NÃO INTERVENÇÃO........................................... 105
4.3 AS EMERGÊNCIAS COMPLEXAS E A NECESSIDADE DE INTERVIR 115
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................... 125
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................... 128
23
Introdução:
O objeto de estudo desta obra é as intervenções humanitárias
empreendidas pela Organização das Nações Unidas (ONU). Acreditamos que a
percepção dos atores acerca de alguns termos e fatos aliados a altos níveis de
considerações políticas estão intrinsecamente relacionados ao atual status das
intervenções humanitárias empreendidas por esta organização. Esta percepção se
traduz na interpretação pelos diversos atores acerca dos conceitos fundantes da
discussão do tema, notadamente o de intervenção humanitária, o de soberania e o
de emergência complexa. Essa interpretação, por sua vez, relaciona-se a suas
respectivas agendas internas, evidenciando a politização da prática humanitária.
Para esta análise, trataremos deste tema a partir da sua realização
empírica e do ponto de vista conceitual. Do ponto de vista empírico, analisaremos
a estrutura da organização incumbida desta tarefa, assim, trataremos do sistema
de segurança coletiva e das missões de paz, particularmente aquelas de segunda
geração que incluem a assistência humanitária às suas prerrogativas, bem como o
sistema ONU de assistência humanitária ainda pouco estudado na academia. Por
outro lado, alguns conceitos essenciais para o entendimento da questão
humanitária, enfatizando as conseqüências da politização dos mesmos pelos
diversos atores. O objetivo será, pois, investigar em que medida a ausência de
uma definição clara e objetiva de certos termos contribuem para a seletividade
24
política das intervenções humanitárias, sujeita à pressão do interesse particular
dos Estados membros individualmente.
Abordamos três conceitos principais: 1) “intervenção
humanitária”; 2) “soberania”; e , finalmente, 3) “emergências complexas”.
Enfatizamos este último dado que o estabelecimento das intervenções
humanitárias dependem em grande medida da percepção deste termo por parte
dos atores. Assim, o conceito de “emergência complexa” – enquanto uma crise
humanitária de grandes proporções - nos parece fundante do debate em torno da
legalidade das intervenções humanitárias e sua autorização por parte da então
instituição internacional responsável pela manutenção da paz e segurança
internacional no mundo, a ONU. Embora as crises humanitárias sempre tenham
existido ao longo da história observamos, entretanto, que as ações da ONU nesse
âmbito aproximavam-se da tradicional ajuda humanitária prestada especialmente
por organizações não governamentais, como a Cruz Vermelha. Todavia nas crises
humanitárias ocorridas antes da década de 90 não havia um órgão centralizador
de esforços a fim de coordenar a ação humanitária internacional, que é o que
caracteriza o fenômeno recentemente.
Com o fim da Guerra Fria, no entanto, observamos uma
transformação no Sistema Internacional. Um dos elementos responsáveis por
essa mudança é a eclosão de conflitos de natureza civil, que, em sua maioria, vêm
acompanhados de graves crises humanitárias e falência estatal. A ONU, por sua
vez, além de aprimorar seu sistema de assistência humanitária, principalmente
25
através da criação de um órgão centralizador e coordenador, o Departamento de
Assuntos Humanitários (DHA) depois incorporado pelo Escritório de Coordenação
de Assuntos Humanitários (OCHA), passa a autorizar o uso da força, mediante a
aprovação de seu Conselho de Segurança, para prover assistência humanitária.
Dessa forma, surgem as intervenções humanitárias sob a bandeira da ONU.
Passados os primeiros anos de euforia, as intervenções são gravemente criticadas
e tornam-se alvo de intensos debates acerca de sua legalidade e legitimidade.
Observamos, concomitantemente a ausência de uma definição
clara e precisa por parte da ONU relativamente ao que seja uma uma emergência
complexa e ainda mais, qual fator presente nesta situação de crise que permitiria
uma intervenção legítima dessa organização. Com isso, observamos que o termo
passa a ser empregado indiscriminadamente pelos países, provocando uma
confusão relativamente aos reais objetivos de uma intervenção humanitária.
O humanitarismo, princípio regente da assistência humanitária
provida pela ONU, seja através das intervenções ou pelo simples deslocamento
dos agentes humanitários da organização, privilegia a imparcialidade e a
neutralidade de suas ações. Estas duas condicionantes – imparcialidade e
neutralidade – tornam a prática humanitária apolítica. No entanto, na medida em
que as crises humanitárias de grandes proporções passam a ser chamadas de
emergências complexas, e estas exigem a intervenção pelo uso da força, o
humanitarismo torna-se um argumento político, e dependerá da agenda implícita
dos atores humanitário envolvidos.
26
Neste sentido, estruturamos a obra em duas partes principais.
A primeira estuda a constituição formal e operacional da ONU, buscando analisar
a estrutura da organização, mostrando a evolução da instituição no campo da
ação humanitária, e enfatizando a inclusão do uso da força através das missões
de paz, para a provisão desta assistência.
No primeiro capítulo trataremos da origem e funcionamento da
ONU no campo da manutenção da paz e segurança internacionais, privilegiando a
inclusão da questão humanitária às prerrogativas do Conselho de Segurança (CS)
e das missões de paz por ele estabelecidas. Assim, analisaremos a origem do
sistema de segurança coletiva e seus pressupostos legais, além do surgimento
das missões de paz e da inclusão de novas funções às suas antigas prerrogativas
na década de 90. Por fim, trataremos da estrutura dessas missões, especialmente
o Departamento de Operações de Manutenção de Paz (DPKO) e suas divisões
militar e policial. Este estudo se mostra importante para compreensão da parte
operacional das intervenções humanitárias.
Por outro lado, as intervenções humanitárias contam com a
assistência humanitária como importante componente. Assim, no segundo
capítulo, exporemos a evolução da ONU no campo da assistência humanitária,
dando especial atenção à evolução da ajuda tradicional humanitária - que se
baseava principalmente na assistência emergencial de entrega de alimentos e
medicamentos, construção de abrigos, etc - para um sistema coordenado de
assistência humanitária. Assim, serão abordados os principais órgãos
27
responsáveis pela provisão de assistência humanitária, bem como seus princípios
e formas de ação. A ênfase aqui é dada ao OCHA, órgão coordenador dos
esforços humanitários da organização e que mantém estreita relação com o
departamento de missões de paz quando do estabelecimento de uma intervenção
humanitária.
A segunda parte abordará o contexto em que se inserem
essas intervenções e conterá a discussão teórica propriamente dita. O objetivo é
mostrar as transformações do contexto internacional e relacioná-las às mudanças
ocorridas também na prática humanitária. Além disso, dado o fato de que tais
transformações não vieram acompanhadas de reflexões profundas acerca dos
conceitos utilizados no campo humanitário, observamos também grande
ambigüidade relativamente a certos termos empregados nessa área. O objetivo
final será abordar em que medida a ambigüidade ou incerteza presente nestes
conceitos contribuem o estabelecimento seletivo das intervenções e a politização
da prática humanitária.
Dessa forma, o capítulo três enfatizará alguns aspectos das
intervenções humanitárias ocorridas na década de 90. Assim, analisaremos as
transformações do sistema internacional e que provocaram o surgimento de certos
fatores que culminaram com o estabelecimento das intervenções humanitárias.
Destacamos três deles: 1) o surgimento dos Estados falidos e dos conflitos intra-
estatais deles resultantes, que provocam graves crises humanitárias em
ambientes extremamente criminalizados e nos quais a autoridade estatal é fraca
28
ou ausente; 2) a transformação empírica e conseqüentemente conceitual da
segurança internacional, que contribui para a inclusão de novos temas não
tradicionais às prerrogativas da segurança e, por fim; 3) o desenvolvimento e
codificação dos direitos humanos, que contribuíram para a inclusão de sua
violação como fator à ruptura da paz e a conseqüente autorização do uso da força
pelo Conselho de Segurança.
Finalmente, no quarto e último capítulo, abordaremos os
problemas conceituais da terminologia humanitária e os problemas advindos da
politização da ajuda humanitária. Muito embora o caminho escolhido pela maioria
dos acadêmicos seja inverso, ou seja, tratar dos conceitos e abordagens teóricas
no primeiro capítulo, acreditamos que para os fins deste estudo, que tem como
cerne, justamente o problema da conceitualização de certos termos utilizados no
âmbito humanitário, caberá ao último capítulo trazer a tona estas contribuições.
Dessa forma, discutiremos 1) os conceitos de “intervenção humanitária”,
“soberania” e “emergência complexa”, levando em consideração os atuais
documentos da ONU que empregam os termos; 2) os interesses nacionais dos
Estados em participar das intervenções humanitárias através da análise dos
países participantes em missões de paz da ONU, e, 3) por fim, o documento
“Responsabilidade de Proteger”, interpretado por muitos como a legalização das
intervenções humanitárias e os problemas advindos dessa realidade. O objetivo
deste capítulo e da obra como um todo é discutir o emprego político da
terminologia humanitária e apontar as possíveis conseqüências desta ação.
29
PARTE I:
A ORGANIZAÇÃO DAS
NAÇÕES UNIDAS: ESTRUTURA
E FUNCIONAMENTO
30
As intervenções humanitárias empreendidas pelas Nações
Unidas têm dois componentes principais: o uso da força e a assistência
humanitária. Ambos se complementam de modo que a utilização da primeira visa
a provisão da segunda. No caso da ONU há dois sistemas para o tratamento de
cada uma dessas questões. Enquanto o uso da força é regulamentado pelo
Conselho de Segurança (CS), a assistência humanitária é incumbida a uma série
de agências especializadas da organização sob a coordenação central do
Escritório das Nações Unidas para Assuntos Humanitários, criado somente em
1998.
O uso da força é o componente central do sistema de
segurança coletiva da organização criado quando de sua fundação em 1945. Este
sistema foi pensado objetivando a defesa comum dos Estados frente às mazelas
oriundas de ações que ameaçassem a paz e segurança internacional.
De forma geral, a assistência humanitária é a prática do auxílio
a vítimas de desastres naturais ou daqueles causados pelo homem. Atualmente
as principais situações que demandam a assistência humanitária de organizações
internacionais são os conflitos intra-estatais, nos quais a população civil acaba
sendo alvo das partes em conflito.
As intervenções humanitárias, por sua vez, envolvem o uso da
força para a defesa da população civil de uma região atingida por um conflito
interno ou internacional com o objetivo de por fim ao sofrimento desta população
31
mediante a defesa dos direitos humanos e provisão de assistência humanitária.
Embora existam há muitos anos, tais ações tornaram-se famosas na década de
90, quando da eclosão de uma série de conflitos internos nos quais se observava
o agravamento das condições humanitárias.
32
CAPÍTULO 1 :
O sistema de segurança coletiva
A existência de organizações internacionais e de ações
coletivas em prol da paz e segurança tem suas origens no século XIX, quando do
crescimento da cooperação européia na era pós-napoleônica. Neste período, os
grandes poderes europeus, na tentativa de manter a ordem internacional mediante
a interesses particulares, deram os primeiros passos na tentativa de realizar uma
ação coletiva na defesa da paz entre Estados.1 Tais interesses particulares
referiam-se, em sua maioria, à tentativa de manutenção do status quo, de forma
que os grandes poderes se mantivessem no poder. Os esforços resultantes disso
foram, então, institucionalizados no século XX com a criação da Liga das Nações,
organização que primeiro organizou um sistema de segurança coletiva, muito
embora o mesmo não possuísse a ação coercitiva em seus princípios.
Em razão mesmo dessa ausência e de outros fatores
importantes como a não adesão dos Estados Unidos à organização, a Liga das
Nações logo foi levada ao descrédito e substituída pela Organização das Nações
Unidas. A ONU então é criada e estruturada para atender às necessidades da
1 BELLAMY, A.; WILLIANS, P.; GRIFFIN, S. Understanding Peacekeeping. Cambridge: Polity Press, 2004.p. 59
33
ordem internacional em formação, e neste sentido, incorporou às suas
prerrogativas o uso legal da força.
1.1As experiências anteriores: O Conserto Europeu e a Liga das Nações
Durante o Congresso de Viena, estabelecido com o fim de
selar a paz com o fim das Guerras Napoleônicas, em 1815, é também
estabelecido o Concerto Europeu, união das grandes potências européias
(Áustria-Hungria, Grã Bretanha, Prússia e Rússia) pela manutenção da ordem
internacional.2
O sistema então proposto buscava gerenciar
diplomaticamente os conflitos das grandes potências européias e coordenar a
ação coletiva em resposta às ameaças dos movimentos independentistas na
Europa.3 Dessa forma, foi firmado também em 1815 o Tratado de Paris, que aludia
à responsabilidade comum das grandes potências em preservar a paz na Europa.
Esse interesse se traduzia na realidade na vontade em manter
o status quo internacional e assim preservá-lo evitando o possível revanchismo
francês e outros movimentos nacionalistas. Apesar disso, o Conserto europeu é
assinalado por Bellamy, Willians e Griffins4 como a manifestação de uma
comunidade de interesses e interdependência entre estas nações. 2 idem, p.603 ibdem4 ibdem
34
Embora importante, esta manifestação acabou não se
institucionalizando e foi esquecida com as revoluções de 1830 e 1848 que
reduziram o consenso entre as grandes potências, e dessa forma minou as
possibilidades de se institucionalizar a ação coletiva. O sistema europeu rompeu-
se com a eclosão de diversas guerras na Europa5 e somente foi reorganizado com
o fim da Primeira Guerra Mundial e a criação da Liga das Nações, organização
com alcance maior que o antigo concerto europeu.
Devemos destacar, todavia, que o conselho agiu em diversas
ocasiões nos moldes das organizações internacionais, embora “não tenha logrado
estabelecer o Estado de direito nem tenha produzido uma agência imparcial
politicamente superior aos interesses nacionais e capaz de manter padrões morais
em uma comunidade mais ampla”. 6
O arranjo institucional-legal em prol de uma ação coletiva mais
eficiente surgiu, então, somente em 1919 quando da criação da Liga das Nações.
A chamada Liga das Nações, também conhecida como Sociedade das Nações
(SDN), surgiu a partir da assinatura do Tratado de Versalhes que selava o fim da
primeira grande Guerra Mundial em 1919. Tendo em vista as mazelas
ocasionadas pelo referido conflito, os Estados atentaram para a necessidade de
se criar sistemas mais eficientes na prevenção da violência interestatal.7 Nesse
5 A Guerra da Criméia, a unificação italiana, a Guerra austro-prussiana e a franco-prussiana, por exemplo.6 CLAUDE, 1923, p.28. Apud in BELLAMY;WILLIAMS;GRIFFINS. Understanding peace keeping. Cambridge: Polity Press, 2004,p.637 De acordo com Bellamy; Williams e Griffins, com o fim da primeira Guerra mundial, os principais líderes mundiais tiram algumas conclusões acerca do conflito, destacamos aqui: 1) A Guerra é um ato insensato; 2) que as causas da guerra estão nos desentendimentos entre os líderes estatais e
35
sentido, as instituições internacionais ganharam impulso e dessa forma estruturou-
se o primeiro sistema de segurança coletiva de uma organização internacional
com alcance supostamente8 global.
A idéia de segurança coletiva resulta dos chamados 14 pontos
de Wilson, nos quais se previa um sistema que contivesse três características
principais: a certeza, a utilidade e a inclusão.9 O elemento de certeza seria então
dado através da obrigação de responder à agressão. Esse elemento, conforme
trataremos adiante, será erodido pela necessidade de obter a unanimidade no
Conselho de Segurança para a implementação de uma ação. Relativamente à
utilidade, a organização deveria ser capaz de mobilizar “todas as formas
diplomáticas, morais, econômicas e militarmente coercitivas dispostas pelos
Estados membros.”10. Também este elemento não pôde ser implementado
segundo originalmente concebido, uma vez que as ações militares foram
excluídas da carta constitutiva desta organização. Finalmente em relação ao
terceiro dos elementos, a inclusão, a Liga de fato tinha como objetivo a inclusão
do maior número de Estados possíveis, no entanto, o que se notou foi a ausência
na ausência ou falta de princípios democráticos nos Estados envolvidos; e finalmente 3) as tensões formuladoras da rationale do conflito poderiam ser removidas pela manifestação do estado de direito e democracia entre os Estados. 8 A Liga representava uma tentativa mais ambiciosa que o conserto europeu na medida que buscava um gerenciamento da sociedade internacional como um todo não se limitando à região européia. Quando de seu fim, sessenta e três Estados haviam sido membros da Liga por determinado período. (Alguns Estados como os Estados Unidos nunca chegaram a fazer parte da Liga, enquanto outros como o Brasil fizeram parte por um espaço de tempo e acabaram abandonando a instituição)9 BELLAMY, A.; WILLIAMS, P.; GRIFFINS, S. Understanding Peacekeeping. Cambridge: Polity Press, 2004. p.6610 idem. P.67
36
de importantes membros nos diferentes períodos de sua existência11 e, ainda, a
apreensão em aceitar a inclusão de certos Estados cujos governos eram
considerados dúbios e impopulares.12
O sistema de segurança coletiva desta organização é descrito
nos termos do artigo 10 de sua carta constitutiva e seu funcionamento é
explicitado através dos artigos 11 a 17 da mesma. Assim, os Estados membros
deveriam:
(…) agir contra agressão externa e respeitar e preservar a integridade territorial e a independência política de todos os membros da Liga. No caso de uma agressão deste tipo ou ameaça e/ou perigo dessa agressão, o Conselho deve advertir nos termos através dos quais esta obrigações devem ser cumpridas.13
Da mesma forma que a ONU, também a Liga tinha uma
Assembléia Geral da qual todos seus membros faziam parte, e um Conselho de
Segurança do qual participavam somente alguns Estados selecionados como
membros permanentes e outros enquanto membros provisórios. O Conselho
normalmente lidava com questões de paz e segurança, todavia ressalta-se a falta
11 Quando do fim da Liga importantes países haviam se retirado da Liga como Japão e Alemanha recém membros e logo ausentes e a União Soviética, expulsa da organização, bem como, é claro a ausência dos Estados Unidos desde sua criação.12 Como a própria Alemanha recém derrotada na Guerra.13.Do original: “The Members of the League undertake to respect and preserve as against external aggression the territorial integrity and existing political independence of all Members of the League. In case of any such aggression or in case of any threat or danger of such aggression the Council shall advise upon the means by which this obligation shall be fulfilled” . A carta da Liga das Nações é parte do Tratado de Versalhes. Disponível em: http://net.lib.byu.edu/~rdh7/wwi/versa/versa1.html . Acesso em: 10 de setembro de 2007.
37
de clareza relativamente à diferenciação das funções incumbidas à Assembléia e
ao Conselho.14
No que se refere ao sistema ali viabilizado, os artigos 11 a 17
aludiam medidas a serem tomadas na hipótese de agressão ou ameaça dela
pelos Estados membros. Entre seus mecanismos, previa-se a resposta conjunta
de todos os membros em caso de desestabilização da ordem pacífica entre os
Estados, e, assim, era possível recorrer a sanções de ordem econômica ou militar.
Cabe ressaltar que embora a aplicação das medidas financeiras e comerciais
contra um agressor fosse obrigatória aos Estados contratantes, as ações de cunho
militar tinham caráter recomendatório. Por essa razão, Dinstein15 defende que não
se pode falar ainda em um sistema de segurança coletiva verdadeiro, em razão da
não obrigação por parte dos Estados membros em aplicarem as referidas sanções
militares16.
Esta vem a ser também uma das principais razões da falência
da Liga e constitui a principal diferença com o sistema de segurança coletiva
proposto na atual Organização das Nações Unidas.
1.2 O sistema onusiano: princípios e ações
14 WEISS, T. G.; FORSYTHE, D. P.; COATE, R. A. The United Nations and Chaging World Politics. Boulder: Westview Press, 1997.p.2515 DISTEIN, Yoram. Guerras, agressão e legítima defesa. Barueri: Manole2004.p.38016 Deve-se destacar, entretanto, os esforços em tornar a guerra como ato ilegal excetuando-se os casos de auto-defesa. Ou seja, postulava-se que a força não deveria ser utilizada até que se concluísse um processo de pacificação e na impossibilidade de realização do acordo, os Estados membros tinham a obrigação legal de utilizar a organização. (WEISS. FORSYTHE; COATE, 1997, p.25)
38
O termo segurança coletiva normalmente se refere a um sistema regional ou global, no qual cada estado participante aceita que a segurança de um concerne a todos, e concorda em juntar-se a uma resposta coletiva a dada agressão. Neste sentido, é diferente e mais ambicioso que os sistemas de alianças de segurança, nos quais grupos de Estados aliam-se uns a outros, principalmente contra possíveis ameaças externas.17
A ONU foi criada tendo como principal objetivo organizar as
relações internacionais, seguindo o parâmetro de um sistema genuíno de
segurança coletiva, no qual se buscaria a manutenção da paz e segurança
internacional. Segundo tal sistema, tendo se esgotado todas as outras vias de
negociação com o país infrator, previa-se a utilização de coação bélica pelos
países contratantes contra o agressor comum.
O conceito de segurança coletiva, norteador das principais
atividades desenvolvidas em seu Conselho de Segurança, embora não
explicitamente redigido na Carta, é contemplado ao implicar reações conjuntas a
violações de um direito comum.18 A assinatura da Carta da ONU na cidade de São
Francisco em 1945 deu origem a mais um capítulo na história da segurança
coletiva. A identificação de um agressor deveria ter como resposta a garantia de
uma ação em conjunto regulamentada, principalmente nos capítulos VI e VII da
presente Carta.
17 Do original : “The term ‘colletive security’ normally refers to a system , regional or global, in which each participating state accepts that the security of one is the concern of all, and agrees to join in a colletive response to agression . In this sense it is distinct from, and more ambitious than , system of alliance security, in which groups of states ally with each other, principally against possible external threats.” (ROBERTS, 1996. p.310. Apud in BELLAMY; WILLIAMS; GRIFFINS, 2004.p.66)18 FONTOURA, Paulo Roberto C. Tarisse da. O Brasil e as operações de manutenção da paz das Nações Unidas. Brasília: FUNAG, 1999.p.49
39
Tratando-se mais detalhadamente da Carta, em seu artigo
primeiro a mesma deixa transparecer quatro princípios considerados essenciais:
1) manutenção da paz e segurança internacional; 2) desenvolvimento de relações
amistosas entre as nações; 3) cooperação na resolução de problemas globais e
promoção de liberdades fundamentais; e, finalmente, 4) agir como centro
harmonizador desses esforços.
Apesar disso, a Carta de São Francisco já demonstrava as
discrepâncias de ideologias das duas grandes potências da época, os Estados
Unidos e a União Soviética. As posições conflituosas refletem-se na falta de
clareza e coesão da Carta que resulta em grande poder de interpretação ao
Conselho de Segurança uma vez que em muitos de seus artigos fica a cargo do
mesmo definir o que vem a ser ameaça à paz ou ainda as formas de
constrangimento a essa ameaça. Tais nebulosidades são em sua maioria
pontuadas no capítulo VII da Carta que trata justamente da “Ação relativa e
ameaças à paz, ruptura da paz e atos de agressão.”19
A Carta das Nações Unidas é objeto de severas críticas por
anacronismo devido à inadequação da realidade em que foi escrita com a
atualidade e, ainda, devido às brechas de interpretação que permite aos membros
do CS, principalmente os permanentes, agirem com maior flexibilidade. Para ser
modificada a Carta precisa da aprovação de dois terços da Assembléia Geral,
19 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1945. Disponível em: http://www.onu-brasil.org.br/doc3.php . Acesso em: 10/09/2007.
40
inclusive a aprovação dos cinco membros permanentes, o que torna a tarefa
bastante difícil.20
Relativamente ao sistema de segurança coletiva da
organização, a Carta enfatiza a necessidade de resolução de controvérsias por
meios pacíficos em primeira instância, havendo recurso às forças armadas
somente com autorização do Conselho, e após esgotamento das tentativas
descritas no capítulo VI, responsável por sanções de ordem não militar. Disputas
legais consideradas pelo Conselho de Segurança como ameaça à manutenção da
paz devem passar por avaliação do mesmo, sendo possível o emprego das
medidas coercitivas presentes no capítulo VII que trata da utilização de forças
militares na resolução de conflitos ou situações de ruptura da paz.
O CS possui, pois o monopólio de autorização das medidas
coercitivas acima descritas, o que concede ao órgão ampla liberdade de ação.
No exercício da segurança coletiva, o Conselho de Segurança não é somente livre para decidir quando e como utilizar a força, como também tem a liberdade de fazê-lo e contra quem fazê-lo. Como a Carta parece dar liberdade para a avaliação de uma determinada situação, o Conselho pode iniciar uma guerra preventiva antecipadamente a uma violação futura da paz (figurando apenas como ameaça à paz no momento da ação), um privilégio que a Carta nega a qualquer Estado individual ou grupo de Estados quando agindo sozinhos [...].21
Além disso, esse sistema de segurança coletiva previa a
formação de uma força tarefa internacional que pudesse ser acionada sempre que
20 ibdem21 DISTEIN, Yoram. Guerras, agressão e legítima defesa. Barueri: Manole, 2004.p.386
41
houvesse graves casos de ameaça ou ruptura da paz. Assim, à ONU era facultado
o direito de convocação desse exército internacional sob seu comando. No
entanto, o crescimento das rivalidades Washington/Moscou tornou tal medida
inviável. A tentativa de se organizar essa instituição militar foi então abandonada
em 1948, surgindo somente em 1992 na publicação do “Uma agenda para a paz”22
pelo então Secretário-Geral, Boutros Boutros Gali. Nesta ocasião, essas forças
seriam deslocadas preventivamente mediante o consentimento das partes ou
governos envolvidos. A presença da organização visaria desencorajar as
hostilidades além de prover um ambiente seguro para as negociações e o auxílio
humanitário imparcial.
Em condições de crise no interior de um país, quando o governo requer ou quando todas as partes consentem, o deslocamento preventivo pode ajudar de diferentes formas a aliviar o sofrimento e a limitar ou controlar a violência. A assistência humanitária, imparcial, pode ter importância crítica; assistência à manutenção da segurança, seja através de meios militares ou civis, pode salvar vidas e desenvolver condições de segurança para que as negociações ocorram; as Nações Unidas podem ajudar também na reconciliação, caso seja esta a vontade das partes.23
Relativamente ao relacionamento da ONU com outras
organizações regionais, embora os fundadores da ONU desaprovassem a
formação de alianças exclusivas no capítulo VIII, a Carta reconhece a utilidade
dos arranjos regionais, desde que estivessem de acordo com os princípios da
organização. Neste sentido, a Assembléia Geral mantém consulta formal a 22 Disponível em: http://www.un.org/Docs/SG/agpeace.html . Acesso em 30/01/0823Ibdem .Do original: “In conditions of crisis within a country, when the Government requests or all parties consent, preventive deployment could help in a number of ways to alleviate suffering and to limit or control violence. Humanitarian assistance, impartially provided, could be of critical importance; assistance in maintaining security, whether through military, police or civilian personnel, could save lives and develop conditions of safety in which negotiations can be held; the United Nations could also help in conciliation efforts if this should be the wish of the parties.”
42
diversos organismos regionais, destacando-se a OTAN, a União Européia (UE), a
Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Organização da União Africana
(OUA).
Durante a Guerra Fria, esses arranjos regionais,
destacadamente a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e o Pacto
de Varsóvia, acabaram por trabalhar contrariamente aos princípios preconizados
pela organização, uma vez que cada uma delas preocupava-se com a segurança
de sua própria região e a elas faltavam o “espírito de solidariedade necessário
para a efetividade do trabalho da organização mundial.”24 No entanto, conforme
destaca o já mencionado documento “Uma Agenda para a Paz” :
(...) nessa nova era de oportunidades, arranjos ou agências regionais podem render grandes serviços se suas atividades são realizadas em maneira consistente com os propósitos e princípios da Carta, e se seu relacionamento com as Nações Unidas, e particularmente com o Conselho de Segurança, é governado pelo capítulo VI.25
O documento destaca ainda que não é objetivo da
organização estabelecer uma divisão de trabalho entre estes arranjos regionais e
a ONU ou padrões formais de relacionamento entre eles. As organizações
regionais têm, no entanto, grande potencial a ser aproveitado pela organização
24 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. An Agenda for Peace.1992 Disponível em: http://www.un.org/Docs/SG/agpeace.html. Acesso em 30/01/08.25 Ibdem. Do original: (...) in this new era of opportunity, regional arrangements or agencies can render great service if their activities are undertaken in a manner consistent with the Purposes and Principles of the Charter, and if their relationship with the United Nations, and particularly the Security Council, is governed by Chapter VIII.”
43
que poderá inclusive deixar a seu cargo a condução das ações em determinadas
ocasiões.
Finalmente, tratando-se da ação coercitiva prevista no capítulo
VII podemos defini-la por duas vias principais, a do isolamento e a da intervenção.
A via de isolamento prevê sanções de ordem não militar enquanto a outra
possibilita a utilização de uma força tarefa internacional que agirá de acordo com a
vontade dos membros do CSNU. Essa constatação diverge dos termos presentes
no artigo 2.7 da Carta que afirma a soberania dos Estados no que tange a sua
jurisdição interna, muito embora, o próprio artigo em questão exima-se das
atitudes previstas no capítulo VII, em sinal de subordinação dos princípios
essenciais da Carta às interpretações e conseqüentemente ao interesse daqueles
que compõem a principal instância executiva da ONU.26
A principal dificuldade enfrentada pela organização com o fim
da Guerra Fria e a retomada das atividades do então paralisado Conselho de
Segurança encontra-se justamente neste ponto em que concomitantemente à
autorização de medidas militares de ordem coercitiva, a instituição proíbe a
ingerência em assuntos internos aos países. Conforme podemos, pois, perceber,
a concepção de guerra proposta na organização refere-se, essencialmente, a
disputas armadas entre entidades soberanas distintas, tendo como base os
26 Artigo 2.7 – “Nenhum dispositivo da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervirem em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição de qualquer Estado ou obrigará os Membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da presente Carta; este princípio, porém, não prejudicará a aplicação das medidas coercitivas constantes do Capitulo VII.” Disponível em: http://www.onu-brasil.org.br/doc1.php . Último acesso em: 07/09/2007.
44
princípios westfalianos de independência soberana.27 Em contraposição a isso,
observa-se, no cenário internacional, desde a intensificação das atividades do
Conselho de Segurança a partir da década de 90, que a natureza dos conflitos
mudou substancialmente, destacando-se aqueles de caráter intra-estatal, não
previstos pela Carta e cujos esforços para sua elucidação são restritos pelos
próprios termos da Carta dispostos do artigo 2.7.
Estes conflitos de natureza civil, conforme será analisado
posteriormente em maiores detalhes, são caracterizados por graves crises
humanitárias e violações dos direitos humanos. Neste contexto, a ONU passou a
autorizar com maior freqüência operações de paz que buscam além da
pacificação das partes conflitantes, o auxílio humanitário. Dessa forma, as
intervenções humanitárias ganham grande visibilidade no pós Guerra Fria e pouco
se debateu a respeito das conseqüências da união entre ação coercitiva militar e o
auxílio humanitário.
1.3 As Operações de paz das Nações Unidas
As operações de paz das Nações Unidas têm sua raiz
constitucional nas medidas provisórias de que trata o artigo 40 da Carta28 (capítulo
VII). Dados os empecilhos advindos da bipolaridade no Conselho de Segurança 27 HOLSTI, Kalevi. The State, Wars, and the State of War. Cambrigde: Cambridge University Press, 1999.p.128 Apesar disso não há um consenso internacional acerca da base constitucional das operações de paz. O então secretário geral da ONU, Dag Hammarskjöld, chegou a cunhar a expressão “capítulo seis e meio” ao referir-se à expansão do capítulo VI para atender as demandas exigidas pelas missões de paz.
45
durante a Guerra Fria, eram, em princípio, autorizadas a partir da Assembléia
Geral.29
Essa prática inicia-se em 1948, com o envio de uma missão
militar de observação da organização ao Oriente Médio30. No entanto, o termo
“operação de manutenção da paz” foi utilizado pela primeira vez somente em
1956, com o estabelecimento da Força de Emergência das Nações Unidas
(United Nations Emergency Force - UNEF I) durante a crise do canal de Suez.31
Desde então, as operações de paz da ONU ascenderam em importância e se
tornaram um componente central do cenário internacional.
De acordo com o Manual da International Peace Academy, as
operações de paz são definidas como :
[...] a prevenção, a contenção, a moderação e o término de hostilidades entre os Estados ou no interior de Estados, pela intervenção pacífica de terceiros, organizada e dirigida internacionalmente, com o emprego de forças multinacionais de soldados, policiais e civis, para restaurar e manter a paz.32
29 CARDOSO, Afonso José Sena. O Brasil nas operações de paz das Nações Unidas. Brasília: Instituto Rio Branco; FUNAG; CEE, 1998. P. 4130 Essa missão foi estabelecida em 4 de novembro a partir da resolução 61 disponível em: http://daccessdds.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/047/86/IMG/NR004786.pdf?OpenElement . Acesso em 27 de abril de 2006. 31 CHETAIL, Vincent. Ad-Hocism ans the rules of Coletive Security: is peacekeeping still relevant for maintaining international peace an security? Refugee Survey Quaterly, Vol. 23, nº 4, 2004. p. 2 . As resoluções referentes a essa missão podem ser acessadas em: http://www.un.org/documents/ga/res/11/ares11.htm . Acesso em 27 de abril de 2006. (Resoluções 1120,1121 e 1122)32INTERNATIONAL PEACE ACADEMY, apud in CARDOSO, Afonso José Sena. O Brasil nas operações de paz das Nações Unidas. Brasília: Instituto Rio Branco; Fundação Alexandre de Gusmão; Centro de Estudos Estratégicos, 1998.p.17
46
Somando-se a isso, como sublinha este autor, tais operações
não podem representar ameaça para as partes no conflito nem serem percebidas
como tal, daí a restrição do uso da força a níveis de autodefesa e a exigência de
imparcialidade por parte dos integrantes da missão de paz. Embora a manutenção
da paz seja o maior objetivo da organização, a Carta da ONU não contém nenhum
dispositivo explícito que autorize as operações de paz, constituindo-se em um
mecanismo criado pelas práticas subseqüentes da organização e reconhecido
judicialmente pela Corte Internacional de Justiça em 1949.33
De 1948 a 1987 os peacekeepers, ou seja os soldados de
uma operação de paz, tinham duas funções principais: 1) observar a paz através
do monitoramento do cessar fogo; e 2) manter a paz, através da criação de zonas
tampão neutrais entre os beligerantes. Tais missões desempenhavam funções
bastante simples se comparadas às missões atuais que incorporam uma série de
novas funções. As forças eram compostas por tropas de pequenos Estados em
sua maioria não alinhados ao conflito bipolar. Os membros permanentes do
Conselho de Segurança e outras potências somente contribuíam com tropas em
circunstâncias bastante excepcionais.34
Deve-se ressaltar que as tropas eram levemente armadas e
eram estabelecidas simbolicamente entre os beligerantes que haviam concordado
com a pacificação. Neste período, a influência das Nações Unidas resultava mais
33 FONTOURA, Paulo Roberto Campos Tarisse da. O Brasil e as Operações de Manutenção da Paz das Nações Unidas. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 1999. p. 6634 WEISS, T. G.; FORSYTHE; D. P.; COATE, R.A. The United Nations and Changing World Politics. Boulder: Westview Press, 1997.p.55
47
da cooperação entre os beligerantes e do peso moral da comunidade internacional
do que do poderio bélico militar.
Além disso, neste período, no qual prevaleciam questões
militares tradicionais entre Estados soberanos, as operações dependiam de
alguns fatores essenciais, a saber: serem estabelecidas com base em um amplo
marco internacional, contar com o consentimento das partes envolvidas, uso
restrito da força, imparcialidade,35 lograr efetiva cooperação política das partes
conflitantes, apoiar-se em mecanismos claros e aceitos para concessão de
pessoal e correspondente reembolso, colocar no cenário uma presença militar ou
quase militar internacional, e por fim, objetivar a prevenção ou contenção de
violência através de soluções pacíficas.36
Dentre esses pontos, o uso restrito da força e o consentimento
das partes evidenciam-se como os fatores mais controversos para as operações
de paz estabelecidas pela organização no período subseqüente. Com o fim da
Guerra Fria e o consenso entre os membros permanentes do Conselho de
Segurança da ONU, a autorização destas operações voltou às prerrogativas do
Conselho e tornaram-se cada vez mais constantes.
Quando o líder soviético Gorbachev sobe ao poder e institui
uma reforma política e econômica em seu país, também as suas relações com as
Nações Unidas são revigoradas. A mudança na política soviética resultou da
35 A imparcialidade, para Cardoso (1998, p.17), faz-se imprescindível ao permitir que os participantes das operações sejam vistos como terceiros capazes de contribuir para o equacionamento do conflito e não como parte envolvidas nele.36 CARDOSO, Afonso José Sena. O Brasil nas operações de paz das Nações Unidas. Brasília: Instituto rio Branco; Fundação Alexandre de Gusmão; Centro de Estudos Estratégicos, 1998. p. 18
48
necessidade deste país retirar o suporte anteriormente dado a certos conflitos e
direciona-lo para a reforma econômica. 37 Dessa forma, o apoio da ONU foi pedido
para a retirada das tropas soviéticas de seus antigos Estados satélites, como o
Afeganistão.38
Da mesma forma que a União Soviética, também os Estados
Unidos mudaram sua atitude relativamente à organização, tendo seu então
presidente Ronald Reagan, ressaltado em 1988 o importante papel a ser
desempenhado pela organização na manutenção da paz e segurança
internacional.39
Findada a Guerra Fria, entre 1988 e 1989 cinco missões de
paz foram estabelecidas pelo Conselho e finalizaram-se todas até 199340. Embora
tenham sido as primeiras autorizadas no período imediatamente posterior à
bipolaridade mundial, suas funções pouco se diferenciavam das tradicionais
missões de paz, tendo incorporado somente algumas outras funções.
Durante a Guerra fria, as missões então estabelecidas
caracterizavam-se especialmente como missões de observação, as quais incluíam
37 WEISS;FORSYTHE;COATE. The United Nations and Changing World Politics. Boulder: Westview Press, 1997.p. 6438 A missão lá estabelecida intitulava-se “The UN Good Offices Mission in Afghanistan and Pakistan” (UNGOMAP) e tinha como objetivo verificar a retirada das tropas soviéticas do Afeganistão. A retirada soviética tornou-se um imperativo necessário quando grupos rebeldes financiados pelo Paquistão e Estados Unidos passaram a atacar as tropas soviéticas ali presentes, tornando a presença naquele país por demais custosa.39 WEISS;FORSYTHE;COATE. The United Nations and Changing World Politics. Boulder: Westview Press, 1997.p. 6440 Essas missões foram: Missão de Bons Ofícios no Afeganistão e Paquistão (UN Good Offices Mission in Afghanistan and Pakistan – UNGOMAP), Grupo de Observadores Militares no Irã e Iraque (UN Iran-Iraq Military Observer Group – UNIIMOG), a primeira Missão de Verificação da Angola (I UNAVEM), Grupo de Assistência das Nações Unidas para o Período de Transição (UN Transition Assistance roup in Namibia – UNTAG) e Grupo de Observadores das Nações Unidas na américa Central (United Nations Observer Group in Central America (ONUCA).
49
como funções: investigação, supervisão do armistício, manutenção do cessar fogo
e supervisão de plebiscitos. Os casos supracitados também foram considerados
missões de observação, muito embora seus mandatos tenham sido expandidos
para a verificação da retirada de tropas, organização e supervisão de eleições,
desarmamento voluntário e verificação de direitos humanos.
As novas funções conforme veremos adiante são importantes
pontos das chamadas operações de paz de segunda geração, todavia, foram
implementadas mediante a autorização dos Estados envolvidos e, portanto, tendo
respeitado os princípios de não intervenção.
No entanto, merece especial destaque a missão de
observação implementada na América Central – Grupo de Observadores das
Nações Unidas na América Central (United Nations Observer Group in Central
America - ONUCA) – e que foi seguida do estabelecimento de outras missões na
região.41 Segundo Weiss, Forsythe e Coate42 a ação das Nações Unidas nessa
região apresenta-se como o ponto de transição entre as tradicionais operações há
pouco discutidas e as novas missões multifuncionais, objeto de análise deste
tópico.
A razão para esta afirmação decorre do fato de que estas
missões incorporaram uma série de novas funções à agenda da ONU, muito
embora não tenham sido autorizadas mediante o capítulo VII da Carta, ação esta
41 Estas outras missões seriam então: A Missão de Observação das Nações Unidas para Verificação do processo eleitoral na Nicarágua (ONUVEN), a Missão de Observação em El Salvador (ONUSAL) e a Missão de Verificação do Processo Eleitoral no Haiti (ONUVEH)42 idem.p.69-72
50
que viria a ocorrer somente em 1991 com a autorização do uso da força no conflito
desembocado no Golfo Pérsico.
Dentre estas novas funções destacamos a verificação de
todas as formas de assistência militar às forças insurgentes, a prevenção de
financiamento de conflitos por parte de Estados insurgentes infiltrados nos países
vizinhos e a desmilitarização de áreas, através da coleta física e destruição de
armamentos no caso da ONUCA. Estas tarefas são desempenhadas em locais
amplamente armados e acabam sendo incorporadas às funções das futuras
missões da ONU de forma expandida e rigorosa.
A Missão das Nações Unidas para verificação do processo
eleitoral na Nicarágua (ONUVEN) é considerada a primeira missão de observação
da organização, na qual uma equipe de civis participou de todo o processo
eleitoral, figurando como “uma intrusão extraordinária nos termos das noções
convencionais de jurisdição doméstica”.43 Outra grande inovação desta missão foi
a participação da Organização dos Estados Americanos OEA e outras
organizações não governamentais na missão. A ONU e a OEA cooperaram
ativamente nos esforços diplomáticos e na observação civil. Embora a Carta
preveja a cooperação com organizações regionais, essa foi a primeira experiência
no campo de missões de paz e, portanto, digna de nota.
Da mesma forma que a ONUVEN, a Missão de Verificação do
Processo Eleitoral no Haiti (ONUVEH) também se configurou como missão de
observação eleitoral, desta vez para o Haiti. A composição civil nessas duas 43 idem. p.70
51
missões acabou por confundir a distinção entre missões civis e militares e entre
segurança e direitos humanos. Desde então, embora ainda existam missões de
caráter essencialmente civil, as missões de paz da ONU são compostas pelos dois
componentes civil e militar.44
Finalmente, relativamente à Missão de Observação em El
Salvador (ONUSAL), observamos que a mesma foi estabelecida em meio a uma
guerra civil na qual as violações dos direitos humanos eram constantes. Estas
violações deveriam, então, ser prevenidas através de um sistema de
monitoramento e observação tanto do exército como do governo antes de um
cessar fogo oficial. Além disso, o pessoal da ONUSAL coletou e destruiu
armamentos de posse dos rebeldes e auxiliaram na criação de um novo exército
nacional, responsabilidade esta que passa a fazer parte das subseqüentes
missões estabelecidas pela organização.
Apesar das excepcionais características apontadas, as
operações estabelecidas no Golfo Pérsico, em 1991, apresentam-se como
importante marco para as futuras operações de imposição da paz estabelecidas
sem o consentimento das partes envolvidas e que vão de encontro às disposições
do princípio de não intervenção no artigo 2.7 da Carta das Nações Unidas.
A Guerra do Golfo apresenta-se como linha de transição na
história do Conselho de Segurança, uma vez que a inédita unanimidade dos cinco
44 Os novos ambientes em que são estabelecidas essas missões, principalmente aquelas de caráter intra-estatal exigem um forte componente civil, composto principalmente pela força policial, observadores eleitorais e supervisores de violações de direitos humanos. (WEISS; FORSYTHE;COATE, 1997, P. 67-72)
52
membros permanentes possibilitou a adoção de uma série de resoluções nos
termos do capítulo VII. Através das resoluções 660, 661, 665, 670 e por fim 678, O
CS condenou primeiramente a invasão iraquiana ao Kuwait e, em seguida, deu
início a uma série de medidas que visavam a retirada das tropas iraquianas,
através de embargos e bloqueios econômicos, tendo finalmente, autorizado todos
os meios necessários para restabelecer a paz na região, através do mecanismo
de legítima defesa nos termos do artigo 51 da Carta Constitutiva das Nações
Unidas.45
Todavia, de todas essas resoluções, a que se apresenta mais
surpreendente e interessante para os fins desse estudo é a de número 688 que
determinou que as conseqüências da repressão iraquiana sobre a população civil,
em especial os curdos, ameaçava a paz internacional e a segurança da região,
insistindo com este país que “permitisse o acesso imediato das organizações
humanitárias internacionais, para todos aqueles que necessitassem assistência,
em todas as regiões do Iraque e deixassem disponíveis todos os recursos para a
sua operação”.46
Não só o auxílio humanitário foi conseguido, como sob o comando
militar das forças armadas estadunidenses foi criado um território curdo ao norte
do Iraque, além de uma zona de exclusão aérea nas áreas xiitas. A ajuda
humanitária da ONU, autorizada a partir do Conselho de Segurança acabou por
45 DISTEIN, Yoram. Guerras, agressão e legítima defesa. Barueri: Manole, 2004. p.398-40046 Documento disponível em: http://daccessdds.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/597/50/IMG/ NR059750.pdf?OpenElement . Acesso em 22 de junho de 2007.
53
interferir nos domínios do território nacional iraquiano, sem o consentimento da
parte envolvida e ainda a neutralidade necessária.47
A Resolução 688 constituiu o primeiro caso, no pós Guerra Fria, de associação de abusos maciços e sistemáticos de um Estado contra os direitos de seus próprios nacionais à problemática da segurança internacional, além de sinalizar para uma mudança no papel do Conselho de Segurança no que se refere à limitação da jurisdição doméstica face à proteção.48
Apesar de não ser estabelecida nos marcos do capítulo VII,
esta resolução alegou que a questão dos refugiados curdos ameaçavam a paz e a
segurança internacional, constituindo-se como importante passo dado em direção
às intervenções humanitárias estabelecidas pela Organização e inauguradas com
as operações de imposição da paz estabelecidas na Somália.
Assim, nos anos que seguiram à eclosão da Guerra do Golfo,
diversas outras resoluções foram autorizadas pelo Conselho de Segurança e
freqüentemente mencionava-se o capítulo VII, enfatizando-se a expressão
“ameaça contra a paz”, suficientemente flexível para possibilitar a ação coercitiva
bélica nos conflitos internacionais.
Este novo cenário é inserido no documento “Uma Agenda para
a paz”que além de definir conceitualmente as operações de manutenção da paz,
define também outras tipologias de missões como a diplomacia preventiva, as
47 DISTEIN, Yoram. Guerras, agressão e legítima defesa. Barueri: Manole, 2004. p 401.48 RODRIGUES, Simone Martins. Intervenção Humanitária em Conflitos Internos: Desafios e Propostas. Center for Hemispheric Defense Studies (REDES 200): Research and Education in Defense and Security Studies, 7 a 10 de agosto, 2002, Brasilia, Brasil.p.121
54
missões de construção da paz e as missões pós-conflito49. Todas estas missões
afastam-se tanto conceitualmente como funcionalmente em relação àquelas
consideradas missões de primeira geração ou clássicas, e o princípio de
soberania é relativizado frente aos novos desafios que o sistema traz.
A pedra angular deste trabalho é e continua sendo o Estado, o respeito a sua soberania e integridade fundamental é crítico em todo processo internacional comum. No entanto, o momento da soberania absoluta e exclusiva passou, (...). Hoje os governantes de Estado devem compreendê-la assim, e contrapesar as necessidades de uma boa gestão interna com as exigências de um mundo cada vez mais interdependente. 50
Complementarmente a este documento, em 1997, foi então
divulgado o chamado “Suplemento de uma agenda para a paz”51, que além de
tratar das mesmas transformações ocorridas no cenário internacional e na
natureza dos conflitos trata das operações de imposição de paz empreendidas
pela organização na Somália, Haiti, Ruanda e Iugoslávia.
49 Além das operações de imposição da paz, o ex-secretário descreveu também a diplomacia preventiva (preventive diplomacy), que seriam as ações implementadas de modo a prevenir possíveis conflitos;as operações de construção da paz ( peacemaking), ocorridas através de mediações e negociações com o objetivo de cessar o conflito entre as partes através de meios pacíficos com base no capítulo VI da Carta; as operações de manutenção da paz (peacekeeping), já citadas anteriormente prevêem a autorização das partes para intervenção da ONU; e finalmente, as operações de construção da paz pós-conflito ( post-conflict peacebuilding), responsáveis pela construção de infra-estutura econômica social e política com o objetivo de prevenir futuros conflitos. Ver também as definições a partir do documento “An Agenda for Peace” disponível em: : http://www.un.org/Docs/SG/agpeace.html Acesso em 03 de junho de 2007.50 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. An Agenda for Peace: Preventive Diplomacy, Peacemaking and Peace-Keeping, Report of the Secretary-General pursuant to the statement adopted by the Summit meeting of the Security Council. Nova York: United Nations, 1992. Disponível em: http://www.un.org/Docs/SG/agpeace.html. Acesso em 10 de agosto de 2005.p.551 Documento disponível em: http://daccessdds.un.org/doc/UNDOC/GEN/N95/080/95/PDF/N9508095.pdf?OpenElement. Acesso em 6 de junho de 2007.
55
Mais recentemente, o Conselho autorizou grupos de Estados membros a empreenderem uma ação de imposição, se necessário, para a criação de condições que possibilitem o estabelecimento de operações de alívio humanitário na Somália e em Ruanda e a restauração da democracia no Haiti. Na Bósnia e Hezergovina, o Conselho de Segurança autorizou Estados membros, agindo nacionalmente ou através de organizações regionais a utilizar a força (...) para auxiliar as forças das Nações Unidas na antiga Iugoslávia a garantirem o cumprimento de seu mandato, incluindo a defesa do pessoal que pudesse estar sob ataque e a detenção de ataques à zonas seguras. Os Estados membros em questão decidiram confiar estas tarefas à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).52
Neste contexto, percebemos que estas missões assumem
características impositivas, já que admitem a utilização de todos os meios
necessários para que se cumpra o mandato da organização. Além disso,
observamos também que o escopo de ação da ONU transforma-se, incorporando
funções que não foram inicialmente previstas nas chamadas operações de paz de
primeira geração. Estas “novas” operações refletem, ademais, mudanças
significativas no ambiente político e legal internacional em que operam. Questões
anteriormente preservadas legalmente pela organização, tais como intervenções
em guerras civis e crises humanitárias no âmbito de Estados soberanos53, são de
certa forma relativizadas.
52Suplemento de Uma Agenda Para a Paz. Disponível em: http://daccessdds.un.org/doc/UNDOC/GEN/N95/080/95/PDF/N9508095.pdf?OpenElement. Acesso em 6 de junho de 2007. p.1853 O principal argumento contrário às intervenções humanitárias leva em consideração o artigo 2 da Carta das Nações Unidas que diz o seguinte “ (...) Os membros deverão abster-se nas suas relações internacionais de recorrer à ameaça ou ao uso da força, quer seja contra a integridade territorial ou a independência política de um Estado, quer seja de qualquer outro modo incompatível com os objectivos das Nações Unidas; (...)” A redação do artigo é controversa e sujeito a interpretações, o que gera grandes debates entre aqueles que defendem as intervenções e aqueles contrários a elas. Íntegra do documento em: http://www.un.org/spanish/Depts/dpi/portugues/charter/index.htm . Acesso em 4 de junho de 2007.
56
Esse processo culminou, diversas vezes, na reinterpretação
da Carta, “tanto no que se refere aos objetivos da segurança coletiva como no
tocante aos meios de garanti-la.”54 Para Patriota, os países alvos de sanções,
como Somália, Ruanda, Haiti, entre outros, foram
(...) palco de experiências com implicações para a teoria e a prática da segurança coletiva que, embora não se tenham ainda cristalizado em uma doutrina ou em um conjunto de regras, vão articulando um paradigma novo pelos precedentes que estabelecem.55
Na análise deste novo paradigma, o autor56 delineia dois eixos,
os fins e os meios. No primeiro, situar-se-iam as questões relacionadas aos
objetivos de segurança coletiva, enquanto o último trataria, essencialmente, das
diferentes modalidades de ação praticadas pelo Conselho com o objetivo último de
garantir a paz internacional.
Relativamente aos objetivos de segurança coletiva o autor
destaca situações de emergência humanitária e violação dos direitos humanos,
além do combate ao terrorismo, a subversão à ordem democrática e a proliferação
de armas de destruição em massa. No eixo referente aos meios, por sua vez,
ressalta-se as missões de imposição, com a atribuição coercitiva às operações de
paz, o emprego de forças multinacionais ou alianças militares defensivas para a
imposição de decisões do Conselho, além das “trocas de idéias e as iniciativas em
54 PATRIOTA, Antônio de Aguiar. O Conselho de Segurança pós-Guerra do Golfo: a articulação de um novo paradigma de Segurança Coletiva. Brasília: Instituto Rio Branco; FUNAG; Centro de Estudos Estratégicos, 1998.p.15555 Ibdem56 Idem, p.156
57
curso sobre como tornar mais eficientes as operações de manutenção da paz,
mediante o estabelecimento de ‘standby arrangements’ e de Unidades de Estado-
Maior de deslocamento rápido (Rapdly Deployable Headquarters Unit)”.57
As questões aqui levantadas demonstram a inclusão de uma
série de novos itens aos eixos esquematizados, aumentando, dessa forma, o
escopo de ação do Conselho de Segurança.
No tocante aos objetivos e finalidades das ações coercitivas
do capítulo VII, destaca-se a intervenção coletiva em casos de emergência
humanitária suscitando importante debate relativo à responsabilidade da
comunidade internacional em face de fenômenos graves contra a humanidade,
como a violência sistemática a minorias religiosas ou étnicas, violação de direitos
humanos e ainda resgate ou proteção de cidadãos expatriados ou indivíduos em
perigo.
Atualmente, as operações de paz autorizadas pelas Nações
Unidas são cada vez mais freqüentes e numerosas. Embora a autorização da
missão dependa do Conselho de Segurança, foi criado um órgão para
organização e estabelecimento dessas operações, o Departamento de Operações
de Paz das Nações Unidas .
1.4 O Departamento de Operações de Manutenção da Paz da ONU
57 Ibdem
58
O Departamento é fruto da crescente importância dada às
operações de paz a partir da década de 90. Criado em 1992, o órgão se dedica a
organizar os esforços dos Estados Membros e Secretário Geral direcionados à
manutenção da paz e segurança internacionais. Sua missão compreende o
planejamento, gerenciamento e direção das operações de paz autorizadas pelas
Nações Unidas de maneira que as mesmas efetivem seus mandatos em
concordância com o Conselho de Segurança e Assembléia Geral.
Como parte de suas funções, o DPKO detém a direção política
e executiva das diversas missões, mantendo contato com o Conselho de
Segurança, com contribuidores financeiros e de tropas, com as partes conflitantes,
além de prover suporte administrativo, logístico e de pessoal especializado.
Embora cada operação de paz possua um mandato
especifico, todas compartilham de certos princípios gerais que se adequam às
causas comuns: o alívio ao sofrimento humano e a criação de instituições que
promovam a paz e segurança pública. Por essa razão, as operações de paz
possuem diversos componentes e seções especializadas: os componentes militar
e civil, que se dividem por uma série de seções conforme a necessidade da
missão: destruição de minas, cessar-fogo, implementação de acordos de paz,
assistência humanitária, bem como o exercício de funções administrativas e a
reorganização da base econômica da região em questão.
59
Fonte: Departamento de Operações de Paz das Nações Unidas. Disponível em:
www.un.org/Depts/dpko/dpko/index.htm). Acesso em 11 de fevereiro de 2008
O departamento possui ainda a divisão militar e policial, de
modo a cumprir mais efetivamente com as novas funções desempenhadas pelas
missões de paz da ONU.
1.4.1 A Divisão Policial
As missões de paz contemporâneas possuem dois tipos de força
policial internacional: a civil e a militar. Ambas provêm das contribuições de
60
pessoal e equipamentos por parte dos países membros da ONU. A polícia militar
tem como tarefa principal o policiamento das áreas determinadas pela a operação
de paz e é utilizada, ocasionalmente, juntamente às organizações e pessoas
responsáveis pelo cumprimento da lei no país anfitrião.
A polícia civil, por sua vez, assume um papel de primordial
importância nas missões de paz. Também chamada de CIVPOL, suas funções
variam desde o monitoramento e supervisão das organizações mantenedoras das
leis locais, ao exercício da autoridade responsável pelo cumprimento da lei.
Devido à importância conferida à CIVPOL, foi criado, em
outubro de 2000, o Departamento da Polícia da ONU58, como parte integrante do
Departamento de Operações de Manutenção da Paz, citado anteriormente, e com
a função de planejar e dar suporte ao trabalho dos oficiais policiais nas operações.
O debate em torno deste tema tem se intensificado ao longo
da década de 90, no entanto, a presença das polícias internacionais não é recente
na comunidade internacional. As operações de paz têm tido com freqüência um
componente policial, ainda que conhecidas como “ações policiais” ou “operações
policiais”, enfatizando-se a função de manutenção da lei e da ordem. Como
exemplo pode-se citar as ações policiais em Creta (1896-97) e a operação policial
em Sardenha sob a égide da Liga das Nações, em 1935.59
58 Disponível em: www.un.org/Depts/dpko/dpko/civpol/civpol_1.htm. Acesso em 24 de janeiro de 2007.59 SISMANIDIS, Roxane D. V. Police Functions in Peace Operations: Report from a workshop organized by the United States Institute of Peace. Peaceworks nº14, 1997. Disponível em: http://www.usip.org/pubs/peaceworks/pwks14.html . Acesso em 10 de fevereiro de 2008.p.3
61
Na ONU, a polícia internacional foi pela primeira vez
empregada no Congo (Operações das Nações Unidas no Congo – ONUC), em
1960-65 e por mais de 30 anos na Operação de paz da ONU estabelecida no
Chipre (Operação de Manutenção da Paz da ONU no Chipre – United Nations
Peacekeeping Force in Cyprus, UNFICYP) em 1964. Assim, as funções da polícia
internacional em missões de paz desenvolveram-se acompanhando as mudanças
ocorridas na natureza e complexidade de tais missões. Durante a missão no
Congo, foram destacados contingentes policias de Gana e da Nigéria para auxiliar
na manutenção da ordem pública naquele país. A missão de paz no Chipre, por
sua vez, marcou o início da evolução no policiamento internacional havendo
monitoramento e supervisão da polícia local pelos integrantes da força policial
internacional.
Essa nova função é definitivamente incorporada pela missão
de paz estabelecida na Namíbia (Grupo de Assistência das Nações Unidas para o
Período de Transição - UN Transition Assistance Group in Namibia -UNTAG)) em
1989. O país foi dividido em sete distritos policiais, com um total de 49 delegacias
policiais e contou com contingentes de 25 países diferentes. Suas funções
abarcaram desde o monitoramento e supervisão da polícia local até o
acompanhamento de eleições.
Tais exemplos, conforme podemos perceber, correspondem a
situações em que já havia uma polícia local e onde as atividades da força policial
limitaram-se ao auxílio ao pessoal do país anfitrião. Entretanto, ao longo dos
62
últimos anos, as Nações Unidas envolveram-se em operações onde a supervisão
não era suficiente e responsabilizou seus oficiais das polícias internacionais pela
formação e treinamento da polícia local. Alguns exemplos dessas missões foram:
Missão das Nações Unidas para Assistência em Ruanda (UN Assistance Mission
in Rwanda - UNAMIR), em 1994; Operação das Nações Unidas em Moçambique
(UN operation in Mozambique - ONUMOZ), em 1992-95; e a Autoridade de
Transição no Camboja (Transitional Authority in Cambodia - UNTAC) em 1992-93.
Desde então, o componente policial está presente em todas as
missões de paz mais proeminentes das Nações Unidas e envolvem o treinamento,
a reorganização e o monitoramento das forças policiais locais. Nesse sentido, a
seleção de policiais para composição dos quadros da polícia internacional é de
extrema importância, bem como seu treinamento e adaptação.
Dentre os principais problemas enfrentados atualmente pelas
forças policiais, apontamos o baixo número de destacamentos policiais, a falta de
padrões gerais de treinamento, e a comunicação. Relativamente a tais desafios,
deve-se salientar que a maioria dos Estados membros não possui destacamentos
reserva que substituam os contingentes oferecidos às missões de paz, o que
explica seu número bastante inferior se comparado aos destacamentos militares.
Outra questão relacinada, diz respeito à falta de padrões
gerais para o treinamento de soldados, já que cada destacamento tem um
treinamento especifico de seu país, bastante atrelado à região em que atua.
Dessa forma, os treinamentos da ONU incluem a observação de certos padrões
63
gerais bem como alguns específicos do país onde ocorrerá a missão. Dentre
esses princípios específicos, leva-se em consideração os aspectos culturais do
país anfitrião, bem como sua história e geografia, o que aumenta o tempo de
treinamento e seus custos.
Por fim, relativamente à comunicação observamos um claro
problema relativamente às diferentes línguas. Assim, como nas operações
militares, faz-se necessário o conhecimento da língua oficial da missão,
normalmente o inglês, bem como da língua local, o que dificulta o recrutamento.
Isso ocorre porque na maioria das vezes os países contribuintes de forças policiais
são aqueles considerados “em desenvolvimento” que têm o inglês como segunda
língua e raramente têm conhecimento da língua local. Os destacamentos policiais
com um bom conhecimento da língua inglesa é muito inferior aos componentes
das forças armadas que na maioria das vezes têm o aprendizado de línguas
estrangeiras em sua própria formação.
No entanto, o mais importante e complexo desafio imposto à
força policial refere-se aos mandatos e às missões de paz que têm se
estabelecido em países onde a autoridade civil e o sistema criminal de justiça
estão parcial ou totalmente destruídos. Quando isso ocorre, a reorganização de
um sistema de leis é essencial para a estabilização da sociedade e reconstrução
da autoridade civil. Com as experiências desastrosas da própria ONU, o debate
em torno da responsabilidade internacional na criação de um novo sistema de
justiça e no exercício da autoridade é de suma importância.
64
Sismanidis60 afirma não há unanimidade de opiniões no que
tange a esse tema dentre os especialistas no assunto, destacando que embora
seja reconhecida a necessidade de um sistema de lei para reger a sociedade,
muitos argumentam que esse novo sistema seria estabelecido à luz dos princípios
ocidentais, desrespeitando as tradições locais e muitas vezes levando à
desconfiança da comunidade local relativamente à força de paz internacional.
Além disso, há o problema do tempo de comprometimento que é exigido para
cumprimento dessa função, uma vez que o capital e pessoal especializado
disponibilizados às forças de paz são bastante reduzidos, impedindo o
cumprimento efetivo dessa função.
No caso das missões com objetivos humanitários a
necessidade de estabelecimento de ambientes mais seguros e menos
criminalizados para que as forças militares e os agentes humanitários possam
trabalhar com mais efetividade esbarra nos princípios de neutralidade e
imparcialidade. No caso das intervenções humanitárias, o papel desempenhado
por tais forças policiais se faz de extrema importância dado que a provisão do
auxílio humanitário em um conflito civil caracterizado principalmente pelos
elevados índices de criminalidade, é bastante difícil. Nestes casos, as
negociações com as partes envolvidas para que o auxílio seja prestado de forma
adequada, por vezes acaba minando a percepção desses princípios necessários
para uma assistência humanitária adequada e constituindo-se em uma das
principais críticas às intervenções humanitárias atualmente.60 Idem p. 15
65
Conforme podemos observar, a atual complexidade do
Sistema Internacional, onde têm prevalecido conflitos de natureza intra-estatal traz
diversos desafios ainda não solucionados pela comunidade internacional. A ONU
tem trabalhado na elaboração de documentos que procuram exaurir o tema e
esclarecer as melhores formas de ação. No entanto, têm prevalecido experiências
muitas vezes desastrosas que não condizem com os mandatos e objetivos
buscados por cada uma dessas missões.
1.4.2 A Divisão Militar
A Divisão Militar do Departamento de Operações de
Manutenção da Paz das Nações Unidas tem como principal objetivo dar suporte
ao Secretário Geral, Conselho de Segurança e outros órgãos intergovernamentais
em assuntos relacionados às missões implementadas pela organização. Para
tanto, tem como função o pronto suporte e planejamento para o estabelecimento
de uma missão de paz, que incluem a condução, o gerenciamento e a direção das
operações de modo que as capacidades militares oferecidas pelos Estados
Membros sejam melhor empregadas em cada uma das missões61.
Os tipos de missões empregadas pela ONU requerem um
claro entendimento relativamente a grande variedade de atores e locais em que
podem ser estabelecidas. Dessa forma, percebe-se que a Divisão Militar é
responsável por toda a parte estratégica das missões de paz, de modo que as 61 Informações disponíveis em: www.um.or/depts/dpko/milad. Acesso em 29 de janeiro de 2007.
66
melhores análises de informações, planos, treinamento e pessoal estejam
disponíveis.
Em razão da atual complexidade atingida pelas diversas
missões de paz da ONU, diversas são também as exigências para seu sucesso.
Tais dificuldades referem-se tanto aos diversos ambientes em que tais operações
são estabelecidas, que determinam a necessidade de uma série de
especialidades e especialistas, quanto à rapidez com que a ONU muitas vezes
deve agir. Por essa razão a divisão militar possui diversas seções que tratam das
diversas funções e regiões incumbidas ao órgão.
67
Fonte: Departamento de operações de Paz da Organização das Nações Unidas.
Disponível em: ww.un.org/depts/dpko/milad/md/organization.htm . Acesso em 17 de fevereiro de
2008.
Especial atenção deve ser dada ao Sistema de Pronto
emprego da ONU (United Nations Stand-by Arrangements). Este sistema é
baseado no comprometimento em recursos e pessoal por parte dos Estados
Membros e surgiu da necessidade de uma rápida resposta da comunidade
internacional a diversos conflitos e crises humanitárias. Os recursos oferecidos
68
vão desde formações militares, pessoal especializado (civil e militar), a serviços e
equipamentos.
O sistema é mais um exemplo da atual complexidade atingida
pelos conflitos encenados no Sistema Internacional, que exigem uma resposta
rápida na ausência de um governo responsável pelo país ou região conflitiva.
Assim, o envio de tropas por parte da ONU a tais regiões tem sido recorrente e, da
mesma forma, diversos temas receberam renovada atenção, em especial os
direitos humanos62.
Desde então as intervenções têm se tornado cada vez mais
constantes e, concomitantemente, as missões de paz têm adquirido especial
importância. Tais intervenções são fruto também da defesa da intervenção das
Forças Armadas no combate às novas ameaças, surgidas nos cenários regional e
doméstico durante os anos 90.
De acordo com Sain63, as novas ameaças referem-se ao
(...) conjunto de riscos e situações não tradicionais de conflito, ou seja, aquelas não geradas por conflitos interestatais derivados de discussões sobre limites territoriais ou de competição por hegemonia estratégica, e que, portanto, estavam sujeitas à resolução por meio do emprego, ou ameaça de emprego, das Forças Armadas dos países contendentes.
62MATHIAS, Suzeley; PEPE, Leandro. Segurança e Democracia: a atuação do Brasil no Haiti. Trabalho apresentado no Lasa's XXVII International Congress. San Juan, março, 2006. Disponível em:http://64.233.169.104/search?q=cache:V38XyQ4qJnIJ:www.resdal.org/producciones-miembros/art-mathias-lasamar06.pdf+mathias+pepe&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=1&gl=br . Acesso em: 10 de fevereiro de 2008.p.1 63SAIN, Marcelo Fabián. Novos horizontes, novos problemas: As Forças Armadas argentinas frente às novas ameaças (1990-2001). P. 157-210. IN: MATHIAS, Suzeley K. ; SOARES, Samuel A (orgs). Novas Ameaças: Dimensões e Perspectivas. São Paulo: Sicureza, 2003.p.157-8
69
Essas novas ameaças sugerem a reestruturação da agenda
das Forças Armadas que passam a se envolver em questões que vão além de seu
papel tradicional e das relações civil-militares. Este papel tradicional relaciona-se
ao combate às ameaças externas, preparando-se para um possível conflito bélico.
No entanto, conforme destacado, as novas ameaças exigem que sejam adquiridas
novas funções incluindo aquelas “não militares”, como a construção da nação
(nation-building), a segurança interna, ajuda humanitária e ações de assistência
social.64
As missões de paz, portanto, são parte desse novo papel das
forças armadas e o envio de tropas por parte dos Estados a tais operações têm se
tornado cada vez mais constante. Tais intervenções ocorreram em diferentes
ambientes geopolíticos e envolveram diferentes formas de atuação e interesse.
O envolvimento das Forças Armadas nas operações de paz,
em especial dos países em desenvolvimento e mais atrasados em termos de
treinamento e equipamentos militares, têm diversas motivações. Dentre tais
motivações destacam-se três: 1) a atualização das forças armadas que trocam
experiências com as forças armadas de outros países, trazendo o sentimento da
necessidade de modernização das mesmas; 2) a diversidade de locais em que
atuam as tropas, proporcionando conhecimento tanto sobre formas de atuação
diversas bem como de novas tarefas a elas incumbidas e, por fim 3) a importância
64Ibdem, p.158.
70
que as missões de paz têm adquirido ao longo da história, conferindo prestígio aos
países que delas participam.65
Para países como os Estados Unidos, sua participação nas
diferentes missões de paz, garante sua influência em locais considerados
estratégicos por seus governos. Os Estados Unidos são um dos maiores
fornecedores de tropas das Nações Unidas e estão presentes em quase todas as
missões de paz estabelecidas sob seu auspício. Isso denota a grande importância
que tais operações têm para este governo e a grande relevância dada a elas para
a concretização de seu interesse nacional.
Relativamente aos desafios enfrentados pelas forças armadas
no âmbito das missões de paz, destaca-se o problema relativo à grande
diversidade cultural que compõe uma operação de paz, problema semelhante
enfrentado também pela polícia.
A diversidade cultural traz problemas que vão desde a
variedade de treinamento recebido pelas tropas combatentes de diversos países
aos problemas referentes à comunicação. No entanto, atualmente, um dos
maiores problemas enfrentados diz respeito à falta de policiais destacados para
efetuar suas funções, cabendo às tropas militares muitas vezes essas tarefas que
não lhes dizem respeito e para as quais não foram treinadas.
65MATHIAS, Suzeley; PEPE, Leandro. Segurança e Democracia: a atuação do Brasil no Haiti. Trabalho apresentado no Lasa's XXVII International Congress. San Juan, março, 2006. Disponível em:http://64.233.169.104/search?q=cache:V38XyQ4qJnIJ:www.resdal.org/producciones-miembros/art-mathias-lasamar06.pdf+mathias+pepe&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=1&gl=br . Acesso em: 10 de fevereiro de 2008.p.12-13
71
O governo dos Estados Unidos, por exemplo, tem oferecido
limitados recursos para as funções policiais. As Forças Armadas americanas têm
prevalecido como principal instrumento de seu governo para as operações de paz,
o que acarreta aos mesmos certas funções de policiamento, como aconteceu nos
casos do Panamá, Somália e Haiti66. Segundo Sismanidi, os policemakers do
Departamento de Defesa americano estão conscientes da crescente importância
dada à segurança pública, mas têm obtido limitado apoio político doméstico neste
sentido. Além disso, os próprios líderes militares têm feito pouca objeção à adoção
de funções de segurança pública, particularmente aquelas referentes ao
monitoramento, pelas forças militares.
Observando os dados do Departamento de Operações de
Manutenção da Paz, percebemos que o número de policiais empregados nas
missões de 1996 a 2006 aumentou de 1139 para 8695. Enquanto que o número
de combatentes militares variou de 26251 para 69146.67 Isso nos mostra que
embora ambos os contingentes policiais e militares tenham aumentado e que o
número de militares seja ainda bastante superior, o aumento proporcional de
policiais foi maior do que o de combatentes militares, o que denota a importância
crescente deste segmento em uma operação de paz.
Esse aumento de importância não foi acompanhado por um
comprometimento de forças policiais por parte dos Estados Membros, o que
66 SISMANIDIS, Roxane D. V. Police Functions in Peace Operations: Report from a workshop organized by the United States Institute of Peace. Peaceworks nº14, 1997. Disponível em: http://www.usip.org/pubs/peaceworks/pwks14.html . Acesso em 10 de fevereiro de 2008.p.467 Dados obtidos no site do Departamento de Operações de Manutenção da Paz da ONU. Disponível em http://www.un.org/Depts/dpko/dpko/contributors/ . Acesso em 29 de janeiro de 2007.
72
prejudica o pleno exercício das tarefas incumbidas aos militares envolvidos com a
segurança pública.
Tais exemplos mostram apenas alguns dos inúmeros desafios
enfrentados pelas missões de paz de modo geral. Ressaltando que a intensa
participação da ONU em tais conflitos, embora seja necessária, carece ainda de
efetividade para o sucesso de suas ações. Por fim, destaca-se que existe uma
responsabilidade crescente da comunidade internacional em tais tipos de
intervenções, em especial aquelas relacionadas aos Direitos Humanos. Não
obstante, estas ainda dependem dos recursos oferecidos pelos Estados membros
e da elucidação de diversas outras importantes questões referentes à legitimidade
das Nações Unidas em intervirem em crises domésticas, assumindo o controle da
administração, economia e força em tais locais.
73
CAPÍTULO 2:
O Sistema de Assistência Humanitária
As intervenções humanitárias, maciçamente autorizadas a
partir do fim do conflito bipolar “podem ser consideradas como uma tentativa de
tornar mais eficiente a assistência humanitária aos não-combatentes atingidos
pela eclosão de conflitos étnicos e nacionais ao redor do globo.” 68 Embora o
argumento humanitário tenha ganhado grande visibilidade somente com o início
da década de 90, a humanidade está e sempre esteve sujeita a situações que
provocam emergências humanitárias.
Essas emergências ou crises humanitárias são marcadas
pelas graves condições em que se inserem as populações afetadas, os níveis de
violência atingem altos patamares, provocando a morte e o deslocamento forçado
de milhares de pessoas residentes nestas regiões. Em tais situações a assistência
humanitária em larga escala é necessária, muito embora a segurança até mesmo
dos agentes humanitários seja arriscada.
A assistência humanitária consiste em prover o auxílio a essas
populações quando seus Estados não se encontram em condições de fazê-lo. A
68 RODRÍGUES, Simone Martins. Segurança Internacional e Direitos Humanos: a prática da Intervenção Humanitária no Pós Guerra Fria. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2000. p.79.
74
ausência de um órgão centralizador desses esforços provocou a sobreposição de
ações desempenhadas pelas diversas organizações envolvidas neste auxílio,
destacadamente as organizações não governamentais e agências especializadas
da ONU.
Nesse contexto, no início dos anos 90 as Nações Unidas
aumentam os esforços nessa área, buscando a criação de um sistema organizado
para a provisão dessa assistência e evitando que os esforços das organizações
envolvidas fossem sobrepostos.
2.1 Origens, princípios e estrutura de funcionamento
ARTIGO 1 - Os propósitos das Nações unidas são: (...) 3. Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião;(...)69
Observando a citação acima presente no artigo primeiro da
Carta das Nações Unidas, é de se notar a presença ainda que vaga e incipiente
do objetivo em promover o auxílio humanitário. Naquela época embora constasse
no documento a necessidade de promover o socorro humanitário àqueles que dele
necessitassem, nada foi feito de mais concreto em prol desta meta.
69 ORANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Carta das Nações Unidas. São Francisco, 1945. Disponível em: http://www.onu-brasil.org.br/documentos_carta.php . Último acesso em 05 de janeiro de 2008.
75
Ao longo de sua existência a organização passou a incorporar
paulatinamente mecanismos de ajuda a vítimas de desastres, especialmente de
origens naturais, a suas práticas. Essa ajuda, todavia, apresentava-se tardiamente
e era pouco eficiente, e somente em 1971, foi criado o primeiro organismo
especializado nesta matéria, a Organização das Nações Unidas para o Socorro a
Desastres (United Nations Disaster Relief Organization - UNDRO).70
A UNDRO direcionava seus esforços principalmente a vítimas
de desastres naturais e, nesse sentido, o papel de auxiliar as vítimas de desastres
provocados pelo homem era incumbido a outras organizações especializadas da
ONU como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento(PNUD), o
Fundo das Nações Unidas para a infância (UNICEF), o Alto Comissariado das
Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), o Programa Mundial de Alimentos
(PMA), a Organização de Alimentação e Agricultura (FAO) e a Organização
Mundial de Saúde (OMS). Essas agências trabalhavam simultaneamente para
aliviar o sofrimento dessas populações sem que houvesse um órgão que
coordenasse todos estes esforços. Assim, as ações acabavam se sobrepondo, os
orçamentos eram concorrentes, e os recursos obtidos para o auxílio a essas
regiões eram, muitas vezes, desperdiçados.
Com o fim da Guerra Fria, aquartelava-se também o sistema
de tutela de territórios coloniais e o sistema de Estados satélites auxiliados pelas
duas superpotências Estados Unidos e União Soviética. Estes Estados, muitos
70 MARCOS, Francisco Rey. El sistema Internacional de respuesta a los desastres: limitaciones y tendencias. Madrid: Cuadernos del IECAH, junho 2005, p.21.
76
dos quais recém formados, não eram capazes de evitar a eclosão de graves
conflitos civis nem de prover a assistência necessária às vítimas de tais conflitos,
tendo evitado o inicio das hostilidades até então graças aos sistemas de suporte
vigentes no período bipolar.
Diante dessa situação, diversas crises humanitárias,
provenientes especialmente de conflitos civis, eclodem no globo e as ações da
ONU em prol deste auxílio tornam-se cada vez mais constantes. Já em 1981, a
ONU divulga o documento “Uma nova ordem humanitária internacional”,71 no qual
os Estados membros, reunidos na Assembléia Geral, reconhecem a necessidade
de se fortalecer a ação internacional que combata os problemas humanitários
cada vez mais graves, além de conclamar a organização a ajustar as atividades
das outras organizações intergovernamentais (OIGs) e não governamentais
(ONGs) envolvidas nesse auxílio.
Este foi o primeiro de uma série de documentos divulgados
quase anualmente pela organização e que têm o mesmo nome. Neste primeiro, a
importância do aperfeiçoamento dos atuais mecanismos existentes no âmbito
humanitário e a necessidade de ocupar-se com os aspectos que não tenham sido
adequadamente tratados são reconhecidos.
Dessa forma, a fim de discutir tais aspectos, o documento
divulgado em 198272 insta a formação de uma Comissão Independente sobre
71 A/RES/36/136. Disponível em: http://daccess-ods.un.org/TMP/2557518.html . Acesso em: 22 de agosto de 2007.72 A/RES/37/201. Disponível em: http://daccessdds.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/434/41/IMG/NR043441.pdf?OpenElement . Acesso em 22 de agosto de 2007.
77
questões Humanitárias Internacionais. Essa comissão é criada em julho de 1983 e
é então incumbida de escrever um amplo relatório sobre o assunto a ser divulgado
no quadragésimo período de sessões. Como resultado deste informe, em 1987, é
criado o Escritório Independente de Questões Humanitárias, que tinha como
objetivo auxiliar os trabalhos da Comissão independente divulgando a questão
humanitária e pedindo aos governos que emitissem seus pareceres acerca do
assunto.
Percebemos aqui que há um esforço da organização em
consultar os diversos atores envolvidos com a ação humanitária, notadamente as
ONGs e os próprios Estados, a fim de se estabelecer uma ação comum e
coordenada evitando a sobreposição de ações.
Esses esforços resultam em diversas resoluções aprovadas
pela Assembléia Geral que já incorporavam a terminologia humanitária e
atentavam para a necessidade de liderança das Nações Unidas nestas funções.73
Dentre estas resoluções, destacamos a 46/182 “Fortalecimento da Coordenação
em Assistência Humanitária de emergência do sistema das Nações Unidas”74.
Este documento apresenta-se como importante referência em matéria de
assistência humanitária na medida em que é o primeiro emitido pela ONU no qual
73 Além do documento já mencionado “Uma nova ordem humanitária internacional”, foram também divulgados diversos outros documentos como “Promoção da Cooperação internacional em esfera humanitária”, divulgados em 1987 e 1988; e “Fortalecimento da Coordenação da assistência humanitária de emergência do sistema das Nações Unidas”, divulgados em 1991, 1997, 1998, 1999, 2000 e 2001. Todos disponíveis no centro de documentação da organização: http://www.un.org/spanish/documents/resga.htm . Acesso em 25 de julho de 2007.74 A/RES/46/182. Disponível em: http://daccessdds.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/589/36/IMG/NR058936.pdf?OpenElement . Acesso em: 05 de setembro de 2007.
78
são descritos os princípios e as formas de atuação da então organização na
esfera humanitária.
O sistema das Nações Unidas necessita ser adaptado e consolidado de modo a resolver os desafios presentes e futuros de maneira efetiva e coerente. Deve ser oferecido com recursos a se ajustarem com necessidades futuras. A falta desses recursos tem sido um dos maiores limitadores na efetividade de resposta das Nações Unidas a emergências. 75
O referido documento postula doze princípios considerados
essenciais para a provisão de assistência humanitária, são eles:
1) A assistência humanitária é de suma importância àqueles que são
vítimas de desastres naturais e outras emergências;
2) A assistência humanitária deve ser realizada de acordo com os
princípios de humanidade, neutralidade e imparcialidade. O princípio
de humanidade refere-se ao fato de que o sofrimento humano deve
ser remediado e que a dignidade e direitos de todas as vítimas
devem ser respeitados e protegidos. A imparcialidade leva em conta
o fato de que a assistência humanitária deve ser provida sem
qualquer discriminação, seja de gênero, nacionalidade, opiniões
políticas, raça ou religião. O auxílio a indivíduos deve, então ser
guiado somente por suas necessidades mais urgentes. Finalmente
relativamente à neutralidade, diz-se que a assistência humanitária
deve ser provida sem o engajamento com as partes envolvidas no
75 ibdem
79
conflito ou em controvérsias de natureza política, religiosa ou
ideológica.
3) O respeito à soberania e a integridade territorial, necessitando-se
para tanto do consentimento do país afetado 76;
4) O Estado é a entidade primeira responsável pelo provimento de
assistência humanitária, cabendo a ele, portanto, a iniciativa, a
organização, a coordenação e a implementação de assistência
humanitária;
5) Na incapacidade do Estado em prover essa assistência, a mesma
deve ser realizada através da cooperação internacional nos términos
das leis nacionais e internacionais;
6) Os estados afetados e incapazes de prover assistência humanitária a
suas populações devem facilitar o trabalho dessas organizações,
seja na entrega de medicamentos, alimentos ou provisão de abrigos,
etc;
7) Os Estados localizados próximos aos locais afetados são fortemente
encorajados a participar diretamente dos esforços internacionais para
o auxílio humanitário permitindo o livre trânsito desta assistência;
8) Os governos e instituições intergovernamentais devem adotar
medidas de prevenção e preparação relativamente aos desastres;
76 Postula-se que a princípio o auxílio humanitário deve ser realizado mediante apelo do país afetado e na ausência deste que seja, ao menos, obtido o consentimento.
80
9) As fases da assistência humanitária, emergência, reabilitação e
desenvolvimento (longo prazo), devem ser cumpridas em sua
totalidade;
10) O crescimento econômico e desenvolvimento sustentável são
importantes elementos para lograr-se a prevenção e a preparação
relativamente a esses desastres e emergências;
11) As contribuições à assistência humanitária devem ser realizadas
mediante os recursos disponíveis que visem a cooperação
internacional para o desenvolvimento;
12) Cabe às Nações Unidas o papel de liderança e coordenação dos
esforços em prover assistência humanitária àqueles que dela
necessitem.
De modo geral, os princípios da assistência humanitária
conclamam o respeito à soberania do Estado na medida que exige a neutralidade,
a imparcialidade, o consentimento e o apoio explícito do país afetado. Esses
princípios, com a incorporação da força como novo elemento para a provisão
desta assistência através das intervenções humanitárias, acabam se diluindo e
constituindo-se em graves críticas às intervenções estabelecidas pela ONU na
década de 90, conforme veremos mais adiante.
O referido documento faz alusão ainda às capacidades de
prevenção, preparação e coordenação da ação humanitária. Relativamente à
81
prevenção, é ressaltada a necessidade de se estabelecer estratégias para a
prevenção e mitigação de desastres, especialmente através da cooperação
internacional e troca de informações. Neste sentido, a fase de preparação
incorporaria medidas nacionais e internacionais a fim de aumentar a capacidade
dos países em desenvolvimento de mitigar desastres de maneira rápida e efetiva e
para fazer frente a todas as situações de emergência.
Para a efetivação desta fase, o documento atenta para a
necessidade de um sistema de pronto alerta, no qual estariam disponíveis
diversas informações a respeito das possíveis zonas afetadas. Os agentes
humanitários e especialmente os governos das regiões afetadas teriam acesso
irrestrito a estas informações. Dessa forma, o fortalecimento das capacidades
desses países em receber, utilizar e difundir essa informação é imprescindível.
Além disso, pensou-se também na criação de um mecanismo
central de financiamento complementar ao fundo de emergência. Este mecanismo
seria necessário para o financiamento de contingentes com o fim de reforçar a
capacidade operacional das Nações Unidas.
Por fim, destacamos que em relação à capacidade de
coordenação o documento infere que a coordenação da ajuda humanitária é de
responsabilidade do Secretário Geral :
A liderança do Secretário Geral é decisiva e deverá ser fortalecida a fim de se lograr uma melhor preparação para casos de desastres e outras situações de emergência, bem como para coordenar uma reação rápida e coerente. Para este intuito, deve-se prestar apoio às medidas de prevenção e preparação, criando-se assim, um comitê permanente entre organismos, um sistema de chamadas
82
unificadas, um fundo renovável central para casos de emergência e um registro das capacidades de contingentes. 77
Essa capacidade de coordenação seria então incumbida a
outro organismo especializado da ONU e sob a coordenação de um Secretário
adjunto de assuntos humanitários nomeado pelo Secretário Geral.
Assim, até a década de 90 não havia um sistema coordenado
de assistência humanitária nas Nações Unidas. Tanto a Comissão Independente
como o Escritório Independente de Assuntos Humanitários acabaram acumulando
funções mais analíticas e informativas, e pouco coordenativa. Na verdade ambos
os organismos foram criados a fim de se criar um sistema coordenado de ajuda
humanitária através da análise das situações correntes e dos pareceres dos
principais agentes humanitários.
Confrontada com novos conflitos e com os altos custos humanos e financeiros dos desastres naturais, as Nações Unidas estão se engajando em duas frentes. De um lado, tem procurado prover alívio imediato às vítimas, prioritariamente através de suas agencias operacionais; por outro lado, tem procurado estratégias mais efetivas para a prevenção do surgimento de emergências. 78
Com a definição dos princípios que regem a assistência
humanitária em 1991, e com a constante eclosão de conflitos civis e desastres
77 A/RES/46/182. Disponível em: http://daccessdds.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/589/36/IMG/NR058936.pdf?OpenElement . Acesso em: 05 de setembro de 2007.78 Do original: “Confronted with renewed conflict and the escalating human and financial costs of natural disasters, the United Nations has been engage on two fronts. On one hand, it has sought to bring immediate relief to the victims; primarily through its operational agencies; on the other hand it has sought more effective strategies to prevent emergencies from arising in the first place”. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2004, p. 253)
83
naturais, a necessidade por um sistema mais eficaz de assistência humanitária
intensificou-se. No mesmo ano foi estabelecido o Comitê Interinstitucional
Permanente, formado por algumas agências especializadas da ONU para provisão
de assistência humanitária.
Para o gerenciamento deste comitê foi criado o cargo de
Coordenador de Socorro de Emergência das Nações Unidas ou Secretário Geral
Adjunto de Assuntos Humanitários atuando como principal assessor político e
coordenador de questões humanitárias.
O Comitê Interinstitucional Permanente (Inter Agency Standby
Comittee - IASC) reúne as principais agencias humanitárias dentro e fora do
sistema da ONU: Alto Comissariado Das Nações Unidas para os Refugiados;
Programa Mundial de Alimentos; Fundo das Nações Unidas para a Criança;
Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação; Organização
Mundial da Saúde; Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento; Fundo
das Nações Unidas para as Populações; Banco Mundial; Alto Comissariado dos
Direitos Humanos; as principais organizações humanitárias intergovernamentais
como a International Organization for Imigration, a Cruz Vermelha, a Federação
Internacional da Cruz Vermelha e as Sociedades do Crescente Vermelho; o
representante do secretário Geral para deslocados internos; e três consórcios
internacionais de organizações não governamentais: Inter Action, International
Council of Voluntary Agencies e o Steering Comitee for Humanitarian Response.
84
O referido comitê formula respostas para todo o sistema ante
ao aparecimento de emergências concretas, determinando as prioridades e
reforçando a capacidade de apoio dos próprios países. Além disso, também atua
em outros aspectos da emergência como a retirada de minas, a assistência a
deslocados internos e refugiados, desmobilização de antigos combatentes, etc.79
Em 1992, com a demanda por uma organização central dos
esforços humanitários foi criado o Departamento para Assuntos Humanitários
(DHA), que posteriormente, em 1998 foi convertido no Escritório de Coordenação
de Assuntos Humanitários (OCHA), para enfatizar ainda mais o papel de
coordenação nas emergências e crises. O DHA era responsável por liderar e
coordenar respostas rápidas a crises humanitárias. Seu mandato focava-se no
funcionamento de um efetivo sistema de pronto-alerta, prevenção e preparação,
bem como pela transição da fase de alívio imediato, para desenvolvimento.
Apesar disso, o departamento enfrentou uma série de dificuldades, dentre as
quais destacamos a ambigüidade de seus princípios, além de não ter logrado a
finalização de sobreposição de funções entre os organismos onusianos
diretamente envolvidos com a assistência humanitária. Outro aspecto importante,
e que contribuiu para a substituição do órgão pelo OCHA, relaciona-se à questão
financeira, uma vez que o orçamento do DHA competia com o de cada uma das
agência especializadas, dado que suas fontes de recursos eram as mesmas e
estavam sob o controle diret do Secretário Geral.
79 Informações disponíveis em: http://www.un.org/spanish/ha/moreha.htm . Acesso em: 25 de junho de 2007.
85
2.2 O Escritório das Nações Unidas para Assuntos Humanitários80
Fonte: Escritório das Nações Unidas para Assuntos Humanitário. Disponível em:
www.reliefweb.int/library/documents/ocha__orientation__handbook_on__.htm .
Acesso em: 17 de fevereiro de 2008.
O principal papel do OCHA é, portanto, dirigir as atividades da
organização buscando uma resposta rápida aos desastres naturais e tecnológicos
80As informações acerca do funcionamento do OCHA foram retiradas do documento: ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. OCHA's Orientation Handbook on Complex Emergencies. Disponível em:
http://www.reliefweb.int/library/documents/ocha__orientation__handbook_on__.htm . Acesso em: 17 de fevereiro de 2008.
86
e às crises humanitárias resultantes de conflitos no interior dos Estados ou entre
eles. As funções coordenativas foram ampliadas parcialmente pela transferência
de funções operacionais, como a desativação de minas terrestres, a outras
entidades no interior do sistema ONU. Outras questões como a proteção a
deslocados internos e a defesa às questões humanitárias foram inclusas às
principais funções do órgão. Dessa forma, o Escritório é incumbido da
planificação, coordenação, logística, diplomacia e capacitação de recursos para a
assistência humanitária.
Como uma organização não operacional, o OCHA é
considerado mais imparcial e mais objetivo que as agências operacionais que se
concentram nos assuntos relacionados a sua própria área de atuação. Além disso
o OCHA mantém fortes relações com os componentes político, de direitos
humanos e de manutenção da paz das Nações Unidas, buscando uma abordagem
integrada das emergências complexas, desde a fase de alívio imediato, à
construção da paz e desenvolvimento a longo prazo.
Seguindo as orientações do documento divulgado em 1991,
“Fortalecimento da Coordenação em Assistência Humanitária de emergência do
sistema das Nações Unidas”, o OCHA dá grande importância ao processo de
desenvolvimento e restauração. O auxílio humanitário teria, portanto, três fases.
Uma primeira conhecida como “de emergência” ou “emergencial”, que é a
assistência humanitária tradicionalmente conhecida e que consiste no auxílio
imediato das populações afetadas mediante entrega de alimentos, medicamentos,
87
criação de abrigos etc. A segunda fase, também chamada de “reabilitação” refere-
se à tentativa de reestruturação da infra-estrutura básica da região afetada,
privilegiando os setores econômico, social, de saúde e saneamento e finalmente,
político. A terceira e última fase, a qual chamamos de “desenvolvimento” busca a
inserção desta região em um processo de desenvolvimento econômico e social
sustentável. Essas duas últimas fases contam com a participação de empresas
interessadas na reconstrução do país, como empreiteiras e indústrias, além, é
claro de técnicos, engenheiros, professores, médicos, advogados, dentre outros
profissionais, que ali se estabelecem mediante trabalho voluntariado ou contratado
sob a coordenação do OCHA.
Conforme observamos, pois, paulatinamente são incorporadas
ao sistema de assistência humanitária das Nações Unidas questões outras que
divergem do tradicional socorro humanitário prestado principalmente pelas
organizações não governamentais e agências especializadas da ONU 81
O OCHA desempenha, então três funções principais:
1) Coordenação de respostas a emergências humanitárias: A
coordenação no campo é encarregada ao coordenador humanitário, responsável
81Assistência humanitária clássica, segundo define Victor Currea-Lugo é baseada no direito humanitário internacional e tem como principal representante o comitê internacional da Cruz Vermelha. Essa ajuda humanitária clássica estaria vigente até fins dos anos 80, quando é substituída pelo chamado “Novo humanitarismo”, vigente durante a década de 90 e que enfatiza o papel dos direitos humanos. Nesta fase observa-se a transição da teoria das necessidades para a concepção dos direitos e podemos ilustra-la através das intervenções humanitárias autorizadas nessa década. Por fim, destacamos a terceira fase denominada “Instrumentalização do humanitário”, que se acentua no período posterior ao 11 de setembro de 2001. Neste caso o direito tem finalidade instrumental será acionado conforme a vontade política do Estado interventor. Aqui destacamos também o intenso uso das forças armadas nas tarefas humanitárias e a percepção da ajuda humanitária enquanto instrumento da política exterior de um dado país. ( LUGO-CURRE, 2005, p.50)
88
pela liderança dos times de cada Estado membro da ONU. Quando apropriado,
Unidades de Coordenação em Campo (Field Coordination Units) podem ser
estabelecidas para cooperar com o coordenador. Nesses casos, o chefe do OCHA
acumula duas funções: uma enquanto Secretário Geral para Assuntos
Humanitários (Secretary-General for Humanitarian Affairs), que atua como
principal conselheiro do Secretário Geral para assuntos humanitários, e como
Organizador do Comitê Executivo para Assuntos Humanitários (Convener of the
Executive Committee for Humanitarian Affairs)82; e a outra como Coordenador de
Socorro de Emergência, chefiando o Comitê Permanente Interinstitucional, que
engloba os principais agentes humanitários dentro e fora do sistema ONU e que
se constituiu enquanto principal fórum para alcançar o consenso relativamente à
coordenação da resposta humanitária internacional a emergências.
2) Políticas de desenvolvimento e coordenação: O OCHA procura
assegurar que políticas apropriadas sejam adotadas em cada emergência ou
desastre, de acordo com a situação específica do contexto em que se inserem e
levando em consideração as questões preeminentes ali presentes. Por exemplo: a
existência de deslocados internos, abuso de direitos humanos, etc.
3) Defesa em questões humanitárias: Levando em consideração o
fato de que o desrespeito aos princípios humanitários é recorrente, o OCHA
também é responsável por divulgar os princípios e objetivos humanitários em
emergências complexas. Essa divulgação é feita através da elaboração de
82 Este é responsável por prover um fórum para a comunidade humanitária e para os departamentos político e de manutenção da paz do Secretariado da ONU dividirem perspectivas acerca de crises humanitárias e assuntos afins.
89
relatório acerca das questões humanitárias (como sanções, refugiados,
deslocados internos, direitos humanos, etc), bem como através de plataformas de
informação como web sites e e-mails eletrônicos.
Os princípios que regem as ações do órgão são basicamente
os princípios fundamentais que regem a assistência humanitária descritos no
documento 146/ 182, acrescidos do arcabouço do direito humanitário, formado
pelas Convenções de Genebra para a proteção dos feridos de guerra (1864), dos
náufragos (1906), dos feridos e prisioneiros de guerra (1929), dos feridos,
náufragos, prisioneiros e civis (1949), além dos dois protocolos datados de 1977 ,
que enumeram as formas de proteção às vitimas de conflitos armados
internacionais (Protocolo I) e às vítimas de conflitos armados não internacionais
(Protocolo II).
A alusão aos conflitos internos se deve ao fato de que têm
repercussões internacionais, além de não se limitarem aos limites de suas
fronteiras nacionais. No entanto a definição de um conflito interno como
internacional não é automática e depende de algumas condições, a saber:
1. O conflito tem que envolver o Estado e suas forças armadas em seu
território. Operações militares que envolvam grupos não estatais não estão
cobertas pelo Protocolo II.
2. Os grupos armados envolvidos no conflito devem estar organizados sob o
comando de um responsável. No caso dos conflitos internos a identificação
90
de cada uma dessas partes e comando responsável é bastante difícil, já
que muitas vezes podem envolver um grande número de grupos, que não
usam uniformes ou qualquer outro elemento que possa identificá-los.
3. O grupo armado envolvido deve, necessariamente, exercer o controle sobre
parte do território do Estado. Neste caso, seria pouco provável que os
Estados reconhecessem que perderam o controle de seu território.
Assim, percebemos que as atuais normas que regem o Direito
Humanitário e as atividades do OCHA esbarram na questão dos conflitos internos
e as dificuldades advindas dessa caracterização, que conta com alta participação
da população civil, tornando difícil a distinção entre combatentes e não
combatentes. Nesses casos a população civil deixa de ser vítima acidental para
tornar-se alvo e as atividades do OCHA são limitadas em função da dificuldade em
se estabelecer um ambiente seguro para o desenvolvimento dos trabalhos do
órgão.
O OCHA tem duas sedes, uma em Nova York e outra em
Genebra. As duas sedes refletem os dois principais aspectos da ação humanitária,
quais sejam, o suporte a ações em campo e a consulta e negociação com
agências operacionais, sediado em Genebra; e a interação entre a questão
humanitária e as questões políticas e de manutenção da paz, com sede em Nova
York. A separação de funções entre as sedes implica que as funções gerais de
coordenação do auxílio humanitário a emergências, desde a captação de fundos
91
ao monitoramento dessas emergências é designado à Nova York, enquanto que a
coordenação das funções relacionadas a ações em campo ocorre a partir de
Genebra.
92
Fonte: Escritório das Nações Unidas para Assuntos Humanitários . Disponível
em:http://ochaonline.un.org/AboutOCHA/Organigramme/tabid/1153/Default.aspx .
Acesso em: 14 de fevereiro de 2008
A ação do OCHA tem início quando a necessidade de
assistência excede significantemente a capacidade de prover assistência por parte
da comunidade humanitária (formada pela população afetada e pelas agências de
ajuda humanitária) já engajada nessas situações. Suas ações incluem, pois, as
seguintes atividades:
1) Pronto alerta (Early Warning): essa função é desempenhada pela
Unidade de Análise de Informações (Information Analysis Unit), formada por
diversas agências da ONU - como o OCHA, ACNUR, PMA, UNICEF, FAO, Alto
Comissariado de Direitos Humanos, etc - que analisam as situações em países
potencialmente críticos, procurando prevenir e mitigar conflitos.
2) Planificação de Contingência (Contingency Planning/ Forward
Planning): A Unidade de Análise de informação, juntamente com o Agência de
Coordenação de Emergências (Emergency Liason Branch - ELB) e Agência de
Resposta a Emergências Complexas (Complex Emergency Response Branch -
CERB) organiza o plano de contingência e as ações preparativas para o
Coordenador Residente das Nações Unidas (UN Resident Coordinator) e agência
em campo. Alguns exemplos dos componentes desse trabalho incluem:
93
desenvolvimento de cenários de planificação interinstitucional e divisão do
trabalho antes do estabelecimento em campo, bem como identificação e
posicionamento de itens permanentes de socorro (standby relief items).
3) Situação interinstitucional / acesso de necessidades (Inter-
agency situation/ needs assessment ): quando uma crise humanitária apresenta-
se iminente, a Comissão Interinstitucional organiza o acesso da missão ao local,
além de definir as necessidades humanitárias e regiões apropriadas para
posicionamento dos mecanismos de coordenação em campo. Essas missões de
acesso envolvem as agências da ONU, tais como o Alto Comissariado das
Nações Unidas para Direitos Humanos, PMA e UNICEF, além de Organizações
não-governamentais envolvidas com a questão humanitária.
4) Mecanismo de coordenação em campo (Field coordination
mechanism): estes dependem das circunstâncias particulares de cada emergência
complexa. O Comitê Interinstitucional é o responsável pelas decisões acerca dos
melhores mecanismos de coordenação baseando-se caso a caso. Algumas
opções incluem:
Coordenador Residente como coordenador Humanitário (Resident
Coordinator as Humanitarian Coordinator): é incumbido da coordenação
nos casos mais graves de emergências humanitárias. Sua função principal
94
é facilitar e assegurar uma provisão rápida e efetiva de assistência
humanitária aos seriamente afetados na emergência complexa.
Agência Líde r (Lead Agency): designada pelo Comitê Interinstitucional para
assumir as responsabilidades de coordenação em conjunto com os
mecanismos de suporte operacional. A agência designada como líder será
aquela cuja especialidade está intimamente ligada às maiores
necessidades da emergência em questão.
Coordenador Humanitário (Humanitarian Coordinator): apontado para
exercer essa função quando não há condições para o coordenador
residente ou agência líder exercer a responsabilidade de coordenação. No
entanto, assim que a situação permitir, busca-se atribuir à mesma pessoa
as funções de coordenador residente e humanitário. Para auxílio dessa
coordenação, nos três casos, são designadas Unidades de Coordenação
em Campo que desempenham importante papel no estabelecimento de um
programa comum entre os agentes humanitários presentes.
5) Mobilização de Recursos (Resource mobilization) : é sabido que
para uma resposta humanitária efetiva são necessários recursos abundantes. O
aumento de crises humanitárias no sistema internacional não tem sido
acompanhado de um aumento correspondente na disponibilidade de recursos. Por
95
essa razão, as ferramentas de obtenção de recursos têm sido melhoradas e
desenvolvidas em conjunto com programas de resposta de emergências
humanitárias. Para situações específicas de emergência complexa, a principal
forma de atuação do OCHA é através do Sistema de Chamadas Unificadas
(Consolidation Appeal Process – CAP), uma espécie de mecanismo central de
financiamento lançado pelo Coordenador de Socorro de Emergência das Nações
Unidas, e, em menor escala pelo Fundo Central de Emergência (Central
Emergency Revolving Fund – CERF), acionado para que o auxílio humanitário
chegue nas primeiras vinte e quatro horas quando da incidência de uma crise
humanitária.
1)CAP: é considerado também a principal ferramenta para o financiamento
dos requisitos próprios do OCHA, que além do orçamento regular, tem requisitos
extra-orçamentários. O CAP é o sistema utilizado para obtenção e monitoramento
de fundos para as organizações humanitárias. Sua responsabilidade é incumbida
ao CERB na sede e ao Coordenador Humanitário em campo. Sem o sistema, as
agências especializadas da ONU e outras organizações não governamentais que
trabalham em conjunto com a organização lançavam cada uma suas próprias
chamadas o que provocava a concorrência entre elas. O CAP define o orçamento
que deve ser recebido por cada agência para uma dada emergência através do
Plano de Ação Humanitário Comum (Common Humanitarian Action Plan - CHAP),
criado em 1999.
96
O papel do CHAP é estabelecer um programa coordenado de
intervenções baseado em uma estratégia consensual para objetivos
compartilhados. Essa estratégia é criada através da análise comum das questões
políticas, econômicas e de segurança do programa humanitário, além da análise
de possíveis necessidade humanitárias futuras e da atual capacidade de resposta
da comunidade humanitária. Esse plano estratégico engloba, além disso, todas as
atividades de socorro, desde o alívio imediato à reconstrução, reabilitação e
desenvolvimento. Para tanto, torna-se essencial a priorização das necessidades
humanitárias essenciais para o processo de chamada unificada.
CERF: é um mecanismo de circulação de capital cuja responsabilidade é
incumbida ao Coordenador de Socorro Imediato administrado a partir da sede em
Nova York. Sua finalidade é estabelecer uma resposta imediata às emergências,
assim que eclodem. Em alguns casos menos comuns pode ser usado
posteriormente para auxiliar na efetividade do auxílio na falta de recursos. Esse
mecanismo é usado, principalmente pelas agências operacionais das Nações
Unidas, porém pode ser acionado em casos especiais, como o supracitado.
6) Pós emergência (Post-emergence): Essa fase compreende
dois momentos distintos, o de reabilitação, imediatamente posterior ao conflito e o
de desenvolvimento, quando acredita-se que esta dada região está pronta para
reintegrar-se às relações internacionais. Estes dois momentos são difíceis de
determinar uma vez que não há a passagem direta de uma fase para outra, elas
97
muitas vezes coexistem em um mesmo Estado. Enquanto algumas regiões ainda
estão em conflito, outras passam pelo processo de reabilitação e outras ainda já
se encontram em condições de se inserirem no processo de desenvolvimento a
longo prazo. Nestes casos, outras agências gerenciam e coordenam esse
processo, como Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e o Banco
Mundial. Ao OCHA cabe o monitoramento de futuras necessidades humanitárias
através do Coordenador Residente das Nações Unidas em campo (UN Resident
Coordinator in-country).
Conforme pudemos então perceber, o sistema das Nações
Unidas de assistência humanitária tem se desenvolvido ao longo dos anos a fim
de ajustar-se aos novos desafios da ordem internacional. Todavia a prestação
desse auxílio humanitário representa também um grande desafio de segurança
tanto para os agentes humanitários como para a população e governos locais
afetados. O OCHA possui unidades para segurança do pessoal alocado em
campo, porém estas equipes não são responsáveis pelo fim do conflito e
estabelecimento da paz na região. Essa função, como vimos no capítulo anterior é
incumbida as missões de paz estabelecidas a partir do Conselho de Segurança.
Essas missões são mais limitadas em número e são
geralmente iniciadas quando os esforços de assistência humanitária já estão no
local. Este atraso se dá justamente em razão tanto da demora em se lograr a
98
autorização do Conselho, como do tempo necessário para deslocamento das
tropas, obtenção de armas e apoio logístico para o estabelecimento da missão.
As missões estabelecidas sem o consentimento das partes
envolvidas e que têm como objetivo o auxílio humanitário são as chamadas
intervenções humanitárias, objeto de estudo dessa obra. Nesses casos as forças
de paz da ONU têm importante papel para estabelecimento de um local seguro
para a provisão de assistência humanitária e para o suporte logístico, tanto
através do compartilhamento de informações como do fornecimento de
equipamentos para transporte, como caminhões e aviões.
As medidas necessárias para o cumprimento destas funções
foram descritas com particularidade no primeiro capítulo desta obra e incluem
ações tais como: desarmamento das partes, conciliação de grupos conflitantes e,
posteriormente a reconstrução das estruturas básicas de funcionamento do
Estado, tais como o sistema de saneamento básico, de saúde, político, judicial e
econômico.
Umas das questões mais problemáticas nessa relação entre
dois sistemas distintos sob a bandeira da ONU é a tensão entre as operações
militares e humanitárias, em razão de suas diferenças em objetivo, papel,
responsabilidades e forma de atuação. Daí a tensão no conceito de intervenção
humanitária que envolve um termo essencialmente positivo, humanitária, a um
negativo, intervenção, em função principalmente da utilização da força e das
conseqüências advindas desse uso.
99
Em termos operacionais, uma forma encontrada para aliviar
essa tensão é o estabelecimento de Centros de Operações Civil-militares (Civil-
Military Operations Center – CMOC), formado por pessoal civil e militar que
trabalha em conjunto com o Coordenador Humanitário Residente. As Nações
Unidas têm promovido encontros de coordenação entre as equipes militares e de
assistência humanitária, de forma que questões de comum interesse possam
receber tratamento consensual de ambas partes. Em outros casos, oficiais
militares têm sido incorporados às estruturas de coordenação humanitária.
Todavia a tensão relativa aos objetivos das intervenções
humanitárias e suas conseqüências mantém-se uma das principais críticas contra
estas intervenções. Os interesses particulares dos Estados e o uso da força
poderiam culminar em intervenções que, embora utilizassem a terminologia
humanitária, estariam, na verdade imbuídas de objetivos outros que não o
estabelecimento e o suporte à assistência humanitária.
100
Parte II:
As intervenções humanitárias e
as Nações Unidas
101
Uma vez estudado o sistema ONU partimos agora para a
análise prática e conceitual das intervenções humanitárias. Tais intervenções,
enquanto tema da política mundial, vêm acompanhadas de outras questões
intrínsecas a sua conceitualização e que merecem especial atenção.
Essas questões relacionam-se principalmente às
transformações do sistema internacional e que provocaram o surgimento de certos
fatores que culminaram com o estabelecimento das intervenções humanitárias.
Destacamos três deles:
1 O surgimento dos Estados falidos e dos conflitos intra-estatais deles
resultantes, que provocam graves crises humanitárias em ambientes
extremamente criminalizados e nos quais a autoridade estatal é fraca ou
ausente.
2 A transformação conceitual e prática da segurança internacional, contribuindo
para a inclusão de novos temas não tradicionais às prerrogativas da
segurança ;
3 E, por fim, o desenvolvimento e codificação dos direitos humanos, que
contribuíram para a inclusão da violação destes como fator para ruptura da paz
e conseqüentemente autorização da força pelo Conselho de Segurança.
Por outro lado, observamos que a maior autorização de
intervenções humanitárias por parte do Conselho de Segurança, não significou a
resolução das crises humanitárias dispostas ao redor do globo. Ao contrário,
levantou graves críticas ao uso da força em território alheio.
102
Alguns conceitos presentes no estudo das intervenções
humanitárias, apresentam-se bastante ambíguos e possibilitam ampla
interpretação quando de sua consideração. Nesse contexto, damos ênfase aos
conceitos de intervenção humanitária, sujeito a severas críticas pela junção de
uma finalidade positiva, qual seja humanitária, a um meio negativo, incorporado na
noção de intervenção e o conseqüente uso da força; o de soberania, que tem sido
reinterpretado a luz dos novos elementos que caracterizam o sistema internacional
contemporâneo; e finalmente, o conceito de emergência complexa, situação
caracterizada por graves crises humanitárias e que por definição necessitaria da
intervenção de terceiros para sua resolução.
Por fim, procuramos analisar o interesse dos Estados no
estabelecimento de intervenções humanitárias e o documento “Responsabilidade
de Proteger” que figura como importante passo dado à legalização e legitimação
das intervenções humanitárias.
103
CAPÍTULO 3:
As intervenções humanitárias e os novos
temas
O Sistema Internacional centrado nos Estados nacionais
conforme concebido em Westfalia tem passado por grandes mudanças na última
década. Este sistema caracterizava-se pela existência de governos que exerciam
o controle completo de um território formalmente reconhecido pelas outras
entidades do sistema e pela população neste território residente. Neste sentido, a
soberania constituía este controle na medida que era exclusivista, ou seja,
nenhum outro Estado ou governo poderia exercer a jurisdição neste território.83
Com o fim da segunda guerra mundial duas novas
características são adicionadas a este sistema com o surgimento e formação de
diversos Estados e o desenvolvimento da cooperação interestatal que atingiu a
forma institucional. Observamos então o surgimento de organizações interestatais
criadas com base no reconhecimento da soberania e igualdade legal dos Estados.
Este novo traço é então adicionado ao anterior sistema
westfaliano uma vez que os Estados passam a entender que cada um deles
83AFRICAN STUDIES CENTRE; TRANSNATIONAL INSTITUTE; PEACE STUDIES GROUP; PEACE RESEARCH CENTRE. Failed and Collapsed States in the International System.Disponível em: http://www.tni.org/reports/failedstates.pdf . Acesso em 12/10/2007 . p. 2
104
isoladamente não seria capaz de confrontar os problemas advindos dos novos
tempos. Assim, Estados menores e mais fracos aliam-se aos mais poderosos no
âmbito dessas organizações ganhando força em suas ações internacionais
multilateralmente.
Entretanto, a premissa fundamental desta arquitetura
internacional era a de que os Estados seriam capazes de funcionar enquanto
entidades soberanas, ou seja, exercendo o controle total de pelo menos grande
parte do território e de sua população, governando de acordo com o estado de
direito, respeitando as obrigações legais internacionais, e cooperando com as
demais entidades soberanas do sistema, os outros Estados.84
Com a eclosão da Guerra Fria, tanto Estados Unidos como
União Soviética sustentavam um sistema de provisão de capacidades defensivas
aos Estados mais fracos, possibilitando que o sistema westfaliano permanecesse
com seus traços mais fundamentais, a centralização nas entidades soberana e o
respectivo controle do território.
Neste contexto, os conflitos armados entre os lados
contrapostos foram deslocados do cenário europeu para a periferia, tendência
esta que continuou com o fim do conflito, chegando mesmo a se intensificar com a
eclosão de guerras civis na década de 90.
A desintegração da União Soviética, o fim do suporte e da
busca por novos Estados clientes ou satélites, que deixam de receber a ajuda
financeira e defensiva das duas potências, além do término das chamadas tutelas 84Idem p.3
105
imperiais ocasionaram a desintegração e a formação de outros Estados.85 Muitos
desses Estados advêm de situações políticas bastante distintas das modernas
democracias ocidentais, nesses cenários, muitas vezes, etnias diversas dividem o
mesmo espaço e disputam o poder. Aparte questões étnicas, há a escassez e
mesmo a ausência de uma elite política madura nesses países, além da pobreza,
fome e subdesenvolvimento, entre outros fatores, que contribuíram para que a
saída democrática não funcionasse efetivamente nessas regiões.
O fim da confrontação bipolar assistiu, então, ao aparecimento de
guerras intra-estatais nas quais um ou mais grupos disputam o poder,
deteriorando ainda mais sua precária condição econômica e política. Os Estados,
enquanto detentores do monopólio legítimo da violência, perdem espaço para
estes novos tipos de Estados, nos quais observamos a ausência de um Estado de
direito fundado no bem estar dos cidadãos ali residentes.
3.1 Estados Falidos e colapsados: origens e definições
Estes Estados resultam de uma crise institucional, econômica
e administrativa e são conhecidos como falidos quando seu governo não
consegue exercer o controle da política interna nem prover o estado de bem estar
a sua população, e colapsados quando observamos a ausência de um governo
85 IGNATIEFF, Michael. State Failure and Nation building. IN: KEOHANE, R. O.; HOLZGREFE, J. L. Humanitarian Intervention: Ethical, Legal, and Political Dilemmas. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. p.295
106
institucionalizado de fato. São este novos Estados os principais alvos de conflitos
civis e que exigem maior atenção da comunidade internacional.
De acordo com o Relatório Failed and Collapsed States in the
International System,86 a distinção entre essas duas categorias é uma questão de
grau. No caso dos Estados Falidos, o que é central é o fato de que o aparato
estatal é incapaz de assegurar o monopólio da violência em seu território. Além
disso, destaca-se a ausência de um sistema judicial para garantir o estado de
direito e promulgar julgamentos que sejam internacionalmente considerados como
legítimos. Neste caso, tais Estados são incapazes ou não desejam cumprir com as
obrigações internacionais e, dessa forma, não conseguem prevenir várias formas
de crime organizado transnacional.
Os Estados colapsados, por sua vez, experimentam os piores
casos de desintegração política, nos quais coexistem diversos grupos paralelos
conflitantes.
Nos Estados colapsados, há a destruição total ou parcial do sistema institucional. Não há estado de direito nem um sistema democrático de freios e balanças. As elites corruptas modelam o Estado de acordo com seus interesses particulares. Na ausência do monopólio da violência, atores armados são fragmentados, dispersados e privatizados. Warlords, grupos paramilitares, guerrilhas, mercenários e assessores militares estrangeiros substituem, ao menos em parte, as forças armadas do Estado. A violência é, conseqüentemente privatizada, tornando-se a principal fonte de sobrevivência de milhares de pessoas. Como o pacto político entre cidadãos e o Estado foi danificado, uma vez que a confiança no Estado desapareceu, a solução pode ser a busca de
86AFRICAN STUDIES CENTRE; TRANSNATIONAL INSTITUTE; PEACE STUDIES GROUP; PEACE RESEARCH CENTRE. Failed and Collapsed States in the International System. Disponível em: http://www.tni.org/reports/failedstates.pdf . Acesso em 12/10/2007.
107
uma identificação quer seja nacional, étnica, ou religiosa, como meio para consolidar e organizar a sociedade contra as injustiças sociais e políticas.87
O contexto histórico, político e econômico no qual se passa o
processo de colapso e falência destes estados tem três características principais
relacionadas entre si:
1-) A primeira é o legado colonial e a construção do Estado no
período imediatamente posterior. Os Estados que se submeteram formalmente às
regras coloniais podem ser confrontados com a falta de lealdade de sua
população e assim, sua autoridade interna e poder são fracos e baseados em uma
relação de dominação e não legitimidade.
O processo de acumulação do poder centralizado nesses países consiste-se em estratégias de subordinação e assimilação, que tendem a maximizar o ressentimento dos grupos subordinados (étnicos, religiosos, etc). O resultado final tem sido uma profunda polarização, baseada na desilusão e insatisfação com o Estado por ambas as partes, o povo e as elites locais.88
O processo de construção dos Estados, por sua vez, foi
muitas vezes realizado em um tempo extremamente curto e de acordo com
87 Do original: “In collapsed states there is a partial or total destruction of the institutional system. There is no rule of law and no democratic system of checks and balances. Corrupted elites model the state according to their private group interests. With no monopoly of violence, armed actors are fragmented, dispersed and privatised. Warlords, paramilitary groups, guerrillas, mercenaries and foreign military advisors may (in part) substitute a state’s armed forces. Violence is, consequently, privatised, becoming the main source of living for tens of thousands of people. Since the political pact between citizen and state is severed, with people distrusting the state, a crucial response of social groups is to identify behind a national, linguistic, ethnic, or religious label as a way to consolidate and organize against social and political injustices.” (idem p.8)88Ibdem p.5
108
padrões internacionais previamente fixados, como a democracia, o estado de
direito, a boa governança e a economia de mercado, sem levar em consideração o
contexto político e histórico destes Estados.
2-) A segunda já foi apontada anteriormente e refere-se ao
período da Guerra Fria, no qual o conflito indireto entre Estados Unidos e União
Soviética ocasionou o congelamento de diversas lutas locais que pudessem
transformar esta confrontação em direta. Com a retirada destes países de suas
respectivas áreas de influência as forças internas rivais destes Estados passaram
a questionar a autoridade estatal que se transformou em mais uma parte no
conflito doméstico.
3-) Finalmente, a terceira é o processo de globalização, em
especial a dimensão sócio-econômica. Este processo veio acompanhado da
emergência de uma ideologia neoliberal que incita uma crescente integração de
mercados e fluxo livre de capitais. Aos Estados pobres são impostas políticas
estruturais de ajustamento que reforçam a fragilidade das funções estatais de
regulamento e das habilidades de suprir as necessidades básicas de sua
população.89
Assim, a globalização e a interdependência acabam por impor
novas regras ao jogo internacional, contribuindo para a deterioração das
89ibdem
109
condições econômicas nestes países e exportando os efeitos maléficos dos
conflitos eclodidos nestas regiões para as cercanias.
Para melhor compreensão deste processo, passemos, então à
análise deste fenômeno, a globalização, definido de forma geral por Castells90
como a aceleração do tempo histórico e das troca de informações, diminuição das
distâncias e desintegração dos mecanismos de controle social e representação
política. Para o autor, “a capacidade do Estado-Nação está comprometida de
forma decisiva pela globalização das principais atividades econômicas, pela
globalização da mídia e da comunicação eletrônica e pela globalização do
crime”91. Neste contexto, as agências estado-cêntricas funcionam através de uma
estrutura de relações entre diferentes atores que operam em um contexto
realmente global e não meramente internacional92. Desta definição infere-se que
os Estados têm divido seu espaço antes absoluto com outros atores que têm
adquirido grande importância atualmente, como as grandes empresas, as
corporações financeiras, as organizações não governamentais e movimentos
sociais transnacionais. O desenvolvimento das comunicações e dos transportes
permitiu a intensificação das trocas de informação e fluxos financeiros
transnacionais, provocando a diminuição das distâncias e do tempo.
Concomitante a este processo, observamos também o
aumento da interdependência entre os países transferindo os efeitos do local e
90 CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p.9391 Idem, p.28892 EVANS, G.; NEWNHAM, J. Dictionary of International Relations. Londres: Penguin Books, 1998. p.201
110
nacional para o âmbito internacional e vice-versa. Em termos simples, a
interdependência na política mundial refere-se a situações nas quais há efeitos
recíprocos entre os Estados e entre os atores nos diferentes Estados93. Estes
efeitos advêm da intensificação das transações internacionais e dos fluxos
financeiros, de bens, de pessoas e de informação através dos limites
internacionais após a II guerra mundial. A interdependência, todavia, não depende
somente desta interconexão, senão da mutualidade dos efeitos destas transações
aos Estados e atores envolvidos. Ou seja, somente onde há custos recíprocos,
não necessariamente simétricos, ocorre a interdependência. 94
No âmbito da segurança internacional, a interdependência em
conjunto a outros fatores como a globalização e o crime organizado internacional95
promoveu a internacionalização dos conflitos e trouxe à comunidade internacional
o debate em torno de questões antes exclusiva de governos nacionais. Estes
conflitos civis geram um efeito de spill over, ou seja, espalham os efeitos de uma
crise local para além das fronteiras nacionais, provocando, muitas vezes,
instabilidade econômica e social a outros Estados.
Neste contexto, certos atores de importância ascendente, em
especial as Organizações Não Governamentais de direitos humanos e a opinião
93 KEOHANE, R. O.; NYE, J. Power and Interdependence: World Politics in Transition. Boston: Little-Brown, 1977. P. 30894 idem, p.308-30995 “A presença de crime organizado afeta tudo, da dinâmica do conflito à motivação e ao comportamento dos atores envolvidos na implementação de um acordo de paz. Com freqüência é difícil distinguir entre grupos criminosos e as partes beligerantes, que florescem em ambientes políticos instáveis, mas não ameaçados pela restauração da autoridade pública legítima. Enfrentar esse desafio exigirá uma evolução no conhecimento da comunidade internacional do conflito que se reflete no mandato e implementação das operações de paz.” (GAIRDER, 2004, p.119)
111
pública mundial, exercem grandes pressões no âmbito das Nações Unidas e dos
governos nacionais para que medidas efetivas sejam conduzidas a fim de reduzir
os efeitos maléficos destes conflitos. Estes atores tendem a defender o “direito de
ingerência” e conclamam a necessidade da participação da comunidade
internacional na diminuição do sofrimento humano provocado pelas catástrofes
humanitárias em tais conflitos.
As intervenções humanitárias empreendidas pela ONU tem
como foco justamente estas regiões, caracterizadas por graves crises
humanitárias e cujos Estados são considerados falidos ou colapsados. Nestas
ocasiões, em que milhares de vidas correm perigo em função tanto dos
sangrentos conflitos ali estabelecidos como das precárias condições econômicas e
sociais da população civil, a comunidade internacional através de organizações
internacionais tem procurado fornecer o auxílio humanitário. Todavia a ausência
de condições mínimas de segurança para aqueles que se oferecem para prestar
esse socorro tem provocado a defesa do uso da força e o dever de ingerência, ou
seja, o dever da comunidade internacional em agir pela melhoria das condições
das populações ali residentes.
O grande problema advindo desta realidade é que os Estados
alvo, incapazes de suprir serviços básicos como justiça, saúde e educação à sua
população, tornaram-se uma característica do sistema internacional
112
contemporâneo e não um caso pontual de anormalidade no sistema interestatal
westfaliano.96
Assim, o processo de construção do Estado que era o traço
definidor do referido sistema inverteu-se e o que temos observado é uma série de
colapsos e falências estatais. As ações em prol destes Estados têm justamente
enfatizado o aspecto contrário destas crises, quais sejam a centralidade da
soberania e o fato de que após o auxílio, estes Estados voltarão ao estágio do que
é considerado normal.
Ao invés de analisar as relações em sua forma real e tratar os sistemas como se estivessem completamente formados e desenvolvidos, o discurso desenvolvimentista constitui uma linha teleológica posicionando as sociedades nele engajadas em sua extensão sem que elas estejam, necessariamente, nesse estágio. O que ocorre em seguida é que os eventos e ações são interpretados em relação ao que assume-se estes se tornarão. Essencialmente, o que é minimizado e ignorado é a possibilidade de que estejamos testemunhando a emergência de uma nova e singular dinâmica política nos assuntos internacionais, algo que encontra-se fora do esquema teleológico aceito.97
Para o Banco Mundial, por exemplo, tais Estados voltarão à
normalidade depois de um duro período de liberalização de mercado. As ONGs,
por sua vez, tendem a defender que a tal normalidade será alcançada quando a
96AFRICAN STUDIES CENTRE; TRANSNATIONAL INSTITUTE; PEACE STUDIES GROUP; PEACE RESEARCH CENTRE. Failed and Collapsed States in the International System. Disponível em: www.tni.org/reports/failedstates.pdf . Acesso em 12/10/2007 97Do original: “Instead of analysing actual relations and treating systems as if they were fully formed and completely grown, development discourse interposes an image of the teleological stage that the societies it engages with are thought to be at. It then proceeds to interpret events and actions in relation to what it is assumed they will become. Essentially, what is minimized or ignored is the possibility that we are witnessing the emergence of new and singular political dynamics in international affairs, something that lies outside the accepted teleological scheme of things.”
113
paz, o desenvolvimento e uma relação justa com os países desenvolvidos for
conquistada.
De qualquer forma, o que deve ser destacado é que nenhum
destes organismos pensou em alternativas que levassem em consideração estes
novos Estados como parte integrante do sistema e não simplesmente como crises
pontuais. Estas medidas incluem as intervenções humanitárias que se mostraram
extremamente complexas quando estabelecidas nestes Estados. Enquanto as
organizações internacionais, notadamente a ONU, destacam a centralidade da
instituição estatal, as populações ai residentes acabam por redefinir seu modo de
vida. Novas relações econômicas internas são desenvolvidas e, em conjunto,
novas formas legais e ilegais de integração ao sistema econômico mundial têm
surgido.
Muitos desses países são ricos em recursos naturais (ex. diamantes, petróleo, madeira de lei, etc) que são explorados por elites locais, warlords, e atores internacionais legais e ilegais. Redes criminais comercializam drogas, armas, diamantes e madeira de lei, operando dentro e fora destes Estados (colapsados), e utilizam alianças com líderes locais para acesso a investimentos ilegais, fraudes de capitais e lavagem de dinheiro, além de desperdiçar o superávit financeiro gerado pelas preocupações internacionais relativamente às hostilidades (desenvolvimento e ajuda humanitária). 98
98Do original: “Many of these countries are rich in natural resources (e.g. diamonds, oil, timber, etc.) exploited by local elites, warlords and international legal and illegal actors. Criminal networks trading drugs, weapons, diamonds, timber and people operate out of and within these (collapsed) states, using alliances with local leaders for the channelling of illegal investments, capital fraud and money laundering, besides creaming off the financial surplus generated by international concern with hostilities (development and humanitarian aid).”(AFRICAN STUDIES CENTRE; TRANSNATIONAL INSTITUTE; PEACE STUDIES GROUP; PEACE RESEARCH CENTRE. Failed and Collapsed States in the International System. Disponível em: http://www.tni.org/reports/failedstates.pdf . Acesso em 12/10/2007.p.9)
114
Com o vácuo de poder existente nestes Estados, várias forças
econômicas e políticas internas e externas legais ou ilegais influenciam o contexto
doméstico destes países. A população civil se vê obrigada a conviver com
atividades ilegais e acabam, muitas vezes, se envolvendo com as mesmas, seja
por motivo de sobrevivência, por segurança ou por dinheiro. A ação dos
organismos internacionais torna-se então mais difícil, já que a própria população
está envolvida nas atividades ilegais e no conflito interno, tornando a distinção
entre combatentes e não combatentes praticamente impossível.
Mesmo em condições tão complexas para agir, as Nações
Unidas optaram, durante a década de 90 por intervir militarmente em algumas
dessas crises, alegando que a violação dos direitos humanos e as crises
humanitárias assumiram grandes proporções. Como é sabido, todavia, o resultado
não foi sempre dos mais positivos. Nestes ambientes marcados por altos índices
de criminalidade observamos uma série de fenômenos recém incorporados à
pauta internacional. Estes fenômenos, embora não sejam novos, do ponto de
vista de seu surgimento, têm adquirido grande importância nas últimas décadas e,
contribuído para uma ampliação dos temas tratados pela segurança internacional.
3.2 A Segurança Internacional e as Novas Ameaças
115
O conceito de segurança é um conceito negativo do ponto de
vista definicional e designa um estado de coisas estático e não uma atividade.99
“Segurança, num sentido objetivo, mede a ausência de ameaças para obter
valores, e num sentido subjetivo, mede a ausência de temor de que tais valores
sejam atacados”100
Este conceito está, portanto, estreitamente relacionado ao
conceito de ameaças que nos parece ser “definicionalmente fundante e
operativamente anterior a qualquer proposta política ou prática de Defesa que
objetive um estado de segurança.”101 O conceito de segurança apresenta-se, pois,
inoperante do ponto de vista prático para a formulação de uma concepção
estratégica. A ameaça, por sua vez, se constitui enquanto percepção e será
avaliada por uma unidade decisória na definição das formas de atuação que
garantam a segurança dos cidadãos de uma dada sociedade.
Do ponto de vista etimológico, ‘ameaça’ deriva da palavra latina minacia. Pode significar: 1) palavra ou gesto intimidativo; 2) promessa de castigo ou malefício; 3) Prenúncio ou indício de coisa desagradável ou temível, de desgraça, de doença. Em todos os casos é algo que indica, que mostra, que anuncia ou prenuncia um dano, uma desgraça. Não é a própria desgraça ou dano, mas seu anúncio, seu indicativo, seu sinal. 102
99 SAINT-PIERRE, Héctor Luis. Reconceitualizando “ Novas Ameaças”: da subjetividade da percepção à segurança cooperativa. IN: MATHIAS, S. K.; SOARES, S. A. (orgs). Novas Ameaças: Dimensões e Perpectivas: desafios para a cooperação em defesa entre Brasil e Argentina. São Paulo: Sicurezza, 2003. p.24100 WOLFERS, Arnold. National Security as an Ambiguos Symbol. IN: WOLFERS, Arnold. Discord and Collaboration. Essays on International Politics. Baltimore: John Hopkins University PRESS, 1962. p. 150101 ibdem
116
Dito isso, inferimos que a ameaça é um conceito subjetivo, na
medida que depende da percepção dos atores. Durante a Guerra Fria, as
ameaças referiam-se aos avanços e ganhos dos blocos, ou seja, o
desenvolvimento tecnológico e bélico, a conquista de novos Estados satélites e as
alianças militares figuravam como as principais ameaças que interferiam na
segurança internacional. Aqui, a concepção de segurança internacional relaciona-
se a certas premissas clássicas, a saber: a ameaça externa aos Estados e
questões inerentes a ele além da articulação entre auto-suficiência defensiva com
dissuasão e equilíbrio de poder.
Com o fim deste período, as ameaças fundantes do sistema
internacional deram lugar a uma série de outros fenômenos que passam, então, a
serem percebidos enquanto ameaça.
Nos últimos tempos, emprega-se a expressão ‘novas ameaças’ para designar uma série de fenômenos mais ou menos recentes, que trariam desafios ou problemas novos para a segurança dos Estados, das sociedades que os constituem e/ou dos indivíduos que nelas habitam. 103
Deve-se ressaltar, no entanto, que estes temas ocorrem,
muitas vezes, “(...) fora do campo da segurança como esta é concebida, a partir
102SAINT-PIERRE, Héctor Luis. Reconceitualizando “ Novas Ameaças”: da subjetividade da percepção à segurança cooperativa. IN: MATHIAS, S. K.; SOARES, S. A. (orgs). Novas Ameaças: Dimensões e Perpectivas: desafios para a cooperação em defesa entre Brasil e Argentina. São Paulo: Sicurezza, 2003. p.25103 LOPEZ, Ernesto. Nova Problemática de Segurança e “Novas Ameaças”. IN: MATHIAS, S. K.; SOARES, S. A. (orgs). Novas Ameaças: Dimensões e Perpectivas: desafios para a cooperação em defesa entre Brasil e Argentina. São Paulo: Sicurezza, 2003. p.59
117
das abordagens convencionais.”104Dentre estes temas, destacamos o
subdesenvolvimento, a pobreza, as migrações internacionais, o meio ambiente e a
saúde pública. Conforme é possível constatar, muitas dessas temáticas,
entretanto, não são literalmente novas, sua novidade reside na percepção destes
temas como ameaças pelos atores.
Um traço curioso da situação atual é que muitas das ameaças enumeradas não são novas. Como se explica esta evidente contradição? (...) a novidade reside, não tanto na sua natureza intrínseca – para dize-lo desse modo complicado – mas de uma mudança do contexto internacional de segurança. As mudanças neste plano produzem, simultaneamente, a reciclagem de velhos problemas e a aparição de outros propriamente novos. 105
Desta forma, dados o fim da Guerra Fria e o surgimento
dessas novas ameaças, buscou-se uma abertura da concepção de segurança,
que abarca dentre outras coisas, a segurança do indivíduo. Tomando-se esta
perspectiva como referência, entendemos que o relatório da chamada Comissão
Palme retrata essa mudança na percepção das Nações Unidas.106 Dito relatório foi
104 Ibdem
105 Idem p.60106 Não poderíamos deixar de mencionar, entretanto, o último documento divulgado pela organização em 2004 e que trata explicitamente das novas ameaças, enumerando cada uma delas e analisando as melhores formas de combate-las. Trata-se do “Um Mundo mais seguro: a responsabilidade que compartilhamos”. Dentre os temas apresentados no documento, destacamos a pobreza, a disseminação de doenças contagiosas, ameaças biológicas e nucleares, o crime organizado internacional, os conflitos intra-estatais, além do terrorismo. Entendemos que o presente documento seja de suma importância para o entendimento da situação internacional atual, todavia para os fins desse capítulo que trata de um período anterior, e o qual busca analisar o momento inicial em que houve uma maior abertura para temática da segurança, uma análise mais pormenorizada do mesmo não se faz necessária. Este documento encontra-se disponível no site: http://www.un.org/secureworld/report2.pdf . Último acesso em: 08/11/2007.
118
elaborado entre 1980 e 1982, portanto antes que se pudesse prever o fim da
Guerra Fria.107
O objetivo central deste relatório era conter a corrida
armamentista, através de políticas de desarmamento e aproximação entre as
partes. Para tanto, a situação em curso foi analisada e como resultado formulou-
se o relatório supracitado que encerrava em seu conteúdo tanto recomendações
como propostas. Contudo, o que mais chama a atenção é a multidimensionalidade
da segurança de que trata o relatório. Além da questão militar, a saúde, o bem-
estar econômico e os princípios e ideais de um povo figuram como pressupostos
de segurança. Ademais, o relatório destaca a permeabilidade das fronteiras, a
interdependência na economia, nas comunicações e nas aspirações humanas,
bem como a cooperação e a segurança comum.
Uma vez definido este contexto, o relatório destaca que os
meios tradicionais para alcançar a segurança tornaram-se obsoletos e a mesma
não pode, portanto, ser conquistada unilateralmente. “Nos planos econômico,
cultural e político e – mais importante – militar, vivemos em um mundo cada vez
mais interdependente. Não é possível obter a segurança de uma nação em
prejuízo das demais.”108
107 ORGANIZÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Estudios sobre los conceptos y seguridad, A/40/553, 1985.108 Idem. p.86
119
Esta colocação explicita o caráter relativo da segurança, que
tem como sujeito uma variedade de atores que não somente os Estados e
explicita a inter-relação entre segurança nacional e internacional109.
Apesar das características inovadoras do referido relatório, foi
somente com o “Uma Agenda para a Paz”110, já citado neste trabalho, que a
organização formula novas formas de ação no campo da paz e segurança
internacionais.
Entramos, no nível mundial, em uma era de transição caracterizada por tendências singularmente contraditórias. Há associações regionais e continentais de Estados que elaboram mecanismos para fortalecer a cooperação e suavizar algumas das características contenciosas das rivalidades causadas pelas considerações acerca da soberania e do nacionalismo. Se desfazem as fronteiras nacionais ante ao avanço das comunicações e do comércio mundial, assim como por obra das decisões dos Estados de ceder a certas prerrogativas soberanas a associações políticas comuns de maior envergadura. Não obstante, ao mesmo tempo, aparecem novas e violentas declarações de nacionalismo e soberania, e a coesão dos Estados se vê ameaçada por brutais lutas étnicas, religiosas, sociais, culturais, lingüísticas. Atentam contra a paz social seja através de novas afirmações de discriminação e exclusão seja por atos de terrorismo que têm por objetivo minar o processo evolutivo e as transformações por meios democráticos.111
109 Esta relação dos âmbitos interno e externo refere-se à indivisibilidade da segurança, que não pode ser divisível tanto em suas diversas dimensões econômicas, sociais e políticas, como nos âmbitos interno e internacional.110 A íntegra do documento pode ser encontrada em: http://www.un.org/Docs/SG/agpeace.html. Acesso em 5 de junho de 2007.111 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. An Agenda for Peace: Preventive Diplomacy, Peacemaking and Peace-Keeping, Report of the Secretary-General pursuant to the statement adopted by the Summit meeting of the Security Council. Nova York: United Nations, 1992. p.3.Disponível em: http://www.un.org/Docs/SG/agpeace.html. Acesso em 10 de agosto de 2005.
120
Este documento, seguido do também já mencionado
“Suplemento de uma Agenda para a Paz”112 define as chamadas operações
multidimensionais da ONU ou de segunda geração como também as
convencionou chamar. Estas operações explicitam as transformações do Sistema
Internacional e a abertura do conceito de segurança na medida que incorpora
novas funções às tradicionais missões de manutenção da paz, como o
monitoramento de eleições, a assistência humanitária e a reconstrução de
Estados, de modo a atender as novas necessidades.
Além destes dois documentos já em 2000, a organização
lança um terceiro documento, o Informe Brahimi113, a fim de melhorar ainda mais
sua capacidade de resposta às novas ameaças do Sistema Internacional.
As Nações Unidas foram fundadas, como se declara na Carta, para ‘preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra’. Esta é a função mais importante da Organização e, em considerável medida, o critério de julgamento pelos povos a cujo serviço ela se dedica. No último decênio, em reiteradas oportunidades, as Nações Unidas não estiveram a altura deste desafio, nem podem estar hoje em dia. Sem o renovado compromisso dos Estados membros, uma mudança institucional significativa e um maior apoio financeiro, as Nações Unidas não poderão executar as tarefas críticas de manutenção e consolidação da paz que os Estados membros a ela incumbem nos meses e anos vindouros. Há muitas tarefas que não deveriam ser incumbidas às forças de manutenção da paz das Nações Unidas e muitos lugares onde as mesmas não deveriam ir. Todavia, quando as Nações Unidas enviam suas forças para defender a paz, devem estar preparadas
112 A íntegra deste documento pode ser encontrada em: http://daccessdds.un.org/doc/UNDOC/GEN/N95/080/95/PDF/N9508095.pdf?OpenElement. Acesso em 6 de junho de 2007113 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. El Informe Del Secretario General relativo a la aplicación informe del Grupo sobre las Operaciones de Paz de Naciones Unidas. http://daccessdds.un.org/doc/UNDOC/GEN/N00/700/15/PDF/N0070015.pdf?OpenElement . Acesso em 5 de outubro de 2007.
121
para fazer frente às forças da guerra e à violência que ainda persistem, com a capacidade e a determinação necessárias para vencer-las.114
Conforme percebemos, o documento faz alusão aos
problemas enfrentados pela organização nas operações de paz estabelecidas até
então. Passado o entusiasmo dos primeiros anos da década de 90, a organização
volta-se para a análise das práticas atuais buscando uma maior cooperação tanto
operacional como institucional com os Estados membros e outras organizações.
Algumas das recomendações deste documento são:
(...) uma mudança na doutrina do uso da polícia civil e os aspectos conexos do império da lei nas operações de paz em que se insiste no enfoque à promoção do império da lei e o respeito aos direitos humanos e na necessidade de ajudar as comunidades que saem de um conflito a conseguir a reconciliação nacional; a incorporação de programas de desarme, desmobilização e reintegração no orçamento das operações de paz complexas desde a primeira etapa; flexibilidade para que os chefes das operações de paz das Nações Unidas possam financiar projetos de efeito rápido que melhorem efetivamente as condições de vida da população da zona da missão; e uma melhor integração da assistência eleitoral em uma estratégia mais ampla de apoio às instituições de governo. 115
114 Ibdem. Do original: “Las Naciones Unidas fueron fundadas, como se declara en la Carta, para “preservar a las generaciones venideras del flagelo de la guerra”. Tal es la función más importante de la Organización y, en considerable medida, el criterio con que la juzgan los pueblos a cuyo servicio está dedicada. En el último decenio, en reiteradas oportunidades, las Naciones Unidas no han estado a la altura de este desafío, ni pueden estarlo hoy en día. Sin un compromiso renovado de los Estados Miembros, un cambio institucional significativo y un mayor apoyo financiero, las Naciones Unidas no podrán ejecutar las tareas críticas de mantenimiento y consolidación de la paz que los Estados Miembros les asignen en los meses y años venideros. Hay muchas tareas que no deberían encomendarse a las fuerzas de mantenimiento de la paz de las Naciones Unidas y muchos lugares adonde no deberían ir. Pero cuando las Naciones Unidas envían sus fuerzas para defender la paz, deben estar preparadas para hacer frente a las fuerzas de la guerra y la violencia que aún persistan con la capacidad y la determinación necesarias para vencerlas.” 115 Ibdem. Do original: “ un cambio en la doctrina del uso de la policía civil y los aspectos conexos del imperio de la ley en las operaciones de paz en que se insiste en un enfoque de equipo en la promoción del imperio de la ley y el respeto de los derechos humanos y en la necesidad de ayudar a las comunidades que salen de un conflicto a lograr la reconciliación nacional; la incorporación de los programas de desarme, desmovilización y reintegración en los presupuestos de las operaciones de paz complejas desde la primera etapa; flexibilidad para que los jefes de las
122
Tais recomendações fazem alusão aos novos desafios
encontrados nas operações de paz estabelecidas no período posterior à Guerra
Fria, as quais ocorrem principalmente internamente aos Estados, exigindo novas
capacidades, bem como diferentes estratégias de ação. Dentre os aspectos
supracitados, para os fins desse estudo, destacamos o enfoque ao império da lei,
ou estado de direito, e o respeito aos direitos humanos, marcadamente presentes
nos objetivos das intervenções humanitárias então estabelecidas. Estes elementos
ressaltam a principal idéia levantada no primeiro tópico deste capítulo, ou seja, a
existência de uma concepção preliminar acerca de como deve ser o tratamento a
estes Estados.
As intervenções até então estabelecidas sempre tiveram como
objetivo o retorno a uma condição considerada “normal”. Uma vez mais, embora
através de meios mais abrangentes, a ação coordenada da comunidade
internacional em prol das populações residentes nestes locais enfatiza o mesmo
sistema de Estados concebido há séculos atrás. A inclusão de novos temas,
embora tenha significado a abertura da noção tradicional de segurança,
possibilitou apenas que questões internas tivessem tratamento internacional, não
abordando o tema em sua totalidade, ou seja na real raiz do problema que é
justamente o surgimento de uma ordem interestatal diferente da anterior -
operaciones de paz de las Naciones Unidas puedan financiar proyectos de efecto rápido que mejoren efectivamente las condiciones de la vida de la población de la zona de la misión; y una mejor integración de la asistencia electoral en una estrategia más amplia de apoyo de las instituciones de gobierno.”
123
westfaliana -, tanto em seus elementos constitutivos como em suas formas de
ação.
Dentre estes novos elementos que possibilitaram a
consideração internacional de questões domésticas, enfatizamos o surgimento
dos direitos humanos enquanto valores a serem defendidos e tratados em âmbito
internacional. No caso das intervenções humanitárias acreditamos que a sua
universalização, constitua o principal fator para sua legitimação, uma vez que sua
defesa constitui o principal elemento para o estabelecimento destas intervenções.
3.3 Os Direitos Humanos e as Intervenções Humanitárias
A percepção internacional de que as crises humanitárias representam ameaça à paz e a segurança internacional gerou uma série de transformações conceituais e práticas nas relações internacionais. Essas transformações foram possíveis porque por um lado, as normas passaram a valorizar os direitos humanos e a flexibilizar o dever de não-intervenção, e por outro lado, as demandas geradas pela emergência de conflitos internos prolongados, genocídios, limpeza étnica e crescimento do número de refugiados criaram uma urgência em agir. A convergência desses dois fatores criou o ambiente propício para que a intervenção humanitária ganhasse a agenda internacional do novo milênio.116
Nas palavras de Bobbio, célebre jurista holandês, o século XX
se constituiu na chamada “Era dos Direitos” em razão do aparecimento e
positivação dos direitos do homem no plano mundial. Ou seja os direitos do
116 RODRIGUES, Simone Martins. Intervenção Humanitária. Perspectivas teóricas e Normativas. IN: BRIGAGÃO, C.; PROENÇA JR., D (orgs). Panorama Brasileiro de Paz e Segurança. Rio de Janeiro, ed. Hucitec, 2004. p.281
124
homem deixam de se referir a este ou aquele cidadão de um Estado particular
para se referir a cidadãos mundiais. 117
Esse processo teve início na Idade Moderna com as guerras
de religião, através das quais se afirma o direito de resistência à opressão que
pressupõe um direito ainda mais substancial, o direito a gozar de algumas
liberdades fundamentais.118
(...) a afirmação dos direitos do homem deriva de uma radical inversão de perspectiva, característica da formação do Estado moderno, na representação da relação política, ou seja, na relação Estado/cidadão ou soberano/súditos: relação que é encarada, cada vez mais, do ponto de vista dos direitos dos cidadão e não mais súditos, e não do ponto de vista dos direitos do soberano, em correspondência com a visão individualista da sociedade, segundo a qual, para compreender a sociedade, é preciso partir de baixo, ou seja dos indivíduos que a compõem, em oposição à concepção orgânica tradicional, segundo a qual a sociedade como um todo vem antes dos indivíduos. 119
O ponto de partida dessa perspectiva é a Declaração dos
Direitos do Homem de 1789 quando da Revolução Francesa. Em contraposição a
outros códigos tradicionais como a Lei das Doze Tábuas ou os Dez Mandamentos,
a Declaração de 1789 estabeleceu direitos e não obrigações aos indivíduos sem
que fosse necessário o consentimento do governante.
O processo de consolidação dos direitos humanos teriam para
este autor três fases120:
117 BOBBIO, Norberto. Era dos Direitos. Rio de Janeiro:Elsevier, 2004.p.24118 O autor considera como fundamentais aqueles direitos que são naturais e não dependem da concessão do soberano.(Ibdem)119 Ibdem120Idem. p.48-50
125
1- filosófica: nesta fase as declarações de direitos nascem como teorias
filosóficas.
2- Passagem do direito somente pensado para o direito realizado. “Os
direitos são doravante protegidos (ou seja, são autênticos direitos positivos ou
efetivos), mas valem somente no âmbito dos Estados que o reconhecem. (...) são
direitos do homem enquanto cidadãos deste ou daquele Estado particular.”121
3- Passagem do âmbito nacional para o internacional. A Declaração de
1948 inicia essa terceira fase,
(...) na qual a afirmação do direitos é, ao mesmo tempo, universal e positiva: universal no sentido de que os destinatários dos princípios nela contidos não são mais apenas cidadãos deste ou daquele Estado, mas todos os homens; positiva no sentido de que põe em movimento um processo cujo final os direitos do homem deverão ser não mais apenas proclamados ou apenas idealmente reconhecidos, porém efetivamente protegidos até mesmo contra o próprio Estado que o tenha violado.122
Assim, a Declaração de 1948 abriu espaço para os indivíduos
em um espaço antes reservado exclusivamente aos Estados e algumas
organizações internacionais. Esta perspectiva do autor advém de uma de suas
teses principais defendidas ao longo de todas as suas obras, conforme o próprio
autor confessa em introdução a seu livro “Era dos Direitos” aqui tratado123. Essa
121Idem p.49122Ibdem123Idem. p.21
126
tese refere-se ao fato de que os direitos naturais (e os principais direitos humanos
seriam naturais) são direitos históricos.
Embora os direitos humanos sejam fundamentais, eles
resultam de um processo histórico, “(...)nascidos em certas circunstâncias,
caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e
nascidos de modo gradual, nem todos de uma vez e nem de uma vez por todas.”
124
Os direitos surgiriam então a partir do aparecimento de certas
necessidades e carências características de cada época. A evolução e o
aparecimento dos diferentes direitos do homem seguiram pois esse curso
histórico. Da mesma forma, a evolução do processo de universalização dos
direitos humanos e sua passagem do plano nacional para o internacional seguiu
esta trajetória histórica.
A idéia de que a sociedade internacional é responsável pelo
bem estar dos indivíduos surge após a segunda Guerra Mundial com a
proliferação dos refugiados e apátridas. O fato destes indivíduos não estarem
ligados a nenhum Estado de fato motivou a criação de convenções internacionais
para tratar do assunto, culminando com a assinatura da Declaração dos Direitos
Humanos de 1948 que introduziu uma nova fase no processo de positivação dos
direitos humanos internacionalmente.125
124Idem, p.25125 VILLA, Rafael; REIS, Rossana. A securitização dos direitos humanos no pós guerra fria. I Encontro da Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI). Brasília, julho 2007.p.15
127
A Declaração de 1948 significou, pois o primeiro grande passo
dado em direção à positivação desses direitos internacionalmente. O fundamento
desta afirmação viria da certeza de que a humanidade (ao menos parte dela, ou
seja, os 48 Estados inicialmente signatários) partilha de certos valores comuns
que seriam, então, universais, enquanto “algo subjetivamente acolhido pelo
universo dos homens”126.
Apesar disso, a Declaração de 1948 não constituiu um sistema
de normas jurídicas obrigatórias devido à ausência do processo de monopolização
da força a nível mundial, característico do surgimento do Estado moderno. Essa
ausência resulta da proteção de certos princípios tradicionais de origem
westfaliana, notadamente a soberania e o princípio de não intervenção. Apesar
disso e embora não tenha instaurado mecanismos jurídicos de controle, a
Declaração enumera uma série de direitos civis, políticos, sociais, econômicos e
culturais dos indivíduos, tendo grande valor programático para o estabelecimento
dos Pactos e Convenções subseqüentes.
Desde a década de 50 observamos uma maciça codificação
dos direitos humanos que pouco a pouco saem da órbita do direito
consuetudinário para fazerem parte de tratados e convenções internacionais.
Concomitantemente a este processo, observamos também a criação de sistemas
de proteção aos direitos humanos de alcance universal e regional e o
estabelecimento de tribunais penais internacionais, tornando possível a apelação
126Idem, p.48
128
direta de cidadãos contra a violação de seus direitos em seus respectivos
Estados.
Em 1966, foram aprovados os Pactos de direitos Civis e
Políticos e o de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Além destes, diversas
Convenções também foram assinadas. Para citar algumas: a Convenção para
Sanção e Prevenção e Sanção do Delito de Genocídio já em 1948, a Convenção
Internacional sobre Eliminação de todas as formas de Discriminação racial em
1965, a Convenção Internacional sobre Eliminação de todas as formas de
Discriminação contra a mulher em 1981, a Convenção Internacional sobre a
Tortura e outras formas de Crueldade em 1987 e a Convenção dos Direitos das
Crianças em 1989.
Neste contexto, os sistemas regionais também evoluíram para
a proteção dos direitos humanos, no caso da Europa em 1950, da América em
1965 e finalmente da África em 1981. Em todos esses casos, foram elencados
direitos individuais a serem protegidos e respeitados pelos Estados, além de
preverem, também certos mecanismos para que se cumpram as obrigações dos
Estados signatários.
Conforme podemos perceber a partir dessa breve explanação,
os direitos humanos foram se configurando como importante valor a ser defendido
pelos Estados e organizações internacionais. Sabemos, todavia, que a diversidade
cultural, econômica e política da comunidade internacional trazem implicações
para o consenso em torno de quais direitos são mais relevantes, bem como do
129
significado dos direitos humanos e a melhor forma de preserva-lo. No entanto, a
grande adesão dos Estados a esses instrumentos jurídicos mostra que há um
consenso mínimo dispensado aos indivíduos em geral127.
Este consenso, porém, não é suficiente para a efetivação de
práticas que visem o fim da violação a estes direitos, muitas vezes, como é bem
sabido, as prerrogativas ligadas aos interesses particulares dos Estados
influenciam na tomada de medidas mais efetivas para a devida proteção deste
bem universal. Entretanto, destacamos aqui a grande importância destes códigos
para a formação de um arcabouço ideológico que tem contribuído para o respaldo
às intervenções humanitárias contemporâneas.128
Estas intervenções, ocorridas a partir da década de 90,
apresentam-se como importantes exemplos do uso de uma via coativa para a
proteção dos direitos humanos. A nosso ver, isso decorre do fato de que os
direitos humanos passam a figurar pela primeira vez no órgão executivo da
Organização das Nações Unidas, o Conselho de Segurança.
Tradicionalmente, os organismos internacionais possuem em
relação ao Estado uma vis directiva (via diretiva) e não uma vis coactiva (via
coativa). Para que a vis directiva alcance seu fim são necessárias duas condições:
1- quem a exerce deve ter autoridade e incutir respeito; 2- aquele sobre o qual ela
127 RODRIGUES, Simone Martins. Intervenção Humanitária. Perspectivas teóricas e Normativas. IN: BRIGAGÃO, C.; PROENÇA JR., D (orgs). Panorama Brasileiro de Paz e Segurança. Rio de Janeiro, ed. Hucitec, 2004. p. 287128 Ibdem
130
se exerce deve ter uma disposição genérica a considerar como válidos não só os
argumentos da força, mas também os da razão.129
No caso da ONU, existe a vis coactiva, institucionalizada pelo
Conselho de Segurança. No entanto, essa via era pouco utilizada e mesmo
quando autorizada dependia do consentimento dos países envolvidos. As
intervenções humanitárias são empregadas sem que este consentimento seja
obtido, e mediante a graves violações dos direitos humanos, que passam a ser
considerados como fator de ruptura da paz e segurança internacionais no âmbito
do Conselho de Segurança e portanto, motivo para que a força seja utilizada.
Este consenso no âmbito do Conselho transformou
substancialmente a relação entre a política interna e a externa, uma vez que a
legitimidade do poder dos Estados na ordem internacional relacionava-se também
ao respeito aos direitos humanos. O fortalecimento do regime internacional dos
direitos humanos alterou, de certa forma, a relação entre os direitos humanos e a
soberania que passa a ser relativizada frente às violações dos direitos humanos.130
Intervenções humanitárias levantam questões morais e éticas
que não figuravam nas relações internacionais nos séculos anteriores. À exceção
de temas como pirataria e tráfico de escravos durante o século XIX131 e do direito
dos súditos estrangeiros132 já no século XX, questões morais e inerentes ao 129 BOBBIO, Norberto. A Era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. .p.58130 VILLA, Rafael; REIS, Rossana. A securitização dos direitos humanos no pós guerra fria. I Encontro da Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI). Brasília, julho 2007.p.16131 BROWNLIE, Ian. The expansion of International Society: the consequences of the law of Nations. IN: WATSON, A.; BULL, Heddley. The expansion of the international society. Oxford:Oxford University Press, 1985. p.359132 O direito dos súditos estrangeiros refere-se ao direito de um Estado de intervir em outro para garantir a segurança de seus nacionais residentes neste país. Foi utilizado diversas vezes pelas
131
indivíduo não eram tratadas nas relações entre Estados e permaneciam sob
responsabilidade exclusiva dos governantes de cada Estado.
As intervenções iniciadas na década de 90, embora tenham
sido aprovadas sem unanimidade, obtiveram um consenso mínimo para sua
autorização e desde então, os direitos humanos puderam ser considerados motivo
de ruptura da paz e segurança internacional, argumento este que figura no
capítulo VII como plausível para a utilização de todos os meios necessários,
inclusive a força para que se faça prevalecer seu respeito.
Dito isso, percebemos, pois que os direitos humanos são um
importante valor que tem alcance universal e que, embora tangível a dissensos
quando de sua defesa pelo instituto da força nas prerrogativas do Conselho, tem
se consolidado como importante fator para a autorização de uma intervenção
humanitária. Esta se representa pela intercessão entre preocupações de cunho
ético e cálculos políticos e daí decorre a ausência de um consenso mais amplo
relativamente a sua instauração. Ou seja, as preocupações relativamente aos
indivíduos de uma dada sociedade são contrapostas a meios políticos e militares a
serem adotados pelos Estados. Este embate carece, muitas vezes do apoio dos
governos nacionais, mas possibilitou a abertura do debate em torno do tema e
abriu precedentes para a legitimidade destas ações.
Neste sentido percebemos a contraposição entre os direitos
dos Estados e dos indivíduos que se considerados segundo as abordagens
potências européias quanto da intervenção das mesmas no império Otomano. (RODRIGUES, 2004, p. 282)
132
clássicas do realismo são excludentes entre si. O princípio de não intervenção
presente no artigo segundo da Carta das Nações Unidas é constantemente
aclamado na defesa da soberania destes Estados, cenário de graves violações de
direitos humanos. Mas contrapondo-se a essa perspectiva há também importantes
princípios que tendem a ser cada vez mais considerados, como o direito inerente
de todos os seres humanos a uma vida saudável e economicamente viável.
Sabemos que o debate em torno deste tema é extenso e que
não há considerações conclusivas acerca da legitimidade das práticas
humanitárias. Também aqui não postulamos inocentemente a ausência de
interesses particulares nas ações ditas humanitárias por parte dos Estados
interventores, no entanto, mostrou-se, através da leitura destes capítulos que
alguns fatores impulsionaram a incidência das intervenções. Esta incidência,
embora não tenha contado com a unanimidade, inseriu o tema na agenda
internacional.
O tema das intervenções humanitárias é permeado por
dissensos tanto em termos práticos como conceituais, o que se reflete na falta de
clareza com que os mandatos das missões, que intentam lograr efetiva ajuda
humanitária em conflitos civis, são autorizados. Assim, observamos que não há
uma definição consensual sobre este conceito, permitindo muitas vezes o uso
incorreto do termo para situações que se configuram mais como intervenções
militares do que humanitárias. Por outro lado, dentre os acadêmicos da área na há
133
conclusões definitivas acerca da legitimidade de tal ação nem relativamente aos
fatores a serem considerados quando de sua autorização.
Apesar disso, observamos que há alguns elementos que
motivaram a autorização, ainda que limitada, das intervenções pelas Nações
Unidas, e esses fatores foram aqui apresentados detalhadamente permitindo-nos
concluir que as características do Sistema Internacional, no início da década de
90, confluíram para um cenário que permitiu a entrada de um tema diverso em um
sistema antes dominado por premissas basicamente realistas.133
Neste contexto observamos que as intervenções humanitárias
agora nas prerrogativas do Conselho de Segurança configuram como fator de
ruptura da paz e segurança internacionais, sendo importante questão a ser tratada
nos diversos foros multilaterais existentes, como organizações regionais, foros
inter-estatais e organizações não governamentais.
133 Não somente estes temas senão outros já exaustivamente descritos ao longo deste capítulo
134
Capítulo 4:
Análises teóricas das intervenções humanitárias
“Ao dirigir-me à Assembléia Geral no passado mês de setembro aclamei os Estados membros que trabalhassem na busca de políticas mais eficazes para deter os assassinatos em massa e as violações atrozes aos direitos humanos. Apesar de ter destacado que toda intervenção abarcava uma ampla gama de medidas, desde a diplomacia à ação armada, esta última opção foi a que gerou maior controvérsia no debate que sobreveio posteriormente.
Alguns críticos preocupavam-se que o conceito de intervenção humanitária pudesse encobrir a ingerência gratuita no assuntos internos de Estados soberanos. Outros temiam que ocasionasse ações mal intencionadas contra governos visando, o desrespeito aos direitos humanos por este governo, justificando, assim a intervenção externa. Outros assinalaram que a prática da intervenção raras vezes era coerente, devido a suas dificuldades intrínsecas, a seu custo e ao que se entendia como interesses nacionais, além do fato de que os Estados fracos teriam muito mais probabilidades de serem objeto de uma intervenção que os Estados fortes.
Reconheço tanto a validez como a importância destes argumentos. Aceito também que os princípios de soberania e não ingerência oferecem uma proteção fundamental aos Estados pequenos e fracos. Mas pergunto aos críticos: “ Se a intervenção humanitária é, na realidade, um ataque inaceitável à soberania, como deveríamos responder a situação como as de Ruanda e Srebrenica, e às violações graves e sistemáticas dos direitos humanos que transgridem todos os princípios de nossa humanidade comum?
Nós enfrentamos um autêntico dilema. Poucos estarão em desacordo em que tanto a defesa da humanidade como a defesa da soberania são princípios que
135
merecem apoio. Desgraçadamente não nos aclara qual destes princípios devem prevalecer quando há um conflito.
A intervenção humanitária é uma questão delicada, repleta de dificuldades políticas e sem soluções fáceis. Mas sem dúvida não há nenhum princípio jurídico – nem sequer a soberania – que possa ser evocado para proteger os autores de crimes contra a humanidade. Nos locais onde se cometem tais crimes, uma vez esgotados os intentos de por fim às violações através de meios pacíficos, o Conselho de Segurança tem o dever moral de atuar em nome da comunidade internacional. O fato de que não podemos proteger os seres humanos em todas as partes não justifica que façamos nada quando podemos fazer. A intervenção armada deve continuar a ser sempre o último recurso, mas frente aos assassinatos em massa é uma opção que não se pode rechaçar”.134
Como epígrafe para o derradeiro capítulo desta obra
escolhemos a citação acima, retirada de um informe do Secretário Geral Kofi
Annan , intitulado “Nós os povos: a função das Nações Unidas no Século XXI” .
Embora extensa, sua importância reside em que busca redefinir as funções da
organização diante das novas questões enfrentadas em âmbito internacional. A
parte destacada refere-se ao item “O dilema da intervenção” e resume em seu
conteúdo as principais questões que dificultam as deliberações sobre o tema das
intervenções humanitárias.
Destacamos então a tentativa de amenizar as críticas
referentes ao estabelecimento dessas intervenções e que vai ao encontro de
certos princípios considerados essenciais para a proteção de Estados fracos,
como o respeito a soberania e a não-intervenção. Essas críticas versam,
principalmente sobre a possibilidade de que a autorização e a legitimação de tais
134ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Nós os povos: a função das Nações Unidas no Século XXI. Disponível em: www.juridicas.unam.mx/publica/librev/rev/derhum/cont/44/pr/pr27.pdf . Último acesso em 07 de janeiro de 2008. p.37-38
136
intervenções pelo estatuto da ONU provoque o uso indevido deste direito por
Estados que visam a realização de interesses particulares e não o fim do
sofrimento dessas populações.
A preocupação do Secretário Geral, por sua vez, foca-se na
identidade humana comum dos indivíduos do planeta e na necessidade de que
algo seja feito em prol daqueles que estão sofrendo contínuas e massivas
violações dos direitos humanos. Conforme percebemos, pois, este tema é
permeado por valores opostos entre si, o realismo, marcado pela realização de
interesses egoístas pelas unidades do sistema, e a subjetividade, um fator até
então pouco considerado nas relações internacionais e que destaca o mais
importante direito de cada ser humano, qual seja, o direito a vida.
Sem a pretensão de chegar a uma conclusão definitiva acerca
da necessidade de se estabelecer instrumentos que legalizem as intervenções
humanitárias, procuramos aqui elucidar os principais pontos inerentes a elas e
com isso permitir que o leitor chegue a suas próprias conclusões.
4.1 Entendendo o conceito de “intervenções humanitárias”
As origens das chamadas intervenções humanitárias
remontam à idéia de estrangeiros intervindo em um determinado território com o
objetivo de ajudar uma dada população civil a ter suas necessidades básicas
supridas. As primeiras ações que foram chamadas de intervenções humanitárias
137
foram aquelas implementadas por certos Estados fortes, em território de terceiros
buscando a defesa de seus próprios cidadãos, residentes neste país, de alguma
ameaça externa, calamidade ou desastre natural.
O argumento baseava-se nos direitos civis e políticos, na
medida em que o pais interventor proclamava a defesa de seus cidadãos sob o
argumento da má administração e governança do chefe de Estado do país
anfitrião. Estas intervenções, baseadas no “direito dos súditos estrangeiros” foram
consideradas as primeiras intervenções humanitárias, e afastam-se conceitual e
empiricamente das atuais intervenções de cunho humanitário.135
Vejamos porque. Atualmente, por intervenção entende-se “o
ato internacional de um Estado ou grupo de Estados ou ainda uma agência
internacional exercendo uma autoridade em algo que é considerado,
normalmente, políticas e práticas internas a outro Estado ou grupos de Estado.”136
Desta definição inferimos que é crucial que o Estado alvo não consinta a
intervenção.
Alguns autores como Stanley Hoffman137 defendem que a
permissão não é um dado importante para a definição, uma vez que em algumas
ocasiões, o consenso acerca da intervenção pode ser facilmente manipulado pelo
governante do Estado anfitrião, ou ainda, a mesma população que foi inicialmente
135Alguns exemplos destas intervenções foram as constantes intervenções das potências européias nos impérios Chinês e Otomano, além de das intervenções dos Estados Unidos na América Latina. (RODRIGUES, 2000. p.65)136 COADY, C. A . J. The Ethics of Armed Humanitarian Intervention. Peaceworks, nº 45, 2002. p.3137 Ibdem
138
a favor desta intervenção, pode mudar de idéia depois de seu estabelecimento,
transformando o consentimento inicial em ressentimento e posterior hostilidade.
De qualquer forma o termo intervenção tem uma conotação negativa uma vez que
pode aludir ao uso da força no caso de uma operação militar, mas em todos os
casos ela impacta diretamente na soberania do Estado que sofre a intervenção.
O termo humanitário, por sua vez, traz uma idéia
essencialmente positiva e refere-se ao motivo primordial para a intervenção,
constituindo-se, pois, em um fim a ser alcançado por meio deste ato. Assim, o
“humanitário” é usado para distinguir aquelas intervenções que têm como objetivo
o resgate dos civis do mal que está sendo feito ou está para ser feito a eles pelas
autoridades do Estado responsáveis pela sua proteção. Este mal não
necessariamente é feito pelas autoridades mas estas podem ser omissas ou não
dar conta de sua proteção, que é seu dever.
É neste ponto que encontramos a principal diferença
relativamente àquelas que foram consideradas as primeiras intervenções
humanitárias. Aqui a ênfase conceitual é dada ao fato de que a população
resgatada ou ajudada não pertence à nacionalidade do país interventor, mas ao
país intervindo. Ou seja, atualmente são consideradas como intervenções
humanitárias aquelas intervenções que visam auxiliar estrangeiros, do ponto de
vista daqueles que intervêm, cujos direitos humanos têm sido violados.
139
Embora as definições deste termo variem bastante, a
conceitualização dada por Holzgrefe parece-nos ser bastante completa. Assim a
intervenção humanitária seria:
(...) a ameaça ou o uso da força através das fronteiras de um Estado por outro Estado ou grupo de Estados, que tenha como objetivo a prevenção ou o fim de violações dos direitos humanos fundamentais de indivíduos que não sejam seus próprios cidadãos, sem a permissão do Estado cujo território é o sujeito da intervenção.138
Outra diferença fundamental relativamente às primeiras
definições, é a ênfase dada aos direitos fundamentais, essencialmente o direito a
vida. Depreendemos, pois, que a própria definição de intervenção é por si só
bastante complexa e varia de acordo com os atores e regiões consideradas. De
acordo com Schoultz, o termo intervenção é quase sempre relacionado à invasão
militar em um território. No caso específico de seus estudos que foca as relações
entre Estados Unidos e América Latina, durante o século XIX e parte do XX, a
intervenção era entendida como a invasão militar americana na América Latina,
como de fato ocorreu diversas vezes (cerca de quarenta somente no século XX).
Ele pontua, no entanto, que este tipo de intervenção não se apresenta mais como
único, uma vez que os meios utilizados por certos Estados para interferir nos
assuntos internos de outros Estados, têm sido mais sutis e vão além do campo
militar.139
138 HOLTZGREFE J. L. The humanitarian Intervention debate. IN: KEOHANE, R. O.; HOLZGREFE, J. L. Humanitarian Intervention: Ethical, Legal, and Political Dilemmas. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. p 18.139 SHOULTZ, Lars. Evolving concepts of intervention: promoting democracy. IN: BOUVIER, Virginia M. The Globalization of US – Latin American Relation: Democracy, Intervention, and
140
A versão atual mais comum para este autor, coloca a
influência econômica e a promoção da democracia como meios e justificativa
primários destes Estados obrigar os demais – e mais fracos – a agirem de certa
maneira. Assim, às intervenções humanitárias são facultados aqueles direitos
considerados mais fundamentais e importantes, e relacionam-se ao sofrimento
humano extremo. Como conseqüência, embora os direitos políticos constituam um
assunto importante na área dos direitos humanos, eles não são centrais.
Apesar disso, o que observamos é que certos atores, em
especial os Estados Unidos, apropriam-se da terminologia humanitária para
designar aquilo por eles considerado uma grave violação dos direitos humanos.
Algumas dessas violações têm sérias conseqüências para a população civil e
constituem de fato um importante fator de sofrimento humano. Em 2003, por
exemplo, os Estados Unidos invadiram o Iraque argumentando que seu governo
cometia graves violações dos direitos humanos. O governo ali instaurado detinha
o monopólio legítimo da violência e era capaz de manter a ordem no país. Após a
intervenção anglo-americana o caos instalou-se naquele Estado, e a ONU, acabou
se estabelecendo na região para prover assistência humanitária àquela
população.
Todavia, o que pretendemos aqui enfatizar é o fato de que, em
muitas dessas ocasiões nas quais os Estados Unidos, ou qualquer outro Estado,
tenha se utilizado dessa concepção, a mesma referia-se a uma situação
Human Rights. Praeger, 2000. p.27-28
141
controlada onde havia um governo constituído detentor do monopólio legítimo da
violência em um dado território e cuja população tinha suas necessidades básicas
supridas. Esse mal uso de um conceito, provoca graves críticas a estas ações,
podendo prejudicar medidas futuras que visem a proteção de fato de uma
população ameaçada.
Voltando à questão das origens das intervenções
humanitárias, faz-se míster destacar aquela relacionada ao início do direito
internacional, com Hugo Grotius (1583-1645) e Emmer de Vattel (1714-1717) e
que têm implicações para o atual “mindset” acerca destas intervenções. Estes
filósofos políticos definiram a idéia de existência de um direito civilizatório, ou seja,
o direito de interferir no território alheio para obrigar os bárbaros a abdicarem de
seus costumes que violam a lei natural.140
Se levarmos essa definição em consideração, a idéia
civilizatória de um Estado intervindo em outro como guia para trazê-lo a luz da
sociedade moderna, os receios daqueles contrários às intervenções procedem.
Mais que isso, ao olharmos para a história, inclusive demasiado recente,
percebemos que esse direito civilizatório já foi usado como motivo para a
intervenção. Em 1846, por exemplo, o México perdeu mais da metade de seu
território nacional em uma Guerra contra os Estados Unidos, na qual este último
proclamou-se no direito de intervir como Estado guia a fim de liderar seus vizinhos
140 RODRIGUES, Simone Martins. Segurança Internacional e Direitos Humanos: a Prática da Intervenção Humanitária no Pós-Guerra Fria. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.p.93
142
americanos ao caminho correto, protegendo-os de seus governantes corruptos e
incapazes.
Este comportamento tinha como base o Destino Manifesto,
que se constituía na crença de que os Estados Unidos tinham a missão de
expandir sua forma de democracia e liberdade. O argumento norte-americano
enfatizava o sofrimento dos povos latino-americanos, oprimidos por seus
governantes incapazes. Aqui, a idéia de intervenção humanitária enfatiza o papel
civilizatório desempenhado por certos Estados fortes sobre fracos, especialmente
os Estados Unidos.
Essa concepção, conforme observamos, está sujeita a críticas
e tem sido levantada com freqüência na atualidade para enfatizar o perigo de se
legalizar a intervenção humanitária, que poderá perder seu caráter humanitário
restando apenas a intervenção militar pura e simples em favor do interesse do
Estado interventor.
Assim, conforme percebemos, a adoção de uma definição
única e fechada a respeito do que seja intervenção humanitária é muito difícil,
dado que acadêmicos bem como outros autores definem o termo de maneira
variada. Passemos, então a analisar empiricamente quais as implicações das
intervenções do ponto de vista do tão aclamado principio de soberania, principal
regente do sistema internacional westfaliano.
143
4.2 A soberania e a não intervenção
Os argumentos contrários à autorização das intervenções
humanitárias ressaltam os princípios de soberania e de não intervenção nos
assuntos internos. Neste sentido, o principio de não intervenção aparece como um
dever correlato da soberania e necessário para a manutenção da ordem no
sistema, uma vez que impediria, ao menos em termos legais, a intervenção de um
Estado nos assuntos de outro.
É importante destacar aqui, no entanto, que essa visão prima
pela questão da igualdade soberana entre os Estados, uma vez que há um
enfoque legal embutido na noção de soberania. O reconhecimento da soberania
de um Estado o coloca em pé de igualdade, ao menos em termos legais, aos
demais Estados. Este reconhecimento apresenta-se, pois, como fator de proteção
dos Estados mais fracos ante ao risco de intervenção daqueles mais fortes.
A título de exemplificação, podemos mencionar algumas
resoluções patrocinadas principalmente por países da América Latina, Ásia e
África e aprovadas pela Assembléia Geral que condenavam a intervenção como
violação dos princípios preconizados pela Carta da ONU. As resoluções 1815
(XVII sessão), de 1962; 2131 (XX sessão) de 1965; e 2225 (XXI sessão) de 1966
demonstram o interesse destes países em se proteger da intervenção das grandes
potências nas questões consideradas de sua exclusividade. 141
141 RODRIGUES, Simone Martins. Segurança Internacional e Direitos Humanos: a Prática da Intervenção Humanitária no Pós Guerra Fria. Brasília: Renovar, 2002.p. 103
144
Em contraposição a esta visão, que conforme destacamos tem
estreita relação com a noção de igualdade soberana, encontramos a definição de
soberania apresentada por Krasner142 e que é utilizada por Keohane143 em seu
argumento a favor das intervenções humanitárias.
Segundo Krasner,144 alguns pressupostos centrais da noção
tradicional de soberania, dentre os quais o reconhecimento de entidades
territoriais juridicamente independentes e o próprio princípio de não intervenção,
são inadequados para resolver os atuais problemas encontrados nos chamados
Estados falidos. Conforme analisamos no capítulo anterior, estes Estados seriam
caracterizados enquanto instituições desprovidas da capacidade de administração
e governança de seu território e população, gerando, muitas vezes, graves crises
humanitárias e conflitos civis.
Além disso, as conseqüências de uma governança falida e
inadequada poderiam não ser limitadas às fronteiras nacionais dos Estados
afetados, gerando conflitos nos países vizinhos e, portanto, sujeitas a ações
enérgicas por parte destes últimos. Por essa razão principal, o autor defende
outras formas de ação a serem incumbidas aos Estados mais poderosos e às
organizações internacionais na solução deste tipo de problema. Para tanto, ele
142 KRASNER, Stephen D. Sharing Sovereignty: new institutions for collapsed and failing states. International Security. Vol. 29, n.2, p-85-120.143 KEOHANE, Robert O . Political Authority after intervention: gradation s in sovereignty. IN: KEOHANE, R. O.; HOLTZGREFE, J. L. Humanitarian intervention: ethical, legal and political dilemmas. Cambridge: Cambridge university press, 2004, p. 275-298144 KRASNER, Stephen D. Sharing Sovereignty: new institutions for collapsed and failing states. International Security. Vol. 29, n.2, p-85
145
trata do conceito convencional de soberania e o divide em três elementos, para
em seguida apresentar sua proposta de ação.
Assim, a soberania convencional estaria dotada dos seguintes
elementos: a soberania internacional legal, a soberania westfaliana e finalmente a
soberania doméstica.145 A primeira refere-se ao reconhecimento jurídico de
entidades territoriais independentes, que teriam o direito de decidir acerca dos
tratados e acordos internacionais dos quais fará parte, é desta primeira concepção
que advém a igualdade legal entre os Estados. A segunda relaciona-se à noção
tradicional de soberania, na qual se destaca o princípio de não intervenção nos
assuntos internos de um Estado, cabendo a cada um deles o direito de decidir
suas próprias estruturas de autoridade doméstica. Por fim, a chamada soberania
doméstica, refere-se à capacidade do Estado para gerir as estruturas domésticas
de autoridade. Segundo o autor, este elemento seria responsável por assegurar
uma sociedade pacífica, consciente da necessidade de proteção dos direitos
humanos, honrando assim, os compromissos acordados internacionalmente pelo
entendimento comum dos Estados.
Krasner146 destaca então que num sistema ideal as três
soberanias suportam-se mutuamente permitindo a boa governança do Estado.
Todavia, o que muitas vezes ocorre é que certos Estados detêm somente os dois
primeiros elementos e, na ausência do terceiro, faz-se necessária intervenção
estrangeira. Para ele, o respeito às soberanias legal e westfaliana prejudicam uma
145 idem, p.87146 idem, p.88.
146
boa ação visando a melhoria da soberania doméstica, como a soberania
compartilhada que é defendida como uma excelente saída para estes Estados . A
sugestão dada por este autor tende a este caminho, no qual o governo é
compartilhado e exercido por indivíduos de organizações internacionais, outros
Estados ou entidades ad hoc bem como representantes do Estado em questão.
Noutros casos a ação mais atrativa seria o estabelecimento de protetorados.
Conforme podemos perceber através desta breve análise
acerca da concepção de soberania para Krasner, este autor tende a justificar a
ação externa dos Estados e organizações internacionais pela separação dos
elementos constituintes da soberania e constatação do rompimento da doméstica.
Dessa maneira, os Estados que não detêm a soberania doméstica, cuja
governança interna estiver seriamente comprometida, estariam sujeitos a
intervenções estrangeiras.
Da mesma forma que Krasner, Keohane enfatiza os diferentes
aspectos da soberania e a fase posterior à intervenção, relacionada ao processo
de reconstrução política e econômica das sociedades afetadas. Assim, este
autor147 salienta que a divisão dos elementos da soberania não implica em seu
descrédito, muito pelo contrário, dividindo-a em seus componentes, seria possível
a formação de novos arranjos institucionais adequados às diversas realidades
políticas.
147 KEOHANE, Robert O . Political Authority after intervention: gradation s in sovereignty. IN: KEOHANE, R. O.; HOLTZGREFE, J. L. Humanitarian intervention: ethical, legal and political dilemmas. Cambridge: Cambridge university press, 2004, p. 276
147
Neste sentido, para este autor, as intervenções humanitárias
são aquelas que criam estruturas políticas nas quais atores externos exercem uma
autoridade substancial148. As sociedades alvo destas intervenções seriam
caracterizadas pela sua incapacidade em criar regimes bem ordenados por conta
do contexto histórico, econômico e social em que se inserem.
Nestas sociedades, a tentativa de aplicar a noção tradicional
de soberania, qual seja, aquela que determina que o Estado tem a supremacia
sobre todas as autoridades no interior de um território e mantém sua
independência relativamente à autoridade externa, não ataca o cerne do
problema, relacionado a má gestão da autoridade doméstica.
Para a defesa de seu ponto de vista, Keohane empresta de
Krasner os diferentes elementos da soberania, acrescendo aos anteriores a
chamada soberania interdependente, a qual se relaciona à habilidade de um
Estado em regular os fluxos através de suas fronteiras. Neste sentido, a soberania
passa a ser entendida enquanto uma variável e não uma constante podendo
sofrer a intervenção externa quando um de seus componentes, em especial a
soberania doméstica e em alguns casos a interdependente, não é controlado pelo
Estado de forma apropriada149.
Estes dois autores defendem, pois um argumento favorável à
intervenção humanitária dando grande ênfase no aspecto político das
intervenções. Conforme tentamos mostrar no início deste capítulo, os
148 idem, p. 278. 149 Idem, p.285
148
pressupostos teóricos e argumentos acerca das intervenções humanitárias são
inúmeros e trataremos de mais algum deles neste capítulo antes de passarmos às
características destas ações.
Outro argumento favorável à intervenção humanitária advém
da escola liberal. Para elucidarmos esta visão apresentaremos os pressupostos
teóricos adotados por um de seus expositores, Fernando Tesón.150
Seu argumento baseia-se na filosofia política liberal e parte do
pressuposto de que o maior propósito dos Estados e governos é a proteção e a
manutenção dos direitos humanos inerentes a todos os seres humanos. Dessa
forma, os governos que não protegem tais direitos minam a única razão que
justifica seu poder político, impossibilitando-os, pois, da proteção proveniente do
direito internacional.151
Assim, sendo os direitos humanos um direito intrínseco a
todos os seres humanos, independentemente de sua história, cultura ou fronteiras
nacionais, existem certas prerrogativas normativas a todos os demais: 1) a
obrigação de respeitar tais direitos; 2) a obrigação de promover tais direitos; e,
finalmente, 3) a obrigação de resgatar as vítimas da tirania e anarquia em
determinadas circunstâncias e a um custo razoável para os interventores e
intervindos.152
150 TESÓN, Fernando. The liberal case for humanitarian intervention. KEOHANE, R. O.; HOLZGREFE, J. L. Humanitarian intervention. Ethical, Legal and Political Dilemmas. Oxford: Oxford University Press, 2005. p. 93-129151 idem, p. 93152 idem, p.94
149
Nesse sentido, as intervenções humanitárias seriam “O uso ou
ameaça proporcional da força militar, assumido por um governo ou aliança liberal,
com o objetivo de acabar com a tirania ou anarquia, bem-vindo pelas vítimas e
consistente com a doutrina do efeito duplo”.153
A doutrina do efeito duplo distingue as conseqüências ruins
não intencionadas das intencionadas e, para que uma ação na qual a morte de
inocentes seja legítima, são necessárias algumas condições: 1) o ato deve ter
boas conseqüências; 2) a intenção do ator deve ser boa, ou seja, ele deve
perseguir boas conseqüências e caso haja más conseqüências elas,
obrigatoriamente não foram intencionadas; 3) as boas ações devem ser maiores
que as conseqüências ruins.154
Para justificar seu argumento o autor define então a soberania
enquanto um valor instrumental não intrínseco, o que significa que serve para fins
humanos valiosos, e aqueles que o violam não devem ser protegidos por esse
princípio. Neste sentido, certas formas de governo, como a tirania e a anarquia,
causam o colapso moral da soberania e são regimes políticos passíveis de
intervenções.
Disso, depreendemos que o colapso estatal é condição
indispensável para a intervenção, no entanto, Tesón pondera que esta situação
não é suficiente e que a justificativa das intervenções vai além da forma como
153 idem p. 118154 Nossa intenção não é criticar esta visão somente mostrá-la ao leitor. No entanto, devemos destacar que os pontos ressaltados pelo autor não evidenciam como as boas e as más intensões podem ser testadas e nem quem determina quais ações são boas nem quais são más, deixando a cargo do leitor esta determinação.
150
governos não liberais devem ser tratados. Para ele, somente Estados fora da lei
são vulneráveis às intervenções humanitárias, e os Estados não liberais que
possuem um padrão mínimo de governabilidade podem ser alvos de agentes de
interferência.
De tal análise o autor pontua as seguintes considerações: 1)
intervenções em Estados legítimos155 são proibidas; 2) a razão para a não
intervenção não pode jamais ser o respeito à soberania do Estado; 3) a concepção
liberal de legitimidade estatal guiará o comportamento correto dos interventores,
que devem criar e reconstruir instituições e práticas sob as quais a dignidade das
pessoas será preservada.156
Conforme podemos perceber da leitura de seus pressupostos
centrais, Tesón põe grande ênfase na ideologia e nas formas de governo para
justificar as intervenções, havendo, portanto, ênfase nos direitos humanos
políticos. Embora trate do sofrimento humano, este se relaciona à forma como o
governo de um dado país trata seus cidadãos, havendo pouca ênfase na questão
humanitária.
O principal contra argumento a sua visão advém dos teóricos
do direito internacional que defendem que o uso da força de um Estado sobre
outro viola um dos pressupostos centrais do sistema legal internacional,
decretando o enfraquecimento da ordem internacional interestatal157. Assim, de
155 O autor não deixa claro em seu texto o que exatamente ele entende por Estados legítimos. Por dedução, entendemos que para ele os Estados legítimos são aqueles considerados democráticos e liberais.156 idem , p.98157 idem, p.108
151
acordo com este argumento, as intervenções humanitárias minariam o sistema de
Estados por duas razões principais: em primeiro lugar, pelo simples ato de intervir
que por si só já desrespeita o princípio de soberania que rege o sistema
internacional; e em segundo lugar, por conta do precedente que levaria outros
Estados a abusarem deste expediente e, conseqüentemente, as intervenções
humanitárias poderiam ser instrumentalizadas para servir aos interesses
particulares de alguns Estados poderosos. Neste sentido, as intervenções
humanitárias tenderiam a uma seletividade perniciosa e os critérios para o
estabelecimento de uma intervenção mudaria conforme os interesses dos Estados
na região afetada, incidindo dramaticamente na pretendida isonomia entre os
Estados.
Para Tesón, este argumento não pode ter validade uma vez
que a tirania e a anarquia podem trazer o caos ao sistema internacional tanto
quanto as intervenções. Além disso, aqueles que defendem esta proposição
enfatizam os Estados como únicas unidades relevantes nas relações
internacionais, dando grande importância a suas relações inter-estatais, sem se
preocupar com o que acontece internamente a esses Estados. Por fim, ele pontua
que aqueles que defendem este ponto de vista parecem ignorar que as
instabilidades internas de um Estado certamente têm conseqüências para as
estabilidades externas.
Existe ainda uma série de outros argumentos contrários às
intervenções, como aqueles que enfatizam os cidadãos do Estado interventor que
152
seriam enviados para lutar em uma guerra que, muitas vezes não tem relação com
sua própria história, ou ainda a legitimidade interna das intervenções, qual seja a
aceitação daquela população da interferência externa em seu território.158
Por fim, destacamos a visão universalista que se coloca a
favor das intervenções humanitárias por considerar a existência de uma ética e um
moral nas relações internacionais, colocando o indivíduo em contraposição ao
Estado, na medida em que contrapõe valores tradicionais como a soberania
estatal, inerente ao Estado, aos direitos humanos, inerentes ao indivíduo.
Este debate assume grande importância ao longo dos anos
90, no entanto, não houve consenso por parte da comunidade internacional
quanto à legitimidade de tais intervenções. Além disso, alguns grandes fracassos
da ação da ONU, como a Somália, levaram alguns Estados e a própria
organização a repensarem ações militares de caráter humanitário.159 Essas
experiências mostraram que a utilização da força em conflitos internos pode
ocasionar efeitos ainda mais danosos para essas sociedades. Assim, passado
este primeiro momento no qual o Conselho de Segurança autorizou por várias
vezes o estabelecimento de operações de imposição da paz, ou seja, aquelas que
não contam com o consentimento do país anfitrião e que prevêem o uso da força,
observou-se uma redução no ritmo dessas ações, que embora estejam ainda
158 idem, p.123159 RODRIGUES, Simone Martins. Intervenção Humanitária em Conflitos Internos: Desafios e Propostas. Center for Hemispheric Defense Studies (REDES 200): Research and Education in Defense and Security Studies, 7 a 10 de agosto, 2002, Brasilia, Brasil. P.5
153
bastante presentes no Sistema Internacional, diminuíram relativamente ao início
dos anos 90.
Essa redução e concomitante busca de soluções alternativas
para a prestação de assistência humanitária em conflitos civis internos aos
Estados, não muda, no entanto, o fato de que houve nos anos 90 uma abertura
para o tema das intervenções humanitárias no âmbito das Nações Unidas. Essa
abertura possibilitou a relativização, ainda que localizada, de princípios
tradicionais como a soberania e a não intervenção externa nos assuntos
domésticos de um Estado, trazendo uma concepção de segurança que coloca
lado a lado questões militares a sociais como a pobreza, o desenvolvimento e as
migrações160, como fatores para o rompimento da paz e segurança internacionais.
Não obstante, lembramos que prevalece ainda o justificado
receio de que as intervenções se tornem instrumento para a implementação dos
interesses particulares dos Estados mais fortes. Acreditamos que para melhor
compreendermos essa questão devemos estudar outro conceito o qual define as
condições nas quais estas intervenções podem ser estabelecidas. Esse conceito é
o de emergência complexa, que surge na década de 90 para caracterizar uma
situação de crise humanitária na qual a comunidade internacional deve intervir.
4.3 As emergências complexas e a necessidade de intervir
160 A autorização do uso da força é baseada no artigo 42 do capítulo VII o qual autoriza a utilização de todos os meios necessários para a manutenção da paz e segurança internacional. Neste sentido, as crises humanitárias, acompanhadas de conflitos civis e violações dos direitos humanos passam a ser consideradas motivos à ruptura da paz e segurança internacional.
154
O surgimento deste termo marca as práticas e discursos
contemporâneos, tratando-se de uma invenção bastante atual no campo
humanitário. Ele é empregado em situações caracterizadas por intensas crises
humanitárias nas quais as possibilidades de resposta e auxílio são difíceis de
serem definidas e posteriormente estabelecidas dada a “complexidade” destas
circunstâncias. Neste contexto, o adjetivo “complexa” parece ser empregado, até
certo ponto, como justificativa dos atores ante a dificuldade para conseguirem
responder adequadamente a essas emergências. Não obstante, um estudo mais
aprofundado acerca deste termo mostra que as emergências complexas
apresentam uma complexidade que reside muito mais na variedade de atores e
das respostas do que nas crises em si, evidenciando as divergências entre
aqueles envolvidos no campo humanitário.
Conforme vimos anteriormente, o período posterior à Guerra
Fria foi caracterizado por uma grande ascensão das atividades tidas como
humanitárias. O grande indício é a incorporação da força como meio de realização
ao escopo das suas prerrogativas. No caso da ONU, como tentamos mostrar nos
capítulos anteriores, o uso da força é regido pelo Conselho de Segurança,
principal órgão executivo da organização. Isso denota que a questão humanitária
atingiu status privilegiado, constituindo-se como elemento de ruptura da paz e
segurança internacionais. Além disso, outro indicativo desse novo status é a
criação de órgãos que visam facilitar a entrega do auxílio humanitário. Neste caso,
155
descrevemos no segundo capítulo as ações do OCHA que evidenciam a idéia aqui
defendida.
Concomitantemente a esse processo, observamos o
surgimento de situações inusitadas com a fragmentação, desintegração e
formação de novos Estados, conflitos internos e internacionais que geram imensas
crises humanitárias e desafiam a prática tradicional do auxílio humanitário. Este
novo cenário traz desafios também do ponto de vista teórico-conceitual.
Dada a nova natureza dos conflitos, diversos teóricos passam
a estudar a questão e procuram formular paradigmas para analisar estes
fenômenos. É neste contexto que são introduzidas novas terminologias
humanitárias como o “humanitarismo militar”, a “militarização da ajuda”, dentre
outros. Estes termos acabam por gerar uma confusão ainda maior em torno da
questão humanitária, suas normas e estratégias de intervenção.161
Da mesma forma, o termo “emergência complexa” se insere
neste contexto marcado pela falta de clareza e incerteza. A análise dos
documentos da ONU mostra que o uso deste termo tornou-se cada vez mais
constante, e refere-se às situações que requerem a intervenção da comunidade
internacional para a sua solução. Apesar disso, não foi encontrada uma definição
única que expressasse quais características eram condicionantes para a
autorização de uma intervenção, evidenciando, assim, que seu uso reflete o
contexto específico em que estão inseridas, bem como os atores nelas envolvidos.
161 VOUTIRA, E. The Language of Complex Emergencies and Idioms of Intervention. Invited Paper presented at the International Conference on Complex Humanitarian Emergencies, World Institute of Development Economics (WIDER), Helsinki 1-4/09/1996. p.6
156
A primeira definição das Nações Unidas data de 1994, e foi
formulada a partir do Departamento de Assuntos Humanitários, que como vimos,
tinha como mandato a coordenação do auxílio humanitário, e foi substituído pelo
OCHA. Assim, o órgão define as “emergências complexas” como:
Uma crise humanitária em um país, região ou sociedade onde há total ou considerável quebra da autoridade resultante de conflito interno ou externo, e que requer uma resposta internacional que vai além do mandato ou capacidade de qualquer agência em isolado e/ ou programa da ONU já implementado no país. 162
O principal traço que caracteriza esta definição de
“emergências complexas” e o que as diferencia das demais emergências é o fator
político. Este fator relaciona-se à noção de ruptura da autoridade governamental,
cuja existência é determinada pelo Conselho de Segurança. Aqui observamos
uma vez mais o elemento subjetivo que, a partir desta determinação, permite ao
Conselho definir quais são as emergências caracterizadas como complexas, e,
portanto sujeitas à intervenção pelo uso da força.
A presente definição mostra a relação existente entre as
situações caracterizadas como emergências complexas e a necessidade de
intervir. Esta afirmação permite-nos concluir que a determinação de uma situação
enquanto emergência complexa é suficiente para que a intervenção seja
aprovada. Não obstante, não está claro, nesta definição, quais são os elementos
que determinam a existência de uma crise humanitária profunda e sujeita à
162 Idem p.15
157
intervenção através da força.163
Além do Departamento de Assuntos Humanitários, outras
agências especializadas da ONU formularam suas próprias definições acerca do
termo “emergências complexas”, o que denota a falta de unidade internamente à
organização. Embora tais definições sejam bastante semelhantes, seus
formuladores privilegiam áreas relacionadas à sua agenda interna, o que mostra a
subjetividade a que o termo está sujeito. Outra importante questão é a falta de
clareza relativamente à diferenciação entre o que é uma “emergência” e o que é
uma “emergência complexa”.
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento,
cujo mandato baseia-se na promoção do desenvolvimento nacional, diferencia
estas duas situações pela existência de ruptura total ou considerável da lei e da
ordem, resultante de conflito civil ou agressão externa no caso da “emergência
complexa”164. A este fator acrescenta-se a autorização do Conselho de Segurança
das Nações Unidas para o estabelecimento de forças de manutenção da paz; a
demanda por uma resposta humanitária internacional massiva; e a declaração de
estado de emergência complexa pelo Secretário Geral.
Por outro lado, a situação de “emergência” é caracterizada
pela crise humanitária que excede a capacidade de resposta da comunidade
afetada, e que deve receber auxílio da comunidade internacional. Não se definem
quais respostas devem ser dadas nem o que exatamente diferencia as
163Ibdem164 EUROPEAN COMISSION. Administration—Logistics [in International Humanitarian Assistance]. NOHA, European Community Humanitarian Office; Luxemburgo, 1994. p. 58-61
158
possibilidades de resposta desta situação da anterior. Disso entendemos que as
definições apresentadas pouco diferem, e dependem da apreciação do Conselho
de Segurança e do Secretário Geral, introduzindo, uma vez mais, o elemento
subjetivo.
A Organização Mundial da Saúde (OMS), agência líder da
ONU na área da saúde, define “emergência” enquanto uma situação que demanda
ação imediata e que pode estar relacionada a epidemias, catástrofes tecnológicas,
ou lutas. As causas seriam naturais ou provocadas pelo homem. As “emergências
complexas”, por sua vez, seriam “um tipo de emergência provocada pelo homem
na qual tanto a causa da emergência como a assistência a ser provida são
limitadas por altos níveis de consideração política.”165
A diferenciação entre estas duas concepções parece limitar-
se a duas questões, à causa – que obrigatoriamente deve ser provocada pelo
homem no caso da “emergência complexa” - , e aos “altos níveis de consideração
política”. Este último fator, todavia, não se apresenta claramente, uma vez que não
se declara em que consistem estes altos níveis de consideração política. Por fim,
destacamos que os elementos que caracterizam as emergências são pouco
inclusivos e limitados, destacando-se aqueles fatores relacionados ao próprio
mandato da agência.
O Programa Mundial de Alimentos (PMA), cujo principal papel
em operações de socorro é a provisão de alimentos, não diferencia as
emergências complexas das tradicionais como faz as demais agências. Para o 165 Ibdem
159
órgão, uma “emergência” é definida como uma situação na qual há clara evidência
da ocorrência de um evento que tenha provocado sofrimento humano ou perda do
gado e outros animais de corte, e na qual o governo desse país não tem meios de
remediar a situação. Suas principais características seriam: 1) sofrimento humano
que demanda ação urgente; 2) perturbação em larga escala das atividades
econômicas da comunidade e da vida social; 3) sofrimento e escassez de
alimentos como resultado claro de uma série particular de eventos, que são por si
anormais; 4) incapacidade do governo desse país em prover assistência
adequada.166
A principal crítica a essa definição é a confusão entre
emergências e emergências complexas, dado que o organismo não apresenta
uma conceitualização em separado para cada termo. Esta separação talvez não
seja necessária, mas o que merece destaque é o fato de que este órgão não
segue os moldes das demais agências da ONU, evidenciando as diferentes
posturas existentes na mesma organização.
Ademais, seus elementos constitutivos também privilegiam o
mandato da agência que relaciona o sofrimento humano principalmente à
escassez de alimentos. No entanto, alude a outros aspectos da vida em sociedade
como o fator econômico e o social, não mencionados pelas outras agências.
Apesar disso, não define em que consistem estes fatores, sendo os mesmos
contemplados somente pela expressão “perturbação das atividades econômicas
da comunidade e da vida social em larga escala”.166 Ibdem
160
Segundo Voutira,167 as definições apresentadas pelas
agências especializadas da ONU apresentam, de forma geral, três problemas
principais:
As emergências não podem ser antecipadas e somente identificadas após
sua ocorrência;
Não está clara a diferença entre os temos emergência e emergência
complexa, dada a incerteza presente no termo “político”. Este termo parece
ser a condição necessária para a existência de uma emergência complexa.
Entretanto, não está claro se o “político” refere-se às causas geradoras do
conflito, ou às conseqüências do mesmo.
O termo conflito é usado dualmente. Tanto para evidenciar a causa de uma
emergência como uma condição que contribui para a complexidade da
resposta internacional.
Estas deficiências e ambigüidades contribuem para tornar o
termo ainda mais sujeito a considerações políticas por parte dos agentes
humanitários que dão grande importância a seu próprio mandato e
responsabilidade. Isso acarreta um elevado grau de subjetividade às ações
empreendidas nas regiões afetadas. A autora em questão defende ainda que
parte dessa subjetividade relaciona-se a parcela do orçamento dirigida a cada
167VOUTIRA, E. The Language of Complex Emergencies and Idioms of Intervention. Invited Paper presented at the International Conference on Complex Humanitarian Emergencies, World Institute of Development Economics (WIDER), Helsinki 1-4/09/1996. p.17
161
agência especializada, de modo que o conceito empregado por cada uma
privilegia sua área de atuação na tentativa de obter maiores recursos financeiros.
Tabela 1: Financiamento total do CERF por Agência
(01-03-2006 to 03-06-2008)
Agência Fundos Alocados - US$ Porcentagem do Total
PMA 314,820,439 37.29 %
UNICEF 199,989,880 23.69 %
ACNUR 95,733,080 11.34 %
OMS 79,155,990 9.38 %
FAO 65,124,190 7.71 %
PNUD 32,376,086 3.83 %
OIM 29,380,416 3.48 %
UNFPA 15,474,767 1.83 %
UNRWA 10,875,758 1.29 %
UNESCO 500,000 0.06 %
UNDSS 498,688 0.06 %
UNOPS 230,000 0.03 %
UNIFEM 150,000 0.02 %
Total 844,309,294 100 %
Fonte: Escritório das Nações Unidas para Assuntos Humanitários. Disponível em:
www.ochaonline.un.org . Acesso em 04 de junho de 2008.
Este quadro refere-se ao orçamento anual do CERF, o Fundo
Central de Emergência do OCHA, e que não é previamente fixado. Além desta
divisão, há ainda outra que reparte o orçamento por áreas, daí a idéia de que as
agências procuram definir as “emergências complexas” segundo sua agenda
162
interna, buscando aumentar a porcentagem de financiamento a suas agências e
áreas específicas.
Tabela 2 : Total de financiamento do CERF por setor - Resumo(01-03-2006 to 14-08-2008)
Setor Fundos Alocados - US$
Porcentagem do Total
Alimentação 264,511,956 29.57 %
Saúde 188,605,111 21.08 %
Multi-setorial 83,640,587 9.35 %
Coordenação e serviços de suporte 79,192,048 8.85 %
Água e condições sanitárias 74,469,724 8.32 %
Agricultura 71,379,326 7.98 %
Abrigo e itens não direcionados à alimentação 71,242,822 7.96 %
Proteção dos Direitos Humanos e do Estado de Direito 35,986,937 4.02 %
Educação 11,078,507 1.24 %
Saúde - Nutrição 6,371,671 0.71 %
Coordenação e Suporte de Serviços - UNHAS 2,710,392 0.30 %
Segurança 2,362,281 0.26 %
Recuperação econômica e infra-estrutura 2,000,000 0.22 %
Ações Anti-Minas 1,109,900 0.12 %
Total 894,661,262 100 %Fonte: Escritório das Nações Unidas para Assuntos Humanitários. Disponível em:
www.ochaonline.un.org . Acesso em 04 de junho de 2008.
163
Outra questão a ser destacada é o fato de que as definições
anteriormente descritas não são operacionais, ou seja, não indicam quais ações
devem ser tomadas quando da eclosão dessas crises para práticas futuras ficando
a cargo das agências envolvidas em cada emergência definirem quais medidas
serão tomadas. Estas definições enumeram os elementos constitutivos das
emergências complexas sem, no entanto, destacar o grau de importância de cada
elemento e privilegiando elementos presentes em suas agendas internas de ação.
Assim, ainda que existisse uma definição que abarcasse todos os possíveis
elementos constitutivos de uma emergência complexa, a mesma, possivelmente,
careceria de diretivas operacionais que estabelecessem formas de ação.
Dessa forma, acreditamos que a ONU e seus órgãos carecem
de uma definição que inclua os aspectos programáticos e operacionais de uma
emergência complexa. De modo que possíveis formas de ação também sejam
definidas. Esta ausência implica em deixar uma ampla margem de subjetividade
aos órgãos responsáveis pela provisão da assistência humanitária, em especial ao
Conselho de Segurança quando a mesma deve ser provida mediante o uso da
força.
A relação entre as intervenções humanitárias e a definição de
emergência complexa está no fato de que as emergências complexas constituem
situações sujeitas ao uso da força constitutivo das intervenções. A ausência de
uma definição clara de emergência complexa pode levar ao uso político deste
termo que pode ser empregado segundo agendas e motivações particulares.
164
Estas situações acabam sujeitas à seletividade dos atores envolvidos e sua
caracterização enquanto emergência complexa não obedece a critérios clara e
objetivamente definidos. Assim sendo, cabe questionar a razão pela qual algumas
crises têm maciça resposta internacional enquanto outras são ignoradas quase
que por completo. Se a definição de emergência complexa que é aceita pela
comunidade internacional, tem o elemento de intervenção como corolário, por que
então algumas crises são sujeitas a intervenção por essa mesma comunidade
internacional enquanto outras são abandonadas a sua própria sorte? Quais são os
critérios para determinar a gravidade de uma crise que a leve a se configurar
como uma emergência complexa e, portanto, sujeita a intervenção internacional?
Para achar resposta a esses interrogantes, precisamos
analisar qual a raiz das causas que levam a comunidade internacional a responder
pronta e maciçamente a algumas emergências e não a outras e isso nos levaria à
significância estratégica deste país. Porém se admitirmos que certos países têm
maior importância estratégica, estamos afirmando que não há isonomia no
contexto internacional e portanto, aos demais países e à comunidade internacional
interessaria intervir nalguns e não noutros. Neste sentido, a politização da ação
humanitária através das intervenções militares torna-se evidente. Se as
intervenções humanitárias são autorizadas pelo Conselho de Segurança e este é
formado por quinze Estados, dos mais de 200 existentes no mundo, e destes
quinze, apenas cinco têm o poder de vetar uma decisão, então que bem se busca
165
com as intervenções? O bem da população civil afetada ou o interesse particular
dos Estados membros?
Podemos ainda pensar no auxílio humanitário e na forma
como o mesmo é estabelecido pela ONU para não incorrer na difícil questão do
uso da força. Voltemos ao Escritório das Nações Unidas para Assuntos
humanitários, cuja função primordial é justamente coordenar a ação dos agentes
humanitários. Por que algumas crises humanitárias recebem mais fundos que
outras? O OCHA, através do sistema de chamadas unificadas, lança aos agentes
financiadores pedido para financiamento da ação humanitária em determinadas
crises. No entanto, a estes agentes doadores é facultado o direito de escolher
quais as crises que receberão seus donativos e mais, podem ainda escolher quais
áreas receberão seu auxílio. Assim, o que observamos é a concentração de
recursos em algumas crises, em especial aquelas que são mais exploradas pela
mídia e enquanto outras são praticamente esquecidas. Da mesma forma, a fase
emergencial tende a agrupar a maior quantidade de recursos enquanto que fases
posteriores e igualmente importantes de reconstrução do Estado recebem menos
ajuda e dependem em grande medida do interesse de grupos privados
estrangeiros.168
168 Ainda relacionado a esta questão há um outro problema, que se refere ao trabalho das organizações não-governamentais independentes. Durante as crises humanitárias, uma enorme quantidade do financiamento recebido é direcionado a essas ONGs em detrimento das instituições estatais em formação. É o caso, por exemplo, do Haiti, país que tem passado recentemente por duradouro conflito internacional e crise humanitária crônica. Apesar do governo recém instituído e da tentativa de reconstrução do país, a maior parte do capital obtido para dar seguimento aos projetos sociais na região está na mãos dessas organizações, que muitas vezes acabam por desperdiçar os recursos, abastecendo o conflito e enfraquecendo a autoridade governamental ainda em processo de instituição legal.
166
Dessa forma, acreditamos que a atual forma com que o auxílio
humanitário é prestado incorre em questões particulares dos Estados
interventores e doadores. No entanto essa ajuda, por mais direcionada que seja,
muitas vezes é a única opção para aqueles que necessitam suprir suas
necessidades mais básicas.
4.4 O interesse nacional e a responsabilidade de proteger
Conforme evidenciado ao longo destes capítulos, observamos
que o campo humanitário ampliou-se consideravelmente principalmente a partir da
década de 90. Não obstante, esta expansão não se limita apenas ao número de
emergências e crises humanitárias, mas também ao aumento considerável de
organizações dedicadas ao campo, à evolução do escopo da ação humanitária e,
finalmente, à transformação de seu próprio significado.
A institucionalização e a profissionalização do campo
humanitário, bem como o crescente interesse dos Estados pela temática são
evidências dessa ampliação. Todavia, o que temos observado é que tais fatores
têm contribuído também para a politização desta ação.
Ao observarmos a forma como o auxílio ou a assistência
humanitária tem sido realizada empiricamente, percebemos que o “humanitário”,
pensado inicialmente enquanto um termo apolítico, na medida em que é regido por
princípios de neutralidade e imparcialidade, transformou-se cada vez mais em um
167
termo político cuja definição se adapta ao contexto, atores e agendas envolvidos.
Segundo nos lembra Michael Barnett,169 as agências humanitárias de outrora se
auto definiam enquanto entidades opostas à política, reafirmando os princípios de
neutralidade, imparcialidade, e independência como forma de evidenciar que suas
ações eram inspiradas no humanitarismo, diferente dos Estados, motivados
principalmente por seus próprios interesses. Assim, “os princípios de humanidade,
imparcialidade, neutralidade e independência seriam uma forma de despolitizar a
ação humanitária e criar um espaço humanitário isolado da política”.170
No entanto, o que temos observado é que com a mudança do
contexto internacional e com a ampliação do sistema de assistência humanitária, a
natureza de muitas agências dedicadas à área transformou-se. A primeira grande
evidência é a institucionalização e a profissionalização dessas agências. Esta
institucionalização é ilustrada pelo aumento do número de agências humanitárias
e pela formulação de padrões de conduta, normas e princípios comuns. A grande
crítica de Barnett a este fato relaciona-se à intensa padronização das
organizações humanitárias, que têm perdido ou pelo menos diminuído sua
capacidade de reconhecer, identificar e responder adequadamente às
necessidades locais em uma dada emergência ou crise humanitária. Ademais, ele
pontua que esta generalização e padronização tem levado ao receio de que a
distinção entre agências humanitárias, firmas comerciais e até mesmo unidades
169 BARNETT, Michael. Humanitarianism Transformed. IN: Perspectives on Politics. Section: Articles,Vol. 3, n°4, dezembro, 2005. p.723170 Idem, p.724.
168
militares esteja se desintegrando, principalmente com a utilização da força como
meio de prover a assistência.171
Além disso, observamos também que a participação dos
Estados nessas ações aumentou consideravelmente. O aumento dos gastos
públicos nacionais direcionados à questão e a criação de unidades de assistência
humanitária na estrutura administrativa dos Estados evidenciam este fato. Essas
unidades de assistência humanitária são criadas juntamente a seus Ministérios de
Relações Exteriores e de Defesa, o que mostra o crescente interesse dos Estados
pela questão, colocando-a como objeto de sua política externa e relacionando-a a
sua própria segurança nacional.172 Não obstante, a participação direta dos Estados
nessas ações trazem ainda mais problemas referentes à politização da ação
humanitária, uma vez que muitas vezes as agências passam a receber fundos
governamentais e a compartilhar sua agenda com a do Estado patrocinador. Esta
realidade aliada à mudança do regime de soberania que discutimos anteriormente
contribui para diminuir as barreiras para a intervenção.
Sobre as motivações que levam os Estados a participarem de
tais ações, lembramos do estudo realizado por Laura Neack173 e que tinha por
objetivo avaliar se a participação dos Estados em missões de paz baseia-se em
um comprometimento com a sociedade global e a paz internacional, ou se resulta
de seus interesses particulares. Para realização de sua análise a autora fez uma 171 Idem, p.725172 Segundo o autor mencionado, os Estados entendem as crises humanitárias enquanto ameaça à segurança internacional e por essa razão podem relacioná-las à segurança regional e à sua própria. (BARNETT, p.724-726)173 NEACK, Laura. UN Peace-Keeping: in the interest of Community or Self? IN: Journal of Peace Research, vol32, n°2, 1995.pp.181-196
169
pesquisa englobando as primeiras dezoito missões autorizadas pelas Nações
Unidas. A pesquisa consistiu-se em comparar dados relativos à região onde foram
estabelecidas essas missões, quais países foram os principais contribuintes e
como.174
Os resultados obtidos mostraram que a grande maioria dos
países participantes das missões são ocidentais e, surpreendentemente, países
considerados potências médias, especialmente em missões de observação.
Ademais, a autora observou que alguns desses países atribuem grande
importância a essa participação que parece estar relacionada à possibilidade de
atingir ou manter determinado status quo na política internacional. Em suas
palavras:
“O interesses dos países considerados potências médias está relacionado à continuidade do status quo internacional por que neste status eles têm alcançado relativa afluência e influência: este é o caso para potências médias ocidentais especialmente. Potências médias não ocidentais ou até países pequenos ou fracos deverão também apoiar o status quo, muito embora este seja, inegavelmente, ocidental em suas origens. Para estes Estados é irreal imaginar uma revisão completa do sistema mundial para servir melhor a seus interesses. No entanto, estes Estados podem encontrar uma posição na ordem estabelecida e na qual eles poderão oferecer e defender seus interesses não relacionados ao status quo vigente. O envolvimento da Índia e do Brasil no sistema ONU pode ser entendido dessa maneira. Dessa forma, a participação nas operações de paz da ONU pode derivar do interesse em proteger o sistema internacional e a atual ou desejada posição do Estado participante naquele sistema.”175
174 A pesquisa realizada mostrou também que a maior parte das contribuições são direcionadas à área militar com o envio de tropas, policiais militares e armamentos. A área de logística é uma das mais negligenciadas pelos Estados e o país que mais contribui nesse âmbito é o Canadá. Embora estes dados sejam bastante importantes, não são necessários para os fins desse estudo, e por essa razão não serão discutidos neste tópico. (NEACK, p.187)175 Idem , p.184
170
Tabela 3 – Países contribuintes, 1948 – 90PAÍSES Total de operações Missões de
Observação Forças de Manutenção da Paz
Canadá 17 9 8Suécia 15 7 8Irlanda 13 7 6Finlândia 12 6 6Noruega 12 7 5Dinamarca 11 7 4Índia 11 7 4Itália 11 6 5Austrália 9 5 4Estados Unidos 9 2 7Áustria 8 3 5Gana 8 4 4Brasil 7 4 3Holanda 7 4 3Nova Zelândia 7 5 2Argentina 6 5 1Indonésia 6 2 4Nigéria 6 2 4Suiça 6 2 4Iugoslávia 6 3 3Japão 5 2 3Nepal 5 3 2Peru 5 2 3Polônia 5 2 3Reino Unido 5 0 5União Soviética 5 2 3Bélgica 4 3 1Burma 4 3 1Chile 4 4 0Equador 4 4 0Paquistão 4 1 3Sri Lanka 4 2 2Alemanha Ocidental 4 1 3* Somente inclusos países que participaram em pelo menos quatro missões de um total de dezoito.
Fonte: NEACK, Laura. UN Peace-keeping: Community or Self? IN: Journal of Peace Research, vol.32, n°2, 1995. p.186
Tabela 4: missões de paz, 1948-90Missões de Observação:
UNTSO – UN Truce Supervision Operation
171
UNMOGIP – UN Military Observer Group in India and PakistanUNOGIL – UN Observation Group in LebanonUNYOM – UN Yemen Observation MissionDOMREP – Mission of the Representatives of the Secretary General in the Dominican RepublicUNIPOM – UN India-Pakistan Observation MissionUNGOMAP – UN Good Offices Mission in Afghanistan and PakistanUNAVEN – UN Angola Verification MissionONUCA – UN Observer Group in Central AmericaForças de Manutenção da Paz:
UNEF I – UN Emergency ForceONUC – UN Operations in CongoUNSF – UN Security Force in West New Guinea (West Irian)UNFICYP – UN Peace-keeping Force in CyprusUNEF II – Second UN Emergency ForceUNDOF – UN Disengagement Observer ForceUNIFIL – UN Interim Force in LebanonUNTAG – UN Transition Assistance Group in Namibia
Fonte: Formulação própria baseada nos dados de Neack
Relativamente aos locais onde essas missões foram
estabelecidas os dados são também bastante indicativos, mostrando que a grande
maioria das missões ocorreu no Oriente Médio. Ao comparar esse dado à atual
realidade, observamos uma grande dispersão geográfica relativamente aos locais
onde as missões são estabelecidas, bem como uma maior variedade de Estados
participantes. Para a autora, estes dados não são demonstrativos de uma nova
“era onusiana em missões de paz”, uma vez que a grande maioria dos países
participantes continua sendo aqueles considerados ocidentais, especialmente
países europeus.176
176 Idem, p.190
172
Observando-se os dados de Rothgeb177 relativamente aos
conflitos intra e inter-estatais dos períodos mencionados, constatamos que o
estabelecimento de missões de paz no período corrente à Guerra Fria, não parece
privilegiar as áreas onde há maior número de conflitos, mas regiões que estão fora
do controle ou área de influência das grandes potências. Assim, observamos que
entre 1945 e 1990, nove operações foram estabelecidas no Oriente Médio, três no
sul da Ásia, três no sul da África, duas na América Central/Caribe e somente uma
na Oceania. Paralelamente, de acordo com Rothgeb, houve entre 1945 e 1988,
sete conflitos inter-estatais no norte da África e Oriente Médio, quatro no sudeste
asiático, três no sul da Ásia, dois na África sub-sahariana e um em cada uma das
seguintes regiões: leste europeu, América Central, norte da Ásia, Mediterrâneo e
Atlântico sul. Relativamente aos conflitos intra-estatais os dados são ainda mais
alarmantes, mostrando a existência de quatorze conflitos internos na África Sub-
sahariana, doze no norte da África e Oriente Médio, oito na América Central, oito
no sudeste asiático, seis no sul da Ásia, duas no norte da Ásia, duas no leste
asiático e um na região mediterrânea.
Tabela 5: Distribuição de missões de paz e conflitos inter e intra-estatais por região – 1945-90
Região Conflitos inter-estatais
Conflitos intra-estatais
Total de Conflitos
Total Missões de Paz
Oriente Médio/ 7 12 19 9 Norte Africano Sudeste Asiático 4 8 14 0177 Apud in NEACK, Laura. UN Peace-keeping: Community or Self? IN: Journal of Peace Research, vol.32, n°2, 1995. p.187-188
173
Sul Asiático 3 6 9 3 África Sub-Sahariana 2 14 16 3 América Central/ 1 8 9 2 Caribe Norte Asiático 1 2 3 0 Mediterrâneo 1 1 2 0 Atlântico sul 1 0 1 0 Leste Asiático 0 1 1 0 Oceania 0 0 0 1 Fonte: Formulação própria baseada nos dados de Neack e Rothgeb
Assim, conforme observamos através desta breve análise, há
um padrão de seletividade para os locais onde se estabeleceram as missões no
período considerado pela autora. Embora uma pesquisa mais aprofundada sobre
a localização geográfica das missões subseqüentes à Guerra Fria não tenha sido
realizada, observamos que a mesma seletividade persiste, o que pode ser
evidenciado pela existência das chamadas “guerras esquecidas” como foram, por
exemplo os casos da Somália, Ruanda e mais recentemente do Sudão, regiões
onde se estabeleceram missões tardiamente quando milhares de vidas já haviam
sido perdidas. Além disso, ao observarmos quais países participaram em cada
missão neste mesmo período, percebemos que outro fator preponderante tem sido
o passado histórico e muitas vezes colonial dessas regiões, levando a participação
de antigas metrópoles em missões estabelecidas em antigas colônias e pondo em
risco a neutralidade da missão.
Neste contexto, observamos uma dicotomia entre aquelas
missões baseadas no princípio da neutralidade da comunidade internacional e
aquelas nas quais a missão sob a bandeira da ONU parece ser estabelecida para
174
justificar ações unilaterais baseadas nos interesses nacionais dos Estados
interventores e que visam mascarar sua intervenção nos assuntos internos de
outros Estados.
No intuito de obter dados mais exatos acerca das missões de
paz pós década de 90, realizamos um breve estudo que engloba as missões de
paz estabelecidas na década de 90 até os dias atuais. A pesquisa consistiu em
tabelar as missões de paz nesse período, observando-se quais países
participaram maior número de missões.178 O resultado nos mostrou que países
considerados subdesenvolvidos ou em desenvolvimento têm cada vez mais
participado das missões de paz estabelecidas pela ONU. Em alguns casos, a
explicação parece estar relacionada ao financiamento das missões. Países como
Bangladesh, Paquistão, Jordânia, Nepal e Uruguai, mantêm intensas participações
não somente do ponto de vista quantitativo – ou seja número de missões – como
também do ponto de vista qualitativo – ou seja tropas enviadas - e são por muitos
conhecidos como países mercenários, cujo interesse em missões de paz
relaciona-se ao dinheiro obtido com cada participação.179
178 Não obstante, sabemos que a participação em missões de paz não deve ser medida somente pelo número de missões que cada Estado participou, uma vez que o envio de pelo menos um soldado por cada Estado já é suficiente para que seja contabilizado como Estado participante. Outro dado importante a ser analisado é o número de tropas e policiais enviados em cada missão. Em razão da ausência de dados sobre algumas missões, optamos por trabalhar somente com a participação em missões de paz. Para obtenção destes dados, ver Anexo I.179 Segundo ranking de contribuições militares e policias das Nações Unidas no último censo de 2008 Paquistão e Bangladesh apresentaram-se como primeiro e segundo maiores contribuintes, Nepal e Jordânia apresentam-se em quinto e sétimo lugares respectivamente. O Uruguai está em décimo lugar, sendo o primeiro país da Maérica Latina em contribuições militares e policiais à ONU.
175
O interesse destes países é essencialmente diferente daqueles como
Índia, Argentina, Brasil e Gana, para citar alguns, que parecem participar das
missões de paz multilaterais como forma de se inserir e influir na política mundial.
Tabela 6 – Países contribuintes, 1990 - 2008PAÍSES Total de operações Missões de
Observação Forças de Paz
Bangladesh 31 10 21Paquistão 29 07 22Canadá 28 05 23Egito 28 07 21Jordânia 28 08 20Rússia 28 08 20Nigéria 25 07 18Gana 24 07 17Índia 24 07 17Suécia 24 09 15Argentina 23 06 17Nepal 23 05 18Senegal 23 05 18Uruguai 23 08 15França 22 06 16Kênia 22 07 15Malásia 22 07 15Noruega 21 08 13Estados Unidos 20 03 17Brasil 19 08 11China 19 03 16Indonésia 18 05 13Polônia 18 07 11Irlanda 17 04 13Áustria 16 06 10Turquia 16 02 14Ucrânia 16 06 10Mali 15 02 13Nova Zelândia 15 05 10Zâmbia 15 03 12Benin 14 00 14Dinamarca 14 05 09Espanha 14 04 10Holanda 14 05 09Niger 14 01 13
176
Reino Unido 14 03 11Romênia 14 04 10Zimbábue 14 03 11Bolívia 13 02 11Filipinas 13 01 12Togo 13 00 13Tunísia 13 00 13Alemanha 12 03 09Austrália 12 01 11Fiji 12 01 11Hungria 12 08 04Namíbia 12 02 10Tailândia 12 02 10Portugal 11 02 09Sri Lanka 11 00 11Bélgica 10 02 08Croácia 10 02 08Eslováquia 10 04 06Finlândia 10 02 08Gâmbia 10 01 09Iemen 10 00 10República Tcheca 10 05 05Suiça 10 03 07Camarões 09 00 09Congo 08 04 04Coréia do Sul 08 01 07Guiné 08 00 08Itália 08 02 06* Inclusos somente países com participação superior a oito missões de um total de 42 missões180
Fonte: Formulação própria baseada em dados coletados no site da Organização das
Nações Unidas. Disponível em: www.un.org. Acesso em 22 de julho de 2008.
Tabela 7: Missões de paz 1990 – 2008
Missões de Observação
MONUA – UN Observer Mission in AngolaUNAVEM II - UN Angola Verification Mission IIUNAVEM III - UN Angola Verification Mission IIUNASOG – UN Aouzou Strip Observer Group
180 Três missões de paz foram excluídas dessa contagem pela ausência de dados relativos a países contribuintes no site oficial da Organização das Nações Unidas. As missões excluídas são: United Nations Confidence Restoration in Croacia (UNCRO), United Nations Protection Force (UNPROFOR) e, finalmente, United Nations Interim Administration in Kosovo (UNMIK).
177
UNOMIL – UN Observer Mission in LiberiaUNOMUR – UN Observer Mission in Uganda- RuandaUNOMSIL – UN Observer Mission in Sierra LeoneONUSAL – UN Observer Mission in El SalvadorMINUGUA - UN Verification Mission in GuatemalaUNMOT – UN Mission of Observers in TajikistanUNMOP - UN Mission of Observers in Prevlaka UNIKOM - UN Iraq-Kuwait Observation Mission UNOMIG - UN Observer Mission in Georgia Forças de Paz
ONUB - UN Operation in Burundi)MINURCA – UN Mission in the Central African Republic ))ONUMOZ – UN Operation in MozambiqueUNAMIR – UN Assistance Mission for Rwanda UNAMSIL - UN Mission in Sierra Leone UNOSOM I – UN Operation in Somalia I UNOSOM II – UN Operation in Somalia IIMIPONUH - UN Civilian Police Mission in Haiti UNTMIH - UN Transition Mission in HaitiUNSMIH – UN Support Mission in Haiti UNMIH – UN Mission in Haiti UNTAC – UN Transitional Authority in CambodiaUNAMIC – UN Advance Mission in CambodiaUNTAET – UN Transitional Administration in East Timor UNMISET – UN Mission of Support in East Timor UNMIBH – UN Mission in Bosnia and Herzegovina UNPSG – UN Civilian Support GroupUNTAES – UN Transitional Authority in Eastern Slavonia, Baranja and Western Sirmium UNPREDEP – UN Preventive Deployment Force MINURCAT -UN Mission in the Central African Republic and Chad UNAMID - African Union/UN Hybrid operation in Darfur UNMIS - UN Mission in the SudanUNOCI - UN Operation in Côte d'Ivoire UNMIL -UN Mission in Liberia MONUC - UN Mission in the Democratic Republic of the Congo MINURSO - UN Mission for the Referendum in Western Sahara MINUSTAH – UN Stabilization Mission in Haiti UNMIT - UN Integrated Mission in East TimorFonte: Formulação Própria baseada nos dados disponíveis no sítio da ONU: www.un.org
178
Assim, observando-se os dados coletados, percebemos que o
número de missões de paz estabelecidas no pós Guerra Fria foi muito superior
àquelas estabelecidas no período anterior. Este aumento foi acompanhado
também por aumento significativo de países envolvidos nas missões, o que
demonstra maior interesse da comunidade internacional pelo tema.
Neste contexto, observamos um interesse crescente dos
Estados em participar de missões de paz. Relativamente àquelas missões
imbuídas de justificativas humanitárias, entendemos que embora basadas em
princípios de neutralidade, imparcialidade e humanidade, as intervenções
humanitárias tendem a ser estabelecidas segundo interesses racionais
particulares dos Estados-membros da organização em questão. Ademais, como
discutido no tópico anterior, percebemos também que as organizações
humanitárias e agências especializadas da ONU têm agido politicamente na
defesa das intervenções privilegiando suas agendas e motivações internas.
Apesar disso, as intervenções humanitárias continuam sendo
uma das poucas alternativas para os casos de emergências complexas e auxílio
às populações civis residentes nesses locais. Muito se tem discutido sobre qual a
melhor forma de tratar esses países e neste contexto não poderíamos deixar de
mencionar o documento intitulado “A Responsabilidade de Proteger” (R2P), que
versa sobre “o denominado 'direito de intervenção humanitária', ou seja a questão
sobre se é adequado que os Estados adotem medidas coercitivas, e em particular
179
militares, contra outro Estado para proteger sua população civil em risco”. 181
Nesses termos, a Responsabilidade de Proteger é:
“(..) uma norma internacional emergente que defende a responsabilidade primordial dos Estados em proteger suas populações do genocídio, crimes de guerra, delitos contra a humanidade e limpeza étnica, no entanto, quando determinado Estado fracassa em proteger sua população, a responsabilidade recai na comunidade internacional.”182
O documento publicado em 2001 é fruto das análises da
Comissão Internacional sobre Intervenção e Soberania dos Estados, formada por
iniciativa do governo canadense frente à declaração em Assembléia Geral do
então Secretário Geral das Nações Unidas, Kofi Annan. A declaração instava os
Estados membros a resolverem os conflitos internacionais através de ações
baseadas na responsabilidade da comunidade internacional de responder a
violações de direitos humanos massivas e limpeza étnica.
Nesse contexto, a R2P foi incluída na agenda de reformas da
ONU e negociada na Assembléia Geral ao longo de 2005, tendo sido
definitivamente incorporada às discussões no painel de Alto Nível “Amenazas,
Reto y Cambio” bem como no informe do Secretário Geral intitulado “En Mayor
Liberdade”, e finalmente, no Documento Final da Cúpula da ONU que incluiu o
compromisso com os princípios básicos da “Responsabilidade de Proteger”.
181 COMISSÃO INTERNACIONAL SOBRE INTERVENÇÃO E SOBERANIA DOS ESTADOS. Responsabilidade de proteger. Disponível em: www.responsibilitytoprotect.org. Acesso em 22 de maio de 2008. p.vii
Do original: “(..) el denominado “derecho de intervención humanitaria”, es decir, la cuestión de si es adecuado que los Estados adopten medidas coercitivas, y en particular militares, contra otro Estado para proteger a personas que corren peligro en ese otro Estado y los casos en que pueden hacerlo.”182 Informações disponíveis em: www.responsibilityto protect.org . Acesso em: 15 de maio de 2008.
180
Estes princípios baseiam-se na compreensão da soberania
como responsabilidade e defende que os Estados aceitem que a soberania obriga-
os à responsabilidade de proteger suas populações, e que a comunidade
internacional, por sua vez, deve assumir essa responsabilidade quando o Estado é
incapaz de proteger suas populações. Essa proteção é, então codificada em um
amplo espectro de atividades que devem ser realizadas pela comunidade
internacional e organizações regionais, deixando aberta a possibilidade de
intervenção militar uma vez fracassados todos os meios pacíficos.
Os principais elementos da R2P englobam três
responsabilidades específicas, quais sejam: 1) a responsabilidade de prevenir,
que implica a eliminação tanto das causas diretas de conflitos internos e/ou outras
crises provocadas pelo homem e que ponham a população em risco; 2) a
responsabilidade de reagir, que corresponde à necessidade de responder a
situações nas quais a proteção humana seja imperiosa através de medidas
adequadas, dentre as quais encontram-se medidas coercitiva, como a imposição
de sanções e intervenções militares; e, por fim, 3) a responsabilidade de
reconstruir, que oferece assistência para a recuperação, reconstrução e
reconciliação da sociedade recém intervinda.
No entanto, o documento destaca que a intervenção militar
com fins de proteção humana é uma medida excepcional e, para que seja
autorizada deve respeitar uma série de condicionalidades, dentre as quais
destacamos as principais:
181
1) Critério de causa justa:a intervenção militar é justificada somente quando
existe ou está para surgir danos humanos graves ou irreversíveis,
essencialmente, grande perda de vidas humanas ou depuração étnica em
larga escala, resultantes da ação deliberada de um Estado, ou de sua
negligência ou incapacidade de atuar quando do colapso do Estado.
2) Intenção correta: o fim primordial da intervenção deve ser evitar o
sofrimento humano. Para que este critério seja cumprido, o documento
sugere que as operações sejam multilaterais e que contem com claro
respaldo das vítimas e opinião pública regional.
3) Último recurso: a intervenção somente é justificada uma vez esgotadas
todas as demais opções não militares para prevenir ou solucionar
pacificamente a crise, ou ainda, quando “existam motivos razoáveis para
crer que outras medidas menos enérgicas não dariam frutos”.183
4) Meios proporcionais: a escala, duração e intensidade previstas para a
intervenção devem corresponder ao mínimo necessário para a proteção
humana.
5) Possibilidades razoáveis: para que a intervenção seja autorizada, deve
haver possibilidades razoáveis de que o sofrimento humano pode ser
evitado e/ou finalizado, e que as conseqüências da ação de intervir não
sejam piores do que a não-intervenção.
183 Idem, p.41
182
Estes critérios dão margem a uma série de questionamentos,
essencialmente, acerca da viabilidade de legitimar ações militares em prol da vida
humana. Nossos principais interrogantes referem-se à possibilidade de que a
aceitação do documento pela ONU e pela comunidade internacional como um
todo signifique a legitimação de intervenções militares baseadas em motivações
particulares que levariam os Estados a aclamar a “Responsabilidade de Proteger”
para realização de seus próprios interesses. Assim, observando as condicionantes
elaboradas pela Comissão, percebemos que da mesma forma que o sistema de
segurança coletiva da ONU, o documento enumera uma série de critérios que
podem levar à interpretações diversas.
O princípio de causa justa embora essencial para a
autorização de uma intervenção não leva em consideração o fato de que em tais
conflitos, nos quais as facções rivais pertencem a uma mesma nacionalidade, a
população civil acaba, muitas vezes se envolvendo nas disputas e a distinção
entre os combatentes e não combatentes é bastante difícil. Ademais, não se
definem os meios de se prever a ocorrência de fatalidades civis nem quais
condicionalidades são necessárias para afirmar-se, com segurança, que uma
catástrofe humanitária está para ocorrer. Sobre essa questão, o documento
apenas insta a elaboração de informes precisos e imparciais sobre cada situação,
que devem ser feitos por organização não governamental idônea, sugerindo
inclusive que o papel deva ser assumido pela Cruz Vermelha, e na ausência dela
pelo próprio Conselho de Segurança mediante pedido formal do Secretário Geral.
183
Relativamente ao princípio de intenção correta, parece-nos
bastante difícil assumir que os Estados participantes da intervenção sejam
motivados exclusivamente pela tentativa de evitar o sofrimento humano.
Destacamos também que o fato de uma operação ser multilateral não implica a
ausência de interesses particulares por parte dos Estados participantes, mas
somente a vontade política desses Estados em contribuir. Dessa forma,
acreditamos, que embora a intenção para que uma intervenção seja autorizada
deva, realmente, ser a correta, lembramos que os Estados são entidades políticas
em busca de um ”lugar ao sol” em um sistema internacional anárquico e a
motivação em prol da humanidade não é necessariamente verdadeira. Conforme o
próprio informe declara:
É possível que os motivos humanitários nem sempre sejam os únicos que impulsionam o Estado ou os Estados que participam da intervenção, inclusive quando a autorização do Conselho de Segurança já foi obtida. O altruísmo absoluto – a total ausência de interesses mesquinhos pessoais – pode ser um ideal mas nem sempre se dá na realidade, nas relações internacionais como nas demais esferas, é comum que se combinem distintos motivos. Ademais, dado que toda ação militar tem gastos orçamentários e certo risco para o pessoal deslocado, ao Estado que intervém resulta politicamente imprescindível alegar que tem certo interesse na intervenção, por mais altruísta que seja sua motivação primordial. Aparte os interesses econômicos e estratégicos, um Estado poderia argumentar, por exemplo, seu desejo compreensível de evitar que em um país vizinho se produza êxodo de refugiados, que acredita-se é um santuário para os produtores de drogas e/ou terroristas.184
184 Idem. p.40.Tradução nossa. Do original: “Puede que los motivos humanitarios no siempre sean los únicos que impulsan al Estado o los Estados que participan en la intervención, incluso aunque esta cuente con la autorización del Consejo de Seguridad. El altruismo absoluto–la total ausencia de mezquinos intereses personales– puede ser un ideal pero no siempre se da en la realidad, ya que lo normal, en las relaciones internacionales como en las demás esferas, es que se combinen distintos motivos. Además, dado que toda acción militar conlleva gastos presupuestarios y un riesgo para el personal, al Estado que interviene tal vez le resulte políticamente imprescindible alegar que tiene cierto interés en la intervención, por muy altruista que sea su motivación primordial. Aparte de los intereses económicos y estratégicos, un Estado podría aducir, por
184
Sobre o princípio relacionado ao uso da força como recurso,
temos uma infinidade de exemplos nos quais a coerção militar foi utilizada sem
que todos os meios pacíficos tenham sido esgotados, conforme disposto no
capítulo VII da Carta, e a existência de um novo documento que reafirma este
princípio não significa que o mesmo passará a ser respeitado. Além disso, a
observação referente ao uso de medidas pacíficas quando acredita-se que a
implementação de outras medidas pacíficas não sejam eficientes traz, uma vez
mais, o elemento subjetivo a tona e pode ocasionar o uso indevido da força
motivado, novamente, pelos interesses particulares daqueles envolvidos na
operação.
O princípio sobre a proporcionalidade dos meios, por sua vez,
não define como identificar qual a devida escala, duração e intensidade dos meios
empregados, nem delimita empiricamente quais fatores são considerados para a
formulação de ações proporcionais à crise em questão.
Por fim, o princípio que versa sobre a probabilidade de que a
ação militar tenha êxito não define como medir esse prospecto, nem como
delimitar se o ato de intervir trará conseqüências melhores do que a não-
intervenção. Nesse sentido, destacamos a ausência de critérios claros e aceitos
sobre como são medidos ambos os prospectos supracitados.
ejemplo, su deseo comprensible de evitar que en un país vecino se produzca un éxodo de refugiados se cree un santuario para los productores de drogas o los terroristas.”
185
Dessa forma, reiteramos o receio de que o documento
contribua para fins que visem mais o bem dos interventores do que dos
intervindos. A R2P destaca, também que a autoridade competente para assumir
as responsabilidades delineadas pelo documento é o Conselho de Segurança,
destacando ainda a necessidade de que os membros permanentes abram mão de
seu direito a veto em assuntos que não comprometam seus interesses vitais para
que as medidas adequadas sejam tomadas em prol da vida humana. Ora, como é
sabido, ao longo da história da ONU, seu Conselho de Segurança, por diversas
vezes, teve suas atividades cerceadas pelo veto das potências que detêm o status
de membros permanentes, e não há, até o presente momento, elementos
significativos que corroborem com a idéia de que o veto não será utilizado.
Ademais, estes Estados podem alegar que uma dada intervenção pode afetar
seus interesses vitais. Nesses termos, o próprio documento fornece meios legais
para que as super-potências utilizem-se do veto, como o fizeram repetidas vezes
no passado.
Todavia, apesar das intensas críticas, saudamos as tentativas
de se pensar as intervenções humanitárias, seu status legal e sua legitimidade.
Nesse sentido, o documento apresenta-se como importante fonte de referência no
assunto, elucubrando importantes considerações acerca desta questão.
A R2P já foi aprovada por uma série de Estados e entidades
da sociedade civil, e tem sido, paulatinamente incorporada à agenda da ONU,
através de discussões, debates, e inclusões nos textos de documentos oficiais
186
publicados pela organização. Acreditamos, assim, que trata-se de um importante
documento a ser debatido pelos acadêmicos e profissionais da área,
principalmente se o mesmo leva à legitimação e legalidade das intervenções
humanitárias e se as mesmas podem ser fruto de motivações particulares dos
Estados participantes.
187
Considerações Finais:
A incorporação definitiva da prática humanitária no pós-Guerra
Fria foi evidenciada pela constante autorização ao estabelecimento de
intervenções humanitárias pelo Conselho de Segurança e pelo aprimoramento do
sistema de assistência humanitária. Contudo, a incorporação da força como
elemento para prover essa assistência não veio acompanhada por uma auto-
reflexão acerca de quais são os objetivos, critérios de seleção, e formas
adequadas de resposta das intervenções humanitárias.
Esta ausência se exprime pela falta de objetividade e clareza
conceitual que permeia os termos atualmente usados no discurso humanitário.
Como resultado, observamos uma série de críticas quanto à legitimidade das
intervenções e até mesmo do discurso humanitário, dado que estes podem ser
utilizados para justificar ações não imbuídas dos princípios que se pretende
defender.
As intervenções humanitárias hoje são alvo de intensas
críticas sobre sua legitimidade justamente por essas questões. Argumenta-se que
a legalização das mesmas poderá originar um meio legal e legítimo para que um
Estado intervenha em outro mediante seus próprios interesses, como é o caso da
R2P a pouco discutida. Algumas ações de certos Estados, notadamente os
Estados Unidos, têm contribuído para que prevaleça uma visão negativa acerca
188
das intervenções humanitárias. Isso decorre da apropriação da terminologia
humanitária para ações que visam fins outros que não o humanitário.
A intervenção deste país no Iraque em 2003, por exemplo,
ocorreu unilateralmente com a participação de outros Estados, como a Inglaterra.
O objetivo da intervenção era afastar o presidente Saddam Hussein do poder e o
argumento principal baseava-se (depois que a ausência de armas químicas foi
comprovada) na proteção daquela população dos mal tratos advindos da ditadura
de seu governante. Assim, os Estados Unidos utilizaram-se da terminologia
humanitária para defender que a comunidade internacional auxiliasse
humanitariamente, dado ao caos instalado em conseqüência da sua intervenção
não aprovada pela ONU. A crise foi então qualificada como emergência complexa
e a ONU acabou estabelecendo-se na região para prover auxílio humanitário
emergencial e contribuir para a reabilitação e desenvolvimento daquela sociedade.
Neste contexto, concluímos que o conceito de emergência
complexa tem sido usado politicamente em prol de interesses particulares por
parte dos agentes humanitários envolvidos nessas ocasiões. O uso político de
“emergência complexa” se relaciona também ao estabelecimento das intervenções
humanitárias em regiões especificas, que parecem depender da vontade dos
agentes em questão. Por fim, observamos que a politização do discurso
humanitário traz conseqüências negativas para a prática humanitária dado que a
mesma passa a ser identificada pela população afetada como justificativa para
189
intervenção nos assuntos domésticos dessa região sem que exista ênfase nas
reais necessidades dessa população.
A introdução do elemento da força embora necessário para
assegurar um ambiente seguro para o auxílio humanitário traz sérias implicações
relativas à neutralidade e imparcialidade dessa prática. Assim, em determinadas
circunstâncias, a conotação negativa implícita no uso da força supera o aspecto
positivo da ajuda aos necessitados presente nas práticas humanitárias. Disso
decorre o fato de que a Organização das Nações Unidas tem sido vista, muitas
vezes, com desconfiança pela população dessas regiões afetadas que acabam
por atacar o pessoal identificado com essa organização. Apesar disso, as
organizações não governamentais e regionais envolvidas no auxílio humanitário
não conseguem resolver os problemas dessas regiões sozinhas, porque carecem
do apoio financeiro e estrutural para o cumprimento das atividades humanitárias.
Assim, acreditamos que as intervenções humanitárias, na
forma como atualmente são estabelecidas, não são adequadas para enfrentar os
desafios presentes no sistema internacional. Não obstante, são, ainda, uma das
poucas formas de assistência a populações em necessidade. Uma vez diminuídos
os cálculos políticos presentes quando de sua autorização e estabelecimento, as
intervenções humanitárias aproximar-se-ão daqueles princípios essenciais do
humanitarismo e poderão tornar-se mais eficazes na solução dos problemas que
se propõem solucionar. Nesse sentido, a análise profunda dessas crises
190
favorecerá a prática humanitária futura, e esta poderá se tornar mais adequada,
mais imparcial, mais neutra, enfim, mais humanitária.
191
Anexo 1 : Tropas enviadas em missões de paz – junho de 2008
Países participantes Tropas enviadas
1 ) Paquistão 10,5692 ) Bangladesh 9,1363 ) India 8,8964 ) Nigeria 5,2325 ) Nepal 3,7186 ) Gana 3,2517 ) Jordânia 3,0728 ) Ruanda 2,9889 ) Italia 2,77910 ) Uruguai 2,61311 ) Senegal 2,12912 ) França 1,97413 ) China 1,95514 ) Africa do Sul 1,88915 ) Etiopia 1,86716 ) Marrocos 1,56117 ) Egito 1,48118 ) Benin 1,35919 ) Espanha 1,29420 ) Brasil 1,27821 ) Indonesia 1,09422 ) Sri Lanka 1,06123 ) Kenia 1,02224 ) Polônia 98625 ) Argentina 90026 ) Malásia 69727 ) Filippinas 66928 ) Turquia 64929 ) Alemanha 63630 ) Niger 60231 ) Zambia 57832 ) Ucrânia 54333 ) Chile 51934 ) Tunisia 50735 ) Bolívia 45536 ) Áustria 42437 ) Coréia do Sul 40338 ) Gambia 40039 ) Bélgica 37140 ) Portugal 35641 ) Togo 35442 ) Reino Unido 347
192
43 ) Russia 29344 ) Fiji 27845 ) Romênia 27246 ) Mongolia 25947 ) Estados Unidos 25848 ) Guatemala 24149 ) Grécia 23550 ) Camarões 23151 ) Peru 22752 ) Eslováquia 19753 ) Canada 16854 ) Malawi 16655 ) Croácia 16456 ) Zimbabue 15757 ) Dinamarca 14758 ) Camboja 14559 ) Uganda 14460 ) Mali 13161 ) Iemen 12962 ) Costa do Marfim 12863 ) Hungria 11764 ) Suécia 11565 ) Tanzânia 11366 ) Guiné 11167 ) Austrália 10968 ) Equado 9469 ) Burkina Fasso 9170 ) Paraguai 7671 ) Noruega 7472 ) Bulgária 6573 ) Holanda 6074 ) Djibuti 5475 ) El Salvador 5276 ) Irlanda 5077 ) Finlandia 4778 ) República Tcheca 4279 ) Madagascar 41Fonte: Organização das Nações Unidas. Disponível em: http://www.un.org/Depts/dpko/dpko/contributors/2008/jun08_2.pdf . Acesso em 14 de maio de 2008.
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