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Tese de Doutorado
Propaganda de Medicamentos.
possvel regular?
lvaro Csar NascimentoOrientadora:Jane Dutra Sayd
___________________________________________
rea de concentrao:Planejamento, Administrao e Polticas___________________________________
2007
Propaganda de Medicamentos. possvel regular?
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL
PROPAGANDA DE MEDICAMENTOS.
POSSVEL REGULAR?
lvaro Csar Nascimento
Tese apresentada como requisito parcial para obteno
do grau de Doutor em Sade Coletiva, Programa dePs - Graduao em Sade Coletiva rea de concentrao
em Poltica, Planejamento e Administrao em Sade, do
Instituto de Medicina Social da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro
Orientadora : Professora Jane Dutra Sayd
Rio de Janeiro
2007
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C A T A L O G A O N A F O N T E U E R J / R E D E S I R I U S / C B C
N244 Nascimento, lvaro Csar.Propaganda de medicamentos. possvel regular? / lvaro Csar Nascimento.
2007.286f.Orientadora: Jane Dutra Sayd.Tese (doutorado) Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de
Medicina Social.1. Anncios Medicamentos Brasil - Teses. 2. Propaganda Teses. 3. Indstria
farmacutica Teses. 4. Vigilncia sanitria Teses. 5. Medicamentos Marketing Teses. I. Sayd, Jane Dutra. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto deMedicina Social. IV. Ttulo.
CDU659.1____________________________________________________________________________
___
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A Annette Nascimento (em memria),
por todos os aprendizados e, em particular
por me ensinar o que certo e o que errado.
A Daniel Nascimento, esperana de
continuidade, pelo estmulo.
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Agradecimentos
Este trabalho no resultado apenas de um esforo individual. Ele nasce de
significativas contribuies que recolhi durante minha trajetria profissional, acadmica
e como cidado, ao lidar com pessoas (infelizmente algumas no esto mais entre ns) einstituies que foram fundamentais a essa construo.
Consciente de que impossvel listar todos que de uma forma ou de outra me
acrescentaram conhecimentos e experincias essenciais forma de ver o mundo e nele
atuar - particularmente em relao rea da sade e da assistncia farmacutica -
preciso expressar meu agradecimento por ter convivido e aprendido com pessoas como
Antonio Sergio da Silva Arouca (1940-2003), Davi Capistrano da Costa Filho (1948-
2000), Suely Rozenfeld, Jorge Zepeda Bermudez, Vera Lucia Edais Pepe, Vera Lcia
Luiza, Claudia Osrio, Rosany Bochner, Jos Ruben de Alcntara Bonfim, Norberto
Rech, Jos Augusto Cabral de Barros, Jussara Calmon, Guacira Corra de Matos, Jorge
Cavalcanti de Oliveira, Mirian Ribeiro Leite Moura, Luiz Fernando Chiavegatto, Alba
Lvia Andrade Pereira, Selma Castilho, Andr Reis e Elizabeth Gonzaga.
De forma coletiva, preciso registrar a contribuio das equipes de trabalho das quais
participei e eventualmente dirigi, como a do Programa Reunio, Anlise e Difuso deInformao sobre Sade (Radis), Descentralizao on Line (DOL) e do Centro
Colaborador em Vigilncia Sanitria (Cecovisa) da Escola Nacional de Sade Pblica
da Fiocruz. Um agradecimento especial merece ser feito aos meus colegas do
Departamento de Cincias Sociais (DCS) da Ensp/Fiocruz, com quem tenho tido a
oportunidade de unir uma convivncia agradvel, companheira e produtiva.
Entre as instituies com as quais me relacionei e muito aprendi, preciso registrar a
Escola Nacional de Sade Pblica da Fiocruz - onde trabalho - e o Conselho Regional
de Farmcia do Estado do Rio de Janeiro, onde tive o prazer de editar por mais de dez
anos a revista RIOPHARMA.
Ainda entre as instituies, dirijo um agradecimento especial direo da Associao
Brasileira de Ps-Graduao em Sade Coletiva (Abrasco), que me confiou sua
representao, nos ltimos dois anos, na Cmara Setorial de Propaganda de Produtos
Sujeitos Vigilncia Sanitria da Anvisa, frum que me propiciou acompanhar de pertoa dinmica e os interesses que ali se manifestam, com impacto direto no modelo de
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regulao adotado no setor. No exagero afirmar que, sem ocupar a cadeira que cabe
Abrasco naquele espao, este trabalho no seria o mesmo.
Agradeo profundamente Direo, meus professores (do Mestrado e do Doutorado) e
aos funcionrios do Instituto de Medicina Social da UERJ, pelo acolhimento, ateno e
principalmente pelo ambiente acadmico arejado e aberto ao pensamento crtico e ao
debate de idias. No IMS, ns, alunos, encontramos as condies ideais para
transformar nossa experincia profissional, social e poltica em produo acadmica. A
Jos Luis Fiori, Kenneth Carmargo, George Kornis, Hsio Cordeiro, Jos Noronha,
Laura Tavares, Madel Luz, Ricardo Tavares, Ruben Mattos e Roseni Pinheiro, o meu
reconhecimento e profundo agradecimento, extensivo a Sulamis Daim, que alm de
minha professora no Mestrado contribuiu enormemente sendo a ledora desta Tese.
Meu agradecimento e minha homenagem carinhosa a Jane Dutra Sayd. Mais que minha
professora e orientadora no Mestrado e no Doutorado, agradeo por sua cumplicidade e
responsabilidade direta na construo desta Tese. O resultado deste processo criativo
que acabamos construindo uma fraternal e cada dia mais slida amizade, que
carregaremos para sempre, comprovando que o IMS muito mais que uma instituio
acadmica de referncia.
Preciso homenagear, ainda, os amigos queridos que de uma forma ou de outra
contriburam com sua fora e estmulo para que eu conseguisse completar este percurso.
Em nome de Alex Molinaro, Marcia Garcia, Andr Malho, Ary Carvalho, Lilian
Fonseca, Claudia Andrade, Luciana Mota, Celso Coelho, Mauro Paiva e Tatiana
Lassance, agradeo e homenageio a todos.
Finalmente, agradeo a presena amorosa, a ajuda e o estmulo de Yrlene VelosoCherques. Produzir uma tese tendo ao lado uma companheira deste quilate um
presente. A ela, meu eterno agradecimento, extensivo a seus dois filhos, Thiago e Pedro.
A meu filho, Daniel Nascimento, agradeo o estmulo, sua cumplicidade, seu carinho,
sua presena e sua prpria existncia, que h 27 anos me d fora e sentido.
Rio de Janeiro, dezembro de 2007.
lvaro Csar Nascimento
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Meu sonho, h muito tempo, produzir medicamentopara as pessoas saudveis. Assim, a minha empresa
poder vender produtos para todo mundo
Henry Gadsden (Diretor da Merck)
O dado mais alarmante que a maior proporo dessas infraes (...)
tem a ver com a veiculao de informaes enganosas. (...)
Tais quebras de conduta confirmam nossa opinio de que
a atual propaganda de medicamentos no tem priorizado os interesses dos
consumidores, sendo focada no lucro atravs do aumento da receita das vendas.
Relatrio da Consumers International
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RESUMO
A regulao da propaganda de medicamentos no Brasil incorpora quatro fragilidades: 1.
A monitorao, fiscalizao e punio de irregularidades so realizadas a posteriorido
acometimento da infrao (quando a populao j foi submetida a risco sanitrio); 2. As
multas cobradas pela Anvisa tm valor irrisrio frente aos investimentos do marketing
farmacutico; 3. No h mecanismo que impea que mesmo os valores irrisrios das
multas sejam repassados aos preos dos produtos, onerando o consumidor; 4. A frase
tida como de alerta - A PERSISTIREM OS SINTOMAS O MDICO DEVER SER
CONSULTADO - ao invs de conscientizar a populao a respeito dos riscos da
automedicao, estimula o uso de medicamentos sem receita, aconselhando a busca de
um mdico apenas no caso da persistncia dos sintomas. Segundo dados da Anvisa e de
estudos acadmicos, 90% da publicidade exibida contm irregularidades. Assim, a RDC
102/2000 da Anvisa, que regulamenta o setor, se constitui em um aparente sistema de
regulao, que beneficia o infrator e mantm a populao sob risco.
Este trabalho analisa o conceito e o uso dos mecanismos de marketing na busca de se
elevar a comercializao de produtos farmacuticos (no que se denomina produo de
doenas), examina os conceitos de propaganda, medicamento, regulao e
manipulao; percorre alguns estatutos internacionais referentes ao setor da publicidade
de medicamentos (com foco nas diretivas da Unio Europia) e expe a avaliao de
organismos europeus de defesa do consumidor sobre o desempenho destas normas.
Ao final, este estudo expe as posies do setor regulado brasileiro (indstria, agncias
de publicidade e meios de comunicao) frente s posies de rgos de defesa dos
consumidores, da academia e da sociedade organizada no mbito do SUS, para propor
como alternativa um modelo regulador que supere as fragilidades do atual.
Palavras-chave: vigilncia sanitria, propaganda, medicamentos, regulao, mdia.
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ABSTRACT
Four frailties incorporate the regulation of drug advertising in Brazil: 1. The monitoring,
overseeing and punishment of irregularities occur after the infraction has been
committed (when the population has already been submitted to sanitary risks); 2. The
fines imposed by Anvisa (Brazilians National Health Surveillance Agency) have
ludicrous values compared to the sums destined for drug advertising; 3. There is no
mechanism to prevent that those same ludicrous sums be passed on to consumer prices;
4. The alert phrase: Should the symptoms persist, a medical doctor must be consulted
instead of enlightening the population on the risks of self-medication, stimulates the
usage of medication without prescription, suggesting the search for medical advice only
in case the symptoms endure. According to data collected by Anvisa and academic
studies, 90% of all the drug marketing in Brazil contains irregularities. Thus, Anvisas
Resolution 102/2000 (that legislates on the sector), constitutes itself only as an apparent
regulation system, that benefits the offender and places the population under risk.
This work analyses the marketing mechanisms used for increasing commercialization of
pharmaceuticals (in whats called disease mongering), as well as their recent uses;
examines the concepts of medication, regulation and manipulation;covers a few of the
drug advertising international codes (focusing on the European Union directives) and
exposes the evaluation of some of the European consumer defense organisms on the
effective implementation of these codes.
Finally, this study exposes the positioning of the regulated agents in Brazil (industry,
publicity agencies and media) contrasting it with those of the consumer defense
organisms, the academy and the organized society (in the scope of the Brazilian
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Universal Public Health System), in order to propose an alternative regulation model
that overcomes the weaknesses of the current system.
Keywords: sanitary surveillance, advertising, drugs, regulation, media.
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LISTA DE SIGLAS
ABA - Agncia Brasileira de Anunciantes
ABAP - Associao Brasileira de Agncias de Publicidade
ABEM - Associao Brasileira de Educao Mdica
ABERT - Associao Brasileira de Empresas de Rdio e Televiso
ABIA - Associao Brasileira da Indstria de Alimentos
ABIHPEC - Associao Brasileira da Indstria de Higiene Pessoal, Perfumaria eCosmticos
ABIMED - Associao Brasileira dos Importadores de Equipamentos, Produtos eSuprimentos Mdico-Hospitalares
ABIMIP - Associao Brasileira da Indstria de Medicamentos Isentos de Prescrio
ABIMO - Associao Brasileira da Indstria de Artigos e Equipamentos Mdicos,Odontolgicos, Hospitalares e de Laboratrio
ABIPLA - Associao Brasileira das Indstrias de Produtos de Limpeza e Afins
ABRASCO - Associao Brasileira de Ps-graduao em Sade ColetivaABTA - Associao Brasileira de TV por Assinatura
ACCME - Conselho de Acreditao para a Educao Mdica Continuada
AIS - Ao Internacional p-ara a Sade
ALANAC - Associao dos Laboratrios Farmacuticos Nacionais
ANATEL - Agncia Nacional de Telecomunicao
ANDI - Agncia de Notcias dos Direitos da Infncia
ANEEL - Agncia Nacional de Energia Eltrica
ANER - Associao Nacional de Editores de Revistas
ANFARMAG - Associao Nacional de Farmacuticos Magistrais
ANJ - Associao Nacional de Jornais
ANP - Agncia Nacional de Petrleo
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ANS - Agncia Nacional de Sade Complementar
ANVISA - Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria
ASFOC - Associao dos Servidores da Fundao Oswaldo Cruz
ASREL - Assessoria de Relaes Institucionais
CAPES - Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior
CBDL - Cmara Brasileira de Diagnstico Laboratorial
CDC - Cdigo de Defesa do Consumidor
CEATRIM - Centro de Apoio Terapia Racional pela Informao sobre Medicamentos
CEBES - Centro Brasileiro de Estudos da Sade
CEBRIM - Centro Brasileiro de Informao sobre Medicamentos
CECOVISA - Centro Colaborador em Vigilncia Sanitria
CEE - Comunidade Econmica Europia
CFF - Conselho Federal de Farmcia
CFM - Conselho Federal de MedicinaCFN - Conselho Federal de Nutricionistas
CFO - Conselho Federal de Odontologia
CI - Consumers International
CNI - Confederao Nacional de Indstria
CNS - Conselho Nacional de Sade
COMIN - Ncleo de Assessoramento em Comunicao Social e Institucional
CONAR - Conselho Nacional de Auto-Regulamentao Publicitria
CONASEMS - Conselho Nacional de Secretrios Municipais de Sade
CONASS - Conselho Nacional de Secretrios de Sade
CP - Consulta Pblica
CRF/RJ - Conselho Regional de Farmcia do Estado do Rio de Janeiro
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CVS/SES/RJ - Centro de Vigilncia Sanitria as Secretaria de Estado de Sade do Riode Janeiro
DCB - Denominao Comum Brasileira
DCI - Denominao Comum Internacional
DE - Disfuno Ertil
DF - Distrito Federal
DOU - Dirio Oficial da Unio
DPZ - Duailib, Petit e Zaragoza Propaganda
DSF - Disfuno Sexual Feminina
ECR - Ensaios Clnicos Randomizados
EFPIA - Federao Europia das Associaes Farmacuticas Industriais
EFPIA - Federao Europia das Associaes Farmacuticas Industriais
ENSP - Escola Nacional de Sade Pblica Srgio Arouca
EPSJV - Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio
ES - Esprito Santo
EUA - Estados Unidos da Amrica
EURATOM - Tratado da Comunidade Econmica Europia
FDA - Food and Drug Administration
FEBRAFARMA - Federao Brasileira da Indstria Farmacutica
FENAFAR - Federao Nacional dos Farmacuticos
FENAPRO - Federao Nacional das Agncias de Propaganda
FENEC - Federao Nacional de Empresas Exibidoras Cinematogrficas
FIOCRUZ - Fundao Oswaldo Cruz
GFIMP/ANVISA - Gerncia de Fiscalizao e Controle de Medicamentos e Produtos
GGIMP/ANVISA - Gerncia Geral de Inspeo e Controle de Medicamentos
GO - Gois
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GPROP - Gerncia de Fiscalizao e Monitoramento de Propaganda, Publicidade,Promoo e Informao de Produtos Sujeitos Vigilncia Sanitria
HAI - Health Action International
IAB - Interactive Advertising Bureau/Brasil
IBFAN - Rede Internacional em Defesa do Direito de Amamentar
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
ICICT - Instituto de Comunicao e Informao Cientfica e Tecnolgica
ICRT-CSR - Organizao Internacional de Pesquisa e Testes deConsumo/Responsabilidade Social Empresarial
IDEC - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
IFPMA - Federao Internacional de Associaes e Produtores Farmacuticos
IMS/UERJ - Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
IND - Investigational New Drug
INMETRO - Instituto Nacional de Metrologia
INTERFARMA - Associao da Indstria Farmacutica de PesquisaMARE - Ministrio da Administrao e Reforma do Estado
MC - Ministrio das Comunicaes
MG - Minas Gerais
MIP - Medicamentos Isentos de Prescrio
MJ - Ministrio da Justia
MS - Ministrio da Sade
MS - Ministrio da Sade
OMS - Organizao Mundial de Sade
OPAS - Organizao Panamericana de Sade
PB - Paraba
PDC - Propaganda Direta ao Consumidor
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PhRMA - Associao de Pesquisadores e Fabricantes Farmacuticos dos EstadosUnidos
PLOS MEDICINE - Public Library of Science
PR GENRICOS - Associao Brasileira das Indstrias de Medicamentos Genricos
RDC - Resoluo de Diretoria Colegiada
RN - Rio Grande do Norte
RS - Rio Grande do Sul
RSC - Responsabilidade Social Corporativa
SBTOX - Sociedade Brasileira de Toxicologia
SC - Santa Catarina
SE - Sergipe
SINITOX - Sistema Nacional de Informaes Txico-Farmacolgicas
SNVS - Sistema Nacional de Vigilncia Sanitria
SOBRAVIME - Sociedade Brasileira de Vigilncia de Medicamentos
SUS - Sistema nico de Sade
THDA - Transtorno de Hiperatividade e Dficit de Ateno
TRH - Terapia de Reposio Hormonal
UE - Unio Europia
UFF - Universidade Federal Fluminense
USP - Universidade de So Paulo
VISA - Vigilncia Sanitria
WHO - World Health Organization
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SUMRIO
1 APRESENTAO.................................................................................... 20
2 INTRODUO.......................................................................................... 28
3 CAPTULO 1 - ASPECTOS HISTRICOS: SURGE O MONOPLIO DACURA E DA VIDA............................................................................................ 31
4 CAPTULO 2 - PARMETROS CONCEITUAIS: O QUE MARKETING,MEDICAMENTO, REGULAO E MANIPULAO. ..................................... 45
4.1 Marketing .................................................... ........................................................... ....................45
4.1.1- Necessidades, desejos e demandas.............................................................................................494.1.2 - Valor, satisfao e qualidade......................................................................................................524.1.3 - Mercado atual e potencial...........................................................................................................524.1.4 Biomarcas: o marketing baseado em experincia versuso marketing baseado em evidncias.....54
4.2 Medicamento .................................................... ........................................................... ....................574.2.1 Medicamento e risco sanitrio ............................................................ ....................................... 61
4.3 REGULAO.................................................................................................................................64
4.4 - MANIPULAO.............................................................................................................................65
5 CAPTULO 3 - EXPANSO DE MERCADO: DEZ EXEMPLOS DE USODA PROPAGANDA COMO PRODUTORA DE DOENAS ............................ 71
5.1 Pfizer altera definio de disfuno ertil para elevar mercado ................................................. 78
5.2 O Transtorno de Hiperatividade e Dficit de Ateno (THDA) como objeto de marketing nasescolas 84
5.3 A disfuno sexual feminina: como medicalizar a busca do prazer............................................87
5.4 O transtorno bipolar e a estabilizao do humor. .......................................................... ..........93
5.5 O papel da mdia na produo da Sndrome das Pernas Inquietas .......................................... 101
5.6 A produo da Terapia de Reposio Hormonal na Menopausa..............................................106
5.7 Inibidores de Colinesterase: um medicamento a procura de uma doena para curar............108
5.8 A produo de doena junto aos estudantes de Medicina e Farmcia......................................116
5.9 possvel regular a produo de doena?...............................................................................119
5.10 Brasil: a integralidade e a universalidade do SUS como ferramentas do marketingfarmacutico............................................................................................................................................125
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6 CAPTULO 4 - A VIGILNCIA SANITRIA E AS EXPERINCIASREGULADORAS INTERNACIONAIS NA REA DA PROPAGANDA DEMEDICAMENTOS.......................................................................................... 130
6.1 Os critrios ticos de propaganda de medicamentos preconizados pela OMS.........................131
6.2 As Diretivas reguladoras da Unio Europia..............................................................................132
6.3 - A viso da Consumers International e o real impacto das normas reguladoras em sete paseseuropeus. .......................................................... ............................................................ ...........................143
7 CAPTULO 5 - A LEGISLAO REGULADORA DA PROPAGANDA DEMEDICAMENTOS PARA GRANDE PBLICO NO BRASIL......................... 154
7.1 - A criao da Anvisa e seu papel regulador na propaganda de medicamentos .........................160
7.2 - A construo, implementao e os resultados da RDC 102/2000 da Anvisa.............................165
7.3 - O Projeto de Monitorao da Propaganda de Medicamentos da Anvisa..................................171
7.4 - O controle social na monitorao da propaganda de medicamentos.....................................186
8 CAPTULO 6 - A CONSULTA PBLICA 84/2005 E OS INTERESSES DECADA SETOR................................................................................................ 198
8.1 - Setor regulado reage e Anvisa paralisa processo de mudana...................................................202
8.2 - Paralisada a CP 84/2005, Anvisa passa a ver avanos metericos na monitorao..............241
8.3 - Regulao versus educao para a sade.................................................................................244
9 CONCLUSO ............................................................................................. 258
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1 APRESENTAO
Este trabalho d um passo adiante na pesquisa por mim realizada, nos anos de 2002 e
2003, com vistas produo de minha dissertao do Curso de Mestrado do
Departamento de Polticas, Planejamento e Administrao em Sade (DPPAS) do
Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/Uerj):
AO PERSISTIREM OS SINTOMAS O MDICO DEVER SER CONSULTADO.
ISTO REGULAO?.
Naquela pesquisa, analisei os interesses da indstria farmacutica, agncias de
publicidade, empresas de comunicao e do comrcio varejista, com vistas a elevar o
consumo de produtos farmacuticos no Pas, atravs da disseminao da sua
propaganda para o grande pblico. O estudo examinou de forma crtica a presso
mercadolgica destinada a criar supostas necessidades teraputicas que levam aoconsumo de produtos que possuem significativos riscos, com possibilidade de que se
multipliquem reaes adversas com seu uso incorreto, irracional, abusivo e muitas vezes
perigoso.
Com base na anlise de 100 peas publicitrias de medicamentos, a pesquisa comparou
o contedo destes anncios (imagens, texto e indicaes de cada produto) com as
disposies da Resoluo 102/2000 da Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria
(Anvisa), que tentava ento em seu terceiro ano de vigncia - estabelecer limites
propaganda farmacutica. Ao final da pesquisa, conclumos que todas as 100 peas
publicitrias analisadas infringiam pelo menos um artigo da referida norma.
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No estudo desenvolvido entre 2002 e 2003, uma das concluses foi a de que a RDC
102/2000 da Anvisa apresenta substanciais fragilidades em pelo menos cinco aspectos.
Estes aspectos passam a ser, na pesquisa aqui desenvolvida, tomados como pressupostos
para a anlise das aes de marketing e de propaganda de medicamentos para grande
pblico no Brasil. Uma pergunta resume o esforo que orienta este estudo: quando se
trata de propaganda de medicamentos, possvel regul-la? A esta pergunta, pode-se
acrescentar outra: uma boa legislao reguladora na rea da propaganda de
medicamentos para grande pblico capaz de assegurar os resultados esperados, no
sentido de se proteger a sade dos agravos resultantes do uso incorreto, abusivo,
irracional ou inconsciente do medicamento?
Os cinco pressupostos deste estudo, portanto, refletem literalmente o resultado da
pesquisa anterior, que identificou no modelo regulador brasileiro, consubstanciado na
RDC 102/2000 da Anvisa, cinco significativas fragilidades, listadas a seguir:
1a A RDC 102/2000 da Anvisa incorpora um modelo de ao reguladora cujas
iniciativas, tomadas no campo da proteo sade, so feitas a posteriori, isto , aps a
veiculao da pea publicitria pelos mais variados meios de comunicao, quando o
risco sanitrio j se estabeleceu. Assim, entre a veiculao da publicidade de
determinado medicamento no mercado - atravs da TV, rdio, jornal, revista, outdoor,
cinema, teatro, cartazes em estabelecimentos, busdoor, pontos de nibus, folhetos
promocionais, placas em campos de futebol, etc. - e a tomada de eventuais medidas
coercitivas no mbito do modelo regulador, nos casos de se constatar irregularidades,
transcorre um perodo de tempo que transforma a ao reguladora em uma atividade que
desconsidera a importncia da preveno ao agravo.
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2a Esta fragilidade do modelo regulador tem sua magnitude agravada pela grande
quantidade de infraes cometidas pelos responsveis pela veiculao de peas
publicitrias de medicamentos: a indstria farmacutica, as agncias de publicidade, os
veculos de comunicao e o comrcio varejista de produtos farmacuticos. Segundo a
Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria (Anvisa), entre 6.004 propagandas avaliadas
num perodo entre 2001 e 2004, mais de 90% delas desconsideravam o texto regulador
(www.anvisa.gov.br/divulga/noticias/2005/261205_1_texto_de_esclarecimento.pdf).
Vale ressaltar o fato que o artigo mais infringido , justamente, o que obriga a citao
das contra-indicaes que aquele determinado produto possui.
3a - As multas efetivamente arrecadadas pela Anvisa, quando ocorrem as
irregularidades, tm valor irrisrio frente ao total de gastos com propaganda realizados
pelo setor, o que transforma a ao punitiva em mera formalidade.
4 a- No h mecanismos que impeam que mesmo os valores irrisrios cobrados nas
multas aplicadas pela Agncia sejam transferidos pela indstria para o preo dos
medicamentos (prtica comum relativa ao conjunto dos demais gastos com publicidade
de seus produtos), sendo finalmente pagos pelo prprio consumidor.
5a- Ao tornar obrigatria a insero da frase AO PERSISTIREM OS SINTOMAS O
MDICO DEVER SER CONSULTADO ao final de cada propaganda, o atual
modelo regulador estimula pelo menos o primeiro consumo incorreto, inconsciente ou
irracional de medicamentos. Na verdade, a mensagem inserida aps cada anncio
publicitrio deseduca a populao, no sentido de que fortalece a j existente cultura da
automedicao, pois transmite a mensagem de que PRIMEIRO TENTE POR SI
MESMO ENCONTRAR O MEDICAMENTO QUE LHE TRAGA A CURA,
COMPRANDO O PRODUTO QUE JULGAR MAIS CONVENIENTE. CASO NO
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OBTENHA SUCESSO, PROCURE O PRESCRITOR COMPETENTE PARA
AJUD-LO. Essa lgica contida no modelo regulador presta, na verdade, um
inestimvel papel indstria, s empresas de mdia e ao comrcio de medicamentos, e
no sociedade a quem deveria proteger. (NASCIMENTO, 2005, p. 77).
A concluso a que cheguei naquela pesquisa - seja em relao magnitude das
irregularidades, seja em relao pouca eficcia das aes reguladoras patrocinadas
pela Anvisa - indicava que o problema no se limita falta de rigor na esfera da
fiscalizao. A questo mais ampla e se localiza na prpria forma como se estrutura o
modelo regulador vigente. Mesmo que a Anvisa multiplicasse sua atuao, as
propagandas irregulares continuariam a ser reprimidas a posteriori (quando o risco
sanitrio j est estabelecido); as multas continuariam a ser de um valor irrisrio
comparado ao total de gastos com publicidade; seus custos continuariam sendo
repassados aos preos dos medicamentos e pagos pelo consumidor; e a advertncia
colocada a cada final de propaganda permaneceria estimulando o uso inconsciente,
irracional, abusivo e perigoso de medicamentos. (NASCIMENTO, 2005, p.78)
OBJETIVO GERAL
O objetivo geral desta tese descrever e analisar dados e informaes sobre as polticas
pblicas implementadas no Brasil que impactam a propaganda de medicamentos.
Especial ateno dada aos aos mecanismos utilizados pelo marketing farmacutico
diretamente junto ao grande pblico, no sentido de elevar a venda destes produtos. A
tese parte de alguns pressupostos que indicam a existncia de significantes fragilidades
no atual modelo regulador da propaganda de medicamentos no Brasil. E prope um
debate sobre iniciativas no campo regulador capazes de efetivamente superar estas
fragilidades, com base no conjunto da Poltica Nacional de Sade, nos princpios e
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diretrizes do Sistema nico de Sade (Lei 8.080/90) e nas diretrizes preconizadas pela
Poltica Nacional de Medicamentos (Portaria 3.916/98 do Ministrio da Sade).
OBJETIVOS ESPECFICOS
Entre os objetivos especficos desta pesquisa esto:
3.1 Analisar alguns exemplos das prticas de marketing patrocinadas pela indstria
farmacutica, agncias de publicidade, veculos de comunicao e comrcio varejista de
medicamentos, no sentido de elevar o consumo destes produtos atravs de mensagens
veiculadas diretamente para o grande pblico;
3.2 - Analisar o impacto regulador de dois estatutos internacionais que impactam o
setor: as Diretivas da Unio Europia que tratam de propaganda enganosa e a que
estabelece um cdigo comunitrio relativo aos medicamentos para uso humano.
3.3 - Analisar a viso de entidades de defesa do consumidor europias em relao
eficcia destes estatutos no que eles se propem a proteger a sade dos cidados atravs
da diminuio do risco sanitrio representado pela propaganda de medicamentos
diretamente veiculada para o grande pblico;
3.4 - Analisar a legislao reguladora brasileira no setor de propaganda de
medicamentos (leis, decretos e cdigos que tratam do tema, alm da RDC 102/2000 da
Anvisa), comparando-a com modelos reguladores adotados em outros pases, com foco
especial no que estas legislaes tratam da propaganda de medicamentos dirigida ao
grande pblico;
3.5 Analisar especificamente o processo da Consulta Pblica 84/2005 da Agncia
Nacional de Vigilncia Sanitria (Anvisa), que se propunha a alterar o atual modelo
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regulador da propaganda de medicamentos no Brasil, identificando nele as diferentes
linhas de argumentao e interesses que cercam o tema, assim como as posies dos
principais setores envolvidos, especificamente os que representam a indstria
farmacutica, os meios de comunicao, as agncias de publicidade, os consumidores e
a comunidade cientfica.
No Brasil, a magnitude dos problemas j causados pela delicada relao entre a
indstria farmacutica, as estratgias de marketing e as polticas voltadas para a
promoo do uso correto do medicamento leva a que o Estado, nos ltimos 30 anos,
busque regular a propaganda de medicamentos atravs de leis, decretos e cdigos.
Todos, em maior ou menor grau, tm sido desrespeitados pelo marketing
medicamentoso (NASCIMENTO, 2005).
Uma alternativa ao modelo regulador atual o desafio que essa pesquisa pretende
enfrentar. Vale frisar que a prpria Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria (Anvisa)
depois de resistir de 2001 a 2005 s crticas feitas atual regulao por vrios setores da
sociedade - incluindo rgos de defesa do consumidor como o Idec e instituies de
referncia no setor sade, como a Sociedade Brasileira de Vigilncia de Medicamentos
(Sobravime) colocou em debate, atravs da Consulta Pblica 84, de novembro de
2005, um novo texto com o objetivo de aprimorar a atual regulao da propaganda de
medicamentos. Como tambm pretendemos demonstrar neste estudo, o texto publicado
para debate pela Anvisa, entretanto, no altera de forma substancial o atual modelo, no
conseguindo superar nenhuma das cinco substanciais fragilidades j citadas.
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PERCURSO METODOLGICO
Este estudo realizar uma anlise de artigos cientficos, discursos, documentos oficiais e
de legislaes nacionais e internacionais relativos rea da propaganda de
medicamentos voltada para grande pblico, com base em vrias fontes de informao,
descritas em cada captulo. Entre o material analisado est:
1. A edio especial da Public Library of Science (PloS) Medicine, de maio de
2006, onde vrios artigos analisam a produo e a promoo de doenas com
vistas a elevar o uso de medicamentos.
2. As duas diretivas da Unio Europia (EU) que impactam as prticas do
marketing medicamentoso. Uma que visa a proteger os consumidores frente da
prtica da propaganda enganosa e outra que trata especificamente da propaganda
de produtos farmacuticos, no mbito do cdigo comunitrio sobre
medicamentos de uso humano.
3. As concluses de recente pesquisa - realizada em 2006 pela Consumers
International(CI) com financiamento da prpria Unio Europia - a respeito das
irregularidades praticadas pelo marketing farmacutico em vrios pases
europeus.
4. As legislaes reguladoras que, com vistas a diminuir o estabelecimento do
risco sanitrio e proteger a sade da populao, impactam a prtica da
propaganda e do marketing farmacutico no Brasil.
5. Os dados do Projeto de Monitorao da Propaganda de Medicamentos no Brasil,
realizado sob a coordenao da Gerncia de Propaganda de Produtos Sujeitos
Vigilncia Sanitria da Anvisa.
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6. O processo relativo Consulta Pblica 84/2005 da Anvisa, com vistas a alterar a
Resoluo de Diretoria Colegiada (RDC) 102/200 que regula a propaganda de
medicamentos no Brasil, incluindo os posicionamentos do setor regulado,
Governo e entidades representativas de consumidores e da academia.
7. Os debates travados nos ltimos trs anos na Cmara Setorial de Propaganda da
Anvisa a respeito da regulao da propaganda de medicamentos, incluindo uma
anlise da participao social naquele frum e as iniciativas da Gerncia de
Propaganda da Anvisa nos campos da regulao e da educao para a sade.
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2 INTRODUO
A lgica que norteia o mtodo desta pesquisa est na compreenso de que a Vigilncia
Sanitria (rea onde se inserem as aes reguladoras da propaganda de medicamentos)
parte integrante da sade pblica. Para delimitar a abrangncia deste estudo - no que ele
diz respeito publicidade de produtos farmacuticos - e ao mesmo tempo assegurar a
sua viabilidade, esta pesquisa ir realizar, inicialmente, a descrio de quatro objetos: o
Marketing, o Medicamento, a Regulao e a Manipulao.
Este estudo realiza um levantamento do que se conceitua como marketing de negcios,
a partir da utilizao da produo de trs tericos do setor: Philipp Kotler, Gary
Armstrong e Franoise Simon. A opo por estes trs autores se justifica com o fato de
serem referncia internacional no setor - como ser explicitado no captulo dedicado ao
tema - e se dedicarem s especificidades do mercado publicitrio voltado para aschamadas biomarcas.
A seguir, so descritos e analisados alguns exemplos das prticas utilizadas pelo
marketing farmacutico no sentido de elevar o consumo de medicamentos no Brasil e
no mundo. Para a realizao deste levantamento, so utilizados como referncia
publicaes internacionais cujos autores se dedicaram especificamente ao campo que se
estabeleceu definir como Disease Mongering (Produo de Doenas) e estudiosos da
rea da sade no Brasil, cuja produo trata de uso correto do medicamento e seu
impacto no Sistema nico de Sade.
A terceira etapa deste estudo analisa um exemplo de legislao reguladora de
publicidade de medicamentos, tomando como base duas Diretivas da Unio Europia
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destinadas a impor limites ao marketing farmacutico nos seus 15 pases-membros. A
opo por analisar estes dois instrumentos se deu pela amplitude geogrfica dos dois
mecanismos, sua atualidade - na medida em que a reviso mais recente foi realizada em
2004 - e finalmente pela cultura reguladora j estabelecida nas Naes que compem
aquele bloco de pases. Ainda nesta etapa do estudo, sero analisados o real impacto e a
verdadeira eficcia destes mecanismos reguladores, considerando a avaliao feita por
um conjunto de organismos de defesa do consumidor da Europa, liderados pela
Consumers International. A escolha deste instrumento motivada pelo fato de a anlise
produzida tambm ser de uma fonte recente (datada de 2006), ser geograficamente
ampla (analisou as prticas do marketing farmacutico em oito pases europeus, todos
fazendo parte da Unio Europia) e incorporar referncias fidedignas, como se
demonstra no captulo referente ao tema.
A quarta etapa desta tese realiza uma anlise do atual modelo regulador da propaganda
de medicamentos para o grande pblico no Brasil (hoje consubstanciado na Resoluo
de Diretoria Colegiada - RDC 102/2000 da Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria -
Anvisa), suas fragilidades mais evidentes, a forma como feita a fiscalizao de seu
cumprimento pela indstria farmacutica e as punies aos infratores. Ainda neste
bloco, identificado o conjunto de interesses que se manifestam no campo regulador da
propaganda de medicamentos para o grande pblico no Pas e que se tornaram mais
explcitos por ocasio do processo de participao da sociedade na Consulta Pblica
84/2005 da Anvisa, que tinha como objetivo aprimorar o modelo regulador da
propaganda de medicamentos no Pas.
Neste ponto do estudo, so analisados os posicionamentos pblicos e identificados os
interesses de setores que atuam no campo da propaganda de produtos farmacuticos
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para o grande pblico no Pas, incluindo as representaes da indstria farmacutica
(com particular ateno no segmento de medicamentos de venda livre ou isentos de
prescrio, j que estes so os produtos cuja publicidade autorizada para grande
pblico), das agncias de publicidade e dos meios de comunicao de massa.
Finalmente, a ttulo de concluso, este estudo prope um debate - com base na anlise
realizada no conjunto do trabalho - sobre os parmetros necessrios a um modelo
regulador capaz de superar as fragilidades do atual sistema (consubstanciado na RDC
102/2000 da Anvisa) e assegurar a implementao de polticas voltadas para a
preveno do risco provocado pela publicidade enganosa, perigosa e/ou abusiva
veiculada nos meios de comunicao de massa no Brasil.
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3 CAPTULO 1 - ASPECTOS HISTRICOS: SURGE OMONOPLIO DA CURA E DA VIDA
O impacto positivo na sade humana e a inquestionvel elevao da qualidade de vida
das pessoas a partir do desenvolvimento da sntese farmacutica - tornados viveis em
grande escala atravs dos medicamentos de base qumica e do significativo aumento na
variedade de princpios ativos - um dos fatos marcantes da segunda metade do sculo
XX. Entre 1940 e 1960, este processo leva a indstria farmacutica a conhecer sua
chamada idade de ouro. (Barros, 1995)
Mas a origem da teraputica como atividade de preservao da sade, do bem-estar, da
prpria vida e o uso de produtos tidos como medicinais, se confundem com a prpria
histria da Humanidade. No sculo XX, arquelogos encontraram escritos sumerianos
com mais de 7.000 anos. A Sumria era uma vasta regio - ocupada a partir de 10.000
A.C. - pelos povos que mais tarde formariam as civilizaes que ocuparam o Oriente
Mdio. Ali j eram descritas frmulas e processos teraputicos s cientificamente
comprovados milhares de anos depois, como o caso do uso da papoula como
analgsico. (OLIVEIRA, 2006)
Outros documentos que refletem a longevidade da atividade teraputica com produtos
a Tor judaico (com 5.700 anos); o Papiro de Ebers, da medicina egpcia (com 3.550
anos e onde constam mais de 700 remdios); o Pen Tsao ou Grande Herbrio, da
medicina chinesa (organizado pelo Imperador Shen Nung em 2.800 A.C. e escrito h
mais de 4.800 anos, contendo 365 remdios); o Cdigo de Hamurabi, da medicina
assria (com mais de 4 mil anos); e o Rgyad Bahi, da medicina tibetana, com mais de
2.800 anos. (Idem)
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Cludio Galeno (131 201 D.C.), mdico do Imperador Marco Aurlio, que
estabelece a necessidade de determinao de uma base fisiopatolgica para que, a partir
dela, se efetive uma interveno teraputica. Na poca, admitia-se que as doenas eram
manifestaes secundrias dos desequilbrios dos quatro humores orgnicos:
sanguneo, colrico, melanclico e fleumtico. Galeno viaja por todo o mundo ento
conhecido e descreve centenas de frmacos, no que veio a ser conhecida como a
Farmcia Galnica. (Idem)
Depois de Galeno, outro fato marcante no uso teraputico de produtos se d com o
filsofo e mdico rabe Avicena ou Abu Ali al-Hussein Abdullah ibn Sina - (980
1037 D.C), professor da Escola de Medicina de Bagd, precursora do ensino mdico
mesmo em relao s universidades europias. Avicena amplia, j na Idade Mdia, os
conhecimentos e as aplicaes da Farmcia Galnica, passando a organizar a
transferncia do conhecimento adquirido atravs dos sculos para seus alunos. (Idem)
A teraputica permanece praticamente inalterada at que o astrlogo e mdico suo
Phillipus Aureolus Theophrastus Bombast von Hohenheim (1493 1541), ou
simplesmente Paracelso, cria a iatroqumica (doutrina que pretendia explicar os
fenmenos relativos sade pela qumica ainda rudimentar da poca). Ele amplia e
sistematiza, na teraputica, o uso de metais como ferro, chumbo, mercrio, cobre,
enxofre e antimnio. Paracelsus prega a necessidade de se usar o raciocnio cientfico e
a experincia para validar hipteses teraputicas, mas se utiliza de uma srie de
mistificaes em suas frmulas, chegando a afirmar ser o descobridor do Elixir da
Vida e de ser capaz de transformar metais em ouro. (Idem)
A partir do Renascimento, cristaliza-se o pensamento cientfico, estruturado
principalmente sobre os escritos de So Toms de Aquino (1225 1274), Galileu
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Galilei (1564 1642), Francis Bacon (1561 1626), Ren Descartes (1596 1650) e
depois Immanuel Kant (1724 1804), Auguste Comte (1798 1857), John Stuart Mill
(1806 1873) e Claude Bernard (1813 1878). (Idem)
no sculo XIX que o mundo assiste ecloso de uma nova era da Medicina, baseada
no experimento e na teraputica, mas marcada pela crtica cientfica e pela verificao
sistemtica da segurana e eficcia dos remdios. Este cuidado com o uso de
medicamentos alcana especial relevncia em 1890, quando se constituem as primeiras
comisses de especialistas para a verificao das mortes sbitas ocorridas durante o uso
de anestesia com clorofrmio. (Idem)
A introduo da ainda incipiente sntese qumica no incio do sculo XIX (proposta por
Paracelsus 300 anos antes) pelas mos de farmacuticos e qumicos, leva (em 1817) ao
primeiro isolamento qumico de um princpio ativo o da morfina, a partir da mesma
papoula presente nos escritos sumerianos de 7 mil anos atrs. A descoberta estimula
cientistas franceses e alemes, que isolam, a partir de plantas medicinais, a emetina, a
estricnina, a brucina, a veratrina, a colchicina, a quinina, a cinchonina, a cafena, a
nicotina, a atropina e a codena. (Idem)
Em 1824, Emmanuel Merck (1794 1855) estabelece novo salto, com a sntese de
frmacos em grande quantidade e grau de pureza elevado. Surge a empresa E. Merck e
logo depois dela so criadas a Schering AG, Eli Lilly, Glaxo, Abbott, Parke Davis,
Searle e Sharp & Dome (que aps a segunda guerra mundial se funde com a Merck).
Para a poca, era uma verdadeira revoluo no tratamento de doenas. Mas no se tinha
sequer uma pequena idia do que estava por surgir nas dcadas seguintes. (Idem)
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Um dos marcos no desenvolvimento da indstria de medicamentos se d em 1828,
quando a bioqumica reproduz a uria em laboratrio, a partir do cloreto de amnio e do
cianato de prata. Depois, August von Hoffman (1818 1892) sintetiza a anilina e seu
assistente, William Perkin (1838 1907) produz a malvena, estabelecendo a primeira
ligao com a microbiologia. Esses dois corantes so usados para identificar bactrias
j que a sua prpria existncia ainda era questionada por muitos e j no sculo XX,
Paul Ehrlich (1843 1910) descobre que alguns corantes utilizados na identificao de
microorganismos conseguiam atuar como antibiticos. Depois de 600 tentativas de
modificao celular de sais de arsnico, ele chega frmula do Salvarsan, o primeiro
medicamento anti-sfilis realmente eficiente. Ehrlich passa a ser considerado o pai da
quimioterapia e divide o Prmio Nobel de Fisiologia e Medicina de 1908 com Ilia
Metchnikov (1845 1916), pela descoberta do mecanismo qumico por onde se
estabelece a imunidade. As pesquisas subseqentes sobre os compostos arsnicos levam
ao composto neosalvarsan. (Idem)
A segunda metade do sculo XIX marcada por uma srie de descobertas de novos
frmacos sintticos, entre eles a aspirina ou fenazona (por E.Fischer, Knorr e Filehne,
da Hoechst, em 1884); a fenacetina (Duisberg, da Bayer, em 1887); a aspirina ou cido
acetilsaliclico (Gerhardt em 1853, aperfeioada por Dresser em 1898, ambos da Bayer);
o barbital (batizado de Veronal por E. Fisher, da Hoechst, em 1903). Mas foi com a p-
sulfamidocrisoidina, um corante sulfamdico sintetizado no comeo da dcada de 1930
por Gehardt Domagk (1895-1964), lanado com o nome de Prontosil rubrum pelo
conglomerado IG Farbenindustrie (formado pela Bayer, Basf e Hoechst), que a indstria
farmacutica altera de forma mais profunda sua concepo em relao ao mercado. O
corante se mostra um eficaz antibitico para tratamento de pneumonias, escarlatina e
infeces urinrias. Posteriormente, pesquisas do Instituto Pasteur comprovam que o
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princpio ativo com real atividade antibitica era um metabolito do corante, a
sulfanilamida, que desde 1908 era conhecida como um metabolito do Prontosil. Como
sua ao antibitica no fora identificada, no houve, ento, preocupao em registrar
sua patente, fazendo com que seu uso casse em domnio pblico. O conglomerado
alemo, entretanto, registrou rapidamente a patente do Prontosil rubrum nos anos 30,
passando a ser proprietrio do uso da descoberta. (Idem)
Este detalhe se reveste de extrema importncia, na medida em que o processo de
desenvolvimento e de descobertas cientficas, naquele momento, faz surgir um
monoplio de grande valor no processo de acumulao no s do conhecimento, mas de
riqueza e, conseqentemente, de poder. O monoplio da cura e da vida se estabelece e
com ele uma nova lgica: a de que o preo final dos frmacos recm-descobertos
(ao contrrio da quase totalidade dos bens existentes at ento) no seria
determinado pela planilha de custos dos produtos, mas pela necessidade de
manuteno da vida, que era o produto a ser valorado no imenso mercado que
se criava.
Investir pesadamente em novos frmacos, que comprovadamente fossem eficazes, era a
chave da obteno de lucro. E isso ocorre num mundo praticamente vazio de produtos
cujo uso teraputico estivesse cientificamente sustentado. A viso e a lgica comercial
impactam de forma definitiva o setor farmoqumico, criando monoplios de
conhecimento e riqueza que perduram um sculo depois. Com raras excees, as
mesmas empresas que estavam presentes no momento desta guinada mercadolgica
dada pelo setor no incio do sculo XX, permanecem sendo, no incio do sculo XXI, as
de maior faturamento no mercado mundial, tendo algumas delas optado por se
fundirem, elevando sua participao no mercado. (Idem)
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At o sculo XX, a maioria dos medicamentos era obtida atravs da purificao ou
destilao de substncias de origem natural. Pouco ou nada se conhecia de sua natureza
ou de sua estrutura qumica. O uso de remdios se baseava principalmente na tradio e
na observao emprica de seus efeitos (NASCIMENTO, 2002, p. 13).
Estes investimentos pesados na descoberta e sntese de novos frmacos fazem com que
na virada do sculo XIX para o XX, sobretudo com Koch (1843 1910) e Pasteur (1822
1895), a teoria microbiana e os antibiticos desencadeiem uma revoluo na
teraputica, criando os alicerces da farmacologia de orientao cientfica.
Em 1928, Alexander Fleming descobre e, em 1930, H. Florey e E. Chain produzem a
penicilina. Onze anos depois, em 1941, aparece no mercado a sua primeira forma
injetvel para uso teraputico. Portanto, da descoberta ao uso prtico passam-se 13 anos.
A introduo da penicilina para o tratamento da sfilis, na dcada de 40 do sculo XX,
modifica o panorama da doena. Logo aps a introduo do frmaco no tratamento, as
taxas de sfilis diminuem nos EUA, incluindo a sfilis congnita. (OLIVEIRA, 2006)
Em 1943, quinze anos aps a descoberta de Fleming, Selman Waksman descobre a
estreptomicina, que passa a ser o primeiro agente antimicrobiano descoberto aps a
penicilina. Com ela, a cincia chega a uma substncia qumica eficaz no s contra
muitas doenas at ento incurveis, mas ao primeiro antibitico eficaz contra a
tuberculose. (Idem)
Os anos imediatamente posteriores Segunda Guerra Mundial trazem a produo, agora
em larga escala, de novos produtos farmacuticos, patrocinada pelos avanos cientficos
e tecnolgicos. Este processo de industrializao acelerada eleva o medicamento
categoria dos demais produtos manufaturados, favorecendo de forma extraordinria a
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abertura de um novo campo para o desenvolvimento dos mecanismos de acumulao de
capital.
Primeiramente a sulfanilamida (para tratar as pneumonias, escarlatina e infeces
urinrias), depois a penicilina (para tratar a sfilis), depois a estreptomicina e a
isoniazida (ambas para tuberculose), a fenilbutazona (para artrites), seguindo-se as
vitaminas B 12 (para a anemia megaloblstica), os hipnosedantes (para o tratamento do
sofrimento mental), os primeiros anovulatrios orais (para a contracepo), os
antitrombticos, antihipertensivos e antiarrtimicos (para as doenas cardiovasculares) e
finalmente os primeiros princpios ativos para o controle das neoplasias (Barros, 1995)
elevam o at ento quase artesanal setor de produo de medicamentos categoria de
indstria de grande porte. Somados a estes medicamentos, surgem, ainda, os
antialrgicos, os antiasmticos, os ansiolticos e um grande nmero de antiparasitrios.
Este processo no foi percorrido sem significativas agresses tica ou aos seres
humanos. Ainda durante a Segunda Guerra Mundial, a IG Farbenindustrie ficou
tristemente famosa ao utilizar o campo de concentrao de prisioneiros de Auschwitz
como local de testes voluntrios em ensaios clnicos de novos frmacos. Aps a
guerra, surgem denncias de que pelo menos 150 prisioneiros morreram nestes testes.
(OLIVEIRA, 2006)
Mas no s as foras nazi-fascistas cometeram este tipo de ao. J nos anos 50, o
bilogo americano Gregory G. Pincus (1903 - 1967) - financiado pela tambm
americana Margaret Sanger (1884 1966), defensora das causas eugnicas e Presidente
da International Planned Parenthood Foundation -, utiliza prisioneiros em experincias
com testosterona como anticoncepcional masculino. A frmula mostra-se eficiente, mas
o hormnio induz a atrofia dos testculos, provoca fibrose e infertilidade definitiva em
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alguns participantes dos testes. Diante do problema criado, os testes passaram a ser
realizados em mulheres (porto-riquenhas). Estes fatos acabaram por levar ao
estabelecimento de regras e critrios de ensaios clnicos periodicamente reavaliados e
atualizados. (Idem)
Na metade final do sculo XX, o uso de novos medicamentos - pelo menos nas
sociedades consideradas mais avanadas (na medida em que o acesso j era medido pelo
poder aquisitivo das populaes) - se torna algo corriqueiro e este comportamento se
baseia na certeza da comprovao experimental de suas propriedades farmacolgicas ou
biolgicas, conseguidas atravs de testes controlados, realizados primeiramente em
animais e depois em seres humanos.
O final do sculo XX contabiliza a existncia de mais de 7 mil especialidades
farmacuticas introduzidas, entre 1948 e 1963, apenas no arsenal teraputico americano.
No vcuo das descobertas cientficas, a indstria farmacutica paulatinamente se integra
ao padro de produo, apropriao de tecnologia, saber, acumulao de capital e
conquista de mercados similares s demais indstrias, o que mais tarde possibilita sua
transformao em um dos segmentos mais lucrativos da produo industrial
contempornea (NASCIMENTO, 2002).
A disseminao do uso de produtos farmacuticos em vrios pases demonstra, por
outro lado, que estes frmacos no trazem apenas benefcios Humanidade. Ainda em
1938, a morte por insuficincia respiratria de 107 pessoas (34 crianas e 73 adultos)
nos Estados Unidos, por ingesto de um xarope de sulfanilamida, causada pelo
excipiente nefrotxico dietilenoglicol, leva elaborao, pela FDA (Food and Drug
Administration) de uma norma mais rgida de Vigilncia Sanitria, voltada para o uso
de medicamento. A partir de 1938, para que um laboratrio passasse a produzir
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determinado frmaco em escala industrial, teria de provar, por mtodos controlados pelo
Estado, sua segurana, atravs de um processo denominado NDA (New Drug
Application). (Idem)
J na dcada de 1950, ocorre um dos maiores desastres relativos ao uso de
medicamentos em larga escala. O laboratrio alemo Grnenthal lanara no mercado
um novo e revolucionrio sedativo cuja propaganda prometia segurana e eficcia. O
seu nome fantasia era Contergan e seu princpio ativo a talidomida. Em dezembro de
1958, o Grnenthal comea a receber notificaes de usurios do medicamento que
apresentavam neuropatia perifrica (cimbras, fraqueza muscular e falta de coordenao
motora), com alguns casos irreversveis mesmo aps a suspenso do medicamento. Na
mesma poca, ainda no fora diagnosticada qualquer relao entre o uso do
medicamento e o surgimento de alteraes em filhos de mulheres que haviam feito uso
dele na gravidez. Atribua-se as deformaes a possveis efeitos de viroses. (Idem)
Duas cartas recebidas pelo Editor do The Lancet, identificando uma possvel relao
entre o uso do medicamento e as crianas malformadas, alteram o olhar sobre a questo.
As cartas foram publicadas descrevendo a ocorrncia dos casos e a partir delas surgiram
dezenas de novos depoimentos de mdicos cujas pacientes tinham utilizado a talidomida
na gravidez e seus filhos apresentavam deformaes. Mas foram precisos trs anos de
intensa presso de instituies - e s aps ampla repercusso na imprensa mundial - para
a talidomida ser retirada do mercado, em 1961. O saldo de uma das maiores tragdias da
histria do uso de medicamentos foram 8 mil crianas gravemente defeituosas em 46
pases. (Idem)
Devido justamente aos rgidos critrios de avaliao para a autorizao de
comercializao de medicamentos j implementados no Pas, os Estados Unidos no
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haviam ainda aprovado o uso da talidomida. A FDA havia optado por recomendar o
aprofundamento da investigao da segurana do produto no por causa das
deformaes em crianas, mas devido ao surgimento de casos isolados de neurites
perifricas e alteraes tireoidianas. A catstrofe, que abalou a credibilidade da indstria
farmacutica e colocou em cheque a segurana dos medicamentos, serviu de alerta para
governos, instituies e organismos da sociedade civil. A concluso de que os frmacos
s deveriam ser comercializados aps profundamente estudados - e que para isso eram
necessrias normas rgidas para a sua introduo no mercado - faz nascer primeiramente
nos Estados Unidos um movimento que leva a uma maior rigidez na j existente IND
(Investigational New Drug) e depois o Reino Unido que, em 1968, promulga o
Medicines Act. Os ensaios clnicos passam a ser instrumentos metodolgicos
acompanhados de perto pelas autoridades e passos essenciais para a aprovao de novos
frmacos. (Idem)
Em 1969, a 22 Assemblia Mundial da Sade cria o Grupo Cientfico para Princpios
de Avaliao Clnica de Frmacos, que indica a necessidade de todos os pases
passarem a verificar a eficcia e a segurana dos frmacos neles comercializados. Em
documento de 1970, o Grupo diz, textualmente, que a ocorrncia de diversos acidentes
teraputicos aponta a necessidade de adoo de providncias de carter mundial,
demonstrando o grau de complexidade que atingiu a teraputica atual (OMS, 1970 apud
OLIVEIRA, 2006, p. 29).
H quem argumente que, desde ento, as rgidas regras da realizao de ensaios clnicos
e os testes efetuados antes do lanamento de novos medicamentos no mercado
asseguram, quase meio sculo depois da tragdia da talidomida, segurana e eficcia
plena destes produtos. Entretanto, no o que a realidade tem demonstrado. Em
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setembro de 2004, a Merck Sharp & Dome (MSD) retirou do mercado o Vioxx- lanado
em 1999 - cuja frmula contm rofecoxib, um inibidor da COX-2, muito tempo depois
um estudo apontar aumento dos riscos de infarto do miocrdio e de derrame associados
ao seu uso. A ocorrncia, s nos EUA, de 88 mil a 146 mil casos de infarto atribuveis
ao Vioxx considerada por vrios especialistas como sendo a maior catstrofe sanitria
at agora causada por um medicamento, capaz de superar a tragdia da talidomida
(ROZENFELD, 2006). A exemplo do laboratrio alemo Grnenthal nos anos 50, a
retirada do Vioxxdo mercado pela MSD foi tardia, pois estudos realizados em 2000 j
apontavam os perigos do uso do produto. Tanto que, naquele mesmo ano, uma meta-
anlise - que por coincidncia foi publicada no mesmo TheLancetque tornou pblico
as primeiras cartas sobre a talidomida -, recomendava a retirada do Vioxxdo mercado
(Idem). Os estudos demonstravam que os antiinflamatrios do tipo inibidores seletivos
da ciclooxigenase COX-2, comercializados tanto por venda livre como condicionada
apresentao de receita mdica, poderiam provocar efeitos adversos, como a diminuio
da proteo da mucosa gstrica, hemorragias, problemas renais, aumento da presso
arterial e eventos cardiovasculares.
Os avanos cientficos e tecnolgicos da segunda metade do sculo XX levam prpria
alterao da forma de enfrentamento teraputico das doenas, que at a primeira metade
do sculo passado eram tratadas sem necessariamente se utilizar elementos qumico-
industriais. Esta nova lgica de combate ao sofrimento humano faz com que os
medicamentos passem a assumir um papel para o doente no apenas como o de uma
substncia qumica com um conjunto de indicaes teraputicas. Eles passam a
representar uma possibilidade de soluo de um problema, que o indivduo, por si s,
no teria a possibilidade de resolver.
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Esta relao de confiana nos produtos farmacuticos gerada e fortalecida num
ambiente extremamente favorvel elevao de seu consumo, onde as descobertas
viabilizadas pela sntese qumica elevam o medicamento a um statusjamais imaginado.
O papel do medicamento exacerbado e ele passa a incorporar expectativas e
representaes relacionadas a fatores como confiana em quem faz a prescrio ou o
valor atribudo eficincia cientfica e tecnolgica. Algumas vezes, o uso de um
medicamento no apenas a busca de um auxlio para resolver um problema, mas
confunde-se com a prpria soluo do problema (Schenkel, 1991).
Neste processo de exacerbao e de criao de um fetiche em torno do medicamento,
um elemento vai paulatinamente se tornando essencial ao desenvolvimento do setor: os
meios de comunicao de massa, capazes - graas ao avano tecnolgico propiciado
pelas telecomunicaes - de atingir tanto pases inteiros como o prprio planeta, em
escala de tempo cada vez menor e com maior qualidade de imagem, som e texto. Assim,
o uso das estratgias de marketing - como nos demais setores da rea da indstria e dos
servios (automobilstico, de vesturio, eletroeletrnico, imobilirio, econmico-
financeiro, etc.) absorvido em toda a sua essncia tambm na rea do medicamento.
O crescimento do consumo de medicamentos torna cada vez mais difcil se avaliar at
onde prevalece a exigncia estritamente voltada para o controle de enfermidades e
comea a presso mercadolgica para seu uso. A concepo de sade como um valor ou
um desejo se adapta lgica imposta pelo mercado, passando a ser identificada, na
prtica, a mercadorias propiciadoras de sade. (Lefvre, 1991). O tratamento dado pela
publicidade expande ainda mais este desejo de obter sade e sedimenta a cultura, j
existente, de que para se ter sade preciso se medicar de forma constante, at mesmo
quando no se est doente.
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O tratamento dado pela propaganda de medicamentos ao que deveria ser entendido
como sade eleva na sociedade a busca por solues para problemas ainda no
totalmente solucionveis atravs da utilizao de terapias medicamentosas (como a
beleza, a vitalidade e a energia). A explorao do valor simblico do medicamento
alimentado pela j existente cultura da automedicao, mas amplamente disseminado
pela indstria farmacutica, pelas agncias de publicidade, pelas empresas de
comunicao e pelo comrcio varejista - passa a representar um dos mais poderosos
instrumentos para a induo e fortalecimento de hbitos voltados para o aumento de seu
consumo. Os medicamentos - seja para melhor suportar dores de cabea, incmodos
menstruais, tornar a pele mais macia, fazer crescer cabelos mais sedosos, elevar a
potncia sexual ou simplesmente emagrecer - passam a simbolizar possibilidades
imediatas de acesso no apenas sade, mas ao bem estar e prpria aceitao social,
como se estes produtos pudessem ser adquiridos na farmcia. (NASCIMENTO, 2005)
Um enorme contingente da populao brasileira - idosos, crianas e portadores de
doenas crnicas como hipertenso, diabetes ou problemas cardiovasculares - esto
expostos propaganda, sem que ela traga nenhum tipo de advertncia quanto ao uso de
determinados medicamentos nocivos a estes grupos. A questo se torna ainda mais
grave diante do fato de que milhares de pessoas no Brasil sequer tm noo de que so
portadores, por exemplo, do diabetes ou da hipertenso, sendo levadas, pela propaganda
indiscriminada, a consumir medicamentos desnecessrios e muitas vezes contra-
indicados para portadores deste tipo de doena.
Um dos sintomas dos efeitos da propaganda indiscriminada e do uso incorreto,
irracional, inconsciente e abusivo de medicamentos surge no significativo crescimento
tanto do nmero de casos de intoxicao humana, como do nmero de bitos que tm
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como causa os produtos farmacuticos, registrados nos ltimos anos pelo Sistema
Nacional de Informaes Toxico-Farmacolgicas (Sinitox), da Fundao Oswaldo
Cruz/Ministrio da Sade. A Estatstica Anual de Casos de Intoxicao e
Envenenamentos no Brasil demonstra que h onze anos de 1995 a 2005 - os
medicamentos ocupam o primeiro lugar entre os agentes de intoxicaes humanas
registradas por uma rede hoje formada por 36 Centros de Informaes e Assistncia
Toxicolgicas localizados em 19 estados brasileiros e no Distrito Federal. (BRASIL,
1995-1998; BRASIL, 1999-2005).
Os nmeros mais recentes disponibilizados pelo Sinitox/Fiocruz demonstram que o uso
de medicamentos, em 2005, provocou 21.926 casos de intoxicao humana no Brasil
(25,96% do total de casos registrados), o que equivale a um registro oficial a cada 24
minutos. As intoxicaes humanas tendo como agente os medicamento superam os
agravos causados pelos vrios tipos de animais peonhentos como serpentes, aranhas,
escorpies e outros; as que ocorrem em conseqncia do uso de produtos
domissanitrios e mesmo as causadas por agrotxicos de uso agrcola. (Idem)
Um fator a se considerar a dificuldade encontrada por grande parte da populao para
conseguir um atendimento no SUS, o que sugere que os nmeros do Sinitox refletem
apenas os casos realmente graves de intoxicao por medicamento, que fazem as
pessoas no s procurar, mas muitas vezes terem que insistir para conseguir
atendimento num sistema de sade reconhecidamente de difcil acesso. Portanto, no
exagero supor que o nmero de intoxicaes humanas tendo como agente os
medicamentos deva ser ainda maior.
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4 CAPTULO 2 - PARMETROS CONCEITUAIS: O QUE MARKETING, MEDICAMENTO, REGULAO EMANIPULAO.
4.1 Marketing
O primeiro objeto as ser conceituado neste estudo o marketing como uma teoria de
mercado cada vez mais utilizada pelas grandes corporaes, inclusive as farmacuticas.
Ao analisar o significado das mensagens voltadas para o consumo de bens e de servios
e as relaes advindas dos processos comunicacionais entre emissor e receptor, David
Harvey aponta para o fato de que os produtores tm um permanente interesse em
cultivar o excesso e a intemperana nos outros, em alimentar apetites imaginrios, a
ponto de as idias sobre o que constitui a necessidade social serem substitudas pela
fantasia, pelo capricho e pelo impulso. Para ele, o produtor capitalista tem cada vez
mais o papel de alcoviteiro entre os consumidores e seu sentido de necessidade,
excitando neles apetites mrbidos, espreita de cada uma de suas fraquezas tudo isso
para que possa exigir o numerrio pelo seu servio de amor (Harvey, 1989).
Para analisar como se d a regulao das aes de marketing no desenvolvimento da
indstria farmacutica no mundo e sua atuao no Brasil, utilizaremos nesta pesquisa a
produo de trs reconhecidos tericos do marketing moderno, que aquele que
incorpora a seu dia-a-dia as novas tecnologias que revolucionaram o setor e trata as
aes de propaganda de produtos no como um componente isolado do
desenvolvimento de setores industriais, mas como um gerenciamento de clientes. A
lgica do marketingmoderno preconiza que suas aes devem se conectar com todos
os setores da empresa, determinando qual produto deve ser produzido, em que momento
isso deve ser feito, que caractersticas este produto deve conter, para que segmento ele
deve ser principalmente oferecido, a que preo, em que local deve ser exposto, que
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impacto deve ser medido e finalmente determina as aes de acompanhamento de uso
necessrias para se manter a fidelidade dos clientes conquistados.
Entre estes trs tericos do marketing, destacamos Philip Kotler, professor de marketing
internacional da Kellog Graduate School of Management, da Universidade de
Northwestern (EUA) e autor de 25 livros sobre a teoria do marketing. Ele foi Presidente
do College on Marketing do Institute of Management Sciencese Diretor da American
Marketing Association. Hoje, Kotler presta consultorias estratgicas de marketing a
dezenas de empresas norte-americanas e europias, entre elas Merck, IBM, General
Electric, Bank of America, AT&T e Michelin. (KOTLER, P. e ARMSTRONG, G.
2005)
O segundo terico que este estudo considera Gary Armstrong, professor emrito de
graduao na Kenan-Flager Business School, da Universidade da Carolina do Norte
(EUA). Ele trabalha como consultor e pesquisador para vrias empresas, gerenciando
vendas e estratgias de marketing. Foi o nico professor a receber mais de uma vez o
prmio Excellence in Undergraduate Teaching.
Finalmente, consideraremos os conceitos da professora Franoise Simon, uma das mais
importantes especialistas americanas em estratgia de marketingvoltadas para a rea da
biotecnologia, setor que interessa em particular a essa pesquisa tendo em vista a sua
relao com a sade e o uso de medicamentos. Autora de quatro livros sobre este tema,
ela professora de Negcios e Sade Pblica na Columbia Universitye Presidente do
SDC Consulting Group, que presta servios na rea de marketing a empresas em todo o
mundo.
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Para Philip Kotler e Gary Armstrong, a principal tarefa do marketing alcanar o
crescimento lucrativo para a empresa. Para ele, o marketing deve identificar, avaliar e
selecionar oportunidades de mercado. Deve, tambm, formular estratgias para
capturar essas oportunidades. (KOTLER, P. e ARMSTRONG, G. 2005, p. 40).
Segundo eles, o desenvolvimento de qualquer setor industrial, seja na produo de
sapatos, carros ou produtos biotecnolgicos, deve considerar o fato de que, hoje e no
futuro, boas empresas satisfazem necessidades, timas empresas criam mercados. Os
dois autores ensinam que a funo do marketing, mais do que qualquer outra nos
negcios, lidar com os clientes (...), sendo os principais objetivos do marketing
atrair novos clientes, prometendo-lhes valor superior, e manter os clientes atuais,
propiciando-lhes satisfao. O cuidar bem do cliente, na viso do marketing
moderno, fator essencial para elevar a participao no mercado e aumentar lucros.
(Idem, p. 3)
Na viso de Kotler e Armstrong, as atividades de marketing h muito deixaram de ser
vistas apenas como as exercidas por um grupo de funcionrios que, diante de
determinado produto, elaboram frases e imagens de impacto com vistas a favorecer o
aumento de suas vendas. Eles afirmam que h muito mais sobre o marketing do que os
olhos dos consumidores conseguem ver. Por trs dele h uma macia rede de pessoas e
atividades que disputam sua ateno e seu dinheiro. (Idem, p. 3)
Os tericos do marketing estudados para o desenvolvimento desta pesquisa propugnam,
j h alguns anos, que a forma texto-imagem ou apenas texto, utilizada na
propaganda, constitui uma pequena parte do que deve ser considerado como uma das
atividades do setor. Embora sejam importantes, a forma de exibir determinado produto
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(imagem) e o texto que a acompanha so apenas duas das muitas funes do marketing
e no necessariamente as mais importantes.
Kotler e Armstrong ensinam: O marketing inicia-se antes mesmo de a empresa ter
determinado produto. Ele a lio de casa que os administradores devem fazer para
avaliar as necessidades, quantificar a extenso, a intensidade delas e com isso
determinar se h uma oportunidade lucrativa. Ele continua por toda a vida do produto,
na tentativa de encontrar novos clientes e manter os clientes atuais mediante a melhoria
do desempenho e do apelo do produto, do aprendizado a partir dos resultados de suas
vendas e do gerenciamento contnuo de seu desempenho. Se o profissional de marketing
faz um bom trabalho e acaba entendendo as necessidades dos clientes, desenvolvendo
produtos que oferecem valor superior e preos vantajosos, distribuindo-os e
promovendo-os de maneira eficiente, esses produtos sero vendidos com muita
facilidade. Assim, vendas e propaganda so apenas peas de um 'mix de marketing', ou
seja, de um conjunto de ferramentas de marketing que operam juntas para impressionar
o mercado. (Idem, p. 3)
O profissional de marketing, para os dois autores, busca gerar uma resposta para alguma
oferta. Esta resposta pode ser mais do que a simples compra de bens ou servios: Um
candidato busca votos, uma igreja procura fiis e um grupo de ao social quer a
aceitao de seu projeto. O marketing consiste em aes que levem obteno de uma
resposta desejada de um pblico-alvo em relao a algum produto, servio, idia ou
outro objeto qualquer. Na linha de raciocnio de Kotler e de Armstrong, alm da
gerao de transaes a curto prazo, os profissionais de marketing precisam se
preocupar em criar relacionamentos de longo prazo com clientes, distribuidores e
fornecedores, devendo construir vnculos sociais e econmicos fortes. (Idem, p 7)
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Assim, ao definir o que marketing de forma mais elaborada, dois dos principais
tericos do setor o enxergam como um processo administrativo e social pelo qual
indivduos e grupos obtm o que necessitam e desejam, por meio da criao, oferta e
troca de produtos e valor. (Idem, p. 3). Este processo administrativo e social se d, em
sua viso, com base em necessidades, desejos e demandas por produtos e servios,
que so medidos atravs do valor dado a eles, da satisfao encontrada e da qualidade
de vida adquirida a partir da sua aquisio. Este processo se baseia em iniciativas com
vistas a formar uma rede de relacionamento que ser to frutfera quanto a capacidade
das empresas dominarem o mais completamente possvel todas as suas variveis.
4.1.1 - Necessidades, desejos e demandas
Para Kotler e Armstrong, o conceito mais bsico de marketing o das necessidades
humanas, que resultam de situaes de privao (Idem, 2005). Entre elas esto as
necessidades fsicas bsicas de alimentao, vesturio, abrigo e segurana; necessidades
sociais de bens e afeto; e as necessidades individuais de conhecimento e auto-
expresso. Para os dois autores, estas necessidades no foram inventadas pelos
profissionais de marketing, pois so elementos bsicos da condio humana. (Idem,
p.4)
J os desejos seriam a forma que as necessidades humanas assumem quando so
particularizadas por determinada cultura e pela personalidade individual. (Idem, p. 4)
Eles exemplificam com o fato de um norte-americano, ao sentir fome, desejar um
hamburguer, batatas fritas e refrigerante; enquanto um habitante das Ilhas Maurcio
deseja manga, arroz, lentilha e feijo. Os desejos, para a teoria do marketing, so
compartilhados por uma sociedade e se manifestam em termos de objetos que satisfaro
estas necessidades.
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Aps a identificao das necessidades e dos desejos, um terceiro aspecto deve ser
considerado no processo administrativo-social do marketing, segundo Kotler e
Armstrong. Como as pessoas tm desejos praticamente ilimitados, mas possuem
recursos finitos, a imensa maioria opta por investir seu dinheiro em produtos que tragam
o mximo de valor e satisfao. Assim, quando apoiados pelo poder de compra, as
necessidades e os desejos tornam-se demandas, que se corporificaro em produtos.
(Idem)
Para se aproximar do trinmio necessidade - desejo - demanda, os dois autores citam
exemplos de empresas, inclusive algumas brasileiras, cujas direes incorporaram a
fundo o processo administrativo-social do marketing:
Os principais executivos do Wal-Mart (rede americana de supermercados) visitam
lojas e conversam com clientes dois dias por semana. Na Disneyworld, todo gerente
pelo menos uma vez em sua carreira fica um dia todo andando pelo parque vestido de
Mickey, Minnie, Pateta ou outro personagem qualquer. Alm disso, os gerentes da
empresa trabalham uma semana por ano na linha de frente: distribuindo ingressos,
vendendo pipoca ou fazendo emprstimo de carrinhos. No Brasil, a Ambev envia seu
staffs sextas-feiras, incluindo os diretores, para visitar os pontos-de-venda e conversar
com os consumidores. Na AT&T, o diretor-presidente, Michael Armstrong,
freqentemente visita uma das centrais de atendimento da empresa, atende diretamente
os clientes, coloca fones de ouvido e comea a atender ligaes para ter uma melhor
idia dos problemas e das frustraes que os clientes da empresa enfrentam. Na rede de
hotis Marriott, para ficar prximo dos clientes, o chefe do conselho e presidente, Bill
Marriott, l pessoalmente cerca de 10% das 8 mil cartas e 2% das 750 mil sugestes
apresentadas pelos clientes todos os anos. Entender detalhadamente as necessidades, os
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desejos e as demandas dos clientes traz uma importante vantagem para a elaborao de
estratgias de marketing. (Idem, p. 4)
O modelo de empresa que consegue incorporar todas as possibilidades que o marketing
oferece no seu dia-a-dia, na viso de Kotler, aquela que conhece o 'o qu', o 'onde', o
'como' e o 'quando' das necessidades, dos desejos e das demandas de seus clientes.
Ainda segundo ele, estas empresas sabem tudo sobre ns - coisas que nem ns mesmos
sabemos. Para os profissionais de marketing, isso no uma busca sem importncia.
Para eles, saber tudo sobre as necessidades dos clientes a pedra fundamental para fazer
um marketing eficaz. Muitas empresas pesquisam detalhadamente sobre ns e
acumulam montanhas de informaes. (Idem, p. 5)
E cita exemplos: a Coca-Cola sabe que os norte-americanos colocam 3,2 cubos de gelo
em um copo, que assistem a 69 de seus comerciais todo ano, que preferem que as latas
nas mquinas de vendas estejam a uma temperatura de dois graus, enquanto o
Laboratrio Abbott descobriu que uma entre cada quatro pessoas tem problemas de
caspa e a indstria farmacutica sabe que so consumidos, por ano, 52 milhes de
aspirinas e 30 milhes de comprimidos para dormir. (Idem, p. 5)
Kotler e Armstrong afirmam que praticamente tudo que engolimos cuidadosamente
monitorado por algum [...] e as empresas sabem que cada norte-americano, por
exemplo, consome, em mdia, 156 hambrgueres, 95 cachorros-quentes, 283 ovos, 2,3
litros de iogurte, 4 quilos de cereal, 900 gramas de pasta de amendoim e 46 saquinhos
de pipoca por ano e que nos Estados Unidos so gastos 650 milhes de dlares a cada
12 meses com anticidos, para ajudar na digesto. (Idem, p. 5)
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4.1.2 - Valor, satisfao e qualidade
Kotler e Armstrong analisam o caso da FedEx como um exemplo de sucesso de
marketing, j que como os clientes no julgam os valores e os custos do produto de
maneira precisa ou objetiva, acabam agindo de acordo com o valor percebido. Na
verdade, dizem eles, a FedEx realmente oferece maior rapidez e confiabilidade na
entrega, mas os Correios garantem que seus servios so compatveis com os da FedEx
e que seus preos so bem mais em conta. Entretanto, nmeros de mercado indicam que
a FedEx detm mais de 45 por cento do mercado de entrega expressa em todo os EUA,
enquanto os Correios detm apenas 8%. Concluso de Kotler: o desafio dos Correios
criar nesses clientes percepes de valor. (Idem, p. 6)
J a satisfao do cliente, ainda na viso dos dois tericos do marketing, depende do que
ele percebe sobre o desempenho do produto em relao s expectativas que cada
consumidor tem dele, cabendo s empresas referncia em marketing se desdobrar para
manter clientes satisfeitos, pois eles repetem suas compras e contam aos outros suas
boas experincias com o produto. (Idem, p. 6)
Finalmente, a satisfao do cliente, para Kotler e Armstrong, est estreitamente
vinculada qualidade do produto. Eles ressaltam que muitas empresas adotaram
programas de gesto da qualidade total com o intuito de aumentar constantemente a
qualidade de seus produtos, servios e processos de marketing, com impacto direto
sobre o seu desempenho, de seus produtos e, por conseqncia, sobre a satisfao do
cliente. (Idem, p. 6)
4.1.3 - Mercado atual e potencial
Para Kotler e Armstrong, mercado o conjunto de compradores atuais e potenciais de
um produto. Esses compradores compartilham de um desejo ou de uma necessidade
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especfica que pode ser satisfeita por meio de trocas e relacionamentos. Assim, o
tamanho de um mercado depende do nmero de pessoas que apresentam a necessidade,
tm recursos e esto dispostas a oferecer esses recursos em troca daquilo que desejam.
(Idem, p.8)
A teoria do marketing ressalta, tambm, a importncia das organizaes terem um nvel
desejado de demanda para seus produtos. Em algum momento, pode acontecer no
haver demanda nenhuma por eles, cabendo administrao de marketing encontrar
maneiras de lidar com diferentes estados da demanda, tendo como necessidade no
apenas encontrar, mas aumentar esta demanda. Segundo os dois autores, a
administrao de marketing a anlise, o planejamento, a implementao e o controle
de programas desenvolvidos para criar, construir e manter trocas benficas com
compradores-alvo, para que sejam alcanados os objetivos organizacionais. A
administrao de marketing tem como uma de suas tarefas primordiais afetar o nvel,
o ritmo e a natureza da demanda, a fim de contribuir para que a organizao alcance
seus objetivos. (Idem, p. 9)
Para construir relacionamentos lucrativos com os clientes, a teoria do marketing
ensinada por Kotler e Armstrong aponta a necessidade de se dividir a clientela atual e
potencial em dois segmentos: novos clientes e antigos clientes. Os dois autores ensinam
que, tradicionalmente, os profissionais de marketing tm como objetivo atrair novos
clientes e realizar transaes com eles. Mas eles ressaltam que entretanto, no ambiente
de marketing de hoje, mudanas demogrficas e econmicas, alm de fatores
competitivos, fazem com que haja poucos novos clientes para buscar, pois os custos
para atra-los so altos. Assim, apesar de ser muito importante encontrar novos
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clientes, o mais importante reter clientes lucrativos e construir relacionamentos
duradouros com eles. (Idem, p. 10)
Para alcanar este relacionamento duradouro, Kotler e Armstrong frisam que, em alguns
momentos, so essenciais algumas aes que, mesmo trazendo alguns prejuzos
administrao da empresa, asseguram confiana e fidelidade da clientela e at mesmo a
conquista de novos clientes, elementos que traro, no futuro, lucros que compensaro
em muito um eventual prejuzo momentneo. Ele cita como exemplo disso o trgico
caso de adulterao de produto, ocorrido nos Estados Unidos, em que oito pessoas
morreram aps ingerir cpsulas de Tylenol - da Johnson & Johnson que haviam sido
criminosamente cobertas com cianureto. Apesar de a empresa saber que as plulas
haviam sido adulteradas apenas em algumas farmcias, e no em sua fbrica, ela
recolheu todo o produto do mercado antes mesmo que as autoridades determinassem.
Essa atitude lhe custou 240 milhes de dlares, mas Kotler explica que isso no pode
ser contabilizado como prejuzo, pois, a longo prazo, o fato de ter recolhido o Tylenol
fez com que a confiana e a fidelidade do consumidor aumentassem, e o Tylenol
continua sendo a marca lder no segmento de analgsicos nos Estados Unidos. (Idem,
p. 15)
4.1.4 - Biomarcas: o marketing baseado em experincia versuso marketing
baseado em evidnciasEm seu livro A construo de biomarcas gl