Ação Sísmica sobre Edifícios
«Por que razão alguns edifícios não caem?»
Equipa CIV 220:
Carlos Miguel Coelho Azevedo
João Manuel Coelho Rodrigues
José Ricardo Monteiro Maeiro
tos Carvalho Luís Maria Cudell San
Tiago da Silva Santos
Monitor:
edro Miguel Azevedo Paupério P
Supervisor:
Engenheiro Xavier das Neves Romão
Porto, outubro de 2011
Ação Sísmica sobre Edifícios «Por que razão alguns edifícios não caem?»
I
Resumo
O presente relatório pretende servir como instrumento de registo do trabalho
efetuado no âmbito da unidade curricular Projeto FEUP sobre os efeitos da ação sísmica
em edifícios, procurando ajudar a explicar por que razão alguns edifícios não caem quando
ela sãa o sujeitos.
Primeiramente, serão introduzidos alguns conceitos relativos à sismologia,
necessários para a exposição das matérias posteriores, seguindo‐se uma breve análise da
distribuição global de eventos sísmicos, com especial ênfase na relação entre esta e a
s tlocalização da placas ectónicas.
Serão depois estudadas soluções arquitetónicas e estruturais que visam a
salvaguarda de pessoas e bens na sequência de ações sísmicas, com particular atenção
para as últimas, onde se inserem sistemas de proteção ativa e passiva de comprovada
ficácia no cumprimento do objetivo enunciado. e
PalavrasChave
sismos
risco sísmico
placas tectónicas
o sísmica sistemas de proteçã
isolamento de base
dissipação de energia
Ação Sísmica sobre Edifícios «Por que razão alguns edifícios não caem?»
II
Agradecimentos
A equipa CIV 220 pretende agradecer ao seu supervisor, Engenheiro Xavier
Romão, pela orientação eficaz dispensada a este projeto, traduzida no fomento da criação
de métodos de pesquisa autónomos e no esclarecimento de todas as dúvidas que a mesma
azia suf rgir.
Em segundo lugar, expressa também a sua gratidão para com o monitor Pedro
Paupério, a quem se deve um auxílio importante na calendarização de tarefas e no
esclarecimento de dúvidas científicas ou relativas ao funcionamento da unidade
curricular.
Por último, uma referência para todos os que ministraram formação em diversas
áreas durante a semana exclusiva, por terem possibilitado o desenvolvimento de
ompetências que se pretendem ver agora convenientemente aplicadas. c
Ação Sísmica sobre Edifícios «Por que razão alguns edifícios não caem?»
III
Índice
Resumo............................................................................................................................................................. I
Palavras‐Chave ............................................................................................................................................. I
Agradecimentos............................................................................................................................................ II
1. Introdução .................................................................................................................................................1
2. Distribuição Global de Eventos Sísmicos ......................................................................................3
2.1. Relação entre Placas Tectónicas e Sismicidade .........................................................3
2.2. Sismicidade em Portugal .....................................................................................................5
3. Proteção Sísmica de Edifícios ............................................................................................................7
3.1. Soluções Arquitetónicas ......................................................................................................8
3.2. Soluções Estruturais .............................................................................................................11
3.2.1. Sistemas de Proteção Sísmica Ativa ...............................................................12
3.2.2. Sistemas de Proteção Sísmica Passiva ..........................................................12
3.2.2.1. Isolamento de Base...............................................................................13
3.2.2.2. Dissipação de Energia..........................................................................14
4. Conclusão ...................................................................................................................................................17
eferências Bibliográficas........................................................................................................................19 R
Ação Sísmica sobre Edifícios «Por que razão alguns edifícios não caem?»
‐ 1 ‐
1. Introdução
Os sismos desde sempre constituíram uma das mais trágicas catástrofes naturais,
provocando todos os anos milhares de desalojados e inúmeros danos materiais. Estas
consequências sociais, bem como os prejuízos que provocam, levam a que sejam notícia de
e edestaque em qualqu r m io de comunicação.
Apesar de ser impossível impedir esta catástrofe natural, investigadores,
engenheiros e arquitetos têm desenvolvido novas técnicas para atenuar os seus danos. De
facto, em grande parte das vezes as destruições são noticiadas e perpetuam‐se na história,
as o trm abalho por detrás de todos os edifícios que permanecem é desmerecido.
Conforme sabido, os sismos são fenómenos naturais resultantes, na maior parte
dos casos, de uma rutura mais ou menos violenta no interior da crosta terrestre,
correspondendo à libertação de uma grande quantidade de energia e à propagação de
vibrações que se transmitem a uma vasta área. A zona no interior da Terra na qual se dá a
libertação de energia designa‐se por foco ou hipocentro; já o ponto à superfície situado na
vertical do foco é o epicentro, que corresponde à zona onde o sismo é sentido com maior
intensidade.
A duração de um sismo pode variar desde poucos segundos até dezenas,
raramente ultrapassando um minuto. Após o sismo principal, seguem‐se geralmente
reajustamentos do material rochoso que dão origem a sismos mais fracos, denominados
réplicas.
Embora muitos cientistas estejam a fazer a investigação no sentido de desenvolver
métodos de previsão de sismos, tal ainda não pode ser feito. No entanto, é possível tentar
minimizar os seus efeitos, identificando zonas de maior risco, construindo estruturas
resistentes, elaborando planos de emergência e promovendo a educação da população,
nomeadamente no que diz respeito às medidas de segurança a ter em atenção antes,
durante e depois de um sismo.
A escala de Richter é uma escala de magnitude, relacionando‐se com a energia
libertada durante o sismo. Foi desenvolvida pelos sismólogos Charles Francis Richter e
Beno Gutenberg. O aumento de uma unidade nesta escala corresponde a um aumento de
dez vezes na amplitude da onda sísmica e de cerca de 32 vezes na energia libertada
durante o sismo.
Ação Sísmica sobre Edifícios «Por que razão alguns edifícios não caem?»
‐ 2 ‐
Já a escala de Mercalli é usada para definir a intensidade do sismo, sendo que esta é
uma medida qualitativa que descreve os efeitos produzidos pelo mesmo em locais da
superfície terrestre. A classificação da intensidade é feita através da observação dos danos
de inquéritos à população afetada (Tabela 1). e
I não s ntos entido pelo ser humano; vibrações registadas apenas por instrume
II sentido por pessoas em repouso nos andares elevados de edifícios
III sentido por algumas pessoas dentro de casa; objetos pendentes baloiçam
IV senti tam do por quase todas as pessoas dentro de casa; vidros e louças tilin
V sentido fora de casa; as pessoas acordam; caem pequenos objetos
VI os m as óveis deslocam‐se; caem estuques; alvenarias de má qualidade abrem fend
VII é difícil permanecer de pé; há fendas nos edifícios; os sinos tocam; tijolos e
mosaicos caem
VIII afeta a condução de veículos; há colapsos parciais de edifícios de má qualidade e
fendas no solo
IX danos consideráveis em todo o património edificado
X destruição da maioria dos edifícios; grandes deslizamentos de terras
XI ferrovias gran subterrâneas demente deformadas; grandes danos nas condutas
XII destruição total; significativa alteração topográfica
Tabela 1 – escala de Mercalli.
Ação Sísmica sobre Edifícios «Por que razão alguns edifícios não caem?»
2. Distribuição Global de Eventos Sísmicos
Devido ao facto do planeta Terra não apresentar uma estrutura homogénea, nem
todos os locais à superfície estão igualmente expostos à ocorrência de catástrofes naturais
como os sismos. Por este motivo, é possível elaborar mapas onde se apresentam as zonas
terrestres onde será mais provável a ocorrência de sismos e, portanto, mais expostas a
esse risco. Dada a sofisticação e evolução das técnicas utilizadas, atualmente é possível
efinir as áreas de maior perigo sísmico com reduzida margem de erro (Figura 1). d
‐ 3 ‐
igura 1 – distribuição global das áreas de maior risco sísmico (1999). F
Podem‐se então definir duas grandes zonas sísmicas no globo terrestre:
cintura mediterrânico‐asiática (estende‐se desde a Península Itálica e Balcãs até à Ásia
central, Himalaias, Tibete e China ocidental);
cintura circumpacífica (onde ocorrem os sismos mais violentos e com consequências
mais devastadoras; esta zona, conhecido como anel de fogo do Pacífico, inclui por
exemplo, a Nova Zelândia, as Filipinas, o Japão e países da América central e do sul).
2 lação entre Placas Tectónicas e Sismicidade
Conforme conhecido, a superfície do planeta Terra encontra‐se dividida por uma
série de placas rígidas em situação de contínuo deslocamento – as placas tectónicas.
.1. Re
Ação Sísmica sobre Edifícios «Por que razão alguns edifícios não caem?»
Tratam‐se de várias placas, com diferentes formas e tamanhos, englobando cada uma
elas, n id a sua maioria, uma parte cont nental e outra oceânica.
Os limites entre as placas coincidem com os locais mais prováveis para a
corrência de sismos (Figuras 2 e 3). o
‐ 4
gigante que originará um tsunami.
É devido a estes acontecimentos que surge a grande maioria dos sismos registados,
sendo tais factos os geradores da estreita relação entre placas tectónicas e sismicidade.
‐
igura 2 – distribuição geográfica das placas tectónicas. F
igura 3 – localização dos epicentros de sismos ocorridos entre 1963 e 1998. F
Dado que as placas tectónicas se encontram em constante movimento, por vezes
colidem, afastam‐se ou deslizam uma sobre a outra, gerando‐se entre elas forças e tensões
que irão alterar os materiais rochosos até estes atingirem o seu limite de elasticidade, após
o qual a matéria entra em rutura. Libertam‐se, assim, enormes quantidades de energia que
e props agarão através de ondas sísmicas pela superfície e interior da Terra.
Quando o foco da libertação de energia se situa sob o oceano, é gerada uma onda
Ação Sísmica sobre Edifícios «Por que razão alguns edifícios não caem?»
2 smic dade em Portugal
Após a análise da sismicidade em diferentes períodos de tempo, também foi
.2. Si i
possível elaborar um mapa representativo das áreas de maior perigo sísmico em Portugal.
Os atuais níveis de conhecimento acerca da ação sísmica que afeta o país permitem
concluir que a exposição do território nacional ao risco de eventos sísmicos é moderada,
comparativamente com os níveis do resto do mundo, embora não esteja igualmente
distribuída.
Portugal, no contexto da tectónica de placas, situa‐se na placa Euro‐Asiática,
limitada a sul pela falha Açores‐Gibraltar (que define a fronteira com a placa Africana) e a
oeste pela falha dorsal do oceano Atlântico. Por estes motivos, é no sul e a oeste que o
erritório está mais exposto ao risco de ocorrência de atividade sísmica (Figuras 4 e 5) t
‐ 5 ‐
igura 4 – carta de isossistas máximas observadas até à atualidade. F
Figura 5 – localização dos epicentros de sismos ocorridos entre 33 a.C. e 1991.
Ação Sísmica sobre Edifícios «Por que razão alguns edifícios não caem?»
Assim, em virtude do seu enquadramento, o território de Portugal continental tem
experimentado, ao longo do tempo, as consequências de alguns eventos sísmicos de
magnitude moderada a forte, que resultaram muitas vezes em danos consideráveis em
várias cidades e vilas do país, como o comprovam diversos relatos históricos. O sismo de 1
de Novembro de 1755 terá sido um dos mais destruidores, com uma magnitude estimada
de 8,75 na escala de Richter, tendo resultado de um movimento interplacas e destruído
rande parte da capital (Figura 6). g
‐ 6 ‐
Figura 6 – gravura da época alusiva à destruição da cidade de Lisboa na sequência do
ismo de 1 de Novembro de 1755. s
Ação Sísmica sobre Edifícios «Por que razão alguns edifícios não caem?»
3. Proteção Sísmica de Edifícios
As características arquitetónicas e estruturais do parque edificado constituem um
fator de extrema influência nos efeitos da ação sísmica sobre as populações. Em termos
diretos, o não colapso das estruturas poderá evitar a perda de vidas humanas; por outro
lado, a extensão dos danos infligidos pelo sismo tem um impacto relevante sobre o esforço
económico necessário no momento da reconstrução. A isto acresce que a perda de
funcionalidade de instalações necessárias para assistência às populações, como os
hospitais e os centros de decisão, dificultará a resposta das entidades competentes e a
xecuçã .e o dos planos de emergência
A correspondência entre a qualidade das construções e as consequências acima
relevadas é facilmente comprovada pela comparação entre eventos sísmicos ocorridos em
tempos próximos, mas afastados em termos de avanços nas soluções arquitetónicas e
estruturais previamente adotadas. A título de exemplo, aponte‐se o terramoto ocorrido no
Japão, a 17 de Janeiro de 1995 (com epicentro a 20 km da cidade de Kobe e magnitude de
momento de 6,8), que causou 6434 vítimas mortais, e confronte‐se este número com as
cerca de 316 000 pessoas que o governo haitiano estimou terem perdido a vida, na
sequência do sismo com magnitude de 7,0 que a 12 de Janeiro de 2010 assolou o país
(Figuras 7 e 8). De facto, principalmente desde o violento terramoto de 1923 que no Japão
têm sido desenvolvidas e aplicadas técnicas de proteção sísmica, enquanto que no Haiti as
construções eram de carácter precário e encontravam‐se em processos de reconstrução
unca finalizados, dada a frequência de vários tipos de tempestades tropicais. n
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Figura 7 – colapso do quinto piso de um edifício na zona comercial de Kobe (note‐se a
manutenção dos vidros nos restantes pisos e no prédio situado por trás).
Ação Sísmica sobre Edifícios «Por que razão alguns edifícios não caem?»
‐ 8 ‐
igura 8 – colapso de edifícios em Port‐au‐Prince, capital do Haiti. F
A engenharia sísmica, por meio do desenvolvimento de novas tecnologias de
construção e pela criação de diferentes metodologias de análise, tem procurado dar
resposta ao duplo objetivo já evidenciado de salvaguarda de vidas e minoração de danos.
Obviamente, a garantia de que uma estrutura será totalmente segura quando sujeita a um
evento sísmico não poderá nunca ser dada, dadas as incertezas na definição da ação
sísmica e no modelo de análise (Guerreiro 2008). Nesse sentido, a regulamentação apenas
pode estipular um nível mínimo de desempenho estrutural para uma ordem de grandeza
do evento previamente definida.
Neste capítulo serão apontadas algumas soluções arquitetónicas e estruturais que
têm vindo a ser adotadas com o propósito de garantir respostas adequadas a estes
objetivos. Naturalmente, dada a área de estudos em que o trabalho se insere, às primeiras
erá feita uma abordagem menos demorada. s
3 luções Arquitetónicas
A concretização de muitas das recomendações relativas à proteção sísmica de
edifícios dependerá do projeto de arquitetura. Nesse sentido, a melhor garantia de uma
boa resposta na sequência de um evento sísmico é dada por uma eficiente articulação
entre as necessidades estéticas ou funcionais e a conceção estrutural do edifício, traduzida
um tra n i
.1. So
n balho realizado em conju to e desde o nício pelo arquiteto e pelo engenheiro.
Considere‐se, a título de exemplo, um projeto de arquitetura de um edifício com
vários pisos, diferentes uns dos outros. Se as paredes que limitam os compartimentos de
Ação Sísmica sobre Edifícios «Por que razão alguns edifícios não caem?»
‐ 9 ‐
cada piso não se encontrarem no mesmo alinhamento vertical, poderá ser difícil definir
pilares ou paredes que possam ser prolongados até às fundações e sejam compatíveis com
a arquitetura (por exemplo, que não atravessem quartos ou casas de banho). Neste caso,
dada a relevância deste prolongamento no comportamento sísmico do edifício e a
impossibilidade de compensar a sua ausência com medidas posteriores de igual eficácia, o
projeto de arquitetura deveria ser alterado em favor do de engenharia, de modo a garantir
a implantação dos elementos verticais de suporte com continuidade total até às fundações
Lopes ( 2008).
Obviamente, esta prioridade da conceção e segurança estrutural em detrimento da
arquitetura, quando estas são incompatíveis entre si, não constitui uma regra a ser
aplicada em todos os casos. Há situações qualitativamente diferentes: é sabido, por
exemplo, que as paredes mais resistentes de um edifício deverão estar situadas na
periferia dos mesmos. No entanto, estes locais têm de ser destinados a varandas e janelas,
sem as quais o edifício perderia funcionalidade. Neste caso, alterar o projeto de
engenharia com vista a colocar as paredes na zona central da planta dos pisos (se bem que
mantendo uma certa simetria para resistir melhor à torção) garante uma solução que,
embora não seja a ideal, é compatível com a resposta e segurança pretendidas e vai de
encontro ao desejado pelo arquiteto.
No caso de edifícios concebidos para cumprir diferentes funções ao longo do
tempo, como sucede nas instalações de escritórios (sujeitas a frequentes alterações da
compartimentação interior, devido a mudanças da entidade responsável pelo espaço ou da
estrutura organizacional dessa entidade), verifica‐se ser necessária a alteração das
paredes interiores (Lopes 2008). Para que tal seja feito sem comprometer a resposta do
edifício quando sujeito a um evento sísmico, a remoção das paredes divisórias não poderá,
naturalmente, interferir com a estrutura principal. Nesse sentido, essas paredes deverão
ser de materiais leves, de menor resistência do que a restante estrutura, e as lajes terão de
ser projetadas para suportar o seu peso qualquer que seja a sua localização. Na prática,
«Isto pode ser conseguido facilmente admitindo no cálculo que o peso destas paredes é
equivalente a uma carga distribuída na superfície total das lajes e não apenas na localização
prevista para as paredes na utilização inicial.» (Lopes 2008).
Algo de muito similar ocorre na requalificação de edifícios antigos, que em regra
apresentam compartimentos de dimensões mais reduzidas: é necessário conhecer as
funções estruturais dos vários elementos e distinguir as paredes‐mestras de tabiques sem
funções resistentes, sendo que apenas alguns destes poderão ser removidos.
Ação Sísmica sobre Edifícios «Por que razão alguns edifícios não caem?»
Fica, deste modo, evidente que só a perceção da importância relativa entre as
necessidades estéticas ou funcionais do projeto de arquitetura e a conceção estrutural do
edifício permite o estabelecimento claro de prioridades para cada caso, pelo que será
r o qsempre necessária a refe ida articulação entre ar uiteto e o engenheiro.
Infelizmente, só mais recentemente tal tem vindo a suceder. A arquitetura
moderna iniciada por Le Corbusier, por exemplo, levanta inúmeros desafios aos
engenheiros responsáveis por garantir uma resposta adequada das estruturas a um
evento sísmico. Note‐se o esboço do arquiteto franco‐suíço (Figura 9) e vejam‐se os pilares
que suportam dois pisos acima do chão, a ausência de quaisquer vigas e as escadas em
etão armado que induzem movimentos de torção (Charleson 2008). b
‐ 10 ‐
igura 9 – esboço de Le Corbusier para a casa DomIno, de 1914. F
De facto, os cinco princípios da nova arquitetura preconizada por Le Corbusier
(Figura 10) – planta livre (sem paredes a exercer funções estruturais), fachada livre,
janelas em banda, terraço superior sob a forma de jardim e pilotis (pilares que elevam a
base do edifício, permitindo circular debaixo dele) – inspiraram a construção de vários
edifícios em zonas de sismicidade cientificamente documentada, mas sem as precauções
estruturais que esta última e a natureza do desenho arquitetónico adotado requeriam. Os
resultados desta circunstância ficaram, por exemplo, patentes no colapso de estruturas em
betão armado, construídas segundo os cânones da arquitetura moderna, na sequência da
ação sísmica que afetou a cidade argelina de El Asnam a 10 de Outubro de 1980 (Figura
1). 1
Ação Sísmica sobre Edifícios «Por que razão alguns edifícios não caem?»
‐ 11 ‐
Figura 10 – Villa Savoye, obra de Le Corbusier concluída em 1931 e representativa dos
inco princípios da nova arquitetura por ele preconizada. c
Figura 11 – ruínas de uma moderna escola em El Asnam, uma das 85 destruídas na pelo
ismo (note‐se o colapso dos pilotis). s
3 luções Estruturais
Tradicionalmente, a abordagem estrutural à proteção sísmica de estruturas tem
por base a exploração do seu comportamento dúctil, sendo que esta característica
funciona como uma medida do seu deslocamento horizontal máximo realizado em
segurança, isto é, até ao início da rutura. Neste sentido, a ductilidade permite concluir até
que ponto a energia do evento sísmico é absorvida pela estrutura, evitando movimentos
e resso c nd a i o a a n
.2. So
d nân ia e permiti o, por esta via, um dim nuiçã gradual d s forç s de i ércia.
No entanto, o dimensionamento de uma estrutura com base no seu
comportamento dúctil não é, por vezes, possível, dados os materiais com os quais ela é
Ação Sísmica sobre Edifícios «Por que razão alguns edifícios não caem?»
‐ 12 ‐
construída (que podem não verificar esta propriedade) ou porque, simplesmente, mesmo
havendo capacidade dúctil a conceção da estrutura não a permite explorar.
Nesta circunstância, revela‐se necessário o recurso a sistemas de proteção sísmica
– «...conjunto de dispositivos que, quando incluídos na estrutura, melhoram o seu
comportamento sísmico sem o recurso à capacidade de deformação da estrutura.»
(Guerreiro 2008). Consoante a necessidade de fornecimento de energia, é usual distinguir
os sistemas de proteção passiva dos de proteção ativa, sendo que a estes últimos se fará
penas uma breve abordagem. a
3 istemas de Proteção Sísmica Ativa
Os sistemas de proteção sísmica ativa, mais recentes do que os passivos, procuram
contrariar os efeitos dos sismos nas estruturas através da aplicação externa de forças que
os anulem. Para que tal suceda, é realizada uma previsão da reação da estrutura ao
movimento exterior provocado pelo evento sísmico. Em seguida, e de acordo com a
previsão, garante‐se a aplicação de um conjunto de forças que efetue o já enunciado,
través t c .
.2.1. S
a de vários sis emas hidráuli os
A principal desvantagem do método, ideal em teoria, reside no facto desses
sistemas hidráulicos terem de transmitir forças muito elevadas e a frequências também
altas, o que se traduz em elevados custos monetários, devido à energia que tem de ser
ornecida para o processo e às exigências tecnológicas apontadas. f
3 istemas de Proteção Sísmica Passiva
Ao contrário dos anteriores, os sistemas de proteção sísmica passiva dispensam o
fornecimento de energia. Os custos mais reduzidos decorrentes da aplicação destes e a sua
maior simplicidade, associada a uma eficácia perante eventos sísmicos que não deixa de
.2.2. S
ser comprovada, têm como consequência que o seu uso seja mais frequente e acessível.
Em seguida, será feita referência aos dois mais comuns sistemas integrantes desta
ategoria: os baseados no isolamento da base e os de dissipação da energia. c
Ação Sísmica sobre Edifícios «Por que razão alguns edifícios não caem?»
‐ 13 ‐
3 Isolamento de Base
A ideia subjacente aos sistemas de isolamento de base é, em teoria, algo utópica:
pretende‐se separar as estruturas do chão, de forma a evitar que estas tenham de resistir
às forças de inércia que se geram devido aos movimentos do solo. Na prática, obviamente,
apenas se eliminam as ligações entre a estrutura e o exterior no plano horizontal,
mantendo‐as em pleno segundo a direção vertical. A superfície de descontinuidade assim
criada isola a estrutura dos movimentos do solo (que se efetuam, principalmente, no plano
horizontal). O efeito gerado é similar ao de assentar a estrutura sobre um conjunto de
esferas, permitindo deslocamentos horizontais e mantendo a necessária capacidade de
.2.2.1.
suporte.
Em edifícios, este isolamento é feito, regra geral, em relação às fundações. De notar,
contudo, que a diminuição da rigidez da ligação horizontal tem como consequência o
aumento dos movimentos efetuados em relação ao solo segundo essa direção. Nesse
sentido, revela‐se necessário garantir que haja um espaçamento adequado entre edifícios
adjacentes, de modo a permitir deslocamentos sem restrições (esta implicação leva a que
não seja possível recorrer a esta via em edifícios em banda; no entanto, existem já
sistemas de isolamento de base que possibilitam a dissipação de alguma energia,
minimizando estes movimentos). Obviamente, se é previsto o deslocamento da base na
eventualidade de uma ação sísmica, todas as habituais ligações entre a estrutura e o
exterior (como a água, gás, eletricidade ou esgotos) terão de ser efetuadas por canais com
lexibilif dade para os movimentos previstos.
A grande vantagem do isolamento de base reside no facto de nos pisos superiores
os deslocamentos relativos entre eles serem praticamente nulos, embora, conforme
referido, os movimentos ao nível do solo sejam maiores do que os que se verificariam sem
este sistema. Assim, a estrutura permanece quase indeformável. Tal é particularmente útil
m inste alações onde se encontram sistemas de precisão sensíveis a acelerações.
Estão já disponíveis diversos tipos de dispositivos que possibilitam o cumprimento
do já enunciado objetivo de isolar a base da estrutura: entre eles, destacam‐se, pela
frequência do seu uso, os blocos de borracha de elevado amortecimento (conhecidos pela
sigla H.D.R.B., do inglês high damping rubber bearing), os apoios pendulares com atrito e
os blocos de borracha com núcleo de chumbo (L.R.B., de lead rubber bearing). De acordo
com particularidades específicas de cada um deles, podem ser aplicados vários de um só
tipo ou de diferentes tipos. No entanto, regra geral, são comuns a todos as seguintes
características (Guerreiro 2008):
Ação Sísmica sobre Edifícios «Por que razão alguns edifícios não caem?»
baixa rigidez horizontal (que permite, tal como já explicado, a realização de
movimentos em relação ao solo no plano horizontal, separando a estrutura do exterior
segundo essa direção);
capacidade de suporte para cargas verticais (necessária para transmitir as cargas às
fundações);
dcapacidade e regressar à posição original;
capacidade de dissipação de energia (especialmente útil no controlo dos
deslocamentos máximos, minimizando os movimentos que daí decorreriam; é esta a
funç h s sistemasão do núcleo cilíndrico de c umbo nos blocos do L.R.B.).
Foi estimado que no final de 2002 existissem cerca de 3000 aplicações destes
sistemas no mundo (Guerreiro 2008). Em Portugal, contudo, apenas em 2006 foi concluído
o primeiro edifício com isolamento de base (instalações do Hospital da Luz construídas em
isboa, freguesia de Benfica), tendo‐se recorrido a 315 dispositivos H.D.R.B. (Figura 12). L
‐ 1
da deformação da estrutura, ou dissipada em processos controlados (Guerreiro 2008).
Os sistemas de dissipação de energia são dispositivos que permitem cumprir este
objetivo de forma eficiente e fiável, sem se deteriorarem ou dar origem a danos
estruturais, reduzindo os efeitos do evento sísmico sobre o edifício. Têm, ainda, como
vantagem o facto de poderem ser facilmente aplicados na estrutura e de serem bastante
4 ‐
igura 12 – dispositivos H.D.R.B. no Hospital da Luz. F
3 Dissipação de Energia
A ocorrência de um evento sísmico leva a que seja transferida à estrutura uma
grande quantidade de energia. Nestas circunstâncias, essa energia ou é absorvida, através
.2.2.2.
Ação Sísmica sobre Edifícios «Por que razão alguns edifícios não caem?»
versáteis, dando ao autor do projeto estrutural um conjunto variado de opções na
definição das suas características.
Dentro desta categoria de dispositivos inserem‐se os dissipadores histeréticos,
cujo funcionamento se baseia na deformação plástica de metais e ligas metálicas, como o
aço. Nestes materiais, os pares de valores correspondentes à força aplicada em função do
deslocamento não se repetem do mesmo modo, quando variam num sentido ou no
inverso, originando um gráfico característico cuja área permite avaliar a energia dissipada.
São, igualmente, de uso bastante comum os sistemas viscosos, assaz semelhantes
aos amortecedores dos automóveis. Neste caso, o evento sísmico empurrará um pistão
para dentro de um cilindro preenchido com um fluído bastante viscoso, obrigando à sua
passagem por orifícios pequenos para uma outra câmara, até que as forças de compressão
se igualem em ambas. O efeito de ressalto é impedido por uma válvula de controlo que
permite libertar o fluido para uma terceira câmara, onde este fica acumulado.
No caso dos edifícios, de forma a aumentar a deformação dos sistemas
apresentados, maximizando por essa via a energia dissipada, estes deverão ser colocados
segundo diagonais.
Também os dispositivos conhecidos por T.M.D. (do inglês tuned mass damper, isto
é, amortecedor de massa sintonizada) podem ser usados para controlar vibrações
ocasionadas por sismos (figura 13). São formados por um oscilador com uma frequência
própria calculada de forma a coincidir com a da vibração da estrutura. Assim, a
deformação estrutural será menor, devido à transferência de energia para o dispositivo,
ue verá então a sua deformação aumentada. q
‐ 15 ‐
Figura 13 – dispositivo T.M.D. situado no topo do arranha‐céus Taipei 101, em Taiwan (a
esfera tem 5,5 m de diâmetro e massa de 660 000 kg).
Ação Sísmica sobre Edifícios «Por que razão edifícios não caem?» alguns
‐ 16 ‐
Os dispositivos T.L.D. (de tuned liquid damper) têm um funcionamento muito
similar aos anteriores; a principal diferença reside no facto do oscilador ser o movimento
e uma quantidade de líquido contida num depósito. d
Ação Sísmica sobre Edifícios «Por que razão alguns edifícios não caem?»
‐ 17 ‐
4. Conclusão
Os sismos são responsáveis, várias vezes por ano, pela perda de vidas humanas; ao
mesmo tempo, a extensão dos danos que infligem tem um impacto relevante sobre o
esforço económico necessário nos momentos de reconstrução. Neste contexto, conforme
explicado, as características do parque edificado constituem um fator de extrema
influência nos seus efeitos sobre as populações.
Com o propósito de garantir respostas adequadas a este duplo objetivo de
salvaguarda de vidas e minoração de danos, têm vindo a ser adotadas soluções
arquitetónicas e estruturais diversas.
No domínio das primeiras, em virtude da dependência entre o projeto de
arquitetura e a concretização de muitas das recomendações relativas à proteção sísmica
de edifícios, é sobretudo essencial que exista uma eficiente articulação entre as
necessidades estéticas ou funcionais e a conceção estrutural, traduzida num trabalho
realizado em conjunto e desde o início pelo arquiteto e pelo engenheiro. Só desta forma se
criará, de modo claro e evidente, uma perceção da importância relativa entre as duas,
havendo casos em que a conceção e segurança estrutural terá prioridade em detrimento
á n pda arquitetura e outros em que sucederá o contr rio, sempre em be efício das po ulações.
No domínio das soluções estruturais, foram abordados sistemas de proteção
sísmica ativa e passiva, divididos em função da necessidade de fornecimento de energia.
Da aplicação dos últimos decorrem custos mais reduzidos, o que, associado à sua
comprovada eficácia, tem como consequência que o seu uso seja mais frequente e
acessível.
Os dispositivos de isolamento de base, de proteção passiva, permitem eliminar as
ligações entre a estrutura e o exterior no plano horizontal, mantendo‐as em pleno segundo
a direção vertical e criando uma superfície de descontinuidade que a isola dos
movimentos do solo. A sua aplicação obriga a que haja um espaçamento adequado entre
edifícios e a que todas as habituais ligações com o exterior sejam efetuadas por canais com
exibilifl dade.
Já os dispositivos de dissipação de energia, que se inserem na mesma categoria,
permitem a realização da tarefa que lhes dá nome de forma eficiente e fiável, sem se
deteriorarem ou dar origem a danos estruturais, reduzindo os efeitos do evento sísmico
Ação Sísmica sobre Edifícios «Por ue razão alguns edifícios não caem?» q
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sobre o edifício. Os dissipadores histeréticos e os sistemas viscosos, de uso bastante
frequente, deverão ser colocados segundo diagonais, de forma a aumentar a sua
eformd ação, maximizando por essa via a energia dissipada.
É uma aplicação eficaz destas diferentes soluções e dispositivos, decorrente de
uma seleção feita em função das necessidades da estrutura e do contexto sísmico em que
esta se insere, que garante uma boa resposta ao duplo objetivo já enunciado de
salvaguarda de vidas e minoração de danos, ajudando a explicar por que razão alguns
edifícios não caem.
Portugal, apesar de ter um território moderadamente exposto ao risco de eventos
sísmicos, apenas em 2006 viu concluído o primeiro edifício com isolamento de base, se
bem que outros sistemas de proteção sejam instalados em pontes. Por esse motivo, é
necessária uma avaliação concreta das características do parque edificado e o
cumprimento rigoroso da legislação estabelecida, de forma a minimizar hoje, para pessoas
bens, as consequências de um possível sismo de amanhã. e
Ação Sísmica sobre Edifícios «Por que razão alguns edifícios não caem?»
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