A PAISAGEM CULTURAL DA ESTRADA REAL
CALDEIRA, Altino Barbosa.
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Departamento de Geografia / Departamento de Arquitetura e Urbanismo
Rua Sobral, 557 - Santa Lúcia - Belo Horizonte – Minas Gerais
RESUMO
Este trabalho de pesquisa foi realizado foi realizado no Laboratório de Estudos Urbanos e Regionais
do Programa de pós-graduação em Geografia/Tratamento da Informação Espacial da PUC-Minas, a
partir do conhecimento de mais de 600 bens que integram o patrimônio tombado pelas instituições
em nível federal, estadual e municipal responsáveis pela proteção dos bens situados nos municípios
da Estrada Real em Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Esta pesquisa contou com o apoio
financeiro da FAPEMIG e deverá ser disponibilizado na Internet tão logo sejam completadas algumas
lacunas que se referem a alguns textos introdutórios sobre os municípios, parte da documentação
fotográfica e de registros arquitetônicos. Ao ser completado, proporcionará facilidades de acesso em
suporte digital a todo este acervo cultural, com informações abrangentes sobre os aspectos
relacionados à Arquitetura e Urbanismo, Geografia, Turismo, Planejamento Urbano e Regional.
Inicialmente foram realizados trabalhos de campo em todos os municípios, na expectativa de se
conhecer, registrar e tornar público o valor patrimonial deste acervo, constituído de bens naturais,
materiais e imateriais, entre os quais se inclui o patrimônio arquitetônico e urbanístico. Em seguida,
procedeu-se a um intensivo trabalho de organização do banco de dados e a adequação dos mesmos
às fontes digitais. A partir da montagem do banco de dados, estas informações foram organizadas de
forma interativa, possibilitando-nos oferecer a toda à comunidade acadêmica e científica o resultado
desta pesquisa. A estes dados foram acrescentados mapas de localização, rotas e acessos a serem
percorridos, assim como textos descritivos e de caráter científico que informam sobre as
especificidades de cada um destes bens, tanto do ponto do artefato isolado quanto de sua ambiência,
isto é, do sitio onde se localizam. Trata-se de um estudo detalhado da paisagem cultural deste
território, com o intuito de conscientizar as comunidades e os órgãos públicos sobre a importância de
sua proteção e conservação. Considerando os três caminhos principais da Estrada Real, o Caminho
dos Diamantes, o Caminho Velho e o Caminho Novo, os pesquisadores saíram em busca dos itens
considerados de interesse, situados nas áreas dos distritos-sedes e nas zonas rurais,
georreferenciando-os e documentando-os, na expectativa de mapear este conjunto de bens,
anexando imagens e informações obtidas em arquivos públicos e privados, bem como em
publicações. A difusão destas informações permitirá a valorização dos remanescentes da Estrada
Real e de suas referencias históricas mais importantes, abrindo espaço para o desenvolvimento e o
desdobramento de novas pesquisas sobre a ampla diversidade encontrada neste objeto de estudo. O
produto a ser apresentado neste 4º. Seminário Ibero-americano de Arquitetura e Documentação
reúne um conjunto de dados textuais e alfanuméricos destes 600 bens culturais, apoiados sobre um
suporte de tecnologia digital, o que permite a interatividade entre as informações para o usuário-
navegador participar, no ambiente dos sistemas de informações geográficas, do conhecimento
daquilo que lhe foi deixado de herança e que é reconhecido como nosso patrimônio cultural.
Palavras-chave: paisagem cultural; estrada real; mapeamento interativo; documentação de acervo.
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
INTRODUÇÃO
A Estrada Real é um importante marco do período colonial brasileiro, pois ao longo
do seu percurso podemos usufruir de uma rica paisagem cultural que reúne hoje um rico
patrimônio histórico, material e imaterial, constituído de elementos naturais e da
superposição de artefatos agenciados pela mão humana, responsável por construções
isoladas na área rural, por inúmeros vilarejos e distritos que unem entre si cidades que
deram identidade aos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.
A Estrada Real foi criada no século XVII pela Coroa portuguesa com o objetivo de
controlar e fiscalizar a circulação das riquezas e mercadorias que transitavam entre Minas,
onde se minerava ouro e diamante, e o Rio de Janeiro, onde se situava o porto pelo qual
essas riquezas eram enviadas por navio a Portugal. Como era proibida a utilização de
qualquer outra via para circulação no interior do país, pela Estrada Real passavam todo tipo
de gente. Ambulantes, comerciantes, militares, nobres e membros da família real, músicos,
aventureiros, viajantes europeus que descreveram o país, bem como os responsáveis pelas
ideias revolucionárias que disseminaram o sonho de liberdade que pretendia transformar o
Brasil em uma república independente. Ao redor dos seus mil e duzentos quilômetros
surgiram vilas, povoados e cidades. Somente pelo Caminho dos Diamantes, que ligava a
Vila de Diamantina à Vila Rica, a capital administrativa da província, pelo Caminho Velho,
que ligava Vila Rica, a Paraty, passando pelas terras de São Paulo, e pelo Caminho Novo,
que unia a mesma Vila Rica ao porto do Rio de Janeiro, era permitida a passagem legal do
ouro e do diamante produzido nesta província e por onde chegavam ao mar.
Estendendo-se por cento e oitenta e dois municípios, dos quais cento e sessenta e
sete em Minas, oito em São Paulo e sete no Rio de Janeiro, a realização deste projeto de
pesquisa vem suprir uma demanda específica que se baseia na necessidade de definir, com
precisão, os caminhos existentes no passado e as suas transformações ao longo destes três
séculos. Isto fez com que se tornasse urgente suprir um banco de dados com informações
detalhadas sobre os inúmeros bens culturais existentes nos municípios que compõem o
território da Estrada Real, o nos levou a propor um estudo detalhado desses bens com o
intuito de conscientizar as comunidades e os órgãos públicos sobre a sua importância no
cenário cultural. Cientes de que a preservação do nosso patrimônio histórico e artístico se
faz a partir do conhecimento desses bens, detectamos que as dificuldades em protegê-los
passam, muitas vezes, pela ausência de informações sobre este acervo.
Em um primeiro momento foi realizado um trabalho de pesquisa voltado para os bens
tombados pelo IPHAN no estado de Minas Gerais. Após sua conclusão, verificou-se que,
entre os quarenta e sete municípios em que haviam bens tombados em nível nacional, trinta
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e seis municípios faziam parte de trechos da Estrada Real. Isto bastou para que este projeto
fosse iniciado contando também com o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG. Neste projeto estão representados os bens
tombados em nível federal, estadual e municipal. O trabalho contou com a participação
efetiva de alunos dos cursos de graduação da PUC Minas e universidades conveniadas,
além de professores, doutorandos e mestrandos do Programa de pós-graduação em
Geografia/Tratamento da Informação Espacial da PUC Minas, em cujos laboratórios foram
preparados os mapas dos municípios e dos trechos a ser visitados (Fig. 1). Paisagens
urbanas e rurais foram documentadas por meio de fotografias, às quais foram adicionados
textos descritivos sobre a história e o desenvolvimento destes sítios.
Fig. 1 – Exemplo de mapa realizado para atender aos municípios da primeira viagem
O projeto destaca o reconhecido acervo cultural pertencente ao conjunto das cidades
históricas de Minas Gerais, mas, além disso, buscou destacar a presença de sítios
arqueológicos, com suas grutas e cavernas, fazendo referência, ainda, às bacias
hidrográficas, às pequenas hidroelétricas e, por meio de textos inéditos sobre estes temas,
valoriza a importância de sua preservação para as comunidades que detém a sua guarda.
Munidos de GPS, os grupos partiram para a execução dos levantamentos e do
reconhecimento, in loco, do acervo de cada município, utilizando equipamentos digitais e
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fichas de registro previamente preparadas. A estas fichas foram acrescidas informações
históricas, descrições formais e registros gráficos dos bens edificados com plantas, cortes e
fachadas (Fig. 2 e 3), assim como representações iconográficas como fotografias antigas e
atuais, mapas, desenhos e pinturas.
Fig. 2 – Igreja de Santa Izabel – Caxambu/MG Fig.3 – Capela de N. S. da Assunção – Sabará/MG
Entre os bens constantes da lista formada por mais de 1000 itens, encontram-se os
bens arquitetônicos, urbanísticos e paisagísticos que devem ser protegidos. Definida a
posição geográfica destes bens, com a coleta de dados em arquivos e a construção de
textos referentes aos aspectos de interesse deste território, foi montado um produto em
forma de DVD-ROM. Seu conteúdo é constituído de informações sobre cada município
visitado e sobre cada um dos bens de interesse cultural. Sua difusão irá fortalecer o
conhecimento sobre estes bens culturais, possibilitando que ações em prol de sua
preservação possam ser empregadas com mais eficiência e objetividade, pelas instituições
responsáveis e pelas comunidades detentoras dessa herança, como está escrito em nossa
Constituição da República de 1988 que prevê a proteção do patrimônio em seus art. 23 e
30, conforme abaixo:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios:
I – zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições
democráticas e conservar o patrimônio público;
III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor
histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais
notáveis e os sítios arqueológicos;
IV – impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras
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de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural (...)”
Art. 30. Compete aos Municípios:
IX – promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local,
observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.
Em seu Art. 216, a Carta Magna estabelece que:
Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza
material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,
portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se
incluem:
I – as formas de expressão;
II – os modos de criar, fazer e viver;
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços
destinados às manifestações artístico-culturais;
V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
§1º – o Poder Público, com a colaboração da comunidade,
promoverá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários,
registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras
formas de acautelamento e preservação.
A partir da montagem do banco de dados, estas informações foram organizadas em
suporte digital, possibilitando-nos oferecer a toda a comunidade acadêmica e científica o
resultado desta pesquisa. A difusão destas informações permitirá a valorização dos
remanescentes da Estrada Real e de suas referencias históricas mais importantes, abrindo
espaço para o desenvolvimento e o desdobramento de novas pesquisas sobre a ampla
diversidade encontrada neste objeto de estudo.
OBJETIVOS DA PESQUISA
Tanto o patrimônio material, quanto o patrimônio imaterial e o patrimônio natural são
assuntos de interesse deste trabalho. O projeto reforça a necessidade de construirmos um
banco de dados com uma documentação capaz de possibilitar desdobramentos em várias
áreas da pesquisa acadêmica. Nesta etapa, a ênfase foi mais acentuada no patrimônio
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edificado, com foco em alguns itens do patrimônio arqueológico e em alguns exemplos de
parques nacionais e estaduais. Sob este aspecto evidenciam-se os conjuntos urbanos
protegidos por tombamento pelo IPHAN, concentrados em sua maior parte nos municípios
onde foram localizados os primeiros veios de ouro e diamantes que vieram à luz no período
colonial, dando origem às primeiras vilas mineradoras. Na paisagem cultural da Estrada
Real foram levantados cinquenta e oito conjuntos arquitetônicos, urbanísticos e
paisagísticos inseridos nos chamados núcleos históricos daquelas primeiras vilas. Temos
conjuntos formados por centenas de imóveis, outros menores e ainda outros esparsos e em
áreas fora dos núcleos urbanos, nos distritos das cidades onde se desenvolveu a cultura
barroca no século dezoito.
Entre os bens documentados nesta pesquisa, cujos desenhos arquitetônicos foram
desenvolvidos pelo Escritório Mutabile de Arquitetura e Design, podemos citar a Casa de
Emeric Marcier, em Barbacena, a Igreja de Santa Izabel, em Caxambu (Fig. 2), a Fazenda
dos Macacos, em Conselheiro Lafaiete (Fig. 4), a Igreja de Bom Jesus de Matozinhos, em
Couto de Magalhães de Minas, a Casa de JK e Vila Biribiri, em Diamantina, a Cadeia de
Ferros, a Igreja Matriz de Santo Antonio, de Itaverava, o Banco de Crédito Real de Juiz de
Fora, a Hotel Fazenda da Reseva do Ibitipoca, em Lima Duarte, a Estação Ferroviária de
Monjolos, a Casa de Bernardo Guimarães, a Fazenda de São José do Manso e a Igreja de
Nossa Senhora do Rosário, de Ouro Preto, o Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, em
Piranga, a Fazenda da Posse, em Santana dos Montes, a Fazenda Brejaúba, em São
Gonçalo do Rio Abaixo, o Teatro Municipal e a Igreja de São Francisco de Assis, de São
João Del Rei, a Chácara do Barão, a Igreja de Bom Jesus de Matozinhos e a Igreja de
Nossa Senhora da Conceição, no município do Serro.
Fig. 4 – Planta da Fazenda dos Macacos, situada no município de Conselheiro Lafaiete/MG
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Ao longo destes últimos anos esta pesquisa ganhou novas informações epartiu para
novos caminhos. Um deles é a construção do Projeto do Caminho Religioso da Estrada Real
que unirá o Santuário de Nossa Senhora da Piedade, em Caeté, em Minas Gerais, à
Basílica de Nossa Senhora Aparecida, em São Paulo.
Como parte do Plano de Ensino da disciplina Projeto de Intervenção no Ambiente
Construído, do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo da PUC Minas, foram feitos
levantamentos cadastrais de imóveis nas áreas urbanas de vários municípios, entre os quais
Congonhas, Catas Altas, São João del Rei, Serro e Tiradentes, possibilitando aos alunos
entrar em contato direto com os sistemas construtivos dos imóveis que precisam de
documentação arquitetônica para comporem o cadastro dos bens culturais que fazem parte
do acervo arquitetônico e urbanístico destes municípios.
No cadastro dos bens culturais que podemos visitar virtualmente no documento
apresentado neste Seminário, podemos também conhecer de perto ruínas preservadas,
conjuntos paisagísticos inseridos em áreas urbanas, parques nacionais, estaduais e
municipais considerados importantes reservas do patrimônio natural, chafarizes e jardins
históricos, aquedutos, cemitérios, estações ferroviárias, fazendas e um numero expressivo
de igrejas, cuja arquitetura representa a síntese de toda uma formação cultural religiosa do
período, com suas formidáveis obras de talha, pinturas de teto e retábulos. O projeto que
envolve a Paisagem Cultural da Estrada Real pretende abrigar, no futuro, informações sobre
a natureza das manifestações culturais das várias etnias que contribuíram para a formação
do povo brasileiro, suas práticas sociais e, assim, poder revelar comportamentos e atitudes
dos diversos modos de ser e fazer do nosso passado, bem como os seus reflexos no
presente. Deste modo, vamos compreender as diferentes formas de cultura, a aprtir dos
registros e da documentação das expressões artísticas e religiosas que permanecem na
continuidade do processo histórico.
O projeto também inclui referencias à arqueologia, identificando no texto específico e
no mapa desenvolvido, a existência de cerca de 20.000 sítios pré-coloniais em Minas Gerais
dos quais cerca de oitocentos são registrados no IPHAN. Avalia-se que os sítios sem
registro, porém já conhecidos, somem pelo menos outros 800. O levantamento arqueológico
da região da Estrada Real certamente nos revelará ainda muitos sítios desconhecidos
(Delforge, 2007). Além disso, este autor revela que a arqueologia histórica da Estrada Real
já se torna muito mais concreta no sentido de que existem vestígios de seu percurso muito
mais evidentes, sendo que os trechos calçados, os registros e as pousadas descritas
historicamente são pontos dos quais, na sua maioria, ainda existem vestígios arqueológicos.
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Por outro lado, ao percebermos a paisagem existente nos trechos da Estrada Real
deparamos com diferentes interpretações que se diversificam de acordo com o “olhar” de
cada indivíduo. Podemos entender que esta paisagem passa a atrair os interesses mais
diversos, entre os quais podemos ressaltar o interesse turístico, histórico e/ou geográfico
Em uma abordagem atual, segundo este autor, é notória a necessidade de se conciliar-se o
desenvolvimento com a preservação dos patrimônios histórico e ambiental. De acordo com
isto, Andrade (2007) afirma que, apesar das perdas de identidade geográfica e arquitetônica
sofridas pela Estrada Real, durante o longo período em que esteve abandonada pelas
diversas esferas da sociedade, estão sendo tomadas medidas para promover estudos
científicos, tombamentos de patrimônios naturais, arquitetônicos e turísticos, como as deste
projeto, na tentativa de minimizar esse quadro. Neste trabalho, este professor avalia o valor
cultural associado, por exemplo, à Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço, identificando
seu importante repositório de material genético, com consideráveis porções de flora e fauna,
que devem ser objeto de permanente trabalho para a conservação e implantação do
desenvolvimento sustentável (Andrade, 2007). Sob este aspecto devemos estar atentos às
recomendações contidas na Encíclica “Laudato Sì” do Papa Francisco, ao considerar que o
progresso humano autêntico possui um caráter moral e pressupõe o pleno respeito pela
pessoa humana, mas deve prestar atenção também ao mundo natural e «ter em conta a
natureza de cada ser e as ligações mútuas entre todos, num sistema ordenado». O Papa
recomenda voltarmos nossa atenção para a diversidade da vida natural onde estamos
incluídos e de cuja essência dependemos.
Sob o aspecto da diversidade biológica, a Serra do Espinhaço, situada no território
da Estrada Real, é considerada uma das mais ricas do mundo e devido à sua importância
geomorfológica, biológica e histórica e devem ser adotadas medidas urgentes para a
conservação de todo o complexo montanhoso da reserva. Essa reserva da biosfera, de
acordo com Andrade (2007), reúne 11 unidades de conservação de proteção integral:
Parque Nacional da Serra do Cipó;
Parque Nacional das Sempre Vivas;
Parque Estadual do Itacolomi (que este projeto destaca);
Parque Estadual da Serra do Rola Moça;
Parque Estadual do Rio Preto;
Parque Estadual do Biribiri;
Parque Estadual do Pico do Itambé (que este projeto destaca);
Estação Ecológica Estadual de Tripuí;
Estação Ecológica Estadual de Fechos;
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Parque Estadual da Serra do Intendente;
Parque Natural Municipal do Salão de Pedras.
ASPECTOS CONCEITUAIS E METODOLÓGICOS
No projeto previu-se a execução de levantamentos cadastrais, de pesquisa
documental em arquivos do IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e
do IEPHA – Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico, e na bibliografia específica
sobre o tema, tendo sido feitos trabalhos de campo em todos os municípios e, para isto,
percorridos mais de vinte mil quilômetros de estradas.
Adotando-se esta prática metodológica e concebendo-se um software para a
montagem do banco de dados, o produto apresentado é apresentado como um
mapeamento interativo, permitindo-se sua ampla divulgação em DVDs e sites específicos.
Os municípios de Minas que ainda não tinham seus bens arquitetônicos, urbanísticos e
paisagísticos devidamente catalogados, foram incluídos neste projeto. As edificações, sítios
históricos e paisagens de importância para as comunidades rurais e urbanas destacam-se,
no projeto, como parte do patrimônio histórico mineiro e brasileiro.
Considerando-se o aspecto da proteção dos bens municipais, Minas Gerais
desponta, no país, na implementação de políticas visando a preservação do patrimônio
cultural, passando pela criação, em 1971, do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e
Artístico – IEPHA/MG - até a redefinição dos critérios do repasse da cota-parte do ICMS aos
municípios mineiros definida a partir de 28 de dezembro de 1995, com a criação da lei
nº.12.040 (Rangel, 2007). Essa lei determinou, de fato, a descentralização das políticas
públicas, pois o município que investir em educação, meio ambiente, agricultura, saúde e
patrimônio cultural, dentre outros critérios, recebe repasse financeiro referente a cada um
desses itens separadamente.
Rangel (2007) afirma que coube ao IEPHA - Instituto Estadual do Patrimônio
Histórico e Artístico de Minas Gerais - definir os critérios para que o município pudesse fazer
jus ao repasse do ICMS PATRIMÔNIO CULTURAL. Através da Diretoria de Promoção, o
instituto exerce um papel importante na capacitação e assessoramento no desenvolvimento
da política de descentralização da proteção ao patrimônio cultural do Estado junto aos
municípios.
Por outro lado, segundo Delphim (2007) compete ao IPHAN - Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional - promover, de forma articulada com outros órgãos voltados
para a preservação do patrimônio cultural, todos os estudos necessários à preservação de
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qualquer bem de valor histórico, sobretudo de uma rota de tão elevado valor como é a
Estrada Real. Tais estudos, segundo ele, visam a levantar bens passíveis de tombamento, a
inventariar sítios arqueológicos, paisagens culturais e outros, além de identificar
manifestações de patrimônio imaterial.
O IPHAN, historicamente, é um órgão surgido em uma época em que as maiores
ameaças ao patrimônio pairavam apenas sobre uma ou outra edificação. Em seguida,
passaram a ameaçar centros históricos urbanos até chegar às atuais proporções, em que
frações significativas de território devem ser objeto de cuidados. Por isto, este Instituto deve,
doravante, adotar medidas mais amplas e diversificadas para defesa do patrimônio nacional,
dentre as quais o tombamento é apenas uma delas.
Delphim (2007) sugere que o DEPAM – Departamento de Proteção dos Bens
Materiais, do IPHAN, deverá encaminhar às superintendências de Minas Gerais, Rio de
Janeiro e São Paulo solicitação de levantamento do maior número de bens de valor natural
e cultural existentes ao longo da Estrada Real, trabalho que será enriquecido pela parceria
com órgãos públicos e organizações civis de cada estado e de seus municípios e que a
Estrada Real deverá ser considerada como um Itinerário Cultural, segundo a definição do
ICOMOS. De acordo com esta definição, um itinerário cultural poderia ser comparado a
uma bacia hidrográfica, que é definida pelo conjunto de terras que faz a drenagem da água
proveniente de mananciais e das precipitações para um curso de água principal. Desse
modo, deve-se entender a Estrada Real como um Itinerário Cultural, não apenas a via de
circulação principal, mas toda a área geográfica circundante, onde quer que se encontrem
sítios e paisagens de valor cultural. Delphim (2007) ressalta, ainda, que um Itinerário
Cultural harmoniza, integra e não se choca com outras categorias de bens culturais atuais e
pretéritos como monumentos, paisagens naturais, paisagens agro-pastoris, áreas silvestres,
cidades e sítios históricos, étnicos, industriais, arqueológicos, geológicos, paleontológicos e
outros. Define um sistema conjunto, realça seus significados, relaciona e articula os
componentes em uma visão plural, mais completa e mais justa da história, favorecendo a
comunicação entre diferentes grupos sociais, promovendo e consolidando a compreensão
de valores até então isolados e contribuindo para a cooperação na defesa do patrimônio
cultural brasileiro.
Delphim (2007) destaca no texto incluído neste projeto que a grande força inovadora
do conceito Itinerário Cultural é revelar o conteúdo do patrimônio dentro de um quadro tão
instável e em constante mobilidade que é a paisagem, girando, todavia, em torno de um
eixo, no caso a Estrada Real, uma via de comunicação fisicamente determinada e
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caracterizada por uma dinâmica própria e específica e pela funcionalidade histórica a
serviço de um fim concreto e determinado.
Sendo assim, a Estrada Real reúne, resulta e reflete movimentos interativos de
pessoas e de intercâmbios multidimensionais, contínuos e recíprocos. Bens, ideias,
conhecimentos e valores entre povos, paises, regiões ou continentes ao longo de
consideráveis períodos de tempo. Gera uma fecundação múltipla e recíproca, no espaço e
no tempo, das culturas afetadas que se manifestam tanto em seu patrimônio tangível quanto
intangível. Integra as relações históricas e os bens culturais associados a sua existência em
um sistema dinâmico.
Todos os Itinerários Culturais acham-se inscritos em um contexto natural e cultural,
para os quais contribui caracterizando, enriquecendo e conferindo novas dimensões e
significados, em um processo interativo. O conceito apoia-se necessariamente na existência
de elementos tangíveis, dos quais, neste caso, a Estrada Real é o centro ordenador. Esses
elementos representam o testemunho patrimonial e a confirmação física de sua existência.
Entretanto, seu sentido e significado são conferidos por fatores intangíveis.
Muitos elementos relacionados com a funcionalidade da rota histórica constituem
condições básicas para as manifestações patrimoniais tangíveis. Citem-se postos de
armazenamento, postos fiscais e alfandegários, locais de parada e descanso, fazendas e
outras propriedades rurais, pontes, aquedutos, pomares, quintais, jardins, cafezais, lugares
sagrados, de culto e devoção. Construções coloniais, edificações religiosas como
cemitérios, igrejas, capelas, ermidas, herdades, hospitais. Mercados, portos, construções
militares e industriais, pontes, meios de comunicação e transportes, jazidas, minas,
pedreiras, minerações e outros estabelecimentos comerciais e industriais ligados a
produção, que reflitam as aplicações e avanços técnicos, científicos e sociais de diferentes
épocas. Núcleos urbanos, paisagens culturais, museus, unidades de conservação, reservas
ecológicas, locais de prática de esportes como o trekking, roteiros de caminhada pela fé, por
ecoturismo, passeios de aventura, estações de águas minerais, lugares onde se pode
desfrutar de culinária típica, dentre muitos outros, além de todos os outros elementos
culturais de caráter imaterial que atestam o diálogo entre os habitantes instalados ao longo
do percurso do Itinerário Cultural.
Do ponto de vista geográfico o espaço ocupado pelo território da Estrada Real traz à
luz informações sobre os sítios que espelham em sua geomorfologia, a origem dos primeiros
assentamentos, visto que comportam na composição do seu solo e na forma de seu relevo,
elementos provenientes da formação das camadas da Terra que associados à existência de
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uma rede hidrográfica que inclui os córregos e ribeirões, possibilitou um conjunto de
situações onde os minerais ricos em ouro e diamantes encontraram seu lugar, permitindo ao
desbravadores a descoberta dos veios que deram origem às primeiras vilas que se
transformaram nas cidades atuais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O território da Estrada Real tem a oferecer, portanto, uma gama infinita de
possibilidades de novos estudos e pesquisas. Podemos vislumbrar e oferecer aos
estudiosos caminhos reais para a preservação de nosso patrimônio cultural em sua
dimensão de paisagem cultural, que reúne os diferentes olhares possíveis sobre a natureza
do território que abriga tanta diversidade, onde se incluem os recursos hídricos e os sítios de
importância cultural para as gerações sucessivas.
Este projeto sobre os bens culturais da Estrada Real pretende, agora, disponibilizar
informações sobre os bens culturais situados em todos os municípios que fazem parte da
Estrada Real em Minas Gerais e nos Estados de São Paulo (Fig.5) e Rio de Janeiro.
Fig. 5 – Municípios percorridos no Estado de São Paulo
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A equipe de trabalho também contou com a participação de profissionais de várias
áreas, cujos créditos foram dados no multimídia e esta deverá ser a primeira experiência no
Brasil a destacar os bens culturais de cerca de cento e oitenta municípios contíguos. A
experiência obtida nesta pesquisa servirá, também, como referencia para estudos mais
profundos, relacionados aos modos de fazer e ser das comunidades ali presentes,
permitindo que as manifestações de natureza imaterial, como os costumes, os hábitos as
características das sociedades de cada município dessa região possam ser mais bem
identificados. Profissionais e estudantes poderão se valer do produto deste trabalho de
pesquisa para avançar no conhecimento dos aspectos geográficos, históricos e
socioeconômicos dos municípios estudados. Este projeto visa, portanto, trazer benefícios
adicionais ao exercício das funções de proteção e conservação dos conjuntos de
edificações e paisagens urbanas e rurais que fazem parte do roteiro da Estrada Real,
configurada como uma PAISAGEM CULTURAL.
A partir da montagem de um banco de dados, estas informações foram organizadas
em suporte digital, possibilitando-nos oferecer a toda a comunidade acadêmica e científica o
resultado desta pesquisa. Um dos principais estudos que terá continuidade a partir da
difusão destas informações é a definição científica dos caminhos do ouro e dos diamantes,
das rotas dos escravos, das fazendas e das estalagens que marcaram a paisagem, tendo
como base os textos dos viajantes, as referencias de artistas que percorreram estes
caminhos e que permitirá alcançarmos um dos mais buscados resultados deste projeto, que
é a verdadeiro desenho da Estrada Real, tal como se configurou no tempo e no espaço do
setecentos, servindo como suporte para o comércio de mercadorias e serviços.
A paisagem cultural e os itinerários culturais estarão, assim, associados à história de
cada município que fez parte da rede urbana que integrava as Minas Gerais do século XVIII.
Deste novo desenho surgirão os tombamentos de paisagens integradas aos seus
significados históricos. Considerando-se a ampla diversidade encontrada neste objeto de
estudo, preocupa-nos a necessidade de assegurar a defesa desse nosso patrimônio, visto
que o território da Estrada Real tem a oferecer uma gama infinita de possibilidades de novos
estudos e pesquisas. Podemos vislumbrar e oferecer aos estudiosos, caminhos reais para a
preservação de uma enorme gama de recursos, que podem ser transformados em fator de
sustentabilidade econômica dos sítios para as gerações sucessivas.
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