UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DIREITO
ANA DE ALMEIDA ANDRADE
A IMUNIDADE TRIBUTRIA DO PAPEL ELETRNICO
Salvador
2015
ANA DE ALMEIDA ANDRADE
A IMUNIDADE TRIBUTRIA DO PAPEL ELETRNICO
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Direito da Universidade Federal da
Bahia, como requisito parcial obteno do grau de
Mestre em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Edvaldo Brito
Salvador
2015
A543 Andrade, Ana de Almeida.
A Imunidade Tributria do Papel Eletrnico / Ana de
Almeida Andrade - 2015.
110 f.
Orientador: Professor Doutor Edvaldo Brito.
Dissertao (Mestrado) Universidade Federal da Bahia,
Faculdade de Direito, 2015.
1. Direito Tributrio. 2. Imunidades Tributrias. I.
Universidade Federal da Bahia. II. Brito, Edvaldo, orient. III. Ttulo.
CDD - 342.02
Ana de Almeida Andrade
A IMUNIDADE TRIBUTRIA DO PAPEL ELETRNICO
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Direito da Universidade Federal da
Bahia, como requisito parcial obteno do grau de
Mestre em Direito.
________________________________________________
Orientador: Professor Doutor Edvaldo Brito
Universidade Federal da Bahia
_________________________________________________
__________________________________________________
Salvador, ____/_____/ 2015
A minha me,
por todo e tanto amor
Se falta liberdade de pensamento, todas as outras liberdades
humanas esto sacrificadas, desde os fundamentos. Foram os
alicerces mesmos que cederam. Todo o edifcio tem de ruir.
Pontes de Miranda
A argumentao visa uma escolha entre possveis; propondo e
justificando a hierarquia deles, ela tenciona tornar racional uma
deciso. Fanatismo e cepticismo negam essa funo da
argumentao em nossas decises. Tendem ambos a deixar, na
falta de razo coerciva, campo livre violncia, recusando o
envolvimento da pessoa.
Cham Perelman
RESUMO
A hermenutica jurdica atual tem sido influenciada pela alterao do paradigma vigente no
mbito das Cincias Humanas, onde a objetividade positivista iniciada por Comte e
Durkheim, e adotada por Marx em sua busca das inexorveis leis econmicas, cedeu diante
da proposta weberiana compreensiva da ao social. Muitos autores afirmam o pressuposto de
que a hermenutica jurdica no pode estabelecer significaes objetivas e imutveis para os
conceitos constantes dos comandos normativos, cabendo ao operador jurdico no apenas
declarar um preexistente sentido oculto e objetivamente recupervel da norma, mas sim
atuar diretamente no processo de construo de seu sentido, nos moldes preconizados pela
hermenutica ps-positivista, uma vez que no passa de mera fico a ideia preconizada pela
antiga hermenutica jurdica de que seria possvel identificar a vontade da lei ou a vontade
do legislador. Para argumentar a favor de uma interpretao ampliativa do Artigo 150, inciso
VI, alnea d, da CF/88, visando garantir a imunidade tributria para todos os suportes do
livro eletrnico, necessrio se fez apenas lembrar o sentido dos prprios argumentos
utilizados pelos Ministros do STF, no paradigma hermenutico-clssico que entende a
Constituio como lei. Recuperando o elemento gramatical do vocbulo livro e os contextos
histricos constituintes a partir dos quais deu-se a cristalizao de tal tutela constitucional,
esta dissertao pretende demonstrar a importncia e a urgncia do reconhecimento pela Corte
Constitucional de que a interpretao de natureza teleolgica para este dispositivo o mais
adequado, de modo a garantir a imunidade objetiva para todos os suportes eletrnicos do
livro, jornal e peridico, e com isto fortalecer um princpio fundamental de todo Estado de
Direito: no tax on knowledge, (no tributao do conhecimento).
Palavras-chave: Imunidade tributria. Livro eletrnico. Hermenutica Constitucional.
ABSTRACT
The current legal interpretation has been influenced by the changing of the existing paradigm
within the Humanities, where the "positivist objectivity" initiated by Comte and Durkheim,
and adopted by Marx in his search of the inexorable "economic laws", gave in to the Weberian
comprehensive proposal of social action. Many authors state the assumption that the legal
interpretation can not establish objective and immutable meaning to the concepts of legal
standards, having the legal operator not to "declare" pre-existing "hidden meaning" and
objectively recoverable from the norm, but rather act directly in the construction of its
meaning, along the lines recommended by the post-positivist hermeneutics, since it is mere
fiction the idea advocated by former legal interpretation that it would be possible to identify
the 'will of the law' or the 'will of the legislator' . To argue in favor of an interpretation of
Article 150, VI, "d" of the Brazilian Constitution of 1988 to ensure the tax exemption for all
supporters of "electronic book", it was necessary to remember the meaning of the
arguments used by the Ministers of the Supreme Court, the classic hermeneutic paradigm that
understands the Constitution as law. Recovering grammatical element of the book word and
the historical constituents contexts from which came the crystallization of such constitutional
protection, this work aims to demonstrate the importance and the urgency of the recognition
by the Constitutional Court that the interpretation of teleological nature for this device is the
most appropriate in order to ensure the objective immunity to all electronic media book,
newspaper and periodical, and thus strengthen a fundamental principle of any state of law, "no
tax on knowledge".
Keywords: Tax immunity. E-book. Constitutional hermeneutics
SUMRIO
1. INTRODUO ................................................................................................................... 9
2. PAPEL ELETRNICO .................................................................................................... 11
3. IMUNIDADE TRIBUTRIA DE LIVROS, JORNAIS E PERIDICOS ................... 17 3.1 LIMITAES AO PODER TRIBUTRIO ................................................................................... 17 3.1.1 As Imunidades: Escudo contra o Poder Estatal....................................................................... 17 3.1.2 A norma jurdica imunizante: natureza subjetiva e objetiva ................................................. 19 3.2 LIBERDADE DE EXPRESSO, LIVRE CIRCULAO E DIVULGAO DE IDEIAS E
DIREITO INFORMAO: PILARES DA DEMOCRACIA ........................................................... 21 3.2.1 Produo Intelectual. No Tax on Knowledge ............................................................................ 21 3.2.2 As Ditaduras do sc. XX e o monoplio de informaes ......................................................... 24 3.2.3 A imunidade que nos vem de 46 ............................................................................................... 27
4. DIREITO FUNDAMENTAL INFORMAO........................................................... 31 4.1 AS DIMENSES (OU GERAES) DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ................................ 33 4.1.1 Primeira dimenso dos direitos fundamentais......................................................................... 34 4.1.2 A segunda dimenso dos direitos fundamentais ...................................................................... 36 4.1.3 A terceira dimenso de direitos fundamentais ......................................................................... 37 4.1.4 A quarta dimenso de direitos fundamentais ........................................................................... 39 4.2 AS DIMENSES DO DIREITO INFORMAO ..................................................................... 39 4.2.1 Direito de informar .................................................................................................................... 41 4.2.2 Direito de ser informado ............................................................................................................ 44 4.2.3 Direito de se informar ................................................................................................................ 47
5. IMUNIDADE TRIBUTRIA DOS MEIOS ELETRNICOS ..................................... 51 5.1 A CONFUSO ELETRNICA .................................................................................................. 51 5.1.1 Avanos tecnolgicos dos meios de comunicao ..................................................................... 54 5.2 AS POSIES DA DOUTRINA NACIONAL .............................................................................. 56 5.2.1 Doutrina desfavorvel imunidade do livro eletrnico .......................................................... 56 5.2.2 Doutrina favorvel hermenutica teleolgica e ampliativa ................................................. 65 5.3 PODER EXECUTIVO: ENTENDIMENTOS DO FISCO ............................................................. 68 5.4 PODER LEGISLATIVO E UM NOVO CONCEITO PARA LIVRO ............................................ 69 5.5 O PODER JUDICIRIO ................................................................................................................ 71 5.5.1 Decises judiciais relevantes ...................................................................................................... 71 5.5.2. Posio do Supremo Tribunal Federal .................................................................................... 76 5.6 O PAPEL NO SCULO XXI .......................................................................................................... 81 5.6.1 Um passo frente: a imunidade do tablet ................................................................................ 81 5.6.2 Mtodos interpretativos ............................................................................................................. 87 5.6.3 A superao do problema atravs do mtodo lingustico-pragmtico ................................... 97
CONCLUSO ...................................................................................................................... 100
REFERNCIAS
9
1. INTRODUO1
O ttulo desta dissertao j antecipa o objetivo deste estudo - demonstrar que a
hermenutica mais apropriada para o Artigo 150, inciso VI, alnea d, da Constituio
Federal de 1988, a de natureza teleolgica (ou finalstica), isto , o operador jurdico deve
buscar resgatar a inteno do constituinte ao cristalizar tal comando normativo no seguinte
enunciado, o qual de pronto transcrevemos para que no haja dvidas:
Art. 150. Sem prejuzo de outras garantias asseguradas ao contribuinte,
vedado Unio, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios: (...)
VI - instituir impostos sobre: (...)
d) livros, jornais, peridicos e o papel destinado a sua impresso.
Pretende o constituinte defender os interesses dos editores, ou proteger a nossa
indstria de papel mesmo em prejuzo do meio ambiente? Ou garantir o emprego dos que
trabalham na sua produo? Estamos certos que o motivo determinante a mover o legislador,
e que tambm nos parece condio indispensvel para um Estado Democrtico de Direito, foi
a proteo da livre circulao de ideias e informaes no pas, nico meio de impedir o Estado
de deter tal monoplio. Foi este, sem dvida, o valor tutelado pelo constituinte de 1988, ao
repetir o enunciado que nos vem da Constituio Federal de 1946.
Esse trabalho, portanto, visa contribuir para a divulgao da nossa garantia
constitucional eficaz circulao de ideias e informaes, buscando evitar a cristalizao de
uma tendncia retrgrada na atual hermenutica constitucional, cuja nocividade ainda
incipiente poder vir a tornar sem efeito um dos pilares do nosso Estado Democrtico de
Direito, anulando, por via indireta, o disposto no artigo 150, VI, "d", CF/88, uma vez que o
papel de celulose como meio de divulgao est em franco declnio para um segmento da
sociedade, enquanto cresce a leitura de jornais e revistas populares em papel, implicando em
um equilbrio de foras contrrio democracia e ao esprito constitucional da nao. Baratear
os meios eletrnicos de acesso cultura e ao conhecimento promover a educao de um
povo, outro valor mximo da CF/88, e que tem se revelado o seu maior patrimnio.
Por que ento o STF no se posiciona definitivamente sobre esta questo, esclarecendo
de uma vez por todas que papel naquele contexto normativo apenas o suporte fsico para a
impresso de livros, jornais e peridicos? Ou simplesmente declara que livro naquele
1 Normas de formatao utilizadas: NBR 6023, NBR 6024, NBR 6027, NBR 6028 de (2003); NBR 6029 de
(2006); NBR 6034 de (2004); NBR 10520 de (2002) e NBR 14724 de (2005) da ABNT (Associao Brasileira
de Normas Tcnicas).
10
contexto conceito que inclui os atuais meios eletrnicos? No devemos esquecer a clssica
afirmao de Marshall McLuhan de que o meio a mensagem, e de que as novas
tecnologias de comunicao e informao (as denominadas TIC) exigem atualizao nas
definies dos conceitos jurdicos, sob pena da sua absoluta ineficcia.
Perguntamos: as causas da posio restritiva e defensiva do STF, insistindo em
engessar numa literalidade mesquinha os conceitos de livro, jornais e peridicos, limitando-os
aos produtos impressos em papel, e coincidente com as orientaes administrativas
fazendrias, tanto no mbito federal como nos estaduais, evidenciam apenas uma nsia na
arrecadao de tributos, a superar o valor garantido constitucionalmente de uma educao
baseada na livre circulao de ideias e informaes? Ou o problema ainda mais grave, isto ,
no estaria o STF, com tal posio fomentando, consciente ou inadvertidamente, o controle
estatal da circulao de informaes e surgimento de ideias?
Insistir em tributar o livro eletrnico restringir os direitos que garantem ao cidado
o acesso a uma circulao eficaz das ideias e informaes, sejam elas artsticas, tcnicas,
acadmicas ou jornalsticas. Tributar este suporte fsico tributar o papel imune
imaginado pelo poder constituinte em 1988.
A sociedade brasileira no deseja isto, ou, melhor dito, o poder do povo cristalizado
em 05 de outubro de 1988, atravs da carta promulgada por sua Assembleia Nacional
Constituinte, pedra fundamental do nosso ordenamento jurdico e nica fonte legitimadora de
toda normatividade jurdica, afastou do Estado a possibilidade de impedir ou dificultar, por
meios fiscais, a livre circulao de ideias e informaes.
Pensamos que j passada a hora (mas antes tarde do que nunca!) da nossa Corte
Constitucional assumir o seu papel e fazer coro com a posio doutrinria e jurisprudencial
que vem demonstrando a necessidade de uma participao mais ativa do Poder Judicirio no
controle das tendncias fiscalistas e/ou autoritrias.
11
2. O PAPEL ELETRNICO
Man's mind, once stretched by a new idea, never regains its
original dimensions.
Oliver Wendell Holmes 2
Cabe de incio esclarecer o que nesta dissertao se entende por papel eletrnico,
expresso j constante do ttulo. No se discute aqui a imunidade tributria do livro eletrnico
per se, como vem sendo promovida por parte da doutrina e jurisprudncia atualizada, mas sim
a necessidade do reconhecimento pela Corte Constitucional desta imunidade ao suporte
eletrnico dos livros, jornais e peridicos, suporte este que de uma perspectiva pragmtica e
teleolgica corresponde ao papel imune previsto na Constituio Federal.
notria a transformao trazida pelos avanos tecnolgicos na maneira como hoje o
conhecimento transmitido. Com a internet j no existe, ou ao menos no deveria existir,
barreiras de espao para a comunicao humana em larga escala. Qualquer informao est
vinte quatro horas disponvel para acesso em qualquer parte do mundo, ainda que nem sempre
na mesma velocidade; e, ainda mais importante, este conhecimento est disponvel para
qualquer um que possa acessar a rede mundial de computadores. A internet aponta para o fim
do monoplio de informaes e para a possibilidade de seu compartilhamento por todos e
com todos.
Antigamente, na China, bambus e sedas representavam a soluo para o registro e
circulao do conhecimento; os egpcios desenvolveram a tcnica de fabricar folhas de papiro,
processo no qual necessrio prensar lminas da planta papiro e algodo por quase uma
semana. O resultado era, no entanto, folhas frgeis e pouco resistentes ao excesso de umidade
ou a sua falta. A outra opo que acabou por substituir o papiro na Europa, por ser mais barato
e acessvel, era o pergaminho, uma pele de animal, geralmente de cabra,
carneiro, cordeiro ou ovelha, na qual era possvel escrever e fazer circular a informao. Antes
mesmo do papiro ou pergaminho, os assrios e babilnios registravam seu conhecimento em
placas de argilas3.
O papel de celulose, por sua vez, surgiu como a alternativa mais prtica e econmica
2 A mente do homem, uma vez alargada por uma nova ideia, nunca retorna a suas dimenses originais. (tradu-
o livre) citao atribuda ao jurista norte americano Oliver Wendell Holmes (Associate Justice of the Supre-
me Court of the United States). 3 PACHECO, Angela Maria da Motta. Imunidade Tributria do Livro, in MACHADO, Hugo de Brito, Coord. Imunidade tributria do livro eletrnico. So Paulo: Atlas, 2003, p. 14.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Pelehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Animaliahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Bodehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Carneirohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Ovelhahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Ovelhahttp://en.wikipedia.org/wiki/Associate_Justice_of_the_Supreme_Court_of_the_United_Stateshttp://en.wikipedia.org/wiki/Associate_Justice_of_the_Supreme_Court_of_the_United_States
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para a Europa medieval, principalmente em 1500, com o advento da impresso em larga
escala. A partir de ento, livros de papel, jornais de papel e enciclopdias de papel
representaram a melhor maneira de comunicao com o mundo e com outras geraes.
No obstante, os tempos, como sempre, mudaram: recente pesquisa assinala que o fim
dos jornais impressos est prximo: os dados fazem parte de um estudo da empresa de
consultoria americana Future Exploration Network. A razo simples: o negcio se tornar
antieconmico. A pesquisa foi feita em 17 pases levando em conta os hbitos de leitura de
cada um e tambm a adeso de sua populao s novas tecnologias. A expectativa que, no
Brasil, jornais impressos desapaream no ano de 2027. Nos Estados Unidos, durante o ano de
2009, 105 jornais extinguiram suas atividades.4 O ltimo pas do mundo a abolir os jornais,
segundo o estudo, ser a vizinha Argentina, em 20395.
De incio, os computadores pessoais no pareciam ameaar a hegemonia do papel, e
foi apenas com a apario de uma nova categoria de plataforma de leitura que o fenmeno da
substituio tornou-se evidente. Afinal, ningum leria com conforto um jornal no sof atravs
de um computador com monitor, teclado, mouse e CPU. Ainda que o cenrio tenha comeado
a mudar com a popularizao dos laptops, foi somente em 1998 que os primeiros aparelhos de
e-books (electronic book, i.e., livro eletrnico), Rocket e-Book e Softbook, foram lanados no
mercado americano. Tais meios, estes sim, assemelhavam-se muito ao conhecido livro, pois
poderiam facilmente ser lidos em qualquer lugar. Aps alguns anos, em 2006, a Sony lanou o
leitor Sony Reader, com a tecnologia da tinta eletrnica, a qual possui a vantagem de, ao invs
de emitir luz, refleti-la, a fim de tornar-se legvel. No ano seguinte, e nos mesmos moldes, a
Amazon lanou o seu primeiro leitor Kindle, e a esta altura o grande pblico parecia j haver
despertado para as transformaes que as novas plataformas de leitura traziam, e o estoque de
lanamento terminou em apenas cinco horas e meia. A Amazon j vende, desde 2011, mais
livros eletrnicos que impressos6.
Muito antes, no entanto, um homem j fazia planos para a nova evoluo dos livros.
4 PREETHI DUMPALA, The Year The Newspaper Died. Disponvel em:
.Acesso em 12 novembro
2014. 5 REDAO BRASIL 247. Morte dos jornais tem data: no Brasil, em 2027. Disponvel em:
.
Acesso em 05 outubro 2014. 6 Revista Exame: foram vendidos 105 livros para o e-book Kindle para cada 100 em papel. Trecho da reporta-
gem Amazon j vende mais livros eletrnicos do que impressos. Disponvel em:
.
Acesso em 12 novembro 2014.
http://www.businessinsider.com/the-death-of-the-american-newspaper-2009-7?op=1http://www.brasil247.com/pt/247/midiatech/111773/Morte-dos-jornais-tem-data-no-Brasil-em-2027.htmhttp://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/amazon-ja-vende-mais-livros-eletronicos-do-que-impressos
13
Steve Jobs, em discurso proferido ainda em 1983, aponta como a estratgia de sua
recentemente fundada empresa, Apple, colocar um computador dentro de um livro; o qual
pudesse ser carregado para todos os lugares e cujo manuseio fosse fcil o suficiente para que
algum pudesse comear a us-lo em apenas vinte minutos7. A grande virada trazida em 2010
com o lanamento do iPad, avano este tambm previsto desde os anos oitenta8, seria a
conexo que este aparelho teria com a rede mundial de computadores, a internet via wi-fi. Nos
ltimos meses de 2013, 26 milhes de iPads foram vendidos em todo o mundo, um novo
recorde.
Os tablets, suportes eletrnicos de livros, so o novo papel do mundo contemporneo,
e convertem-se vertiginosamente na nova plataforma de leitura do sculo XXI. Antigamente
era necessria a fabricao de centenas de folhas, custa do meio ambiente, para a impresso,
por uma empresa, de apenas um livro. Hoje, o cidado o possuidor dos meios de
impresso do livro, isto , de diversos livros, livros do mundo inteiro, jornais dos mais
remotos locais, peridicos histricos, tudo em apenas um aparelho.
No haver quem pense que nossa Constituio imunize o papel destinado impresso
de livros, jornais e peridicos, como incentivo ao desmatamento de florestas. Afinal, de
competncia comum da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios, proteger o
meio ambiente, combatendo a poluio em qualquer de suas formas, bem como preservar suas
florestas (art. 23, CF). inclusive princpio geral da atividade econmica do Brasil, a defesa
do meio ambiente, mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos
produtos e servios e de seus processos de elaborao e prestao.
A cadeia de produo do papel e sua distribuio altamente impactante ao meio
ambiente, no s pelo desmatamento, porque ainda que seja de reservas florestais, estas na
verdade so grandes monoculturas de eucalipto, e os diversos ecossistemas que originalmente
existiam naqueles locais so brutalmente devastados, levando degradao do solo e
desertificao. A produo do papel requer ainda a utilizao de diversos produtos qumicos,
para clareamento das folhas por exemplo, alm de ser uma atividade de alto consumo de
7 Steve Jobs: our strategy is really simple. What we want to do is we want to put an incredibly great computer in
a book that you can carry around with you and learn how to use in 20 minutes.Em traduo livre: nossa estra-
tgia muito simples. O que ns queremos fazer colocar um incrivelmente timo computador em um livro, que
voc possa carregar por a com voc e possa aprender a usar em vinte minutos. Reportagem Rare full recor-
ding of 1983 Steve Jobs speech reveals Apple had been working on iPad for 27 years. Disponvel em:
http://thenextweb.com/apple/2012/10/02/rare-full-recording-of-1983-steve-jobs-speech-reveals-apple-had-been-
working-on-ipad-for-27-years/ . Acesso em 23 de outubro 2014 8 Steve Jobs: we really want to do it with a radio link in it so you dont have to hook up to anything and youre
in communication with all of these larger databases and other computers. Ibidem.
http://thenextweb.com/apple/2012/10/02/rare-full-recording-of-1983-steve-jobs-speech-reveals-apple-had-been-working-on-ipad-for-27-years/http://thenextweb.com/apple/2012/10/02/rare-full-recording-of-1983-steve-jobs-speech-reveals-apple-had-been-working-on-ipad-for-27-years/
14
energia e gua, representando uma das indstrias menos econmicas do mundo.
Enquanto muitos comemoram a possibilidade de nos desvencilharmos do papel de
celulose como nica opo para o fluxo de informaes escritas, este suporte eletrnico, este
papel eletrnico, cuja funo principal a leitura de livros digitais, jornais e revistas, tem
seu custo final no Brasil cerca de quatro vezes mais alto que nos Estados Unidos, devido
forte incidncia impostos: Imposto de Importao, IPI vinculado importao, ICMS, alm
das contribuies para a seguridade social, PIS e COFINS. Ocorre que este meio eletrnico
permite que um livro que em papel custaria R$ 50,00 seja vendido por apenas R$ 5,00! Dez
vezes mais acessvel ao pblico! J no teria dito nossa Constituio que o meio necessrio
para a circulao de conhecimento imune?
Sem necessidade nenhuma de emendas constitucionais, simplesmente respeitando o
princpio hermenutico clssico que exige do intrprete questionar-se sobre a finalidade de
toda norma, sua natureza teleolgica, caberia ao STF apenas declarar que tal meio eletrnico
equivale ao papel imune previsto pela CF/88.
Em 2010, uma deciso da Justia Federal de So Paulo em um mandado de segurana
impetrado contra o Delegado da Receita Federal em So Paulo, chamou a ateno do mundo
jurdico. A juza da ao deferiu liminar para reconhecer a imunidade tributria do aparelho de
leitura da Amazon, o Kindle, nos termos do artigo 150, inciso VI, alnea d, da Constituio
Federal, em relao ao recolhimento dos impostos incidentes na importao9.
A deciso foi agravada e a ltima movimentao do processo data de 27 de fevereiro
de 2014, com autos conclusos ao relator. Como veremos adiante quando analisarmos a
doutrina e a jurisprudncia dominante, decises como esta, que apontam na direo do
reconhecimento da imunidade para os suportes eletrnicos de livros, jornais e peridicos, o
papel eletrnico, estariam em desconformidade com a realidade atual e com os avanos
tecnolgicos, ou estariam muito mais alinhadas aos pilares de um sistema republicano
democrtico e de direito? Se estudos apontam a morte do jornal impresso; a Amazon j vende
mais livros eletrnicos que de papel; os processos administrativos e judiciais j so digitais; as
escolas oferecem tablets como material didtico, enfim, com este futuro j presente, o que
9 22 VARA FEDERAL DE SO PAULO PROCESSO N 2009.61.00.025856-1 MANDADO DE SEGURAN-
A IMPETRANTE: MARCEL LEONARDI IMPETRADO: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL EM SO
PAULO. Revista Consultor Jurdico. Justia Garante Imunidade Tributria para Kindle. Julho de 2010.
Disponvel em: . Acesso em 13 setembro 2014.
http://www.conjur.com.br/2010-jul-26/justica-paulista-garante-imunidade-tributaria-livro-eletronicohttp://www.conjur.com.br/2010-jul-26/justica-paulista-garante-imunidade-tributaria-livro-eletronicohttp://www.conjur.com.br/2010-jul-26/justica-paulista-garante-imunidade-tributaria-livro-eletronicohttp://www.conjur.com.br/2010-jul-26/justica-paulista-garante-imunidade-tributaria-livro-eletronicohttp://www.conjur.com.br/2010-jul-26/justica-paulista-garante-imunidade-tributaria-livro-eletronicohttp://www.conjur.com.br/2010-jul-26/justica-paulista-garante-imunidade-tributaria-livro-eletronicohttp://www.conjur.com.br/2010-jul-26/justica-paulista-garante-imunidade-tributaria-livro-eletronicohttp://www.conjur.com.br/2010-jul-26/justica-paulista-garante-imunidade-tributaria-livro-eletronicohttp://www.conjur.com.br/2010-jul-26/justica-paulista-garante-imunidade-tributaria-livro-eletronicohttp://www.conjur.com.br/2010-jul-26/justica-paulista-garante-imunidade-tributaria-livro-eletronicohttp://www.conjur.com.br/2010-jul-26/justica-paulista-garante-imunidade-tributaria-livro-eletronicohttp://www.conjur.com.br/2010-jul-26/justica-paulista-garante-imunidade-tributaria-livro-eletronicohttp://www.conjur.com.br/2010-jul-26/justica-paulista-garante-imunidade-tributaria-livro-eletronicohttp://www.conjur.com.br/2010-jul-26/justica-paulista-garante-imunidade-tributaria-livro-eletronicohttp://www.conjur.com.br/2010-jul-26/justica-paulista-garante-imunidade-tributaria-livro-eletronicohttp://www.conjur.com.br/2010-jul-26/justica-paulista-garante-imunidade-tributaria-livro-eletronicohttp://www.conjur.com.br/2010-jul-26/justica-paulista-garante-imunidade-tributaria-livro-eletronicohttp://www.conjur.com.br/2010-jul-26/justica-paulista-garante-imunidade-tributaria-livro-eletronicohttp://www.conjur.com.br/2010-jul-26/justica-paulista-garante-imunidade-tributaria-livro-eletronicohttp://www.conjur.com.br/2010-jul-26/justica-paulista-garante-imunidade-tributaria-livro-eletronicohttp://www.conjur.com.br/2010-jul-26/justica-paulista-garante-imunidade-tributaria-livro-eletronicohttp://www.conjur.com.br/2010-jul-26/justica-paulista-garante-imunidade-tributaria-livro-eletronicohttp://www.conjur.com.br/2010-jul-26/justica-paulista-garante-imunidade-tributaria-livro-eletronicohttp://www.conjur.com.br/2010-jul-26/justica-paulista-garante-imunidade-tributaria-livro-eletronicohttp://www.conjur.com.br/2010-jul-26/justica-paulista-garante-imunidade-tributaria-livro-eletronico
15
mais ser necessrio para que o nosso ordenamento jurdico afinal declare o bvio?
Defendemos aqui que o intrprete de normas constitucionais no deve prender o signo
papel ao que convencionalmente se entende por papel, ou seja, o papel de celulose.
necessrio resgatar a funo pragmtica da linguagem na leitura que a Corte Constitucional
faz do signo papel10. De acordo com os recentes estudos da lingustica e semitica, com
repercusses no campo da psicologia e nas anlises da Retrica, o fenmeno da comunicao
humana no se limita ao plano semntico e sinttico da linguagem. Ou seja, comunicar algo
exige mais que o domnio das correlaes convencionadas entre o nome e a coisa
nomeada (nvel semntico), ainda que atenda s regras gramaticais bsicas (nvel sinttico).
Importa que se perceba que todo discurso visa a um efeito (para o bem ou para o mal) e este
aspecto pragmtico da linguagem no pode ser negligenciado quando se pretende decidir
sobre a interpretao mais adequada de uma norma constitucional.
O mtodo lgico-linguistico, como veremos a seguir, e de acordo com o Professor
Edvaldo Brito, contempla o Direito como objeto de vrias cincias, sendo que cada uma delas
estuda um aspecto para a formao do conjunto dos elementos reclamados pela prpria
cincia jurdica. Nesse contexto a teoria da linguagem, enquanto tratada pela Semitica,
incumbe-se de demonstrar as implicaes dos signos e smbolos utilizados pelo emissor de
uma mensagem11.
Entendemos, portanto, que a Hermenutica Jurdica atual no pode fazer tbula rasa
dos avanos na abordagem da linguagem e da comunicao humana, principal fundamento da
vida em comunidade, especialmente porque o seu objetivo no consiste mais em descobrir o
sentido oculto da norma, mas em ajudar a conferir-lhe o sentido mais eficaz para a realizao
do modelo social desejado, ou legtimo, diria Weber, lembrando que a legitimidade de um
governo aferida pelo grau de submisso voluntria do povo, e que a deciso judicial
transitada em julgado consiste na norma jurdica concreta aplicada ao sdito. Ou seja, a
legitimidade de uma lei decorre das interpretaes possveis que lhe conferem os tribunais, e
10 Sempre que se usa uma palavra para denominar alguma coisa, evidente que a relao entre o nome e a coisa
denominada arbitrariamente estabelecida. As palavras so sinais arbitrrios que se manipulam de acordo com a
sintaxe lgica da linguagem. No existe qualquer motivo particular para que as quatro letras g-a-t-o denotem
um determinado animal. Em ltima anlise, trata-se apenas de uma conveno semntica de nossa linguagem e,
fora dessa conveno, no existe qualquer outra correlao entre uma palavra e a coisa que ela representa
(...).WATZLAWICK, Paul; BEAVIN, Janet Helmick; JACKSON, Don D. Pragmtica da comunicao hu-
mana. So Paulo: Cultrix, 2002, p. 56. 11 BRITO, Edvaldo. O Livro Eletrnico imune. In: Imunidade Tributria do Livro Eletrnico.
Coord. Hugo de Brito Machado. Editora Atlas S.A, Salvador, 2008, p. 36.
16
estas no podem olvidar o fato de que Direito linguagem, e esta envolve as trs reas
apontadas pelos estudos da semitica: a sinttica, ocupada com as propriedades estatsticas da
linguagem, seus cdigos, rudos e redundncias (e que resultam na conveno da sua
gramtica); a semntica, cujo interesse reside no significado dos smbolos e signos e no modo
como ocorre o prvio acordo entre o emissor e o receptor sobre a sua significao arbitrria e
convencionada; e, finalmente, a pragmtica, quando o foco centrado nos efeitos
comportamentais da linguagem, isto , destaca-se a importncia e eficcia de determinado
discurso no comportamento do outro12.
Entendemos que a Hermenutica Jurdica no pode prescindir do edifcio terico
tradicional mas tempo de avanar e privilegiar no s as dimenses das relaes
comunicativas entre emissor-sinal e receptor-sinal, e privilegiar a relao pragmtica entre
emissor-receptor, com um Poder Judicirio assumindo um papel mais ativo na estruturao do
Estado Democrtico e de Direito desejado historicamente e cuja legitimidade depende
essencialmente do poder de convencimento constante das nossas decises judiciais.
12 WATZLAWICK, Paul; BEAVIN, Janet Helmick; JACKSON, Don D. Pragmtica da comunicao huma-
na. So Paulo: Cultrix, 2002, p. 19.
17
3. IMUNIDADE TRIBUTRIA DE LIVROS, JORNAIS E PERIDICOS
We must plan for freedom, and not only for security, if for no
other reason than only freedom can make security more secure.
Karl Popper13
Antes de tratarmos diretamente sobre a imunidade tributria do meio eletrnico,
preciso traar algumas premissas para a compreenso e contextualizao do problema a ser
enfrentado.
3.1 LIMITAES AO PODER TRIBUTRIO
Comecemos pela definio mesmo do que so imunidade e do que elas representam no
ordenamento jurdico constitucional ptrio.
3.1.1 As Imunidades: Escudo contra o Poder Estatal
Imunizar algo contra um possvel ataque impedir que outras causas promovam o
desgaste e a destruio do que se pretende proteger. Imunidades tributrias so, portanto, os
escudos constitucionais contra a voracidade do Fisco, alm de visar impedir que outros
objetivos venham a se sobrepor aos valores propugnados por determinada ordem poltica.
Como nos disse Ruy Barbosa Nogueira e Paulo Roberto Cabral Nogueira: com elas o
legislador constituinte procura resguardar, assegurar ou manter inclumes certos princpios,
ideias-foras ou postulados que consagra como preceitos bsicos do regime poltico14.
Quando o sistema de freios e amortecedores violado uma inconstitucionalidade
transparece; a este sistema que o mestre Aliomar Baleeiro se refere ao afirmar que o sistema
tributrio movimenta-se sob complexa aparelhagem de freios e amortecedores, que limitam os
excessos acaso detrimentosos economia e preservao do regime e dos direitos
individuais. A violao dessas normas inexorveis de competncia caracteriza
inconstitucionalidade pura e simples15. Assim, qualquer ente que institua impostos sobre
situaes jurdicas imunes estar agindo fora de sua competncia constitucional, provocando
portanto uma evidente inconstitucionalidade; as normas advindas desta atuao sem
13 Precisamos nos planejar para a liberdade, e no somente para segurana, se por nenhuma outra razo, pela
que s a liberdade pode fazer a segurana mais segura. (traduo livre). POPPER, Karl. The Open Society and
Its Enemies. 5 ed. 1966, p. 27. 14 NOGUEIRA, Ruy Barbosa; NOGUEIRA, Paulo Roberto Cabral. Direito Tributrio Aplicado e Comparado
v. 2. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 212. 15 BALEEIRO, Aliomar. Limitaes constitucionais ao poder de tributar. 7. ed. atual. Atualizadora: Misabel
Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 2.
18
competncia so nulas, e no devem ser aplicadas por qualquer juiz.
Oportuna se faz a meno ao histrico julgado da Suprema Corte no case
McCulloch v. Maryland, nos Estados Unidos da Amrica. Em 1817 o Banco dos Estados
Unidos, criado um ano antes, abriu uma sucursal no estado de Maryland. No ano seguinte a
legislatura do estado decretou uma lei, tributando todos os bancos ou as suas sucursais, no
Estado de Maryland. Todavia, a sucursal do Banco dos Estados Unidos recusou-se a pagar o
imposto, e, conforme as disposies da lei tributria, Mac Culloch, o caixa, foi acionado por
John James, em seu nome e em nome do Estado de Maryland. Os tribunais do estado
recusaram razo sucursal do Banco dos Estados Unidos, Mc Culloch recorreu ento para a
Suprema Corte, a sentena foi proferida em 181916.
John Marshall, o ento presidente da Corte, em sua famosa deciso contra a
implantao do imposto, traa os parmetros do princpio da imunidade tributria, mais
especificamente, a imunidade recproca dos entes de uma federao. Assim, nessa deciso
que John Marshall pronuncia a famosa frase: the power to tax involves the power to
destroy17.
A Histria nos ensina que a sociedade civil deve tambm se precaver contra o Estado.
A sua fora pode, paradoxalmente, enfraquecer os direitos do cidado, isto , o Estado deixa
de ser um meio para a promoo do bem estar de todos os seus integrantes e se transforma
em seu prprio fim, para o qual os indivduos s interessam como meios para o seu
prprio engrandecimento. A Histria prdiga em gerar estes monstros!
A Constituio Federal de 1988, atenta ao poder destrutivo de tributar do Estado,
procurou cobrir com o manto da imunidade certos valores consagrados como fundamentais
por nosso ordenamento jurdico. Nossa Carta Magna dedica, assim, Seo exclusiva s
limitaes do poder de tributar, ou s imunidades tributrias.18
As imunidades tributrias so, portanto, ao lado dos direitos fundamentais do
cidado relacionados no art. 5 da CF/88, reflexos dos valores mais fundamentais de uma
sociedade democrtica e de direito. Elas revelam o que, para o constituinte de 1988, mostrou-
16 Cf. Decises constitucionais de Marshall, Traduo de Amrico Logo, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro,
1903, p. 104.
17 O poder de tributar envolve o poder de destruir traduo livre 18 Art. 150. Sem prejuzo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, vedado Unio, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municpios: (...) VI - instituir impostos sobre: a) patrimnio, renda ou servios, uns dos
outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimnio, renda ou servios dos partidos polticos, inclusive suas fun-
daes, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituies de educao e de assistncia social, sem fins
lucrativos, atendidos os requisitos da lei; d) livros, jornais, peridicos e o papel destinado a sua impresso.
CF/88.
19
se como os alicerces bsicos de um ordenamento jurdico justo e desejvel.
Carazza ajuda-nos a compreender a relao existente entre poder tributrio e
constituinte, competncia e imunidade tributria, ao lecionar que apesar de o poder
tributrio estar nas mos da Assembleia Nacional Constituinte, que era soberana, a partir do
momento em que foi promulgada a Constituio Federal, este poder tributrio retorna ao
povo (que o verdadeiro detentor da soberania). Assim, o que passa a existir so as
competncias tributrias, que a mesma Constituio Federal repartiu entre a Unio, os
Estados-membros, os Municpios e o Distrito Federal, os quais podem exercer essas
competncias, no propriamente um poder tributrio, e somente poder faz-lo dentro dos
limites impostos pela prpria Constituio. Quando ocorrer de a lei de tributao estar
proibida, por dispositivo da Constituio, de incidir sobre certos fatos. H, neste caso,
imunidade, j que norma constitucional impede a incidncia da regra jurdica de tributao.
Caracteriza-se, portanto, a imunidade pelo fato de decorrer de regra jurdica de categoria
superior, vale dizer, de regra jurdica residente na Constituio, que impede a incidncia da lei
ordinria de tributao.19
Em sntese: as imunidades tributrias so verdadeiros escudos do cidado contra o
Estado, constituindo-se em Direito Fundamental intocvel, de aplicao imediata e plena
eficcia, e qualquer hermenutica que limite ou enfraquea tais escudos deve ser evitada.
Dito de outra forma: se estas normas constitucionais forem interpretadas pelos operadores
jurdicos como direitos fundamentais cujo valor equipara-se aos direitos relacionados no
artigo 5, ento elas se constituem em insofismveis clusulas ptreas!
3.1.2 A norma jurdica imunizante: natureza subjetiva e objetiva
Discute-se no mbito jurdico as naturezas subjetiva ou objetiva das imunidades
tributrias (ou das limitaes constitucionais ao poder de tributar do Estado), e os
doutrinadores e juzes so unnimes em afirmar a natureza objetiva da imunidade prevista na
alnea d do inciso VI do art. 150 da CF/88. Para eles, importa a mercadoria tutelada pela
norma, e no o produtor ou o fornecedor dela.
Por fora deste entendimento estruturante, declaram que a limitao incide apenas
quanto aos impostos de importao (II), imposto sobre produtos industrializados (IPI), e
imposto sobre circulao de mercadorias e servios (ICMS). Isto porque, apenas as
imunidades subjetivas seriam destinadas proteo das pessoas fsicas e jurdicas,
19 CARRAZZA, Roque Antnio. Direito Constitucional Tributrio, 2010.
20
imunizando-as, neste caso, contra quaisquer pretenses do Fisco em relao a elas, como se
d com os sindicatos de trabalhadores, partidos polticos, entes da federao e templos de
qualquer culto.
Os juristas defendem, portanto, que a imunidade objetiva no protege ampla e
indistintamente a pessoa fsica ou jurdica que opera com os bens ou servios imunizados, no
caso os livros, jornais e peridicos e o papel destinado sua impresso, mas apenas contra
os impostos que incidem objetivamente neles. Ou seja, uma importao de livros no pode
ser tributada com o II, IPI ou ICMS, mas as obrigaes tributrias decorrentes do lucro na
venda de livros (IRPJ), ou o imposto sobre operaes financeiras (IOF), assim como as
contribuies para a seguridade social (CSL, PIS e COFINS), no ficam afastadas.
Os que defendem esta linha hermenutica de cunho mais restritivo afirmam que se esta
no fosse a melhor interpretao, teramos uma imunidade a praticamente todos os tributos do
sistema por via oblqua. Ou seja, qualquer empresa que comercializasse algum tipo de livro,
revista ou peridico arguiria a sua imunidade constitucional, em prejuzo da ideia de que
todos devem contribuir para a seguridade social, outro princpio constitucional insofismvel,
assim como o princpio da isonomia, proibitivo do tratamento desigual aos entes
econmicos20.
Vale sintetizar, portanto, as diretrizes majoritrias dos significativos segmentos da
doutrina e da jurisprudncia, includo o STF, no entendimento da imunidade tributria
prevista na alnea d do inciso IV do art. 150 da CF/88:
a) indispensvel ao operador jurdico distinguir as imunidades em objetivas e
subjetivas, sob pena de ferir outros princpios constitucionais, como o da necessria
contribuio de todos para a seguridade social e o princpio da isonomia tributria;
b) a imunidade tributria prevista na alnea d do inciso IV do art. 150 da CF/88
classifica-se como objetiva, isto , relativa apenas s operaes restritas s prprias
mercadorias, entendidas estas como atos ou negcios jurdicos que traduzem a produo e a
circulao de riquezas. Ou seja, no abrange o faturamento e o lucro provenientes destas
relaes, em si mesmos fatos geradores do imposto de renda e das contribuies para a
20 Receita Federal, Soluo de Consulta n 53, de 17 de fevereiro de 2004 Assunto: Normas Gerais
de Direito Tributrio Ementa: Imunidade. Livros, jornais, peridicos e o respectivo papel. Alcance. A
imunidade dirigida aos livros, jornais, peridicos e o respectivo papel tem natureza objetiva, no
protegendo as receitas ou lucros das pessoas que produzem, editam ou comercializam tais
mercadorias. As contribuies sociais possuem um sistema prprio de imunidades, no se lhes
aplicando o art. 150, VI, da Constituio. Editoras de jornais, livros e revistas esto sujeitas
contribuio ao PIS, Cofins, CSLL e ao Imposto de Renda da Pessoa Jurdica.
21
seguridade social.
Tais orientaes hermenuticas, apesar de restringirem de certa maneira a livre
circulao de ideias e de informaes, na medida em que a tornam mais onerosa, parecem-nos
defensveis porque honram dois outros princpios constitucionais cujos valores tambm
merecem a proteo jurdica: o princpio da isonomia tributria e o princpio que obriga a
todos a contriburem para a seguridade social, ou o assim denominado princpio da
solidariedade social.
3.2 LIBERDADE DE EXPRESSO, LIVRE CIRCULAO E DIVULGAO DE
IDEIAS E DIREITO INFORMAO: PILARES DA DEMOCRACIA
A partir de uma leitura sistemtica da Constituio da Repblica possvel perceber os
pilares nos quais nossa democracia se apoia: liberdade de expresso, livre circulao de ideia
e direito informao. Sem que esses princpios sejam priorizados pela atuao estatal no
poderamos nunca nos considerar um Estado Democrtico de Direito.
3.2.1 Produo Intelectual: No Tax on Knowledge
A norma constitucional garantidora da imunidade tributria do papel destinado
impresso de livros, jornais e peridicos foi inserida em nosso ordenamento jurdico com a
promulgao da Constituio Federal de 1946. No foi, como possa parecer, em 1988, com a
primeira Assembleia Nacional Constituinte aps o perodo totalitrio iniciado em 1964. Mas
foi, sim, aps um outro perodo tambm totalitrio.
Como se sabe, o Brasil por aquela poca saa, com o final da Segunda Guerra Mundial
e a derrota dos regimes totalitrios na Europa, da ditadura do Estado Novo, instaurada desde
1937 e inspirada na Itlia fascista e na sua Carta Del Lavoro. De acordo com esta Carta do
Trabalho de 1927, todos deveriam seguir as orientaes e o interesse do Estado, nico titular,
em ltima instncia, dos direitos definidos pelo grupo dirigente. sociedade permitia-se a
organizao em corporaes, como as associaes patronais e os sindicatos, mas em prejuzo
da diversidade de interesses que porventura contrariasse os Interesses de Estado.
No modelo italiano fascista, assim como no nazismo alemo, no existiam restries
propriedade e iniciativa privada, como ocorre nos estados socialistas. No entanto, o
intervencionismo estatal garantia o desenvolvimento desta ou daquela rea, elegia meios e
fins e impedia condutas econmicas que contrariassem suas polticas e interesses, uma vez
que os interesses do estado sempre seriam superiores aos interesses privados. Isto significa o
poder de tributar mais ou menos esta ou aquela atividade econmica.
Em termos de avano para o ideal de um Estado Democrtico de Direito, durante
22
quase uma dcada o Brasil sofreu grande retrocesso poltico. Getlio Vargas determinou o
fechamento do Congresso Nacional e a extino dos partidos polticos. A liberdade de
imprensa e de expresso, asseguradas desde a Carta Outorgada de 1824, foi, pela
primeira vez, substituda pela censura, sob pretextos nacionalistas.
Desde a Constituio Outorgada de 1824, portanto, quando o Brasil se constitui como
um Estado Independente, que consta o registro normativo da nossa Vontade Constituinte por
um Estado Liberal. Considerada mundialmente de grande valor na defesa das garantias
individuais, verifica-se naquela Carta Outorgada por D. Pedro I:
Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidados
Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurana individual, e a
propriedade, garantida pela Constituio do Imperio, pela maneira
seguinte.
I. Nenhum Cidado pde ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma
cousa, seno em virtude da Lei.
II. Nenhuma Lei ser estabelecida sem utilidade publica.
III. A sua disposio no ter effeito retroactivo.
IV. Todos podem communicar os seus pensamentos, por palavras, escriptos,
e publica-los pela Imprensa, sem dependencia de censura; com tanto que
hajam de responder pelos abusos, que commetterem no exercicio deste
Direito, nos casos, e pela frma, que a Lei determinar. ()
igualmente possvel verificar esta preocupao com a livre manifestao do
pensamento na Carta Republicana de 1891, em seu 12 do art. 72, ou Declarao de Direitos:
12 - Em qualquer assunto livre a manifestao de pensamento pela
imprensa ou pela tribuna, sem dependncia de censura, respondendo cada
um pelos abusos que cometer nos casos e pela forma que a lei determinar.
No permitido o anonimato.
A Carta de 1934, contudo, promulgada por uma Assembleia Constituinte que o
governo provisrio instalou aps a Revoluo de 1930, sob o controle de Vargas, foi, ao
contrrio da anterior, bastante intervencionista, refletindo as orientaes decorrentes dos
abalos sofridos com a Primeira Guerra Mundial e que resultou na Constituio de Weimar
(1919-1933, quando Hitler assumiu o poder).
A Constituio de Weimar a resposta normativa ao climax da crise do Estado Liberal
do sc. XVIII, e paradigma do Estado Social do sc. XX, ou Welfare State, onde se
consagraram os direitos sociais de 2 gerao, como veremos adiante, referentes s relaes de
produo e de trabalho, educao, cultura, sade e previdncia social, reorganizando o Estado
em funo da Sociedade e no mais do indivduo. A pergunta, na poca, era: qual a vantagem
de se reafirmar a independncia jurdica do indivduo, se no se criavam as condies
mnimas necessrias para garantir-lhe a independncia social? Ressalte-se, contudo, que os
direitos sociais no substituem os direitos individuais, vo alm. Ou estaramos aceitando um
23
retrocesso...
Vigendo apenas por trs anos, veio a ser substituda pela Carta Poltica de 1937,
imposta por Getlio Vargas e conhecida como A Polaca. Trata-se de uma violao absurda
da prpria ideia de Estado de Direito, com a substituio assumida do Congresso por um
ditador. Ressalte-se que nem mesmo o plebiscito nela previsto foi realizado, de modo que
um documento que no guarda sequer natureza jurdica.
Em 29 de outubro de 1945, Getlio Vargas deposto e substitudo pelo presidente do
Supremo Tribunal Federal. Este presidente interino, Jos Linhares, ficou trs meses no cargo
at passar o poder ao presidente eleito em 2 de dezembro de 1945, Eurico Gaspar Dutra. A
Assembleia Constituinte contava com grandes nomes, dentre os quais Aliomar Baleeiro,
jurista e poltico baiano e um dentre os mais renomados tributaristas do Brasil.
A Carta Constitucional ento promulgada veicula o anseio do constituinte de 1946,
representado por homens que haviam acabado de, em primeira mo, presenciar a fora
destrutiva da guerra, o poder do populismo e o perigo do totalitarismo. Eram homens de
fortes convices liberais e democrticas. Os comunistas compunham, inclusive, mesa na
Assembleia Constituinte.
Enfim, estas pessoas tinham fresco na memria a opresso da ditadura. Ningum
poderia esquecer to rapidamente o famoso DIP. Como pensar no Estado Novo e no lembrar
do Departamento de Imprensa e Propaganda? De acordo com o decreto que lhe deu origem
(Decretolei n 1949, de 30/12/1939), tinha como principais objetivos centralizar e coordenar
a propaganda nacional, interna e externa, e servir como elemento auxiliar de informao dos
ministrios e entidades pblicas e privadas; organizar os servios de turismo, interno e
externo; fazer a censura do teatro, do cinema, das funes recreativas e esportivas, da
radiodifuso, da literatura social e poltica e da imprensa; estimular a produo de filmes
educativos nacionais e classific-los para a concesso de prmios e favores; colaborar com a
imprensa estrangeira para evitar a divulgao de informaes nocivas ao pas; promover,
organizar e patrocinar manifestaes cvicas e festas populares com intuito patritico,
educativo ou de propaganda turstica, assim como exposies demonstrativas das atividades
do governo, e organizar e dirigir o programa de radiodifuso oficial do governo.
Diante destes absurdos vividos em nome de um Estado Novo, que ao mesmo tempo
protegia muitos dos interesses da classe trabalhadora, garantindo-lhe um salrio mnimo para
sobreviver e um Pai atencioso com os pobres (dizem que Getlio Vargas respondia de prprio
punho muitas cartas a ele dirigidas), imaginamos que o Constituinte haja se perguntado:
24
Como poderemos atar a mo do Estado para que isso nunca mais se repita? Como poderemos
evitar normativamente que a informao vire um instrumento de mdia do Estado, que
invariavelmente quer se perpetuar no poder?
3.2.2 As Ditaduras do sc. XX e o monoplio de informaes
No esqueamos o Velho Mundo: algo semelhante devem ter se perguntado os homens
que viveram a Revoluo Francesa e a Independncia Americana. Eram justamente tais
questionamentos que compunham a pauta da poca.
Nesta mesma linha, os anos ps-segunda guerra mundial so marcados pelo pavor
guerra e pelos esforos para evitar uma prxima. A partir da compreenso de que o planeta
Terra poderia continuar a girar sem os seres humanos - afinal, bastariam algumas bombas
atmicas para acabar com nossa espcie - os lderes mundiais juntaram foras para evitar seu
prprio fim: cria-se a Organizao das Naes Unidas (1945). Em 1948, a Assembleia Geral
da ONU adota e proclama a Declarao Universal dos Direitos Humanos, que traz em seu
prembulo:
Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos
resultaram em atos brbaros que ultrajaram a conscincia da Humanidade e
que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de
palavra, de crena e da liberdade de viverem a salvo do temor e da
necessidade foi proclamado como a mais alta aspirao do homem
comum (...)21(grifamos)
Que redao significativa para o momento em que a humanidade vivia! A concluso
qual se chega de que todo homem tem o direito fundamental a viver livre do temor representa
a convico de que s a liberdade pode trazer paz.
Em frente Universidade de Humboldt, perto da reconstruo da Baslica de Berlim
(totalmente destruda durante a 2 Grande Guerra), encontra-se um interessante memorial. O
monumento, arquitetado pelo artista israelense Mischa Ullman, consiste em um buraco
retangular no cho, coberto com uma folha de vidro. Apenas olhando para baixo e girando em
torno do retngulo que se encontra no meio da praa possvel entender a profundidade do
que representa. So diversas estantes vazias enfileiradas em um quarto um nvel abaixo do
observador. Do alto possvel vislumbrar uma vasta biblioteca, vazia - uma biblioteca inteira,
sem nenhum livro em suas prateleiras.
A Bebelplatz, a praa onde hoje se encontra o memorial The Empty Library, j foi
palco de um negro captulo da histria humana. Em maio de 1933, estudantes universitrios
21 Prembulo da Declarao Universal dos Direitos Humanos. Disponvel em:
. Acesso em 11 de novembro de 2013.
http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htmhttp://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htmhttp://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htmhttp://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htmhttp://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htmhttp://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htmhttp://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htmhttp://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htmhttp://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htmhttp://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htmhttp://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htmhttp://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htmhttp://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htmhttp://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htmhttp://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htmhttp://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htmhttp://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htmhttp://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htmhttp://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htmhttp://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htmhttp://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htmhttp://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htmhttp://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htmhttp://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htmhttp://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htmhttp://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htmhttp://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm
25
nacionalistas, incitados pela onda nazista, queimaram, em diversas praas alems, mais de
vinco e cinco mil livros. A manifestao fazia parte da ao do governo intitulada Aktion
wider den undeutschen Geist - ou Ao contra o esprito no-alemo.
Bom, todos ns sabemos o final dessa histria!
No memorial The Empty Library possvel ler as palavras de Heinrich Heine,
famoso poeta judeu alemo, um dos muitos autores que tiveram suas obras queimadas:
Dort, wo man Bcher verbrennt, verbrennt man am Ende auch Menschen"
Where books are burned in the end people will burn.22
Ao final da Segunda Guerra Mundial, e com a divulgao dos horrores cometidos em
menos de uma dcada, durante a qual no menos que cinquenta milhes pereceram, a
humanidade espantou-se com as atrocidades que era capaz de cometer. E tudo comeou com
uma ideia. Uma ideia em detrimento de todas as outras: o interesse de Estado, e a sua
ideia de Estado Forte! Este o risco de todo sentimento nacionalista: priorizar o Estado em
detrimento das garantias do Indivduo.
Durante esses sombrios anos, estvamos ns, aqui no Brasil, vivendo sucessivos
ataques s liberdades individuais. O Estado Novo de Getlio Vargas, populista por excelncia,
tambm no podia tolerar as perniciosas e subversivas ideias da oposio, que deveriam
ser neutralizadas com o fim de garantir a paz, a ordem e a segurana pblica. Assim
justificada estava a censura prvia da imprensa, do teatro, do cinematgrafo, da radiodifuso,
facultando autoridade competente proibir a circulao, a difuso ou a representao. Estas
so palavras tiradas do longo prembulo da Constituio de 1937.23
Uma ditadura para se sustentar precisa garantir o monoplio de informaes. Um
22 Ali onde livros so queimados, queimaro ao final pessoas tambm- traduo livre. Edward Rothstein. In
Berlin, Teaching Germanys Jewish History, The New York Times, May 1, 2009. 23 Prembulo: "O PRESIDENTE DA REPBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL, ATENDENDO s
legitimas aspiraes do povo brasileiro paz poltica e social, profundamente perturbada por conhecidos fatores
de desordem, resultantes da crescente a gravao dos dissdios partidrios, que, uma, notria propaganda dema-
ggica procura desnaturar em luta de classes, e da extremao, de conflitos ideolgicos, tendentes, pelo seu de-
senvolvimento natural, resolver-se em termos de violncia, colocando a Nao sob a funesta iminncia da guerra
civil; ATENDENDO ao estado de apreenso criado no Pas pela infiltrao comunista, que se torna dia a dia
mais extensa e mais profunda, exigindo remdios, de carter radical e permanente; ATENDENDO a que, sob as
instituies anteriores, no dispunha, o Estado de meios normais de preservao e de defesa da paz, da segurana
e do bem-estar do povo; Sem o apoio das foras armadas e cedendo s inspiraes da opinio nacional, umas e
outras justificadamente apreensivas diante dos perigos que ameaam a nossa unidade e da rapidez com que se
vem processando a decomposio das nossas instituies civis e polticas; Resolve assegurar Nao a sua uni-
dade, o respeito sua honra e sua independncia, e ao povo brasileiro, sob um regime de paz poltica e social,
as condies necessrias sua segurana, ao seu bem-estar e sua prosperidade, decretando a seguinte Consti-
tuio, que se cumprir desde hoje em todo o Pais: CONSTITUIO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL "
Prembulo da Carta Constitucional de 1937. Disponvel em:
. Acesso em 14 de setembro
2013.
http://www.nytimes.com/2009/05/02/arts/design/02conn.html?_rhttp://www.nytimes.com/2009/05/02/arts/design/02conn.html?_rhttp://www.nytimes.com/2009/05/02/arts/design/02conn.html?_rhttp://www.nytimes.com/2009/05/02/arts/design/02conn.html?_rhttp://www.nytimes.com/2009/05/02/arts/design/02conn.html?_rhttp://www.nytimes.com/2009/05/02/arts/design/02conn.html?_rhttp://www.nytimes.com/2009/05/02/arts/design/02conn.html?_rhttp://www.nytimes.com/2009/05/02/arts/design/02conn.html?_rhttp://www.nytimes.com/2009/05/02/arts/design/02conn.html?_rhttp://www.nytimes.com/2009/05/02/arts/design/02conn.html?_rhttp://www.nytimes.com/2009/05/02/arts/design/02conn.html?_rhttp://www.nytimes.com/2009/05/02/arts/design/02conn.html?_rhttp://www.nytimes.com/2009/05/02/arts/design/02conn.html?_rhttp://www.nytimes.com/2009/05/02/arts/design/02conn.html?_rhttp://times/http://times/http://times/http://times/http://times/http://times/http://times/http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/constituicao/constituiao37.htm
26
estado totalitrio, como a histria demonstra, no pode suportar a pluralidade de opinies.
preciso queimar livros! Censurar. Calar a boca daqueles que no concordam: a liberdade de
expresso s combina com democracia.
Durante o Estado Novo, Getlio Vargas no poupou esforos para que a mensagem do
seu governo fosse a que sempre falasse mais alto. Os jornais da poca estavam obrigados por
norma constitucional a publicar comunicados do governo. Assim consta na Carta Magna de
1937: nenhum jornal pode recusar a insero de comunicados do Governo, nas dimenses
taxadas em lei. Caso a norma fosse descumprida, o ordenamento previa a priso do diretor
do jornal. Todos os jornalistas e jornais deveriam, inclusive, registrar-se no Departamento de
Imprensa e Propaganda, para serem acompanhados de perto.
Os absurdos no param por a: em 1940, a liberdade de expresso e imprensa sofre
mais um pesado golpe. De acordo com o documentrio "A Era Vargas 1 tempo dos anos
20 a 1945", CD-ROM, lanado em 1997 pela FGV, em 1940 o cerco se fechou com o decreto
que exigia o registro anual no DIP para a importao de papel de imprensa. Nesse perodo
dezenas de jornais deixaram de circular e centenas no conseguiram registro. Um dos jornais
mais atingidos foi O Estado de S. Paulo, mantido fechado ou sob interveno enquanto seu
proprietrio, Jlio de Mesquita Filho, partia para o exlio24.
Com um decreto o Estado garantia o monoplio de informaes! E se isto nos parece
distante, ressaltamos a atual questo argentina sobre a propriedade da empresa Papel Prensa,
nica fabricante e distribuidora de papel para jornais, recentemente estatizada por sua
presidente.
Os jornalistas so inimigos de longa data dos governos autoritrios. No incio do
sculo XIX, na Gr-Bretanha, eles deveriam arcar com taxas sobre propaganda, imposto de
consumo sobre o papel, tarifa sobre panfletos e, o mais contencioso de todos, o imposto sobre
os prprios jornais. poca, o governo exigia um selo como requisito de legalidade para que
os jornais fossem comercializados. Os jornais foram tributados pela primeira vez em 1712, e o
valor do selo exigido era gradativamente elevado, medida que o governo se preocupava com
a liberdade de imprensa. Com o Stamp Act de 1834, o valor do tributo cobrado chegava a
quatro pences (centavos) por cpia. Assim, um jornal poderia chegar a custar sete centavos
por dia. Valor muito aqum do poder aquisitivo dos operrios da poca25.
24 Documentrio. A Era Vargas 1 tempo dos anos 20 a 1945, CD-ROM, FGV, 1997. 25 GEORGE, Phil. What was known as a 'Tax on Knowledge'?. Disponvel em:
. Acesso em 30 novembro 2013.
http://www.historyhouse.co.uk/articles/tax_on_knowledge.htmlhttp://www.historyhouse.co.uk/articles/tax_on_knowledge.htmlhttp://www.historyhouse.co.uk/articles/tax_on_knowledge.htmlhttp://www.historyhouse.co.uk/articles/tax_on_knowledge.htmlhttp://www.historyhouse.co.uk/articles/tax_on_knowledge.htmlhttp://www.historyhouse.co.uk/articles/tax_on_knowledge.htmlhttp://www.historyhouse.co.uk/articles/tax_on_knowledge.htmlhttp://www.historyhouse.co.uk/articles/tax_on_knowledge.htmlhttp://www.historyhouse.co.uk/articles/tax_on_knowledge.htmlhttp://www.historyhouse.co.uk/articles/tax_on_knowledge.htmlhttp://www.historyhouse.co.uk/articles/tax_on_knowledge.htmlhttp://www.historyhouse.co.uk/articles/tax_on_knowledge.htmlhttp://www.historyhouse.co.uk/articles/tax_on_knowledge.htmlhttp://www.historyhouse.co.uk/articles/tax_on_knowledge.htmlhttp://www.historyhouse.co.uk/articles/tax_on_knowledge.htmlhttp://www.historyhouse.co.uk/articles/tax_on_knowledge.htmlhttp://www.historyhouse.co.uk/articles/tax_on_knowledge.htmlhttp://www.historyhouse.co.uk/articles/tax_on_knowledge.htmlhttp://www.historyhouse.co.uk/articles/tax_on_knowledge.html
27
Radicais das classes operrias e os seus apoiadores de classe mdia exigiam o fim dos
impostos sobre o conhecimento. O movimento ficou conhecido como No Tax on
Knowledge (Nenhum tributo sobre conhecimento). Jornais radicais se recusavam a pagar os
selos exigidos. Alguns chegaram a vender mais do que aqueles jornais que seguiam as regras
impostas, como o The Times. O movimento ganhou apoio no Parlamento, e as taxas foram
sucessivamente retiradas, at que a ltima, o imposto sobre o papel, foi eliminada em 1861.
Mas voltemos ao Brasil.
3.2.3 A imunidade que nos vem de 46
Por ora discutiremos o surgimento da imunidade dos livros, jornais e peridicos
propriamente dita. O surgimento de tal norma constitucional deu-se ainda em 1946 aps a
queda do Estado Novo.
3.2.3.1 O Constituinte Ps-Vargas
Em 1946, como dizamos, nossos mandatrios e representantes na Assembleia
Nacional Constituinte, entendem por bem incluir em nosso ordenamento a seguinte norma
constitucional:
Art 31 - Unio, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios
vedado:
V - lanar impostos sobre:
c) papel destinado exclusivamente impresso de jornais, peridicos e
livros.
E esta a primeira vez que aparece em nosso ordenamento jurdico a norma
constitucional imunizante de livros, jornais e peridicos, ainda em sua formatao primitiva.
Note-se que o papel ainda no est incluso na imunidade, quedando a imunidade
indistintamente em jornais, revistas e livros de qualquer material, posto que a Constituio
no procede a nenhuma distino.
3.2.3.2 Alterao textual na Constituio de 67: a imunidade do papel
Aps um perodo democrtico, o Brasil sofre novo golpe de Estado, o golpe militar de
1964, quando o ento presidente democraticamente eleito, Joo Goulart, deposto pelos
militares.
Em 1967, o Congresso Nacional, transformado em Assembleia Nacional Constituinte,
e j com os membros da oposio afastados, elaborou, pressionada pelos militares, uma Carta
Constitucional semi-outorgada que buscou legalizar e institucionalizar o regime militar
decorrente do Golpe de 64. Abriu-se ento, com a nova Carta Constitucional, espao para a
decretao posterior de leis de censura e banimento.
No obstante o ntido carter antidemocrtico da Constituio de 1967, a norma
28
constitucional que determina a imunidade dos livros, jornais e peridicos foi curiosamente
alterada. Note-se que agora no apenas o livro, jornal e peridico esto imunizados, , mas
tambm o prprio papel destinado sua impresso.
Art 20 - vedado Unio, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municpios: (...)
III - criar imposto sobre: (...)
d) o livro, os jornais e os peridicos, assim como o papel destinado sua
impresso. (grifamos)
A norma adquire, assim, a redao que posteriormente seria adotada por nossa atual
Constituio em 1988. Em 1969, todavia, com a entrada em vigor do Ato Institucional N 5, o
dispositivo constitucional supracitado foi revogado, j que na prtica o AI-5 revogou os
dispositivos constitucionais de 67, alm de reforar os poderes discricionrios do regime
militar:
Art 4 - No interesse de preservar a Revoluo, o Presidente da Repblica,
ouvido o Conselho de Segurana Nacional, e sem as limitaes previstas na
Constituio, poder suspender os direitos polticos de quaisquer
cidados pelo prazo de 10 anos (...)
Art 5 - A suspenso dos direitos polticos, com base neste Ato, importa,
simultaneamente, em: (...)
III - proibio de atividades ou manifestao sobre assunto de natureza
poltica;26
A ditadura, como era de se esperar, determinou censura aos rgos de imprensa. Sua
Assessoria Especial de Relaes Pblicas (AERP) funcionava como uma espcie de agncia
de propaganda. O material de propaganda era reproduzido nos jornais, rdios, cinemas e
principalmente na televiso. A AERP produzia ainda msicas que enalteciam as realizaes da
ditadura: muitas eram cantadas obrigatoriamente nas escolas27.
Aps longos anos de represso e muita presso popular e poltica, em 15 de
novembro de 1986 foi eleita nova Assembleia Constituinte. Empossada em 1 de
fevereiro de 1987, a constituinte funcionou at 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada
a nossa atual Constituio Federal, ou Constituio Cidad, nas palavras do seu Presidente
Ulisses Guimares.
3.2.3.3 O Poder Constituinte de 87/88
Quais seriam, naquela poca, os anseios do constituinte? Imaginamos que os
26 Ato Institucional n 5 na ntegra disponvel em: . Aces-
so em 17 de maio de 2014. 27 O Regime Militar no Brasil; Disponvel em:
. Acesso em 23 de
outubro de 2013.
http://www.unificado.com.br/calendario/12/ai5.htmhttp://www.unificado.com.br/calendario/12/ai5.htmhttp://www.unificado.com.br/calendario/12/ai5.htmhttp://www.unificado.com.br/calendario/12/ai5.htmhttp://www.unificado.com.br/calendario/12/ai5.htmhttp://www.unificado.com.br/calendario/12/ai5.htmhttp://www.unificado.com.br/calendario/12/ai5.htmhttp://www.unificado.com.br/calendario/12/ai5.htmhttp://www.unificado.com.br/calendario/12/ai5.htmhttp://www.unificado.com.br/calendario/12/ai5.htmhttp://www.unificado.com.br/calendario/12/ai5.htmhttp://www.unificado.com.br/calendario/12/ai5.htmhttp://www.unificado.com.br/calendario/12/ai5.htmhttp://www.unificado.com.br/calendario/12/ai5.htmhttp://www.unificado.com.br/calendario/12/ai5.htmhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Regime_militar_no_Brasil#A_censura_ganha_for.C3.A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Regime_militar_no_Brasil#A_censura_ganha_for.C3.A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Regime_militar_no_Brasil#A_censura_ganha_for.C3.A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Regime_militar_no_Brasil#A_censura_ganha_for.C3.A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Regime_militar_no_Brasil#A_censura_ganha_for.C3.A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Regime_militar_no_Brasil#A_censura_ganha_for.C3.A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Regime_militar_no_Brasil#A_censura_ganha_for.C3.A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Regime_militar_no_Brasil#A_censura_ganha_for.C3.A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Regime_militar_no_Brasil#A_censura_ganha_for.C3.A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Regime_militar_no_Brasil#A_censura_ganha_for.C3.A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Regime_militar_no_Brasil#A_censura_ganha_for.C3.A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Regime_militar_no_Brasil#A_censura_ganha_for.C3.A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Regime_militar_no_Brasil#A_censura_ganha_for.C3.A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Regime_militar_no_Brasil#A_censura_ganha_for.C3.A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Regime_militar_no_Brasil#A_censura_ganha_for.C3.A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Regime_militar_no_Brasil#A_censura_ganha_for.C3.A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Regime_militar_no_Brasil#A_censura_ganha_for.C3.A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Regime_militar_no_Brasil#A_censura_ganha_for.C3.A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Regime_militar_no_Brasil#A_censura_ganha_for.C3.A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Regime_militar_no_Brasil#A_censura_ganha_for.C3.A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Regime_militar_no_Brasil#A_censura_ganha_for.C3.A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Regime_militar_no_Brasil#A_censura_ganha_for.C3.A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Regime_militar_no_Brasil#A_censura_ganha_for.C3.A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Regime_militar_no_Brasil#A_censura_ganha_for.C3.A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Regime_militar_no_Brasil#A_censura_ganha_for.C3.A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Regime_militar_no_Brasil#A_censura_ganha_for.C3.A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Regime_militar_no_Brasil#A_censura_ganha_for.C3.A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Regime_militar_no_Brasil#A_censura_ganha_for.C3.A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Regime_militar_no_Brasil#A_censura_ganha_for.C3.A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Regime_militar_no_Brasil#A_censura_ganha_for.C3.A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Regime_militar_no_Brasil#A_censura_ganha_for.C3.A7a
29
mesmos do constituinte de 1946: vontade de liberdade; de diversidade de opinies e
partidos; de livre circulao e manifestao das ideias; dos direitos das minorias; das
sociedades civis organizadas; de poder acessar as informaes contrrias aos interesses do
Estado, etc.
O dispositivo que trata da imunidade tributria do papel destinado impresso de
livros, jornais e peridicos, bem como a imunidade do prprio livro, jornal e peridico,
reproduzido no texto constitucional. Por que imunizar os livros? O papel? Os jornais e
revistas? De acordo com o constitucionalista Dirley da Cunha Jnior, o propsito est em
assegurar a educao, liberdade de expresso (de pensamento, de comunicao, de imprensa,
etc.) e sua divulgao, para tanto a Constituio Federal igualmente tornou imune a impostos
os livros, jornais, peridicos e o papel destinado a sua impresso.28
Compartilhando da mesma opinio, Aires F. Barreto e Paulo Ayres Barreto alertam os
juristas a no perder de vista a finalidade precpua da imunidade do art. 150, VI, d, que seria a
de pr ao alcance de todos a informao, a educao, a cultura, o desenvolvimento social, sem
discriminaes ou preconceitos. Afinal, no se pode cumprir as diretrizes constitucionais,
no se pode respeitar os magnos princpios que emana da Constituio, com interpretao
diversa, estreita, acanhada, restritiva.29
Nesta mesma linha, e como defende Ives Gandra Silva, o constituinte, ao imunizar o
livro, jornal, peridico e papel de imprensa, pretendeu tornar imunes atividades destinadas a
formar culturalmente ou informar isentamente o povo brasileiro. O dispositivo constitucional
procura, inequivocamente, impedir o Estado de, por meio da imposio tributria, manipular a
verdade cultural ou a informtica noticiosa, dificultando ao povo receber imparcialmente
notcias e culturas.30
Em nossa opinio, as imunidades esto claramente vinculadas proteo de princpios
regentes de todo o Estado brasileiro. Uma Constituio sempre uma tentativa de paz e
harmonia social, a nossa experincia enquanto nao demonstra a necessidade de
assegurarmos uma circulao livre e democrtica de informaes e cultura. A finalidade
precpua da imunidade dos livros, jornais e peridicos torn-los mais acessveis ao pblico,
barateando o produto final, bem como impedir a interferncia, via tributao, de entes
28 CUNHA JNIOR, Dirley da, Curso de Direito Constitucional. Salvador: JusPodivm. 2008, p. 1033. 29 BARRETO, Aires F; BARRETO, Paulo Ayres. Imunidades Tributrias: Limitaes Constitucionais ao
Poder de Tributar, , Dialtica, So Paulo, 1999, p.14. 30 MARTINS,Ives Gandra Silva. Teoria da imposio tributria. So Paulo:Saraiva,1983, p. 357.
30
federados na livre circulao de informaes. Uma interpretao deste dispositivo imunizante
no poder ser legitimamente defendida sem que se tenha em mente estes objetivos
essenciais.
Finalmente, citemos algum que viveu intensamente as contradies do sculo XX e
as suas incertezas:
Democracy is the worst form of government except for all those others that
have been tried.31-
Sabemos agora, no sculo XXI, a importncia de assegurar atravs de diplomas legais
o fortalecimento da democracia. Para tanto, as Constituies lanam mo de instrumentos que
garantem aquela forma de governo que nos parece mais frutfera: a democracia. As
imunidades tributrias de livros so poderosas armas, ou melhor, escudos, para empregar a
mesma metfora utilizada anteriormente, contra o totalitarismo e monoplio de informaes
pelo Estado.
Agora que nos sentimos suficientemente situados histrica e dogmaticamente,
podemos avanar para o ncleo da presente discusso, que diz respeito primeiro ao livro
eletrnico, e, em segundo lugar, todavia em primeiro plano, imunidade tributria especfica
dos suportes eletrnicos de livros, jornais e peridicos.
31 Democracia a pior forma de governo, fora todas as outras que j foram tentadas(traduo livre) Winston
Churchill
31
4. DIREITO FUNDAMENTAL INFORMAO
Informao poder. Mas como todo poder, h aqueles que
querem mant-lo apenas para si.
Aaron Swartz32
O direito informao encontra-se em nosso ordenamento jurdico como um direito
fundamental desde a Constituio outorgada de 1824, e a recente Lei de Acesso Informao
(Lei 12.527/11) um importante marco normativo sobre o tema. Mas em que consiste tal
direito? Resume-se garantia dos cidados em acessar os dados da administrao visando o
controle dos gastos pblicos e a atuao de determinado grupo no exerccio do poder estatal?
Inclui o direito de ser informado sobre qualquer assunto por uma imprensa livre, como a outra
face do direito de livre expresso? E no incluiria tambm o direito ao conhecimento de modo
geral, seja ele recreativo, tcnico ou cientfico, considerando ser esta participao
indispensvel para os indivduos atuarem na sociedade? legtimo que a produo do
conhecimento e a formao cultural de um povo fique restrita a uma elite pensante, enquanto
a maioria come po e vai ao circo? Ou como operadores jurdicos devemos estar atentos s
tendncias mundiais cuja doutrina vem acentuando a nova percepo do right of access to
knowledge ou simplesmente the right to knowledge como mais abrangente que o direito
clssico de cunho liberal conhecido como the right to know, limitado ao controle do
funcionamento do Estado?
Diante da evidente importncia que as novas Tecnologias de Informao e
Comunicao (TIC) assumem na indispensvel legitimao do Poder exercido pelo Estado,
cabe aos operadores jurdicos ficarem atentos aos riscos que ameaam tal direito. Sabemos
que Constitucionalismo significa Estado de Direito, poder limitado, respeito aos direitos
fundamentais e que Democracia remete s noes de soberania popular, governo
representativo e vontade da maioria.
Ora, nos Estados Democrticos de Direito a autoridade e o uso legtimo da fora
fundamentam-se na racionalidade do ordenamento jurdico, e esta racionalidade exige que as
decises judiciais e administrativas atendam no apenas legalidade e aos seus princpios
derivados, como tambm que estejam adequados aos valores e interesses dos cidados, cuja
32 SWARZ, Aaron. Manifesto da Guerrilla Open Acces. Disponvel em:
Acesso em 13 de janeiro
de 2015.
32
sntese normativa estrutura-se na Constituio, lei maior a formatar o Estado e a conferir
validade s demais normas e a garantir a submisso voluntria dos cidados. Sem esta
submisso voluntria s regras do poder constitudo, no pode haver paz.
Os recentes movimentos de rua indicam a insatisfao do povo, e a eficcia da Rede
na mobilizao dos insatisfeitos demonstra a importncia da internet para a estruturao do
Poder, razo pela qual aproveitamos esta dissertao para fazer homenagem a Aaron Swartz,
jovem americano que se suicidou aos 26 anos (11/01/2013), antes do seu julgamento, marcado
para abril daquele ano, e no qual a promotoria norte-americana pedia a sua condenao a 35
anos de recluso e ao pagamento de uma multa de 1 milho de dlares, sob a acusao de
fraudes eletrnicas e obteno ilegal de informaes. Sua conduta, contudo, era de natureza
poltica, e o fim almejado um dos mais nobres: a Liberdade!
Ele foi o primeiro mrtir da era virtual: considerado um gnio, trabalhava desde os 14
anos criando ferramentas, programas e plataformas para a internet, e tambm participando da
criao do RSS, que nos permite receber atualizaes automticas do contedo de sites e
blogs, do Reddit, uma plataforma aberta em que se pode votar em histrias e discusses, alm
do Creative Commons, uma licena que libera contedo normalmente protegido sem a
cobrana de alguns direitos por parte dos autores.
Como Edward Snowden e Julian Assange, ele acreditava que era possvel mudar o
mundo se houvesse um livre acesso ao conhecimento acumulado da humanidade pela internet.
Alm disto, seria possvel usar a Rede para fiscalizar o poder e conquistar avanos nas
polticas pblicas. Estimulado por esta crena, Aaron Swartz colaborou e ajudou na criao do
Watchdog, website que permite a criao de peties pblicas; a Open Library, espcie de
biblioteca universal, com o objetivo de ter uma pgina na web para cada livro j publicado no
mundo; e o Demand Progress, plataforma para obter conquistas em polticas pblicas para
pessoas comuns, atravs de campanhas online, contato com congressistas e advocacia em
causas coletivas. Em 2008, lanou em seu blog o Manifesto da Guerrilla Open Acces, no qual
defende a liberdade de acesso informao.
Ressaltamos, portanto, que o momento histrico no qual vivemos, com o povo nas
ruas mobilizados pela internet e com os relatos de espionagem dos EUA, a tragdia de Aaron
Swartz deve permanecer em nossas memrias, pois ela simboliza a luta entre as foras
econmicas, polticas e culturais que se enfrentam para impor ou derrubar as barreiras de
acesso ao conhecimento e comunicao neste novo sculo.
Nossa Constituio Federal de 1988, ou a Constituio Cidad, como lhe chamou
33
poca o presidente da Assembleia Nacional Constituinte, consagra o direito informao nos
seguintes termos:
Art. 5, IV. livre a manifestao do pensamento, sendo vedado o
anonimato; IX. livre a expresso da atividade intelectual, artstica,
cientfica e de comunicao, independentemente de censura ou licena;
Art. 5, XIV. assegurado a todos o acesso informao e resguardado o
sigilo da fonte, quando necessrio ao exerccio profissional;
Art. 220, caput: A manifestao do pensamento, a criao, a expresso e a
informao, sob qualquer forma, processo ou veculo no sofrero qualquer
restrio, observado o disposto nesta Constituio.
Na mesma linha, a Organizao das Naes Unidas para a educao, a cincia e a
cultura (UNESCO), criada em 1945 e da qual o Brasil faz parte, tem como eixo orientador
exatamente o que se busca: fomentar o livre fluxo de informaes.33
Bonavides, assim como outros, classifica o Direito Informao como pertencente a
uma quarta dimenso de direitos fundamentais34, j que seu mbito extrapolaria as dimenses
anteriores. Os que discordam classificam-no como direito difuso da cidadania; ou mesmo
como um direito transindividual do pblico de acesso informao, mantendo-o, assim, na
esfera dos direitos de terceira gerao. Ou ainda como direito de primeira gerao, reduzindo
o direito de informao a um corolrio do direito de liberdade de expresso. Como sabemos, a
diviso dos direitos fundamentais em geraes, ou dimenses, j lugar comum entre os
juristas brasileiros o que, por certo, no lhe confere validade em si. Analisaremos a
tradicional diviso a seguir.
4.1. AS DIMENSES (OU GERAES) DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
A diviso doutrinria dos direitos fundamentais do Homem em trs geraes j um
clssico. O termo geraes vem sendo, por outro lado, substitudo pelo suposto mais
adequado dimenses35, visando-se com isso afastar eventual noo de sucesso ou
33 O livre fluxo de informaes e ideias ocupa justamente o centro da noo de democracia e crucial para o
efetivo respeito aos direitos humanos. Se o direito liberdade de expresso que compreende o direito de bus-
car, receber e transmitir informaes e ideias no respeitado, no possvel exercer o direito ao voto, alm
das violaes de direitos humanos ocorrerem em segredo, e de no haver como denunciar a corrupo e a inefi-
cincia dos governos. E fundamental, para a garantia do livre fluxo das informaes e das ideias, o princpio de
que os rgos publicos detenham informaes no para eles prprios, mas em nome do povo. MENDEL, Tobie.
Liberdade de informao: um estudo de direito comparado.2ed.Braslia: UNESCO, 2009. Disponvel em:
. Acessado em 20.de Abril de 2013. 34BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7 ed. So Paulo: Malheiros, 1998, p. 524 e ss. 35 Por exemplo: ALSTON, Philip. A Third Generation of Solidarity Rights: Progressive Development or Obfus-
cation of International Human Rig