AVM FACULDADE INTEGRADA ESPECIALIZAÇÃO EM TERAPIA DE FAMÍLIA
Adolescentes em situação de risco pelo envolvimento com
drogas ilícitas
PRISCILA FERNANDES FARIAS CAMPOS LIMA
Niterói - RJ 2011
PRISCILA FERNANDES FARIAS CAMPOS LIMA
Adolescentes em situação de risco pelo envolvimento com
drogas ilícitas
Orientador (a): Naura Americano.
Niterói - RJ 2011
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Especialização em Terapia de Família, em cumprimento às exigências para a obtenção do título de especialista em terapia de família.
AGRADECIMENTOS Ao meu Deus soberano e fiel que com misericórdia capacitou-me para a
conclusão desta especialização. Graças te dou, PAI.
Ao meu esposo e amigo, Jamilson Lima, por seu incentivo.
Aos meus pais, Ruth e Gilvan Campos que nos tem apoiado.
A minha orientadora, professora Naura Americano, que mesmo (on line)
prestou orientações para a construção deste trabalho.
Dedico esta conquista a todos que acreditaram e me apoiaram. Muito obrigada!
LISTA DE QUADROS Quadro 1.1 – Critérios do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtorno – DSM – IV para Dependência de Substâncias 22 Quadro 1.2 – Critérios da Classificação Estatística Internacional de Doença – CID-10 para Dependência de Substâncias 23 Quadro 1.3 – Critérios do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtorno – DSM – IV para Uso Nocivo de Substâncias 23 Quadro 1.4 – Critérios da Classificação Estatística Internacional de Doença – CID-10 para Uso Nocivo de Substâncias 24
RESUMO
Este trabalho monográfico apresenta uma pesquisa exploratória-
explicativa, com o levantamento do objeto estudado, mapeando a situação de
risco causada aos adolescentes pelo envolvimento com drogas ilícitas,
buscando explicações possibilitadas pelos métodos qualitativos.
Através do levantamento do referencial teórico para maior
aprofundamento do tema escolhido e possível reflexão acerca dos conceitos,
discorremos primeiramente, sobre os tipos de drogas e seus efeitos no
organismo; para em seguida, abordarmos o desenvolvimento da formação da
estrutura familiar brasileira e sua importancia; e finalmente, identificar as
causas do envolvimento do adolescente com as substâncias psicoativas. A
família é vista como uma das fontes de socialização primária do adolescente,
juntamente com a escola e o grupo de amigos. As práticas educativas e os
estilos de criação da família, podem facilitar ou não, o uso abusivo de drogas.
O resultado da pesquisa aponta para a valorização das famílias, enquanto
espaço de produção de identidade social básica para o adolescente,
entendendo-lhe dentro de um contexto amplo com abordagens (principalmente
por meio de Políticas Públicas eficazes e eficientes) que promovam qualidade
de vida e direitos necessários para que ele e sua família possam se estruturar
dignamente.
Palavras-chave: Drogas ilícitas, Família, Adolescência.
SUMÁRIO INTRODUÇÃO
07
CAPITULO I DROGAS: CLASSIFICAÇÃO E EFEITOS
10
CAPITULO II FAMÍLIAS: DESENVOLVIMENTO E ESTRUTURA
28
CAPÍTULO III ADOLESCÊNCIA: DESAFIOS E PERSPECTIVAS, A FASE DE TRANSIÇÃO CONCLUSÃO REFERÊNCIAS ÍNDICE
38
48
50
52
7
INTRODUÇÃO
As drogas estão presentes na sociedade, fazendo vítimas com um
número quase que incontável, preocupando e assustando as autoridades pelo
fato de que os usuários adentram neste mundo cada vez mais cedo. O
presente trabalho monográfico pretende expor pontos observados em estudo
sobre “Adolescentes em situação de risco pelo envolvimento com drogas
ilícitas”, apresentando características desta fase em transição que é a
adolescência, relacionada às representações sociais que as drogas assumem.
Atualmente, muito se discute sobre o uso de drogas ilícitas pelos
adolescentes. A cada notícia da imprensa surgem justificativas a respeito,
feitas por especialistas na área e até mesmo por leigos. Segundo uma
pesquisa realizada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura – Unesco (2002) em 14 capitais, com estudantes de 10 a
17 anos, constatou-se que 15% dos adolescentes do Rio de Janeiro revelaram
que usam ou usaram drogas ilícitas, como maconha, cocaína, crack e cola. A
pesquisa mostra que os alunos têm sua primeira experiência com drogas
pouco antes dos 15 anos. A porcentagem parece pequena, porém, se levado
em consideração, a quantidade de estudantes nessa faixa etária, o número é
impressionante. Diante de questões como esta e vivenciando
profissionalmente, o aumento da demanda de adolescentes usuários e/ou
dependentes de drogas ilícitas para acompanhamento e a pouca existência de
programas que lhes assistam, decidimos adentrar neste assunto.
A adolescência é um período de rápido desenvolvimento. Mudanças
profundas ganham forma no corpo, na mente, nos relacionamentos e na visão
de mundo do adolescente em um curto período de tempo. Por isso, perdas e
danos nessa fase podem surtir déficits na idade adulta, resistentes a qualquer
tentativa posterior de mudança.
Todo indivíduo possui características inatas, através das quais se
relaciona com o ambiente ao seu redor. Enquanto alguns adolescentes são
cautelosos frente aos problemas, outros reagem de modo impulsivo. O
adolescente não possui ainda a habilidade para prever os riscos de um
8
comportamento. Tal aptidão se torna mais presente a partir dos quinze. Desse
modo, adolescentes mais impulsivos se envolvem em comportamentos de risco
com mais facilidade, o que pode levar ao uso de drogas ilícitas, colocando lhes
em situação de vulnerabilidade. Quais representações sociais as drogas ilícitas
têm para os adolescentes?
No desenvolvimento deste trabalho de conclusão do curso de
Especialização em Terapia de Família, sob a temática Drogas ilícitas na
adolescência, em seu primeiro capítulo compreenderemos os efeitos causados
pelas drogas ilícitas ao organismo; no segundo, abordaremos a formação da
estrutura familiar brasileira, com uma breve observação da formação histórica
do Brasil. De acordo com Gizlene Neder (2005), não existe um modelo padrão
de organização familiar, pensar famílias de forma plural pode significar uma
construção democrática baseada na tolerância das diferenças com o outro,
onde aquela, é indispensável para a garantia do desenvolvimento e da
proteção integral dos seus membros. É nela que se propicia os aportes afetivos
e materiais necessários ao desenvolvimento e bem-estar. E no terceiro
capítulo, identificaremos as causas do envolvimento do adolescente com as
substâncias psicoativas. Sob as questões secundárias que nos ajudarão no
desenvolvimento do tema: são os adolescentes influenciados na formação de
sua identidade pelo ambiente em que vivem? Quanto ao ambiente, devemos
considerar a sociedade em que o adolescente está inserido, com proteções e
riscos. Dentro deste ambiente, podemos citar a escola, igrejas, amizades
tendências da moda, dentre outros, dos quais a primeira, pode ser o ambiente
de maior influência. E a outra questão: a falta de limites dos responsáveis cria
condições favoráveis para o envolvimento destes adolescentes com o uso
indevido de drogas ilícitas? O maior fator familiar de proteção é a ligação entre
os pais e os filhos. A maneira como essa relação se desenvolve, pode
estabelecer melhor a identidade assumida pelo adolescente. Os desafios
exigidos nesta fase, os levam a tomadas de decisões que influenciarão nas
suas relações socioculturais. E estar certo quanto às decisões a tomar, nem
sempre é uma tarefa fácil, pois o adolescente pode não saber ao certo o seu
papel social. Embora a construção da identidade se realize ao longo do ciclo da
9
vida, constitui uma tarefa específica desta fase, como afirma Erikson (1976), o
sentimento de ser o mesmo ao longo da vida, atravessa mudanças pessoais e
situações diversas. A identidade dá um sentido à existência, a qual se constrói
tendo por base as representações feitas sobre nós, bem como as interações e
os confrontos entre as representações que os outros fazem de nós e as que
nós fazemos de nós mesmos.
10
CAPÍTULO I DROGAS: CLASSIFICAÇÃO E EFEITOS
1.1. O que são drogas?
Segundo a definição da Organização Mundial da Saúde – OMS,
droga é qualquer substância não produzida pelo organismo que tem a
propriedade de atuar sobre um ou mais de seus sistemas, produzindo
alterações em seu funcionamento. Existem drogas que são utilizadas para
efeitos benéficos, como o tratamento de doenças, os medicamentos.
Entretanto, existem os venenos ou tóxicos, provocando efeitos maléficos à
saúde. Na pesquisa em questão, nos é interessante a discussão de drogas
ilícitas que causam alterações no funcionamento cerebral, conhecidas como
substâncias psicoativas. Tais substâncias provocam dependência, algumas,
aparentemente inofensivas e presentes em muitos produtos de uso doméstico.
O termo droga teve origem na palavra droog (holandês antigo) que significa
folha seca; isso porque antigamente quase todos os medicamentos eram feitos
à base de vegetais. Atualmente, a medicina define droga como qualquer
substância capaz de modificar a função dos organismos vivos, resultando em
mudanças fisiológicas ou de comportamento. Existem substâncias que quando
ingeridas contraem os vasos sanguíneos (modifica a função) e a pessoa passa
a ter um aumento de pressão arterial (mudança na fisiologia). Já outras, fazem
com que as células do nosso cérebro (os chamados neurônios) fiquem mais
ativas, "disparem" mais (modificam a função) e, como consequência, a pessoa
fica mais acordada, perdendo o sono (mudança comportamental). Essas
alterações dependem do tipo de droga ingerida. E quais são esses tipos?
Um primeiro grupo é aquele em que as drogas diminuem a atividade
de nosso cérebro, ou seja, deprimem seu funcionamento, o que significa dizer
que a pessoa que faz uso desse tipo de droga fica "desligada", "devagar",
desinteressada pelas coisas. Por isso, essas drogas são chamadas de
Depressoras da Atividade do Sistema Nervoso Central, é a parte que fica
dentro da caixa craniana; o cérebro é o principal órgão. Em um segundo grupo,
estão as drogas que atuam por aumentar a atividade de nosso cérebro,
11
estimulam o funcionamento fazendo com que o usuário fique "ligado",
"elétrico", sem sono. Por isso, essas drogas recebem a denominação de
Estimulantes da Atividade do Sistema Nervoso Central. Finalmente, há um
terceiro grupo, constituído por aquelas drogas que agem modificando
qualitativamente a atividade de nosso cérebro. O cérebro passa a funcionar
fora de seu normal, e a pessoa fica com a mente perturbada. Por essa razão
esse terceiro grupo de drogas recebe o nome de Perturbadores da Atividade do
Sistema Nervoso Central.
1º. Depressores da Atividade do SNC
• Álcool;
• Soníferos ou hipnóticos (drogas que promovem o sono): barbitúricos,
alguns benzodiazepínicos;
• Ansiolíticos (acalmam; inibem a ansiedade). As principais drogas
pertencentes a essa classificação são os benzodiazepínicos. Ex.:
diazepam, lorazepam etc;
• Opiáceos ou narcóticos (aliviam a dor e dão sonolência). Ex.: morfina,
heroína, codeína, meperidina etc;
• Inalantes ou solventes (colas, tintas, removedores etc.).
2º. Estimulantes da Atividade do SNC
• Anorexígenos (diminuem a fome). As principais drogas pertencentes a
essa classificação são as anfetaminas. Ex.: dietilpropriona, fenproporex
etc;
• Cocaína, crack ou merla.
3º. Perturbadores da Atividade do SNC
De origem natural (reino vegetal e reino funghi)
• Mescalina (do cacto mexicano);
• THC (da maconha);
• Psilocibina (de certos cogumelos);
• Lírio (trombeteira, zabumba ou saia-branca);
12
De origem sintética
• LSD-25;
• Êxtase;
• Anticolinérgicos (Artane®, Bentyl®).
1.2. Efeitos das drogas ilícitas
Das Drogas Depressoras
INALANTES (Cola de sapateiro, Esmalte, Lança-perfume e Acetona)
Solvente é toda substância capaz de dissolver coisas, e inalante é
toda substância que pode ser inalada, introduzida no organismo através da
aspiração pelo nariz ou pela boca. Em geral, todo solvente é uma substância
altamente volátil, que evapora muito facilmente, por esse motivo pode ser
facilmente inalado. Outra característica dos solventes ou inalantes é que muitos
deles são inflamáveis. Um pequeno número de produtos comerciais como
esmaltes, colas, tintas, gasolina e removedores, contém esses solventes.
Um produto muito conhecido no Brasil é o “cheirinho” ou “loló”,
também conhecido como cheirinho da loló”. Trata-se de um preparado
clandestino à base de clorofórmio mais éter, utilizado para fins de abuso. Mas
já se sabe que, quando esses “fabricantes” não encontram uma daquelas duas
substâncias, eles misturam qualquer outra coisa em substituição. Assim, em
relação ao “cheirinho da loló” não se conhece bem sua composição, o que
complica quando existem casos de intoxicação aguda por essa mistura. Ainda,
é importante chamar a atenção para o lança-perfume. Esse nome designa
inicialmente um líquido que vem em tubos e que se usa no Carnaval. À base de
cloreto de etila ou cloretila, é proibido fabricá-lo no Brasil e geralmente aparece
nas ocasiões de Carnaval, contrabandeada de outros países sul-americanos.
Após a aspiração, os efeitos no cérebro são bastante rápidos, de
segundos a minutos no máximo – e em 15 a 40 minutos já desaparecem;
assim, o usuário repete as aspirações várias vezes para que as sensações
durem mais tempo. Os efeitos dos solventes vão desde uma estimulação inicial
13
até depressão, podendo também surgir processos alucinatórios. Vários autores
dizem que os efeitos dos solventes lembram os do álcool, entretanto este não
produz alucinações. Entre os efeitos, o predominante é a depressão,
principalmente a do funcionamento cerebral. Os solventes podem ser divididos
em quatro fases:
• Primeira: fase de excitação, na qual a pessoa fica eufórica,
aparentemente excitada, sentindo tonturas e tendo perturbações
auditivas e visuais. Mas podem também aparecer náuseas,
espirros, tosse, muita salivação e vermelhidão nas faces;
• Segunda: a depressão do cérebro começa a predominar, ficando a
pessoa confusa, desorientada, com a voz meio pastosa, visão
embaçada, perda do auto-controle, dor de cabeça, palidez;
alucinações visuais e/ou auditivas;
• Terceira fase: a depressão aprofunda-se com redução acentuada
do estado de alerta, sem coordenação ocular e motora, a pessoa
não consegue fixar os olhos em objetos, além de marchar
vacilante. Sua fala fica “enrolada”, seus reflexos deprimidos,
podendo ocorrer processos alucinatórios evidentes;
• Quarta fase: depressão tardia, que pode chegar à inconsciência,
queda da pressão, sonhos estranhos, podendo ainda a pessoa
apresentar surtos de convulsões (“ataques”). Essa fase ocorre com
frequência entre aqueles cheiradores que usam saco plástico e,
após um certo tempo, já não conseguem afastá-lo do nariz e,
assim, a intoxicação torna-se muito perigosa, podendo mesmo
levar ao coma e à morte.
Sabe-se que a aspiração repetida, crônica, dos solventes pode levar
à destruição de neurônios, causando lesões irreversíveis no cérebro. Além
disso, pessoas que usam solventes cronicamente apresentam-se apáticas, têm
dificuldades de concentração e déficit de memória. Os solventes praticamente
não agridem mais a outros órgãos que ao cérebro. Entretanto, existe um
fenômeno produzido pelos solventes que pode ser muito perigoso. Estes
tornam o coração mais sensível a uma substancia que o nosso corpo fabrica, a
14
adrenalina, que faz o número de batimentos cardíacos aumentar. Essa
adrenalina é liberada toda vez que temos de exercer um esforço extra, como,
por exemplo, correr ou praticar esporte. Quando inalados cronicamente, os
solventes podem levar a lesões da medula óssea, dos rins, do fígado e dos
nervos periféricos que controlam os músculos. No Brasil, existem leis para
regular o trabalho com estes solventes em fábricas de sapato e oficinas de
pinturas, uma vez que verificou-se, que seus empregados apresentavam
doenças renais e hepáticas. Principalmente, quando existem impurezas, que
mesmo em pequena quantidade podem diminuir a produção de glóbulos
brancos e vermelhos pelo organismo.
A dependência entre aqueles que abusam cronicamente de
solventes é comum, sendo os componentes psíquicos da dependência os mais
evidentes, tais como desejo de usar a substancia, perda de outros interesses
que não seja o solvente. A síndrome de abstinência, embora de pouca
intensidade, está presente na interrupção do uso dessas drogas, sendo comum
ansiedade, tremores, câimbras nas pernas e insônia. Os solventes são as
drogas mais utilizadas pelos adolescentes, quando desconsiderados o álcool e
o tabaco.
OPIÁCEOS (Papoula do Oriente, Opiáceos, Opioides, heroína)
Muitas substâncias com grande atividade farmacológica podem ser
extraídas de uma planta chamada Papaver somniferum, conhecida
popularmente com o nome de “Papoula do Oriente”. Ao cortar a cápsula da
papoula, quando ainda verde, obtém-se um suco leitoso, o ópio (a palavra ópio
em grego quer dizer “suco”). Quando seco, esse suco passa a se chamar pó de
ópio. Nele existem várias substâncias com grande atividade farmacológica, a
mais conhecida é a morfina, palavra que vem do deus da mitologia grega
Morfeu, o deus dos sonhos. São depressores do sistema nervoso central, e
fazem o cérebro funcionar mais devagar. O ópio contém mais substâncias,
como a codeína. Ainda é possível obter-se outra substância, a heroína, ao se
fazer pequena modificação química na fórmula da morfina. A heroína é uma
15
substância semissintética (ou seminatural). Todas essas substâncias são
chamadas de drogas opiáceas, vindas do ópio.
A heroína é uma das mais perigosas drogas existentes, pode ser
encontrada na forma natural ou sintética. Por originar da mesma planta, a
heroína é bastante semelhante à morfina, tanto que a heroína ao penetrar no
organismo e ser processada pelo fígado, é transformada em morfina. A
principal forma de consumo da droga é através da injeção intravenosa,
podendo também ser inalada ou fumada. O uso da droga provoca no usuário,
sensações de intenso prazer, bem-estar e euforia. A heroína atua como uma
substância depressora do Sistema Nervoso Central, diminuindo
consideravelmente as sensações de dor, fome, tosse e desejo sexual. O uso
crônico da droga pode ocasionar a ruptura dos vasos sangüíneos, infecções
bacterianas nas válvulas do coração, doenças do fígado e rins, pneumonias,
além de tuberculose. Quando a droga é utilizada em grandes quantidades,
provoca náuseas, vômitos e coceira pelo corpo, sendo que a mistura de uma
pequena dose de heroína com álcool pode potencializar grandemente os
efeitos da droga. O tratamento desta droga consiste na utilização de
substâncias químicas sintéticas que aliviam o usuário durante o período de
abstinência à droga, como o metadona, que atua bloqueando os efeitos dos
opióides.
Os efeitos dessas drogas no cérebro são basicamente os mesmos
no sistema nervoso central: diminuem sua atividade. As diferenças ocorrem
mais em sentido quantitativo, dependendo da dose. Todas essas drogas
produzem analgesia e hipnose (aumentam o sono), daí receberam também o
nome de narcóticos, que são exatamente as drogas capazes de produzir esses
dois efeitos: sono e diminuição da dor, ou ainda, recebem o nome de drogas
hipnoanalgésicas. Para algumas drogas a dose necessária para esse efeito é
pequena, devido sua capacidade, como por exemplo, a morfina e a heroína;
outras, por sua vez, necessitam de doses 5 a 10 vezes maiores para produzir
os mesmos efeitos, como a codeína e a meperidina. A codeína é uma droga
que age especificamente na redução da tosse. Outras apresentam a
característica de levar a uma dependência mais facilmente; daí serem muito
16
perigosas, como é o caso da heroína. Além de deprimir os centros da dor, da
tosse e da vigília, causando o sono, todas essas drogas em doses um pouco
maior também deprimem outras regiões do cérebro, como as que controlam a
respiração, os batimentos do coração e a pressão do sangue. Em geral, as
pessoas que usam essas substâncias sem indicação médica, procuram efeitos
característicos de uma depressão geral do cérebro: como isolamento do
mundo, calmaria na realidade em fantasias que se misturam em sonhar
acordado.
Pessoas sob ação dos narcóticos apresentam contração da pupila
dos olhos. Há também uma paralisia do estômago e o indivíduo sente-se com o
estômago cheio, como se não fosse capaz de fazer a digestão. Com a paralisia
dos intestinos, o ser humano apresenta forte prisão de ventre. É com base
nesse efeito que os opiáceos são utilizados para combater as diarréias. Usados
por meio de injeções ou via oral, podem causar grande depressão respiratória
e cardíaca. A pessoa perde a consciência e fica com uma cor meio azulada
porque a respiração ao estar fraca quase não oxigena o sangue e a pressão
arterial cai a ponto deste sangue não mais circular normalmente: vai do estado
de coma e pode levar à morte. Como muitas vezes esse uso é feito por injeção,
os dependentes acabam por adquirir doenças como hepatites e até a Aids.
Outro problema com essas drogas é a facilidade com que levam à
dependência, tornando-se o centro da vida das vítimas. E quando esses
dependentes, por qualquer motivo, param de tomar a droga, ocorre um violento
processo de abstinência, com náuseas, vômitos, diarréia, cãibras musculares,
cólicas intestinais, lacrimejamento, corrimento nasal etc., que pode durar de 8 a
12 dias. O organismo humano ao tornar-se tolerante a todas essas drogas
narcóticas, precisa para continuar sentindo os seus efeitos, precisa tomar
doses cada vez maiores. Os médicos temem os efeitos tóxicos dessas drogas,
únicas, capazes de amenizar a dor, pois relutam em receitar a morfina (e
outros narcóticos) para cancerosos, que geralmente têm dores extremamente
fortes. Atualmente, a própria Organização Mundial de Saúde tem aconselhado
os médicos de todo o mundo que, nesses casos, o uso contínuo de morfina é
plenamente justificado.
17
Das Drogas Estimulantes
COCAÍNA, CRACK OU MERLA
São drogas estimulantes da atividade do sistema nervoso central,
fazem o cérebro trabalhar mais rápido deixando as pessoas “ligadas” e com
menos sono. Drogas com esse efeito têm apresentado grande aceitação pelos
adolescentes brasileiros.
A cocaína é uma substância natural, extraída das folhas de uma
planta encontrada exclusivamente na America do Sul, a Erythroxylon coca. Ela
pode chegar ao consumidor em forma de pó, farinha, neve ou branquinha, que
serve para ser aspirada ou dissolvida em água para uso intravenoso. Sob
forma de base, o crack, é pouco solúvel em água, mas que se volatiliza quando
aquecido, e portanto, pode ser fumado em cachimbos e também sob a forma
de base, a merla (mel), um produto ainda sem refino e contaminado com as
substâncias utilizadas na extração, preparada de forma diferente do crack, mas
também pode ser fumada. Por apresentar aspecto de “pedra” no caso do crack
e “pasta” no caso da merla, estes não podem ser transformados em pó para
aspiração como a cocaína e, tampouco, ser injetados.
Há ainda a pasta de coca, que é um produto grosseiro obtido das
primeiras fases da extração de cocaína das folhas da planta, quando estas são
tratadas com álcali, solvente orgânico, querosene ou gasolina e acido sulfúrico.
Essa pasta contém muitas impurezas e é fumada em cigarros chamados
“basukos”. Antes de se conhecer a cocaína, a coca (planta), era muito utilizada
em forma de chá, o que ainda hoje é bastante comum em países como o Peru
e a Bolívia. Ingerido através de chá, pouca cocaína é absorvida pelo intestino.
Através do sangue, chega ao fígado, onde boa parte é destruída antes de
chegar ao cérebro. Tanto o crack como a merla são cocaína, modificando-se
na forma de ingerir a droga. O crack e a merla ao serem fumados, alcançam o
pulmão, levando a uma absorção instantânea. Através do pulmão, a droga
atinge quase que instantaneamente a circulação chegando rapidamente ao
cérebro. Com isso, pela via pulmonar, o crack e a merla diminuem o caminho
18
para chegar ao cérebro provocando efeitos muito mais rápido do que por outras
vias. Em segundos, os efeitos surgem, diferente do pó. Essa característica faz
do crack uma droga “poderosa” do ponto de vista do usuário, já que o prazer
acontece quase instantaneamente após uma “pipada” (fumada no cachimbo).
Porém, a duração dos efeitos do crack é muito rápida. Em média, em torno de
5 minutos, enquanto após injetar ou cheirar, duram de 20 a 45 minutos. Isso faz
com que o usuário volte a utilizar a droga com mais frequência que as outras
vias (praticamente de 5 em 5 minutos), levando-o à dependência muito mais
rápido que os usuários da cocaína por outras vias (nasal, endovenosa). Logo
após a “pipada”, o usuário tem uma sensação de grande prazer, intensa euforia
e poder. A essa compulsão dá-se o nome popular de “fissura”, que é a vontade
incontrolável de sentir os efeitos de “prazer” que a droga provoca. A “fissura” no
caso do crack e da merla é avassaladora. Além desse “prazer” indescritível,
que muitos comparam a um orgasmo, o crack e a merla provocam também um
estado de excitação, hiperatividade, insônia, perda de sensação do cansaço,
falta de apetite, resultando na perda de peso, perda de noções básicas de
higiene. O que torna fácil, a identificação destes. Após o uso intenso e
repetitivo, o usuário experimenta sensações muito desagradáveis, como
cansaço e intensa depressão.
A tendência do usuário é aumentar a dose da droga na tentativa de
sentir efeitos mais intensos, porém, atitudes como esta, levam o usuário a
comportamento violento, irritabilidade, tremores e ao aparecimento de
paranóia. Esse efeito provoca medo nos craqueros, que passam a vigiar o local
onde usam a droga e a ter uma grande desconfiança uns dos outros, o que
acaba levando-os a situações extremas de agressividade. Eventualmente,
podem ter alucinações e delírios. A esse conjunto de sintomas dá-se o nome
de “psicose cocaínica”. Além dos sintomas descritos, o craquero e o usuário de
merla perdem de forma muito marcante o interesse sexual. Os efeitos
provocados pela cocaína ocorrem por todas as vias (aspirada, inalada,
endovenosa). Assim, o crack e a merla podem produzir aumento das pupilas,
que prejudica a visão; é a chamada “visão borrada”. Ainda pode provocar dor
no peito, contrações musculares, convulsões e até coma. Mas é sobre o
19
sistema cardiovascular que os efeitos são mais intensos. A pressão arterial
pode elevar-se e o coração bater muito mais rápido (taquicardia). Em casos
extremos chega a produzir parada cardíaca por fibrilação ventricular. O uso
crônico da cocaína pode levar a degeneração irreversível dos músculos
esqueléticos.
Das Drogas Perturbadoras
MACONHA THC (Tetraidrocanabinol, Hashishi, Marijuana)
A maconha, nome popular dado aqui no Brasil, da planta cujo nome
científico é Cannabis sativa. Já existe há pelo menos 5000 anos, utilizada com
fins medicinais e para sentir os efeitos provocados pela planta, ocasionando
abusos no seu uso, o que resultou na proibição da droga em todo ocidente.
Atualmente, pesquisas revelam que substâncias extraídas da maconha é
reconhecida como medicamento por duas condições clínicas: reduz náuseas e
vômitos produzidos por medicamentos anticâncer e tem efeito benéfico em
alguns casos de epilepsia, mas também podem ter efeitos indesejáveis que
podem ser prejudiciais.
O THC (tetraidrocanabinol) é uma substância química fabricada pela
maconha. Dependendo da quantidade de THC, a maconha pode produzir
menos ou mais efeitos gerando inclusive intoxicação. Esses efeitos sofrerão
mudanças de acordo com o tempo de uso, podem ser agudos (ocorre após o
fumo em algumas horas) e crônicos (ocorre após o uso continuando por
semanas, meses ou anos). Os efeitos físicos agudos são: olhos vermelhos,
bocas secas e coração disparado. Já os psíquicos agudos dependem da
qualidade da maconha fumada e da sensibilidade de quem fuma. Para algumas
pessoas, os efeitos são uma sensação de bem-estar acompanhado de calma e
relaxamento, menos fadiga, vontade de rir. Para outros, os efeitos são mais
desagradáveis: angústia, temores, perda do controle mental, prejuízos de
memória e atenção, tremores e suor excessivo. Sob doses maiores, os efeitos
psíquicos podem gerar delírios e alucinações. Delírio é uma manifestação
20
mental pela qual a pessoa faz juízo errado de algo, vê ou ouve até mesmo,
alguém tramando contra ela, mania de perseguição o que pode levar ao pânico
e a atitudes perigosas. A alucinação é uma percepção sem objeto, a pessoa
pode ouvir ou ver algo que não existe.
Os efeitos físicos crônicos da maconha são de maior gravidade.
Com o uso contínuo vários órgãos do corpo são afetados. Os pulmões são os
mais afetados. Apesar de ainda não estar comprovado, há indícios que o
fumante crônico pode adquirir câncer nos pulmões. Outro efeito do uso crônico
refere-se à redução da testosterona e consequentemente, a redução de
espermatozóides no líquido espermático, o que pode levar à infertilidade. Ainda
interfere na aprendizagem. Além disso, a maconha pode levar algumas
pessoas a um estado de dependência, e passam a organizar sua vida de
maneira a facilitar o uso da droga, onde tudo perde o seu real valor. Uma
pessoa que tem uma doença psíquica qualquer, a maconha piora o seu
quadro.
Perturbadores Sintéticos
ALUCINÓGENOS (LSD-25 ÁCIDO)
Perturbadores ou alucinógenos sintéticos são substâncias fabricadas
em laboratório capazes de provocar alucinações no ser humano. O LSD-25
(dietilamina do ácido lisérgico) é, talvez, a mais potente droga alucinógena
existente. É utilizado normalmente via oral, embora possa ser misturado com o
tabaco e fumado. Alguns microgramas são suficientes para produzir
alucinações. O seu efeito alucinógeno foi descoberto pelo cientista suíço
Hoffman, ao respirar descuidosamente uma pequena quantidade de pó em seu
laboratório. Ele percebeu mudança óptica e falta de concentração no trabalho
com estado de sonambulismo. Ao ir para casa, o cientista além da sensação de
embriaguez, percebeu uma imaginação exagerada que o levou às pesquisas
dessa droga.
21
No cérebro, o LSD-25 atua produzindo uma série de distorções no
seu funcionamento com alterações psíquicas. A experiência com o uso desta
droga depende da personalidade do usuário, de suas expectativas e do
ambiente. Algumas pessoas ao experimentarem a droga, apresentam um
estado de excitação, enquanto outros se tornam quietos e passivos.
Sentimentos de euforia e excitação alternam-se com depressões, ilusões e
sensações de pânico. O LSD-25 é capaz de produzir distorções do ambiente,
além de estímulos olfativos e táteis.
Outro aspecto são os delírios, chamados de “falsos juízos da
realidade”. Existem fatos quaisquer que o indivíduo delirante não é capaz de
avaliá-los corretamente. Os delírios são geralmente de natureza persecutória.
Alguns dos aspectos dessa droga no corpo são: pulso mais rápido, pupilas
dilatadas, excitação e até mesmo convulsão. O perigo do LSD-25 não está em
sua toxicidade para o organismo, mas sim no fato de que, pela perturbação
psíquica, há perda de habilidade em avaliar situações comuns de perigo. Há
também casos de comportamento violento, gerados por delírios persecutórios.
As pessoas passam a apresentar por longos períodos, ansiedade, depressão
ou mesmo acessos psicóticos. O fenômeno da tolerância desenvolve-se muito
rápido como também desaparece rápido com a interrupção do uso do LSD-25.
O seu uso não leva comumente a estados de dependência e não há descrição
de síndrome de abstinência. Todavia, essa droga, assim como outros
alucinógenos, pode provocar dependência psíquica ou psicológica, uma vez
que a pessoa habitualmente usa essas substâncias para remediar os males de
sua vida. A produção, comércio e utilização desta droga pelo Ministério da
Saúde, é proibida em nosso país.
1.3. Uso, abuso e dependência química
A fronteira entre uso, abuso e dependência é estreita. Podemos definir
uso como o consumo esporádico de substâncias; abuso, o consumo associado
por algum tipo de prejuízo seja ele, biológico, psicológico ou social; e por fim,
dependência como o consumo sem o auto-controle, conforme Laranjeira
22
(2004). Nem todo uso de drogas está associado à dependência. O autor afirma
que não existe uma combinação de fatores que contribui para que as pessoas
tenham maiores chances de desenvolver problemas em relação a estas
substâncias durante sua vida. O conceito da síndrome de dependência, por
exemplo, propõe a existência da psicopatologia do usar drogas, de um lado e
os problemas decorrentes do uso de outro. Esse conceito é usado pela
medicina para designar agrupamento de sinais e sintomas.
Quadro 1.1 – Critérios do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtorno -
DSM – IV para Dependência de Substâncias
DSM - IV – Critérios para dependência de substâncias
Um padrão de uso disfuncional de uma substância, levando a um
comprometimento ou desconforto clinicamente significativo, manifestado por
três ou mais dos seguintes sintomas, ocorrendo durante qualquer tempo num
período de 12 meses:
1. Tolerância definida por um dos seguintes critérios:
a. Necessidade de quantidades nitidamente aumentadas para atingir a intoxicação
ou efeito desejado
b. Efeito nitidamente diminuído com o uso contínuo da mesma quantidade da
substância
2. Abstinência manifestada por um dos seguintes critérios:
a. Síndrome da abstinência característica da substância
b. A mesma substância (ou semelhante) é usada para aliviar ou evitar sintomas de
abstinência
3. A substância é frequentemente usada em grandes quantidades, ou por período maior
do que o intencionado
4. Um desejo persistente ou esforço sem sucesso de diminuir ou controlar a ingestão da
substância
5. Grandes períodos de tempo utilizados em atividades necessárias para obter a
substância, usá-la ou recuperar-se de seus efeitos
6. Reduzir ou abandonar atividades sociais ou ocupacionais por causa do uso da
substância
7. Uso continuado da substância, apesar do conhecimento de ter um problema físico ou
psicológico que tenha sido causado pela substância
23
Quadro 1.2 – Critérios da Classificação Estatística Internacional de Doença –
CID-10 para Dependência de Substâncias
CID-10 – Critérios para dependência de substâncias
O diagnóstico de dependência deve ser feito se três ou mais dos critérios são
manifestados durante o ano anterior:
1. Um desejo forte de compulsão para consumir a substância
2. Dificuldades em controlar o comportamento de consumir a substância em termos de
início, término ou níveis de consumo
3. Estado de abstinência fisiológica, quando o uso da substância cessou ou foi reduzido
4. Evidência de tolerância, de tal forma que doses crescentes da substância psicoativa
são requeridas para alcançar efeitos produzidos por dose mais baixas
5. Abandono progressivo de prazeres ou interesses alternativos em favor do uso da
substância psicoativa. Aumento da quantidade de tempo necessário para obter ou
tomar a substância ou recuperar-se de seus efeitos
6. Persistência no uso da substância com evidências na saúde física, como por exemplo,
danos ao fígado com o consumo do álcool, ou ao cognitivo relativo ao uso das drogas
Quadro 1.3 – Critérios do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtorno -
DSM – IV para Uso Nocivo de Substâncias
DSM - IV – Critérios para uso nocivo de substâncias
A. Padrão de uso disfuncional de uma substância, levando a um comprometimento ou
desconforto clinicamente significativo, manifestado por um ou mais dos seguintes
sintomas:
1. Uso constante da substância, fracassando no cumprimento de obrigações no
trabalho, na escola ou em casa
2. Uso constante da substância em situações fisicamente comprometedoras
3. Problemas legais constantes relacionados com o uso da substância
4. Uso contínuo da substância, apesar de ter um problema social ou interpessoal
persistente
B. Nunca preencher os critérios para a dependência desta substância
24
Quadro 1.4 – Critérios da Classificação Estatística Internacional de Doença –
CID-10 para Uso Nocivo de Substâncias
CID-10 – Critérios para uso nocivo de substâncias
• O diagnóstico requer que um dano real tenha sido causado à saúde física e mental do
usuário
• Padrões nocivos de uso são frequentemente criticados por outras pessoas e estão
associados a conseqüências sociais adversas
• Uso nocivo não deve ser diagnosticado se a síndrome de dependência, um distúrbio
psicótico ou outra forma específica de distúrbio relacionado com o álcool ou drogas
estiver presente
Dentro das questões trazidas pelos quadros, padronizados pelo
Ministério da Saúde existem fatores que nos ajudam a entender o nível de uso
das drogas ilícitas.
• Estreitamento do repertório - Conforme a dependência avança,
os estímulos relacionam-se crescentemente com o alívio ou evitação da
abstinência. O indivíduo passa a ingerir a mesma droga nos mesmos horários
e condições; as companhias, o estado de humor ou as circunstâncias vão se
tornando cada vez menos relevantes;
• Saliência do uso - Com o avanço da dependência, o indivíduo
passa a priorizar a ingestão da droga. O consumo vai se tornando mais
importante que a família, que o trabalho, que a saúde. O sujeito foca seu
comportamento e suas atividades em função da droga;
• Aumento da tolerância - O sistema nervoso central é capaz de
desenvolver tolerância às drogas, onde pequenas quantidades já não são
mais suficientes;
• Sintomas de abstinência - resultam de adaptações feitas pelo
cérebro à interrupção ou redução do uso das substâncias. O que por falta das
drogas, o organismo pode reagir com manifestações de abstinência como:
tremores, náuseas, depressão, ansiedade e paranóia, dependendo do tipo de
droga usada;
• Alívio dos sintomas de abstinência pelo aumento do consumo -
Constitui o mecanismo adaptativo do indivíduo ao aparecimento da síndrome
25
de abstinência, envolvendo comportamentos que a evitem;
• Percepção subjetiva da compulsão para o uso - É a percepção
que o indivíduo tem de sua falta de controle, fissura;
• Reinstalação após a abstinência - É o processo por meio do qual
uma síndrome que levou anos para se desenvolver pode se reinstalar dentro
de 72 horas de Ingestão. Quanto mais avançado tiver sido o grau prévio de
dependência, mais rapidamente, o paciente exibirá níveis elevados de
tolerância.
1.3.1. A dependência
O conceito para dependência química ainda não está
completamente formado. Segundo Laranjeira (2004), para explicar a natureza
da dependência química podemos dividi-la em quatro modelos básicos: o
modelo de doença, o modelo de comportamento aprendido, o modelo
psicanalítico e o modelo familiar.
O modelo de doença teve muito influência nas abordagens de
tratamento desde os anos 70. Entende-se a dependência como um transtorno
primário e independente de outras condições: uma herdada suscetibilidade
biológica aos efeitos das drogas. É semelhantemente vista como transtornos
de hipertensão, com componente bioquímico herdado. As principais
características de acordo com esse modelo são: a perda de controle sobre o
consumo das drogas; a negação; padrão de recaída.
No modelo de comportamento aprendido, acredita-se que o
comportamento é aprendido ou condicionado. Logo, os problemas
comportamentais incluindo pensamentos, sentimentos e mudanças fisiológicas
poderiam ser modificados pelos processos de aprendizagem que os criam.
As escolas do modelo psicanalítico mais antigo entendiam o
comportamento de uso drogas como uma tentativa de se retornar a estados
prazerosos da infância. As teorias psicanalíticas mais contemporâneas vêem o
uso de drogas como uma forma que o indivíduo encontra de se adaptar a seus
déficits de auto-regulação, que emergiram de privação ou de interações
disfuncionais na primeira infância. Teorias que têm sido rotuladas como
26
“hipótese de auto-medicação”. De acordo com essa hipótese, algumas
deficiências do indivíduo poderiam levar a problemas com abuso de
substancias:
a. Déficits de tolerância aos afetos;
b. Prejuízo nas habilidades de auto-proteção;
c. Vulnerabilidade no desenvolvimento da auto-estima;
d. Problemas na construção dos relacionamentos e intimidade.
Quanto os modelos familiares, existem três teorias utilizadas no
campo de estudos do uso de drogas: o modelo de doença familiar, o modelo
familiar sistêmico e o modelo comportamental. Estas teorias contribuíram muito
para o entendimento da dependência, principalmente no que diz respeito ao
conceito de equilíbrio e à importância das regras e metas que governam os
relacionamentos familiares e como elas contribuem para a manutenção do uso
de substâncias.
Um modelo a parte, concebe a dependência como um fenômeno
biopsicossocial. Parece haver um componente biológico herdado nos
transtornos de abuso de substâncias, mas este componente isolado não
explica a complexidade do fenômeno. Fatores psicológicos, sociológicos,
culturais e espirituais desempenham um importante papel na causa, curso e
resultados do transtorno.
1.3.2. Graus de dependência
O estado de dependência trata-se de algo gradativo. Não é fácil
estabelecer regras absolutas para avaliar o nível da síndrome. Embora algum
elemento possa estar mais ou menos desenvolvido do que outros, o quadro
coerente que emerge deve ser o de um certo grau de dependência. Assim, se
um indivíduo apresenta sintomas de abstinência graves diariamente, podemos
esperar que exista um padrão bem estabelecido de ingestão para alívio. Uma
tolerância já estará bem desenvolvida e talvez possa começar a aparecer
alguma evidência de tolerância em declínio. Quanto mais vezes o indivíduo
27
tiver repetido os ciclos de abstinência e alívio, mais grave será sua
dependência. Também poderíamos dizer que estará gravemente dependente
aquela pessoa que apresenta sintomas de abstinência, numa base mais ou
menos diária, por um período de 6 a 12 meses, e que bebe para aliviar esses
sintomas durante o mesmo período. Poderíamos diagnosticar como um caso
inicial de dependência, aquela pessoa que teve sintomas de abstinência
apenas em algumas ocasiões.
28
CAPÍTULO II FAMÍLIAS: DESENVOLVIMENTO E ESTRUTURA
Antes de abordarmos as questões inerentes aos adolescentes em
situação de risco pelo envolvimento com drogas ilícitas, trazendo as possíveis
considerações quanto às representações sociais que estas drogas têm para os
mesmos correlacionando às possíveis questões como: São os adolescentes
influenciados na formação de sua identidade pelo ambiente em que vivem? A
falta de limites dos responsáveis cria condições favoráveis para o envolvimento
destes adolescentes com o uso indevido de drogas ilícitas? É necessário
entendermos um pouco sobre a organização familiar no Brasil ao longo dos
anos.
2.1. A organização das famílias no Brasil
Falar da formação da estrutura familiar brasileira, requer uma
observação preliminar da história deste país. Voltar à atenção desde a
colonização até os dias atuais.
Neder (2005) faz um levantamento da formação da nacionalidade e
da cidadania levando em consideração no contexto da fundação da República
(1889), a história dos ex-escravos e miscigenados de origem africana e
indígena. Tais etnias, segundo autora, proporcionava um constrangimento
quando a questão se tratava da formação da nacionalidade e da cidadania do
país, já que aqueles como mencionado, eram ex-escravos e de miscigenados,
ou seja, “raças inferiores”. Ao mesmo tempo que forjava novas crenças sobre a
superioridade de brancos de origem européia, reforçava velhos preconceitos
sobre a “barbárie” e a “inumanidade” dos africanos, presente na formação
histórica ibérica, que justificou a dominação colonial escravista.
A autora parte da idéia de que não existe, histórica e
antropologicamente, um modelo-padrão de organização familiar; não existe a
família regular. Menos ainda que o padrão europeu de família patriarcal, do
qual deriva a família nuclear burguesa, seja a única possibilidade histórica de
29
organização familiar a orientar a vida cotidiana no caminho do progresso e da
modernidade. Pensar famílias de forma plural pode significar uma construção
democrática baseada na tolerância das diferenças com o outro.
Um dos modelos de família tradicional, é a patriarcal. Gilberto Freire
ao escrever Casa Grande & Senzala retrata esta família. A história aponta
algumas particularidades regionais, sobretudo no Nordeste onde a mulher da
família patriarcal, conhecida como sinhazinha, apresenta um perfil pacífico,
com atividades domésticas voltadas para a casa-grande. Já no Sul, ao invés
das sinhazinhas, eram encontradas as bandeirantes. Como esta região possuía
características militar, como exemplo, citamos a cidade de São Paulo, as
mulheres foram convocadas a administrar fazendas e a controlar a escravaria
na ausência do homem, o bandeirante desbravador, freqüentemente ausente.
Assumindo esta postura, a mulher sulista, apresentava um perfil ativo, contudo,
sem perder a submissão ao seu marido, características extensivas da estrutura
familiar. Apesar das diferenças regionais, o caráter da estrutura familiar, era
repressivo, reprodutor das normas de disciplinamento e controle social (e
sexual) ditados pela Igreja; e no caso dos filhos estudantes, os castigos físicos
praticados por pais e professores obedecem a uma concepção de educação
fundada na culpa, impõem censuras antes mesmo de conceder a defesa ao
“acusado”.
Em relação à família de origem africana, escravizada, as
concepções racistas existentes não reconhecem a condição humana,
relacionadas às justificativas da própria escravidão negra no pensamento
católico ibérico. Ou seja, a escravidão justificava-se pela “inumanidade” dos
africanos. Estes estariam numa condição pré-humana, seriam “coisa”, e a
escravidão era vista como uma missão de salvação. Visão esta, assumida
pelos europeus que passaram pelo Brasil na época da escravidão, possuíam
um pensamento ligado à promiscuidade sexual em relação às famílias
escravas.
Já na época da Proclamação da República (1889) introduziu-se no
país um conjunto de modernizações que envolveram o fim do trabalho escravo
e a urbanização (início da industrialização), assim como o processo migratório
30
para os pólos em desenvolvimento econômico e de decisão política. O projeto
republicano dos militares inspirava-se no positivismo de Augusto Comte, século
XIX. Projetavam mudanças visando à modernização conservadora no plano
econômico e na organização familiar, onde existiria um padrão de controle
político e social excludente. Valorizava-se o padrão de organização burguês,
com a família nuclear moderna e adotava-se práticas de sociabilidade,
inspiradas nos modismos da belle-époque francesa e do conservadorismo
moralista.
Segundo autora supracitada, modernizaram-se as concepções sobre
o lugar da mulher nos alicerces da moral familiar e social. Ao contrário da
família tradicional, a nova mulher, “moderna”, deveria ser educada para
desempenhar o papel de mãe e de educadora dos filhos e também, para dar
suporte ao homem para que este pudesse enfrentar o trabalho fora de casa.
Este era o perfil da mulher-suporte, que os positivistas brasileiros do início do
século traçaram como modelo para o “novo” Brasil. Sobretudo no projeto
republicano dos positivistas a Educação ocupa um lugar fundamental para o
ideal de “ordem e progresso”. Evidentemente, que este projeto voltava-se para
a modernização da família branca, de origem européia, e inscrevia-se no
quadro das modificações da família tradicional, que tendia a alterar-se com a
urbanização e os modismos que impunham novos padrões de comportamento
uma vez que o país estava inserido no mercado mundial. “Educar o ex-escravo
para a cidadania e a nacionalidade”. Da mesma forma, a Educação não é
senão mencionada enquanto estratégia para a saída da crise que levou ao fim
do regime monárquico e da escravidão no Brasil.
Já no período do Estado Novo, a autora traz considerações quanto à
realização de políticas públicas na área de família e educação, com forte
inspiração no autoritarismo. A ênfase passou a ser dada à idéia de “família
regular”, “saudável”, que apostava no branqueamento da sociedade brasileira.
A principal aliada a apoiar politicamente o Estado Novo, inclusive com
fundamentação teórica e prática para a implementação de políticas públicas, foi
a Igreja. As estratégias de atuação no Brasil resultaram na definição de uma
política educacional católica de amplo alcance, com a implantação de escolas
31
confessionais em todo o país. Portadores de um conhecimento prático
adquirido a partir das Santas Casas de Misericórdia, os setores católicos foram
os mais aptos a preencher as lacunas deixadas pela nova ordem republicana.
Eis a razão pela qual, o conservadorismo clerical traz o tema da família com
fortes conotações europeizadas calcadas na idéia de família-padrão
higienizada e patriarcal, com presença marcante do moralismo e do controle
sexual típicos desta matriz ideológica.
No que diz respeito aos escravos, a autora supracitada apresenta a
organização das famílias, com perdas das tradições e das raízes, com
condicionantes desfavoráveis, como as separações forçadas devido à
preferência da aquisição dos escravos homens. No Brasil, havia desprezo e
descaso com relação às crianças, uma vez que não se apostava com muita
freqüência na reprodução natural da massa escrava; havia uma clara
preferência pelo investimento no escravo adulto e era freqüente o abandono de
crianças.
As crianças, quando nascidas de uniões, onde fosse o pai um
escravo ou o próprio senhor, construíam suas identidades dentro de situações
ambígua e contraditória. A ausência da figura paterna ocorria em dois sentidos:
num, pelo não reconhecimento da paternidade por alguém; e noutro, a figura
do senhor, era substitutiva da figura paterna, que também não diferente, era
ausente devido à distância imposta pela relação social desenvolvida
(senhor/escravo).
“Isolada do pai natural, desconhecido, afastada do pai de eleição, aquele senhor agora distante, a criança-escrava encontra numa família ampliada, a numerosa família de negros no trabalho, os pontos de referência necessários ao seu equilíbrio emocional rompido. Nessa comunidade negra de linhagens perdidas, forjam-se alianças, novos compadrios, vínculos religiosos.”
Mattoso (1988) apud Neder (2005)
Dentro dos aspectos histórico-culturais brasileiro que marcam a
organização das famílias, devem ser relevantes, questões como a estrutura da
família escrava. Primeiramente, devem-se considerar as percepções
construídas historicamente pelas elites. Em seguida, observar a formulação
32
das classes populares que trata a organização familiar, e que ainda pode
conter um enfoque na relação pobreza/família irregular. Por melhores que
sejam as intenções dos agentes histórico-sociais que atuam nas políticas
sociais em relação às classes populares, pensa-se que a abordagem tão
somente da pobreza coloca no centro do argumento a determinação
econômica das mazelas que levam às dificuldades na manutenção dos
vínculos familiares.
2.2. A importância da família
A família brasileira é o espaço onde se deve manter a socialização,
a divisão de responsabilidades, de busca de estratégias para sua sobrevivência
e exercício da cidadania sob o parâmetro da igualdade, do respeito e dos
direitos humanos. A família é indispensável para a garantia do desenvolvimento
e da proteção integral dos filhos e dos demais membros, independente do
arranjo familiar ou da forma como vêm se estruturando. É nela que se propicia
os aportes afetivos e materiais necessários ao desenvolvimento e bem-estar
dos seus componentes. A ela pertence o papel decisivo quanto à educação,
transmissão em seu espaço de valores éticos, culturais e humanitários, onde
também se aprofundam os laços de solidariedade. Enquanto agregação, possui
uma dinâmica de vida própria, afetada pelo processo de desenvolvimento
sócio-econômico e pelo impacto da ação do Estado através de suas políticas
econômicas e sociais. Por esta razão, ela demanda políticas e programas
próprios, que dêem conta de suas particularidades.
Kaloustian (2005) afirma que a situação das famílias é também
caracterizada por problemas sociais de natureza diversa, tais como quebra aos
direitos humanos, exploração e abuso, barreiras econômicas, sociais e
culturais ao desenvolvimento integral de seus membros. Assim, é necessário
um contínuo acompanhamento ao processo de mudanças que as afetam, bem
como ao desenvolvimento de perspectivas e abordagens teóricas que
possibilitem o seu entendimento, atentando não somente os aspectos
relacionados a questões intra-familiar, como também extra-familiar.
33
A vulnerabilidade das famílias pode estar diretamente associada à
sua situação de pobreza, devido à má-distribuição de renda no país e
primeiramente, por baixa escolaridade, onde sem qualificação profissional,
torna-se difícil sua inserção no mercado de trabalho formal. Por trás da criança
excluída dos espaços sociais e em situação de risco, existe a possibilidade de
encontrarmos uma família desassistida pelas políticas públicas. Mesmo com a
existência de uma assistência, esta, pode ser inadequada e não corresponder
às necessidades e portanto, não oferecer o suporte básico para que a família
cumpra com suas funções enquanto principal agente de socialização dos seus
membros, principalmente, das crianças e dos adolescentes. O nível de bem-
estar familiar pode ser manifestado através das condições gerais de
sobrevivência, como alimentação, educação e respeito aos seus direitos
humanos básicos, entre os quais o de manter um vínculo estável entre seus
membros. Não podemos deixar de evidenciar os aspectos econômicos para
viabilizar políticas dirigidas às famílias, uma vez que estas deixam de cumprir
suas funções básicas junto aos seus membros, acaba gerando custos sociais e
financeiros, na medida em que iniciativas públicas e privadas compensatórias,
que nem sempre são eficazes, tornam-se necessárias para cobrir demandas
dali originadas.
A família, não é um simples somatório de comportamentos, anseios
e demandas individuais, mas sim um processo interagente da vida e das
trajetórias individuais de cada um de seus integrantes. À família, novos
membros se agregam; da família, saem alguns para constituírem outras
famílias e enfrentam o mercado de trabalho. Nas famílias mais pobres, estas
trajetórias e movimentos podem ocorrer de forma traumática, ditados pelas
condições econômicas. Abordar a estrutura familiar em todas as suas
dimensões e particularidades é uma tarefa difícil e complexa, pois, nas últimas
décadas, a formação de sua estrutura, vem se modificando e, impossibilitando
assim, identificá-la como um modelo único ou ideal.
“[...] ela se manifesta como um conjunto de trajetórias individuais que se expressam em arranjos diversificados e em espaços e organizações domiciliares peculiares.”
Kaloustian (2005, p. 14)
34
O autor apresenta a família da atualidade com características
próprias, formadas de acordo com as necessidades e interesses de seus
membros. Uma formação construída pelos critérios citados acima pode
possibilitar uma referência familiar com bem-estar social e qualidade de vida,
contribuindo de forma efetiva para o avanço qualitativo do desenvolvimento da
criança e do adolescente, mais adequado até, que os modelos tradicionais
(antigos) onde se estabelecia padrões nucleares.
As regras comportamentais dentro da fase da adolescência são
aprendidas em sua maioria no contexto de socialização familiar, socialização
esta, que interage com outras instituições primárias como a escola e amigos.
Cada interação na adolescência envolve vínculos, e quando estes estão
fragilizados, aquelas instituições podem apresentar fatores de risco, com
vulnerabilidades que levam inclusive ao uso de drogas. Vínculos saudáveis no
contexto familiar e escolar, além da prevenção das más-companhias mediam
outras fontes de socialização às relações dos adolescentes, como a religião por
exemplo.
A família tem um papel importante na criação de condições
relacionadas a fatores de proteção, principalmente quando as drogas já
estiverem instaladas na vida do adolescente. Segundo Liddle & Dakof (1995)
apud Minayo (on line, 2003 ) uma vez que a família é o laço mais forte, ou pelo
menos deveria ser, de toda uma rede social, quando há instalação do uso de
drogas na adolescência, muitas são as abordagens terapêuticas que podem
abranger os fatores intrafamiliares, individuais e sociais, de forma sistêmica.
Stanton & Shadish (1997) apud Minayo (on line, 2003) realiza uma
ressalva de que é preciso atingir as famílias e trabalhar os vínculos entre seus
membros, para que o adicto possa sentir-se incluído em seu sistema familiar e
para que esta família possa saber lidar com a instalação da droga em seu seio,
uma vez que a mesma, acaba se tornando co-dependente, senão co-
participante, em função das ações do usuário de drogas. É necessário que se
observe os fatores familiares que têm relação com o adicto; o início do
uso/abuso de drogas e de overdoses, que podem ter como motivo o
rompimento dos laços familiares, estresse e perdas; o modelo dos
35
responsáveis no que se refere ao uso de substâncias psicoativas; homeostase
familiar, visando os comportamentos de todos os membros, o que pode
desencadear comportamentos tanto positivos quanto negativos em relação ao
adolescente e abuso de drogas ilícitas.
A família, principal fonte de socialização, ao construir vínculos
saudáveis, transfere valores positivos aos seus membros. Mas, famílias
disfuncionais podem transmitir desvios de conduta por meio do modelo
comportamental dos responsáveis aos filhos. Os problemas de vinculo familiar
provêm em sua maioria, dos lares com déficits em habilidades na criação dos
filhos, o que reduz as possibilidades de transferência de regras sociais
saudáveis. A maneira em que os pais educam seus filhos é entendida clima
emocional em que ocorre a socialização, uma vez que atos educativos só
serão eficazes no contexto de uma relação emocional estruturada. Relações
entre pais e filhos podem ser geradas em situações autoritárias, com
autoridade e ainda com permissividade.
No autoritarismo, os pais são exigentes e poucos responsivos aos
adolescentes, este, mesmo ao submeter-se às regras, por vezes, possuem
uma baixa-confiança. A autoridade é revelada com cordialidade e vigilância,
associada a adaptações positivas, para que ao chegar a fase adulta, aquele
indivíduo haja com reciprocidade em suas relações positivas. Já na
permissividade, os responsáveis podem ser negligentes à determinação de
limites e responsabilidades. Os modelos de educação relatados acima, podem
levar a comportamentos desestruturados, que vão desde o baixo rendimento
escolar ao uso/abuso de drogas.
Comportamentos como controle e rigor, apoio e comunicação podem
definir a maneira de educação que os pais oferecem aos seus filhos. Ao
buscarem sua independência em relação aos pais, os adolescentes
geralmente, são confundidos como rebeldes, pois na fase da adolescência, é
comum ocorrer questionamentos quanto aos valores e opiniões que até então,
lhes foram transmitidos, e que lhes serão referência ou contra-referência na
formação de uma identidade.
36
Os amigos também podem ser considerados uma referência com a
ausência dos pais e são tratados neste caso pelos adolescentes, como os
primeiros em importância na sua vida. Devemos compreender tais aspectos
para o sucesso de uma relação estruturada na vida afetiva e apoio mútuo entre
pais e filhos. E na ausência de afetividade, motivação, monitoramento e
determinações de limites que os adolescentes têm dificuldades em fazer
transições entre confiança, primeiramente colocada nos pais para então, obter
uma independência e foco cada vez mais nos amigos, pois estes, também
formam grupos que influenciam transferência de regras na adolescência. Por
possuírem laços fortes, os comportamentos de seus membros, têm um papel
muito importante nessa fase.
“Os adolescentes não são cooptados por amigos anti-sociais, mas eles se tornam atraentes pelo fato de o meio familiar apresentar abundância de conflitos e desengajamento interpessoal.”
Oetting & Donnermeyer (1998) apud Minayo (on line, 2003)
Por possuírem uma família sem trocas de afeto e atenção em suas
relações e por vezes os pais e/ou responsáveis que não implantam práticas
educativas, os filhos crescem sem os limites necessários para a ordenação de
sua conduta, podendo então se tornar agressivo, sem padrões, o que
compromete o desenvolvimento saudável e colocar o adolescente em risco,
inclusive das drogas.
O uso abusivo de drogas cria uma desordem biopsicossocial que
gera problemas sistêmicos, passando do indivíduo para a família, escola,
trabalho e sociedade. Para acompanhamento faz-se necessário envolver o
adolescente e sua família, pois não se pode tratar apenas o usuário como se
este não interagisse com outras pessoas, pois sua família acaba se tornando
co-dependente do transtorno.
É no seio da família que ocorrem as primeiras aprendizagens, logo,
as atitudes que levam ao uso de drogas ou não, devem ser bem direcionadas
socialmente. Para que a família saiba lidar com o impacto da drogadicção é
necessário um tratamento eficaz que lhe assista como um todo, pois,
abordagens familiar são mais eficientes que o tratamento individual.
37
Apesar da importância dos amigos na fase da adolescência, os pais
são influências aos filhos. Os conflitos entre pais e adolescentes, dificultam o
desenvolvimento da identidade. Quando as transições nessa relação não são
positivas na visão do filho quanto à possível autonomia requerida, este pode se
distanciar de maneira hostil para alcançar e controlar sua independência.
Sendo assim, as intervenções por profissionais nas famílias desses
adolescentes envolvidos com drogas ilícitas devem ser baseadas na
reconstrução dos vínculos afetivos para a homeostase familiar.
38
CAPÍTULO III ADOLESCÊNCIA: DESAFIOS E PERSPECTIVAS, A FASE DE TRANSIÇÃO 3.1. A formação da identidade
Segundo Housaiss (2001), a palavra adolescência tem origem no
verbo latim adolescere, que significa crescer até a maturidade, resultando em
transformações de ordem social, psicológica e fisiológica. É uma fase de
preparação para a vida adulta, com períodos alternados de certezas e
incertezas, de turbulências, prazer e dor, conflitos e construções, formulação e
reformulação de conceitos até que se conquiste a própria identidade. Até que
se estabeleça a identidade pessoal, o jovem apresenta comportamentos tão
diversos que não raras vezes são confundidos com transtornos mentais. A
grande questão é entender os limites entre o “normal” e o “psicopatológico”. O
conhecimento das características da personalidade e conduta ajuda a
identificar melhor a fronteira entre um e outro.
O psicanalista Erik Erikson (1976) acreditava que a maior tarefa da
adolescência seria o desenvolvimento da identidade, denominando assim, a
maior crise da adolescência como sendo a crise da identidade, ocorrendo nesta
fase da vida para que o jovem pudesse estabelecer a diretriz que nortearia
seus passos na vida adulta. A palavra crise vem do grego krisis que significa
decidir, escolher; é então uma fase de muitas escolhas e definições
provocando grandes confusões e perca de referências em algumas situações.
A formação da identidade do adolescente engloba uma série de
fatores como a imagem que ele próprio faz de si mesmo, a escolha da
profissão, os seus relacionamentos pessoais, orientação sexual, valores morais
e os compromissos sociais. Imagem esta, caracterizada por Piaget (1976)
como, pensamento operatório formal. É o tipo de pensamento necessário para
que qualquer pessoa possa resolver problemas sistematicamente. O
adolescente constrói teorias e reflete sobre o seu pensamento, o pensamento
39
formal, que constitui uma reflexão da inteligência sobre si mesma, um sistema
que opera com proposições. O psicanalista afirma que uma das conseqüências
de se adquirir pensamento operatório formal é a capacidade de construir
provas lógicas em que a conclusão segue a necessidade lógica. Essa
habilidade constitui o raciocínio dedutivo. Diferenciando assim, o pensamento
do adolescente do da criança, onde esta consegue chegar a utilizar relações e
números, mas não as utiliza num sistema total que é caracterizado pela lógica
do adolescente. O pensamento liberta-se da experiência direta e as estruturas
cognitivas da criança adquirem maturidade. Isso significa que a qualidade
potencial do seu pensamento ou raciocínio atinge o máximo quando as
operações formais encontram-se plenamente desenvolvidas.
O adolescente apresenta a lógica das proposições relacionando esta
à estrutura de classes e das relações. O pensamento formal encontrado nos
adolescentes é explicado pelo fato de se poderem estabelecer as
coordenações entre os objetos que também se originam de determinadas
etapas da maturação deste sujeito. No entanto, esta constituição da estrutura,
não apenas tem ligação com a maturidade do sujeito, mas também com o meio
social no qual este está inserido. Para que o meio social atue sobre os
indivíduos é necessário que estes estejam em condições de assimilar as
contribuições desse meio, havendo a necessidade de uma maturação
suficiente da capacidade cerebral deste indivíduo.
Se o adolescente constrói teorias é porque de um lado, tornou-se
capaz de reflexão e, de outro, porque sua reflexão lhe permite coordenações
operatórias necessárias para atingir determinada ação. O pensamento do
adolescente tem a necessidade de construir novas teorias sobre as
concepções já dadas, no meio social, tentando chegar a uma concepção das
coisas que lhe seja própria e que lhe traga mais sucesso que seus
antecessores. São característicos do processo de pensamento, os patamares
de desenvolvimento, que leva o nível que subordine o conhecimento a
constantes perspectivas. Refletindo sobre idéias, o adolescente constrói
teorias, definindo conceitos e valores, direcionados por um egocentrismo, onde
40
o adolescente acredita ser capaz de resolver todos os problemas que
aparecem, considerando as suas próprias concepções como as mais corretas.
Piaget (1976) faz distinção entre o real e o possível dentro do
pensamento operacional formal, da qual, ao contrário da criança que se
encontra num período operacional concreto, o adolescente, ao começar a
examinar um problema com que se defronta, tenta imaginar todas as relações
possíveis que seriam válidas; a partir de então, através de uma combinação de
experimentação lógica, tenta verificar quais destas relações são verdadeiras.
Assim, este adolescente, determina sua realidade a um caráter hipotético e
ingressa num processo de deduções. A partir destas considerações podemos
estabelecer um paradigma inicial de como os adolescentes pensam. Para
Piaget o pensamento formal é uma orientação generalizada, explicita ou
implícita, para solução de problemas: uma orientação no sentido de organizar
os dados, isolar e controlar variáveis, formular hipóteses e justificar e provar
logicamente os fatos. Entender o que Piaget coloca sobre o pensamento
adolescente está diretamente relacionado à maneira de como se desenvolve a
construção de uma identidade nesta fase.
Erikson (1976) dentro de sua teoria de desenvolvimento
psicossocial, é dos 12 aos 18 anos, que se adquire uma identidade
psicossocial, isto é, onde o adolescente compreende a sua singularidade, o seu
papel no mundo. Este experimenta uma série de desafios que envolvem
atitudes para consigo e para com os outros, em busca de conquistas. Na
medida em que as pessoas à sua volta ajudam na resolução dessas questões
desenvolve-se um sentimento de identidade pessoal, caso o adolescente não
encontre respostas para suas questões pode se desorganizar e perder a
referência. Nesta fase, os indivíduos estão cheios de novas potencialidades
cognitivas, exploram papéis sociais. É neste âmbito que ressalta um dos
conceitos eriksonianos que ajuda a conferir tanta relevância à moratória
psicossocial, período de pausa necessária a muitos adolescentes, de procura
de alternativas e de experimentação de papéis, que vai permitir um trabalho de
elaboração interna. Sendo assim o adolescente antecipa o seu futuro,
41
experimenta alternativas, dá um tempo. As necessidades pessoais, as
exigências socioculturais e institucionais caracterizam a moratória.
As complicações inerentes ao desenvolvimento da identidade do
adolescente na sociedade moderna têm criado um espaço necessário para a
reflexão e exercício de diversos papéis. Um grande número de adolescentes
tem uma evolução incompleta por entrarem rapidamente na vida adulta, sem
um amadurecimento interno, que só poderia ter sido facultado por uma boa
vivência neste estágio e nos seus diferentes aspectos. Embora a construção da
identidade se realize ao longo do ciclo da vida, constitui uma tarefa específica
desta idade, o sentimento da identidade, é conforme Erikson (1976), o
sentimento de ser o mesmo ao longo da vida, atravessando mudanças
pessoais e ocorrências diversas. A identidade dá assim um sentido histórico à
existência, a qual se constrói tendo por base as representações feitas sobre
nós, bem como as interações e os confrontos entre as representações que os
outros fazem de nós e as que nós fazemos de nós próprios. O agente interno
ativador na formação da identidade é o Ego, em seus aspectos conscientes e
inconscientes.
O ego neste estágio tem a peculiaridade de apurar e inteirar
talentos, aptidões e habilidades na identificação com pessoas semelhantes a
nós e na acomodação ao ambiente social. A chave para a resolução da crise
de identidade que pode fazer com que o adolescente se sinta isolado, vazio,
ansioso e indeciso, reside assim, na interação com pessoas significativas, que
são escolhidas e fazem parte integrante da construção da sua identidade
adulta. Os problemas no desenvolvimento da identidade podem culminar numa
identidade difusa, caracterizada por uma noção do eu desarticulado e
incompleto, numa identidade bloqueada, caracterizada pela não permissão do
período normal de moratória por questões sociais, familiares e/ou pessoais e
finalmente numa identidade negativa, em que o adolescente seleciona
identidades que são indesejáveis para a família e sua comunidade. A versão
negativa menciona os aspectos, sentimentos relacionados à confusão/difusão
de quem ainda não se descobriu, e não sabe o que pretende, tendo dificuldade
em optar. É de convir que nesta idade emerge um conjunto próprio de valores a
42
que Erikson (1976) denominou por fidelidade; capacidade de manter lealdades
livremente empenhadas, apesar das inevitáveis contradições dos sistemas de
valor, assim como, na reta final da adolescência é que se obtém uma
“identidade realizada”, igualmente conhecida por identidade adquirida. Os
estágios não podem ser compreendidos como períodos isolados, pois as fases
anteriores irão deixar marcas que vão influenciar a forma como se vivencia esta
crise de identidade, desencadeando uma perspectiva histórica na qual o
adolescente vai se perceber e integrar elementos.
3.2. Quando a falta de limites acontece
A formação da identidade na fase da adolescência está
compreendida em dois principais aspectos, relação familiar e social, compondo
o ambiente do qual o adolescente está inserido, sendo de extrema importância
na transferência e/ou influência dos valores assumidos por estes e que
nortearão suas decisões. São os adolescentes então influenciados na
formação de sua identidade pelo ambiente em que vivem? A falta de limites
dos responsáveis cria condições favoráveis para o envolvimento destes
adolescentes com o uso indevido de drogas ilícitas? Relações aquelas, que
podem contribuir tanto para a vulnerabilidade dos adolescentes, como para a
construção de uma identidade segura, tornando-se protagonista das mudanças
referentes ao contexto em que encontra-se inserido. (Erikson apud Saito, 2001)
afirmou que “a principal tarefa dos adolescentes é o estabelecimento da
identidade própria e segura, havendo, porém, uma paradoxal solicitação de
limites: “Necessito que me coloquem limites, mas desde já vou avisando que
não vou respeitá-los”. A formação da identidade deve ser relevante, lembrando
os papéis de gênero masculino e feminino do ponto de vista sociocultural.
A fase da adolescência por ser de constantes transformações,
requer do adolescente, decisões que nem sempre são fáceis, podendo ocorrer
momentos de altos e baixos. A solução encontrada por muitos consiste em
criar, em sua fantasia, uma nova pessoa ou pessoas, ensaiando assim a
43
construção da identidade definitiva através de modelos experimentais Saito
(2001). O que poderá causar problemas se em demasia, destruir ao invés de
ajudar na construção de uma identidade mais madura. Problemas normais dos
adolescentes se relacionam à rebeldia, às alterações do humor e à dificuldade
em esperar. Segurança e risco se intercalam e, por vezes, até se confundem,
aumentando a vulnerabilidade, ao mesmo tempo em que proporcionam a
capacidade de adaptação para fortalecimento do indivíduo. A timidez e a
insegurança dificultam o processo de formação de uma identidade, pois
adolescentes com essas características precisam construir, atitudes que seriam
espontâneas para outros indivíduos.
O relacionamento com os outros é um desafio vivenciado pelos
adolescentes. O grupo pode trazer o fortalecimento de cada um, o surgimento
de lideranças. E para ser incluído, o adolescente assume comportamentos
mesmo sem estar preparado, convive com riscos que podem trazer agravantes
em vários níveis. Adolescência implica diretamente na apropriação de uma
maneira de conduzir-se e isto é próprio de cada cultura. Para que possam ser
analisadas as relações na adolescência, faz-se então necessário o
entendimento da cultura no ambiente onde o adolescente encontra-se inserido,
considerando a maneira pela qual um grupo se estrutura e configura suas
relações sociais. A cultura faz com que a conduta humana seja previsível
dentro de certas possibilidades e variável em cada sociedade. “A cultura tem a
propriedade de ser criação humana, e por sua vez, criadora das condições do
mundo humano” (Salazar apud Saito, 2001). Sendo assim, podemos considerar
que o adolescente é um ser em transformação diante dos valores culturais em
transição.
O conceito de risco, que antes era concebido do ponto de vista
biomédico, estende-se hoje para variáveis sociais e do comportamento, o que
lhe confere maior abrangência. O risco é uma proposição técnica que associa o
conceito de vulnerabilidade à probabilidade de dano ou resultado indesejado.
Em paralelo, o conceito de protetor, é utilizado como mecanismo basicamente
de prevenção, mas que também visa à qualidade de vida. Para os
adolescentes risco e proteção podem estar presentes:
44
• Neles mesmos, através de fatores ainda não esclarecidos e
vinculados à singularidade de cada fase da vida e de cada um;
• Na família, considerada capaz de diminuir o impacto de condições
adversas;
• Na sociedade como um todo, dentro dos vários grupos de
referência, como, escola, trabalho, amigos, saúde, justiça, nível
socioeconômico, inserção cultural, políticas governamentais.
A família é o ambiente natural para o crescimento e reconhecimento
do ser humano, onde se transmite valores e crenças. É claro que a história
familiar do adolescente não se inicia na adolescência, estando presente desde
a gravidez planejada ou não. Fundamentais na estruturação da subjetividade
são os primeiros anos de vida, sustentados inicialmente na relação mãe e filho
e a seguir pela relevante atuação da figura paterna, também responsável pela
construção do sujeito. Nem sempre, a família assume a tradicional modelo
nuclear. Talvez, o necessário para a composição familiar seja a maneira como
os seus membros interajam, com relações de compromisso e respeito, que
propiciam o desenvolvimento e não a fragmentação do outro. Famílias
desestruturadas contribuem para a má formação da personalidade, e
consequentemente, da identidade. Podendo favorecer a inserção do
adolescente em riscos. A ausência de afeto, de limites e responsabilidades,
valores transmitidos pela família podem ser preenchidos e fantasiados das
mais diferentes maneiras, como por exemplo, através do envolvimento com as
drogas ilícitas.
Scivoletto (1997) afirma que os fatores que levam o adolescente a
usar drogas ilícitas são vários. Algumas pesquisas tentaram analisar quais
seriam os mais importantes, porém os resultados foram conflitantes. Deve-se
levar em consideração a influência maior de um ou outro fator de risco. Sem
dúvida, a curiosidade natural dos adolescentes é um dos fatores de maior peso
que leva à experimentação de drogas, ao lado de fatores externos como o
ambiente em que vivem, desestruturação familiar, opinião dos amigos e
facilidade de obtenção dessas substâncias. Na passagem da experimentação
para o uso constante, encontramos fatores mais relacionados com as
45
características internas do adolescente, tais como insegurança ou sintomas
depressivos. O que não significa, que estes mesmos fatores deixem de ser um
dos motivos relacionados ao início do uso de drogas ilícitas, uma vez que a
insatisfação do adolescente em suas atividades ou sua própria insegurança,
poderiam aumentar a curiosidade do jovem e a necessidade de buscar novas
sensações, como a experimentação de drogas diferentes.
Dentre os fatores externos, encontramos a influência do modismo, a
tendência. Os adolescentes são vulneráveis a estas influências. Eles estão
saindo da infância e ganhando autonomia para escolherem como se vestir e
como se portar, definindo seu próprio estilo. Nessa escolha de modelos,
salienta-se a opinião da turma, os modelos dos ídolos e os exemplos que
esses jovens tiveram dentro de casa ao longo de sua infância. Para conquistar
sua própria identidade, sua autoconfiança e a busca de sua independência, o
adolescente experimenta diferentes comportamentos. Essa tendência reflete
não só a busca por uma identidade própria, diferente da de seus pais em
alguns aspectos, mas também o desejo de ser visto como um indivíduo
autônomo, adulto. Assim, o adolescente para auto afirmar-se e adotar modelos
de comportamento ousados, dispõe inclusive de drogas.
Atualmente, o uso indiscriminado de algumas drogas, até mesmo
medicamentos (para relaxar, melhorar o desempenho sexual, para emagrecer,
para dormir,...) dão aos adolescentes a impressão de que, para qualquer
problema há sempre uma solução química. Uma solução mágica e rápida que
não requer grandes esforços e atende às necessidades daquele momento. A
maneira como esses modelos influenciam no processo de maturação do
adolescente, dependerá de suas características internas, que determinarão
quais representações sociais as drogas ilícitas têm para os adolescentes e qual
forma este sujeito as consumirão. O uso experimental ou contínuo de drogas
sofre influência dos fatores presentes em seu desenvolvimento.
A família pode ser um fator de risco ou protetor para o uso dessas
substâncias psicoativas. O fator genético como ser filho de dependentes
químicos podem apresentar quatro vezes mais risco de se tornarem
dependentes. Geneticamente, o organismo destes jovens apresenta esta
46
predisposição. O desenvolvimento da dependência encontra-se relacionado
conforme a interação desta predisposição com os fatores ambientais, que
poderão protegê-lo ou favorecer o aparecimento da dependência. Outro fator
importante é a família, que possui um papel fundamental na formação desse
adolescente. Durante o seu desenvolvimento, a criança precisa aprender a lidar
com limites e frustrações, para que busquem maneiras de superá-los. Crianças
que crescem num ambiente com regras claras, geralmente são mais seguras,
pois sabem o que devem ou não fazer. Sem regras claras, segundo Saito
(2001), a criança busca os limites dentro de casa, adotando um comportamento
desafiador com os pais, como se provocasse a imposição dos limites.
Posteriormente, agora já adolescente e tendo aprendido a viver sem limites, ele
repetirá o comportamento desafiador fora de casa, momento em que está
começando sua vida sem a proteção da família. Faz parte da realidade, a
insegurança durante as descobertas das regras colocadas nas relações
sociais, e também as frustrações que se apresentam aos adolescentes. Para
enfrentar essas frustrações, eles necessitarão de meios que lhes ajudem com
estes desafios, e não tendo aprendido, como enfrentarão sua dura realidade?
Num momento de fragilidade como este, as drogas entram como solução,
onde, os adolescentes as consomem e todos os sentimentos ruins e situações
difíceis desaparecem por alguns instantes, sem necessidade de esforços
maiores. Portanto, é na adolescência, sem limites dados pelos responsáveis,
sem a proteção da família e ainda sob a influência do meio, que o adolescente
desafiador e que não sabe lidar com frustrações apresenta maior risco para
envolver se com uso indevido de drogas ilícitas.
Além dos fatores externos, os internos, como dito antes, também
contribuem para o envolvimento dos adolescentes com as drogas. Um dos
motivos é a insatisfação, pela não realização de alguma atividade, o que gera
insegurança e sintomas depressivos. Os adolescentes precisam se sentir bons
em algum tipo de atividade. Este destaque representará a identidade e a sua
função dentro do grupo. O adolescente que não consegue se destacar em
algum dos seus relacionamentos sociais pode buscar nas drogas a sua
identificação: será aquele que mais consome “cocaína” no grupo, ou aquele
47
que mais entende de drogas. A droga passa a representar um lugar seguro na
vida desses adolescentes, onde os mesmo passam a enfrentar a dura
realidade de uma forma “menos penosa”, sem inseguranças. Logo, é preciso
atentar aos sintomas depressivos e as crises de angústia que, em muitos
casos, fazem parte da adolescência normal, mas que também, podem ser
fatores de risco. Quanto mais impulsivos e menos tolerantes às frustrações,
maior será esse risco. Segundo estudo desenvolvido com adolescentes
dependentes, aqueles que apresentavam sintomas depressivos evoluíram mais
rápido da experimentação para o uso contínuo, consumindo drogas cada vez
mais fortes, como a cocaína e o crack, em alguns casos sem o uso anterior de
substâncias mais leves, como a maconha Scivoletto (1997).
Infelizmente, as alterações causadas no processo de maturação dos
adolescentes usuários de drogas tendem a permanecer como lacunas na sua
vida adulta. Os adolescentes que tiveram suas capacidades cognitivas —
como, por exemplo, aquisição de conhecimentos e capacidade de julgamento e
crítica — e de relacionamento prejudicadas pelo consumo de drogas possuem
menos estratégias para lidar com fatores estressantes que aparecem na vida
diária. Com isso, o bom desempenho dos papéis na vida adulta fica
comprometido, uma vez que os eventos estressantes estão relacionados com
as responsabilidades de trabalho e das relações sociais e interpessoais, como
a tarefa de educar filhos que também fica prejudicada, pois esses
adolescentes, quando adultos, não saberão desenvolver estratégias
adequadas para lidar com a paternidade e/ou maternidade, como promover a
educação, saúde e transmitir valores éticos e morais. Quanto mais cedo se
desenvolve a dependência das drogas ilícitas, maior a probabilidade de
ocorrerem atrasos no desenvolvimento cognitivo, sendo maiores os espaços na
estrutura de personalidade desse indivíduo.
48
CONCLUSÃO
Vários são os fatores que envolvem o início de uso de uma
substância psicoativa e na passagem dessa para outras drogas. Nos estágios
iniciais do consumo das drogas, o uso de álcool geralmente envolve pequenos
comportamentos de deliquência, de sociabilização dos adolescentes da mesma
faixa etária e por modelos de pais e amigos usuários de álcool.
Fatores ambientais, em favor do uso de drogas por parte dos
amigos, pais e dos meios de comunicação são mais importantes no início do
consumo, enquanto que nos estágios posteriores da evolução do consumo, o
uso de maconha ocorre com maior freqüência após a aceitação de crenças e
valores, ao envolvimento com amigos que fumam maconha e ao mau-
comportamento. O uso de drogas ilícitas mais fortes pode ser precedido pelo
relacionamento deficitário com os pais, pela exposição de alguns amigos ou
fuga de um problema de difícil solução.
Alguns adolescentes iniciam o uso de substâncias através do
consumo de drogas mais fortes, como a cocaína e o crack. Outros chegam até
a experimentar álcool e maconha, mas apresentam evolução extremamente
rápida para as outras drogas. Nesses casos, a maior influência para o
consumo, são os fatores internos do próprio adolescente, como insegurança,
angústia, insatisfação, dificuldade de auto-realização e até mesmo doenças
psiquiátricas, desconfortos gerados na maioria das vezes, por relacionamentos
mal-sucedidos, sejam com os seus responsáveis ou com amigos, a falta de um
referencial forte e positivo, pode proporcionar a esses adolescentes, conflitos
internos e a má formação da sua identidade. Esses jovens, geralmente,
buscam um alívio, e para alcançá-lo, assumem qualquer risco.
O comportamento do adolescente e a intensidade de uso em um
estágio são as principais variantes para o próximo estágio. Por isso, faz-se
necessário pensar na valorização das famílias, enquanto lócus de produção de
identidade social básica para qualquer criança, tendo em vista a formação de
uma cidadania. Adolescentes que se sentem inseridos em sua comunidade e
recebem um referencial positivo na sua relação com os pais, podem sentir-se
protegidos contra comportamentos de risco. Grupos comunitários como escola
49
e amigos, também são de grande importância tanto em ações protetoras como
provedora de riscos. Devemos elencar, que a má influência dos amigos pode
corromper o comportamento de um adolescente, pois, um grupo de amigos
nada mais é do que um conjunto de indivíduos com as mesmas necessidades
e desejos. Nesse caso, a aproximação parte mais do adolescente em direção
ao grupo, tendo este a necessidade de ser aceito por tal grupo.
A família influencia tanto como protetora quanto promotora do
consumo de substâncias ilícitas por seus filhos. Famílias compostas por pai e
mãe casados são mais protetoras. Famílias extremamente autoritárias ou
liberais aumentam o risco de consumo de drogas por seus filhos. Adolescentes
de pais consumidores ou dependentes de drogas tendem a adotar o mesmo
comportamento. O maior fator familiar de proteção é a ligação entre os pais e
os filhos. Tal comportamento é definido pelo sentimento do adolescente que os
pais se importam e estão envolvidos em sua vida. Pais disponíveis e
informados das amizades e lugares que seus filhos freqüentam são mais
protetores. Pais extremamente liberais, que não oferecem diretrizes ou limites
ao comportamento de seus filhos, os colocam em maior risco. Por outro lado,
pais autoritários, deixam pouco espaço para o desenvolvimento da auto-
responsabilidade, também colocam seus filhos em risco. Um meio termo é
composto por pais que oferecem diretrizes claras, e ao mesmo tempo
encorajam seus filhos a tomarem certos riscos e a exercerem sua liberdade
levando em conta o que a idade deles comporta. Tais adolescentes, de alguma
maneira, estão mais protegidos de comportamentos de risco, incluindo o uso
abusivo de substâncias psicoativas.
Dessa forma, não basta apenas compreender os efeitos causados
pelas drogas ilícitas e identificar as causas do envolvimento do adolescente
com estas substâncias, mas sim entender a adolescência dentro do contexto a
que pertence como um todo, utilizando para isso abordagens (principalmente
por meio de Políticas Públicas eficazes e eficientes) que promovam qualidade
de vida e direitos necessários para que o adolescente e sua família possam se
estruturar dignamente.
50
REFERÊNCIAS ABRAMOVAY, M; CASTRO, M. G. Drogas nas escolas. Brasília: UNESCO, Rede Pitágoras, 2005. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001393/139387por.pdf. Acesso: 18/02/2011. ATKISON, Rita L. Introdução à psicologia de Hilgard. 13ª ed. Porto Alegre: Artmed Editora, 2002. BOCK, A. M. B; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, M. de L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. BRASIL. Leis, Decretos. Estatuto da Criança e do Adolescente: lei nº 8069 de 13/07/1990. Niterói: Rio de Janeiro, 2009. ERIKSON, E. H. Identidade, Juventude e Crise. Rio de Janeiro: Zahar , 1976. FIGLIE, N. B; BORDIN, S; LARANJEIRA, R. Aconselhamento em dependência química. São Paulo: Roca, 2004. GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2002. HOUSAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Vol. 1. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2000. KALOUSTIAN, Silvio Manoug (organizador). Família brasileira, a base de tudo. 7 ed. São Paulo: Cortez, Brasília, DF: UNICEF, 2005.
LAROSA, M. A; AYRES, F. A. Como produzir uma monografia: passo a passo...siga o mapa da mina. 7ªed. Rio de Janeiro: Wak, 2008. LIMA, C. H. O desenvolvimento da pessoa: do nascimento à terceira idade. 5ª ed. LTC: Rio de janeiro, 2001. CEBRID; SENAD. Livreto informativo sobre drogas psicotrópicas. 5ª ed. Brasília, 2010. Disponível em: www.obid.senad.gov.br / www.cebrid.epm.br. Acesso em: 18/02/2011. NEDER, Gizlene. AJUSTANDO O FOCO DAS LENTES: um novo olhar sobre a organização das famílias no Brasil. In: Família brasileira, a base de tudo. 7 ed. São Paulo: Cortez, Brasília, DF: UNICEF, 2005.
PIAGET, J. ; INHELDER, B. Da Lógica da Criança a Lógica do Adolescente. São Paulo: Ed. Pioneira, 1976.
51
SAITO, M. I; SILVA, L. E. V. Adolescência: prevenção e risco. São Paulo: Atheneu, 2001. SALOMON, D. V. Como fazer uma monografia. 11ªed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. SCHENKER, M; MINAYO, M. C. de S. Implicação da família no uso abusivo de drogas: uma revisão crítica. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2003, vol.8, n.1, pp. 299-306. SCIVOLETTO S. Tratamento psiquiátrico ambulatorial de adolescentes usuários de drogas – características sócio-demográficas, a progressão do consumo de substâncias psicoativas e fatores preditivos de aderência e evolução no tratamento. São Paulo, 1997, p. 127. Tese (Doutorado). Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo. SECRETARIA NACIONAL ANTIDROGAS (SENAD); MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Curso de Prevenção do uso de drogas para educadores de escolas públicas. Brasília, 2008. SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Cortez, 2007.
52
ÍNDICE INTRODUÇÃO
07
CAPITULO I DROGAS: CLASSIFICAÇÃO E EFEITOS
10
10
1.1. O que são drogas? 1.2. Efeitos das drogas ilícitas 1.3. Uso, abuso e dependência química
1.3.1. A dependência 1.3.2. Graus de dependência
10 12 21 25 26
CAPITULO II FAMÍLIAS: DESENVOLVIMENTO E ESTRUTURA
28
28
2.1. A organização das famílias no Brasil 2.2. A importância da família
28 32
CAPÍTULO III ADOLESCÊNCIA: DESAFIOS E PERSPECTIVAS, A FASE DE TRANSIÇÃO
38
38
3.1. A formação da identidade 3.2. Quando a falta de limites acontece
38 42
CONCLUSÃO 48
REFERÊNCIAS ÍNDICE
50
52