PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Silvia Fernandes Chaves
Ações regressivas: o cabimento e a crítica de uma interpretação civil do Direito
Previdenciário
DOUTORADO EM DIREITO
São Paulo
2016
Silvia Fernandes Chaves
Ações regressivas: o cabimento e a crítica de uma interpretação civil do Direito
Previdenciário
DOUTORADO EM DIREITO
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como requisito parcial para obtenção do título de DOUTORA em Direito, sob a orientação do Professor Doutor Miguel Horvath Júnior.
São Paulo
2016
Silvia Fernandes Chaves
Ações regressivas: o cabimento e a crítica de uma interpretação civil do Direito
Previdenciário
São Paulo, ______ de ______________________________ de __________.
__________________________________________________
Professor Doutor Miguel Horvath Júnior (Orientador)
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
__________________________________________________
__________________________________________________
__________________________________________________
__________________________________________________
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou
parcial desta tese por processos fotocopiadores ou eletrônicos, desde que citada a
fonte.
São Paulo, ____ de _____________ de ______.
_______________________________________
À Milena, com todo o amor,
Mamãe.
AGRADECIMENTOS
Em especial, ao meu orientador, Professor Doutor Miguel Horvath Júnior, que,
com a humildade que lhe é peculiar, despendeu grande parte do seu conhecimento
na orientação desta tese.
Ao Professor Doutor Wagner Balera, que, em suas aulas, nos trouxe
brilhantes posicionamentos pessoais que embasaram este estudo.
À Professora Doutora Maria Helena Diniz, que, com muito carinho, cuidou, em
suas aulas, de nos ensinar os caminhos da interpretação da norma jurídica,
ensinamentos esses indispensáveis para a confecção desta tese.
Aos colegas do Doutorado, que, nos debates acalorados em sala de aula,
contribuíram em muito para o desenvolvimento desta pesquisa.
À minha família, pela compreensão e paciência em permitir minhas
constantes ausências para a elaboração deste trabalho.
Ao CNPQ - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico pela
bolsa concedida.
“O bom juiz põe o mesmo escrúpulo no
julgamento de todas as causas, por mais
humildes que sejam. É que sabe não
haver grandes e pequenas causas, pois a
injustiça não é como aqueles venenos
que, tomados em grandes doses, matam,
mas tomados em doses pequenas,
curam. A injustiça envenena mesmo em
doses homeopáticas.”
(PIERO CALAMANDREI)
RESUMO
Esta tese trata das ações regressivas previstas no artigo 120 da Lei nº 8.213/91, bem como das novas ações regressivas, assim entendidas como todas as outras ações que não possuem previsão legal no citado dispositivo, com um olhar civilista para uma norma de Direito Social, apontando as falhas na interpretação do referido dispositivo legal, principalmente com um viés exagerado no âmbito da responsabilidade civil, fato que não pode se perpetuar em uma norma de Direito Social. Palavras-chave: Ação regressiva. Responsabilidade civil. Direito Social. Função social da empresa.
ABSTRACT This thesis deals with the regressive actions provided for in Article 120 of Law N. 8.213/91, as well as new regressive actions, understood as all other actions that haven‟t legal provision in the said dispositive, with a civilian look for the rule of Social Law, pointing out the flaws in the interpretation of the legal dispositive, especially with an exaggerated bias in the context of civil responsibility, that can‟t be perpetuated in a rule of Social Law. Keywords: Regressive action. Civil responsibility. Social Law. Social function of the company.
RIASSUNTO Questa tesi si occupa con le azioni regressive di cui all‟art. 120 della Legge nº 8.213/91, nonché nuove azioni regressive, intesa come tutte le altre azioni che non hanno nessuna previsione legale in detto dispositivo, con uno sguardo civili in una regola dei Diritti Sociali, sottolineando i difetti nella interpretazione della norma di legge, in particolare con una polarizzazione esagerata nel contesto della responsabilità civili, che non può essere perpetuato in uno standard di Diritti Sociali. Parole chiave: Azioni regressive. Responsabilità civili. Diritti Sociali. Funzione sociale della società.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Pressupostos mínimos para o ajuizamento das ações regressivas ..... 25
Figura 2 Critérios para a solução de antinomias no direito interno..................... 33
Figura 3 Cobertura de riscos .............................................................................. 57
Figura 4 Formas de tutela na responsabilidade civil .......................................... 69
Figura 5 Situações em que o Estado é o causador do dano .............................. 84
Figura 6 Classes de riscos sociais ...................................................................115
Figura 7 Indagações sobre os direitos fundamentais .......................................128
Figura 8 Características do pragmatismo .........................................................130
Figura 9 Características do pragmatismo reforçadas no pragmatismo
jurídico ................................................................................................131
Figura 10 Princípio da função social da empresa aplicado às ações
regressivas .........................................................................................144
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AgR-AI Agravo Regimental em Agravo de Instrumento
AgR-RE Agravo Regimental em Recurso Extraordinário
ARA Ação Regressiva Acidentária
CAT Comunicação de Acidente de Trabalho
CID Classificação Internacional de Doenças
CNAE Classificação Nacional de Atividade Econômica
CNPJ Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas
CNPS Conselho Nacional de Previdência Social
CTPS Carteira de Trabalho e Previdência Social
DOU Diário Oficial da União
EPIs Equipamentos de Proteção Individual
FAP Fator Acidentário de Prevenção
GFIP Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações à Previdência Social
GIIL-RAT Grau de Incidência da Incapacidade Laborativa decorrente dos Riscos
Ambientais do Trabalho
INSS Instituto Nacional do Seguro Social
LINDB Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
LTCAT Laudo Técnico de Condições Ambientais do Trabalho
MAT Meio Ambiente do Trabalho
MPS Ministério da Previdência Social
MS Mandado de Segurança
MTE Ministério do Trabalho e Emprego
MTPS Ministério do Trabalho e Previdência Social
NTEP Nexo Técnico Epidemiológico
ONU Organização das Nações Unidas
PAIR Perda Auditiva Induzida por Ruído
PCMAT Programa de Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da
Construção
PCMSO Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional
PGF Procuradoria-Geral Federal
PGR Programa de Gerenciamento de Riscos
PIB Produto Interno Bruto
PIP Procedimento de Instrução Prévia
PPP Perfil Profissiográfico Previdenciário
PPRA Programa de Prevenção de Riscos Ambientais
RAT Risco Ambiental do Trabalho
SAT Seguro de Acidentes do Trabalho
SP São Paulo
SST Saúde e Segurança do Trabalho
SUB Sistema Único de Benefícios
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 15
1 NOVOS RISCOS .................................................................................................... 17
1.1 A ação regressiva acidentária: natureza jurídica e conceito ............................. 19
1.2 Ações regressivas decorrentes de acidentes de trânsito e violência doméstica28
1.3 Função das ações regressivas acidentárias ..................................................... 41
1.4 Função das ações regressivas decorrentes de ato ilícito .................................. 42
1.5 Procedimento de Instrução Prévia (PIP) no âmbito das ações regressivas ...... 43
1.6 Prescrição das ações regressivas ..................................................................... 44
1.7 O acidente do trabalho e a responsabilidade do empregador ........................... 47
2 A CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA E DE TERCEIROS ......................................... 52
2.1 Seguro de Acidentes do Trabalho (SAT) e suas implicações para o empregador
e o empregado .................................................................................................. 55
2.2 Fator Acidentário de Prevenção (FAP) .............................................................. 62
3 ARGUMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO ÂMBITO DAS AÇÕES
REGRESSIVAS .................................................................................................... 65
3.1 Função da responsabilidade civil nas ações regressivas .................................. 67
3.2 Responsabilidade subjetiva decorrente de conduta culposa ............................. 71
3.3 Dever de cuidado, previsão e previsibilidade .................................................... 79
3.4 A culpa in vigilando diante da omissão do Poder Público ................................. 82
3.5 Culpa concorrente e coparticipação .................................................................. 91
3.6 O risco e o dever de segurança no acidente do trabalho .................................. 93
3.7 A responsabilidade no desempenho da atividade de risco ............................... 97
3.8 A responsabilidade objetiva do empregador ..................................................... 99
4 O FUNDAMENTO DAS AÇÕES REGRESSIVAS E A COMPARAÇÃO ENTRE
SEGURO PRIVADO E SEGURO SOCIAL ......................................................... 102
4.1 A Previdência Social vista enquanto seguro ................................................... 106
4.2 A solidariedade na Previdência Social ............................................................ 109
4.3 O risco social ................................................................................................... 113
5 A VERTENTE CIVILÍSTICA DO INSTITUTO DAS AÇÕES REGRESSIVAS ....... 119
5.1 A responsabilidade civil em confronto com a solidariedade social .................. 120
5.2 A interpretação das ações regressivas deve ser civil ou social? ..................... 122
5.3 Seria uma interpretação de Direito Privado no Direito Público? ...................... 127
6 A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA COMO ARGUMENTO DE
ENFRAQUECIMENTO DAS AÇÕES REGRESSIVAS ....................................... 135
6.1 A função decorrente do poder de fato da empresa ......................................... 139
6.2 Conteúdo e implicações da função social da empresa ................................... 141
6.3 A efetividade do princípio da função social da empresa ................................. 143
CONCLUSÃO .......................................................................................................... 148
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 152
ANEXO A – PORTARIA CONJUNTA PGF/INSS Nº 06, DE 18 DE JANEIRO DE
2013 .................................................................................................................... 160
15
INTRODUÇÃO
A tese aqui apresentada tem por objeto a busca de todas as nuanças das
ações regressivas propostas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), as
acidentárias e as decorrentes de acidente de trânsito e violência doméstica, cujo
significado será apresentado no primeiro capítulo.
Partindo dessa classificação, “acidentárias, violência doméstica e acidente do
trabalho”, apresentaremos, no segundo capítulo, os principais aspectos de cada uma
delas, e mostraremos de que forma o Risco Ambiental do Trabalho (RAT) e o Fator
Acidentário de Prevenção (FAP) se posicionam nesse direito de regresso.
Após essa detida análise da ação de regresso, bem como da legislação
correlata à matéria, passaremos a uma análise de responsabilidade civil, no terceiro
capítulo, realizando a estrita interpretação da norma jurídica que disciplina as ações
regressivas.
Na sequência de tal interpretação, demonstraremos, nos capítulos seguintes,
nossa profunda inquietação com a ação de regresso, instituto jurídico decorrente da
responsabilidade civil mesclada com um direito social. Ou seja, estamos diante da
dicotomia Direito Público e Direito Privado, ora defendendo um direito social,
buscando garantir o custeio, a saúde e o bem-estar do trabalhador, e ora
defendendo direito patrimonial, por ser uma norma com viés eminentemente civil.
Traremos um problema que envolve o cabimento das ações regressivas
decorrentes de acidentes de trânsito e violência doméstica diante da especificidade
da norma que disciplina as ações regressivas, trazendo um contraponto com a
responsabilidade civil, que, se for aplicada indiscriminadamente no Direito
Previdenciário, em breve estaremos discutindo a culpa exclusiva da vítima e as
excludentes de responsabilidade no âmbito do Direito Social aos segurados, bem
como a necessidade de uma flexibilização das condenações, seja por meio de
ativismo judicial, seja por meio de uma interpretação da norma jurídica de acordo
com os princípios constitucionais e demais princípios que regem todo o
ordenamento jurídico, já que a questão aqui tratada é multidisciplinar.
Embora a dicotomia Direito Público e Direito Privado esteja em fase de
superação, considerando que existem várias teses jurídicas avançando pelo seu fim,
ainda entendemos que não se trata só dessa dicotomia entre público e privado, mas
sim de salvaguardar os direitos sociais em benefício da sociedade, mantendo os
16
direitos patrimoniais para um segundo plano. Aliás, os direitos sociais estão
previstos em nossa Constituição Federal, e a responsabilidade civil está prevista em
uma legislação ordinária. Há, nesse caso, uma hierarquia de normas jurídicas que
se impõe.
A partir dessa questão, em que se analisam o Direito Social com seus
princípios e a responsabilidade civil, conseguimos vislumbrar um caminho de
flexibilização das condenações em ações regressivas, não para proteger as
empresas, que, aliás, não precisam de proteção do ponto de vista do Direito Social,
mas para salvaguardar toda a massa de trabalhadores que fazem parte dessa
empresa, afinal, demitir centenas de empregados em razão de uma ação regressiva,
coletiva ou não, é atingir o seio dos direitos sociais.
Objetivando especificamente delimitar as questões em que se deve utilizar a
intepretação do Direito Social e a interpretação do Direito Civil, ainda que a
conotação da norma jurídica que disciplina a ação regressiva seja de
responsabilidade civil, nosso trabalho nesta tese é no sentido de demonstrar as
limitações dessa interpretação, que esbarra em vários princípios jurídicos, entre
eles, a solidariedade social e a função social da empresa.
Caso não tomemos uma posição rígida na interpretação da norma jurídica,
em breve teremos a devassidão do Direito Previdenciário e, por conseguinte, dos
direitos sociais. Cabe dizer que o Direito Previdenciário não possui um cunho
eminentemente patrimonial, e sim um cunho social, que se trata da base de todo o
Direito Previdenciário, uma vez que o seu fundamento basilar é a solidariedade
social. Valer-se de ações regressivas, com uma conotação eminentemente
patrimonial, é traçar um temerário caminho para os direitos sociais, pois, dessa
maneira, a Previdência Social caminha para ser um segurador privado.
Nossa pesquisa irá responder acerca da viabilidade do ajuizamento das
ações regressivas acidentárias e decorrentes de acidente de trânsito ou violência
doméstica, apontando de que forma a empresa deve ser responsabilizada, bem
como as demais pessoas causadoras de acidentes do trabalho. Ademais,
responderá de que maneira o Poder Público também deve ser responsabilizado, e
estabelecerá o temerário caminho em que se trilha nos direitos sociais, caso se
utilizem das ações regressivas para aplicar o Direito Civil no âmbito da Previdência
Social.
17
1 NOVOS RISCOS
A sociedade pós-moderna criou novos riscos, a partir de um capitalismo
desenfreado, capitalismo esse que leva para segundo plano a dignidade da pessoa
humana, de modo que o trabalhador é exposto aos mais diversos riscos em prol do
lucro do empregador. Os riscos passaram a fazer parte do nosso cotidiano.
Ulrich Beck sustenta a existência de uma sociedade de risco, ao estabelecer
que a mercantilização dos riscos não rompe com a lógica capitalista:
Com os riscos – poderíamos dizer com Luhmann –, a economia torna-se “autorreferencial”, independente do ambiente da satisfação das necessidades humanas. Isto significa, porém: com a canibalização econômica dos riscos que são desencadeados através dela, a sociedade industrial produz as situações de ameaça e o potencial político da sociedade de risco.
1
A partir desses riscos, derivados do capitalismo, os acontecimentos ocorridos
na esfera empresarial, ou seja, na esfera privada, passaram a ter implicações
políticas, e foram, então, matéria de discussão na esfera pública, de modo que o
Estado passou a intervir na esfera empresarial, por meio da criação de políticas
públicas que tinham como propósito diminuir a exposição dos cidadãos aos riscos.
Nesse sentido,
Aquilo que até há pouco era tido por apolítico torna-se político – o combate às “causas” no próprio processo de industrialização. Subitamente, a esfera pública e a política passam a reger na intimidade do gerenciamento empresarial – no planejamento de produtos, na equipagem técnica etc. Torna-se exemplarmente claro, nesse caso, do que realmente se trata a disputa definitória em torno dos riscos: não apenas dos problemas de saúde resultantes para a natureza e o ser humano, mas dos efeitos colaterais sociais, econômicos e políticos desses efeitos colaterais: perdas de mercado, depreciação do capital, controles burocráticos das decisões empresariais, abertura de novos mercados, custos astronômicos, procedimentos judiciais, perda de prestígio.
2
A definição de risco trazida por Beck nos parece a que melhor contempla a
visibilidade do risco. Para o autor,
1 Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Ed. 34, 2011, p. 28.
2 Ibidem.
18
Riscos são, nesse sentido, imagens negativas objetivamente empregadas de utopias nas quais o elemento humano, ou aquilo que dele restou, é conservado e revivido no processo de modernização. Apesar de toda a desfiguração, não se pode afinal evitar que esse horizonte normativo, no qual o que há de arriscado no risco começa a se fazer visível, sendo tematizado e experimentado.
3
Os riscos existem e se tornam reais com o auxílio da racionalidade das
Ciências e, sobretudo, de uma integração entre elas, passam por asserções de
probabilidade. Baseados em possibilidades matemáticas e interesses sociais,
passam a fazer parte de estatísticas de catástrofes revestidas de certeza técnica, a
qual torna o risco previsível e matematicamente calculado.
Beck chama a atenção para a relação dos riscos com a sociedade de classes,
lecionando que
A história da distribuição de riscos mostra que estes se atêm, assim como as riquezas, ao esquema de classe – mas de modo inverso: as riquezas acumulam-se em cima, os riscos em baixo. Assim, os riscos parecem reforçar, e não revogar, a sociedade de classes. À insuficiência em termos de abastecimento soma-se a insuficiência em termos de segurança e uma profusão de riscos que precisam ser evitados. Em face disto, os ricos (em termos de renda, poder, educação) podem comprar segurança e liberdade em relação ao risco. Essa “lei” da distribuição de riscos determinada pela classe social e, em decorrência, do aprofundamento dos contrastes de classe através da concentração de riscos entre os pobres e débeis por muito tempo impôs-se, e ainda hoje se impõe, em relação a algumas dimensões centrais do risco: o risco de tornar-se desempregado é atualmente consideravelmente maior para quem não tem qualificações do que para os que são altamente qualificados.
4
No risco que abordamos nesta tese, especificamente acidente do trabalho, a
questão da concentração em determinada classe social se mostra muito relevante,
especialmente porque são justamente pobres e débeis em sua maioria, e dependem
de benefício previdenciário para a sobrevivência por ocasião do infortúnio.
A suscetibilidade aos riscos enfrentada pelos empregados, em sua maioria
pobres e débeis, em contraposição ao poderio econômico das empresas, bem
distingue a sociedade de classes e a sociedade de mercado, que, juntas, compõem
a sociedade de risco, como bem coloca Beck,
Na sobreposição e concorrência entre as situações problemáticas da sociedade de classes, da sociedade industrial e da sociedade de mercado,
3 Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Ed. 34, 2011, p. 34.
4 Ibidem, p. 41.
19
de um lado, e aquelas da sociedade de risco, de outro, a lógica da produção de riqueza, dadas as relações de poder e os critérios de relevância vigentes, acaba por prevalecer – e justamente por conta disto prevalece no fim das contas a sociedade de risco.
5
Por ser uma questão de classes sociais, o risco social aqui estudado se torna
um problema de política pública, uma vez que a grande massa de trabalhadores,
assim considerada como pobres e débeis, está exposta a riscos de acidente do
trabalho, e, certamente, nenhum dado estatístico poderia ser considerado verdade
absoluta, já que o trabalho informal aliado à ignorância daquele pobre débil afasta
muitos dos acidentes do trabalho dos dados estatísticos. Assim, estamos diante do
[...] fracasso da racionalidade científico-tecnológica diante de riscos e ameaças civilizacionais crescentes. Esse fracasso não é mero passado, e sim um presente urgente e um futuro ameaçador. Tampouco é o fracasso de disciplinas ou cientistas isolados, mas se encontra fundado sistematicamente na abordagem institucional-metodológica das ciências em relação aos riscos.
6
Com efeito, valemo-nos, mais uma vez, das palavras de Beck, o qual diz que
“a sociedade de risco não é, portanto, uma sociedade revolucionária, mas mais do
que isto: uma sociedade catastrofal. Nela, o estado de exceção ameaça converter-
se em normalidade”.7
1.1 A ação regressiva acidentária: natureza jurídica e conceito
Aquele que se vale dos préstimos alheios para o proveito em suas atividades
deve suportar as consequências oriundas desses referidos préstimos; aliás, aquele
que se valeu dos serviços é que colherá os frutos da atividade econômica.
Nesse sentido, dispõe o artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho:
“Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os
riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de
serviço”.
5 Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Ed. 34, 2011, p. 54.
6 Ibidem, p. 71.
7 Ibidem, p. 96.
20
Sob essa ótica, a partir da necessidade de o Estado tutelar a dignidade
humana dos indivíduos que se expunham aos riscos criados pelos empregadores,
bem como buscando restabelecer os cofres públicos, surgiram as ações regressivas.
E, assim, encontramos um elo entre as ações regressivas, que atuam na
tutela da dignidade humana, e os direitos humanos, considerando
[as] três dimensões dos direitos humanos: a liberdade inata; a igualdade inata; e o valor consubstancial do homem e de todos os homens, que implica a fraternidade inata. Esta tríade conforma os elementos estruturantes de um só núcleo – o feixe essencial, indissociável e interdependente que constitui a humanidade imanente ao homem e a todos os homens, e que atribui objetivamente à pessoa humana valor por si, ou seja, dignidade. É possível que o futuro revele outras dimensões, já que o universo é ilimitado, sendo também ilimitada a expressão do homem e de todos os homens no meio difuso de todas as coisas. Por isso, violar a dignidade humana é colocar o homem em situação desumana, ou seja, naquilo que avilta a sua condição humana existência biocultural.
8
Para que seja mais bem compreendida toda a nossa pesquisa,
transcrevemos, abaixo, o artigo 120 da Lei nº 8.213/91, que dispõe sobre as ações
regressivas:
Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.
Notamos que o ajuizamento da ação regressiva não se trata de uma
faculdade da Previdência Social. O verbo “proporá” se apresenta como um poder-
dever, ou seja, uma obrigação imposta pelo legislador, ao Instituto Nacional do
Seguro Social (INSS), de buscar o ressarcimento das despesas suportadas em
razão da conduta culposa ou dolosa do empregador ou terceiros. “Com efeito, a
primeira conclusão que se deve extrair do art. 120 da Lei n. 8.213/91 é no sentido de
que esse preceito não criou qualquer direito em prol do INSS, mas sim um dever de
agir.”9
A possibilidade de ajuizamento da ação regressiva de natureza civil já tinha
previsão legal no Código Civil de 1916, já que os artigos 159 e 1.524 do referido
diploma traziam essa possibilidade. Vejamos:
8 SAYEG, Ricardo; BALERA, Wagner. O capitalismo humanista. Petrópolis: KBR, 2011, p. 117.
9 MACIEL, Fernando. Ações regressivas acidentárias. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 2013, p. 18.
21
Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código, arts. 1.521 a 1.532 e 1.542 a 1.553. Art. 1.524. O que ressarcir o dano causado por outros, se este não for descendente seu, pode reaver, daquele por quem pagou, o que houver pago.
No entanto, a possibilidade de ajuizamento de ação regressiva acidentária
(ARA) só foi possível com o advento do artigo 120 da Lei n° 8.213/91, conforme
passaremos a explanar.
Para o autor do Código Civil de 1916, o jurista Clóvis Beviláqua,
O direito regressivo, de quem teve de ressarcir o damno causado por outrem, é de justiça manifesta, é uma consequência natural da responsabilidade indirecta. Mas, se o autor do damno fôr descendente de quem teve de o ressarcir, não haverá regresso, declara o art. 1.524. É uma particularidade do nosso Código, que se justifica perfeitamente, por considerações de ordem moral, e pela organização econômica da família. Na verdade, nenhuma das pessoas, que têm de ressarcir o damno causado por outra, se acha na situação especial de aproximação affectiva, de dever de vigilância, de solidariedade moral e, até certo ponto econômica, do ascendente para com o descendente. São razões essas mais que suficientes para dar apoio sólido a exceção restrictiva do Código Civil Brasileiro.
10
Com esteio nos ensinamentos de Beviláqua, que foi o grande idealizador do
Código Civil de 1916, diploma que introduziu o instituto da ação de regresso no
ordenamento jurídico brasileiro, concluímos que a ação de regresso, ou regressiva,
é um instrumento por meio do qual se busca reestabelecer o patrimônio do autor que
pagou pelos danos causados pelo réu.
No mesmo sentido, leciona Cirlene Luiza Zimmermann:
A ação de regresso é o instrumento jurídico disponibilizado a aquele que suporta os ônus decorrentes de um dano causado ao direito de outrem, sem que tenha sido o seu causador, para reaver os prejuízos com os quais injustamente arcou, de quem efetivamente ocasionou o agravo.
11
10
Código Civil dos Estados Unidos do Brasil: comentado por Clóvis Beviláqua. Edição histórica. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1940. v. 4, p. 672.
11 A ação regressiva acidentária como instrumento de tutela do meio ambiente de trabalho. São Paulo: LTr, 2012, p. 195.
22
Apesar do posicionamento no sentido da existência de outra fonte normativa
que justifica a pretensão ressarcitória exercida pelo INSS. Trata-se do artigo 7º,
inciso XXVIII, da Constituição Federal. Vejamos:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social. [...] XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.
Por conseguinte, a indenização prevista no inciso XXVIII do artigo 7º da Carta
Magna não se trata de direito de regresso, e sim da reparação a que o trabalhador
faz jus em desfavor do empregador diretamente na esfera da Justiça do Trabalho,
não possuindo nenhuma relação com o direito social do empregado em receber
benefício, auxílio ou pensão do INSS em razão de morte, invalidez ou doença. Para
dar respaldo ao nosso posicionamento, o artigo 121 da Lei nº 8.213/91 assim dispõe:
“O pagamento, pela Previdência Social, das prestações por acidentes do trabalho
não inclui a responsabilidade civil da empresa ou de outrem”.
Com efeito, a responsabilidade civil da empresa por acidentes do trabalho
causados aos empregados em decorrência de culpa ou dolo do empregador não se
confunde com o pagamento de benefício, auxílio ou pensão realizado pela
Previdência Social, posicionamento esse que se coaduna com as disposições do
artigo 7º, inciso XXVIII, da Constituição Federal.
Embora exista posicionamento contrário, no sentido de que o INSS sempre
teve direito ao ajuizamento de ação regressiva, observando as disposições do
Código Civil, nos posicionamos no sentido de que o direito de regresso do INSS não
se encontrava amparado em nenhuma norma antes do início da vigência do artigo
120 da Lei nº 8.213/91, uma vez que não se trata de um direito meramente
ressarcitório, mas de política pública que criou o dever da Previdência Social de
reaver os valores despendidos em razão da conduta culposa ou dolosa do
empregador ou terceiros. O que não se coaduna com a ação de regresso prevista no
artigo 1.524 do Código Civil de Beviláqua, uma vez que a ação de regresso lá
prevista não possuía cunho social de política pública. Políticas públicas, nos dizeres
de Giselle de Amaro e França,
23
são um conjunto de processos, incluindo, ao menos: a definição da agenda; a elaboração de alternativas que serão objeto de escolha; uma escolha confiável, respeitável e irrefutável entre as alternativas postas, como no caso de um voto legislativo ou de uma decisão presidencial; e a execução da decisão.
12
Ora, se a ação regressiva do artigo 120 da Lei n° 8.213/91 e a ação
regressiva do Código Civil fossem a mesma coisa, a primeira não funcionaria como
política pública e a segunda teria o viés meramente ressarcitório. São institutos
jurídicos distintos, e assim devem ser tratados. Aliás, a ação regressiva do Código
Civil não funciona como política pública.
Ainda que o artigo 120 da Lei nº 8.213/91 não traga expressamente nenhuma
disposição acerca da necessidade da existência de gastos da Previdência Social,
para que possa ser ajuizada uma ação regressiva, evidentemente, em decorrência
das disposições contidas no conceito do instituto jurídico do direito de regresso, a
existência de efetivo prejuízo aos cofres da Previdência Social é condição da ação
regressiva. Por fim, ainda que o legislador tenha silenciado a respeito da
necessidade do efetivo prejuízo suportado pela Previdência Social, a ação
regressiva tem como objeto o ressarcimento de um prejuízo.
O prejuízo acima referido não é só financeiro, já que o objetivo das ações
regressivas não é apenas tutelar o direito ao ressarcimento do prejuízo financeiro da
Previdência Social, e tal fato é comprovado sempre que oferecermos uma
interpretação constitucional ampliada ao artigo 120 da Lei nº 8.213/91, no sentido de
que o objetivo também é tutelar e reduzir os riscos existentes no meio ambiente do
trabalho, nos moldes do artigo 7º, inciso XXII, da Carta Magna.
12
FRANÇA, Giselle de Amaro e. O Poder Judiciário e as políticas públicas previdenciárias. 2010. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010, p. 18-19.
24
As ações regressivas guardam uma característica de repressão, além de
prevenir eventuais descumprimentos a normas de saúde e segurança do trabalho.
Nos dicionários comuns, repressão tem como significado castigo ou punição que
busca reprimir, proibir, controlar ou penalizar.13 Tratando-se de um dos mecanismos
do Estado de garantir o cumprimento das normas de saúde e segurança do trabalho,
que assegura o cumprimento das normas e diminui os riscos no meio ambiente do
trabalho, visto que existem diversas outras maneiras de o ente estatal garantir o
cumprimento dessas normas.
O caráter repressor das ações regressivas, por meio da condenação ao
restabelecimento dos cofres públicos, com a indenização pecuniária imposta ao
ofensor às normas de saúde e segurança do trabalho, possui, sem dúvida, natureza
pedagógica para empresas descumpridoras das normas de saúde e segurança do
trabalho.
Nesse diapasão, nas palavras de Zimmermann,
A ARA [Ação Regressiva Acidentária], portanto, não se trata de um fim em si mesma, mas não há como negar que é um meio repressivo com forte potencial didático, motivo pelo qual deve ser explorada enquanto política pública de proteção ao MAT [Meio Ambiente do Trabalho] seguro e salubre e de garantia ao direito de trabalhar e de viver em ambientes equilibrados, essenciais à sadia e digna qualidade de vida.
14
Caberá o ajuizamento das ações regressivas sempre que houver a concessão
de benefícios, auxílios ou pensões decorrentes de acidentes causados por
empregadores que descumpriram as normas de saúde e segurança do trabalho. Os
riscos relacionados à atividade econômica, considerados comuns, não estando
ligados a acidentes do trabalho, ou ainda que ligados ao acidente do trabalho, mas
sem que exista a conduta negligente do empregador, continuam com a cobertura da
Previdência Social, sem a possibilidade de ajuizamento da ação regressiva. A ação
regressiva faz sentido nos casos de acidente do trabalho, por culpa do empregador,
“não só a Previdência Social, mas toda a sociedade está sendo onerada pela
criação e pela manutenção de riscos nos ambientes laborais”.15
13
Repressão (vocábulo). Dicio – Dicionário Online de Português. Disponível em: <https://www.dicio.com.br/repressao/>. Acesso em: 10 dez. 2016. 14
A ação regressiva acidentária como instrumento de tutela do meio ambiente de trabalho. São Paulo: LTr, 2012, p. 238.
15 Ibidem, p. 159.
25
Mister ressaltar que, para a possibilidade de ajuizamento das ações
regressivas, há a necessidade do preenchimento de pressupostos mínimos, quais
sejam:
1) a ocorrência do acidente do trabalho sofrido pelo segurado;
2) o nexo causal;
3) a concessão de benefício previdenciário, assim entendido como auxílio,
aposentadoria ou pensão paga pela Previdência Social; e
4) a constatação de negligência quanto ao cumprimento ou fiscalização das
normas de saúde e segurança do trabalho que expõem o segurado a riscos de
acidentes do trabalho.
Figura 1 – Pressupostos mínimos para o ajuizamento das ações regressivas.
Fonte: Elaborada pela autora.
Quanto ao primeiro pressuposto, é necessário que o infortúnio seja
considerado um acidente do trabalho perante a Previdência Social. Para que isso
ocorra, deve fazer parte do rol de doenças constantes da lista B do anexo II do
Regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999), ou
que seja considerado um acidente típico de trabalho que corresponde àqueles
decorrentes da característica da atividade profissional desempenhada pelo
acidentado.
Completando o nosso raciocínio, e atingindo não só o primeiro pressuposto,
mas o segundo também, que trata do nexo de causalidade, o artigo 337 do
Regulamento da Previdência Social assim prevê:
Acidente Nexo causal
Benefício previdenciário
concedido
Negligência do empregador quanto à
exposição ao risco
Ações Regressivas
26
Art. 337. O acidente do trabalho será caracterizado tecnicamente pela perícia médica do INSS, mediante a identificação do nexo entre o trabalho e o agravo. (Redação dada pelo Decreto nº 6.042, de 2007) I – o acidente e a lesão; II – a doença e o trabalho; e III – a causa mortis e o acidente. § 1º O setor de benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social reconhecerá o direito do segurado à habilitação do benefício acidentário. § 2º Será considerado agravamento do acidente aquele sofrido pelo acidentado quanto estiver sob a responsabilidade da reabilitação profissional. § 3º Considera-se estabelecido o nexo entre o trabalho e o agravo quando se verificar nexo técnico epidemiológico entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade, elencada na Classificação Internacional de Doenças – CID em conformidade com o disposto na Lista C do Anexo II deste Regulamento. (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009) § 4º Para os fins deste artigo, considera-se agravo a lesão, doença, transtorno de saúde, distúrbio, disfunção ou síndrome de evolução aguda, subaguda ou crônica, de natureza clínica ou subclínica, inclusive morte, independentemente do tempo de latência. (Incluído pelo Decreto nº 6.042, de 2007) § 5º Reconhecidos pela perícia médica do INSS a incapacidade para o trabalho e o nexo entre o trabalho e o agravo, na forma do § 3º, serão devidas as prestações acidentárias a que o beneficiário tenha direito. (Incluído pelo Decreto nº 6.042, de 2007) § 6º A perícia médica do INSS deixará de aplicar o disposto no § 3º quando demonstrada a inexistência de nexo entre o trabalho e o agravo, sem prejuízo do disposto nos §§ 7º e 12. (Redação dada pelo Decreto nº 6.939, de 2009) § 7º A empresa poderá requerer ao INSS a não aplicação do nexo técnico epidemiológico ao caso concreto mediante a demonstração de inexistência de correspondente nexo entre o trabalho e o agravo. (Redação dada pelo Decreto nº 6.939, de 2009) § 8º O requerimento de que trata o § 7
o poderá ser apresentado no prazo de
quinze dias da data para a entrega, na forma do inciso IV do art. 225, da GFIP [Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações à Previdência Social] que registre a movimentação do trabalhador, sob pena de não conhecimento da alegação em instância administrativa. (Incluído pelo Decreto nº 6.042, de 2007) § 9º Caracterizada a impossibilidade de atendimento ao disposto no § 8º, motivada pelo não conhecimento tempestivo do diagnóstico do agravo, o requerimento de que trata o § 7º poderá ser apresentado no prazo de quinze dias da data em que a empresa tomar ciência da decisão da perícia médica do INSS referida no § 5º. (Incluído pelo Decreto nº 6.042, de 2007) § 10. Juntamente com o requerimento de que tratam os §§ 8º e 9º, a empresa formulará as alegações que entender necessárias e apresentará as provas que possuir demonstrando a inexistência de nexo entre o trabalho e o agravo. (Redação dada pelo Decreto nº 6.939, de 2009) § 11. A documentação probatória poderá trazer, entre outros meios de prova, evidências técnicas circunstanciadas e tempestivas à exposição do segurado, podendo ser produzidas no âmbito de programas de gestão de risco, a cargo da empresa, que possuam responsável técnico legalmente habilitado. (Incluído pelo Decreto nº 6.042, de 2007) § 12. O INSS informará ao segurado sobre a contestação da empresa para que este, querendo, possa impugná-la, obedecendo, quanto à produção de provas, ao disposto no § 10, sempre que a instrução do pedido evidenciar a possibilidade de reconhecimento de inexistência do nexo entre o trabalho e o agravo. (Redação dada pelo Decreto nº 6.939, de 2009)
27
§ 13. Da decisão do requerimento de que trata o § 7º cabe recurso, com efeito suspensivo, por parte da empresa ou, conforme o caso, do segurado ao Conselho de Recursos da Previdência Social, nos termos dos arts. 305 a 310. (Incluído pelo Decreto nº 6.042, de 2007)
O primeiro pressuposto está delineado no Regulamento da Previdência
Social, havendo, nos termos do § 7º do artigo 337 da Lei nº 8.213/91, oportunidade
de impugnação, por parte do empregador, com instrução processual administrativa,
impugnação essa que poderá fazer parte da defesa em eventual ação regressiva.
A Instrução Normativa INSS/PRES nº 31/2008, em seu Anexo I, é outra fonte
de consulta para a certeza do preenchimento do primeiro e do segundo
pressupostos, trazendo o nexo técnico profissional ou do trabalho, o nexo técnico
por doença equiparada a acidente do trabalho ou nexo técnico individual, e o nexo
técnico epidemiológico previdenciário, assim dispondo:
Art. 3º O nexo técnico previdenciário poderá ser de natureza causal ou não, havendo três espécies: I – nexo técnico profissional ou do trabalho, fundamentado nas associações entre patologias e exposições constantes das listas A e B do Anexo II do Decreto nº 3.048, de 1999; II – nexo técnico por doença equiparada a acidente de trabalho ou nexo técnico individual, decorrente de acidentes de trabalho típicos ou de trajeto, bem como de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele relacionado diretamente, nos termos do § 2º do art. 20 da Lei nº 8.213/91; III – nexo técnico epidemiológico previdenciário, aplicável quando houver significância estatística da associação entre o código da Classificação Internacional de Doenças – CID, e o da Classificação Nacional de Atividade Econômica – CNAE, na parte inserida pelo Decreto nº 6.042/07, na Lista B do Anexo II do Decreto nº 3.048, de 1999; [...]
O terceiro pressuposto da ação regressiva acidentária (ARA) é a existência de
implemento de um benefício, assim entendido como aposentadoria ou auxílio ao
segurado vítima do infortúnio, ou pensão a seus dependentes.
O quarto pressuposto consiste na constatação de negligência quanto ao
cumprimento ou fiscalização das normas de saúde e segurança do trabalho que
expõem o segurado a riscos de acidentes do trabalho, consubstancia-se na conduta
culposa ou dolosa do empregador quanto ao cumprimento ou fiscalização das
normas de saúde e segurança do trabalho. Como destaca Fernando Maciel, é
oportuno salientar que “a culpabilidade por um acidente do trabalho não decorre de
condutas isoladas imputadas aos empregadores, mas sim de múltiplos fatores
28
causais que, conjugados, desencadeiam os eventos infortunísticos”.16 É impossível
mensurar todos os fatores que poderiam desencadear os eventos infortunísticos,
mas, para citar alguns exemplos, temos a culpa concorrente, quando o empregado
concorre para a ocorrência do evento, a culpa exclusiva do empregado, a culpa de
terceiro e os casos de corresponsabilidade.
Ainda que presentes três pressupostos para o ajuizamento da ARA, a
ausência de um único pressuposto inviabiliza o ajuizamento da ação regressiva
acidentária.
1.2 Ações regressivas decorrentes de acidentes de trânsito e violência
doméstica
Como vimos, as ações regressivas acidentárias (ARA) são aquelas
decorrentes de acidentes do trabalho, possuindo previsão legal no artigo 120 da Lei
nº 8.213/91, ou seja, em havendo prestação pecuniária paga pela Previdência Social
decorrente de infortúnio laboral por culpa ou dolo do empregador, existe a
possibilidade do ajuizamento de ações regressivas.
A novidade é o ajuizamento de ações regressivas por fatos que não estão
relacionados a acidentes do trabalho, cuja previsão encontra-se na Portaria
Conjunta nº 06, de 18 de janeiro de 2013, da Procuradoria-Geral Federal (PGF) e do
INSS, que assim dispõe, em seu artigo 2º: “Considera-se ação regressiva
previdenciária para os efeitos desta portaria conjunta a ação que tenha por objeto o
ressarcimento ao INSS de despesas previdenciárias determinadas pela ocorrência
de atos ilícitos”.17
Ato ilícito, para Cavalhieri Filho, no sentido estrito, é “o conjunto de
pressupostos da responsabilidade – ou, se preferirmos, da obrigação de indenizar”.18
Em sentido amplo, ato ilícito “indica apenas a ilicitude do ato, a conduta humana
antijurídica, contrária ao Direito, sem qualquer referência ao elemento subjetivo ou
psicológico”.19 Nesta tese, considerando o artigo 2º da referida Portaria, preferimos
utilizar o sentido estrito do conceito de ato ilícito por ser pressuposto da
responsabilidade civil.
16
Ações regressivas acidentárias. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 2013, p. 29. 17
A referida Portaria encontra-se transcrita, na íntegra, no Anexo A desta tese. 18
Programa de responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 23. 19
Ibidem, p. 23.
29
A Portaria em tela busca respaldo jurídico no Código Civil, especificamente no
artigo 186, que disciplina a responsabilidade civil decorrente da culpa, bem como no
artigo 930, que determina a ação regressiva decorrente de indenização por
responsabilidade civil.
Entre os casos não relacionados com acidentes do trabalho, e que possuem
fundamentação jurídica exclusivamente voltada para a responsabilidade civil, estão
as situações de crimes de trânsito, na forma do Código de Trânsito Brasileiro, e de
ilícitos penais dolosos que resultarem em lesão corporal, morte ou perturbação
funcional. Ademais, de acordo com o exame concreto dos fatos e dos
correspondentes argumentos jurídicos, outras hipóteses de responsabilização,
incluindo crimes na modalidade culposa, poderão dar ensejo ao ajuizamento de
ação regressiva.
No caso de ação regressiva em decorrência de violência doméstica (ilícito
penal doloso), o INSS busca o ressarcimento das despesas pagas com benefícios
previdenciários às vítimas. Exemplificando, o cônjuge ou companheiro que vier a
cometer violência em desfavor de sua esposa ou companheira, e essa violência
causar lesão que resulte na concessão de benefício previdenciário a ela ou a seus
dependentes, terá de ressarcir os cofres da Previdência Social pelos gastos com os
valores recebidos a título de benefício previdenciário.
Com fundamento único na responsabilidade civil, as ações ajuizadas em
desfavor de motoristas responsáveis por acidentes automobilísticos que levaram as
vítimas ou seus dependentes a receberem benefícios previdenciários têm por
objetivo o ressarcimento dos valores pagos a título de benefício previdenciário à
vítima do acidente ou seus dependentes.
Tanto a ação regressiva decorrente de acidente de trânsito como de violência
doméstica não possuem respaldo legal no artigo 120 da Lei nº 8.213/91, já que a
ação regressiva prevista no artigo 120 se destina a restabelecer os cofres nos casos
de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho,
contudo, referidas ações estão sendo ajuizadas sob o fundamento dos artigos 186 e
930 do Código Civil.
Há uma indiscutível distorção na interpretação da norma jurídica ao se aplicar
a responsabilidade civil no âmbito das ações regressivas previdenciárias, buscando
respaldo legal somente na legislação civil, já que o artigo 120 da Lei nº 8.213/91 é
claro ao estabelecer a necessidade de negligência na adoção das normas padrão de
30
segurança e higiene do trabalho. Trata-se de normas distintas e que não deveriam
se confundir, uma vez que o Código Civil está para disciplinar as questões de
natureza civil, e a Lei nº 8.213/91 está para disciplinar o Direito Previdenciário, que
em nada se assemelha aos direitos civis.
Para elucidar a questão, faz-se necessário demonstrar a existência de conflito
normativo. O ordenamento jurídico apresenta-se em forma de sistema jurídico que
se encontra em perpétuo movimento, modificando-se e adaptando-se às novas
exigências e realidades da vida.
Os novos conflitos, as novas necessidades sociais, impõem a elaboração de
novas leis. Juízes e tribunais trazem novos precedentes, pois estamos diante do
dinamismo da vida.
No caso em exame, temos os artigos 186 e 930 do Código Civil, bem como o
artigo 120 da Lei nº 8.213/91, que dispõem:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente
moral, comete ato ilícito.
Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de
terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a
importância que tiver ressarcido ao lesado.
Parágrafo único. A mesma ação competirá contra aquele em defesa de quem
causou o dano (art. 188, inciso I).
Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e
higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a
Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.
A lei não traz expressões inúteis. Assim, questionamos: por qual motivo
existiria o artigo 120 da Lei nº 8.213/91 se o Código Civil, inclusive o Código de
Beviláqua, já disciplinava a ação regressiva?
Vejamos as disposições do Código Civil de 1916 em matéria de ação
regressiva:
Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código, arts. 1.521 a 1.532 e 1.542 a 1.553.
31
Art. 1.524. O que ressarcir o dano causado por outros, se este não for descendente seu, pode reaver, daquele por quem pagou, o que houver pago.
A Lei n° 8.213 entrou em vigor aos 25 de julho de 1991, ocasião em que o
artigo 120 da referida lei também passou a viger. Contudo, na época, estava em
vigor o Código Civil de 1916, que já disciplinava a matéria de ação regressiva.
Por conseguinte, estamos diante de uma antinomia jurídica, que, nas lições
de Maria Helena Diniz, trata-se de duas normas conflitantes, sem que se possa
saber qual delas deverá ser aplicada ao caso singular.20
A referida autora traça o perfil da antinomia jurídica. Vejamos:
a) Ambas as normas sejam jurídicas;
b) Ambas sejam vigentes e pertencentes ao mesmo ordenamento jurídico;
c) Ambas devem emanar de autoridades competentes num mesmo âmbito
normativo, prescrevendo ordens ao mesmo sujeito;
d) Ambas devem ter operadores opostos (uma permite, outra obriga) e os
seus conteúdos (atos e omissões) devem ser a negação interna um do
outro, isto é, uma prescreve o ato e a outra, a omissão.
e) O sujeito, a quem se dirigem as normas conflitantes, deve ficar numa
posição insustentável.
Para realizar a análise da antinomia jurídica, temos, no caso das ações
regressivas, o Código Civil de 1916, vigente à época em que entrou em vigor a Lei
nº 8.213/91. Referidas normas são jurídicas, estavam vigentes e pertenciam ao
mesmo ordenamento jurídico, foram emanadas de autoridades competentes,
possuem operadores opostos, já que o Código Civil traz uma faculdade de
ajuizamento de ação regressiva e a Lei nº 8.213/91 traz um dever de ajuizamento de
ação regressiva. Além disso, a Lei nº 8.213/91 traz as situações em que é dever o
ajuizamento de ação regressiva e o Código Civil é omisso quanto às hipóteses de
cabimento.
Para classificar uma antinomia temos os seguintes critérios:
a) Critério de solução;
b) Conteúdo;
20
Conflito de normas. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 19.
32
c) Âmbito;
d) Extensão da contradição.
O critério da solução traz a antinomia aparente e a antinomia real, na
antinomia aparente os critérios para a solução integram o ordenamento jurídico. Na
antinomia real não há na ordem jurídica nenhum critério normativo para a sua
solução, sendo nesse caso imprescindível a edição de uma nova norma para a
solução.
Na análise da antinomia no âmbito das ações regressivas, especialmente no
artigo 120 da Lei nº 8.213/91 e no Código Civil de 1916, quanto ao critério de
solução, a antinomia é aparente, já que os critérios de solução integram o
ordenamento jurídico.
Quanto ao conteúdo, a antinomia pode ser própria ou imprópria. A antinomia
própria ocorre quando uma conduta aparece ao mesmo tempo prescrita e não
prescrita, ou proibida e não proibida. Já a antinomia imprópria se apresenta de três
maneiras: antinomia de princípios, antinomia valorativa ou imanente de valoração e
antinomia teleológica. A antinomia imprópria não impede que o sujeito aja conforme
as normas, mesmo que não concorde com elas. Na antinomia de princípios, há
desarmonia na ordem jurídica pelo fato de elas fazerem parte de diferentes ideias
fundamentais, entre as quais pode se estabelecer um conflito. Na antinomia
valorativa ou de valoração, o legislador não é fiel a uma valoração por ele próprio
realizada, por exemplo, quando prescreve pena mais leve para um delito mais grave.
Na antinomia teleológica há incompatibilidade entre os fins propostos por certa
norma e os meios previstos por outra para a consecução daqueles fins.
Na análise da antinomia no âmbito das ações regressivas, especialmente no
artigo 120 da Lei nº 8.213/91 e no Código Civil de 1916, quanto ao conteúdo, a
antinomia é imprópria teleológica, uma vez que a finalidade do artigo 120 da Lei nº
8.213/91 é a prática de política pública, além do ressarcimento, e no caso do Código
Civil, no que tange às ações regressivas a finalidade é tão somente o ressarcimento.
Quanto ao âmbito, as antinomias podem ser de direito interno e de direito
internacional. No caso em estudo, estamos diante de uma antinomia de direito
interno, já que ambas as normas são nacionais.
Quanto à extensão da contradição, a antinomia pode ser total-total, total-
parcial, parcial-parcial. Na antinomia total-total, uma das normas não pode ser
33
aplicada sem conflitar com a outra. Na antinomia total-parcial, uma das normas não
pode ser aplicada, em nenhuma circunstância, sem conflitar com a outra, enquanto
esta tem um campo de aplicação que conflita com a anterior apenas em parte. Na
antinomia parcial-parcial, as duas normas têm um campo de aplicação que em parte
um entra em conflito com o da outra e em parte não entra.
Na análise da antinomia no âmbito das ações regressivas, especialmente no
artigo 120 da Lei nº 8.213/91 e no Código Civil de 1916, quanto à extensão da
contradição, a antinomia é parcial-parcial, já que as duas normas têm um campo de
aplicação que em parte não entra em conflito, ou seja, a finalidade do ressarcimento.
Fruto das anotações em aulas ministradas por Maria Helena Diniz, notamos
que há antinomia de norma jurídica entre o artigo 1.524 do Código Civil de 1916 e o
artigo 120 da Lei nº 8.213/91, que se classifica como aparente, imprópria teleológica,
de direito interno e parcial-parcial.
Diante da inequívoca antinomia, a aplicação dos critérios para a solução de
antinomias no direito interno se impõe. Entre os critérios, temos:
Figura 2 – Critérios para a solução de antinomias no direito interno.
Fonte: Elaborada pela autora.
O critério hierárquico (lex superior derogat legi inferiori), quer dizer que em
havendo conflito entre normas de diferentes níveis, a de nível mais alto, qualquer
que seja a ordem cronológica, terá preferência em relação à de nível mais baixo.
Hierárquico
Cronológico
Especialidade
34
O critério cronológico (lex posterior derogat legi priori), nos dizeres de Maria
Helena Diniz, “significa que de duas normas do mesmo nível ou escalão, a última
prevalece sobre a anterior”.21
De acordo com o critério da especialidade (lex specialis derogat legi generali),
uma norma é especial se possuir em sua definição legal todos os elementos típicos
da norma geral e mais alguns de natureza objetiva ou subjetiva, denominados
especializantes. Maria Helena Diniz leciona que
a norma especial acresce um elemento próprio à descrição legal do tipo previsto na norma geral, tendo prevalência sobre esta, afastando-se assim o bis in idem, pois o comportamento só se enquadrará na norma especial, embora também esteja previsto na geral (RJTJSP 29:303). O tipo geral está contido no tipo especial. A norma geral só não se aplica ante a maior relevância jurídica dos elementos contidos na norma especial, que a tornam mais suscetível de atendibilidade do que a norma genérica.
22
Na análise da antinomia no âmbito das ações regressivas, especialmente no
artigo 120 da Lei nº 8.213/91 e no artigo 1.524 do Código Civil de 1916 (mais uma
vez, não é demais ressaltar que estamos tratando do Código Civil de 1916, que se
tratava da norma vigente quando entrou em vigor a Lei nº 8.213/91), encontramos a
solução da antinomia no critério cronológico, bem como no critério da especialidade.
No critério cronológico, a lei posterior é a Lei nº 8.213/91; e no critério da
especialidade, a lei especial é a Lei n° 8.213/91, e o Código Civil é a lei geral. Por
fim, concluímos que a legislação aplicável às ações regressivas é o artigo 120 da Lei
nº 8.213/91, razão pela qual não é possível, por meio de Portaria, estender essa
aplicabilidade às novas ações regressivas, que, nos dizeres de Miguel Horvath
Júnior, “deve ser entendida a nova ação regressiva contra motoristas que dirigem
alcoolizados e com excesso de velocidade que vitimam inocentes invalidando-os ou
mesmo produzindo sua morte”.23
Esclarecendo as novas ações regressivas, Miguel Horvath Júnior destaca que
a nova ação regressiva sob o ponto de vista social visa, diante do vácuo político legislativo, inibir a utilização de veículos automotores por condutores irresponsáveis que os usam como verdadeiras máquinas geradoras de morte ou de inválidos e impedir que seu custo, na medida que o gerador do dano
21
Conflito de normas. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 35. 22
Ibidem, p. 40. 23
As novas ações regressivas e seus fundamentos – uma análise panorâmica sob o ponto de vista social e jurídico. Revista Bonijuris, ano XXV, v. 25, n. 591, p. 22, fev. 2013.
35
tenha capacidade econômica, seja suportado de maneira geral por toda a sociedade.
24
Estamos, portanto, diante do que se busca com o artigo 120 da Lei nº
8.213/91, que é o viés ressarcitório, mas também o viés de política pública, que não
se encontra no Código Civil. Assim, percebemos que os operadores do Direito, com
as novas ações regressivas, perseguem a finalidade de política pública, que não
está presente no Código Civil.
Não obstante, o referido autor destaca a existência de um vácuo legislativo a
respeito das novas ações regressivas. Assim, não podemos aplicar a norma geral,
que é o Código Civil, quando temos a lei especial, que é a Lei nº 8.213/91, que já
disciplina as ações regressivas acidentárias (ARAs), e se fosse a intenção do
legislador incluir as novas ações regressivas, expressamente ele o teria feito. Aliás,
como já salientado uma vez, a lei não traz expressões inúteis, e quando o artigo 120
da Lei nº 8.213/91 traz o dever de ajuizamento das ações regressivas e o Código
Civil traz a faculdade do ajuizamento de ações regressivas, já podemos notar a
existência do conflito normativo, e não basta uma Portaria para regular o vácuo
legislativo.
Não se trata de deixar de punir o responsável pelo ato ilícito (a violência ou a
embriaguez ao volante), mas sim de aplicar a norma jurídica assim como ela se
apresenta.
Sim, existem novos riscos, que merecem uma nova análise por parte do
legislador para que haja a proteção previdenciária, assim entendidos a violência
doméstica e o acidente de trânsito. No entanto, aplicar a responsabilidade civil
indistintamente trata-se de conduta antijurídica, afinal, as questões de
responsabilidade civil, de conteúdo patrimonial, se contrapõem ao Direito Social, que
tem por fundamento a solidariedade.
Caso nosso entendimento fosse similar aos que admitem o ajuizamento de
ações regressivas novas, sob o fundamento da responsabilidade civil, traríamos
para o âmbito do Direito Previdenciário todas as disposições da responsabilidade
civil, inclusive as excludentes de responsabilidade, e então, certamente, em um
futuro próximo, estaríamos diante de segurados que tiveram que ressarcir os cofres
da Previdência Social por serem os causadores dos mais diversos desastres, até
24
As novas ações regressivas e seus fundamentos – uma análise panorâmica sob o ponto de vista social e jurídico. Revista Bonijuris, ano XXV, v. 25, n. 591, p. 23, fev. 2013.
36
mesmo naqueles casos em que o próprio segurado dirigiu alcoolizado e se vitimou
em acidente, tendo recebido benefício previdenciário. Afinal, se fosse possível a
aplicação da responsabilidade civil no âmbito do Direito Previdenciário, também
seriam aplicadas as excludentes de responsabilidade.
As ações regressivas decorrentes de acidente de trânsito e violência
doméstica estão regulamentadas na Portaria Conjunta PGF/INSS nº 06/2013. Por
óbvio, a referida Portaria não é lei nem serve para regulamentar lei. Faz-se
necessário tecer alguns comentários sobre esse tipo de ato administrativo.
Conforme José Cretella Júnior,
A portaria é um ato administrativo especial, ou seja, “declaração concreta de vontade, de opinião, de juízo, de ciência, de um órgão administrativo do Estado ou de outro sujeito de direito público administrativo no desdobramento da atividade de administração”.
25
Constatamos que a Portaria só serve para regular atos da atividade da
Administração, e, segundo a classificação de Cretella Júnior, a Portaria Conjunta
PGF/INSS nº 06/2013 é uma portaria geral, pois tem como conteúdo normas gerais,
abstratas e impessoais.
Para Cretella Júnior,
Sempre que órgão administrativo baixa ou expede portaria sobre matéria já disciplinada em texto genérico anterior (lei, decreto, regulamento), cumpre indagar a respeito da adequação perfeita da portaria ao texto básico anterior, porque, sendo a portaria uma particularização ou desenvolvimento de um dispositivo ou de uma série de dispositivos, em vigor, será ilegal e, portanto, inaplicável, a disposição da portaria que conflite com o comando a que reporta. Onde a portaria fere de modo frontal a lei, o regulamento, o decreto, o intérprete concluirá, de imediato, por sua ilegalidade. Onde a portaria inova, criando, inaugurando regime jurídico disciplinador de um instituto, é ilegal e, pois, suscetível de censura jurisdicional.
26
Diante das lições de Cretella Júnior, concluímos pela ilegalidade da Portaria
Conjunta PGF/INSS nº 06/2013, pois está estendendo os efeitos do artigo 120 da Lei
nº 8.213/91 a outros eventos diversos de acidentes do trabalho, e assim não
pretendia o legislador, pois, se assim pretendesse, expressamente constaria da lei a
25
Valor jurídico da portaria. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 117, p. 448, jul./set. 1974.
26 Ibidem, p. 455.
37
possibilidade de ajuizamento de ações regressivas em crimes de trânsito ou ilícitos
penais dolosos que resultam em lesão corporal, morte ou perturbação funcional.
Não obstante estejam revestidas de conteúdo ordinatório, por serem atos
ordinatórios, as portarias não atingem nem obrigam os particulares, tratando-se de
uma fórmula empregada pelas autoridades para se dirigir aos seus subalternos. Os
atos ordinatórios visam à disciplina do funcionamento da Administração e da
conduta funcional de seus agentes, e, assim, evidentemente, não se prestam a
disciplinar a aplicação do Código Civil no âmbito do Direito Previdenciário, já que a
Lei nº 8.213/91 não faz isso.
Empregar uma interpretação extensiva ao artigo 120 da Lei nº 8.213/91
também não é o caso, pois, se o legislador quisesse determinar a aplicação da
responsabilidade civil no âmbito do Direito Previdenciário, assim o teria feito.
Ora, se aplicarmos a responsabilidade civil às ações regressivas decorrentes
de acidente de trânsito e violência doméstica, estaremos diante de um universo de
possibilidades de ações desse tipo, já que a sua verdadeira função estará sendo
desvirtuada, assim como estará sendo desvirtuado também o princípio da
solidariedade previdenciária.
Nesse aspecto, considerando o princípio da solidariedade social, que impõe o
recolhimento de contribuições previdenciárias para a garantia de benefícios, saúde e
assistência social aos mais necessitados, não faria sentido a aplicação indistinta da
responsabilidade civil quando todos os trabalhadores já contribuem para o sistema
de Seguridade Social, visando à cobertura das mais diversas contingências.
Seguindo esse entendimento, José Vidal Soria et al. lecionam:
Nos atuais Sistemas de Seguridade Social, parte-se de uma noção unitária da ação protetora, independentemente da natureza do risco causador, comum ou profissional. Concepção unitária que supõe a máxima expressão do princípio da “consideração conjunta das contingências ou situações protegidas”, princípio inspirador, junto ao da uniformidade das prestações, diante de um mesmo evento que vem a definir, ao menos tecnicamente, o modelo de Seguridade Social e, em todo caso, a diferenciar-se do sistema de previsão anterior. Não obstante, nem um nem outro princípio está isento de refutações concretas em nosso Sistema vigente.
27
27
Manual de seguridad social. 4. ed. Madri: Tecnos, 2008, p. 193, tradução nossa. Texto original, em espanhol: “En los Sistemas de Seguridad Social actuales se parte de una noción unitaria de la acción protectora, independiente de la naturaleza del riesgo causante, común o profesional. Concepción unitaria que supone la máxima expresión del principio de la „conjunta consideración de las contingencias o situaciones protegidas‟, principio inspirador, junto al de la uniformidad de las prestaciones ante un mismo evento que viene a definir, al menos técnicamente, el modelo de
38
Para resolver essa questão, valemo-nos dos princípios que, segundo
Wladimir Novaes Martinez, embora não possuam o comando imperativo da norma
jurídica, “quando são ignorados, a conclusão os evidencia e reclama; alguma coisa
no espírito do intérprete – sua consciência jurídica – se revolta e o intranquiliza até
que a desconformidade seja arredada”.28
Especialmente, destacamos a solidariedade social, que, nas palavras de
Martinez,
[...] não é uma instituição típica da Previdência Social, ainda que aí tenha encontrado habitat natural para o seu desenvolvimento e efetivação. A solidariedade, referida no princípio, quer dizer união de pessoas em grupos, globalmente consideradas, contribuindo para a sustentação econômica de pessoas em sociedade, individualmente apreciadas e que, por sua vez, em dado momento, também contribuirão ou não, para a manutenção de outras pessoas. E assim sucessivamente. No momento da contribuição, é a sociedade quem contribui. No instante da percepção da prestação, é o indivíduo que usufrui. Embora no ato da contribuição seja possível individualizar o contribuinte, não é possível vincular cada um dos percipientes, pois há um fundo anônimo de recursos e um número determinável de beneficiários.
29
Referido autor destaca, ainda, que
Se a solidariedade de custeio reflete em favor do beneficiário, é bom lembrar a solidariedade sem retorno, das empresas, imposta pela lei, talvez uma manifestação de sua responsabilidade perante o risco social. De qualquer forma, não se pode olvidar, principalmente em face de seu vulto, a solidariedade contida na contribuição das empresas, que é a solidariedade da responsabilidade, assumida por todas e cuja causa determinante pertence a algumas.30
O seguro social está embasado em uma ideia simples de que uma
coletividade definida contribui com um percentual de seus rendimentos, com a
finalidade de constituir um fundo permanente capaz de suportar todas as
contingências sociais.
Seguridad Social y, en todo caso, a diferenciarse del sistema de previsión anterior. No obstante, ni uno ni otro principio están exentos de desmentidos concretos en nuestro Sistema vigente”.
28 Princípios de direito previdenciário. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 30.
29 Ibidem, p. 57.
30 Ibidem, p. 59.
39
A ideia de solidariedade social está presente quando uma pequena parcela da
coletividade definida recebe benefícios previdenciários pagos pela contribuição de
grande parte dessa coletividade definida.
Martinez sustenta que
É inequívoca a solidariedade entre pessoas, jacente na ideia do seguro social, característica que, aliás, pode ser observada em quase todas as técnicas de proteção social, em especial na assistência social, onde pessoas que nunca contribuíram são assistidas por pessoas que sempre contribuíram, sem serem assistidas. O segurado que contribui durante o prazo de espera carreia recursos em favor daqueles que são beneficiados sem o período de carência. Isto é solidariedade social.
31
Outro ponto que merece destaque, ante a impossibilidade de ajuizamento das
ações regressivas não previstas no artigo 120 da Lei nº 8.213/91, está presente no
princípio da obrigatoriedade, que se traduz em condição para que a solidariedade se
efetive. Aliás, se as contribuições não fossem obrigatórias e sim facultativas, o
individualismo se sobreporia às necessidades sociais e certamente não haveria um
fundo capaz de custear todas as contingências sociais.
Por se tratar de uma poupança coletiva e obrigatória, a Previdência Social
funciona como um ente gestor, que continuamente recebe e distribui recursos.
Nessa distribuição de recursos, a Previdência Social não tem por fim suprir todas as
necessidades do trabalhador, mas sim oferecer o essencial.
Nessa linha de raciocínio, Martinez afirma que
[...] este dado deve ser aduzido com a informação de que o seguro social só deve substituir por inteiro a capacidade de ganho do trabalhador quando o risco realizado for daqueles que a elidem totalmente. Daí a distinção no cálculo das diversas prestações. Os critérios de fixação dos valores dos auxílios-doença e das aposentadorias por invalidez comuns devem ser sempre distintos dos de outras prestações. Os critérios de concessão das prestações acidentárias devem ser sempre mais favoráveis ao trabalhador que os das prestações comuns.
32
Induzir o raciocínio exclusivamente para a responsabilidade civil, no caso das
ações regressivas decorrentes de ato ilícito, destoa dos princípios do Direito Social,
assim como a solidariedade, a obrigatoriedade, a essencialidade, entre outros. Aqui,
cabe-nos ressaltar que, na maioria das vezes, o causador do prejuízo também é
31
Princípios de direito previdenciário. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 64. 32
Ibidem, p. 78.
40
segurado e, por conseguinte, contribuinte da Previdência Social, de tal sorte que
também está arcando com o prejuízo.
Nos casos de acidente de trânsito, muitas vezes o causador também se
vitimou e, por isso, se afasta do trabalho, recebendo benefício previdenciário.
Nessas situações, se tivermos um olhar exclusivamente sob a ótica da
responsabilidade civil, a tal segurado nada seria devido, pois ele foi o único
responsável pelo acidente, mas o Direito Social é solidário e não admite esse tipo de
interpretação.
Martinez destaca que
[...] amealhar recursos e distribuí-los aos indivíduos, através de técnicas típicas da Previdência Social, não se confunde com atividades políticas, econômicas ou sociais do Estado. Diferentemente dos benefícios sociais assegurados pelo Estado, as prestações securitárias constituem-se em direitos, podendo ser exigidos.
33
Se a responsabilidade civil fosse aplicada indistintamente, para que existiria a
solidariedade social? Afinal, para todo infortúnio, sempre haverá um responsável,
ainda que esse responsável seja o próprio segurado. De que cobertura do risco
social estaríamos diante, se indistintamente aplicarmos a responsabilidade civil?
Esse questionamento é importante para distinguir a existência de uma cobertura de
um risco social, obrigatória para todos os trabalhadores, baseada no princípio da
solidariedade social, segundo o qual, independentemente do infortúnio, todos devem
contribuir para o sistema.
Exemplificando, durante toda a vida de Alice, o pai renegou a filha, que foi
criada somente pela mãe, sendo vítima de quadro de depressão constante em razão
da ausência e rejeição paterna. Houve diversas tentativas de suicídio, todas elas
após Alice ver o pai e ser rejeitada, até que a Previdência Social lhe concedeu
auxílio-doença, afastando-a do emprego por três anos. Quando o INSS soube da
causa da depressão, teria o direito de ajuizar ação regressiva em desfavor do pai de
Alice?
A análise é dúplice para responder à pergunta. Vejamos: com base nos
fundamentos da responsabilidade civil, o INSS teria de ajuizar ação regressiva; com
base no princípio da solidariedade social, não caberia ação regressiva, pois, com
33
Princípios de direito previdenciário. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 103.
41
fundamento no artigo 193 da Constituição Federal, a ordem social tem como esteio o
primado do trabalho e, como objetivo, o bem-estar e a justiça sociais.
Parece-nos muito simples a distinção desse liame dos fundamentos que
norteiam a responsabilidade civil e os princípios pilares do Direito Social. No
decorrer desta tese, realizaremos uma análise aprofundada sobre a questão acima
colocada e, especificamente no capítulo 5, faremos um estudo direto sobre esse
confronto da responsabilidade civil com a solidariedade social. Contudo, desde já,
nos posicionamos no sentido de que a solidariedade social, princípio basilar do
Direito Social, impede o ajuizamento indiscriminado das ações regressivas, pois
esse ajuizamento indiscriminado, tendo por fundamento tão somente a
responsabilidade civil, colocaria em xeque toda a dinâmica do Direito Social. Por fim,
opinamos pela impossibilidade de ajuizamento das novas ações regressivas por
ausência de fundamentação legal.
1.3 Função das ações regressivas acidentárias
Na tentativa de diminuir a ocorrência de acidentes do trabalho com um meio
ambiente sadio e salubre, as ações regressivas representam um meio de política
pública. Parece-nos importante revelar a verdadeira finalidade dessa política pública.
Assim, esta subseção tratará da função das ações regressivas.
Política pública, nos dizeres de Mônia Clarissa Hennig Leal,
[...] pode ser associada ao resultado material da política, aos instrumentos de atuação do Estado para a realização dos direitos fundamentais. Desse modo, é compreensível que a sua abordagem reclame o exame da própria estrutura estatal para o atendimento das infinitas demandas sociais.
34
Além de realizar os direitos fundamentais, a função de política pública das
ações regressivas acidentárias consiste em garantir que
[...] o seguro acidentário, público e obrigatório, não pode servir de alvará para que empresas negligentes com a saúde e a própria vida do trabalhador
34
Estado, jurisdição e políticas públicas: as possibilidades de controle jurisdicional de políticas públicas e a ampliação do espaço público para a inclusão de novos atores sociais. In: CECATTO, Maria Aurea Baroni et al. Cidadania, direitos sociais e políticas públicas. São Paulo: Conceito, 2011, p. 409-410.
42
fiquem acobertadas de sua irresponsabilidade, sob pena de constituir-se verdadeiro e perigoso estímulo a esta prática socialmente indesejável.
35
O caráter repressor é o que traz maior notoriedade às ações regressivas, uma
vez que o receio de ser réu em uma ação desse tipo, e eventualmente sofrer uma
condenação, parece causar apreensão nas empresas, de modo que elas passam a
adotar todas as medidas de proteção à saúde e à segurança do trabalhador. Isso
certamente evita a ocorrência de acidentes futuros, pois representa uma verdadeira
punição para a empresa. Seria, sim, uma pena pecuniária (por meio de
indenização), mas não deixa de ser uma penalidade imposta a todos os
empregadores que agiram de forma negligente na adoção de medidas de segurança
e higiene no meio ambiente do trabalho.
E sobre a função ressarcitória, que busca reaver os valores despendidos com
os benefícios previdenciários pagos por culpa ou dolo do empregador, Daniel Pulino
leciona que
[o] direito de regresso em foco deve ser exercido com o intuito de ressarcimento dos recursos públicos administrados pelo INSS e, ao mesmo tempo, como medida desestimuladora ao descumprimento, pelas empresas, das normas de segurança e higiene do trabalho.
36
A função ressarcitória busca reequilibrar o prejuízo sofrido por toda a
sociedade que arcou com os custos do benefício previdenciário causado pela
negligência do empregador na adoção das medidas de saúde e segurança do
trabalho.
1.4 Função das ações regressivas decorrentes de ato ilícito
Com base na análise da função das ações regressivas, parece-nos que as
ações regressivas decorrentes de ato ilícito (violência doméstica e acidentes de
trânsito) não são afinadas com a Previdência Social, uma vez que não possuem
relação com acidentes do trabalho, não funcionam como política pública para a
diminuição dos riscos no meio ambiente do trabalho, bem como não cumprem a sua
35
PULINO, Daniel. Acidente do trabalho: ação regressiva contra as empresas negligentes quanto à segurança e à higiene do trabalho. Revista de Previdência Social, São Paulo, ano XX, n. 182, p. 9, jan. 1996.
36 Idem, ibidem, p. 17.
43
função repressora ou ressarcitória. As ações regressivas decorrentes de ato ilícito
não possuem previsão legal, e, por esse motivo, não possuem também uma função
propriamente dita.
Só para exemplificar o nosso entendimento, no caso de violência doméstica, a
ação regressiva tem sido um instrumento utilizado para ressarcir os cofres da
Previdência Social com os gastos do benefício previdenciário implantado em razão
da violência. Nesses casos, é ajuizada uma ação regressiva em desfavor do
ofensor. Contudo, não se trata de meio de política pública, não apresenta uma
função repressora e o caráter é meramente ressarcitório. Esse viés ressarcitório não
tem relação com o Direito Social. A relação é com o instituto da responsabilidade
civil. Não se cogita, no âmbito do Direito Social, a aplicação de uma norma com
cunho eminentemente patrimonial. Considerando que a responsabilidade civil não se
aplica às ações regressivas decorrentes de ato ilícito, não há função alguma a ser
desenvolvida nesta tese.
1.5 Procedimento de Instrução Prévia (PIP) no âmbito das ações regressivas
O Procedimento de Instrução Prévia (PIP) está disciplinado na Portaria
Conjunta PGF/INSS nº 06/2013, em seu artigo 6º e seguintes. Trata-se de
procedimento administrativo inquisitório, não admitindo o contraditório, no qual a
Administração Pública verificará se é o caso de ajuizamento da ação regressiva.
As ações regressivas são ajuizadas após o PIP, que se trata de um
levantamento minucioso sobre o acidente do trabalho, considerando os fatores que
lhe deram causa.
O PIP é instaurado pelos órgãos de execução da PGF e pode ser instaurado
de ofício, em razão de conhecimento direto do caso, mediante provocação interna,
por meio de expedientes encaminhados pela Coordenação-Geral de Cobrança e
Recuperação de Créditos (CGCOB) ou mediante provocação externa, decorrente do
recebimento de representações e documentos provenientes de particulares ou
órgãos públicos.
A instauração é realizada pelo órgão de execução da PGF do local dos fatos
que instaura e conclui o PIP, a partir de um laudo técnico elaborado por um Auditor
Fiscal do Trabalho, com todas as informações e causas do acidente. Maciel afirma
que
44
[...] referido laudo, por constituir típico ato administrativo, apresenta eficácia de prova pré-constituída, pois goza do atributo da presunção relativa de veracidade e legitimidade, inerente aos atos administrativos praticados por agentes públicos no exercício de suas funções.
37
O laudo técnico do Procedimento de Instrução Prévia pode ser objeto de
impugnação em juízo, já que ausente o contraditório.
Vale notar que o PIP se inicia de ofício, em razão do conhecimento direto do
caso; mediante provocação interna, por meio de expedientes encaminhados; ou por
provocação externa, decorrente do recebimento de representações e documentos
provenientes de particulares ou órgãos públicos.
Encerrada a fase instrutória, o PIP poderá: (i) ser arquivado; (ii) ser
sobrestado; (iii) ser redistribuído a outra Procuradoria; (iv) ser submetido à Câmara
de Conciliação e Arbitragem; ou (v) embasar o ajuizamento de ação regressiva.
Entre as provas que embasam o PIP, as mais comuns são: Comunicação de
Acidente de Trabalho (CAT) e demais documentos que levaram à concessão do
benefício; relatório do inquérito policial, se for o caso; documentos de eventual ação
trabalhista; e documentos de eventual inquérito civil. Contudo, existe uma infinidade
de provas que podem ser utilizadas, de modo que destacamos, aqui, apenas as
mais comuns.
Com todos os documentos juntados ao PIP, não sendo o caso de
arquivamento, sobrestamento, redistribuição ou submissão à Câmara de Conciliação
e Arbitragem, esse procedimento embasará o ajuizamento de ação regressiva.
1.6 Prescrição das ações regressivas
A dúvida que persiste diz respeito à imprescritibilidade, que decorreria do fato
de se tratar de uma ação com natureza ressarcitória, com existência de danos ao
erário, o que, em tese, já teria sido objeto de matéria decidida e ratificada pelo
Supremo Tribunal Federal, no Mandado de Segurança (MS) nº 26.210, e que
continua sendo ratificada, por exemplo, no Agravo Regimental em Recurso
Extraordinário (AgR-RE) nº 578.428 e no Agravo Regimental em Agravo de
Instrumento (AgR-AI) nº 712.435.
37
Ações regressivas acidentárias. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 2013, p. 128.
45
Acerca da imprescritibilidade, no artigo 37, § 5º, a Constituição Federal assim
dispõe:
Art. 37. […] […] § 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.
Por conseguinte, entendemos ser taxativo o referido dispositivo constitucional,
no sentido de que a imprescritibilidade nele prevista refere-se ao direito da
Administração Pública de obter o ressarcimento de danos ao seu patrimônio
decorrentes de atos de agentes públicos, servidores ou não. Tal hipótese é taxativa
e não pode ser ampliada com o escopo de abarcar a ação regressiva ajuizada pelo
INSS.
Não se aplica a regra de imprescritibilidade prevista no artigo 37, § 5º, da Lei
Maior, quando o caso não se refere a pedido de ressarcimento em face de agentes
públicos, em razão de ilícitos por eles praticados. A imprescritibilidade é exceção e
não pode ser interpretada de forma ampliativa, para abarcar hipóteses não previstas
expressamente pela norma.
Há entendimento doutrinário no sentido de que a relação jurídica entre
empregador e INSS, no âmbito das ações regressivas, configura relação jurídica de
trato sucessivo, e que não haveria o que se falar em prescrição de fundo de direito.
Contudo, nossa posição diverge, uma vez que as relações de trato sucessivo
não trazem nenhuma discordância quanto ao fundo de direito, de modo que a
discordância só está presente nas prestações sucessivas. O que não é o caso das
ações regressivas, visto que elas passarão por ampla instrução processual, para, só
a partir daí, haver a condenação ou a absolvição, o que demanda eventuais
recursos de ambas as partes. Então, in casu, há plena discussão acerca do fundo de
direito, razão pela qual não deve ser considerada relação de trato sucessivo.
Há, ainda, o posicionamento de prescrição quinquenal, nos termos dos artigos
1º e 3º do Decreto nº 20.910, de 6 de janeiro de 1932, com a imprescritibilidade do
fundo de direito:
Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou
46
municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem. Art. 3º Quando o pagamento se dividir por dias, meses ou anos, a prescrição atingirá progressivamente as prestações à medida que completarem os prazos estabelecidos pelo presente decreto.
Vê-se que, na hipótese de prestações periódicas, tais como vencimentos,
devidas pela Administração, não correrá, propriamente, a prescrição da ação, mas,
tão somente, a prescrição das parcelas anteriores aos cinco anos de seu
ajuizamento. Nesse caso, fala-se em prescrição de trato sucessivo, uma vez que,
continuamente, o marco inicial do prazo prescricional para o ajuizamento da ação se
renova.
Diverso é o tratamento dado à chamada prescrição do fundo de direito, em
relação à qual não há renovação do marco inicial para o ajuizamento da ação.
Dessa forma, uma vez determinado o momento em que a Administração incorre em
dívida com o administrado, a partir daí inicia-se o cômputo do prazo prescricional.
No julgamento do Recurso Extraordinário nº 110.419/SP, o eminente Ministro
Moreira Alves inferiu que as obrigações de trato sucessivo são aquelas decorrentes
de uma situação jurídica fundamental já reconhecida. Não está em pauta a condição
funcional do servidor. Nas obrigações de trato sucessivo, o direito ao quantum se
renova de tempo em tempo; daí por que o prazo prescricional recomeça.
Todavia, no caso das ações regressivas, não estamos falando de relação de
trato sucessivo, e o fundo de direito é mera expectativa.
Assim sendo, posicionamo-nos no sentido de que o Sistema Previdenciário é
securitário e contributivo, daí por que os valores que o INSS persegue não são
produto de tributo, mas de contribuições vertidas à seguridade social, pelo que, em
sentido estrito, não se trata de erário, aplicando-se, quanto à prescrição, o artigo
206, § 3º, inciso V, do Código Civil, e não o Decreto nº 20.910/32.
Há autores que se posicionam no sentido de que há a imprescritibilidade do
fundo de direito, com a prescrição trienal das prestações de trato sucessivo, mas,
com todo o respeito aos adeptos dessa posição, esse não é o nosso entendimento.
Como exaustivamente tratado nos capítulos anteriores, a ação regressiva
decorre da negligência do empregador, e, ante a inegável vertente civilista, a
previsão legal contida no artigo 206, § 3º, inciso V, do Código Civil, tal prazo
prescricional se aplica, uma vez que, diante da natureza ressarcitória da ação
47
regressiva, não poderia o INSS valer-se de sua posição de ente público e ver
aumentado o seu prazo prescricional nas ações em que figura como autor, que
possuem finalidade ressarcitória. Afinal, resultaria em tratamento absolutamente
desigual entender que a prescrição é quinquenal para os casos de responsabilidade
civil em que o autor seja o INSS, e que a prescrição é trienal para os casos de
responsabilidade civil em que o autor seja o particular em desfavor do INSS.
Aliás, parece-nos incontestável, pelos inúmeros julgados já existentes, que,
nas ações de indenização por dano moral que o segurado promove em face do
INSS em razão do equivocado indeferimento administrativo de benefício
previdenciário, a prescrição é de três anos, nos termos do artigo 206, § 3º, inciso V,
do Código Civil. Por essas razões, concluímos que o prazo prescricional das ações
regressivas é de três anos.
1.7 O acidente do trabalho e a responsabilidade do empregador
Os acidentes do trabalho recebem definição legal nos artigos 19, 20 e 21 da
Lei nº 8.213/91. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a
serviço de empresa ou de empregador doméstico, ou pelo exercício do trabalho dos
segurados referidos no inciso VII do artigo 11 do mesmo diploma legal, provocando
lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução,
permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.
O artigo 20 da Lei nº 8.213/91 determina que a doença profissional, assim
entendida como a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a
determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério
do Trabalho e da Previdência Social, é considerada acidente do trabalho. A lei em
tela dispõe, ainda, que a doença do trabalho, assim entendida como a adquirida ou
desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e
que com ele se relacione diretamente, constante do rol mencionado no inciso I,
também é considerada acidente do trabalho.
A própria legislação acima referida dispõe sobre a exceção, ou seja, as
doenças que não são consideradas acidente do trabalho. Entre elas, temos: a
doença degenerativa, a inerente a grupo etário, a que não produza incapacidade
laborativa e a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que
ela se desenvolva.
48
Nos casos em que a doença endêmica seja resultante de exposição ou
contato direto determinado pela natureza do trabalho, ela será considerada acidente
do trabalho. Na mesma situação, estão os casos em que, ainda que a doença não
seja profissional ou do trabalho, tenha sido resultado das condições especiais de
trabalho e com ele se relacione diretamente.
O artigo 21 da lei em comento traz os acidentes do trabalho por equiparação,
entre eles: o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única,
haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da
sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a
sua recuperação; o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho,
em consequência de ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por
terceiro ou companheiro de trabalho; a ofensa física intencional, inclusive de
terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho, ato de imprudência, de
negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho; o ato de
pessoa privada do uso da razão, desabamento, inundação, incêndio e outros casos
fortuitos ou decorrentes de força maior; a doença proveniente de contaminação
acidental do empregado no exercício de sua atividade; e o acidente sofrido pelo
segurado ainda que fora do local e horário de trabalho, nas seguintes hipóteses: na
execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa; na
prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou
proporcionar proveito; em viagem a serviço, inclusive para estudo, quando
financiada pela empresa dentro de seus planos para melhor capacitação da mão de
obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de
propriedade do segurado; ou no percurso da residência para o local de trabalho ou
deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, incluindo veículo de
propriedade do segurado.
A Lei nº 8.213/91 dispõe sobre os acidentes sucedidos nos períodos
destinados à refeição, descanso ou satisfação de outras necessidades fisiológicas
ocorridas no local de trabalho, ou durante o trabalho, os quais são entendidos como
ocorridos no exercício do trabalho.
No tocante à agravação ou complicação de acidente do trabalho, entende-se
como a lesão que, resultante de acidente de outra origem, se associe ou se
superponha às consequências do anterior.
49
A própria Lei nº 8.213/91 define expressamente o que é acidente do trabalho,
não nos cabendo realizar nenhuma interpretação diversa.
Vale notar que a doença profissional ocorre em razão do tipo peculiar de
determinada atividade, estando descrita na legislação. Já a doença do trabalho se
dá em razão das condições especiais em que o trabalho se desenvolve e também
consta de uma relação trazida pela norma legal.
Há, ainda, as lesões que se produzem lentamente, sob a forma de doenças
profissionais ou ergopatias. Segundo Humberto Theodoro Júnior,
Essas moléstias, geradas pelo trabalho, se agrupam em dois tipos distintos: a) as doenças profissionais típicas, ditas tecnopatias, que são consequências naturais de certas profissões desenvolvidas em condições insalubres, e que são adredemente relacionadas pelo próprio legislador; e b) as doenças profissionais atípicas, ditas mesopatias, que não são peculiares a determinados tipos de trabalho, mas que o operário vem a contrair por fato eventualmente ocorrido no desempenho de sua atividade laboral. São doenças comuns, que, no entanto, numa determinada hipótese, foram, excepcionalmente, geradas pelas condições momentâneas de trabalho.
38
É importante ressaltar que, a partir do reconhecimento de que os acidentes do
trabalho tinham como causa, na maioria das vezes, uma negligência do empregador
em adotar as medidas de saúde e segurança do trabalho, expondo os empregados a
riscos, as
[...] empresas que, em bons termos com a economia de mercado, foram por muito tempo afagadas por suas boas ações no pagamento de impostos e seu amor ao próximo na geração de empregos, veem-se subitamente no banco dos réus, ou mais precisamente: atadas ao pelourinho e confrontadas com inquéritos semelhantes aos que teriam sido usados antigamente para maltratar envenenadores capturados em flagrante delito.
39
Assim, faz-se necessário o estudo mais aprofundado da questão relativa à
responsabilidade civil do empregador, uma vez que é a responsabilidade civil que
fundamenta a pretensão de ressarcimento dos valores nas ações regressivas
previdenciárias.
Para José de Aguiar Dias, a responsabilidade é, “necessariamente, uma
reação provocada pela infração a um dever preexistente. A obrigação preexistente é
38
Acidente do trabalho e responsabilidade civil comum. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 6. 39
BECK, Ulrich, Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Ed. 34, 2011, p. 94.
50
a verdadeira fonte da responsabilidade, e deriva, por sua vez, de qualquer fator
social capaz de criar normas de conduta”.40
No caso dos acidentes do trabalho, o dever preexistente do empregador é
cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho nos termos
do artigo 157 da Consolidação das Leis do Trabalho, a fim de evitar a ocorrência de
acidentes do trabalho, pois “o estado de responsabilidade não é senão o estado
sobrevindo em consequência da inexecução da obrigação, dando lugar à aplicação
de sanções”.41 E qual seria o estado de responsabilidade dos empregadores nos
acidentes do trabalho?
Sob o nosso ponto de vista, o estado de responsabilidade se consubstancia
em fiscalizar e adotar todos os mecanismos de prevenção aos acidentes do
trabalho. Contudo, o artigo 19 da Lei nº 8.213/91 assim prevê, em seu § 4º:
Art. 19. [...] [...] § 4º O Ministério do Trabalho e da Previdência Social fiscalizará e os sindicatos e entidades representativas de classe acompanharão o fiel cumprimento do disposto nos parágrafos anteriores, conforme dispuser o Regulamento.
Nas lições de Roberto M. López Cabana,
A maneira mais eficaz de enfrentar essa contingência é através da prevenção, tomando o empregador todos os cuidados possíveis para tutelar a segurança dos trabalhadores, seja educando, informando ou incorporando tecnologia para evitar eventos perigosos.
42
Por seu turno, Mauro Cesar Martins de Souza afirma que
A prevenção de riscos do trabalho deve ser considerada como uma atividade que tem por objetivo a promoção de melhores condições de trabalho, para elevar o nível de proteção à saúde e segurança dos trabalhadores. Tal objetivo pode ser obtido através de um conjunto de atuações a serem realizadas por empresários, fabricantes, importadores, fornecedores de maquinário e equipamentos, pelos trabalhadores e, pelo Estado, seja nas esferas federal, estadual ou municipal. O cumprimento das
40
Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1944, p. 103-104. 41
Ibidem, p. 104. 42
Responsabilidad civil por accidentes. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1995, p. 26, tradução nossa. Texto original, em espanhol: “La manera más eficaz de enfrentar dicha contingencia es a través de la prevención, tomando el empleador todos los recaudos posibles para tutelar la seguridad de los trabajadores, ya sea educando, informando, o incorporando tecnología que tienda a evitar eventos riesgosos”.
51
obrigações e cada um destes, assim como o exercício dos direitos dos mesmos, é necessário para viabilizar a pretensão mencionada.
43
Para Dias,
Todos os casos de responsabilidade civil obedecem a quatro séries de exigências comuns: a) o dano, que deve ser atual e certo, podendo, entretanto, ser material ou moral; b) e a relação de causalidade, a causal connexion, laço ou relação direta de causa e efeito entre o fato gerador da responsabilidade e o dano são seus pressupostos indispensáveis; c) a força maior e a exclusiva culpa da vítima tem, sobre a ação de responsabilidade civil, precisamente porque suprimem esse laço de causa e efeito, o mesmo efeito preclusivo; d) as autorizações judiciais e administrativas não constituem motivo de exoneração de responsabilidade.
44
No caso das ações regressivas, nos posicionamos no sentido de haver uma
corresponsabilidade do empregador e das Delegacias Regionais do Trabalho nos
termos do artigo 156 da Consolidação das Leis do Trabalho, que dispõe:
Art. 156. Compete especialmente às Delegacias Regionais do Trabalho, nos limites de sua jurisdição: I – promover a fiscalização do cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho; II – adotar as medidas que se tornem exigíveis, em virtude das disposições deste Capítulo, determinando as obras e reparos que, em qualquer local de trabalho se façam necessárias; III – impor as penalidades cabíveis por descumprimento das normas constante deste Capítulo, nos termos do art. 201.
Sempre que houver omissão na fiscalização, devidamente comprovada, seja
por meio de um ofício não atendido, seja por meio de denúncia não averiguada,
haverá a corresponsabilidade. Contudo, reservamos o item 3.4. desta tese para
tratar sobre esse assunto com mais profundidade.
43
Responsabilidade civil decorrente do acidente do trabalho: doutrina e jurisprudência. Campinas: Aga Juris, 2000, p. 61.
44 Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1944, p. 117.
52
2 A CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA E DE TERCEIROS
Muitas vezes, os empregados se submetem aos mais diversos riscos no
ambiente de trabalho em razão do medo do desemprego. Ulrich Beck assevera que
O outro lado da provisoriedade da qual se reveste o desemprego é a metamorfose da causalidade externa em culpa própria, de problemas sistêmicos em fracasso pessoal. A precariedade que ao longo de contínuas tentativas se converte em desemprego duradouro é a via crucis da autoconfiança. Na contínua exclusão do possível, o desemprego, algo externo, portanto, penetra passo a passo na pessoa, convertendo-se num atributo seu. A nova pobreza é, sobretudo, mas não apenas, um problema material. É também essa autodestruição que, aceita em silêncio, consumada no discurso ritual das vãs tentativas de evitá-la, prolifera nos subterrâneos de um destino coletivo.
45
Esse medo do desemprego se traduz, evidentemente, como diz Beck, em
fracasso pessoal, fracasso esse que faz com que a pessoa se submeta a qualquer
situação para evitar essa sensação.
Almejando evitar esse fracasso, os empregados passam a se submeter a
inúmeros riscos no meio ambiente de trabalho, realizando atividades que não se
coadunam com a dignidade da pessoa humana, e se expondo a riscos que podem,
até mesmo, causar-lhes a morte. Conforme leciona Cirlene Luiza Zimmermann,
O trabalho está associado diretamente com a possibilidade de sobrevivência. Assim, quando uma pessoa busca se inserir no mercado de trabalho, está tentando satisfazer sua necessidade de continuar a viver, de poder, com o resultado econômico da sua atividade, ter acesso aos bens de consumo e manter a si e a sua família, motivo pelo qual não há como ignorar o impacto direto e perigoso do trabalho no processo vital do ser humano, que, muitas vezes, premido pela necessidade de sobrevivência, aceita submeter-se às piores e mais degradantes condições de trabalho, de modo algum aceitáveis como ensejadoras de uma vida digna.
46
Ao se submeterem aos mais diversos riscos, os empregados muitas vezes
dão causa aos acidentes do trabalho, tornando-se responsáveis pelo infortúnio.
Os motivos da ocorrência desses acidentes por culpa exclusiva do
empregado são diversos e devem ser minuciosamente apurados. A culpa exclusiva
da vítima é uma excludente de ilicitude, razão pela qual, sempre que for comprovada
45
Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Ed. 34, 2011, p. 139. 46
A ação regressiva acidentária como instrumento de tutela do meio ambiente de trabalho. São Paulo: LTr, 2012, p. 45.
53
a culpa exclusiva do empregado, o empregador não terá o dever de indenizar na
ação regressiva, uma vez que não agiu com negligência na adoção de medidas de
saúde e segurança no meio ambiente do trabalho.
Existem, ainda, os danos causados por terceiros, colegas de trabalho,
funcionários de outras empresas prestadoras de serviço, prestadores de serviço,
clientes etc. Todas essas pessoas, consideradas como terceiros no vínculo entre
empregado e empregador, também podem submeter o trabalhador a riscos, e a
culpa, nesse caso, não será atribuída à empresa, já que o risco foi causado por
alguém externo a ela.
Considerando, outrossim, que o artigo 120 da Lei nº 8.213/91 dispõe que, nos
casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho,
a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.
De acordo com o artigo 157 da Consolidação das Leis do Trabalho, cabe às
empresas cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho,
instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar
no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais, adotar as
medidas que lhe sejam determinadas pelo órgão competente e facilitar o exercício
da fiscalização pelas autoridades competentes. Por conseguinte, terceiros não são
responsáveis pelo cumprimento de tais normas, e, assim, não agirão de forma
negligente no seu cumprimento, restando evidente a impossibilidade de ajuizamento
de ação regressiva em seu desfavor, e tão somente do empregador. Em recente
julgado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, foi condenada em ação
regressiva, nos autos da Apelação Cível nº 5008832-43.2014.4.04.7001/PR, a
tomadora dona da obra, sob o argumento de que o artigo 120 da Lei n° 8.213/91
dispõe sobre o dever de propor ação regressiva contra os responsáveis.
Embora o artigo 120 da Lei nº 8.213/91 disponha que a Previdência Social
proporá ação regressiva contra os responsáveis, evidentemente, por força do artigo
157 da Consolidação das Leis do Trabalho, os responsáveis só podem ser os
empregadores:
Art. 157. Cabe às empresas: I – cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho; II – instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais;
54
III – adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente; IV – facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente.
Por conseguinte, como a Consolidação das Leis do Trabalho não é
omissa quanto à fixação do responsável pelo cumprimento das normas de
segurança e medicina do trabalho, o responsável será sempre a empresa
empregadora, ainda que o artigo 120 da Lei nº 8.213/91 não o descreva. Por outro
lado, entendemos pela inaplicabilidade da Súmula 331 do TST, que dispõe:
Súmula nº 331 do TST – CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.
Súmula não é lei, e, por isso, deve ser aplicada tão somente nos casos em
que seja cabível, no âmbito dos Tribunais do Trabalho, que não são competentes
para o julgamento das ações regressivas, razão pela qual, ainda que referida
Súmula traga a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, não se aplica
às ações regressivas.
55
Responsabilizar terceiro não é cumprir o dever de ajuizar ação regressiva
imposto pelo artigo 120 da Lei nº 8.213/91 por força do artigo 157 da Consolidação
das Leis do Trabalho e por força da existência da Súmula 331 do TST, que deve ser
aplicada somente no âmbito dos Tribunais do Trabalho.
2.1 Seguro de Acidentes do Trabalho (SAT) e suas implicações para o
empregador e o empregado
De acordo com os ensinamentos históricos de Manuel Sebastião Soares
Póvoas,
Ninguém era obrigado a trabalhar, mas o trabalho comportava riscos, cuja materialização poderia ter as mais graves consequências, e não se poderia dizer que o empregador era o culpado pelos acidentes que ocorriam na sua fábrica ou nos serviços que, em seu proveito o operário executa. Os códigos civis da época estabeleciam, como regra, a responsabilidade baseada na culpa, não havendo, portanto, fundamento legal para se exigir dos
empregadores a reparação dos danos sofridos pelos empregados.47
Embora a Revolução Industrial tenha trazido máquinas e inúmeros outros
processos perigosos, os acidentes do trabalho foram aumentando, na medida em
que não havia experiência na operação de equipamentos industriais, com absoluta
ausência de segurança no trabalho, gerando uma multidão de pessoas doentes,
deficientes e desempregadas, o que, sem dúvida, sobrecarregava em muito o
Estado, por meio dos benefícios previdenciários. Até que a jurisprudência criou a
teoria objetiva do risco, fato que serviu como a “luz no fim do túnel” para todos
aqueles empregados marginalizados pela deficiência ou pela doença.
Para Póvoas, a criação da teoria objetiva do risco trata-se de
[...] uma das maiores manifestações da criatividade humana. É certo que a teoria do seguro orientou todo o movimento previdenciário; no que respeita à questão dos acidentes de trabalho, mesmo antes de existir lei expressa, já os patrões, intimidados pela jurisprudência que se ia processando, recorriam às seguradoras onde faziam contratos de seguros para cobrir a responsabilidade que os tribunais lhes atribuíssem.
48
47
Previdência privada: filosofia, fundamentos técnicos, conceituação jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 50.
48 Ibidem, p. 50-51.
56
Partindo da Constituição Federal de 1937, a primeira prestação, criada pelo
artigo 137, alínea “m”, foram os seguros em decorrência de acidente do trabalho,
sendo eles os seguros de vida, de invalidez e de velhice.
Não nos restam dúvidas de que os acidentes do trabalho foram a causa
principal dessa nova teoria objetiva do risco, que apurava essa nova forma de
responsabilidade civil.
Em consequência disto, e porque não interessava a definição de responsabilidades se não houvesse a certeza de que qualquer que fosse a situação econômica do empregador, o acidentado ou sua família seriam ressarcidos dos danos, foi estabelecido o seguro obrigatório de acidentes de trabalho.
49
Esse seguro obrigatório, nos dias atuais, é realizado por meio de contribuição
denominada Grau de Incidência de Incapacidade Laborativa Decorrente de Riscos
Ambientais de Trabalho (GIIL-RAT), e o seu custeio é realizado exclusivamente pelo
empregador, garantindo ao segurado/empregado buscar o seu pagamento
diretamente do segurador, no caso, o INSS, por se tratar de um seguro público.
Trata-se de uma contribuição previdenciária paga pelo empregador destinada
à Seguridade Social, ou seja, para cobrir custos da Previdência Social com os
trabalhadores vítimas de acidente de trabalho ou doenças ocupacionais.
Sua cobertura resume-se ao pagamento de benefício previdenciário em caso
de acidentes do trabalho, tentando restabelecer o seu equilíbrio financeiro.
O valor pago pelo empregador não corresponde, obviamente, ao salário do
empregado, já que a contribuição de todos os empregadores ao RAT garante a
formação de um fundo único que paga os benefícios acidentários geridos pelo INSS.
Esse seguro obrigatório cobre os riscos ordinários no âmbito dos acidentes do
trabalho. Vejamos a definição de Edson Damasio Mello et al.50 no quadro abaixo:
49
PÓVOAS, Manuel Sebastião Soares. Previdência privada: filosofia, fundamentos técnicos, conceituação jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 50.
50 Alternativas para análise de risco e retorno dos ativos frente às necessidades de reservas atuariais
e cobertura de passivos. Revista Brasileira de Previdência, 3. ed., 2014. Disponível em: <http://www.prev.unifesp.br/index.php/edic/21-tres/38-risco>. Acesso em: 28 jan. 2016.
57
Figura 3 – Cobertura de riscos.
Fonte: Elaborada pela autora.
Só para exemplificar, as ações regressivas são ajuizadas sempre que a
Previdência Social cobrir os riscos extraordinários, portanto, as ações regressivas
são ajuizadas tão somente nos casos dos riscos não cobertos pela contribuição
GIIL-RAT.
Realizando um paralelo do seguro obrigatório com o seguro privado, as
condições dos seguros privados estão previstas no artigo 765 do Código Civil, que
trata da necessidade de o segurado informar ao segurador o objeto e as
circunstâncias da declaração do seguro, garantindo ao segurador a oportunidade de
aceitar ou não aquele seguro. Já no seguro obrigatório público, o segurador não tem
essa oportunidade de aceite, pois “a seguradora acolhe todos os riscos previstos em
lei pelo preço (contribuição previdenciária) fixado em lei, não cabendo uma prévia
análise do caso concreto para posterior decisão acerca da aceitação ou não da
cobertura”.51
51
ZIMMERMANN, Cirlene Luiza. A ação regressiva acidentária como instrumento de tutela do meio ambiente de trabalho. São Paulo: LTr, 2012, p. 126.
• riscos ordinários – seguráveis
Riscos Ordinários
• riscos extraordinários (não seguráveis). Os riscos extraordinários são associados às intempéries da natureza e às guerras. Em princípio, não podem ser segurados e, se o forem, precisam de condições especiais.
Riscos Extraordinários
58
Em razão de o GIIL-RAT ser gerido pela Previdência Social, nos termos do
artigo 201 da Constituição Federal, e não corresponder ao valor efetivamente pago
ao trabalhador a título de benefício acidentário, tratando-se de seguro obrigatório, é
que o empregador não se exime da obrigação de criar um meio ambiente de
trabalho sadio e seguro para os seus empregados, uma vez que o § 10 do artigo 201
da Constituição Federal dispõe:
§ 10. Lei disciplinará a cobertura do risco de acidente do trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo regime geral de previdência social e pelo setor privado.
O empregador que promover os riscos extraordinários no meio ambiente de
trabalho, por negligência na adoção de medidas de saúde e segurança do trabalho,
deve ressarcir a Previdência Social por meio de ação regressiva.
Nesse sentido, Zimmermann sustenta:
O fato é que o mantenedor do ambiente do trabalho deve arcar com as consequências de suas decisões quanto às condições do meio laboral que disponibiliza aos trabalhadores para o exercício de suas atividades, não podendo a mera contribuição ao SAT eximi-lo de qualquer indenização adicional, especialmente por ter restado claro que a compensação obtida pelo trabalhador em razão do seguro é apenas de natureza salarial, muitas vezes nem cobrindo integralmente.
52
Nesse caso, a autora acima citada está se referindo à ação de indenização
por danos morais e materiais em desfavor do empregador perante a Justiça do
Trabalho, bem como ao recebimento de benefício acidentário previdenciário pago
pelo INSS, com o que, de plano, concordamos, já que o benefício servirá para o
pagamento da sequela acidentária, e a indenização perante a Justiça do Trabalho
servirá para compensar todos os danos materiais e morais ao trabalhador
acidentado.
O SAT, atualmente denominado GIIL-RAT, apesar da denominação, não se
identifica com o seguro privado, pois o seu objetivo não é de indenização, mas sim
de garantir uma mínima condição de subsistência ao empregado acidentado.
Na opinião de Zimmermann, cabe
52
A ação regressiva acidentária como instrumento de tutela do meio ambiente de trabalho. São Paulo: LTr, 2012, p. 143.
59
[...] ao mantenedor do ambiente de trabalho, em geral, a empresa, mas nem sempre o empregador, a reparação integral dos danos causados pelo descumprimento das normas de proteção da vida, da saúde e das integridades física e psíquica dos trabalhadores, além do custeio do seguro oficial, importa-lhe pensar na contratação de um seguro privado de responsabilidade civil para suportar tais reparações, de natureza civil, que podem alcançar quantias consideráveis, tanto frente ao trabalhador, como frente à sociedade, que buscará a indenização dos benefícios pagos pela Previdência Social em razão dos infortúnios causados pela negligência dos mantenedores do ambiente laboral por meio do ajuizamento das ações regressivas acidentárias.
53
A solução trazida pela citada autora, ou seja, a contratação de um seguro
privado, parece-nos uma saída para as micro e pequenas empresas, uma vez que a
carga de custos para o empregador pagar o seguro oficial (GIIL-RAT), a indenização
de acidentes do trabalho e, ainda, o regresso da ação ajuizada pelo INSS, além da
carga tributária de ter um empregado, é bastante elevada, e poucas empresas
teriam condições de arcar com tão elevado custo.
Embora existam alíquotas diferenciadas de SAT que levam em consideração
os cadastros da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) no
número de acidentes do trabalho, com a classificação dos riscos em níveis leve,
médio ou grave, ainda assim devemos abordar o assunto com cuidado, pois se trata,
mais uma vez, apenas de estatísticas que interferem na vida do empregador.
Referidas estatísticas procuram oferecer tratamento equânime aos
empregadores, atuando na prevenção de acidentes do trabalho, com o estímulo da
criação de um meio ambiente do trabalho sadio e seguro, e com atuação de justiça
tributária, impondo maiores custos a todos aqueles que respondem pelo maior
número de acidentes.
O problema está relacionado às questões estatísticas, pois algumas
empresas, ainda que exerçam atividades que expõem o trabalhador a alto nível de
risco, são empresas modelo no quesito prevenção de acidentes e redução de
exposição a riscos ocupacionais, estando sujeitas a alíquotas mais altas de SAT em
comparação com a maioria das organizações. Ora, será que esse tratamento
equânime está atuando de forma repressiva nessas empresas-modelo?
O GIIL-RAT visa a cobrir os infortúnios decorrentes de acidentes do trabalho
cujos riscos não podem ser eliminados ou reduzidos em seu grau máximo, apesar
53
A ação regressiva acidentária como instrumento de tutela do meio ambiente de trabalho. São Paulo: LTr, 2012, p. 144.
60
de o empregador adotar todas as medidas para a proteção da saúde e da segurança
do trabalhador, criando um meio ambiente de trabalho salubre. Então, fica
evidenciado que aquele empregador que não adotou as medidas de saúde e
segurança do trabalho na prevenção dos riscos do meio ambiente laboral não possui
cobertura do GIIL-RAT e está sujeito à ação regressiva.
No mesmo sentido, Fernando Maciel elucida:
Com efeito, considerando que os únicos destinatários do SAT, ou seja, os seus “segurados”, são os próprios trabalhadores, resta evidente que os empregadores não estão abrangidos por essa cobertura secundária de natureza pública e social, de modo que o simples fato de cumprirem um dever tributário, no caso o recolhimento da alíquota SAT, não lhes dá o direito de se eximir das responsabilidades advindas de suas condutas dolosas e/ou culposas.
54
Com razão, Zimmermann sustenta que,
Se a contratação obrigatória do SAT pelo empregador, prevista no inciso XXVIII do art. 7º da CF/1988, lhe isentasse do cumprimento do dever de garantir aos trabalhadores o direito de exercerem suas atividades laborais em ambientes seguros e salubres, a redação do inciso XXII do mesmo dispositivo teria sido outra: “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, exceto quando cumprido o disposto do inciso XVIII”. Ora, isso representaria total afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana, além de uma grande incoerência, pois sendo o SAT obrigatório, todos os empregadores estariam desobrigados do dever de atender ao direito de redução dos riscos no MAT. Os direitos sociais elencados no art. 7º da Carta Magna não se excluem nem são de cumprimento ocupacional ou alternativo, mas se complementam, sendo que o efetivo exercício do direito de regresso nos casos em que o dever de segurança é desrespeitado pelo mantenedor do MAT serve para estimular o cumprimento das normas protetivas da saúde e das integridades física e psíquica dos trabalhadores nos ambientes laborais, apesar de não se justificar apenas por isso.
55
Inicialmente, com o advento da Lei nº 7.789, de 3 de julho de 1989, artigo 3º,
inciso II, o SAT era representado por uma alíquota única de 2% que incidia sobre o
total das remunerações pagas ou creditadas no mês aos segurados empregados e
avulsos. Contudo, com o atual Plano de Custeio da Previdência Social, oriundo da
Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, artigo 22, inciso II, o SAT traz uma distinção de
alíquotas. Vejamos:
54
Ações regressivas acidentárias. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 2013, p. 86. 55
A ação regressiva acidentária como instrumento de tutela do meio ambiente de trabalho. São Paulo: LTr, 2012, p. 151-152.
61
Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de: [...] II – para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos: (Redação dada pela Lei nº 9.732, de 1998). a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve; b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio; c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave.
Maciel ressalta a existência do Grau de Incidência da Incapacidade
Laborativa decorrente dos Riscos Ambientais do Trabalho (GIIL-RAT), uma vez que,
Ao considerar o GIIL-RAT de cada atividade econômica, o SAT representa um sistema de tarifação coletiva, que em sua concepção originária muitas vezes poderia acarretar em situações anti-isonômicas. Isso porque, pode ocorrer de duas empresas que desenvolvam a mesma atividade econômica adotarem posturas distintas em matéria de saúde e segurança do trabalho, de modo que aquela que investe na prevenção de acidentes apresentará poucos registros de infortúnios laborais, ao passo que a outra que negligencia o cumprimento de regras básicas de proteção dos trabalhadores poderá apresentar um expressivo histórico de acidentes.
56
Com a edição da Medida Provisória nº 83, de 2002, convertida na Lei nº
10.666, de 8 de maio de 2003, passamos a ter o seguinte cenário:
Art. 10. A alíquota de contribuição de um, dois ou três por cento, destinada ao financiamento do benefício de aposentadoria especial ou daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, poderá ser reduzida, em até cinquenta por cento, ou aumentada, em até cem por cento, conforme dispuser o regulamento, em razão do desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica, apurado em conformidade com os resultados obtidos a partir dos índices de frequência, gravidade e custo, calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social.
Com efeito, foi instituída a possibilidade de majoração ou redução da alíquota
do SAT, atualmente denominado GIIL-RAT, de acordo com o número de acidentes
do trabalho ocorridos na empresa empregadora. Em havendo um grande número de
acidentes, a alíquota será majorada; em havendo um pequeno número de acidentes,
56
Ações regressivas acidentárias. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 2013, p. 91.
62
ou nenhum, a alíquota será reduzida. Assim, encontramos um estímulo à adoção de
medidas de proteção à saúde e à segurança do trabalhador no meio ambiente de
trabalho, de modo que o GIIL-RAT também funciona como meio de política pública
para a redução dos acidentes do trabalho, e não só como justiça tributária.
2.2 Fator Acidentário de Prevenção (FAP)
Por meio da extração de três bases de dados anuais: base de vínculos e base
de estabelecimentos (Datamart CNIS); base de benefícios (Sistema Único de
Benefícios – SUB); e base de dados de Comunicação de Acidentes do Trabalho –
CAT (CATWeb), foi calculado o Fator Acidentário de Prevenção (FAP), que consiste
em um índice multiplicador, que varia de 0,5 a 2,0, e se aplica às alíquotas de 1%,
2% e 3% da tarifação coletiva por CNAE, incidindo sobre a folha de salários das
empresas para o custeio de aposentadorias especiais e benefícios decorrentes de
acidentes do trabalho.
O FAP está previsto no Decreto nº 6.042, de 12 de fevereiro de 2007, cujo
artigo 202-A assim dispõe:
Art. 202-A. As alíquotas constantes nos incisos I a III do art. 202 serão reduzidas em até cinquenta por cento ou aumentadas em até cem por cento, em razão do desempenho da empresa em relação à sua respectiva atividade, aferido pelo Fator Acidentário de Prevenção – FAP. § 1º O FAP consiste num multiplicador variável num intervalo contínuo de cinquenta centésimos (0,50) a dois inteiros (2,00), desprezando-se as demais casas decimais, a ser aplicado à respectiva alíquota. § 2º Para fins da redução ou majoração a que se refere o § 1º, proceder-se-á à discriminação do desempenho da empresa, dentro da respectiva atividade, por distanciamento de coordenadas tridimensionais padronizadas (índices de frequência, gravidade e custo), atribuindo-se o fator máximo dois inteiros (2,00) àquelas empresas cuja soma das coordenadas for igual ou superior a seis inteiros positivos (+6) e o fator mínimo cinquenta centésimos (0,50) àquelas cuja soma resultar inferior ou igual a seis inteiros negativos (-6). § 3º O FAP variará em escala contínua por intermédio de procedimento de interpolação linear simples e será aplicado às empresas cuja soma das coordenadas tridimensionais padronizadas esteja compreendida no intervalo disposto no § 2º, considerando-se como referência o ponto de coordenadas nulas (0; 0; 0), que corresponde ao FAP igual a um inteiro (1,00). § 4º Os índices de frequência, gravidade e custo serão calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social, levando-se em conta: [...]
63
Com variação anual, o FAP terá como base de cálculo sempre os dois últimos
anos de todo o histórico de acidentalidade e de registros da Previdência Social, por
empresa.
Com o método do FAP, conforme as empresas registram maior número de
acidentes ou doenças ocupacionais, pagarão mais. Logo, se registrarem um menor
número de acidentes ou doenças ocupacionais, pagarão menos, podendo até pagar
a metade da alíquota do SAT para os casos de inexistência de acidentes do trabalho
ou doenças ocupacionais.
A metodologia de cálculo do FAP foi aprovada pelo Conselho Nacional de
Previdência Social (CNPS), mediante a Resolução MPS/CNPS nº 1.308, de 27 de
maio de 2009, publicada no Diário Oficial da União (DOU) nº 106, Seção 1, do dia 5
de junho de 2009, e complementada pela Resolução MPS/CNPS nº 1.309, de 24 de
junho de 2009, publicada no DOU nº 127, Seção 1, de 7 de julho de 2009.
Cumpre ressaltar que existe uma tese pela qual o objetivo do FAP seria
individualizar a cobrança do SAT para aumentar a alíquota das empresas que não
estão investindo em métodos preventivos de acidente do trabalho e, ao mesmo
tempo, diminuir a alíquota das empresas que possuem métodos eficientes de
prevenção, uma vez que o SAT tem por fim cobrir os eventos de doença, invalidez,
morte e resultados de acidentes do trabalho, conforme se depreende da análise
conjunta dos artigos 7º, inciso XXVIII, e 201, ambos da Constituição Federal.
Por conseguinte, ocorrendo acidente do trabalho, a empresa terá seu FAP
alterado e majorado de acordo com a sua classificação no ranking das empresas da
mesma CNAE, o que acarretará maiores investimentos em equipamentos e
treinamentos de segurança no ambiente de trabalho, pois uma boa classificação no
ranking pode corresponder a uma diminuição de até metade da alíquota original.
Certamente, o FAP constitui meio de política pública para a diminuição dos
acidentes do trabalho.
Assim, se o índice do FAP é calculado com base no custo dos afastamentos
da Previdência Social, por óbvio a propositura de eventual ação regressiva estaria
exigindo o reembolso de suas despesas em duplicidade, o que ensejará
onerosidade excessiva ao empregador, visto que o INSS busca, pela ação
regressiva, o reembolso de gastos com benefícios concedidos que já estariam sendo
custeados, diga-se, com superávit e, de forma individualizada, com o SAT
multiplicado pelo FAP. É importante ressaltar que o cálculo do FAP enquadra não
64
somente os riscos ordinários cobertos, mas também os riscos extraordinários
cobertos. Por esse motivo, há onerosidade excessiva ao empregador.
Nesse contexto, há inevitável bis in idem, ou duas vezes sobre a mesma
coisa, na exigência do INSS em buscar o ressarcimento de valores que já estão
sendo ressarcidos pelos empregadores por meio do FAP. Inclusive, há recente
acórdão favorável a essa tese do egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região
nos autos da Apelação Cível nº 0003340-34.2012.4.03.6103. No entanto, essa seria
apenas mais uma tese, e não faz parte do argumento de nosso estudo.
65
3 ARGUMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO ÂMBITO DAS AÇÕES
REGRESSIVAS
Como fator determinante desta tese, o qual também representa um divisor de
águas, é neste momento em que encontramos a fusão do Direito Público com o
Direito Privado, ou seja, a aliança do Direito Civil com o Direito Previdenciário.
Nas lições de Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka,
A responsabilidade civil – conforme se encontra em nossos códigos hoje, e na qualidade de conceito jurídico consistente – tem uma história muito curta, mas intensa, atravessada, nestes dois últimos séculos, por uma polêmica crescente que determinou para o instituto uma história que vai da concepção protocolar de uma noção de dever civil à definição mais clara da liberdade ou das obrigações do cidadão e da sociedade no Estado contemporâneo e nas sociedades industrializadas.
57
Partindo da premissa de liberdade ou das obrigações do cidadão e da
sociedade no Estado contemporâneo e nas sociedades industrializadas, temos a
figura da obrigação de segurança e prevenção dos acidentes do trabalho na
sociedade industrializada, sob pena de ajuizamento de ação regressiva.
A função de ressarcimento das ações regressivas, já mencionada, é parte do
ordenamento jurídico pátrio, especialmente em nosso Código Civil, no capítulo da
Responsabilidade Civil, o que não deixa dúvidas sobre a natureza indenizatória do
instituto da ação regressiva.
Enquanto o Direito Privado estava aniquilado à esfera patrimonial e o Direito
Público visava a atender aos interesses da coletividade, e ambos não se fundiam, o
ordenamento jurídico não era visto como um sistema único. Parecia-nos que Direito
Público e Direito Privado estavam em planetas distintos. Contudo,
A unidade do fenômeno social e do ordenamento jurídico exige o estudo de cada instituto nos seus aspectos ditos privatísticos e publicistas. Resolve-se a rígida distinção entre direito privado e direito público na natureza privada ou pública, ora do sujeito titular dos interesses, ora dos próprios interesses. Todavia, se em uma sociedade com uma nítida distinção entre liberdade do privado e autoridade do Estado é possível distinguir a esfera do interesse dos particulares daquela do interesse público, em uma sociedade como a atual, torna-se árdua, se não impossível, individuar um interesse privado
57
Responsabilidade pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 29.
66
que seja completamente autônomo, independente, isolado do interesse chamado público.
58
Desde a concepção da constitucionalização do Direito Civil, já era possível
constatar essa inter-relação do Direito Privado com o Direito Público, pois inúmeros
princípios e regras,
[...] ditados para os particulares, têm relevo geral e refletem os próprios efeitos para além da esfera individual, incidindo sobre a saúde, sobre o meio ambiente, sobre as condições de trabalho, sobre a segurança do comércio e do consumo, sobre a habitação.
59
No entanto, essa inter-relação será mais bem delineada no capítulo 5 desta
tese.
No caso da ação regressiva, estamos diante de efeitos que repercutem para
além da esfera individual do empregador e incidem sobre o meio ambiente do
trabalho, a saúde e a segurança dos empregados, e sobre o ressarcimento do
sistema previdenciário. Com isso, temos a figura da responsabilidade civil (privado)
atuando como mecanismo de política pública (coletivo).
A natureza jurídica da ação regressiva é trazida por Miguel Horvath Júnior:
A ação regressiva tem natureza indenizatória, visando reparar o dano causado pelo empregador ou por terceiro. A ação é de direito comum. Lembrando-nos que a Justiça Comum abrange tanto a Justiça Federal quanto as Justiças Ordinárias dos Estados. O direito de regresso do INSS é direito próprio, independentemente de o trabalhador ter ajuizado ação de indenização contra o empregador causador do acidente do trabalho. Não sendo possível compensar a verba recebida na ação acidentária com a devida na ação civil, pois as verbas têm naturezas distintas. As indenizações são autônomas e cumuláveis.
60
Na responsabilidade civil, devem estar presentes o agente causador do dano,
o dano e a vítima do dano, em uma relação de causalidade, a natureza indenizatória
das ações regressivas advém da condição de vítima do INSS, que suporta um dano,
custeando benefício previdenciário a segurado ou dependentes em razão de ilícito
praticado pelo empregador. Nesse sentido, leciona Fernando Maciel:
58
PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Trad. Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 143-144.
59 Idem, ibidem, p. 145.
60 Direito previdenciário. 9. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 609.
67
No caso das ARAs, o fundamento da pretensão ressarcitória decorre da condição de vítima do INSS, o qual, por suportar um dano causado por ato ilícito praticado por outrem, busca o Poder Judiciário a fim de obter a devida reparação, o que faz com fundamento numa relação de responsabilidade civil qualificada por fundamentos ligados ao Direito do Trabalho e Ambiental.
61
Quanto ao caráter ressarcitório das ações regressivas, os valores a serem
reparados objetivam somente a restauração do prejuízo, conforme dispõe o artigo
944 do Código Civil:
Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.
Por essa razão, a indenização estará limitada à exata extensão do dano, sob
pena de contrariar a disposição legal acima referida, razão pela qual também fica
inviável a apuração do dano por meio de cálculos atuariais.
3.1 Função da responsabilidade civil nas ações regressivas
As ações regressivas constituem meio de política pública que visa a garantir a
saúde e a integridade física do trabalhador, como forma de punição e prevenção a
acidentes do trabalho. Mas existe, ainda, a função ressarcitória, que merece maiores
esclarecimentos.
A ação regressiva também tem natureza de reparação de prejuízos, que
consiste em restabelecer os prejuízos financeiros por toda a sociedade, uma vez
que os valores que compõem esse fundo trata-se de contribuições previdenciárias
realizadas por toda a sociedade, e qualquer prejuízo que sofra esse fundo trata-se
de prejuízo para toda a sociedade.
Quando a empresa arca com o GIIL-RAT, tem a cobertura dos riscos
ordinários. Os riscos extraordinários, por sua vez, não recebem cobertura e, por
essa razão, é cabível o ajuizamento de ação regressiva acidentária por ocasião de
um risco extraordinário causado pela negligência do empregador.
Para Maciel,
61
Ações regressivas acidentárias. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 2013, p. 64.
68
[...] por pressupor a ocorrência de uma conduta culposa, um dano e o nexo causal de ambos, a conjugação desses elementos permite concluir que a ARA possui embasamento num dever de responsabilidade civil. Com efeito, esse instituto jurídico deve oferecer o suporte dogmático para a identificação dos objetivos perseguidos pelo INSS nessas demandas ressarcitórias.
62
Sob esse viés ressarcitório, enxergamos uma finalidade de sanção, que se
apresenta
[...] como qualquer reação do ordenamento jurídico a uma violação da lei ou de uma disposição negocial, tutelando o interesse público a coexistência social, com objetividade e imparcialidade. Este conceito remete a duas conclusões: (a) a potestade de sancionar reservada ao Estado não exclui a possibilidade de imposição de sanções privadas; (b) em sentido contrário ao que se aqui defende, alguns autores negam que as medidas reparatórias sejam qualificadas como sanções, reconhecendo a adequação do vocábulo somente para as medidas punitivas que apresentam caráter aflitivo.
63
A sanção trazida pelas ações regressivas consiste em determinar o
restabelecimento dos cofres públicos em razão dos valores gastos com a concessão
de benefícios previdenciários originados pela negligência dos empregadores em
oferecer segurança e saúde no meio ambiente do trabalho. Importante esclarecer
que a sanção não é sobre a atividade de risco, mas sobre os efeitos danosos da
referida atividade.
Pensar nas ações regressivas no contexto meramente reparatório é
desconsiderar toda a
[...] já contextualizada alteração paradigmática do direito civil, como sistema que não pode mais ser caracterizado com mero regulador de relações interindividuais, posto a proteção exclusiva de posições jurídicas subjetivas singulares. Ao contrário, a sanção civil punitiva é uma demonstração de que, pela potestade dos privados, o direito civil pode ser chamado a realizar tarefas de proteção a interesses difusos e coletivos, transcendendo as esferas individuais.
64
Por essa razão, insistimos na função dúplice das ações regressivas, que
funcionam como meio de política pública e também como instrumento de reparação
de prejuízos. Nesse sentido, Nelson Rosenvald esclarece:
62
Ações regressivas acidentárias. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 2013, p. 36. 63
ROSENVALD, Nelson. As funções da responsabilidade civil: a reparação e a pena civil. São Paulo: Atlas, 2013, p. 23.
64 Idem, ibidem, p. 29.
69
Esta equivocada definição de ressarcimento como a única sanção de ilícito guarda profundas raízes no processo histórico que originou a moderna responsabilidade civil. Ou seja, o ressarcimento pelo equivalente seria a única forma geral de tutela civil. Porém, o quadro de tutelas civis é bem mais complexo, sendo certo que o par dano-indenização serve apenas para diferenciar a tutela ressarcitória das outras formas de tutela postas pelo ordenamento para a proteção dos interesses dos particulares.
65
Com base nas lições de Rosenvald, que divide a sanção na responsabilidade
civil em três formas de tutela,66 construímos a Figura 4:
Figura 4 – Formas de tutela na responsabilidade civil.
Fonte: Elaborada pela autora.
No caso das ações regressivas, estamos diante de uma tutela ressarcitória,
visto que a recompensa é restabelecer os cofres da Previdência Social, ou seja,
compensar a Previdência Social pelo prejuízo econômico sofrido. Contudo, é
oportuno destacar que a tutela ressarcitória irá reparar os danos aos cofres da
Previdência Social, mas não irá reparar os danos da sociedade de ter um
trabalhador a menos, ou um trabalhador doente. Ou ainda, sob outro aspecto, não
irá reparar os danos empresariais de ter uma filial fechada em razão do grande
65
As funções da responsabilidade civil: a reparação e a pena civil. São Paulo: Atlas, 2013, p. 33. 66
Ibidem, p. 67.
Restituitória
• Volta-se a reconstituir as condições em que se encontrava o titular do
interesse antes da violação, como
exigência de uma repristinação ao status
quo ante. Por objetivar a restauração de uma situação atingida por uma lesão, apresenta
uma vocação de satisfação in natura.
Ressarcitória
• Objetiva compensar o lesado pelo prejuízo
econômico sofrido. Esta tutela poderá possuir caráter subsidiário em relação à restituitória, onde a última não seja viável, ou mesmo se
colocar em relação de complementaridade,
quando a restauração da situação originária
não elimine por completo o desequilíbrio econômico sofrido pela
vítima.
Satisfativa
• A tutela civil pode não se voltar à repristinação de uma dada estrutura de interesse, seja pela
via restituitória ou ressarcitória, mas, sobremaneira, à
satisfação in natura de uma posição subjetiva
que restou inatuada, ou defeituosamente atuada
(v.g., uma prestação negociável). Neste caso,
a tutela é satisfativa, uma resposta solidarista
ao modelo liberal-individualista da
incoercibilidade das obrigações de fazer.
70
buraco econômico que a empresa sofreu. Nesse sentido, Rosenvald assim se
posiciona:
[...] pode-se dizer que a tutela ressarcitória intervém para reparar consequências e efeitos de comportamentos ilícitos, mas não se afirma como instrumento de recomposição da ordem jurídica violada. O pagamento de uma quantia à vítima poderá reconstituir um valor material, mas não se preordena à tutela o fundamento ético do ordenamento jurídico.
67
A partir da leitura do artigo 120 da Lei nº 8.213/91, temos a impressão de que
o único objetivo da ação regressiva é a restauração dos cofres da Previdência Social
na recomposição dos valores gastos com benefícios acidentários, contudo, como
dito alhures, as ações regressivas não possuem viés unicamente ressarcitório.
É importante observar, como já apontado linhas atrás, que as ações
regressivas decorrentes de acidente de trânsito ou violência doméstica,
especialmente aqueles casos de violência doméstica que causam lesão corporal na
modalidade dolosa, embora não estejam em consonância com a legislação – e sob o
nosso ponto de vista são situações que impedem o ajuizamento de ações
regressivas por absoluta ausência de previsão legal, pois esse tipo de ação está
disciplinado por Portaria e, evidentemente, Portaria não é Lei –, possuem caráter
nitidamente social, uma vez que os agressores, em geral pessoas de baixa renda,
com pouca ou nenhuma escolaridade, não estão em condições de suportar o ônus
do ressarcimento.
Assim, com a existência desses novos tipos de ações regressivas,
percebemos nitidamente que tais pleitos exercem, sobretudo, uma função muito
mais social do que ressarcitória. Trata-se de política pública na prevenção de
acidentes de trânsito, violência doméstica, alcoolismo etc.
Mas, aqui, nesta subseção, trataremos especialmente da função ressarcitória,
que se apresenta na forma de prejuízo causado pela existência de uma conduta
dolosa ou culposa, do dano e do nexo causal.
Horvath Júnior afirma que
A responsabilidade civil que fundamenta a ação regressiva surge em virtude do não cumprimento (omissivo ou comissivo) das normas de prevenção, caracterizando o ato ilícito (aquele praticado em desacordo com a norma jurídica destinada a proteger interesses alheios; é o que viola o direito
67
As funções da responsabilidade civil: a reparação e a pena civil. São Paulo: Atlas, 2013, p. 68.
71
subjetivo individual causando prejuízo a outrem, criando o dever de reparar tal lesão).
68
Em decorrência da aplicação do instituto da responsabilidade civil às ações
regressivas, estão presentes também as funções de ressarcimento, punitiva e
preventiva. A função de ressarcimento possui caráter nitidamente patrimonial; a
função punitiva possui caráter nitidamente pedagógico; e a função preventiva tem
por objeto garantir a proteção da saúde e a segurança do trabalhador, oferecendo
um meio ambiente de trabalho sadio e sem riscos.
3.2 Responsabilidade subjetiva decorrente de conduta culposa
Partindo da premissa de que o artigo 120 da Lei nº 8.213/91 expressamente
menciona a negligência do empregador, estamos diante da responsabilidade civil em
decorrência de culpa.
José de Aguiar Dias sustenta que
A culpa, genericamente entendida, é, pois, fundo animador do ato ilícito, da injúria, ofensa ou má conduta imputável. Nessa figura, encontram-se dois elementos: o objetivo expressado na iliceidade, e o subjetivo, do mau procedimento imputável. A conduta reprovável, por sua parte, compreende duas projeções: o dolo, no qual se identifica a vontade direta de prejudicar, configura a culpa no sentido amplo; e a simples negligência (negligentia, imprudentia, ignavia) em relação ao direito alheio, que vem a ser a culpa no sentido restrito e rigorosamente técnico.
69
Quando pensamos em ação regressiva, estamos diante de uma conduta
reprovável do empregador, que, embora não tenha a vontade direta de prejudicar,
pratica a simples negligência, quando deixa de cumprir as normas de saúde e
segurança do trabalho.
Com razão, Miguel Horvath Júnior leciona que “a responsabilidade no caso é
subjetiva, ou seja, para sua caracterização é necessária a comprovação da culpa ou
dolo do empregador. A responsabilidade civil subjetiva tem como seu fato gerador o
ilícito”.70
68
Direito previdenciário. 9. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 609. 69
Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1944, p. 119. 70
Ação regressiva em ação acidentária. Revista de Direito Social, n. 7, p. 35, 2002.
72
Sempre que a culpa pode ter consequências, ela passa a ser chamada de ato
ilícito, que pode ou não ter como resultado o dano. No caso das ações de regresso,
já foi verificada a existência da culpa do empregador, negligente em adotar as
medidas de saúde e segurança do trabalho, e o dano constitui o acidente do
trabalho.
Para melhor elucidar essa questão da culpa no âmbito das ações regressivas,
René Savatier define:
A culpa (fraute) é a inexecução de um dever que o agente podia conhecer e observar. Se efetivamente o conhecia e deliberadamente o violou, ocorre o delito civil ou, em matéria de contrato, o dolo contratual. Se a violação do dever, podendo ser conhecida e evitada, é involuntária, constitui a culpa simples, chamada, fora da matéria contratual, de quase delito.
71
Giselda Hironaka bem anota o modo como a jurisprudência italiana recebeu e
aplicou esse dispositivo:
Ao que parece, os aplicadores da nova lei, sempre exageradamente apegados à concepção tradicional pas de responsabilité san faute, deduziram, pela interpretação quiçá tacanha das discussões preparatórias do novo Código, que o dever de diligência incumbido ao agente e expresso por meio de uma presunção juris tantum estendia-se também à culpa levíssima. Deste modo, não podia, o imputado, exonerar-se da responsabilidade que fosse estabelecida a respeito de um determinado grau de diligência, uma vez que esta determinação não levava em conta a mera prudência ou diligência do homem médio mas sim, tomava como paradigma o perfil de um indivíduo rigorosamente meticuloso, extremamente competente e de uma virtude exemplar, que é capaz de prever quais os danos resultantes de sua atividade perigosa, pelo fato de muito bem conhecê-la e pelo fato de ter aplicado, por isso mesmo todas as precauções possíveis.
72
Assim decidindo, os Tribunais estariam criando uma condição equivalente à
responsabilização objetiva, que não foi a intenção do Código.73
Cumpre ressaltar o momento de revisão da culpa como fundamento da
responsabilidade civil, exatamente para melhor delimitar os papéis por ela e pelo
71
Apud HORVATH JÚNIOR, Miguel. Ação regressiva em ação acidentária. Revista de Direito Social, n. 7, p. 121, 2002.
72 MOURA, Cristina Angélica de Oliveira Rodrigues. Responsabilidade civil nas atividades perigosas: o paradigma do Código Civil italiano e o novo Código Civil brasileiro. In: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes; FALAVIGNA, Maria Clara Osuna Diaz (coords.). Ensaios sobre responsabilidade civil na pós-modernidade. Porto Alegre: Magister, 2007, p. 62.
73 Idem, ibidem.
73
risco desempenhados, por meio de duas etapas, referentes ao percurso que vai do
fato danoso até a reparação:
A primeira das etapas mencionadas refere-se ao “fato gerador” da responsabilidade, isto é, aquele que, sendo a causa do dano, estabelece o direito à reparação da vítima. A segunda consiste em designar a pessoa que deverá responder pelo dano causado, quando então serão indicados os fundamentos dessa “designação do responsável”.
74
Em relação às etapas, Giselda Horinaka esclarece que “quanto à primeira das
etapas, é certo, indubitavelmente, que a culpa pode ser a força motriz do surgimento
da responsabilidade”, e, no tocante à segunda etapa,
A culpa se desdobrará nesse seu papel de geratriz do dever de indenizar para se plantar como fundamento da própria designação do responsável, isto é, do titular do dever de indenizar ou reparar. Sob esse duplo papel, instala-se para o elemento culpa esse perfil ambíguo ou bipartido de ser, há um tempo, fonte e fundamento na ambiência da responsabilidade civil. Normalmente há coincidência entre o agente do dano, que se houve com conduta culposa, e a pessoa do indenizador ou responsável.
75
Quanto à prova da culpa, Teresa Ancona Lopez destaca que,
Na responsabilidade fundada na culpa (“lato sensu”) cabe à vítima do dano provar o fato, a culpa, o nexo causal e o dano. Mesmo nas presunções de culpa, nas quais há inversão do ônus da prova, o causador do dano deve provar sua não culpa, e conseguindo, se livrará da indenização. Claro que também poderá usar uma das excludentes clássicas, a saber, a culpa exclusiva ou concorrente da vítima, o caso fortuito ou de força maior (que para a teoria da culpa são idênticas, o que não são para a teoria do risco), fato de terceiros, estado de necessidade, legítima defesa. Enfim, há uma certa fartura de excludentes.
76
No caso das ações regressivas, a prova da negligência do empregador no
cumprimento das normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas para
a proteção individual e coletiva é da Previdência Social, que deverá demonstrar a
negligência do empregador.
74
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 151.
75 Idem, ibidem, p. 152.
76 Nexo causal e produtos potencialmente nocivos: a experiência brasileira do tabaco. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 37.
74
Marta Gueller77 traz alguns documentos indispensáveis para a realização da
prova da culpa do empregador. Vejamos:
a) Cópia do(s) processo(s) administrativo(s) de benefício(s) à disposição do INSS nas Agências da Previdência Social; b) Informações fornecidas pelo Ministério Público Estadual e Delegacias de Polícia sobre eventuais ações penais ou inquéritos policiais decorrentes de acidentes de trabalho; c) Informações fornecidas pelo Ministério Público do Trabalho sobre procedimentos investigatórios, Termos de Ajustamento de Conduta e possível Ação Civil Pública aforada contra a empresa empregadora, em razão do acidente a que se refere ou outros acidentes fatais de natureza similar, com o objetivo de carrear elementos de convicção e/ou extrair eventual prova emprestada; d) Informações aos cartórios e secretarias da Justiça Estadual e Justiça do Trabalho, sobre eventuais ações de indenização movidas pelos segurados ou seus dependentes.
No que tange ao nexo causal, a Previdência Social deverá provar a culpa,
“pois provada a culpa do empregador, automaticamente estará provada a relação de
causalidade. Não provada a culpa (ou atuando alguma excludente) não haverá nexo
possível. Quase que são a mesma coisa”.78
Teresa Ancona Lopez leciona que
Tecnicamente, portanto, nexo causal e culpa não se confundem. O primeiro é um elemento objetivo, que diz respeito aos fatos e a todos os fatos externos do dano. A culpa é interna, relativa ao sujeito e à sua conduta. À culpa é ligada a noção de imputabilidade.
79
No caso das ações regressivas, o empregador deve, sobretudo, conhecer e
violar as normas de saúde e segurança do trabalho para que se concretize o dolo
contratual. Em outras situações, temos a culpa involuntária do empregador, que,
infelizmente, não conseguiu prever o risco que culminou em acidente do trabalho;
estamos diante da culpa simples.
Como elemento objetivo da culpa, temos o dever violado, e como elemento
subjetivo, temos a imputabilidade do agente.
77
Danos ao trabalhador decorrentes do ambiente de trabalho: preservação da saúde do trabalhador, financiamento dos benefícios previdenciários, riscos no ambiente de trabalho. São Paulo: Edipro, 2012, p. 232.
78 Ibidem.
79 Nexo causal e produtos potencialmente nocivos: a experiência brasileira do tabaco. São Paulo: Quartier Latin, 2008 (grifo da autora).
75
A culpa em sentido estrito pode ser entendida como “a omissão do cuidado
exigido na vida dos negócios, pela aplicação do qual seria possível evitar o resultado
ilícito, não pretendido, entretanto, pelo agente, ou a omissão de aplicação da
quantidade suficiente de energia psíquica”.80 Essa omissão do cuidado no meio
ambiente do trabalho corresponde à negligência do empregador em adotar as
medidas protetivas de saúde e segurança do trabalhador.
Se pensarmos em sentido amplo, a culpa consiste em toda a falta a um dever
jurídico. Valendo-nos das lições de Francesco Carrara, “a culpa é a omissão
voluntária de diligência no cálculo das consequências possíveis e previsíveis”.81 No
entanto, questionamos: e se as consequências forem possíveis, mas imprevisíveis?
Certamente, ausente a previsibilidade, ausente a culpa.
Exemplificando para o objeto da nossa pesquisa, se o empregador não puder
prever a ocorrência daquele determinado acidente do trabalho, estaremos diante de
caso fortuito ou força maior, que são excludentes de ilicitude, fato que levará à
inevitável improcedência da ação regressiva.
Torna-se relevante frisar o aspecto tautológico sempre que definimos a culpa
como ato ilícito. Essa definição não traz significação alguma e, segundo Dias, é
[...] um tanto mais perigosa, porque pode fazer crer que aquele que age conforme a uma obrigação legal ou regulamentar não pode jamais incidir em responsabilidade, o que é erro evidente. Quando o legislador ou a autoridade competente traçam uma regulamentação, pretendem, o mais das vezes, tão somente impor algumas medidas de prudência, sem, no entanto, dispensar outras que se tornem necessárias.
82
Nas ações regressivas, temos a exata dimensão do que a norma traz a título
de prevenção de riscos no meio ambiente do trabalho, contudo, evidentemente, o
empregador não está dispensado de adotar outras medidas que não estejam
convencionadas em norma jurídica expressa, a fim de prevenir os riscos
ocupacionais.
Importante trazer aqui a definição de Marcel Planiol, que considera a culpa
como “infração a uma obrigação preexistente”.83 Todavia, parece-nos que referido
conceito também preenche a lacuna da responsabilidade na ação regressiva, uma
80
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1944, p. 122. 81
Idem, ibidem, p. 123. 82
Idem, ibidem, p. 125-126. 83
Idem, ibidem, p. 128.
76
vez que o empregador só será condenado a ressarcir os cofres da Previdência
Social quando infringir uma obrigação preexistente, ou seja, o dever de ser diligente
na prevenção dos riscos do meio ambiente do trabalho, conforme previsto no artigo
157 da Consolidação das Leis do Trabalho.
Ora, se o empregador tem o dever de adotar todas as medidas de prevenção
de riscos no meio ambiente do trabalho, adquire equipamentos de proteção
individual (EPIs), entregando-os aos empregados para a devida utilização, e um dos
empregados se recusa a utilizá-los, estaria o empregador isento de responsabilidade
em caso de acidente do trabalho? É claro que não, pois apesar da expressa
previsão legal do artigo 157 da Consolidação das Leis do Trabalho,
[...] a culpa é falta de diligência na observância da norma de conduta, isto é, o desprezo, por parte do agente, do esforço necessário para observá-la, com resultado, não objetivado, mas previsível, desde que o agente detivesse na consideração das consequências eventuais de sua atitude.
84
Evidentemente, o empregador deveria tomar todas as medidas necessárias
para conter a imprudência do empregado, inclusive com a adoção de medidas
extremas em desfavor deste, como a dispensa por justa causa.
Cabe ressaltar que a culpa é consubstanciada pela falta de diligência, falta de
prevenção, falta de cuidado. Embora o dispositivo legal do artigo 120 da Lei nº
8.213/91 aqui em estudo se refira tão somente à negligência, entendemos que, pela
natureza do instituto, também estão compreendidas a imprudência e a imperícia do
empregador, pois não estamos necessariamente falando de negligência, estamos
falando de culpa.
Dias aponta que “negligência se relaciona, principalmente, com desídia;
imprudência é conceito ligado, antes que a qualquer outro, ao de temeridade;
imperícia é, originariamente, a falta de habilidade”. 85 Com efeito, no âmbito da
responsabilidade civil, talvez encontremos a figura da negligência revestida de
imprevisão, a da imprudência forrada de negligência, ou mesmo a da imperícia
traçada como negligência.
Vale observar que a culpa encontrada nas ações regressivas é sempre
contratual, já que decorre da existência do contrato de trabalho entre empregador e
84
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1944, p. 135. 85
Idem, ibidem, p. 136.
77
empregado ou de terceirização. Entendemos que a terceirização de serviços
também possui natureza contratual, uma vez que tem como base um contrato
estabelecido entre a tomadora e a empregadora. A culpa contratual, assim, se
estabelece em terreno mais bem definido e limitado, e consiste, segundo Savatier,
cuja lição nos parece correta, “na inexecução previsível e evitável, por uma parte ou
seus sucessores, de obrigação nascida de contrato prejudicial à outra parte ou seus
sucessores”.86
A responsabilidade civil objetiva, ou seja, independente de culpa, não se
aplica às ações regressivas, inclusive quando a atividade desenvolvida for
considerada de risco, uma vez que o artigo 120 da Lei nº 8.213/91 não traz nenhuma
consideração acerca dela. Assim, resta-nos concluir que a responsabilidade objetiva
não se presta a respaldar juridicamente as ações regressivas.
Ora, mas se as ações regressivas se fundam na responsabilidade civil, por
qual motivo não aplicarmos as modalidades objetiva e subjetiva? Sob o nosso ponto
de vista, as atividades de risco, conforme já salientado alhures, são de
responsabilidade do GIIL-RAT, e não devem ser objeto de ação regressiva, pois se
trata dos riscos ordinários, já cobertos pela Previdência Social. Por isso, o legislador
não incluiu no artigo 120 da Lei nº 8.213/91 a possibilidade de ajuizamento de ações
regressivas para os casos de responsabilidade objetiva.
Alguns autores entendem que, com o Código Civil de 2002, a necessidade da
comprovação da negligência do empregador teria sido superada, pois o diploma traz
disposição expressa sobre a responsabilidade objetiva sempre que a atividade
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de
outrem. Contudo, o artigo 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
(LINDB) – Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 – assim dispõe:
Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. [...] § 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
Com o referido dispositivo, o critério da especialidade da norma resolve essa
questão, uma vez que, de acordo com esse critério, se, dentre as normas
86
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1944, p. 148.
78
incompatíveis, uma for geral e a outra especial, prevalece a segunda. Então,
considerando que a norma especial, Lei nº 8.213/91, não menciona expressamente
a possibilidade de ajuizamento de ação regressiva independentemente de
negligência do empregador, a norma geral, Código Civil de 2002, não se presta a
resolver essa questão, ante a existência de norma especial.
Em caso de dolo, estaria o empregador obrigado a ressarcir os cofres da
Previdência Social? Evidente que sim, uma vez que, embora o artigo 120 da Lei nº
8.213/91 traga expressamente a negligência como fundamento do dever de
ressarcimento, o que nos leva à interpretação da conduta culposa, não restam
dúvidas de que a conduta dolosa do empregador também será objeto de
ressarcimento, pois pouco importa se houve negligência com ou sem intenção.
É oportuno esclarecer que os deveres do empregador quanto à prevenção de
riscos ocupacionais e ambientais não estão presentes somente em leis, constando
também de acordos e convenções coletivas, pois, segundo o artigo 120 da Lei nº
8.213/91, o empregador não deve ser negligente quanto às normas padrão de
segurança e higiene do trabalho, e nessas normas estão também compreendidos os
acordos e as convenções coletivas, por possuírem caráter normativo nos termos do
artigo 611 da Consolidação das Leis do Trabalho.
Nesse sentido, Maciel enfatiza a validade dos acordos e das convenções
coletivas, lecionando:
Conclui-se que a culpabilidade dos empregadores apresenta um caráter ilícito, portanto resulta da inobservância de um dever de conduta previsto expressamente em lei, ou então em pactos plurilaterais dotados de caráter normativo, a exemplo dos acordos e das convenções coletivas de trabalho.
87
Assim, não é preciso que o empregador descumpra uma lei para ser
considerado negligente. Basta que ele descumpra uma convenção coletiva ou um
acordo coletivo quanto a normas de saúde e segurança do trabalho para ser alvo de
ação regressiva, ante o caráter normativo dos referidos instrumentos.
87
Ações regressivas acidentárias. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 2013, p. 34.
79
3.3 Dever de cuidado, previsão e previsibilidade
Teresa Ancona Lopez sustenta que,
Ao julgar-se com apoio na culpa, os elementos pessoais vão ter um peso enorme e, apesar da responsabilidade extracontratual usar de critérios da “culpa in abstracto”, ou seja, do homem médio, as características individuais de imputabilidade têm sempre que ser consideradas. Finalmente, para a formação do nexo causal no sistema subjetivo de responsabilidade, leva-se em consideração a previsibilidade e a evitabilidade possíveis do evento danoso, caso contrário, não se forma o vínculo de causalidade, porquanto se o fato não for imprevisível ou inevitável, conforme o discernimento do homem médio, não se fala de culpa, mas sim de causa externa exonerativa.
88
Ao tratarmos das questões relativas ao dever de cuidado, previsão e
previsibilidade no âmbito das ações regressivas, nossa preocupação foi de
demonstrar de que maneira o empregador deveria tomar algumas medidas com a
finalidade de diminuir ou eliminar os riscos no meio ambiente do trabalho para a
formação do vínculo de causalidade.
Em sentido inverso, considerando que muitos acidentes possuem como causa
o ato culposo do próprio empregado, este também tem o dever de cuidado, previsão
e previsibilidade. Aliás, o empregado que concorre para a existência do risco
obviamente deixou de empregar o dever de cuidado, previsão e previsibilidade.
Partindo da premissa de que não existe atividade humana isenta de riscos,
deve-se observar se o empregador empregou o dever de cuidado, previsão e
previsibilidade, e só então se apura a causalidade, que gera o dever do empregador
de reparar o dano e é justamente essa criação do risco em decorrência de fonte de
lucro, ou exigência de comodidade e conforto.89
Nesse sentido, cabe citar as palavras de Afranio Lyra:
A criação de um risco necessário não basta para que se tenha o seu criador como culpado de coisa alguma. Quem instala uma indústria, quem se entrega a uma atividade lucrativa lícita, não age culposamente se cuida de cercar o seu empreendimento de todas as garantias humanamente possíveis para evitar a produção de danos.
90
88
Nexo causal e produtos potencialmente nocivos: a experiência brasileira do tabaco. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 38.
89 Responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Livraria Jurid Vellenich, 1979, p. 82-83.
90 Ibidem, p. 83-84.
80
Assim, esse dever de cuidado, previsão e previsibilidade está presente nos
dizeres de Afranio Lyra, configurando uma excludente de responsabilidade do
empregador. A excludente de responsabilidade, quando o empregador adota o dever
de cuidado, previsão e previsibilidade, dá-se em razão da ausência do vínculo de
causalidade. E tal medida aplica-se também ao empregado que, na tentativa de não
produzir danos, age com o seu dever de cuidado, previsão e previsibilidade.
No dever de cuidado, o empregado, ou o empregador, atua em desacordo
com o que é esperado pela lei e pela sociedade, agindo com imprudência,
negligência e imperícia. Na previsão, o empregado, ou o empregador, está ciente do
perigo, ou seja, ele tem conhecimento do perigo; e na previsibilidade, está presente
a possibilidade de o empregado, ou o empregador, conhecer o perigo, há uma
situação incerta.
O dever do empregador de fiscalizar o uso dos equipamentos de proteção
individual trata-se do dever de cuidado, previsto no artigo 7º, inciso XXII, da
Constituição Federal de 1988, que impõe como obrigação do empregador reduzir
os riscos inerentes ao trabalho, e, entre as providências nesse sentido, está o
fornecimento de EPIs e a garantia de utilização por parte do empregado, mediante
fiscalização da empregadora.
Para exemplificar, se o empregado, mesmo sabendo que, para subir em um
prédio de dez andares, deve estar com um cinto de segurança preso em seu corpo,
resolve subir sem o equipamento, estará infringindo o seu dever de cuidado. Se
subir no prédio com o cinto atado e, ao chegar ao topo, o desata, ele age infringindo
o seu dever de previsão, pois estava ciente da obrigatoriedade do equipamento e
dos riscos que sofreria em caso de desate. E, se o empregado subir no prédio
utilizando o cinto, e, ao chegar ao topo, um colega de trabalho que estava de costas,
segurando um material pesado, não o vê e esbarra nele, arremessando-o da altura
de dez andares, neste caso está ausente o dever de previsibilidade, pois o
empregado, apesar de conhecer o perigo de cair – por isso utilizava cinto –, não
imaginava que efetivamente cairia.
Nos dizeres de Sergio Cavalieri Filho, “previsto é o resultado que foi
representado, mentalmente antevisto”. Para o referido autor,
Não sendo previsto, o resultado terá que, pelo menos ser previsível, sendo este o limite mínimo da culpa – a previsibilidade, entendendo-se como tal a possibilidade de previsão. Embora não previsto, não antevisto, não
81
representado mentalmente, o resultado poderia ter sido previsto e, consequentemente, evitado.
91
Invertendo as situações, no caso do empregador, se ele toma todas as
medidas de saúde e segurança no meio ambiente do trabalho, bem como todas as
medidas que evitam a exposição do empregado ao risco, e ainda assim o dano
ocorre, não responderá por culpa, pois não agiu com negligência, imprudência ou
imperícia. Possivelmente, esse dano advém de um risco criado, que consiste no
risco proveito que está fundado no princípio ubi emolumentum ibi onus, o qual se
traduz na responsabilidade, daquele que tira proveito ou vantagem do fato causador
do dano, de repará-lo. No risco criado ou proveito, se a atividade econômica
desenvolvida gera riqueza ao seu empreendedor e a possibilidade de dano a quem
executa o serviço, nada mais justo que, no caso de dano, ainda que ausente a culpa
ou o dolo, haja responsabilidade pelos danos ocasionados da exploração de uma
atividade. Portanto, quem cria riscos potenciais de dano para os outros deve
suportar os ônus correspondentes, e o risco criado, em razão de sua previsibilidade,
impõe a responsabilidade objetiva.
Considerando que as ações regressivas só existem em razão da negligência
do empregador, é inoportuno o ajuizamento de ação regressiva por absoluta
ausência de previsão legal nos casos de responsabilidade objetiva.
Uma vez que a nossa Constituição Federal determina a redução dos riscos
inerentes ao meio ambiente do trabalho, é sabido que não há comando de
eliminação desses riscos, e, assim, temos a certeza de que até mesmo o legislador
constituinte conhecia a impossibilidade de supressão dos riscos do meio ambiente
de trabalho de algumas categorias profissionais, motivo pelo qual não fez constar
expressamente do texto constitucional a obrigação do empregador de eliminá-los.
A questão relativa à teoria da culpa negativa também deve ser abordada, uma
vez que configura a abstenção ou inércia a um dever preestabelecido. Desse modo,
o empregador deve ter o espírito de adotar todos os aperfeiçoamentos sugeridos
pela ciência para restringir a ocorrência de danos.92
91
Programa de responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 51. 92
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1944, p. 66-67.
82
3.4 A culpa in vigilando diante da omissão do Poder Público
O acidente do trabalho pode ocorrer por culpa do empregador, por culpa do
empregado, por culpa de terceiros e também pela omissão do Poder Público no seu
dever de fiscalização. E tal dever decorre de lei, uma vez que o já citado artigo 19 da
Lei nº 8.213/91, em seu § 4º, dispõe sobre a responsabilidade de o Ministério do
Trabalho e da Previdência Social fiscalizar o cumprimento das normas de saúde e
segurança do trabalho.
Vejamos novamente o texto legal:
Art. 19. [...] [...] § 4º O Ministério do Trabalho e da Previdência Social fiscalizará e os sindicatos e entidades representativas de classe acompanharão o fiel cumprimento do disposto nos parágrafos anteriores, conforme dispuser o Regulamento.
Desse modo, ainda que o empregador deixe de adotar todas as medidas de
proteção e prevenção aos riscos do meio ambiente do trabalho, o Ministério do
Trabalho e da Previdência Social pode evitar a ocorrência do acidente, se realizar o
seu dever de fiscalizar o meio ambiente laboral. Ou seja, estamos, então, diante de
um caso de estado de corresponsabilidade, que é do empregador e do MTPS, nos
casos de acidentes do trabalho.
Evidentemente, os representantes do Ministério do Trabalho e da Previdência
Social não podem estar em todos os lugares e em todos os momentos para realizar
as fiscalizações, todavia, caso a empregadora tenha uma única reclamação
trabalhista julgada, estaremos diante de uma omissão do Estado. Ante o
descumprimento de normas trabalhistas, os juízes do Trabalho, ao final de suas
sentenças, determinam a expedição de ofício à Delegacia do Trabalho, e muitas
vezes ao próprio INSS, os quais se omitem na fiscalização, mesmo após o ofício
enviado.
Outro caso é o das reclamações trabalhistas patrocinadas por sindicatos, pois
o sindicato é ente de Direito Público, de tal sorte que a sua omissão na informação
sobre o descumprimento das normas de higiene e segurança do trabalho é caso de
omissão estatal.
83
Os leitores desta tese devem estar imaginando: ora, mas que maneira incrível
de afastar a responsabilidade do empregador! Na verdade, não se trata de afastar a
responsabilidade do empregador, mas sim de dividir essa responsabilidade. Para
justificar nosso entendimento, ressaltamos que o § 4º do artigo 19 da Lei nº
8.213/91, acima mencionado, dá uma diretriz de comando, e não uma faculdade do
Ministério do Trabalho e da Previdência Social proceder à fiscalização. Assim, não
se trata de mera faculdade do MTPS, e sim de um dever. Em caso de ausência de
fiscalização antecedente ao acidente do trabalho, haverá a configuração da culpa do
MTPS pela omissão de seu dever de fiscalizar o meio ambiente de trabalho com o
objetivo de evitar aquele acidente.
Quanto ao dever do Estado de indenizar por omissão, a partir da leitura
sistêmica da Constituição Federal de 1988, do artigo 37, § 6º, e de outras
disposições que lhe são conectadas (artigos 5º, incisos V e X, 173, § 1º, e 175), a
responsabilidade civil extracontratual do Estado é a obrigação de reparação de dano
(material ou moral) causado a outrem em razão da própria atividade estatal ou de
ação ou omissão, lícita ou ilícita, de agente, nessa qualidade, das pessoas jurídicas
de Direito Público e serviços públicos, assegurando o direito de regresso contra o
agente nos casos de dolo ou culpa.
Wallace Paiva Martins Junior destaca que
[...] seu foco não está na ilicitude do comportamento, mas no dano. De outra parte, ela não reduz à Administração Pública ou, em maior escala, ao Poder Executivo; ela abrange os danos oriundos das atividades dos Poderes Legislativo e Judiciário e de órgãos estatais independentes como o Ministério Público e o Tribunal de Contas.
93
Há três situações em que o Estado é o causador do dano, como mostra a
Figura 5:
93
Ensaio sobre a responsabilidade civil extracontratual do Estado. In: NERY, Rosa Maria de Andrade; DONINI, Rogério Ferraz (coords.). Responsabilidade civil: estudos em homenagem ao professor Rio Geraldo Camargo Viana. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 561.
84
Figura 5 – Situações em que o Estado é o causador do dano.
Fonte: Elaborada pela autora.
Martins Junior salienta que a conduta comissiva estatal repousa na
responsabilidade objetiva por ação lícita ou ilícita. Já na conduta omissiva estatal, o
dano ocorreu em razão de omissão do Estado (faute du service), pois, ainda que o
Estado não seja o autor do agravo, ele descumpriu dever legal que lhe impunha
obstar o evento lesivo. Segundo o autor, trata-se de responsabilidade subjetiva por
comportamento ilícito, porque o Estado estava juridicamente obrigado a agir
segundo padrões de eficiência, diligência, possibilidade, normalidade e
previsibilidade, ainda que decorrente de caso fortuito ou força maior. Seu
comportamento é antijurídico ou porque não agiu, ou porque agiu deficiente ou
insuficientemente, e só pode ser medido diante de uma situação concreta e
específica. Requer-se nexo de causalidade entre omissão, violação do dever jurídico
de agir, resultado lesivo e sua previsibilidade. Por seu turno, a criação estatal de
conduta propícia ao dano liga-se ao dever de cuidado na guarda das pessoas ou
coisas perigosas. O Estado, ou seu agente, não é autor do dano, mas, por
comissão, produz situação emergente ao evento causado por outrem ou por fato
natural.94
Referido autor, com razão, ressalta que se mostra mais adequada a
afirmação da responsabilidade civil subjetiva do Estado no caso de omissões
lesivas, sob pena de transformação do Poder Público em segurador geral. A
omissão lesiva requer o comportamento antijurídico da Administração Pública, pela
94
Ensaio sobre a responsabilidade civil extracontratual do Estado. In: NERY, Rosa Maria de Andrade; DONINI, Rogério Ferraz (coords.). Responsabilidade civil: estudos em homenagem ao professor Rio Geraldo Camargo Viana. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 568.
Conduta comissiva estatal
Conduta omissiva estatal ensejadora do dano
Criação estatal de conduta propícia ao dano
85
violação de seu dever jurídico de agir ou pela faute du service, diante de situação
previsível e concreta. A impossibilidade de estimar como objetiva a responsabilidade
civil estatal por omissões não significa irresponsabilidade, mas sim que aquela
somente será firmada com lastro na teoria subjetiva.95
No mesmo sentido, Liliane Kiomi Ito Ishikawa leciona que é correto o
entendimento de que, havendo alegação de omissão do Estado, a questão deve ser
analisada sob a ótica da responsabilidade subjetiva, devendo o lesado comprovar:
a) a efetiva existência do dano;
b) o dever estatal de impedir o evento danoso;
c) a possibilidade de evitar o dano: certamente que só há que se falar em
obrigação de impedir o dano se for possível impedi-lo mediante atuação dirigente,
restando eximida a responsabilidade se demonstrado que, ainda que não houvesse
a omissão, não seria possível impedir o resultado danoso;
d) existência da falta do serviço, ou seja, que havia o dever de agir e não agiu
em razão de culpa ou dolo. Verifica-se a intenção de omitir-se, quando era
obrigatória a atuação do Estado segundo certo padrão de eficiência capaz de obstar
o evento lesivo, sendo que esse padrão deve ser apurado em função do meio social,
concatenado com as possibilidades reais médias dentro do ambiente em que se
produziu o fato danoso; e
e) o nexo de causalidade entre a omissão estatal deve ter sido exclusiva e
necessariamente ensejador do dano enfrentado.96
No caso das ações regressivas, vamos citar um exemplo que facilitará em
muito o entendimento da questão. Um operador de telemarketing é aposentado por
invalidez em decorrência de doença profissional causada por postura inadequada no
posto de trabalho, por conta de cadeiras inapropriadas para a função, e, mesmo
depois de receber mais de cinco reclamações trabalhistas, inclusive com o
patrocínio do sindicato e expedição de ofício à Delegacia Regional do Trabalho por
força de determinação judicial, não foi realizada a fiscalização. Então, mais dez
empregados sofreram a mesma doença profissional e se aposentaram. Como ficaria
a responsabilidade do Estado por omissão nesse caso? Entendemos ser um caso
95
Ensaio sobre a responsabilidade civil extracontratual do Estado. In: NERY, Rosa Maria de Andrade; DONINI, Rogério Ferraz (coords.). Responsabilidade civil: estudos em homenagem ao professor Rio Geraldo Camargo Viana. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 569.
96 Responsabilidade do Estado por omissão no fornecimento de medicamentos. In: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes; FALAVIGNA, Maria Clara Osuna Diaz (coords.). Ensaios sobre responsabilidade civil na pós-modernidade. Porto Alegre: Magister, 2007, p. 249-250.
86
de corresponsabilidade, pois, na análise proposta por Liliane Ishikawa, teremos: o
dano, que consiste na doença profissional; o dever estatal de impedir o evento
danoso, consistente no dever de fiscalização imposto pela lei; e a possibilidade de
evitar o dano, pois, uma vez que a fiscalização ocorresse no primeiro caso de
doença profissional, não teríamos outros dez casos idênticos; e a existência da falta
do serviço, consistente na ausência de fiscalização.
Por outro lado, ainda que a omissão estatal seja inequívoca, o dever do
empregador de reparar o dano também se faz presente, visto que
[...] atos de terceiros não excluem a responsabilidade se concorreram, ligados por nexo de causalidade, o ato humano e a falha (ou omissão) administrativa (violação ao dever legal de agir, previsibilidade, especificidade). Nestes casos, a responsabilidade civil é subjetiva pela teoria publicista da culpa anônima do serviço, exigindo a comprovação do nexo de causalidade entre a omissão (culpa administrativa) e o resultado danoso a partir de uma situação concreta e específica e da violação de um dever jurídico.
97
Não se pretende, nesta pesquisa, fazer do Estado um segurador universal,
mas sim apresentar um Estado que ocupa uma posição de provedor, vigilante e
punitivo, e também um cidadão, com direitos e deveres. Giselda Hironaka destaca
que
O cidadão não se identifica com este Estado, que é apenas um instrumento burocrático a vigiá-lo e a lhe impor deveres; e o Estado não se identifica com esse cidadão, que exige participação direta no poder e na determinação dos conteúdos das instituições jurídicas. O instituto da responsabilidade civil é especialmente um instituto de garantia da preservação da propriedade e não um instrumento de garantia do fortalecimento da cidadania. Esse é um vazio talvez até hoje não preenchido por qualquer concepção de responsabilidade civil, levando-se em consideração, por exemplo, todas as concepções que têm sido propostas, desde o início do século XX.
98
A partir dessa posição de que o Estado também deve ocupar o status de
cidadão, com direitos e deveres, fica justificada a corresponsabilidade do Estado na
omissão em relação à fiscalização.
97
MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Ensaio sobre a responsabilidade civil extracontratual do Estado. In: NERY, Rosa Maria de Andrade; DONINI, Rogério Ferraz (coords.). Responsabilidade civil: estudos em homenagem ao professor Rio Geraldo Camargo Viana. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 575.
98 Responsabilidade pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 95.
87
Confirmando o dever de fiscalização do Estado, os antigos Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE) e Ministério da Previdência Social (MPS), atualmente
Ministério do Trabalho e Previdência Social, firmaram o Acordo de Cooperação
Técnica nº 8, com a intervenção do INSS, em 29 de setembro de 2008, que foi
publicado no Diário Oficial da União, em 30 de setembro do mesmo ano, com
vigência de cinco anos, pelo qual o MTE se comprometia a realizar a fiscalização
dos empregadores, enviando à análise da Procuradoria do INSS, para que esta
avaliasse a possibilidade do exercício do direito de regresso.
Com a edição do Decreto nº 7.331, de 19 de outubro de 2010, esse Acordo de
Cooperação Técnica passou a integrar o Regulamento da Previdência Social, no
parágrafo único do artigo 341, que assim determina:
Art. 341. Nos casos de negligência quanto às normas de segurança e saúde do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva, a previdência social proporá ação regressiva contra os responsáveis. Parágrafo único. O Ministério do Trabalho e Emprego, com base em informações fornecidas trimestralmente, a partir de 1º de março de 2011, pelo Ministério da Previdência Social relativas aos dados de acidentes e doenças do trabalho constantes das comunicações de acidente de trabalho registradas no período, encaminhará à Previdência Social os respectivos relatórios de análise de acidentes do trabalho com indícios de negligência quanto às normas de segurança e saúde do trabalho que possam contribuir para a proposição de ações judiciais regressivas. (Incluído pelo Decreto nº 7.331, de 2010)
Parece-nos que esse acordo visa à fiscalização de situações ocorridas após a
verificação de más condições do meio ambiente do trabalho e do consequente
acidente do trabalho. Mas, como visto linhas atrás, o dever de fiscalização antecede
ao acidente, nos termos do artigo 19 da Lei nº 8.213/91.
Nesse diapasão, revela-se importante trazer as lições de José de Aguiar Dias
a respeito de omissão e abstenção:
Omissão e abstenção usam-se abusivamente como sinônimos não obstante sua bem perceptível diferença. Omissão é negligência, o esquecimento das regras de proceder, no desenvolvimento da atividade. Abstenção é a inatividade. Genericamente encarada, a omissão pressupõe a iniciativa. A abstenção a exclui.
99
99
Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1944, p. 135.
88
Diante dessa definição, a não fiscalização do Ministério do Trabalho e da
Previdência Social configura omissão ou abstenção?
Com efeito, nas lições de Dias, abstenção é a inatividade, e, assim, a
ausência de fiscalização é inatividade. Contudo, a abstenção só é possível na
faculdade, pois quem se abstém de praticar algum ato tem a faculdade de praticar
ou não aquele ato. Fato que não ocorre na omissão, que invoca um dever
preestabelecido. No caso do dever de fiscalização do MTPS, há um dever
preestabelecido de fiscalizar, o qual decorre de lei, e a omissão está presente
quando o ente público deixa de fiscalizar, ou seja, esquece as regras de proceder de
sua atividade.
Ainda nas palavras de Dias, “o mesmo se dá em relação à omissão e inércia.
Ambos os conceitos exprimem o procedimento negativo, mas a omissão tem
significado mais amplo e mais complexo. Em essência, é culpa. Mas há traços
distintivos delas”.100 Ora, o Ministério do Trabalho e da Previdência Social, quando
deixa de fiscalizar, age com omissão ou inércia? Não pairam dúvidas de que existe
inércia, mas, ante a existência de um dever preestabelecido, há, sobretudo, a
omissão.
O mencionado autor também distingue a culpa contratual da culpa
extracontratual. A culpa contratual decorre de um contrato, e a culpa extracontratual
não possui um contrato que vincule a responsabilidade. No caso do Estado, que se
omite no seu dever de fiscalização, temos a culpa extracontratual, no entanto, Dias
destaca que, na culpa contratual, estão presentes atos e omissões, enquanto, na
culpa extracontratual, existe sempre a presença de um ato positivo. O autor não
aceita as doutrinas que exigem ato positivo na culpa contratual, porque a “noção
elementar da culpa nos informa que a omissão pode induzir responsabilidade,
independentemente de qualquer contrato, quando o dever legal ordene a execução
do ato omitido”.101
Importante ponderar acerca da existência de graus de culpa na
responsabilidade extracontratual, uma vez que o Ministério do Trabalho e da
Previdência Social, ao deixar de fiscalizar o meio ambiente laboral, poderia se
defender, no sentido de que a sua culpa foi muito inferior à do empregador, pois este
tinha um dever contratual com o empregado de adotar todas as medidas de saúde e
100
Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1944, p. 136. 101
Ibidem, p. 146.
89
segurança do trabalho, e o MTPS tinha apenas uma obrigação secundária. Contudo,
Dias também resolve essa questão, quando sustenta a inexistência de graus de
culpa na responsabilidade extracontratual, visto que “não se trata de indagar em que
medida o devedor faltou à obrigação, mas em que medida se acha vinculado e que
soma de diligência se comprometerá a prestar”, ou seja, há uma diferença no critério
de medir a culpa.102
Ora, parece-nos claro que a omissão do Poder Público na fiscalização do
meio ambiente laboral enseja responsabilidade, fundada na culpa, e, portanto, o
MTPS também deve fazer parte do polo passivo das ações regressivas. A teoria da
culpa administrativa bem resolve essa questão, já que considera a falta objetiva do
serviço em si mesmo como fato gerador da obrigação de indenizar o dano
causado a terceiro. Nessa teoria, não há indagação quanto à culpa do agente
administrativo, exigindo do lesionado que comprove a falta do serviço para obter a
indenização, devendo ser ressaltado que essa falta do serviço apresenta-se nas
modalidades de inexistência, mau funcionamento ou retardamento. Ocorrendo
qualquer dessas modalidades, surge a obrigação de indenizar.
Agora, sendo assim, questionamos: se o INSS ajuizar ação regressiva em
desfavor do empregador, de que maneira o Poder Público virá a integrar o polo
passivo da ação?
Nos termos do artigo 113, inciso I, do Código de Processo Civil, há a figura do
litisconsórcio, que permite a existência de duas ou mais pessoas no polo passivo,
sempre que entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente
à lide. Vejamos:
Art. 113. Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando: I – entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide; [...]
No entanto, como sabemos, o Ministério do Trabalho e da Previdência Social
não virá integrar a lide espontaneamente, razão pela qual cabe ao defensor do
empregador proceder à denunciação da lide, nos termos do artigo 125, inciso II, do
Código de Processo Civil, que dispõe:
102
Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1944, p. 146-147.
90
Art. 125. É admissível a denunciação da lide, promovida por qualquer das partes: II – àquele que estiver obrigado, por lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo de quem for vencido no processo.
Segundo Cirlene Luiza Zimmermann,
Sendo a fiscalização no Brasil ainda ineficaz, a possibilidade de as empresas sofrerem uma punição administrativa (multa, embargo, interdição) e serem consequentemente obrigadas a cumprir o que deveria ser inerente ao próprio exercício da atividade, isto é, as normas de SST, costuma ser pequena, motivo pelo qual continuam assimilando a prevenção dos acidentes do trabalho como despesas e não como investimentos.
103
Essa situação vai mudar somente quando o Poder Público reconhecer a sua
parcela de responsabilidade nos acidentes laborais, e, então, passar a tomar todas
as medidas para que a fiscalização seja efetivamente eficaz.
A corresponsabilidade consiste em responsabilidade compartilhada entre
duas ou mais pessoas ou agentes, que não se confunde com responsabilidade
subsidiária ou responsabilidade solidária. Na figura da corresponsabilidade, no
âmbito das ações regressivas, empregador e Estado devem compartilhar o dever de
reparar os cofres públicos na medida de sua culpa.
Aliás, quem se beneficia com essa omissão do Poder Público no seu dever de
fiscalização? Só o Poder Público, que diminui os gastos com pessoal. Isso porque o
empregador será condenado posteriormente por sua negligência em ação regressiva
e será condenado ainda em ação de indenização proposta pelo empregado no
âmbito trabalhista. E o empregado também não se beneficia, porque é o maior
prejudicado, ficou com sequelas definitivas, ou inválido, ou ainda faleceu em razão
da omissão do Poder Público.
E em relação a todos os outros acidentes que uma simples fiscalização
poderia ter evitado? A questão de responsabilizar o Poder Público por sua omissão
na fiscalização implica uma verdadeira política pública na prevenção de acidentes do
trabalho. Ação regressiva, por si só, não é política pública.
A fiscalização por parte do Poder Público induz não só o empregador a adotar
todas as medidas de segurança no meio ambiente do trabalho, mas, sobretudo,
induz o empregado a colaborar com todas as medidas de segurança daquele meio
103
A ação regressiva acidentária como instrumento de tutela do meio ambiente de trabalho. São Paulo: LTr, 2012, p. 201.
91
ambiente. Todos nós sabemos, por exemplo, que, nos estabelecimentos de
açougue, há uma serra para o corte dos ossos, e que o profissional açougueiro deve
usar luva de aço ao utilizar esse equipamento, com a finalidade de evitar a
ocorrência de acidentes do trabalho. No entanto, na correria dos atendimentos, os
profissionais deixam de utilizar a luva de aço, expondo-se a riscos desnecessários.
Mas, se o profissional soubesse que, a qualquer momento, e com frequência,
entraria um fiscal naquele ambiente, certamente passaria a adotar o uso da luva de
aço na utilização da serra como meio de evitar multas ao estabelecimento.
Se não existir a efetiva fiscalização, o próprio empregado deixa de adotar as
medidas de segurança, até porque nem sempre o empregador está presente para
proceder a essa fiscalização.
Mais uma vez, Zimmermann chama a atenção para a necessidade de
fiscalização, sustentando que
Não obstante as responsabilidades do mantenedor do MAT e do Estado, no que se refere ao cumprimento das normas, serem distintas e independentes, ou seja, o fato de este não cumprir com seu papel de fiscal do cumprimento das normas não impede o ajuizamento da ARA contra aquele no caso de descumprimento das mesmas normas; a utilização do direito de regresso deve ser conjugada com uma fiscalização eficiente e proativa por parte do Estado das normas que regem o controle dos riscos ambientais do trabalho, a ser obtida com superação da crise fiscal, inclusive com a ampliação do seu alcance aos trabalhadores informais.
104
Nesse viés, só completamos o posicionamento da autora no sentido de que,
embora as obrigações sejam distintas, há obrigações de ambos, Estado e
empregador, que implicam prejuízos, de modo que tanto um quanto o outro devem
ser responsabilizados.
3.5 Culpa concorrente e coparticipação
José de Aguiar Dias menciona a tese de Raymond Teisseire, de que “o dano
é, ordinariamente, não a expressão de um fato isolado, mas um fenômeno derivado
da colisão de atividades de uma e outra parte”.105
104
A ação regressiva acidentária como instrumento de tutela do meio ambiente de trabalho. São Paulo: LTr, 2012, p. 157.
105 Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1944, p. 72.
92
A partir do reconhecimento da existência da colisão de atividades de uma e
de outra parte, podemos estar diante de culpa concorrente, coparticipação ou
solidariedade.
Nas ações regressivas, deparamo-nos com casos de culpa concorrente,
quando empregador e empregado concorreram para a ocorrência do acidente do
trabalho. Nos casos de culpa concorrente, a jurisprudência se posiciona no sentido
de repartir a indenização, de modo que a vítima não deve arcar com a sua parcela
de responsabilidade, tão somente a empregadora.
Sergio Cavalieri Filho destaca que “na culpa concorrente, as duas condutas –
do agente e da vítima – concorrem para o resultado em grau de importância e
intensidade, de sorte que o agente não produziria o resultado sozinho, contando,
para tanto, com o efetivo auxílio da vítima”.106
Segundo o artigo 944 do Código Civil, é possível mitigar o valor da
indenização de acordo com o grau de culpa do ofensor, o que, inclusive, valerá para
o caso de a responsabilidade não ser fundamentada na culpa, “ou seja, para as
situações em que a responsabilidade é objetiva, assim quando ocorre a culpa
concorrente, em que o art. 945, CC autoriza a mesma aplicação”.107
Vale notar que, em muitos casos, os empregadores são condenados a
ressarcir os cofres da Previdência Social, mesmo quando o empregado também
concorreu para a ocorrência do acidente. A dificuldade na obtenção de provas, a
vitimização do empregado que induz os demais empregados a não testemunhar,
entre outros motivos ocultam a existência da culpa concorrente.
Fernando Maciel ressalta a posição do Judiciário na ocorrência de culpa
concorrente, utilizando a expressão culpa recíproca como sinônima:
Há também a possibilidade de a conduta do trabalhador não ser a causa única do acidente, mas sim concorrer em determinadas infrações às normas de saúde e segurança do trabalho imputáveis aos empregadores. Nesses casos o Judiciário tem reconhecido o instituto da culpa recíproca, julgando parcialmente procedentes as ARAs com a condenação das empresas a ressarcirem 50% da despesa previdenciária.
108
Já na coparticipação,
106
Programa de responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 59. 107
FALAVIGNA, Maria Clara Osuna Diaz. A composição do dano em um modelo solidarista. In: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes; FALAVIGNA, Maria Clara Osuna Diaz (coords.). Ensaios sobre responsabilidade civil na pós-modernidade. Porto Alegre: Magister, 2007, p. 291.
108 Ações regressivas acidentárias. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 2013, p. 35.
93
[...] a conduta de duas ou mais pessoas concorrem efetivamente para o evento. A coparticipação pode ocorrer em relação à mesma causa – “A” e “B” agridem “C” física ou verbalmente – ou quando o fato praticado por um agente é causa adequada do fato praticado por outro – depois de atropelada por “A”, a vítima é deixada em plena via pública e é novamente atropelada por “B”, agora mortalmente, que dirigia imprudentemente.
109
Existe possibilidade de haver ação regressiva em caso de coparticipação,
afinal, em inúmeros acidentes do trabalho, está presente a figura de um segundo
empregado, ou mesmo de vários empregados na ocorrência do evento.
Evidentemente, nos casos de coparticipação, os demais envolvidos, além da
vítima, também responderão na ação regressiva juntamente com o empregador, por
serem solidários na ocorrência do infortúnio. Para exemplificar, muitas vezes o
empregado se submete ao risco, em razão de ordem de outro empregado, seu
superior hierárquico, o qual não recebeu ordens do patrão e agiu de forma
imprudente, determinando que aquele realizasse serviço para o qual não possui
habilidade técnica, o que culmina no acidente do trabalho. Nesses casos, haverá a
figura da coparticipação, em que o superior hierárquico do empregado, juntamente
com o empregador, responderá pelos prejuízos causados, inclusive perante a
Previdência Social.
Conforme já mencionado quando da análise do pressuposto da culpabilidade,
o acidente pode ocorrer não apenas por condutas imputáveis diretamente ao
empregador da vítima, mas também por atos praticados por terceiros alheios à
relação de emprego, bem como pela conjugação de fatores causais atribuíveis a
pessoas (físicas ou jurídicas) diversas, o que costuma ocorrer com muita frequência
nos casos de terceirização de serviços.110
3.6 O risco e o dever de segurança no acidente do trabalho
Sempre que pensamos no risco como um perigo, e que o perigo, por si só,
não configura dano, concluímos que a simples existência do risco não implica dever
de indenizar.
109
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 81.
110 MACIEL, Fernando. Ações regressivas acidentárias. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 2013, p. 103.
94
No entanto, nesta subseção, vamos tratar do risco aliado ao dever de
segurança no ambiente do trabalho.
Mauro Cesar Martins de Souza ressalta que “evitar os riscos, por óbvio,
pressupõe proceder à eliminação de todos que sejam evitáveis. Aliás, não se pode
conceber situação de risco como algo que não tenha condições de ser eliminada ou
pelo menos diminuído, como melhora do local do labor”.111
Para uma política eficiente no combate e na prevenção de riscos no meio
ambiente laboral, todos devem colaborar, empregador, empregado e governo.
“Melhor prevenir do que ter de reparar, mesmo porque, até como atributo
constitucional de cidadania, trabalho em meio ambiente de qualidade e sem riscos
aos funcionários, com preservação e manutenção da saúde destes, são obrigações
dos empregadores, de ordem cogente e peremptória.”112
Com a diminuição dos riscos laborais, e em um ambiente de trabalho com
qualidade, adequado e seguro, os acidentes do trabalho diminuirão, fato que
ensejará o aumento da produção, a redução dos gastos com indenizações e,
sobretudo, o incentivo do trabalhador em sua função, fazendo, por consequência, o
empregador obter mais ganhos. Quando pensamos no investimento com a
diminuição dos riscos no meio ambiente laboral, adequando o ambiente com
prevenção e qualidade, o investimento do empregador é muito pequeno quando
comparado aos benefícios. Só a título de exemplificação, na tributação do Imposto
de Renda através do lucro real, as despesas com equipamentos de proteção
individual poderão ser deduzidas.
Objetivando a diminuição dos riscos ambientais no trabalho, as empresas
devem elaborar uma avaliação de riscos ambientais que identificará os elementos
perigosos, os trabalhadores expostos e a gravidade dos riscos laborais. Nessa
avaliação, elaborada por pessoas capacitadas, será documentado todo o local de
trabalho. Sempre que o resultado da avaliação demonstrar situações de risco,
[...] é conveniente que o empregador planifique a atividade preventiva que procederá com objetivo de eliminar, controlar ou reduzir aqueles riscos,
111
Responsabilidade civil decorrente do acidente de trabalho: doutrina e jurisprudência. Campinas: Aga Juris, 2000, p. 61.
112 SOUZA, Mauro Cesar Martins de. Responsabilidade civil decorrente do acidente de trabalho:
doutrina e jurisprudência. Campinas: Aga Juris, 2000, p. 68.
95
seguindo uma ordem de prioridades em função da gravidade e número de trabalhadores expostos aos mesmos.
113
Sob outro aspecto, com a avaliação e a implementação de atividades
preventivas de riscos laborais, teremos a possibilidade de: estabelecer
procedimentos para controle das repercussões sobre saúde e segurança dos
trabalhadores em todos os ambientes da empresa; instruir a todos os trabalhadores
com responsabilidade hierárquica a respeito da prevenção de riscos do trabalho em
todas as atividades que realizarem ou delegarem; determinar quais medidas de
segurança e controle preventivo devem ser tomadas; planificar situações de
emergência; e estabelecer mecanismos de informação para os trabalhadores.
Em sentido inverso, a atuação dos empregados na prevenção de riscos do
trabalho também é de grande importância, uma vez que direitos impõem a existência
de deveres, e, nesses casos, apesar do direito do empregado de receber EPIs e
laborar em um ambiente salubre, são seus deveres: participar de todas as questões
que afetem a segurança e a saúde no seu trabalho; efetuar propostas ao
empregador para diminuir ou anular os riscos do trabalho, cuidando de sua própria
segurança e saúde e da de terceiros, utilizando adequadamente ferramentas,
máquinas, substâncias perigosas e equipamentos de proteção individual fornecidos
pelo empregador; utilizar corretamente os dispositivos de segurança dos meios e
lugares de trabalho; informar imediatamente a seu superior hierárquico e aos
encarregados de prevenção na empresa sobre qualquer situação que a seu juízo
signifique risco para a segurança e saúde dos trabalhadores; contribuir para o
cumprimento das obrigações estabelecidas pela autoridade competente; e cooperar
com o patrão para que este possa garantir condições de trabalho que não
contenham riscos para a segurança e saúde dos trabalhadores.
O risco e o dever de segurança caminham juntos: onde existe risco, existe o
dever de segurança, visto que, quanto mais segurança houver, menor será o
potencial de risco.
Giselda Hironaka leciona que o “risco caracterizado consiste na
potencialidade, contida na atividade, de se realizar um dano de grave intensidade,
113
SOUZA, Mauro Cesar Martins de. Responsabilidade civil decorrente do acidente de trabalho: doutrina e jurisprudência. Campinas: Aga Juris, 2000, p. 62.
96
potencialidade essa que é impossível de ser eliminada, não obstante toda diligência
que tenha sido razoavelmente levada a cabo”.114
O risco caracterizado determina-se em função do excesso de um primeiro
liminar de periculosidade e da presença de critérios objetivos que são a
probabilidade e a intensidade elevadas, de alcance eventual. Com efeito, diz a
referida autora que “a omissão das medidas que teriam sido suficientes para afastar
o perigo deve ser focalizado sob o ângulo da culpa. A impossibilidade de evitar a
ocorrência nefasta uma periculosidade superior àquela que podia ser suprimida pela
diligência razoável”.115
Embora a atividade de risco imponha uma responsabilização objetiva, é
importante esclarecer que a omissão das medidas que teriam sido suficientes para
afastar o perigo deve ser vista sob o ângulo da culpa.
No caso das ações regressivas, a atividade de risco não é o fundamento da
ação, mas sim a responsabilização pela negligência na adoção das medidas
suficientes para afastar o perigo, justificando a responsabilização engendrada na
culpa.
Para Cavalieri Filho, “a responsabilidade objetiva exsurge quando a atividade
perigosa causa dano a outrem, o que evidencia ter sido ela exercida com violação
do dever de segurança, que se contrapõe ao risco”.116
Com efeito, a posição do autor acima citado denota a evidência de que
somente a violação do dever de segurança não constitui dano, sendo necessária,
também, a existência do dano.
No caso das ações regressivas, na situação de o empregador sofrer ação
regressiva em decorrência da violação do dever de segurança, tal pleito não
procede, uma vez que a simples violação do dever de segurança não configura
dano. Além disso, estamos tratando de um instituto oriundo da responsabilidade civil
objetiva, que não se aplica às ações regressivas.
Sob outro aspecto, a cobertura do risco é o eixo central do Direito
Previdenciário, é a cobertura do risco que a Seguridade Social tutela.
Para Federico Del Giudice, a seguridade social trata-se
114
Responsabilidade pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 339. 115
Ibidem. 116
Programa de responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 185.
97
[...] em essência, do complexo de programas e intervenções públicas que, em aplicação dos princípios constitucionais, tende a garantir a todos os cidadãos, trabalhadores ou não, os meios para uma existência livre e digna, e proteger a saúde de todos para o bem-estar individual e coletivo.
117
A partir do conceito de seguridade social trazido por Del Giudice, de que
maneira esse risco aparece? Esse risco se revela nas mais diversas contingências
sociais, que, embora incertas, são, de algum modo, previsíveis para a ciência
atuarial que calcula e, por meio da norma previdenciária, impõe o recolhimento de
contribuições previdenciárias para a cobertura desses riscos.
Ora, se já se trata de riscos calculados e previsíveis, cujo ressarcimento já
está sendo realizado por meio das contribuições que são obrigatórias e direcionadas
para uma poupança, com base no princípio da solidariedade social, por qual razão
os empresários devem ressarcir os prejuízos com a concessão de benefícios
previdenciários que já foram previamente previstos e calculados?
A tônica dessa questão nos leva a um caminho da inconstitucionalidade do
artigo 120 da Lei nº 8.213/91, o que não é o objetivo da nossa tese, uma vez que
versamos tão somente sobre o cabimento das ações regressivas clássicas e novas
e sobre a crítica à interpretação civil do Direito Previdenciário. Por esse motivo,
deixamos de aprofundar a questão da constitucionalidade ou inconstitucionalidade
do artigo 120 da Lei nº 8.213/91. Por ora, reservamo-nos a entender pela
constitucionalidade da norma, visto que não declarada inconstitucional.
3.7 A responsabilidade no desempenho da atividade de risco
O artigo 927 do Código Civil assim dispõe:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
117
Legislazione e previdenza sociale: manuale teorico pratico. 21. ed. Napoli: Simone, 2008, p. 7, tradução nossa. Trecho original, em italiano: “[...] in sostanza, di quel complesso di programmi e di interventi pubblici che, in attuazione dei principi costituzionali, tendono a garantire a tutti a cittadini, lavoratori e non, i mezzi per uma esistenza libera e dignitosa e a tutelare la salute di tutti per Il benessere individuale e coletivo”.
98
A responsabilidade objetiva prevista em seu parágrafo único se dá quando a
atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza,
risco para os direitos de outrem. Nesse diapasão, entendemos que a codificação
civil resolveu responsabilizar objetivamente o empregador que expõe seu
empregado à atividade de risco.
Partindo da interpretação da atividade desempenhada pelo empregado é que
saberemos se tal atividade é ou não de risco. Constatando-se a presença de riscos
no meio ambiente de trabalho, em razão da atividade habitualmente exercida,
estaremos diante da responsabilidade objetiva. No entanto, ainda que existam riscos
no meio ambiente laboral, se eles não forem oriundos da atividade exercida pelo
empregado, a responsabilidade do empregador será subjetiva, ou seja, fundada na
teoria da culpa.
Vale dizer que a simples existência da atividade de risco no meio ambiente
laboral não enseja o ajuizamento de ação regressiva, até mesmo porque a ação
regressiva tem por fundamento a negligência, o que não se coaduna com a
responsabilização objetiva determinada pelo Código. Contudo, caso o empregador
deixe de adotar todas as medidas de segurança no meio ambiente laboral,
configurando-se sua negligência na ocorrência do acidente do trabalho, é possível o
ajuizamento de ação regressiva.
Ainda que estejamos diante de um caso de atividade de risco, em que a
codificação impõe a responsabilização objetiva, mas o acidente tenha ocorrido por
negligência do empregador na adoção de medidas de saúde e segurança no meio
ambiente laboral, é possível o ajuizamento de ação regressiva.
É importante ressaltar que a discussão na ação regressiva deve ter como
fundamento tão somente a negligência quanto à adoção das medidas de proteção e
segurança do trabalho pelo empregador na ocorrência do acidente do trabalho, e
não pode tratar de atividade empresarial que implique riscos para o empregado, uma
vez que a responsabilização objetiva impõe outros critérios de responsabilização,
como o dano e o nexo de causalidade, que não se coadunam com as disposições do
artigo 120 da Lei nº 8.213/91.
Nesse sentido, Valeska Donato de Araújo assim se posiciona:
Parece-nos que foi nesse sentido que caminhou o Código Civil vigente, em seu art. 927, parágrafo único, no que merece aplauso, já que quando circunstâncias da vida moderna colocam em risco alguns homens mais do
99
que outros, justifica-se o amparo da lei da proteção da vítima, com a aplicação da teoria do risco. Observe-se, porém, que sua utilização não deve afastar por completo a culpa, que continuará com seu importante papel de prevenção de danos e de sanção do responsável por desvio de conduta.
118
Permitir o ajuizamento de ação regressiva em caso de responsabilidade
objetiva trata-se de desvirtuar o instituto do direito de regresso previsto no artigo 120
da Lei nº 8.213/91, que cuida da negligência quanto à adoção de mecanismos de
proteção à saúde e à segurança do empregado.
Cirlene Luiza Zimmermann sustenta que,
Se uma empresa que desenvolve normalmente atividade que implica, por sua natureza, risco para os direitos de outrem, tiver licença de funcionamento, mas não estiver cumprindo todas as normas legais relacionadas ao modo de desenvolvimento de sua atividade e nem houver implementado todas as medidas disponíveis para reduzir ou elidir os riscos inerentes ou criados pela forma como desenvolvida atividade, será responsabilizada, independentemente de culpa, pela reparação dos danos eventualmente causados por sua atividade, sendo-lhe inócua a licença de funcionamento como meio de afastamento de tal responsabilização. Entretanto, se a mesma empresa, além de ter funcionamento de sua atividade amparado por uma licença, estiver cumprindo a legislação e implementando todos os meios técnicos disponíveis para reduzir ou elidir os riscos, poderá ser isenta de responsabilização.
119
No entanto, discordamos do referido posicionamento, já que a ARA deve ser
ajuizada em caso de negligência quanto ao cumprimento das normas de segurança
e medicina do trabalho, e a negligência trata-se de conceito jurídico fundado na
culpa, que não se confunde com responsabilidade objetiva.
3.8 A responsabilidade objetiva do empregador
A responsabilidade do empregador é objetiva sempre que a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para
os direitos de outrem. É o que dispõe o artigo 927 do Código Civil:
118
O lugar da culpa e os fundamentos da responsabilidade civil no direito contemporâneo. In: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; FALAVIGNA, Maria Clara Osuna Diaz (coords.). Ensaios sobre responsabilidade civil na pós-modernidade. Porto Alegre: Magister, 2007, p. 436.
119 A ação regressiva acidentária como instrumento de tutela do meio ambiente de trabalho. São Paulo: LTr, 2012, p. 96-97.
100
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Como já salientado nesta pesquisa, a responsabilidade civil que enseja o
ajuizamento de ação regressiva é subjetiva, pois está fundada na culpa, e, assim,
não há cabimento para o ajuizamento de ações regressivas nos casos de
responsabilidade objetiva. Aliás, como ressaltado no item 3.2 desta tese, os
fundamentos da culpa são negligência, imprudência e imperícia, e o artigo 120 da
Lei n° 8.213/91 traz expressamente o termo negligência, motivo pelo qual
entendemos ser a responsabilidade subjetiva que se aplica às ações regressivas.
Silvio de Salvo Venosa bem delineia a responsabilidade objetiva, dizendo
que,
Na responsabilidade objetiva, como regra geral, leva-se em conta o dano, em detrimento do dolo ou da culpa. Desse modo, para o dever de indenizar, bastam o dano e o nexo causal, prescindindo-se da prova da culpa. Em que pese a permanência da responsabilidade subjetiva como regra geral entre nós, por força do art. 159 do Código de 1916 e do art. 186 do novo Código, é crescente, como examinamos, o número de fenômenos que são regulados sob a responsabilidade objetiva.
120
É importante ressaltar, mais uma vez, neste estudo, que o GIIL-RAT visa a
cobrir os infortúnios decorrentes de acidentes do trabalho cujos riscos não podem
ser eliminados ou reduzidos em seu grau máximo, apesar de o empregador adotar
todas as medidas para a proteção da saúde e da segurança do trabalhador, criando
um meio ambiente laboral salubre. Esses riscos que não podem ser eliminados ou
reduzidos em decorrência da atividade é que serão objeto de responsabilidade
objetiva.
No entanto, ainda que se verifique que a atividade normalmente desenvolvida
pelo empregador implique riscos para os direitos do empregado, constatado o dano
em decorrência do risco que não poderia ser eliminado ou reduzido pelo
empregador, a responsabilidade será objetiva. A responsabilidade só será subjetiva
quando o empregador deixar de adotar as medidas de saúde e segurança do
120
Direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 18.
101
trabalho na prevenção dos riscos do meio ambiente laboral, razão pela qual ensejará
a ação regressiva.
Nesse diapasão, vale transcrever os ensinamentos de Zimmermann:
No Brasil, a Constituição define a responsabilidade civil pelos danos ambientais (meio ambiente cultural, artificial, do trabalho e natural) como objetiva, independente de culpa ou dolo do poluidor, tendo sido assumida pela regra do art. 14 da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981). Estabelecida pela nossa Lei Maior a responsabilidade civil objetiva para os danos ambientais, nenhuma justificativa razoável existe para afastá-la nos casos em que os seres humanos afetados por esses danos, inclusive quando concretizados pelo MAT, cuja proteção está expressamente inserida na do meio ambiente pelo art. 200, VIII. Além disso, a presença do ser humano nesse ambiente decorre da necessidade de trabalhar para sobreviver, motivo pelo qual a sua exposição a riscos poderia caracterizar-se como uma espécie de emboscada, o que não é admissível num sistema jurídico orientado pelo princípio da dignidade da pessoa humana.
121
Contudo, resta-nos discordar em um sentido: a presença do ser humano em
meio ambiente de trabalho perigoso e nocivo à sua saúde não deriva da
necessidade de trabalhar, mas sim da aptidão profissional do empregado. Aliás,
todos nós sabemos, por exemplo, que, para o combate do mosquito Aedes aegypti,
os profissionais que se expõem ocupacionalmente em zonas endêmicas, em
trabalhos de saúde pública, assim como em laboratórios de pesquisa, estão sujeitos
à dengue e às demais doenças por ele causadas, e, nesses casos, ainda que o
empregador adote todas as medidas de saúde e segurança no meio ambiente do
trabalho, o empregado ainda estará sujeito a contrair tais enfermidades.
Esse exemplo nos deixa claro que os acidentes do trabalho ocorridos sem a
interferência negligente do empregador, embora sejam objeto de responsabilidade
objetiva, terão cobertura do GIIL-RAT e não serão objeto de ação regressiva.
Porque o GIIL-RAT, conforme disposto no item 2.1 desta tese, visa cobrir os
infortúnios decorrentes de acidentes do trabalho cujos riscos não podem ser
eliminados ou reduzidos em seu grau máximo, apesar de o empregador adotar
todas as medidas para a saúde e segurança do trabalhador.
121
A ação regressiva acidentária como instrumento de tutela do meio ambiente de trabalho. São Paulo: LTr, 2012, p. 91.
102
4 O FUNDAMENTO DAS AÇÕES REGRESSIVAS E A COMPARAÇÃO ENTRE
SEGURO PRIVADO E SEGURO SOCIAL
O seguro privado foi disciplinado, pela primeira vez em nossa legislação, no
artigo 1.432 do Código Civil de 1916, que assim dispunha:
Art. 1.432. Considera-se contrato de seguro aquele pelo qual uma das partes se obriga para com outra, mediante a paga de um prêmio, a indenizar-lhe o prejuízo resultante de riscos futuros, previstos no contrato.
Clóvis Beviláqua, nos comentários ao referido Código, dizia que
A definição legal do contracto de seguro é satisfactoria. O fim desse contracto é proporcionar ao segurado indemnização pelos prejuízos provenientes do sinistro sofrido. Para esse efeito associam-se o segurado e o segurador. O primeiro contribue com os seus prêmios, e o segundo indemnizar-lhe-á os prejuízos resultantes dos riscos previstos no contracto.
122
Ainda nas palavras do jurista, “risco é o perigo, que pode correr o objeto
segurado, em consequência de um acontecimento futuro, estranho a vontade das
partes”. 123 Assim, resta evidente que o risco assegurado deve constar
expressamente da apólice.
É importante notar que o contrato de seguro privado configura-se como um
contrato comercial, e, portanto, se diferencia do seguro social nesse aspecto.
A incerteza da ocorrência do sinistro se concretizar ou não é “eliminada no
cálculo de probabilidades e não recai sobre a seguradora, ao lidar com vasto
universo de contratantes. Ela é capaz de enxergar a problemática de um viés tal que
a concretização do risco passa-lhe a ser certa”.124
Por ser um contrato comercial, a seguradora inclui no prêmio os seus custos
com administração e lucro, e tal motivo também diferencia o seguro privado do
seguro social.
No seguro privado, a atuação do segurado implica a contratação, uma vez
que o seguro privado impõe a existência de boa-fé, de tal sorte que as informações
122
Código Civil dos Estados Unidos do Brasil: comentado por Clóvis Beviláqua. Edição histórica. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1940. v. 4, p. 561.
123 Ibidem, p. 564.
124 KERBAUY, Luís Rodrigues. Ação regressiva: um paralelo com o seguro do direito privado. São Paulo: LTr, 2015, p. 27.
103
prestadas na apólice devem ser verdadeiras e, sem dúvida, acarretarão o
pagamento da indenização.
Já no seguro social, inexiste a figura da apólice, e, assim, o segurador só terá
acesso às informações do segurado pouco antes do pagamento da indenização.
A questão atinente à boa-fé do segurado corrobora a Súmula 105 do
Supremo Tribunal Federal, que determina: “Salvo se tiver havido premeditação, o
suicídio do segurado no período contratual de carência não exime o segurador do
pagamento do seguro”.
No mesmo sentido, dispõe o parágrafo único do artigo 59 da Lei nº 8.213/91:
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Parágrafo único. Não será devido auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão.
Desse modo, concluímos estar revestido da figura da boa-fé também o seguro
social.
Voltando ao seguro privado, de forma similar, o artigo 768 do Código Civil em
vigor preceitua: “O segurado perderá o direito à garantia se agravar
intencionalmente o risco objeto do contrato”.
Nessa seara, Luís Rodrigues Kerbauy leciona que
Para que a caracterização da culpa se enquadre na previsão do art. 768 do CC é necessário que se dê em grau elevado a ponto de externar a consciência do agente no aumento do risco. A análise da majoração do risco deve ser feita com base na equidade, ademais, conforme constava no art. 1.456 do Código de 1916, pois é de sua essência e boa-fé. “Não se deve exigir do segurado que esteja, angustiosamente, atento a todo perigo para evitá-lo”, pois ele contrata o seguro para enfrentar o perigo com maior tranquilidade.
125
No entanto, no caso do seguro social, a existência ou não do dolo (intenção)
no agravamento ou na progressão da doença para fins de obtenção de auxílio-
doença não implica perda do direito à indenização como no seguro privado.
125
Ação regressiva: um paralelo com o seguro do direito privado. São Paulo: LTr, 2015, p. 30.
104
Para alicerçar a questão da boa-fé, o Código Civil traz o artigo 762, que
dispõe sobre a nulidade do contrato de seguro privado para a garantia de risco
proveniente de ato doloso do segurado, do beneficiário ou de outrem.
Nesse aspecto, o seguro social difere do seguro privado, uma vez que não há
nulidade de contrato, por não haver contrato escrito, e o ato doloso do segurado ou
do beneficiário só teria previsão legal nos casos de dependente que mata o
segurado para fins de recebimento de pensão por morte conforme dispõe o § 1° do
artigo 74 da Lei nº 8.213/91. No caso do seguro social, o homicídio praticado pelo
dependente, em desfavor do segurado, implica a impossibilidade de recebimento de
pensão por morte.
Cabe observar que a culpa leve não é considerada nos seguros privados
atuais, pois, ainda que o homem diligente, por um pequeno descuido, venha a
cometer ato ilícito, cuja culpa tenha sido leve, o seguro privado cobrirá o infortúnio.
Como exemplo, em um acidente automobilístico, se, ao dirigir seu veículo, o
motorista desatento vem a colidir levemente na traseira do veículo à sua frente, este
pode solicitar a cobertura do seguro contra terceiros, e terá o seu pedido atendido,
pois se trata de culpa leve, sendo objeto de pagamento da indenização securitária.
Já no âmbito do seguro social, em sendo a culpa do empregador leve ou
gravíssima, este estará sujeito a reparar os danos causados à Previdência Social
por meio da ação regressiva. Aliás, até o presente momento, não se viu ação
regressiva julgada improcedente em razão de culpa leve. A negligência mais simples
cometida pelo empregador será objeto de ação regressiva.
Cabe salientar que o seguro privado geralmente traz a figura da
responsabilidade contratual, existente entre segurado e segurador, e da
responsabilidade extracontratual, existente entre causador do dano e vítima. No
âmbito do seguro social, temos uma relação extracontratual, vinculada a um seguro
obrigatório, mas que também reflete direitos e deveres ao causador do dano e à
vítima. A vítima exerce seu direito por meio da concessão de benefício
previdenciário, e o causador do dano (a empresa empregadora) deve exercer seu
dever por meio de ação regressiva.
No que tange ao valor da indenização, cumpre esclarecer que, no seguro
privado, o dever de indenizar decorre da vontade das partes, que estabeleceram um
determinado valor, o qual será contabilizado no montante do prêmio; no seguro
social, a indenização decorre de lei, sendo o valor calculado de acordo com os
105
salários de contribuição do segurado, e pago mensalmente, em forma de benefício
previdenciário.
Quanto ao direito de sub-rogação no seguro privado, ele está previsto no
artigo 786 do Código Civil, que dispõe:
Art. 786. Paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano. § 1º Salvo dolo, a sub-rogação não tem lugar se o dano foi causado pelo cônjuge do segurado, seus descendentes ou ascendentes, consanguíneos ou afins. § 2º É ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga, em prejuízo do segurador, os direitos a que se refere este artigo.
Embora esse instituto da sub-rogação no âmbito do seguro privado pareça
similar à ação regressiva, prevista no artigo 120 da Lei nº 8.213/91, é importante
esclarecer que não há similaridade entre os institutos, visto que o direito de regresso
no seguro privado, consubstanciado no artigo acima citado, difere em muito da ação
regressiva proposta pela Previdência Social em desfavor do empregador, pois, no
caso da ação regressiva, não há sub-rogação de direitos, já que o empregado
também poderá buscar a sua indenização no âmbito da Justiça do Trabalho. No
seguro social, o empregado sofre o acidente do trabalho e busca o seu benefício
junto à Previdência Social porque contribuiu e é segurado (por isso a lei lhe garante
esse benefício), e ainda pode ajuizar ação de indenização em desfavor do
empregador pelos danos que sofreu, nos termos do artigo 7º, inciso XXVIII, da
Constituição Federal.
A inexistência da sub-rogação de direitos no seguro social configura a
diferença entre a natureza dos institutos da ação regressiva do seguro social e a
ação regressiva do seguro privado.
Há recorrente confusão de institutos por parte dos operadores do Direito,
razão pela qual não poderia passar despercebida, nesta pesquisa, a principal
diferença entre a ação regressiva no seguro social e a ação regressiva no seguro
privado: a sub-rogação de direitos, embora existam outras diferenças, como já
apontado, as quais, no entanto, não se tratam da principal.
106
4.1 A Previdência Social vista enquanto seguro
Nas linhas acima, tentamos traçar as principais diferenças e semelhanças
entre o seguro privado e o seguro social. Considerando que estamos tratando de
seguro social, tentaremos, nesta subseção, traçar todas as suas nuanças, para
melhor compreensão do tema desta tese, as ações regressivas.
Com propriedade, Wagner Balera traz o conceito de seguro social como se
fosse um “„condomínio social‟ que foi sendo aprontado com as contribuições sociais
dos trabalhadores, dos empregados, de participantes e instituidores de fundos de
pensão”.126
Tal definição de “condomínio social” parece-nos muito acertada, uma vez que
o seguro social muito pouco se assemelha ao seguro privado, e a similaridade na
nomenclatura nos induz ao equívoco de acreditar que ambos são seguros com
modalidades distintas, mas, se assim fosse, estaríamos falando de uma única
definição para a palavra seguro.
A técnica do seguro social, como “condomínio social”, usa como paradigma a
figura do mutualismo e do seguro privado. Nas palavras de Balera,
O mutualismo é princípio solidário que aceita e exorta a realização de série de esforços coordenados para superar as crises de infortúnio e contingências da vida humana, mais ou menos previsíveis. Destarte, o seguro privado é um método de economia coletiva que tem na previsão matemática atuarial a sua base fundamental.
127
Com efeito, a única participação do seguro privado como paradigma do
seguro social se consubstancia na previsão matemática atuarial.
Para compreender essa matemática atuarial acima citada, valemo-nos do
conceito de Ciências Atuariais, que compreende a ciência das técnicas específicas
de análise de riscos e expectativas, principalmente na administração de seguros e
fundos de pensão. Essa ciência aplica conhecimentos específicos das matemáticas
estatística e financeira.
Não obstante o seguro social tenha como paradigma a previsão matemática
atuarial do seguro privado, a captação de seus recursos é realizada nos termos da
126
Sistema de seguridade social. 6. ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 56. 127
Ibidem, p. 60.
107
Lei nº 8.212/91, que trata do custeio da Previdência Social. Contudo, a referida lei
não traz nenhum estudo matemático ou atuarial na captação de recursos, visto que
não apresenta relação entre as despesas e as receitas. Nesse sentido, Balera
sustenta que “referido Diploma Legal, com a falta de qualquer tipo de levantamento
(estatístico, demográfico e atuarial), cria recursos sem nenhum apoio técnico”.128
Assim, parece-nos que a norma acima mencionada não satisfaz a exigência
constitucional do equilíbrio financeiro e atuarial, uma vez que não trata das
projeções futuras que poderiam ensejar a criação e a majoração das contribuições
sociais.
Com razão, Balera destaca a possibilidade de desvio dos recursos pelo Poder
Executivo: “a ausência de planejamento atuarial permite que, a seu talante, o Poder
Executivo desvie os recursos que sobram para outras finalidades do Estado que não
se confundem com a saúde, com a previdência social e com a assistência social”.129
A Lei nº 8.212/91, em seu artigo 96, dispõe:
Art. 96. O Poder Executivo enviará ao Congresso Nacional, anualmente, acompanhando a Proposta Orçamentária da Seguridade Social, projeções atuariais relativas à Seguridade Social, abrangendo um horizonte temporal de, no mínimo, 20 (vinte) anos, considerando hipóteses alternativas quanto às variáveis demográficas, econômicas e institucionais relevantes.
Ora, se as projeções atuariais abrangem um horizonte temporal de, no
mínimo, vinte anos, por qual motivo elas são enviadas ao Congresso Nacional
anualmente?
Quando parte dos recursos da Previdência Social deixa de ser destinada para
a finalidade que a lei dispõe, é necessário todo o recálculo do Plano de Custeio, que
considera os dados estatísticos, demográficos, econômicos e atuariais.
O custeio do valor básico dos benefícios se dá pelos recursos diretos que
consideram a relação entre o risco da atividade econômica e a proteção social. No
entender de Balera, “atuando com critérios explícitos de modelo do seguro, essa
primeira contribuição social pode, sempre que tomar por base bem lançados,
componentes informativos [...], ser a exata medida de equidade no custeio”.130
128
Sistema de seguridade social. 6. ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 62. 129
Ibidem, p. 63. 130
Ibidem, p. 67.
108
Com o objetivo de prestigiar os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa,
encontramos plena harmonia e solidariedade entre as categoriais sociais na forma
de participação do custeio. Segundo Balera, “o tratamento discriminatório afrontaria
a equidade na forma de participação no custeio”.131
Por solidariedade social, entendíamos que a redistribuição dos recursos se
processava por classes de segurados, em que os saudáveis contribuíam para os
doentes, os trabalhadores ativos contribuíam para os aposentados, os solteiros
contribuíam para famílias com filhos etc. No entanto, nos dizeres de Manuel
Sebastião Soares Póvoas, tal conceito de solidariedade social passou a ser
confundido com o de mutualismo, ocasião em que preferiram nomear de
[...] pacto de gerações, isto é, um pacto ideal apoiado no sistema legal, em que cada pessoa segurada paga para a satisfação das necessidades que sentem as pessoas atingidas pela materialização dos riscos sociais, na certeza de que, quando entrar em estado de necessidade, devido aos mesmos riscos, ela estará debaixo da geração de segurados que nesse momento suporta o sistema.
132
Adequando o seguro social acima explicitado à nossa pesquisa, valemo-nos
das lições de Cirlene Luiza Zimmermann:
O seguro social, portanto, cobre os riscos inerentes ao trabalho que não conseguem ser eliminados ou reduzidos para padrões toleráveis, mas desde que comprovada a atuação no que se refere ao controle desses riscos e o cumprimento diligente das normas de SST [Saúde e Segurança do Trabalho]; são os riscos que a sociedade deve suportar para contar com serviços, muitas vezes, essenciais, mas extremamente perigosos para quem precisa trabalhar neles.
133
Nesse diapasão, trataremos da natureza privada do seguro contra acidentes
do trabalho que foi trazido pelo Decreto Legislativo nº 3.724/1919, cujo artigo 2º
assim dispunha:
Art. 2º O acidente, nas condições do artigo anterior, quando ocorrido pelo facto do trabalho ou durante este, obriga o patrão a pagar uma indenização ao operário ou à sua família, exceptuados apenas os casos de força maior ou dolo da própria vítima ou de estranhos.
131
Sistema de seguridade social. 6. ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 68. 132
Previdência privada: filosofia, fundamentos técnicos, conceituação jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 88.
133 A ação regressiva acidentária como instrumento de tutela do meio ambiente de trabalho. São Paulo: LTr, 2012, p. 154.
109
O dever de indenizar, nesses casos, por ocasião da vigência do referido
Decreto, era, na maioria das vezes, suportado por companhia de seguros privada,
contratada pelo empregador para arcar com essa indenização.
O Sistema de Seguro Privado para Acidentes do Trabalho vigorou até o ano
de 1967, já que, com o advento da Lei nº 5.316, de 14 de setembro do mesmo ano,
o seguro para acidentes do trabalho passou a ser o seguro social, transferindo os
encargos para a Previdência Social. Desde então, embora tenham sido editadas
novas leis, o seguro contra acidentes do trabalho passou a ser mantido pela
Previdência Social.
Cumpre ressaltar que, de acordo com o artigo 7º, inciso XXVIII, da
Constituição Federal, a responsabilidade civil da Previdência Social enquanto
segurador público será sempre objetiva, uma vez que não cabe ao segurador
público a análise acerca da existência ou inexistência de riscos no âmbito laboral
daquele segurado.
Depois de concedido o benefício ao segurado é que o segurador poderá obter
os critérios objetivos e subjetivos que evidenciam o nexo causal, e então buscar
eventual ressarcimento por meio de ação regressiva em desfavor do empregador.
4.2 A solidariedade na Previdência Social
A solidariedade social e a mutualidade, como dito anteriormente, um pacto de
gerações, constituem, para Noa Piatã Bassfeld Gnata:
[...] o motivo de perpetuação da integração entre os sujeitos de uma sociedade. Se a integração é produto de interferências históricas de condicionamento das relações materiais, por exemplo, que fizeram populações indígenas, africanas e europeias serem trazidas para o mesmo território e coagidas ao convívio social, a solidariedade social possível é o motivo fundamental para que elas se tolerem, integrem e continuem ocupando o mesmo território: o motivo não moveu os primeiros, que lutaram e foram dizimados ou se calaram e morreram na angústia, mas, de geração em geração, por necessidade de promoção da vida em comum ou, mais tarde, por dever de obediência ao direito, é para que a unidade da sociedade sobre-exista que os sujeitos, em maior ou menor grau, são necessariamente solidários à sociedade.
134
134
Solidariedade social previdenciária: interpretação constitucional e eficácia concreta. São Paulo: LTr, 2014, p. 38.
110
Buscando a realização democrática da sociedade, e como princípio basilar do
Direito Social, a solidariedade social se aponta para os indivíduos e o todo na
mesma direção.
Não se trata de direitos sociais apenas, mas de direitos humanos. A
solidariedade social está vinculada à dignidade do homem, pois não se revela como
um mero dever social.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia
Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948, determina, em seus
artigos 22 e 25:
Artigo 22. Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social; e pode legitimamente exigir a satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis, graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, de harmonia com a organização e os recursos de cada país.
Artigo 25. 1. Toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade.
2. A maternidade e a infância têm direito a ajuda e a assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozam da mesma proteção social.
Nessa concepção, a seguridade social surge como um direito universal do
homem, ainda que aparecendo na classe dos direitos econômicos, sociais e
culturais indispensáveis à dignidade do homem e ao desenvolvimento livre de sua
personalidade. Vale notar que Póvoas já assinalava um grande problema: “o
problema essencial no tema dos direitos humanos não é enunciá-los, mas protegê-
los ou, melhor ainda, torná-los efetivos, de forma que cada homem possa exigir o
seu cumprimento e vê-lo conseguido”.135
O referido autor define seguridade social como
[...] um processo socioeconômico ao nível de cada nação utilizando a solidariedade entre entidades e pessoas que representam as suas forças produtivas e beneficiando-se de uma estrutura operacional definida, orientada e controlada pelo Estado, objetiva proporcionar a cada pessoa os
135
Previdência privada: filosofia, fundamentos técnicos, conceituação jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 58.
111
meios indispensáveis para, nas eventualidades negativas da sua vida, em termos de perda de sua capacidade de ganho por razões aleatórias como o desemprego, a doença, o acidente, ou por razões inerentes à própria condição humana como o casamento, a maternidade, a infância, a velhice e a morte, poder suportar as consequências, nomeadamente ter assegurado o sustento da família.
136
Mas de que maneira exigir o cumprimento desses direitos? Não existem
meios materiais para exigir o cumprimento desses direitos, até mesmo porque o seu
cumprimento depende de situação econômica, assim como em todos os direitos
econômicos e sociais.
Para Gnata,
Os laços de solidariedade na sociedade contemporânea vão além da divisão social do trabalho – o que é nítido sob a perspectiva da ética crítico-material e do Direito Social –, “haja vista a complexidade e impossibilidade de previsão de muitos dos novos riscos” que [...] devem ser divididos entre todos solidariamente.
137
Destacamos, neste ponto, que o próprio Direito Social, nas palavras de
Gnata, reconhece a impossibilidade de previsão de muitos dos novos riscos, que
devem ser partilhados entre todos solidariamente, contudo, por estarmos diante de
uma pesquisa sobre ações regressivas, não podemos deixar de comentar que os
operadores do Direito que admitem a possibilidade de ajuizamento das ações
regressivas novas (decorrentes de acidente de trânsito ou violência doméstica)
entendem pela impossibilidade de divisão do prejuízo entre todos solidariamente,
pois busca obter do companheiro, do esposo, do motorista o ressarcimento do
prejuízo nas novas ações regressivas.
Sob o ponto de vista da ação regressiva acidentária, a impossibilidade de
previsão de novos riscos por parte do empregador não o isenta de responsabilidade,
o que não é correto, justamente porque qualquer impossibilidade de previsão de sua
parte implicará negligência, sob a ótica da responsabilidade civil. Infelizmente, as
excludentes de ilicitude não abrangem a impossibilidade de previsão. No entanto, o
caso fortuito parece-nos muito apto a excluir a ilicitude dos casos de impossibilidade
de previsão dos novos riscos por parte do empregador.
136
Previdência privada: filosofia, fundamentos técnicos, conceituação jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 61.
137 Solidariedade social previdenciária: interpretação constitucional e eficácia concreta. São Paulo: LTr, 2014, p. 78-79.
112
Por estar baseado no princípio da solidariedade social, o cumprimento de
políticas públicas previdenciárias (artigo 3º, inciso I, da Constituição Federal) deve
ter como fundamento a impossibilidade de separar as bases contributivas de
arrecadação da prévia indicação legislativa da dotação orçamentária exigida.
Nesse sentido, acolhemos a crítica de Giselle de Amaro e França 138 no
sentido de que
se a tomada da decisão política ocorre em esfera diversa à do Direito, aos seus operadores compete preservar a ordem jurídica. Desta forma, a inclusão de postulados neoliberais, mesmo que fruto de opção política legítima, deve ser feita com observância das regras jurídicas.
Com razão, Alenilton da Silva Cardoso, leciona que
A solidariedade social deve ser concebida com grandes cuidados para não ser tomada em proporções excessivas, para ser utilizada como instrumento de fundamentação de quaisquer atos políticos ou jurídicos em prol do bem comum que possam acarretar na supressão de liberdades individuais que seriam, nesta hipótese, sufocadas pelo estado de extrema superveniência do indivíduo aos interesses da coletividade, levando a uma ordenação social autoritária. Tais motivos por si só justificam a necessidade de se tomar a solidariedade social como valor imediatamente originário da pessoa humana e em relação de implicação recíproca com o complexo axiológico que imediatamente o circunda, os quais pregam a necessária preservação da liberdade espiritual do ser humano para agir e transformar a realidade que o circunda, respeitando as conquistas históricas incorporadas ao patrimônio cultural das civilizações.
139
Cumpre destacar que o caráter exclusivamente arrecadatório que é dado por
nossos Tribunais ao princípio da solidariedade social é objeto de crítica por Gnata,
que leciona:
A identificação desse ponto de tensão entre a finalidade social e os reflexos econômicos das políticas públicas voltadas à previdência social traduz a essência da tensão política entre o ideário do estado social de direito e o pensamento utilitarista neoliberal, como já mencionado no tópico anterior, e revela o desvio de sentido na prática da solidariedade social no período pós-constitucional.
140
138
O Poder Judiciário e as políticas públicas previdenciárias. 2010. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010, p. 156. 139
O sentido ético do direito funcional solidário. 2015. 245 f. Tese (Doutorado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2015, p. 79. 140
Solidariedade social previdenciária: interpretação constitucional e eficácia concreta. São Paulo: LTr, 2014, p. 116.
113
Com efeito, a solidariedade social constitui objetivo fundamental de nossa
Constituição Federal, em busca da almejada segurança social, e é assim que
referido princípio deve ser interpretado.
É relevante mencionar que a Previdência Social se diferencia dos ramos da
saúde e da assistência social, mesmo estando submetida aos mesmos princípios.
Considerando que o sistema que norteia a Previdência Social é contributivo, com
seu modo específico de custeio, o sistema de repartição é verificado nessa
modalidade de custeio e não anula o princípio da solidariedade, uma vez que aquele
que contribui não contribui apenas para si, mas em prol de todos os segurados.
O tripé da seguridade social compõe o conjunto integrado de ações de
iniciativas dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos
relativos à saúde, à previdência e à assistência social, previstos no artigo 194 da
Constituição Federal. Assim, resta-nos concluir que a garantia à proteção acidentária
é de natureza constitucional.
Visando a ressaltar esse princípio da solidariedade social, especialmente no
âmbito dos acidentes do trabalho, o dano deixa de ser apenas em desfavor da
vítima, e passa a ser em desfavor de toda a sociedade. Nesse diapasão,
Zimmermann entende que se trata de “uma técnica da socialização dos danos por
meio da distribuição dos riscos, que visa a garantir uma proteção mínima”.141
4.3 O risco social
Como salientado linhas atrás, risco significa perigo, e, por conseguinte, risco
social se traduz nos perigos sociais a que o homem está submetido, os quais se
apresentam de modo negativo em seu bem-estar e na sua família, criando
problemas sociais.
Lauro Cesar Mazetto Ferreira define o risco social como sendo o “estado de
necessidade social, ocasionado pela ocorrência de determinados eventos que
afetam direta ou indiretamente o nível de vida das pessoas, com a supressão total
ou parcial da sua renda”.142
141
A ação regressiva acidentária como instrumento de tutela do meio ambiente de trabalho. São Paulo: LTr, 2012, p. 114.
142 Seguridade social e direitos humanos. São Paulo: LTr, 2007, p. 91.
114
Considerando que o Sistema da Seguridade Social tem por objetivo intervir
para garantir uma renda suficiente para uma vida digna sempre que os segurados
forem afetados por algum tipo de contingência, parece-nos que essa intervenção
trata-se de uma obrigação oriunda desse Sistema.
Com razão, Mazetto destaca que “a seguridade social é peça fundamental
para a preservação dos direitos humanos, na medida em que é um sistema
organizado para a preservação da dignidade da pessoa humana”. 143 Por
conseguinte, entendemos ser dever do Estado a implementação do direito social
para o fim de garantir uma vida digna aos cidadãos.
Importante salientar as lições de Mazetto, no sentido de que
[...] do ordenamento de seguridade social surgem duas relações jurídicas distintas. A primeira é de serviço público, criado pelo Estado, que gera aos cidadãos determinados direitos públicos subjetivos, acionáveis pela recepção de determinadas prestações, ao se verificar contingências previstas, em virtude de normas legais e de regulamentos administrativos. A segunda relação jurídica é de direito tributário, que consiste na obrigação dos cidadãos de entregar determinada quantia em dinheiro ao Estado, para que ele realize a seguridade social, ou seja, diz respeito ao custeio do sistema. Dessa forma, existem duas relações jurídicas básicas, a do Estado em prestar os benefícios aos indivíduos, e destes em contribuir ao Estado para o financiamento do sistema.
144
O Estado atua como gestor do Sistema da Seguridade Social, e garante o
cumprimento da solidariedade por meio do artigo 193 da Constituição Federal, que
prescreve que a ordem social tem como base o primado do trabalho, o qual se
apresenta também como princípio fundamental de nosso sistema jurídico, ao lado
dos da igualdade e da dignidade da pessoa humana, nos termos dispostos no artigo
1º, inciso IV, da Carta Magna.
Manuel Sebastião Soares Póvoas definiu risco social da seguinte maneira:
Os riscos que espreitam o homem profissional, integrado na sociedade, e cuja materialização é causa de desigualdade social do elemento atingido, em relação aos restantes membros do grupo social a que pertence. Os principais riscos sociais são: o desemprego, os acidentes, a morte, a sobrevivência, mas são, também, [...] todos os eventos que atinjam negativamente os indivíduos ativos, como mudança involuntária do local de trabalho, a mudança involuntária de emprego e, de uma forma geral, todos
143
Seguridade social e direitos humanos. São Paulo: LTr, 2007, p. 128. 144
Ibidem, p. 138.
115
os eventos externos, de caráter sociopolítico que tenham como consequência a degradação do seu nível de vida.
145
Nesse sentido, o risco social coberto pela Previdência Social consiste em
todos os eventos que atinjam negativamente indivíduos ativos.
Póvoas distingue os riscos sociais em duas classes. Vejamos:
Figura 6 – Classes de riscos sociais.
Fonte: Adaptado de Póvoas.146
No âmbito das ações regressivas, estamos diante de riscos exógenos, uma
vez que eles se materializam por causas alheias ao indivíduo, ou seja, por uma
conduta negligente do empregador no meio ambiente do trabalho. Já os riscos
endógenos estão consubstanciados nas doenças degenerativas e que não possuem
nenhuma relação com a atividade profissional do empregado.
A materialização dos riscos sociais compreende rebaixamento do padrão de
vida e determina a existência de necessidades previdenciárias. No entanto,
considerando a segurança social, só estão cobertos os riscos sociais especificados
em lei.
Da habitação ao funeral, os riscos sociais estão presentes na vida física e
econômica dos indivíduos, com casos de necessidade. Nas palavras de Póvoas,
145
Previdência privada: filosofia, fundamentos técnicos, conceituação jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 224-225.
146 Ibidem, p. 64.
• Materializam-se por causas
alheias ao indivíduo. RISCOS
EXÓGENOS
• Materializam-se por causas inerentes à natureza
biossocial do indivíduo.
RISCOS ENDÓGENOS
116
Numa sociedade ideal, qualquer estado de necessidade deveria encontrar os meios necessários de atendimento, mas infelizmente tal sociedade não existe, e os estados de necessidade são atendidos dentro das possibilidades dos sistemas de segurança social que cada país conseguiu instituir.
147
Entre os riscos sociais cobertos, temos a incapacidade laborativa, que se
apresenta por um estado de necessidade complexo, visto que há a consequente
interrupção dos ganhos habituais, além da necessidade de tratamento médico,
hospitalar e medicamentoso.
A invalidez também se apresenta como um risco social coberto, contudo, o
estado de necessidade presente nos casos de invalidez, em geral, é tão complexo
quanto a doença. A invalidez pode ser decorrente de acidente ou doença,
apresentando-se como parcial ou total, e como temporária ou permanente. A
invalidez consiste em uma incapacidade para o trabalho ao qual o segurado estava
habilitado.
Póvoas destaca que,
No Brasil, a cobertura da invalidez faz parte do leque de garantias do sistema da segurança social, quer na sua parte geral, quer na parte específica dos acidentes de trabalho. Numa e noutra parte, se verificam dois estágios: o do auxílio-doença e o da aposentadoria.
148
Cumpre observar que a incapacidade decorrente de acidente do trabalho
também faz parte do risco social, mas dá ao trabalhador um tratamento especial,
mais favorável, pois considera o empregador como o responsável objetivamente
pelos acidentes dos seus empregados.
A partir da existência da responsabilidade objetiva do empregador, estamos
diante de duas novas vertentes:
a) a obrigatoriedade do Seguro de Acidentes do Trabalho (SAT); e
b) a inclusão dos acidentes do trabalho no sistema de segurança social.
A cobertura do seguro social, também denominada indenização da
infortunística, trata-se da responsabilidade previdenciária que decorre da tutela
social ao risco do trabalho, na modalidade objetiva, de forma tarifada.
147
Previdência privada: filosofia, fundamentos técnicos, conceituação jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 66.
148 Ibidem, p. 75.
117
O segurado faz jus por verter contribuições para a Previdência Social com essa destinação. Aliás, na socialização do risco de acidente do trabalho, embora maior a contribuição empresarial, os próprios trabalhadores participam de seu custeio, seja por intermédio de descontos salariais, seja através da contribuição pública da União que é realizada genericamente por toda coletividade. O seguro social cobre riscos genéricos e específicos contra eventos futuros previsíveis ou imprevisíveis dos seus segurados diretos ou indiretos, tendo por finalidade precípua proteger obreiros e seus familiares do infortúnio que ocorra no âmbito laboral.
149
A Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso XXVIII, garante aos
trabalhadores seguro contra acidentes do trabalho, a cargo do empregador, sem
excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.
No entanto, a questão que se põe seria sobre a cumulatividade do benefício
previdenciário decorrente de acidente do trabalho com a indenização acidentária.
Não obstante haver contrariedade junto ao Supremo Tribunal Federal no Recurso
Extraordinário nº 75.557 (RT 462/266), a posição que se firmou, inclusive com a
existência de Súmula, é sobre a cumulatividade.
Mauro Cesar Martins de Souza salienta que
Resta evidente, pois, que tem o empregado vitimado em serviço duas proteções distintas: por primeiro, a ação acidentária para recebimento da indenização tarifária decorrente exclusivamente do acidente do trabalho; e, por segundo, a indenização de direito comum, se, além do acidente do trabalho, o evento danoso apresentar, ainda, a característica de ato culposo. Tecnicamente, os fundamentos do benefício previdenciário e da reparação do ato ilícito são bastante distintos. A previdência paga em razão do risco social coberto por ela. O empregador indeniza o dano decorrente de culpa sua.
150
Com a teoria do risco social, as necessidades sociais passam a ser de
responsabilidade da sociedade, todavia, o empregador, mesmo que contribua para o
custeio do risco social – acidente do trabalho –, ainda tem o dever de arcar com as
consequências de suas ações ou omissões no meio ambiente laboral.
Concluímos esta subseção ressaltando que a teoria do risco social não exime
o empregador de ressarcir os cofres da Previdência Social, por meio de ação
regressiva, pelos prejuízos que causou em decorrência de sua negligência na
ocorrência do dano. A simples ocorrência do risco, ainda que causado pelo
149
Responsabilidade civil decorrente do acidente de trabalho: doutrina e jurisprudência. Campinas: Aga Juris, 2000, p. 71.
150 Ibidem, p. 83.
118
empregador, não gera o seu dever de ressarcir os cofres da Previdência Social; o
que fundamenta tal obrigação é o dano causado pela negligência.
119
5 A VERTENTE CIVILÍSTICA DO INSTITUTO DAS AÇÕES REGRESSIVAS
Já tratamos da relação do Direito Social com o Direito Civil, especialmente no
âmbito das ações regressivas, concluindo que estas possuem natureza de direito
social.
O artigo 120 da Lei nº 8.213/91 dispõe:
Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.
Pela localização geográfica do referido dispositivo legal, que trata dos Planos
de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências, estamos diante, sem
dúvida, de um direito social, que possui fundamento basilar no instituto da
responsabilidade civil.
As questões relacionadas ao custeio e ao aumento demasiado do número de
acidentes do trabalho, bem como à necessidade de políticas públicas a fim de
diminuir o número desses acidentes, embasam a natureza social do instituto, até
mesmo porque, repondo aos cofres da Previdência Social os montantes gastos com
os benefícios decorrentes de acidentes do trabalho, referidos valores ficariam
disponíveis para outras coberturas sociais.
No âmbito da responsabilidade civil, que funciona como principal fundamento
do artigo 120 da Lei nº 8.213/91, estamos diante de dois institutos de Direito Civil.
Primeiro, há a responsabilidade civil, fundada na culpa do empregador, quando ele
deixa de adotar todas as medidas de saúde e de segurança no meio ambiente
laboral, sendo, portanto, o responsável pelo prejuízo causado aos cofres da
Previdência Social. Em segundo lugar, estamos diante do instituto da ação de
regresso, uma ação eminentemente civil.
No entanto, a nossa maior preocupação é que muitos operadores do Direito
estão inclinados a interpretar o artigo 120 da Lei nº 8.213/91 exclusivamente no
sentido da responsabilidade civil, buscando a reparação do prejuízo causado.
Tal fato nos preocupa em razão de realmente haver uma conotação social no
referido artigo, e parece-nos que tal dispositivo vem sendo interpretado de maneira
ampla, de modo a autorizar o julgador a aplicar o instituto da responsabilidade civil a
qualquer ato do empregador, ou de terceiro.
120
Se formos dar interpretação civilística, sob a ótica da responsabilidade civil, a
todos os fatos que ensejam benefícios previdenciários, logo estaremos nos
deparando, por exemplo, com ações regressivas do INSS em desfavor do segurado
fundadas na descoberta de que o benefício previdenciário foi implantado em razão
de acidente em que o próprio segurado deu causa (culpa exclusiva da vítima),
tornando-se uma excludente de responsabilidade.
Cabe observar que essa desmedida interpretação civilística aos institutos de
Direito Social pode trazer graves consequências a toda a sociedade, que
desacreditará ainda mais nesse Direito Social regulado pelo Regime Geral de
Previdência Social.
Dessa forma, entendemos que as ações regressivas possuem, sim, uma
vertente civilística, mas é só isso, apenas uma vertente, que deve ser considerada,
pois estamos diante de uma regra de Direito Social, até mesmo pela localização
geográfica do instituto, que está previsto na Lei nº 8.213/91, uma norma de Direito
Social.
5.1 A responsabilidade civil em confronto com a solidariedade social
A solidariedade social tem natureza de objetivo constitucional e está
estampada no artigo 3º, inciso I, da Constituição Federal, ao garantir uma sociedade
solidária. Referido objetivo vem publicado novamente no inciso III do mesmo
dispositivo, quando fixa também o desígnio da erradicação da pobreza e da
marginalização, bem como das desigualdades sociais e regionais. Acertadamente,
Wagner Balera sintetiza o objetivo constitucional com uma proposição: “é necessário
que cada qual seja solidário com os demais, de tal arte que todas as pessoas
tenham mínimas condições de vida”.151
A questão da solidariedade social ganha status de direito humano sempre que
a interpretamos como fraternidade. Afinal, uma sociedade solidária é uma sociedade
fraterna. Nesse sentido, trazemos as lições de Ricardo Sayeg e Wagner Balera para
resumir os passos que o magistrado deve seguir para a aplicação dessa
fraternidade:
151
Sistema de seguridade social. 6. ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 157.
121
1) considerar todas as partes envolvidas, tendo em mente que são pessoas humanas, revestidas de dignidade; 2) buscar perceber a aflição em que se encontram, diante do caso concreto; 3) ouvir, com atenção, a versão e as razões de cada uma delas; 4) colocar-se na situação em que elas se encontram; 5) interagir com elas; e 6) aplicar a decisão mais fraterna, que será a que satisfaça a dignidade de todas as pessoas envolvidas, sendo misericordioso onde houver miséria.
152
Considerando esses seis mandamentos da postura do magistrado, em se
tratando de fraternidade, bem como levando em conta a existência de uma vertente
civilística no dispositivo legal do artigo 120 da Lei nº 8.213/91, estamos diante de
uma colisão de direitos, pois, enquanto o Direito Social adota a solidariedade e,
assim, uma postura fraterna, o Direito Privado, especialmente na responsabilidade
civil, adota uma postura patrimonialista e busca tão somente o ressarcimento do
prejuízo, enxergando o autor do dano como um vilão. Aliás, aflição nenhuma do
autor do dano seria capaz de reduzir a sua responsabilidade, ou mesmo o valor da
indenização.
Essa visão patrimonialista da responsabilidade civil impede a plena
efetividade do Direito Social, afinal, na visão patrimonialista da responsabilidade civil
não existe decisão fraterna.
Talvez esse seja o cerne do problema aqui estudado, pois atribuir uma
interpretação exclusivamente civilística à ação regressiva corresponde a abandonar
a solidariedade social, o que não seria possível, visto que a ação regressiva é
instrumento para dar efetividade à solidariedade diante dos infortúnios.
Recompondo os cofres públicos, por meio dos valores arrecadados com as
ações regressivas, estaremos diante da efetiva solidariedade social, garantindo a
cobertura das necessidades dos indivíduos que contribuíram para o sistema em
busca de uma contrapartida.
Ora, não existe solidariedade social na interpretação civilística? Quando
pensamos que o Direito Civil está para regulamentar as questões patrimoniais e que,
quando falamos em patrimônio, somos severos em garantir a integridade do
patrimônio de cada um, e assim o fazemos com a responsabilidade civil, que visa a
recompor o prejuízo causado, as questões atinentes à solidariedade acabam ficando
152
O capitalismo humanista. Petrópolis: KBR, 2011, p. 127.
122
em um segundo plano e se apresentam muito distantes do ressarcimento efetivo do
dano.
Em contrapartida, sob o enfoque exclusivamente previdenciário, Maria da
Glória Chagas Arruda ensina:
A visão mais moderna da seguridade social (concepção distributiva) coloca que o fundamento do direito à seguridade não se baseia no exercício de atividade profissional e na contribuição de cada indivíduo para o sistema, mas encontra-se nas necessidades dos indivíduos, tendo em conta a existência de uma solidariedade natural entre os membros da coletividade nacional.
153
Manuel Sebastião Soares Póvoas, por sua vez, prefere chamar solidariedade
social de mutualismo. Vejamos:
Nossa vocação mutualista, que encontra seus fundamentos morais no sentimento da solidariedade, olha os montepios com devoção e deseja que eles possam reencontrar o espírito que animou as mutualidades na pureza dos seus objetivos, mas não nos permite que cerremos os olhos à realidade, que desde o momento em que foram criadas as sociedades de capital, abandonou a ideia de previdência lida estritamente à operação mutualista, para formar o consenso de que o interesse previdenciário privado do homem, num conceito de massificação institucional, estará tanto mais difundido, quanto maiores e mais poderosas forem, em termos financeiros, as entidades em que estiver inscrito.
154
Desse modo, notamos muitos percalços para dar uma interpretação de
solidariedade social às ações regressivas. Contudo, fazê-lo não é difícil, e, na
subseção a seguir, demonstraremos essa possibilidade.
5.2 A interpretação das ações regressivas deve ser civil ou social?
Partiremos do argumento de que o artigo 120 da Lei nº 8.213/91 engloba um
direito social com nuança na responsabilidade civil. Por se tratar de hermenêuticas
nitidamente distintas, é forçoso reconhecer que há, sem dúvida, grande dificuldade
de encontrar uma interpretação que se amolde ao texto legal.
Carlos Maximiliano aponta que
153
A previdência privada aberta como relação de consumo. São Paulo: LTr, 2004, p. 20. 154
Previdência privada: filosofia, fundamentos técnicos, conceituação jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 35.
123
A Ciência do Direito não é só elemento relativamente criador, apto a suprir lacunas dos textos; mas também um fator de coordenação e de exegese; auxilia a eliminar contradições aparentes e atingir, através da letra rígida, ao ideal jurídico dos contemporâneos.
155
Com base nos ensinamentos de Miguel Reale acerca da teoria tridimensional
do Direito, assim entendida como fato, valor e norma, como um fator de
coordenação, e buscando, sobretudo, eliminar contradições aparentes, a Ciência do
Direito irá nos auxiliar nessa questão da interpretação das ações regressivas.
Uma forma de realizar uma interpretação mais adequada aos anseios dos
direitos sociais parece-nos a maneira trazida por Pietro Perlingieri, quando cuida da
despatrimonialização do Direito Civil, que se trata
[...] de tendência normativo-cultural: evidencia-se que no ordenamento fez-se uma opção, que lentamente vai se concretizando, entre personalismo (superação do individualismo) e patrimonialismo (superação da patrimonialidade fim a si mesma, do produtivismo, antes, e do consumismo, depois, como valores).
156
Embora Perlingieri seja um doutrinador italiano, suas obras ganham o mundo,
em razão de estarem baseadas nas transformações sociais, que não são só
italianas, mas também globais.
Essa aparente superação do individualismo, consistente no personalismo,
bem como a superação da patrimonialidade, mostra-se, em nosso entender, como o
que melhor se amolda para responder à indagação desta subseção. Essa superação
do individualismo, aliada à superação da patrimonialidade, ou seja, à
despatrimonialização do Direito Civil, é o melhor caminho a seguir para a
interpretação das ações regressivas.
A preocupação com o próximo serve de cenário para a interpretação do
referido dispositivo legal. E essa exegese nos leva a um conteúdo social de
interpretação, inclusive no âmbito civil.
A partir do momento em que entendemos o Direito Civil não apenas como
garantidor de patrimônio, mas sim como um mecanismo de direção da sociedade em
busca de um fim comum, ficamos mais próximos da solidariedade social, e
passamos a buscar um fim social na interpretação de todo o ordenamento jurídico.
155
Hermenêutica e aplicação do direito. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 195. 156
O direito civil na legalidade constitucional. Trad. Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 121.
124
Se as ações regressivas possuem vertente civilística, não obstante
constituam um direito social, ao realizarmos a interpretação dessa vertente civilística,
despatrimonializando o Direito Civil, superando o individualismo, certamente teremos
uma interpretação social.
Assim, não nos resta dúvida alguma de que as ações regressivas acidentárias
podem ser interpretadas de maneira social, ainda que contenham instituto e
responsabilidade civil, pois a interpretação do Direito Civil deve ser social.
Mas de que maneira poderíamos despatrimonializar o instituto das ações
regressivas, uma vez que o seu conteúdo é estritamente patrimonial, considerando
que busca ressarcir as despesas da Previdência Social com o pagamento de
benefício cuja causa é a negligência do empregador?
Certamente, a despatrimonialização virá com o reconhecimento de que
existem riscos imprevisíveis e de que, ainda que o empregador seja diligente, talvez
não conheça a possibilidade de ocorrência de novos riscos. Virá também com o
reconhecimento de que ressarcir os cofres da Previdência Social com dinheiro, com
certeza, não atenuará a ocorrência de acidentes do trabalho, não produzindo o efeito
pedagógico esperado, mas a pena não pecuniária, convertida em obrigação de
fazer, ou seja, adotar as medidas de saúde e segurança laboral para evitar que
outros empregados sejam vítimas de tais eventos, trata-se de mais uma maneira de
despatrimonializar o Direito Civil.
Diante disso, questionamos: a Previdência Social, não sendo ressarcida em
dinheiro, suportará o déficit? Seguramente, pois a adoção de medidas de saúde e
segurança do trabalho, na prevenção de riscos ocupacionais, trará maior proteção
aos trabalhadores e assegurará, sobretudo, a dignidade desses indivíduos, com a
garantia de um meio ambiente laboral saudável e salubre, e, certamente, com
empregados satisfeitos em seus postos de trabalho, haverá a diminuição do
desemprego e o consequente aumento na arrecadação.
Maximiliano destaca que “não há ciência isolada e integral; nenhuma pode ser
manejada com mestria pelo que ignora todas as outras. Quando falham os
elementos fisiológicos e os jurídicos, e força recorrer aos filosóficos e aos históricos,
às ciências morais e políticas”.157
157
Hermenêutica e aplicação do direito. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 196.
125
Ante as palavras de Maximiliano, concluímos pela interdisciplinaridade das
Ciências na interpretação da norma jurídica. A interpretação social de um Direito
Social parece-nos demasiadamente comum, mas a interpretação social de um
Direito Civil atende aos anseios de uma sociedade hipermoderna, que conhece a
necessidade de um Direito mais fraterno.
É necessário comentar, ainda, a questão atinente à socialização do Direito, na
qual, sob a ótica da responsabilidade civil, trazida por Afranio Lyra,
[...] se examina a conduta do agente e só importa saber se o interesse social exige a reparação, [trata-se de] doutrina inaceitável porque o direito é feito para os indivíduos e não para a sociedade. Não há necessidade sem indivíduos e o indivíduo é o centro do direito, de modo que no problema da responsabilidade só deve ser encarada a conduta dos indivíduos.
158
A posição do referido autor revela-se, a nosso ver, como um contraponto de
tudo o que pesquisamos até o presente momento, visto que há, sim, de se perder a
posição individualista em reparar o prejuízo da vítima e voltar os olhos para toda a
sociedade, evitando que não ocorram novamente prejuízos com as demais pessoas
da comunidade.
Encontramos na função social da norma jurídica aqui em estudo, as ações
regressivas, a resposta para o questionamento desta subseção. A função social
[...] deve entender-se como os “efeitos” sociais de um instituto jurídico sobre a sociedade como um todo. Se relacionarmos todos os efeitos específicos de uma instituição jurídica sobre a sociedade como um todo, as funções individuais parciais fundem-se numa única função social. A finalidade explícita das normas, isto é, efeito para o qual são criadas, pode sofrer várias espécies de distorção: uma é a manipulação ou mentira, pura e simples, o que não é objeto de indagação de RENNER. A outra é a sua alteração por fatores extrajurídicos, mais especificamente econômicos.
159
Com efeito, as ações regressivas trazem efeitos sociais quando aplicadas, no
entanto, aparentemente, a finalidade explícita dessa norma corresponde à
recuperação dos valores despendidos pela Previdência Social com o pagamento de
benefício previdenciário concedido em decorrência de negligência do empregador,
conforme dispõe o artigo 120 da Lei nº 8.213/91. Contudo, quando empregamos
essa interpretação exclusivamente econômica, há verdadeira distorção da norma, já 158
Responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Livraria Jurid Vellenich, 1979, p. 87. 159
LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito e transformação social: ensaio interdisciplinar das mudanças no direito. Belo Horizonte: Nova Alvorada, 1997, p. 137.
126
que a sua finalidade principal é a de política pública, ou seja, de evitar que futuros
acidentes do trabalho ocorram por negligência do empregador, de modo que, após
ser condenado, este passe a adotar todas as medidas de saúde e segurança no
meio ambiente do trabalho.
Nesse diapasão, Maria Helena Diniz esclarece que,
Ante a concepção atual de positivação, o direito positivo não é produzido pelo órgão legiferante; este apenas escolhe uma possibilidade de regulamentação do comportamento em detrimento de outras. Com isto o problema central da ciência jurídica passou a ser a decidibilidade, e não a verdade. Dos enunciados científico-jurídicos, que compõem as teorias jurídicas, por terem natureza criptonormativa, decorrem consequências programáticas de decisões, pois devem prever que, com sua ajuda, os problemas sociais sejam solucionáveis sem perturbações.
160
Essa seria a preocupação central desta tese, ou seja, de que a interpretação
do artigo 120 da Lei nº 8.213/91 seja realizada com a maior técnica jurídica possível,
solucionando os problemas sociais, e não como está sendo interpretada pelo Poder
Judiciário, como instituto exclusivamente de responsabilidade civil que não tem
nenhuma vinculação com os direitos sociais.
José de Aguiar Dias, décadas atrás, já se encontrava atormentado com essa
problemática, a qual denominava método extremista:
Sustenta alguém que a pessoa humana é digna de respeito e seus adversários chamam que isso é individualismo ferrenho, que a sociedade é que importa etc. ... Em compensação quando se invocam os direitos da coletividade, não tarda o outro grupo em bradar, alarmado, que essa opinião representa desprezo da responsabilidade humana, com sua alma e seu inextinguível valor moral.
161
O mesmo ocorre nos dias atuais: quando valorizamos demais o
individualismo, nos vemos diante de um descaso da coletividade, e quando
valorizamos a coletividade, há o descaso do individualismo. No entanto, as ações
regressivas acidentárias impõem ambas as interpretações, com variáveis de
importância, pois se trata de norma de Direito Social com fundamentação de
responsabilidade civil, e assim deve ser interpretada, pois se fosse norma de Direito
Civil, não estaria no artigo 120 da Lei nº 8.213/91.
160
Compêndio de introdução à ciência do direito. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 195. 161
Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1944, p. 79.
127
5.3 Seria uma interpretação de Direito Privado no Direito Público?
O tema desta subseção está em forma de questionamento, porque a grande
dúvida na interpretação das ações regressivas não reside em aplicar a
responsabilidade civil nos casos de negligência do empregador na adoção de
medidas de saúde e segurança no meio ambiente laboral. A questão é que uma
norma de Direito Social (Direito Público) traz como fundamento a responsabilidade
civil (Direito Privado) e, na aplicação, os Tribunais estão fundamentando suas
decisões exclusivamente no âmbito do Direito Privado, olvidando-se de que se trata
de uma norma de Direito Público.
Todavia, quando pensamos na funcionalização do Direito Privado, que se
sobrepõe à perspectiva estrutural do Direito Privado, entendemos que os institutos
jurídicos são sempre analisados como instrumentos para a consecução de
finalidades úteis e justas.
Ao supor-se que um determinado instituto jurídico esteja funcionalizado, atribui-se a ele determinada finalidade a ser cumprida, restando estabelecido pela ordem jurídica que há uma relação de dependência entre o reconhecimento jurídico do instituto e o cumprimento da função.
162
Pablo Renteria destaca que,
Com isso, surgem no ordenamento diversos mecanismos que efetuam o controle dos atos jurídicos perante as finalidades do sistema. Essa finalidade social é inerente a qualquer situação jurídica subjetiva, mesmo àquela que não exiba nenhuma relevância social, ou seja, que não tenha aparentemente nenhum impacto sobre interesses coletivos ou difusos. Assim, mesmo na relação contratual que contraponha tão simplesmente interesses individuais patrimoniais, há uma finalidade social inerente que informa a tutela deferida pelo ordenamento.
163
Quando pensamos na finalidade social da responsabilidade civil nas ações
regressivas, a interpretação do Direito Privado em uma norma de Direito Público soa
natural.
162
RENTERIA, Pablo. Considerações acerca do atual debate sobre o princípio da função social do contrato. In: MORAES, Maria Celina Bodin de (coord.). Princípios do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 294.
163 Idem, ibidem, p. 294-295.
128
Ainda nesse contexto, com a funcionalização do Direito, Claus-Wilhelm
Canaris ressalta que “os sujeitos de direito privado se encontram, eles próprios,
vinculados aos diretos fundamentais”.164
Para fundamentar a assertiva, Canaris explica que a compreensão é muito
simples e se faz por meio de três indagações:
Figura 7 – Indagações sobre os direitos fundamentais.
Fonte: Elaborado pela autora, com base em Canaris.165
Diante da ausência de respostas capazes de justificar a inaplicabilidade dos
direitos fundamentais aos sujeitos de Direito Privado, nosso posicionamento
corresponde ao entendimento de Canaris, de que “os direitos fundamentais devem
ser aplicados a leis de direito privado como direito imediatamente vigente”.166
Aliás, parece-nos que o preâmbulo de nossa Constituição é claro ao
estabelecer seu objetivo, que consiste em instituir um Estado Democrático,
destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a
segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores
supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na
164
Direitos fundamentais e direito privado. 3. reimp. Trad. Ingo Wolfgang Sarlet e Paulo Mota Pinto. Coimbra: Almedina, 2003, p. 52.
165 Ibidem, p. 52.
166 Ibidem, p. 129.
• Quem é destinatário dos direitos fundamentais – apenas o Estado e os seus órgãos, ou também os sujeitos de Direito Privado?
Primeira
• O objeto de controle, segundo os direitos fundamentais, é o comportamento de quem – o comportamento de um órgão do Estado, ou de um sujeito de Direito Privado?
Segunda
• Em que função são aplicados os direitos fundamentais – como proibições de intervenção, ou como imperativos de tutela?
Terceira
129
harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução
pacífica das controvérsias.
No seu artigo 1º, a Constituição Federal estabelece como fundamentos a
dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa, e,
como objetivos fundamentais, construir uma sociedade livre, justa e solidária,
garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais.
Posicionamo-nos no sentido de que os direitos fundamentais possuem
aplicação imediata ao Direito Privado. Isso porque, como explica Canaris,
A função dos direitos fundamentais de imperativo de tutela carece, em princípio, para a realização, da transposição pelo direito infraconstitucional. Este não fica, porém, de tal circunstância, em princípio subtraído à disposição do legislador ordinário, pois é apenas na sua globalidade que tem de oferecer uma eficaz proteção dos direitos fundamentais, e os diversos regimes específicos não são, enquanto tais, determinados constitucionalmente. Ao legislador ordinário fica aqui aberta, em princípio, uma ampla margem de manobra entre as proibições da insuficiência e do excesso.
167
Outra forma de resolver a questão da interpretação de Direito Privado no
Direito Público seria por meio do pragmatismo jurídico, uma resposta capaz de
atender aos anseios dos operadores do Direito ao interpretarem o artigo 120 da Lei
nº 8.213/91.
Embora se assemelhe muito a um estilo de pensamento, não se tratando de
uma corrente, o pragmatismo
[...] está mais próximo de um comentário contínuo à cultura. O pragmatista não tem qualquer apego ao estilo que representa, sendo opinião comum de que a postura típica de um pragmatista não exige dele qualquer tipo de conhecimento prévio ou domínio teórico do instrumental crítico do pragmatismo filosófico.
168
O pragmatismo se apresenta com as seguintes características:
167
Direitos fundamentais e direito privado. 3. reimp. Trad. Ingo Wolfgang Sarlet e Paulo Mota Pinto. Coimbra: Almedina, 2003, p. 138.
168 KAUFMANN, Rodrigo de Oliveira. Direitos humanos, direito constitucional e neopragmatismo. São Paulo: Almedina, 2011, p. 85.
130
Figura 8 – Características do pragmatismo.
Fonte: Elaborada pela autora.
O antifundacionismo nos leva à noção de que a filosofia não deve ser
interpretada como um exercício de formulação de uma representação do mundo.
O consequencialismo, por sua vez, é o olhar do pragmatista para o futuro. “O
pragmatista foca sua preocupação, portanto, para a frente, para o futuro, e dá valor
apenas relativo ao passado.”169
Já o contextualismo diz respeito às conclusões retiradas de análises
filosóficas. “Pauta-se na noção de „experiência‟, reservatório de dados e informações
que, concebidos individual ou coletivamente, estruturam as pré-compreensões e
preconceitos de cada pessoa.”170
Mas, afinal, a que corresponde o pragmatismo jurídico? O pragmatismo
jurídico corresponde a “resolver problemas jurídicos usando todos os instrumentos
que estão à mão, incluindo precedente, tradição, texto legal e política social, e
renunciando ao grande projeto de criar uma fundamentação teórica para o direito
constitucional”.171
Lembramos que, no caso das ações regressivas, não é preciso abandonar a
fundamentação teórica do Direito Constitucional, uma vez que nossa Constituição
estabelece como princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana e o valor
social do trabalho.
169
KAUFMANN, Rodrigo de Oliveira, Direitos humanos, direito constitucional e neopragmatismo. São Paulo: Almedina, 2011, p. 92.
170 Idem, ibidem, p. 101.
171 Idem, ibidem, p. 126.
PR
AG
MA
TIS
MO
Antifundacionismo
Consequencialismo
Contextualismo
131
Rodrigo de Oliveira Kaufmann melhor esclarece o sentido do pragmatismo
jurídico, dizendo que não se trata
[...] propriamente [de] um conceito a ser identificado e esclarecido, mas [de] uma postura interpretativa do processo de decisão, da historicidade e pessoalidade dessa mesma hermenêutica, da limitação da racionalidade e teorização jurídica e dos próprios objetivos de utilidade e eficiência do Direito em relação aos casos concretos. Assim sendo, tudo que for crítica ao discurso de elogio e ciência do Direito ou das possibilidades racionais, teóricas e abstratas do pensamento jurídico traz em si um sentido fortemente pragmatista, mesmo que, para isso, não haja leitura do pensamento pragmatista ou conhecimento de seus mais ilustres autores.
172
Com o olhar pragmatista, sob a ótica do consequencialismo, na interpretação
das ações regressivas, o Direito e a lei devem olhar para o futuro, e, assim, nos
resta a seguinte indagação: se as ações regressivas, com nítido caráter repressor,
como já estudado em capítulo anterior, forem interpretadas somente na ótica do
Direito Civil, com objetivo meramente ressarcitório, atenderão ao escopo de política
pública para a redução dos riscos no meio ambiente do trabalho?
Parece-nos que esse método de interpretação pragmático resolve a questão
apresentada nesta subseção, mas continuaremos justificando o nosso
posicionamento, trazendo um pouco mais sobre o pragmatismo para a nossa tese.
Esse pragmatismo jurídico reforça as três características do pragmatismo,
como ilustrado na Figura 9:
Figura 9 – Características do pragmatismo reforçadas no pragmatismo jurídico.
Fonte: Elaborada pela autora.
172
KAUFMANN, Rodrigo de Oliveira, Direitos humanos, direito constitucional e neopragmatismo. São Paulo: Almedina, 2011, p. 127.
Consequencialismo
• O Direito e a norma sempre se voltam
para o futuro.
Contextualismo
• O ato de julgar, interpretar e legislar está condicionado
pelas circunstâncias
sociais, políticas, históricas e
econômicas.
Antifundacionismo
• O Direito não precisa descortinar
conceitos como verdade, realidade, natureza e justiça
para resolver problemas concretos.
132
A necessidade de uma interpretação pragmática do artigo 120 da Lei nº
8.213/91 impõe essa reflexão. Ora, se mantivermos tudo como está, cada vez mais
a interpretação civilística das ações regressivas levará ao estiolamento dos direitos
sociais. A interpretação das ações regressivas, nos dias atuais, apresenta-se com
viés exclusivamente ressarcitório, com a conotação puramente econômica de
recompor os prejuízos da Previdência Social. E certamente esse não é o objetivo
principal da norma jurídica. Se assim fosse, a localização geográfica da norma não
seria a Lei nº 8.213/91, e sim o Código Civil.
A interpretação da ação regressiva exige mudança, uma vez que o ato de
julgar, interpretar e legislar está condicionado pelas circunstâncias sociais, políticas,
históricas e econômicas, e, em se tratando de ações regressivas, as circunstâncias
sociais e políticas implicam uma interpretação voltada ao Direito Público, ainda que
as circunstâncias econômicas estejam presentes.
Cabe notar que, a respeito do critério da utilidade, eficiência e funcionalidade
do pragmatismo, Kaufmann leciona que
[...] não traria qualquer benefício funcional, a simples alteração de uma jurisprudência pelo mero prazer em alterá-la; traria insegurança e desestabilizaria as expectativas com o ordenamento e com o Direito, além de ir contra uma determinada aceitação pública daquela decisão, um determinado consenso que já teria se formado de que aquela decisão trouxe tranquilidade.
173
Por meio do antifundacionismo, conseguimos afastar o academicismo ou o
eruditismo, ressaltando que a atividade do Direito serve para resolver problemas da
maneira mais democraticamente aceitável possível, ainda que isso traga incoerência
aos sistemas abstratos imaginados pelos teóricos. Seria o Direito livre de teoria e
vinculado ao drama do caso concreto. E não haveria, de forma alguma, insegurança
jurídica, visto que o método de interpretação do pragmatista vale-se de precedentes,
tradição, texto legal e política social.
Essa vinculação ao drama do caso concreto possibilitará ao julgador
sentenciar o processo de ação regressiva da maneira que melhor atenda aos
interesses da sociedade, como medida de evitar futuros acidentes do trabalho,
173
Direitos humanos, direito constitucional e neopragmatismo. São Paulo: Almedina, 2011, p. 134.
133
criando um meio ambiente laboral seguro e salubre. As técnicas que o julgador irá
utilizar podem ser pena civil, obrigação de fazer, indenização pecuniária ou
corresponsabilidade do Poder Público, ou até mesmo as questões relacionadas à
função social da empresa. A resolução de todos os casos de ação regressiva com
indenização pecuniária parece-nos uma análise absolutamente patrimonial, que não
se coaduna com o próprio Código Civil, que é principiológico e atende à função
social do Direito.
Kaufmann enfrenta a questão da relação do Direito Público com o Direito
Privado, dizendo ser íntima, uma vez que
[...] conceitos fundamentais do direito constitucional, por exemplo, nasceram de institutos tradicionais do direito privado. Assim, “direitos fundamentais” é uma derivação, na teoria moderna do direito público, do conceito de “direito público subjetivo” – conceito criado por Jellinek em 1905, quando da publicação de seu sistema de direito público subjetivo – que, por sua vez, advém da velha noção de “direito subjetivo”.
174
Para resolver esse liame entre o Direito Público e o Direito Privado, nos
primeiros anos de vigência da Constituição Federal de 1988, o discurso valorativo e
principiológico do Direito Constitucional representou a evolução desse Direito, de
forma fechada e privatística, e, a partir de uma nova perspectiva constitucional,
houve a superação definitiva do olhar privatístico e positivista que imperava no
Direito Público.
Por esse motivo, entendemos que a interpretação das ações regressivas deve
ter o olhar do Direito Público, pois simplesmente interpretá-las de acordo com o
Direito Privado significa emprestar esse olhar exclusivamente privatístico e
positivista.
Kaufmann acrescenta que, “sob a perspectiva neopragmatista, esse talvez
seja o grande objetivo do Direito nos anos vindouros: construir consensos em
ambientes de interesse jurídico-político-ideológicos legítimos contrapostos”.175 Não
há uma única resposta correta para o pragmático, visto que o operador do Direito
resolve problemas político-jurídicos por meio de diálogo, da construção do consenso
e da pluralidade de informações e dados. E assim devem se pautar as ações
regressivas.
174
Direitos humanos, direito constitucional e neopragmatismo. São Paulo: Almedina, 2011, p. 149. 175
Ibidem, p. 384-385.
134
Abandonando o velho discurso da racionalidade jurídica,
A jurisdição constitucional, hoje, tem ao seu dispor importantes instrumentos que possibilitam conhecer todos os ângulos de uma questão (especialmente os ângulos não jurídicos) para poder exercer a sua criatividade e imaginação com plenitude. Basta que esses instrumentos sejam utilizados pragmaticamente.
176
Sob a ótica do Direito Privado, também encontramos o liame com o Direito
Público, quando pensamos na constitucionalização do Direito Civil, de modo que o
arcabouço do Direito Civil está revestido de eticidade, socialidade e operabilidade.
Rosa Maria de Andrade Nery sustenta que “não se pode negar, por outro lado, que
essa mudança de critério valorativo, a par de ter sido fruto da evolução científica do
próprio direito privado, é também chancelada por nossa Constituição Federal”.177
Com base nas justificativas acima apresentadas (funcionalização do Direito,
eficácia horizontal dos direitos fundamentais, método pragmático e
constitucionalização do Direito Civil) e, sobretudo, na visão pragmatista da norma
jurídica contida no artigo 120 da Lei nº 8.213/91, entendemos que a interpretação do
dispositivo legal em tela deve ser social, a fim de compreender as expectativas
sociais, políticas e econômicas da norma.
Destacamos, em nossa conclusão, que o ressarcimento dos valores pagos
pela Previdência Social ao segurado em razão da negligência do empregador na
adoção de medidas de saúde e segurança no meio ambiente laboral, muitas vezes
de acordo com o caso concreto, colide diretamente com os direitos fundamentais,
assim como com o valor social do trabalho e da livre-iniciativa. Gerar desemprego a
centenas de trabalhadores para repor os cofres da Previdência Social não nos
parece de acordo com os ditames de nossa Constituição.
176
KAUFMANN, Rodrigo de Oliveira. Direitos humanos, direito constitucional e neopragmatismo. São Paulo: Almedina, 2011, p. 387.
177 Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 58-60.
135
6 A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA COMO ARGUMENTO DE
ENFRAQUECIMENTO DAS AÇÕES REGRESSIVAS
Os incisos XXII e XXIII do artigo 5º da Constituição Federal garantem o direito
à propriedade e à sua função social, e são repetidos como princípios da ordem
econômica no artigo 170, incisos II e III, também da Carta Magna. Assim, devemos
entender que o legislador constituinte, ao inserir como direitos fundamentais a
propriedade privada e a sua função social, ofereceu-lhes caráter de princípio geral,
propagando-os por todo o ordenamento jurídico.
Nesse sentido, ensina José Afonso da Silva:
A instituição da função social da propriedade como princípio da ordem econômica fez desse princípio um instrumento para a realização da finalidade dessa instância do direito, qual seja, assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social.
178
A partir dessa leitura, concluímos, nas palavras de Pietro Perlingieri, “que a
produção, a empresa e seu incremento não representam os fins, mas os meios para
realizar interesses não alienáveis patrimonialmente”.179
Esses interesses não alienáveis patrimonialmente estão representados pela
aplicação da justiça social.
Diante desse arcabouço da função social, entendemos que a função social da
empresa engloba um conjunto de fenômenos indispensáveis para a coletividade,
assim como os reflexos das decisões empresariais para a sociedade e os direitos e
interesses que se situam em torno da empresa, os quais diferem em muito da
expectativa de lucro.
Sob a ótica das ações regressivas, torna-se importante traçar esse liame com
a função social da empresa, como mecanismo de realização de justiça social, uma
vez que é por meio dessa função social da empresa que empregados obtêm o
mínimo de dignidade, exercendo o seu labor para a realização de seu sustento.
E agora questionamos: todas as empresas são dotadas de função social?
Evidentemente que sim. Ainda que tenham somente um único empregado.
178
Curso de direito constitucional positivo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 790. 179
O direito civil na legalidade constitucional. Trad. Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 939.
136
Destacamos, aqui, a existência de microempresas e empresas de pequeno
porte optantes do Simples Nacional, nos termos do artigo 1º da Lei Complementar nº
123/2006. A simplicidade na tributação não dispensa nenhuma empresa de pequeno
porte ou microempresa do cumprimento dos direitos trabalhistas, uma vez que o
artigo 50 da referida lei propõe a estimulação, por parte do Poder Público e dos
serviços sociais, a formar consórcios para serviços especializados em segurança e
medicina do trabalho, assim como o artigo 55 do mesmo diploma determina a
fiscalização das empresas de pequeno porte e microempresas nos aspectos
trabalhista, metrológico, sanitário, ambiental e de segurança, e regula, ainda, que,
no caso de atividades que impliquem riscos, existe a necessidade do afastamento
desse procedimento. Vejamos:
Art. 50. As microempresas e as empresas de pequeno porte serão estimuladas pelo poder público e pelos Serviços Sociais Autônomos a formar consórcios para acesso a serviços especializados em segurança e medicina do trabalho. Art. 55. A fiscalização, no que se refere aos aspectos trabalhista, metrológico, sanitário, ambiental, de segurança e de uso e ocupação do solo das microempresas e empresas de pequeno porte deverá ter natureza prioritariamente orientadora, quando a atividade ou situação, por sua natureza, comportar grau de risco compatível com esse procedimento. (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014) § 1º Será observado o critério de dupla visita para lavratura de autos de infração, salvo quando for constatada infração por falta de registro de empregado ou anotação da Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS, ou, ainda, na ocorrência de reincidência, fraude, resistência ou embaraço à fiscalização. § 2º (Vetado.) § 3º Os órgãos e entidades competentes definirão, em 12 (doze) meses, as atividades e situações cujo grau de risco seja considerado alto, as quais não se sujeitarão ao disposto neste artigo.
O artigo 3º da lei em questão dispõe sobre o conceito de empresa de
pequeno porte e de microempresa, e, dada a sua condição de vulnerabilidade em
relação às empresas em geral, ofereceu-lhes tratamento especial.
Álvaro Zocchio destaca que
se o dono da empresa for seu único dirigente, ele assume as obrigações que correspondem a todos os níveis numa empresa de porte maior. Por que não? Mesmo que delegue a um empregado parte dessas obrigações, ele continua
137
sendo o único e verdadeiro responsável pelo cumprimento das obrigações prevencionistas na sua empresa.
180
No entanto, partimos do pressuposto de que o Direito não pode fechar os
olhos para a realidade, inclusive no âmbito das ações regressivas, vale notar que
nenhuma ressalva há em relação às empresas de pequeno porte e às
microempresas. Ora, com um simples exemplo, demonstraremos a impossibilidade
de condenação dessas empregadoras em ressarcir os cofres da Previdência Social.
Um segurado com 25 anos de idade passa a receber benefício previdenciário
decorrente de acidente do trabalho por invalidez no valor de R$ 1.000,00.
Certamente, a Previdência Social tentaria obter o ressarcimento do empregador
desse segurado, por meio de ação regressiva no valor aproximado de R$
625.000,00, valor esse que não se coaduna com a capacidade financeira das
empresas de pequeno porte, bem como com as microempresas, uma vez que, na
maioria das vezes, ultrapassa até mesmo o faturamento bruto anual dessas
corporações. Embora saibamos que a reparação está relacionada ao valor do dano
e não à capacidade econômica da empresa, é preciso um olhar mais atento para o
caso concreto na condenação dessas hipóteses de ação regressiva, um olhar de
solidariedade social enquanto direito humano, buscando uma solução fraterna para
o caso, conforme já citado na subseção 5.1, devendo, nas palavras de Ricardo
Sayeg e Wagner Balera:
1) considerar todas as partes envolvidas, tendo em mente que são pessoas humanas, revestidas de dignidade; 2) buscar perceber a aflição em que se encontram, diante do caso concreto; 3) ouvir, com atenção, a versão e as razões de cada uma delas; 4) colocar-se na situação em que elas se encontram; 5) interagir com elas; e 6) aplicar a decisão mais fraterna, que será a que satisfaça a dignidade de
todas as pessoas envolvidas, sendo misericordioso onde houver miséria.181
De que maneira resolveríamos a questão? Condenar essa empresa a
ressarcir a Previdência Social implicaria, sem dúvida, o encerramento das suas
atividades e a consequente demissão dos demais empregados, com a evidente
frustração dos direitos trabalhistas. Há de se cumprir o verdadeiro objetivo das
ações regressivas, oferecendo uma conotação pedagógica, ressaltando a sua
180
Como entender e cumprir as obrigações pertinentes a segurança e saúde no trabalho: um guia e um alerta para os agentes e chefia das empresas. 2. ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 47. 181
O capitalismo humanista. Petrópolis: KBR, 2011, p. 127.
138
política pública e, sobretudo, zelando pela tutela da saúde e da vida dos
trabalhadores, por meio do estímulo à observância das normas de saúde e
segurança laborais pelos mantenedores das condições ambientais de trabalho,
condenando essas empresas de pequeno porte, bem como microempresas, em
obrigação de fazer, ou seja, na adoção de medidas de proteção à saúde e
segurança do trabalhador no meio ambiente laboral, além de um ressarcimento
diferenciado, na medida de sua capacidade financeira, que deveria ser avaliada no
caso concreto, ante o vácuo legislativo.
Não se trata de deixar que a vertente econômica se sobreponha à vertente
social, mas de garantir condições de operabilidade à empresa, de modo que ela
possa continuar gerando empregos e satisfazendo os ditames de nossa
Constituição, garantindo a dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho e
da livre-iniciativa. Também não se trata de ignorar o prejuízo sofrido pela
Previdência Social diante da negligência do empregador na adoção de medidas de
saúde e segurança no meio ambiente do trabalho, mas de oferecer outra forma de
ressarcimento que mantenha a empresa em condições de operabilidade.
Aliás, a conotação econômica da ação regressiva deve ser deixada em
segundo plano, uma vez que o viés puramente ressarcitório é fruto de um
individualismo privatístico que já não faz parte da interpretação do Direito Privado.
Ricardo Sayeg e Wagner Balera afirmam que “a economia não deve ser
aceita como um instrumento de força que subjuga tudo e todos, transformando a
natureza do homem em super ou infra-humana”.182
Por essa razão, o viés de política pública, que objetiva reduzir o número de
acidentes do trabalho nas empresas, através da adoção de medidas de saúde e
segurança do trabalho, parece-nos muito mais apropriado para as empresas de
pequeno porte, bem como para as microempresas, pois a condenação que leva ao
fechamento de uma organização, por menor que seja, causa inúmeras demissões,
gerando o desemprego a um grande número de trabalhadores, e fere diretamente a
sua função social, já que “a exclusão econômica viola a dignidade da pessoa
humana e equivale à pena de banimento, embora o excluído não tenha cometido
qualquer crime”.183
182
O capitalismo humanista. Petrópolis: KBR, 2011, p. 135. 183
Ibidem, p. 178.
139
Além disso, há a necessidade da criação de uma condenação diferenciada
para essas empresas, de acordo com sua capacidade financeira e, sobretudo, com
possibilidade de parcelamento.
Não se trata de uma análise econômica da autora desta tese. O Direito
realizou essa análise, quando colocou em vigor a Lei Complementar nº 123/2006,
trazendo um tratamento diferenciado às microempresas e empresas de pequeno
porte, e assim entendemos que deve ocorrer com a condenação em ações
regressivas.
6.1 A função decorrente do poder de fato da empresa
É verdade que existem empresas que possuem tanto poder econômico
quanto um estado inteiro da Federação. Não é raro encontrar municípios onde
grande parte da população ativa trabalha para uma mesma empresa. Exemplo a ser
citado é o Município de Ipatinga, em Minas Gerais, e a Companhia Siderúrgica
Usiminas184.
Diante disso, pode-se dizer que há empresas que conseguem fazer o Poder
Público curvar-se a elas em benefício de sua função social.
Algumas pessoas, sobretudo do ramo empresarial, entendem que a função
social da empresa é gerar lucro, mas não é só isso. Evidentemente, gerar lucros é
estimular o crescimento econômico daquela empresa e, por conseguinte, contratar
mais empregados, garantindo a eles todos os direitos trabalhistas, bem como
recolher mais impostos, beneficiando, assim, o Poder Público.
Existem municípios que oferecem isenção tributária a certas empresas que
neles se instalarem, somente para gerar empregos e aumentar a circulação de
riquezas. Outros municípios oferecem o terreno, o imóvel onde será sediada a
empresa e o acesso de transporte público para o local, só para ver uma grande
companhia gerando empregos em seu território. Garantir a geração de empregos faz
parte da função social do município e da empresa, por isso a união de esforços do
184
BRONZATTO, Thiago. Pânico em Ipatinga, com as dificuldades da Usiminas. Revista Exame, 17 jun. 2013. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/revista-exame/panico-em-ipatinga/>. Acesso em: 28 jan. 2016.
140
empresário e do ente público. Um exemplo disso é o Município de Itirapuã,185 que
criou uma Lei de Incentivo Fiscal, trazendo inúmeras empresas e gerando
empregos. Existem muitos outros municípios em nosso país que geram empregos
dessa maneira.
A geração de empregos enquanto desdobramento da função social da
empresa demonstra que esta possui um poder de fato, que não faz parte da
legislação, de tal sorte que um simples ato pode causar um estrépito para toda a
massa de trabalhadores.
Nesse aspecto, concluímos que, quando for o caso, deve haver a condenação
em ação regressiva. Contudo, no momento da fixação da indenização, o juiz poderá
considerar todos os aspectos que envolvem a função social da empresa e evitar
uma catástrofe, aplicando uma pena de obrigação de fazer, bem como uma
condenação diferenciada, com possibilidade de parcelamento, de acordo com a
capacidade econômica da empresa e, sobretudo, impedir a propagação dos
resultados dessa condenação, que atingiriam a função social da empresa.
Para evitar essa propagação de resultados maléficos à empregadora,
sugerimos, como já salientado linhas atrás, a conversão da condenação em
obrigação de fazer, de modo que a empresa possa adotar medidas de segurança
para evitar que o prejuízo venha a ocorrer com todos os outros empregados, bem
como uma condenação diferenciada, de acordo com a capacidade econômica da
empresa, com possibilidade de parcelamento, afinal, o que se pretende com as
ações regressivas não é somente reaver o prejuízo pecuniário, mas também garantir
um meio ambiente de trabalho saudável e salubre. Evidentemente, ante a ausência
de previsão legal, essa condenação diferenciada ficaria a cargo do julgador, que,
segundo Pedro Romano Martinez,186 “antes de pensar na razão da decisão, pensa
na solução, valendo-se dos princípios para fundamentar sua decisão”.
185 Lei de incentivo fiscal atrai empresas à Itirapuã. Diário da Franca, 29 jun. 2013. Disponível em:
<http://www.itirapua.sp.gov.br/attachments/article/66/prefeitura%20incentiva%20novas%20empresas.
pdf>. Acesso em: 28 jan. 2016. 186
Ativismo judiciário como limite à liberdade contratual (Conferência). Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – FDUSP, São Paulo, 7 out. 2016.
141
6.2 Conteúdo e implicações da função social da empresa
Em razão do alto grau de abstração dos princípios constitucionais, eles são
aplicados em ilimitadas situações, de modo que só diante do caso concreto é que
teremos noção do seu exato alcance.
Buscando no próprio texto constitucional a função social, notamos que o
artigo 170 da Carta Magna declara que o fim da ordem econômica é assegurar a
todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social.
É importante esclarecer que a dignidade que se pretende assegurar não se
refere ao sujeito individual do empregador, mas à comunidade de trabalhadores,
colaboradores, que compõem a propriedade privada dos bens de produção.
A justiça social coloca em relação de reciprocidade o coletivo e o individual.
“Em uma sociedade desigual, a justiça social tem a função de superar essas
desigualdades, de buscar o equilíbrio.”187
A condução da empresa deve se realizar no sentido de propiciar a dignidade
coletiva, ou individual, uma vez que a empresa atua como agente da ordem
econômica. Nesse sentido, essa condução deve promover a distribuição de renda
como maneira de reduzir a desigualdade social.
Com razão, Carla Osmo sustenta que
A propriedade dos bens de produção, que, postos em dinamismo, constituem a empresa, apenas faz sentido se presente a viabilidade da produção de lucros. Se é este o objetivo da empresa, se é ele que lhe motiva a criação e a torna um investimento interessante, a imposição de uma função social que inviabilize a geração de riquezas tira a substância do direito.
188
Assim, destacamos que a função social da empresa não se trata do objetivo
geral desta, uma vez que o seu objetivo geral é o lucro. Na verdade, a função social
se apresenta como mero desdobramento do objetivo geral da empresa, e não pode
prevalecer quando inexiste o lucro.
Vale observar que as previsões contidas no artigo 170, incisos IV, V, VI e VIII,
da Constituição Federal tratam especificamente da livre concorrência, do
187
OSMO, Carla. Pela máxima efetividade da função social da empresa. In: NERY, Rosa Maria de Andrade (coord.). Função do direito privado no atual momento histórico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006 p. 281.
188 Pela máxima efetividade da função social da empresa, p. 282-283.
142
consumidor, do meio ambiente e do empregado, de modo que cada um desses
princípios conferem ao empregador regras para o cumprimento de sua função social,
estipulando deveres à empresa para garantir a plena efetividade da justiça social.
Entendemos que a função social da empresa também se apresenta como a
garantia de um meio ambiente laboral sadio e harmônico, contudo, não é apenas
condenando os empregadores a ressarcir os cofres públicos em razão da sua
negligência que teremos um ambiente laboral sadio e harmônico.
A indenização pecuniária da ação regressiva não garante um ambiente
laboral sadio e harmônico. Muito pelo contrário: na maioria das vezes, essa
condenação induz ao fechamento de filiais, gera centenas de desempregados,
motiva encerramento das atividades da empresa, ou causa mais negligência por
parte do empregador por ausência de condições financeiras para investir em saúde
e segurança no meio ambiente do trabalho.
Com efeito, apenas os quatro incisos acima citados, bem como dois artigos
do Código Civil, a saber, artigos 1.228, § 1º, e 1.239, tratam da função social da
propriedade, de modo que não há nenhuma menção a esse conteúdo para o Direito
Empresarial.
Cumpre considerar que a regra contida no artigo 421 do Código Civil vincula a
liberdade de contratar ao cumprimento de sua função social, no âmbito do contrato.
Aliás, todas as empresas se iniciam por meio de um ato constitutivo, que possui
natureza contratual. Portanto, a atividade da empresa deve observar a função social
do contrato.
No entanto, parece-nos demasiado descuido interpretar a função social do
contrato da mesma maneira que a função social da empresa, pois esta, quando não
observada, enseja as mais diversas catástrofes, ou seja, possui abrangência
ilimitada.
Sob a ótica das ações regressivas acidentárias, considerando que as
prestações são futuras e que o encerramento das atividades de uma empresa pode
resultar em prejuízo a toda a sociedade, destacamos a prática que vem sendo
adotada pelo INSS: a constituição de capital, fundamentada no artigo 533 do Código
de Processo Civil, com o objetivo de garantir a cobrança de eventual
inadimplemento futuro, por meio da indicação de imóveis, títulos de dívida pública,
aplicações financeiras em banco oficial, fiança bancária ou garantia real, gravame
esse que, consistindo na inalienabilidade e impenhorabilidade enquanto durar a
143
obrigação do devedor, deverá ser mantido até o cancelamento da prestação social
implementada pelo INSS. Entretanto, a constituição de capital é devida quando a
indenização por ato ilícito incluir a prestação de alimentos, o que não é o caso das
ações regressivas.
Sob o prisma da função social, percebemos que imóveis, aplicações
financeiras e fiança bancária fazem parte do fluxo de caixa de uma empresa, de
modo que bloquear esses bens como constituição de capital implica bloquear o
crescimento ou o próprio funcionamento da empresa, uma vez que todas as
empresas dependem de crédito, e, encontrando-se o crédito todo comprometido
com a constituição de capital, ainda que indiretamente, ferida estará a sua função
social.
6.3 A efetividade do princípio da função social da empresa
A partir da noção de que o Direito é justo, equânime, solidário, filiamo-nos à
posição de que o ordenamento jurídico possui uma própria justificação social, que
não se exaure em seu conteúdo estritamente patrimonial, mas que ainda contribui
para melhorar a qualidade de vida.
Então, encontramos uma vertente da função social, que é um dos
desdobramentos do objetivo da empresa.
Com efeito, atribuir efetividade ao princípio da função social da empresa é,
sobretudo, garantir uma racionalidade econômica, humanizando o
empreendedorismo.189
Os princípios impõem a realização de um fim juridicamente relevante, embora
não estipulem as condutas necessárias à sua realização, e também exprimem
valores. Para a correta interpretação de um princípio, o exame do caso concreto se
impõe para que se conclua acerca dos efeitos de determinada conduta e a
realização do objetivo que ela exprime.
A partir do exame do caso concreto, o julgador, ao aplicar o princípio da
função social da empresa às ações regressivas, deve colocar em uma balança as
189
Jeremy Rifkin, em Sociedade com um custo marginal zero, que trata da economia colaborativa, destaca a existência das benefit coporations, empresas, com ou sem fins lucrativos, que, não obstante operem como capitalistas, colocam à frente de seus objetivos as suas obrigações sociais e ambientais. Tais empresas também são definidas como empreendedorismo social (cf. RIFKIN, Jeremy. Sociedade com um custo marginal zero. São Paulo: M. Books, 2015).
144
questões atinentes à função social, à responsabilidade civil, à política pública de
prevenção de acidentes do trabalho e ao ressarcimento dos cofres da Previdência.
Figura 10 – Princípio da função social da empresa aplicado às ações regressivas.
Fonte: Elaborada pela autora.
Trata-se de uma engrenagem lógica, que a Constituição Federal traz para a
base de todo o nosso ordenamento jurídico, e a sua análise mostra-se relativamente
simples, uma vez que, com a aplicação do artigo 5º da Lei de Introdução às Normas
do Direito Brasileiro, o qual dispõe que, na aplicação da lei, o juiz deve atender aos
fins sociais a que ela se dirige, parece-nos que as questões patrimoniais, assim
como a responsabilidade civil e o ressarcimento dos cofres do INSS, passam a
figurar em segundo plano diante da função social da empresa e da política pública
de prevenção de acidentes do trabalho.
Retirando o conteúdo estritamente patrimonial, e oferecendo interpretação
destinada ao fim social, viabilizamos a efetividade do princípio da função social da
empresa.
Diante do caso concreto, para dar efetividade ao referido princípio, o juiz se
utiliza de elementos que estão fora do sistema jurídico, mas que integram e
Política pública de prevenção de
acidentes do trabalho e ressarcimento dos
cofres do INSS
Responsabilidade civil
145
fundamentam a sua decisão, em um exercício valorativo, delimitando quais efeitos a
norma produzirá na situação real.
Na análise da relação do princípio da função social da empresa com os
demais princípios constitucionais, encontraremos os princípios que mutuamente se
reforçam, os princípios que apontam para lados opostos e os princípios que estão
parcialmente interferindo uns nos outros. Na medida em que, na análise do caso
concreto, o juiz encontrar essa inter-relação, ficará seguro na aplicação da função
social da empresa. Como exemplos, poderíamos trazer o valor social do trabalho e a
livre-iniciativa, bem como a dignidade da pessoa humana, juntamente com a função
social da empresa, nesses casos em que a empresa não está em condições
financeiras de arcar com uma condenação em ação regressiva.
Outra maneira de efetividade do princípio da função social da empresa se dá
com o magistrado analisando as decisões judiciais anteriores para casos
semelhantes, observando os fatos e valores que levaram àquela decisão. Cabe
notar que não se trata de vinculação do juiz a uma jurisprudência, mas de
instrumento para que ele atinja a resposta adequada para aquele caso concreto.
Não se trata de conivência com as doenças ou a morte de trabalhadores em
acidentes do trabalho, mas de demonstrar que reparar um prejuízo pequeno, que
poderia ter sido evitado, se houvesse fiscalização intensa, pode se transformar em
dano desmesurado.
Só para ilustrar, ainda que se possa ter uma ideia de impunidade quando se
converte a indenização pecuniária em obrigação de fazer, ou em indenização
diferenciada, de acordo com a capacidade econômica da empresa, e possibilidade
de parcelamento, não há, de fato, impunidade. Pelo contrário, há a garantia do
emprego dos demais empregados e a certeza de que os empregados que não
sofreram acidente e continuam trabalhando terão um ambiente de trabalho seguro e
sadio.
Considerando que o nosso Estado avoca para si deveres como saúde,
segurança, educação etc., ele se apresenta como social, paternalista e
intervencionista. Nesse contexto, o Estado Social não pressupõe a igualdade entre
os homens, buscando-a por meio da intervenção na ordem econômica e social para
ajudar os menos favorecidos.
Canaris, com maestria, considera que os direitos fundamentais e a proibição
do excesso valem imediatamente para as normas de Direito Privado, e então
146
arremata que uma indenização em determinadas circunstâncias pode ser
inconstitucional se arrastar o lesante para a ruína econômica. Vejamos:
Em primeiro lugar, consideremos mais uma vez a tese de que os direitos fundamentais e a proibição do excesso valem imediatamente para as normas de direito privado. Daqui retirei, em tempos, a consequência de que uma obrigação de indemnização pode, em determinadas circunstâncias, ser inconstitucional, se arrastar o lesante para a ruína econômica.
190
Giselda Hironaka, por seu turno, propõe o caráter bipolar da responsabilidade
civil:
A responsabilidade civil deve ser depurada da absoluta patrimonialidade que a doutrina por longo tempo lhe conferiu, como instrumento de tutela da propriedade. Há um componente tipológico da responsabilidade, no senso de que ela responde a uma necessidade de tutela diferenciada. Vale dizer, a responsabilidade não apenas como garantia de recomposição patrimonial do lesado pela técnica compensatória na lógica da troca, mas também como exigência garantista em face de comportamentos reprováveis do lesante. Para que se assuma esta visa mais aberta do tema, requer-se uma revalorização do papel da culpa, agora em novas bases, não mais excludente, porém includente. Ao invés do monopólio da técnica da tutela pelo equivalente pecuniário, o sistema deve pôr em evidência remédios dissuasivos, aptos a prevenir hipótese de futuros danos, ou remédios que sancionam ilícitos de forma penalizante, exitosos na obra de prevenção. Daí se cogitar de um caráter bipolar do sistema de responsabilidade civil, por atender a finalidades diversas.
191
Essa sugestão de Giselda Hironaka, trazendo uma exigência garantista em
face de comportamentos reprováveis do lesante, implica prevenir futuros danos, e é
esse um dos objetivos da ação regressiva enquanto política pública. Não se trata de
não condenar, ou de condenar sem enxergar a catástrofe que essa condenação
criará. Trata-se de condenar, por meio de obrigação de fazer, para que empresa
passe a tomar as medidas de saúde e segurança no meio ambiente do trabalho,
bem como por meio de uma indenização diferenciada, de acordo com a capacidade
financeira da empresa, com possibilidade de parcelamento atendendo à sua função
social.
190
Direitos fundamentais e direito privado. 3. reimp. Trad. Ingo Wolfgang Sarlet e Paulo Mota Pinto. Coimbra: Almedina, 2003, p. 75-76.
191 Responsabilidade pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 88.
147
É importante acrescentar que, embora o principal responsável por essa
efetividade da função social da empresa seja o juiz, há um responsável paralelo, que
também pode contribuir em muito para a plena efetividade desse princípio, qual seja
o INSS, por intermédio de procuradores federais, responsáveis pelo ajuizamento de
ações regressivas, os quais podem e devem avaliar o impacto que eventual
condenação traria para determinada empresa diante do caso concreto e de que
maneira eventual condenação poderia respingar na sua função social.
148
CONCLUSÃO
Este estudo buscou, no instituto jurídico da ação regressiva, todas as
respostas que entrelaçam o Direito Privado com o Direito Público nesse campo, bem
como destacou as nuanças da responsabilidade civil que constituem vertente desse
instituto, e a conotação de Direito Social de que se revestem as ações regressivas.
Com fundamento eminentemente civil, apesar de estar disposta em uma
norma de Direito Social, tal instituto jurídico revela incoerências na interpretação que
vem sendo ofertada pelos operadores do Direito, as quais mereciam detida análise.
Há verdadeiro esfacelamento dos direitos sociais na interpretação que vem
sendo dada às ações regressivas, especialmente por haver exegese estritamente
pecuniária, ou seja, de conteúdo meramente patrimonial, e, nesta pesquisa,
demonstramos que nem mesmo o Direito Privado tem essa conotação estritamente
patrimonial, que dirá uma norma atrelada ao Direito Social, como as ações
regressivas.
Chamamos a atenção para o fato de estar-se interpretando o artigo 120 da
Lei nº 8.213/91 de maneira extensiva, e aplicando a responsabilidade civil
indiscriminadamente no âmbito do Direito Social, de modo que, qualquer dia, iremos
nos deparar com um caso de ação regressiva por culpa exclusiva do segurado,
afinal, as ações regressivas ajuizadas por qualquer tipo de crime doloso, acidentes
de trânsito, casos de violência contra a mulher, consideradas novas, não possuem
embasamento na Lei nº 8.213/91 e tão somente no Código Civil, que não se aplica
às ações regressivas, por absoluta antinomia normativa.
A função das ações regressivas engloba a ressarcitória e a de política pública
objetivando a prevenção de acidentes do trabalho, ambas com natureza pedagógica.
Contudo, percebemos que só a função ressarcitória tem sido objeto de análise na
interpretação, e, sem conhecer a natureza de política pública, certamente os
julgadores e operadores do Direito não encontrarão o viés de Direito Social das
ações regressivas.
Por esse motivo, operadores do Direito estão ajuizando ações regressivas
novas que não possuem a função de política pública e tão somente a função
ressarcitória, pois advêm do Código Civil, já que a Lei nº 8.213/91 é omissa quanto à
possibilidade de ajuizamento das novas ações regressivas. O que certamente é
149
equivocado, uma vez que o Código Civil não se aplica às ações regressivas novas,
por absoluta antinomia normativa.
No caso das ARAs estão presentes as funções de ressarcimento e política
pública, uma vez que a realização dos direitos fundamentais se dá por meio de
políticas públicas, o Estado se utiliza desse instrumento para atender às mais
diversas demandas sociais, inclusive buscando coibir os acidentes do trabalho.
Por essas razões, entendemos pelo não cabimento das ações novas, que não
possuem essa função de política pública, bem como ante a antinomia revelada.
Trouxemos, no presente estudo, conceitos de acidente do trabalho e as
formas de responsabilidade do empregador, com a finalidade de aclarar o sentido da
norma jurídica em apreço, destacando a participação do GIIL-RAT e do FAP (Fator
Acidentário de Prevenção) como mecanismos estatísticos de controle de acidentes
do trabalho, os quais, na maioria das vezes, se mostram falhos, razão pela qual é
impossível confiar apenas nesses institutos, por estarem embasados em estatísticas
sem dados confiáveis.
Na tentativa de esgotar todos os argumentos de responsabilidade civil no
âmbito das ações regressivas, tratamos da função da responsabilidade civil nas
ações regressivas, demonstrando a função ressarcitória e de política pública, e
então iniciamos um estudo a partir da modalidade da responsabilidade, que é
culposa no âmbito das ações regressivas, delineando de que maneira a culpa do
empregador acontece, diante de seu dever de cuidado, previsão e previsibilidade.
Pois, considerando que a Lei dispõe sobre a necessidade de negligência do
empregador na adoção de medidas de saúde e segurança do trabalho,
evidentemente estamos diante da responsabilidade subjetiva.
A culpa in vigilando, diante da omissão do Poder Público na fiscalização das
empresas, trata-se de importante mecanismo de corresponsabilidade, que deve ser
avaliado e utilizado no caso concreto para a redução das condenações em ação
regressiva, pois, na maioria das vezes, o Poder Público é omisso em seu dever legal
de fiscalizar, ainda que instado a fiscalizar, e, por esse motivo, deve dividir a
responsabilidade pelo infortúnio, respondendo por sua negligência na fiscalização.
Diferenciamos o seguro privado do seguro social, embora esse não fosse o
escopo da pesquisa, mas pareceu-nos necessário, ante as ilimitadas confusões que
são feitas na interpretação do instituto das ações regressivas. Assim, chamamos a
150
atenção para a existência de um seguro social no fundo do sistema que introduziu a
norma das ações regressivas.
Empregamos certa dose de audácia na interpretação da norma contida no
artigo 120 da Lei nº 8.213/91, ao estabelecer as nuanças civis da sua intepretação e
as nuanças de Direito Social, concluindo que a exegese deve ser social, até mesmo
porque o Direito Privado merece uma interpretação social. Afinal, por qual razão
ater-se ao aspecto pecuniário da norma, se essa vertente não está presente nem
mesmo no Direito Privado, pois este se encontra adstrito à função social do direito.
Outro aspecto por nós trazido nesta pesquisa diz respeito ao princípio da
função social da empresa como instrumento de enfraquecimento das ações
regressivas, em especial às microempresas e empresas de pequeno porte, que, sem
dúvida, são empresas com capital social reduzido, um menor número de
empregados e merecem um olhar diferenciado nas condenações em ações
regressivas, já que são vulneráveis em relação às demais empresas, não com o
intuito de ignorar os malefícios que a empresa causou a determinado empregado,
bem como aos cofres da Previdência Social, mas, sobretudo, a fim de garantir o
emprego aos demais empregados da empresa. Entendemos ser conveniente uma
análise dos princípios por parte do julgador, com a condenação em obrigação de
fazer, bem como uma indenização diferenciada, ou seja, de acordo com a
capacidade econômica da empresa e com possibilidade de parcelamento até que o
Poder Legislativo se manifeste trazendo uma solução mais justa.
Por conseguinte, concluímos que a Previdência Social, ao ajuizar uma ação
regressiva, não deve se comportar como uma empresa privada, que busca tão
somente ressarcir seus cofres. A Previdência Social deve buscar a ética como forma
de não relegar a dignidade das pessoas a simples valor de troca, expondo os
demais empregados vulneráveis à marginalidade e à miséria. É possível realizar
essa análise antes mesmo do ajuizamento da ação regressiva.
Não se admite por parte da Previdência Social a mercantilização das relações
sociais. Ela deve assumir o papel de organizar as relações sociais com gestos de
solidariedade.
Diante dessa opinião aqui expressada, concluímos que a ação regressiva
acidentária não possui apenas natureza pecuniária. Tal natureza pecuniária é
secundária, diante dos valores sociais que realmente são perseguidos, não só pelas
151
ações regressivas, mas também por todos os dispositivos de nossa Constituição
Federal.
152
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