APOSTILA – 1º MÓDULO DO CURSO DO EXTRAJUDICIAL - REGISTRO DE
IMÓVEIS
O objetivo da presente apostila é servir de base de consulta, ágil e
descomplicada, aos Juízes Corregedores Permanentes das diversas comarcas do Estado
de São Paulo.
Justifica-se a sua elaboração, uma vez que o acúmulo de atribuições
dos Juízes Corregedores Permanentes demanda o encurtamento do tempo necessário à
busca de soluções para os casos concretos.
A apostila está relacionada a aulas, sobre os respectivos temas,
gravadas em meio digital e disponibilizadas no site da Escola Paulista da Magistratura.
No 1º módulo, destinado ao Registro de Imóveis, examinam-se cinco
princípios: continuidade, especialidade (objetiva e subjetiva), inscrição, legalidade e
prioridade. Há, ainda, uma aula, gravada, que aborda a forma como deve ser feita uma
correição no Cartório de Registro de Imóveis. Dado seu caráter eminentemente prático,
está disponível somente no formato oral.
Diante do escopo do curso, os temas são tratados de forma prática,
sempre relacionada ao enfrentamento de questões postas no dia a dia do Juiz Corregedor
Permanente. Não se busca o aprofundamento teórico desses temas, mas a resolução dos
casos mais recorrentes.
Por isso, houve a preocupação de, após traçar um rápido panorama
sobre os princípios mais comuns do registro de imóveis, complementar o estudo com
Acórdãos do Conselho Superior da Magistratura e com o posicionamento atual da
Corregedoria Geral da Justiça.
Uma vez que cada membro da equipe redigiu parte da apostila, o leitor
verificará algumas alterações de estilo e, vez ou outra, uma forma distinta de fazer as
remissões ao texto legal ou às decisões do Conselho e da Corregedoria. No geral,
contudo, procurou-se manter o esquema básico de análise teórica, seguida de referências
aos textos legais, às NSCGJ e às decisões jurisprudenciais.
Pretende-se, ademais, que a apostila seja constantemente atualizada –
daí seu formato on line -, pois a interpretação e a aplicação dos diversos princípios
variam, segundo a composição do Conselho Superior da Magistratura e o
posicionamento adotado pelo Corregedor Geral da Justiça.
As aulas gravadas, que complementam a apostila, abordam a
percepção de Magistrados e Registradores, expoentes em suas respectivas áreas, a
respeito dos diversos princípios. E a última aula, gravada em meio digital, trata da
forma como deve ser feita uma correição no Cartório de Registro de Imóveis.
Passemos à análise dos princípios.
Princípio da continuidade.
Serve para evitar que um imóvel seja alienado por quem não seja o
seu dono (Alyne Yumi Konno - Registro de Imóveis, Memória Jurídica Editora, p. 35).
Assim, quem transfere um direito tem de constar do registro como titular desse direito
(Narciso Orlandi Neto, Retificação do Registro de Imóveis, Juarez de Oliveira, pág.
55/56). Exemplo: para que a escritura pública por meio da qual "A" vende um imóvel a
"B" seja registrada no registro de imóveis, é preciso que "A" conste na matrícula como
titular de domínio do imóvel vendido.
Afrânio de Carvalho explica o princípio da continuidade da seguinte
forma: "em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma
cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o
outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas
transmissões, que derivam umas das outras, asseguram a preexistência do imóvel no
patrimônio do transferente" (Registro de Imóveis, Editora Forense, 4ª Ed., p. 254).
É importante observar que a continuidade relaciona-se com a pessoa
que está transferindo o imóvel e a que o está recebendo. E o art. 195 da LRP é expresso
nesse sentido: Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do
outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer
que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro. Deste modo, se a
escritura de inventário e partilha extrajudicial não respeitar a ordem de vocação dos
herdeiros que estão recebendo os imóveis, há quebra do princípio da legalidade e não da
continuidade. Contudo, se o formal de partilha for judicial, o registrador e o juiz
corregedor permanente não podem discutir o acerto da ordem de vocação hereditária
porque a esfera administrativa não pode rever a jurisdicional (CSM - Ap. Cível
0011977-27.2011.8.26.0576).
O compromisso de compra e venda de imóvel sempre é fonte de
dúvidas na qualificação registral. Uma vez registrado, tem força de obstar o registro de
escritura pública outorgada pelo promitente vendedor a terceiro? O CSM entende que o
art. 1.418, do Código Civil prevê hipótese de ineficácia e não de nulidade da compra e
venda a pessoa diversa do promitente vendedor. Por isso, nos autos da Apelação Cível
nº 0025566-92.2011.8.26.0477, permitiu o registro.
A aplicação do princípio da continuidade não se restringe aos casos
em que há transferência de domínio. O registro de outros negócios jurídicos também
exige a sua observância. Nos autos do Processo CG 35.487/2014, foi negada a
averbação do contrato de sublocação porque o titular de domínio que anuíra com a
sublocação não mais ostentava essa qualidade na matrícula. Isso aconteceu porque o
sublocátario, embora tenha regularmente firmado o contrato de sublocação, demorou
para levá-lo ao registro de imóveis. E, quando o apresentou para averbação, foi
surpreendido com a notícia de que o imóvel havia sido vendido para outra pessoa.
Assim, reputou-se violada a continuidade porque, ao tempo da
apresentação do contrato no registro de imóveis, o anuente da sublocação não mais
constava da matrícula como titular de domínio.
Vale lembrar que a qualificação registral segue a regra tempus regit
actum, o que significa que o título se sujeita às condições vigentes ao tempo de sua
apresentação a registro, pouco importando a data de sua celebração (Ap. Cíveisl nº, 115-
6/7, nº 777-6/7, nº 530-6/0, e nº 0004535-52.2011.8.26.0562).
Outro tema recorrente nos recursos administrativos e apelações diz
respeito à qualificação registral dos títulos judiciais. A jurisprudência do CSM e da CG
é tranquila no sentido de que os títulos judiciais também se sujeitam à qualificação
registral, haja vista que o exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da
decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão
de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental" (Ap. Cível nº 31881-
0/1.).
Deste modo, não se averbará o mandado de penhora se o executado
não constar na matrícula como titular do direito penhorado (Processo CG 2013/151927).
É preciso destacar que, se a recusa do registrador for examinada e afastada pelo juízo
que expediu o título, o registro deve ser efetuado ainda que, na visão registral, haja
violação ao princípio de continuidade (Proc. CG 14286/2013 e 98435/2011).
De acordo com a atual jurisprudência do C. Conselho Superior da
Magistratura (Apelações nºs 9000001-34.2013.8.26.0531 e nº 9000002-
19.2013.8.26.0531), a arrematação de imóvel em hasta pública constitui modo derivado
de aquisição de propriedade imóvel. O entendimento anterior, segundo o qual a natureza
dessa aquisição é originária (0007969-54.2010.8.26.0604), restou superado.
Corolário disso é que, se o imóvel arrematado não estiver em nome do
executado, o registrador poderá recusar o registro com base na continuidade registral.
Princípio da Continuidade na Lei nº 6.015/73:
Art. 195 - Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome
do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior,
qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.
Art. 237 - Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro
que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade
do registro.
Princípio da Continuidade na Normas de Serviço:
Capítulo XIV:
Item 62. Para preservação do princípio da continuidade, é
recomendável evitar os atos relativos a bens imóveis sempre que o título anterior não
estiver transcrito ou registrado nas matrículas correspondentes, salvo se, ciente da
situação e de seus efeitos jurídicos, o interessado assuma a responsabilidade pelo
registro dos atos anteriores.
Capítulo XX:
Item 49. Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome
do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior,
qualquer que seja a sua natureza.
Item 60. Para os fins do disposto no art. 225, § 2º, da Lei nº 6.015, de
31 de dezembro de 1973, entende-se por "caracterização do imóvel" apenas a indicação,
as medidas e a área, não devendo ser considerados irregulares títulos que corrijam
omissões ou que atualizem nomes de confrontantes, respeitado o princípio da
continuidade.
291. Caso o título de transmissão ou a quitação ostente imperfeições
relacionadas à especialidade ou à continuidade registrária, o Oficial de Registro de
Imóveis, seguindo o critério da prudência e à vista dos demais documentos e
circunstâncias de cada caso, verificará se referidos documentos podem embasar o
registro da propriedade.
Princípio da especialidade objetiva.
Para Afrânio de Carvalho, o princípio da especialidade do imóvel
significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como
individualidade autônoma, com o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e,
portanto, heterogêneo em relação a qualquer outro (Reg de Imóveis: comentários ao
sistema de registro em face da Lei 6015/73, 2a ed., Rio de Janeiro, 1977, p. 219). Por
isso, o imóvel deve estar perfeitamente descrito no título objeto de registro de modo a
permitir sua exata localização e individualização, não se confundindo com nenhum
outro.
Narciso Orlandi Neto, ao citar Jorge de Seabra Magalhães, lembra que
"as regras reunidas no princípio da especialidade impedem que sejam registrados títulos
cujo objeto não seja exatamente aquele que consta do registro anterior. É preciso que a
caracterização do objeto do negócio repita os elementos de descrição constantes do
registro" (Narciso Orlandi Neto, Retificação do Registro de Imóveis, Juarez de Oliveira,
pág. 68).
Por esta razão, não se permite o registro de escritura pública que
descreva o imóvel de forma diferente da que consta no registro de imóveis ( CSM Ap.
Cível no 10.897/2010).
O art. 176, § 1º, II, 3, da LEI Nº 6.015/73, arrola os elementos de
identificação dos imóveis rural e urbano:
a - rural, o código do imóvel, os dados constantes do CCIR, a
denominação e suas características, confrontações, localização e área;
b - urbano, suas características e confrontações, localização, área,
logradouro, número e sua designação cadastral, se houver.
Como lembra Alyne Yumi Konno (Registro de Imóveis - Teoria e
Prática, Memória Jurídica, p. 20/21), tem-se admitido a mitigação da especialidade a
fim de não obstar o tráfego de transações envolvendo imóveis, permitindo-se a
manutenção de descrições imprecisas, constantes de antigas transcrições, quando da
abertura da matrícula, desde que haja elementos mínimos para se determinar a situação
do imóvel, e que ele seja transmitido ou onerado por inteiro, ou seja, desde que a nova
matriz a ser aberta o abranja por inteiro. Contudo, se o imóvel for objeto de
desmembramento, fusão ou instituição de condomínio, sua descrição deverá submeter-
se aos requisitos da LRP.
Nos autos do processo CG nº 1241/96, o então Juiz Auxiliar da
Corregedoria Francisco Eduardo Loureiro, hoje Desembargador, aprofundou o exame
da mitigação da especialidade:
Não se nega, portanto, a possibilidade de ser
descerrada matrícula com exata coincidência com o registro anterior,
em que pese a ausência de medidas perimetrais e da área de superfície.
O que não se admite é a criação de nova unidade imobiliária contendo
descrição perfeita, por fusão de matrículas, quando um dos imóveis
unificandos não dispõe de todas as medidas tabulares. Em termos
diversos, imóvel com figura imprecisa não pode gerar, por fusão ou
desmembramento, nova unidade com figura e descrição precisas.
... Logo, quando do descerramento de matrícula que
abranja a totalidade do imóvel, vale a descrição contida no registro
anterior, ainda que imperfeita, desde que suficiente para a identificação
do prédio. Quando, porém, criam-se novos imóveis decorrentes de
desmembramentos ou de fusões, as unidades segregadas ou unificadas
devem subordinar-se aos requisitos do artigo 176 da Lei n. 6.015/73.
Não há razão, em tais casos, para tolerar a imprecisão, porque o novo
prédio não mais tem identidade descritiva com o registro de origem.
Esse entendimento tem sido prestigiado e até ampliado pelo CSM e
pela Corregedoria Geral da Justiça, podendo-se citar a Apelação Cível nº 9000002-
16.2011.8.26.02961, em que o CSM admitiu o registro mesmo no caso em que a
descrição deficiente constava da matrícula e não de transcrição. O que importa é que a
descrição do título, ainda que precária, coincida com a do registro e seja suficiente para
identificar o imóvel.
1 Ainda: Ap. 0015003-54.2011.8.26.0278 , rel. Elliot Akel
Quando uma parte do imóvel é objeto de desapropriação, a parte
restante, chamada de remanescente, fica com a sua descrição prejudicada, isto é, deixa
de ser um corpo certo e perde a sua individualidade autônoma que o torna inconfundível
em relação a qualquer outro. A abertura de matrícula para essa área remanescente
depende da prévia retificação do registro, n forma do art. art. 213, § 7o , da Lei nº
6.015/73: Pelo mesmo procedimento previsto neste artigo poderão ser apurados os
remanescentes de áreas parcialmente alienadas, caso em que serão considerados como
confrontantes tão-somente os confinantes das áreas remanescentes.
É importante frisar que, ainda que o laudo apresentado na ação de
desapropriação descreva a área remanescente, se a descrição for discrepante das
medidas contidas na matrícula, o registrador pode exigir que a abertura da matrícula seja
precedida de retificação do registro - judicial ou administrativa - para que se apure a
área remanescente (CSM Ap. Cível no 0005861-92.2012.8.26.0180).
Questão recorrente nas dúvidas registrais diz respeito à necessidade da
prévia averbação da edificação na matrícula do imóvel como condição do registro do
título que não a menciona. Nos autos da Apelação Cível no
0000070-28.2012.8.26.0606,
o CSM reputou possível o registro do instrumento particular de compra e venda
independentemente da prévia averbação da construção por considerar que se trata de
realidade extratabular estranha à qualificação registral, bastando a que a descrição do
título coincida com a do registro de imóveis. Entende-se, nestes casos, que "Se houve
ampliação da construção, a correspondente averbação deverá ser feita oportunamente, à
vista do "habite-se", e a requerimento do interessado, respeitado o princípio da
instância, ocasião em que será exigível a comprovação da inexistência de débito junto
ao INSS." (CSM Ap. Cível no 34.252-0/3).
Nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, o princípio
da especialidade objetiva pode ser encontrado, por exemplo, nos seguintes itens do
Capítulo XX:
12.1. O acesso ao fólio real de atos de transferência,
desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais dependerá de
apresentação de memorial descritivo elaborado, executado e assinado por profissional
habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) no Conselho
Regional de Engenharia e Agronomia (CREA) ou Registro de Responsabilidade
Técnica (RRT) no Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), contendo as
coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas
ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional estabelecida pelo INCRA,
observados os prazos regulamentares.
12.1.1. A descrição precária do imóvel rural, desde que identificável
como corpo certo, não impede o registro de sua alienação ou oneração, salvo quando
sujeito ao georreferenciamento ou, ainda, quando a transmissão implique atos de
parcelamento ou unificação, hipóteses em que será exigida sua prévia retificação.
280. Para atendimento ao princípio da especialidade, o oficial de
registro de imóveis adotará o memorial descritivo da gleba apresentado com o projeto
de regularização fundiária, devendo averbá-lo anteriormente ao registro do projeto,
dispensando-se requerimento e procedimento autônomos de retificação e notificação de
confrontantes.
280.1. Havendo dúvida quanto à extensão da gleba matriculada, em
razão da precariedade da descrição tabular, o oficial de registro de imóveis abrirá nova
matrícula para área destacada, averbando referido destaque na matrícula matriz.
280.2. A precariedade da descrição tabular não é elemento suficiente
para que o Oficial de Registro de Imóveis notifique os confrontantes, salvo se ficar
demonstrado que algum deles foi, em tese, atingido ou que a área do projeto de
regularização é superior a área do imóvel.
Princípio da especialidade subjetiva.
O princípio da especialidade, diretamente ligado ao princípio da
continuidade, pode ser dividido em duas espécies: a especialidade objetiva e a
especialidade subjetiva. Sobre a primeira, já se falou. Tratemos da segunda.
A especialidade subjetiva impõe que na matrícula conste, como
requisito necessário, o nome, domicílio e nacionalidade do proprietário. Cuidando-se de
pessoa física, seu estado civil, profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas
Físicas do Ministério da Fazenda ou do Registro Geral da cédula de identidade, ou, à
falta desse, sua filiação. Tratando-se de pessoa jurídica, a sede social e o número de
inscrição no Cadastro Geral de Contribuintes do Ministério da Fazenda (art. 176, II, 4,
alíneas ‘a’ e ‘b’, da Lei nº 6.015/73.
Via de consequência, para que seja preservada a continuidade, no
título a ser eventualmente registrado perante a matrícula deve constar essa mesma
qualificação completa das partes.
Assim, por exemplo, em uma escritura de compra e venda a
qualificação do vendedor, proprietário, deve ser idêntica à qualificação que consta da
matrícula. Eventual divergência implica a necessidade de retificação.
Pense-se, ainda a título de ilustração, na pretensão de registro de um
formal de partilha. O decurso do tempo faz com que o estado civil do proprietário possa
ter sido alterado. Será o caso, nessa hipótese, de prévia atualização do estado civil –
com a apresentação de averbação de divórcio do falecido, por exemplo – a fim de que se
preserve não somente a especialidade subjetiva, mas, também, a continuidade.
Aliás, é por isso que se diz que ambos os princípios estão intimamente
ligados. É por meio da preservação da especialidade subjetiva que se assegura que a
continuidade não será quebrada, transmitindo-se a propriedade apenas através daquele
que possuir, de fato, tal direito. Vale dizer, garante-se que a pessoa que transmite um
direito dele figure como titular no registro imobiliário, seja a transmissão decorrente de
ato voluntário ou não.
Sobre o significado do princípio da continuidade, ensina Afrânio de
Carvalho:
“O princípio da continuidade, que se apóia no de especialidade, quer
dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma
cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o
outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas
transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do
imóvel no patrimônio do transferente. Ao exigir que cada inscrição encontre sua
procedência em outra anterior, que assegure a legitimidade da transmissão ou da
oneração do direito, acaba por transformá-la no elo de uma corrente ininterrupta de
assentos, cada um dos quais se liga ao seu antecedente, como o seu subseqüente a ele
se ligará posteriormente. Graças a isso o Registro de Imóveis inspira confiança ao
público” (Registro de Imóveis, 4ª edição, Ed.Forense, 1998, pág. 253).
Desta noção não se afasta Narciso Orlandi Neto, para quem:
“Existe uma inteiração dos princípios da especialidade e da
continuidade na formação da corrente filiatória. Quando se exige a observância da
continuidade dos registros, exige-se que ela diga respeito a um determinado imóvel. O
titular inscrito, e só ele, transmite um direito sobre um bem específico, perfeitamente
individualizado, inconfundível, sobre o qual, de acordo com o registro, exerce o direto
transmitido. É por este corolário dos princípios da continuidade e da especialidade,
reunidos, que o §2º do art. 225 da Lei n. 6.015/73 dispõe: ‘Consideram-se irregulares,
para efeito de matrícula, os títulos nos quais a caracterização do imóvel não coincida
com a que consta do registro anterior.” (Retificação do registro de imóveis, Ed. Juarez
de Oliveira, 2ª ed., 1999, p. 67/68)
Contudo, tem entendido o Conselho Superior da Magistratura que o
princípio da especialidade subjetiva não pode ser levado às últimas consequências e,
acima de tudo, não pode ser tido como um fim em si mesmo.
Ao contrário, ainda que em circunstâncias excepcionais, a
especialidade subjetiva deve ser temperada pelo princípio da razoabilidade, de modo a
que não se impossibilitem os registros.
O juízo de razoabilidade deve se dar entre os valores a que visa
garantir o principio da especialidade subjetiva – a continuidade e a segurança jurídica –
e as circunstâncias do caso concreto, a indicarem, eventualmente, que essa mesma
segurança pode ser vulnerada pelo excessivo rigor, a impedir o registro.
Nesse sentido, precedente paradigma do Conselho:
REGISTRO DE IMÓVEIS - Carta de adjudicação -Promitente
vendedor falecido - CPF/MF inexistente - Exigência afastada - Impossibilidade de
cumprimento pela apresentante - Princípio da segurança jurídica - Princípio da
razoabilidade - Dúvida improcedente - Recurso provido. (Apelação n° 0039080-
79.2011.8.26.0100, CSM, rel. Des. José Renato Nalini, 20/09/2012).
“(...) Assim, para não sacrificar a segurança jurídica e a publicidade,
é de rigor flexibilizar, in concreto, a severidade do princípio da especialidade subjetiva,
dispensado a informação sobre o número do CPF/MF de Henri Marie Octave
Sannejouand, cujo número de inscrição do Registro Geral é, de mais a mais, conhecido
e consta da matrícula do imóvel (RG n.º 75.149 - mod. 19 - fls. 07), em sintonia com a
carta de arrematação (fls. 23). A especialidade subjetiva, se, na hipótese, valorada com
excessivo rigor, levará, em desprestígio da razoabilidade, até porque a exigência não
pode ser satisfeita pela interessada, ao enfraquecimento do princípio da segurança
jurídica, o que é um contrassenso. Com a exigência, o que se perde, confrontado com o
ganho, tem maior importância, de sorte a justificar a reforma da sentença: a garantia
registaria é instrumento, não finalidade em si, preordenando-se a abrigar valores cuja
consistência jurídica supera o formalismo (...)”.
Pertinente, ademais, ao se tratar do princípio da especialidade
subjetiva, enfatizar que no sistema dos registros públicos vige o princípio tempus regit
actum, segundo o qual, na qualificação do título, incidem as exigências contemporâneas
ao registro, e não as que vigoravam quando de sua lavratura.
O Conselho Superior da Magistratura tem considerado que, para fins
de registro, não importa o momento da celebração do contrato, pois é na data da sua
apresentação ao registro que será analisado, em atenção ao princípio “tempus regit
actum”, sujeitando-se o título à lei vigente ao tempo da apresentação do título (Apelação
Cível nº, 115-6/7, rel. José Mário Antonio Cardinale, nº 777-6/7, rel. Ruy Camilo, nº
530-6/0, rel. Gilberto Passos de Freitas, e, mais recentemente, nº 0004535-
52.2011.8.26.0562).
Mas cabe a ressalva de que esse princípio “tem exceções, como, por
exemplo, o expressamente disposto no art. 176, §2º, da Lei 6.015/73, que criou uma
regra de transição entre a legislação anterior (Decreto 4.857/39) e a Lei de Registros
Públicos que, à época, trouxe tantas novações que poderiam interromper as transações
imobiliárias pela inviabilização do registro de títulos anteriores se não fosse
preservada a validade dos títulos antigos ainda não registrados, estabelecendo o
referido dispositivo legal que ‘para a matrícula e registro de escrituras e partilhas,
lavradas ou homologadas na vigência do Decreto nº 4.857, de 9 de novembro de 1939,
não serão observadas as exigências deste artigo, devendo tais atos obedecer ao
disposto na legislação anterior.” (KONNO, Alyne Yumi, Registro de imóveis, teoria e
prática, Ed. Memória Jurídica, 2007, p. 42)
Itens das Normas que tratam da especialidade subjetiva: Capítulo XX
– Registro de Imóveis
63. A qualificação do proprietário, quando se tratar de pessoa física, referirá ao seu
nome civil completo, sem abreviaturas, nacionalidade, estado civil, profissão, residência
e domicílio, número de inscrição no Cadastro das Pessoas Físicas do Ministério da
Fazenda (CPF), número do Registro Geral (RG) de sua cédula de identidade ou, à falta
deste, sua filiação e, sendo casado, o nome e qualificação do cônjuge e o regime de bens
no casamento, bem como se este se realizou antes ou depois da Lei nº 6.515, de 26 de
dezembro de 1977.
63.1. Sendo o proprietário casado sob regime de bens diverso do legal, deverá ser
mencionado o número do registro do pacto antenupcial no Cartório de Registro de
Imóveis competente, ou o dispositivo legal impositivo do regime, bem como na
hipótese de existência de escritura pública que regule o regime de bens dos
companheiros na união estável.
63.2. As partes serão identificadas por seus nomes corretos, não se admitindo
referências dúbias, ou que não coincidam com as que constem dos registros imobiliários
anteriores (p. ex: que também assina e é conhecido) a não ser que tenham sido
precedentemente averbadas no Registro Civil das Pessoas Naturais e seja comprovada
por certidão ou que de outra forma o oficial constate tratar-se da mesma pessoa.
63.3 Deverá ser sempre indicado o número de inscrição no CPF, sendo obrigatório para
as pessoas físicas participantes de operações imobiliárias, até mesmo na constituição de
garantia real sobre imóvel, inclusive das pessoas físicas estrangeiras, ainda que
domiciliadas no exterior (Instrução Normativa RFB nº 864, de 25 de julho de 2008, art.
3º, IV e XII, "a").
64. Quando se tratar de pessoa jurídica, além do nome empresarial, será mencionada a
sede social e o número de inscrição do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) do
Ministério da Fazenda.1
64.1. Deverá ser indicado o número de inscrição no CNPJ das pessoas jurídicas
domiciliadas no exterior participantes de operações imobiliárias, inclusive na
constituição de garantia real sobre imóvel (Instrução Normativa RFB nº 748, de 28 de
julho de 2007, art. 11, XIV, "a", 1).
64.2. Não constando do registro anterior os elementos indispensáveis à identificação das
partes, e não tendo o tabelião, nas escrituras públicas, atestado a identidade por
conhecimento pessoal e afirmado por fé pública tratar-se da mesma pessoa constante do
registro, ou promovida a identificação na forma do § 5º do art. 215 do Código Civil,
podem os interessados completá-los exclusivamente com documentos oficiais. Havendo
necessidade de produção de provas, a inserção dos elementos identificadores somente
será feita mediante retificação do título que deu origem ao registro, ou por retificação do
registro.
Princípio da Inscrição ou do Registro.
O princípio da inscrição ou do registro decorre da regra segundo a
qual a transmissão de um direito real por ato entre vivos somente se dá a partir da
inscrição do título translativo no Registro de Imóveis competente.
Tal princípio está expresso no caput e no §1º do art. 1.245 do Código
Civil:
Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a
propriedade mediante o registro do título translativo no Registro
de Imóveis.
§1º Enquanto não se registrar o título translativo,
o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.
Em verdade, não apenas a transmissão da propriedade, mas a
constituição, modificação, extinção dela ou de direitos reais sobre imóveis apenas se
concretizam com o registro (LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos: teoria e
prática. 5ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 300).
Para ser válido, o registro deve ser efetuado no cartório de registro de
imóveis competente, isto é, da circunscrição do imóvel. Nos casos em que o imóvel se
situar em mais de uma circunscrição, deve ser registrado em todas.
Assim, não é suficiente apenas a lavratura da escritura. Para a
aquisição da propriedade, o comprador deve registrá-la no cartório competente.
Não há prazo legal para que o registro seja efetuado. A prudência,
entretanto, recomenda que seja feito o mais rápido possível para que o adquirente não
venha a se tornar proprietário de um imóvel onerado por, digamos, uma penhora que na
época da lavratura da escritura de venda e compra ainda não existia (LOUREIRO, Luiz
Guilherme. Registros Públicos: teoria e prática. 5ª edição. Rio de Janeiro: Forense,
2014, p. 301).
Nas transmissões entre vivos, portanto, o registro tem efeito
constitutivo.
Nesse sentido:
“O princípio da inscrição está positivado no caput e no §1º do artigo
em exame. Traduz o caráter constitutivo do registro imobiliário, ou seja, a transmissão
e a constituição de direitos reais sobre imóveis por ato entre vivos e derivado somente
se dão com o registro, salvo exceções legais, como o casamento pelo regime da
comunhão universal de bens” (LOUREIRO, Francisco Eduardo. Código Civil
Comentado. Barueri: Manole, 2007, p. 1081).
Importante lembrar que, diferentemente, nos casos de sucessão
legítima ou testamentária, ou ainda da usucapião, o registro tem caráter apenas
declaratório. Na sucessão, o herdeiro adquire a propriedade automaticamente com a
morte do autor da herança, pelo instituto da saisine (art. 1.784 do Código Civil), antes
mesmo do registro do formal de partilha. Na usucapião, a sentença declara a
propriedade adquirida pelo possuidor pelo exercício da posse ad usucapionem, sem
oposição, pelo prazo legal.
De toda forma, em quaisquer dos casos, o registro é obrigatório, pois,
mesmo nas hipóteses em que ele tem caráter apenas declaratório, o herdeiro ou pessoa
que adquiriu por usucapião, não poderão alienar o bem sem antes providenciarem na
matrícula a passagem do imóvel para seus respectivos nomes, sob pena de se infringir o
princípio da continuidade. Afinal, só quem é o proprietário na matrícula pode alienar
por ato entre vivos. Mesmo nos casos de transmissões causa mortis e de aquisições
originárias, portanto, o registro é necessário para a publicidade em relação a terceiros e
para a garantia da disponibilidade pelos titulares.
Vide art. 172 da Lei dos Registros Públicos (6.015/73):
No Registro de Imóveis serão feitos, nos termos
desta Lei, o registro e a averbação dos títulos ou atos constitutivos,
declaratórios, translativos e extintivos de direitos reais sobre
imóveis reconhecidos em lei, inter vivos ou mortis causa, quer para
sua constituição, transferência ou extinção, quer para sua validade
em relação a terceiros, quer para sua disponibilidade.
Legislação pertinente: Artigos 1.227, 1.245 a 1.247 do Código Civil,
Artigo 172 da Lei 6.015/73.
Jurisprudência:
EMENTA. REGISTRO DE IMÓVEIS - Qualificação de título judicial
- Carta de arrematação - Imóvel arrematado que não pertence mais, em sua totalidade,
ao executado - Parte da área, anteriormente, arrematada e adjudicada, conforme
registros já concretizados - Irrelevância da alegação de que a arrematação geradora do
título ora apresentado foi efetuada antes das demais - Prevalência dos registros
primeiramente realizados - Incidência dos princípios da inscrição, da prioridade
(anterioridade) e da continuidade - Exigência, outrossim, de apresentação de Certificado
de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR) e de prova de pagamento do Imposto Territorial
Rural (ITR) dos últimos cinco anos - Recusa procedente - Recurso não provido
(CSMSP - APELAÇÃO CÍVEL: 1.140-6/8, data do julgamento: 15/09/2009, Relator:
Reis Kuntz).
Registro de Imóveis - Dúvida - Escritura de venda e compra lavrada
no ano de 1.986 - Apresentação a registro na vigência da Lei n° 8.212/91 - Necessidade
de apresentação da certidão negativa de débitos junto à Receita Federal - Inexistência de
direito adquirido, em ato complexo não consumado por inteiro - Aplicação da lei
vigente ao tempo do registro - Registro inviável - Recurso improvido (CSMSP -
APELAÇÃO CÍVEL 35.714-0/0, data do julgamento: 30/12/1996, Relator: Márcio
Martins Bonilha).
EMENTA NÃO OFICIAL. Princípio da inscrição. A transmissão do
direito real por ato inter-vivos só se opera mediante o registro do título translativo no
registro de imóveis. A Corregedoria Permanente exerce função correcional da atividade
registral e tem incumbência de fazer cumprir as ordens legais de indisponibilidade de
modo que lhe falece competência para determinar o levantamento da indisponibilidade
decretadas por outros juízos. Apenas quem determinou a indisponibilidade, na forma da
lei, poderá decidir a respeito do seu levantamento (1ª VRPSP - PROCESSO:
100.09.340826-8, data do julgamento: 13/01/2010, Juiz Gustavo Henrique Bretas
Marzagão).
Vale enfatizar, por fim, que outro princípio, intimamente ligado ao da
inscrição/registro, é o da presunção.
Os dois dizem respeito aos efeitos do registro, mas enquanto o
princípio da inscrição informa a eficácia constitutiva do registro (art. 1.245 e §1º do
Código Civil), o princípio da presunção tem relação com a sua força probante.
Ele está previsto no §2º do art. 1.245 do Código Civil:
Enquanto não se promover, por meio de ação
própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo
cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do
imóvel.
Como explica Luiz Guilherme Loureiro, “o registro, mesmo eivado de
nulidade, produz efeitos enquanto não se providenciar a declaração judicial de
nulidade e consequente cancelamento da inscrição” (Registros Públicos: teoria e prática.
5ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 302).
E nas palavras de Francisco Eduardo Loureiro, o registro “enquanto
não for cancelado, produz todos seus efeitos, como reza o art. 252 da Lei n. 6.015/73.
Em razão da natureza causal do registro, a presunção é meramente relativa, pois
anulado ou resolvido o direito constante do título, cancela-se o registro dele produto. O
cancelamento, se não for voluntário, depende de decisão judicial, e, segundo o preceito
em estudo, deve ser promovido por meio de ação própria.
O termo ação própria deve ser interpretado com cautela, pois em
determinados casos, de nulidade absoluta do título, sua invalidade e, por consequência,
o cancelamento do registro podem ser reconhecidos de modo incidente em ação
judicial. Além disso, o art. 214 da Lei de Registros Públicos, com a redação que lhe deu
a recente Lei n. 10.931/2004, dispõe que o cancelamento do registro pode ser feito pelo
Juiz Corregedor Permanente independentemente de ação própria, desde que ouvidos os
atingidos. Deve, portanto, ser feita importante distinção. Se o vício for do título,
atingindo o registro apenas de modo reflexo, se exige comando de cancelamento na
esfera jurisdicional, mediante reconhecimento principal ou incidente em ação judicial.
Caso, porém, o vício seja do próprio mecanismo de registro, por ofensa aos princípios
registrários ou erro do exame qualificador do oficial registrador, o cancelamento pode
ocorrer na esfera administrativa, perante o Juiz Corregedor Permanente, após oitiva
dos atingidos” (Código Civil Comentado, Barueri: Manole, 2007, p. 1081/1082).
A presunção, repise-se, é relativa e, com tal, “admite prova em
contrário. Esta possibilidade, todavia, é ônus de quem contesta o teor do registro.
Inverteu-se o ônus da prova. Compete a quem nega a presunção provar que o direito
real não existe ou não pertence ao titular inscrito” (ORLANDI NETO, Narciso.
Retificação do registro de imóveis. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 1999, p. 71).
Legislação pertinente:
Código Civil:
Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro
do título translativo no Registro de Imóveis.
§ 1o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua
a ser havido como dono do imóvel.
§ 2o Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a
decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua
a ser havido como dono do imóvel.
Lei de Registros Públicos:
Art. 252. O registro, enquanto não cancelado, produz todos os efeitos
legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto
ou rescindido.
Jurisprudência:
REGISTRO DE IMÓVEIS - Escritura pública com descrição idêntica
à contida na matrícula - Necessidade de aperfeiçoamento da descrição que não impede
sua individualização - Princípio da Especialidade Objetiva atendido - Existência de
registros anteriores baseados na mesma descrição - Ausência de prejuízo a terceiros -
Princípio da Fé Pública - Dispensa de apresentação das CNDs do INSS e conjunta
relativa aos tributos federais e à dívida ativa da União por representar sanção política -
Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Órgão Especial do TJSP - Modificação
do entendimento do Conselho Superior da Magistratura - Recurso provido (CSMSP -
APELAÇÃO CÍVEL: 0003435-42.2011.8.26.0116, data do julgamento: 13/12/2012,
Relator: José Renato Nalini).
REGISTRO DE IMÓVEIS - Escritura pública de compra e venda com
descrição idêntica à contida na matrícula - Necessidade de aperfeiçoamento da
descrição que não impede sua individualização - Princípio da Especialidade Objetiva
atendido - Existência de registros anteriores prejuízo a terceiros - Princípio da Fé
Pública - Recurso provido (CSMSP - APELAÇÃO CÍVEL: 0021235-
27.2012.8.26.0576, data do julgamento: 08/11/2012, Relator: José Renato Nalini).
REGISTRO DE IMÓVEIS - Pedido de anulação do registro de carta
de arrematação - Compromisso particular de compra e venda que havia sido prenotado
anteriormente - Nulidade que só pode ser reconhecida na via administrativa quando se
apresenta estreme de dúvidas - Insuficiência de elementos que permitam concluir pela
existência do vício - Prevalência do princípio da presunção de fé pública - Recurso não
provido (CGJSP - PROCESSO: 9.849/2009, data do julgamento: 30/04/2010, parecer
elaborado pelo então Juiz Assessor Marcus Vinicius Rios Gonçalves, aprovado pelo
Corregedor Geral Desembargador Munhoz Soares).
Princípio da Legalidade.
Na esfera registraria, o princípio da legalidade assume a função
atribuída ao registrador de exercer o controle de legalidade sobre os títulos que
ingressam para registro na serventia imobiliária. Como destaca Narciso Orlandi Neto,
“estabelece a lei, pois, um filtro de legalidade para os títulos, sujeitando-os, antes do
registro, à qualificação” (ORLANDI NETO, Narciso. Retificação do registro de
imóveis. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 1999, p. 74).
Segundo Luiz Guilherme Loureiro, “na esfera do direito registral, o
princípio da legalidade pode ser definido como aquele pelo qual se impõe que os
documentos submetidos ao Registro devem reunir os requisitos exigidos pelas normas
legais para que possam aceder à publicidade registral. Destarte, para que possam ser
registrados, os títulos devem ser submetidos a um exame de qualificação por parte do
registrador, que assegure sua validade e perfeição (LOUREIRO, Luiz Guilherme.
Registros Públicos: teoria e prática. 5ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 307).
Embora não esteja previsto expressamente na Lei n. 6.015/73,
decorrem do princípio da legalidade, por exemplo, as determinações previstas no artigo
189, relacionada à disputa de grau entre hipotecas; no artigo 190 quanto aos direitos
contraditórios; as cautelas quanto ao instrumento e a forma dos títulos, conforme artigos
193 e 194, assim como os requisitos do registro, que devem observar outros princípios
registrarios como o da continuidade (artigo 195) e o da especialidade (artigo 196) – op.
cit., p. 74, extraindo-se, nesses últimos casos, também, o princípio da legalidade.
Da mesma forma, os títulos judiciais também devem observar o
princípio da legalidade, o que é feito por meio da qualificação. Todavia, nesse caso,
como destaca Narciso Orlandi Neto “o limite, evidentemente, é a atividade jurisdicional,
porque o registrador não pode qualificar negativamente título judicial por pretensa
ilegalidade de sentença ou de decisão, ou ainda por pretensa inobservância do processo
legal, como, por exemplo, a falta de intimação do credor hipotecário na arrematação do
bem hipotecado, em execução de título de credor quirografário; a falta de citação do
proprietário no usucapião extraordinário” (ORLANDI NETO, Narciso. Retificação do
registro de imóveis. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 1999, p. 76).
Pertinente, novamente, a lição de Luiz Guilherme Loureiro, no sentido
de que “a legalidade em matéria registral aplica-se a todo procedimento registral, mas
tem seu ápice no denominado “exame de qualificação”, no qual o registrador faz o
controle da legalidade do título submetido a registro. No que tange ao exame do
documento, o fundamento do princípio da legalidade se funda na necessidade de que os
assentos registrais concordem com a realidade externa ao registro, evitando que
ingressem documentos carentes de validade ou de autenticidade. O exame ou análise
que o registrador realiza para tornar efetivo o princípio da legalidade é denominado
“qualificação” e a função do registrador que examina o documento apresentado a
registro é chamada de função qualificadora” (LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros
Públicos: teoria e prática. 5ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 307-308).
Legislação: Artigos 176, 189, 190, 193, 194, 195, todos da Lei nº
6.015/73.
Jurisprudência do CSM e da CGJ:
Loteamento - registro. Ação penal - crime contra a Administração
pública. Princípio da legalidade.
CSMSP - APELAÇÃO CÍVEL: 0005984-
59.2013.8.26.0664 LOCALIDADE: Votuporanga
DATA JULGAMENTO: 18/03/2014
Relator: Elliot Akel
REGISTRO DE IMÓVEIS - DÚVIDA - RECUSA DE REGISTRO
DE LOTEAMENTO - AÇÃO PENAL AJUIZADA CONTRA O ANTIGO
PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL, REFERENTE A CRIME CONTRA A
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - EXPRESSA VEDAÇÃO DO REGISTRO - ARTIGO
18, INCISO III, "C", E §2º, DA LEI 6.766/79 - EXAME DOS ASPECTOS FORMAIS
E OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE PELO OFICIAL - RECUSA
CORRETA - RECURSO NÃO PROVIDO.
Parcelamento do solo urbano - loteamento irregular. Escritura de
compra e venda. Princípio da legalidade.
CSMSP - APELAÇÃO CÍVEL: 0004331-
36.2009.8.26.0543 LOCALIDADE: Santa Isabel
DATA JULGAMENTO: 18/03/2014
Relator: Elliot Akel
REGISTRO DE IMÓVEIS - Escritura de compra e venda -
Loteamento irregular - Inobservância à legislação vigente - Registro indevido de outros
títulos no passado que não autorizam ratificar o erro - Necessidade de regularização -
Dúvida procedente - Recurso não provido.
Imóvel rural. Usufruto. Estrangeiro. INCRA - autorização.
CSMSP - APELAÇÃO CÍVEL: 0009584-
92.2012.8.26.0189 LOCALIDADE: Fernandópolis
DATA JULGAMENTO: 10/12/2013 DATA DJ: 04/02/2014
Relator: José Renato Nalini
Legislação:
LAIRE - Lei de aquisição de imóvel rural por estrangeiro |
5.709/1971, ART: 9º,INC: II
Registro de Imóveis - Dúvida julgada procedente - Negativa de
registro de escritura pública de venda e compra de imóvel rural - Aquisição de usufruto
por estrangeiro - Desnecessidade da autorização expedida pelo INCRA -
Princípio da legalidade estrita - Recurso provido.
Compra e venda - escritura pública. Cadastro municipal. Imóvel rural
- destinação - INCRA. Qualificação registral. Procedimento administrativo -
inconstitucionalidade.
CSMSP - APELAÇÃO CÍVEL: 0062099-
96.2012.8.26.0224 LOCALIDADE: Guarulhos CIRC.: 1º
DATA JULGAMENTO: 10/12/2013 DATA DJ: 06/02/2014
Relator: José Renato Nalini
Registro de Imóveis - Dúvida julgada procedente - Negativa de
registro de escritura pública de venda e compra de imóvel - Falta de cadastro perante a
Prefeitura previsto em lei municipal - Existência de inscrição junto ao INCRA - Imóvel
tipicamente rural - Princípio da Legalidade estrita - Recurso provido.
Alienação fiduciária - aditamento - cláusula mandato. Nulidade.
Novação objetiva. Contrato de adesão - direito dos consumidores. SFH. Qualificação
registral - aspectos intrínsecos. Boa-fé objetiva.
CGJSP - PROCESSO: 146.225/2013 LOCALIDADE: São
Paulo CIRC.: 8
DATA JULGAMENTO: 03/12/2013 DATA DJ: 13/12/2013
Relator: José Renato Nalini
Legislação:
CDC - Código de Defesa do Consumidor |
8.078/1990, ART: 51, INC: IV
LRP - Lei de Registros Públicos |
6.015/1973, ART: 167, INC: II, ITEM: 15
REGISTRO DE IMÓVEIS - Apelação conhecida como recurso administrativo -
Averbação de aditamento ao instrumento particular de pacto adjeto de alienação
fiduciária em garantia e outras avenças - Cláusula-mandato - Nulidade de pleno direito -
Novação - Título sujeito a registro - Inscrição condicionada ao prévio cancelamento do
registro constitutivo da anterior propriedade fiduciária (artigo 252 da Lei n.º
6.015/1973) - Alíneas 15 e 30 do inciso II do artigo 167 da Lei n.º 6.015/1973 -
Inaplicabilidade - Desqualificação registral ratificada - Princípio da legalidade - Recurso
desprovido.
Condomínio - área de uso exclusivo. Uso - averbação.
CGJSP - PROCESSO: 76.535/2013 LOCALIDADE: São
Paulo CIRC.: 10
DATA JULGAMENTO: 29/10/2013 DATA DJ: 08/11/2013
Relator: José Renato Nalini
Legislação:
CCB - Código Civil Brasileiro | 10.406/2002, ART: 1.331, PAR: 5
Registro de Imóveis - Procedimento administrativo em que se questiona a averbação de
uso exclusivo de condômino em área comum - Descrição que guarda relação com o
título original, não comportando retificação - Princípio da legalidade - Recurso não
provido.
Princípio da prioridade.
O princípio da prioridade tem a principal finalidade de evitar conflitos
de títulos contraditórios, que são aqueles incompatíveis entre si ou reciprocamente
excludentes, referentes ao mesmo imóvel. A prioridade se apura no protocolo do
Registro de Imóveis, de acordo com a ordem de seu ingresso. A Lei de Registros
Públicos disciplina a matéria e estabelece regras que devem ser observadas pelos
Oficiais.
De acordo com a lição de Afrânio de Carvalho - “O princípio da
prioridade significa que, num concurso de direitos reais sobre um imóvel, estes não
ocupam todos o mesmo posto, mas se graduam ou classificam por uma relação de
precedência fundada na ordem cronológica do seu aparecimento: prior tempore potior
jure. Conforme o tempo em que surgirem, os direitos tomam posição no registro,
prevalecendo os anteriormente estabelecidos sobre os que vierem depois.” (4ª ed.,
Editora Forense, 1998, p.181).
Os artigos 182, 183 e 174 da Lei de Registros Públicos dispõem,
respectivamente, que “Todos os títulos tomarão, no Protocolo, o número de ordem que
lhes competir em razão da sequência rigorosa de sua apresentação”, que “Reproduzir-
se-á, em cada título, o número de ordem respectivo e a data de sua prenotação”, e que
“O Livro n. 1 – Protocolo – servirá para apontamento de todos os títulos apresentados
diariamente, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 12 desta Lei.”.
Os artigos 11 e 12 dispõem, respectivamente, que “Os oficiais
adotarão o melhor regime interno de modo a assegurar às partes a ordem de
precedência na apresentação de seus títulos, estabelecendo-se, sempre, o número da
ordem geral” e que “Nenhuma exigência fiscal, ou dúvida, obstará a apresentação de
um título e o seu lançamento do Protocolo com o respectivo número de ordem, nos
casos em que da precedência decorra prioridade de direitos para o apresentante”.
Extrai-se da leitura e interpretação destes dispositivos legais a regra de
que todos os títulos apresentados são obrigatoriamente lançados no Livro de Protocolo e
que a ordem de apresentação mediante atribuição de um número deve ser rigorosamente
respeitada. A finalidade é de dar publicidade à situação jurídica que possibilita a
atribuição dos efeitos que o ordenamento jurídico lhes concede e que gera direitos que
terão repercussões na transmissão ou na oneração dos imóveis. Afrânio de Carvalho, na
mesma obra citada, diz que “A sua caracterização é originariamente registral, pois se
funda na ordem cronológica de apresentação e prenotação dos títulos no protocolo,
sendo irrelevante a ordem cronológica de sua feitura ou instrumentalização, vale dizer, a
seqüência da data dos títulos. A ordem de apresentação , comprovada pela numeração
sucessiva do protocolo, firma, pois, a posição registral do título relativamente a
qualquer outro que já esteja ou venha a apresentar-se no registro. Se essa posição lhe
assegurar prioridade, correlatamente lhe assegurará a inscrição, contanto que o resultado
final do exame da legalidade lhe seja favorável.” (p.182 e 183).
Assim, de acordo com os exemplos mencionados na mesma obra
citada de Afrânio de Carvalho, se um imóvel é vendido pelo proprietário, primeiro para
“A” e posteriormente para “B”, porém, este se adianta e apresenta o seu título para
registro antes do primeiro, é ele, “B”, que terá prioridade, caso a escritura apresentada
esteja apta para ingressar no registro, ainda que lavrada em data posterior à escritura de
venda à “A”, e se tornará proprietário. Na hipótese de o vendedor ter, ainda que depois
de vendido o imóvel, instituído servidão de passagem em favor do vizinho ou
constituído hipoteca, caso o vizinho ou o credor hipotecário apresente o título antes da
apresentação da escritura de compra e venda, a transmissão da titularidade do domínio
ocorrerá com a oneração da servidão ou gravado pela hipoteca.
Em suma, a prioridade favorece aquele que apresenta primeiro o título
para registro, e não a preeminência do direito.
A prenotação do título é o ato que garante prioridade desses direitos,
razão pela qual não pode em hipótese alguma o Oficial recusar o lançamento no
protocolo no momento da apresentação, salvo na hipótese excepcional prevista no
parágrafo único do artigo 12, pelo qual “Independem de apontamento no Protocolo os
títulos apresentados apenas para exame e cálculo dos respectivos emolumentos.”.
Somente neste caso e desde que haja expresso requerimento do interessado de que seja
feito apenas o exame e cálculo dos emolumentos, não deve ser feita a prenotação do
título, por inexistir nesta hipótese interesse em relação à precedência do registro.
O interessado tem o direito de receber e o Oficial de entregar, no
momento da apresentação de um título para registro, documento comprobatório deste
ato, com os dados pertinentes, notadamente a data e o número da prenotação. Todos os
títulos ingressados no Serviço de Registro de Imóveis, quer para fins de prenotação quer
para fins exclusivos de exame e cálculo dos emolumentos, devem ser examinados de
acordo com a precedência, em observância ao princípio da igualdade dos usuários
perante o serviço público. O Livro de Recepção de Títulos foi instituído pela
Corregedoria Geral da Justiça com a finalidade de assegurar o efetivo controle dos
títulos e do prazo legal.
O artigo 188 da Lei de Registros Públicos estabelece que
protocolizado o título, este deve ser registrado no prazo de trinta dias, salvo nos casos
previstos nos artigos seguintes. A prioridade persiste pelo prazo de trinta dias contados
do lançamento no protocolo, conforme previsto no artigo 205 da Lei de Registros
Públicos - “Cessarão automaticamente os efeitos da prenotação se, decorridos trinta
dias do seu lançamento no Protocolo, o título não tiver sido registrado por omissão do
interessado em atender às exigências legais.” Este dispositivo compreende também os
atos de averbação.
Os artigos 189, 190 e 191, que também tratam da prioridade, assim
dispõem:
“Art.189. Apresentado título de segunda hipoteca, com referência
expressa à existência de outra anterior, o oficial, depois de prenotá-lo, aguardará
durante 30 (trinta) dias que os interessados na primeira promovam a inscrição.
Esgotado esse prazo, que correrá da data da prenotação, sem que seja apresentado o
título anterior, o segundo será inscrito e obterá preferência sobre aquele.”
“Art.190. Não serão registrados, no mesmo dia, títulos pelos quais se
constituam direitos reais contraditórios sobre o mesmo imóvel.”
“Art.191. Prevalecerão, para efeito de prioridade de registro, quando
apresentados no mesmo dia, os títulos prenotados no Protocolo sob número de ordem
mais baixo, protelando-se o registro dos apresentados posteriormente, pelo prazo
correspondente a, pelo menos, um dia útil.”
A prenotação subsiste também, na hipótese de suscitação de dúvida,
prevista no artigo 198 da Lei de Registros Públicos, pois, se julgada improcedente, a
prioridade fará com que os efeitos da prenotação retroajam à data da protocolização do
título. Na hipótese de ser julgada procedente, a prenotação será cancelada (artigo 203 da
Lei de Registros Públicos). Subsiste, ainda, a prenotação, na hipótese do artigo 260
desta mesma Lei, referente ao bem de família, nos casos de loteamento e
desmembramento (Lei nº 6.766/79), de procedimento de retificação administrativa
bilateral prevista no inciso II do artigo 213 da Lei de Registros Públicos, e de
regularização fundiária e de registro de títulos dela decorrentes, em razão da publicação
de edital e prazo para impugnação.
Transcrevo na íntegra precedente do Conselho Superior da
Magistratura baseado no princípio da prioridade, em conformidade com o acima
exposto:
“A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL
Nº 689-6/5, da Comarca de BIRIGUI, em que é apelante o BANCO NOSSA CAIXA
S/A e apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E
DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da mesma Comarca.
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da
Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso, de conformidade
com o voto do relator que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os
Desembargadores CELSO LUIZ LIMONGI, Presidente do Tribunal de Justiça e CAIO
EDUARDO CANGUÇU DE ALMEIDA, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.
São Paulo, 19 de abril de 2007.
(a) GILBERTO PASSOS DE FREITAS, Corregedor Geral da
Justiça e Relator
V O T O
Registro de Imóveis. Dúvida inversamente suscitada. Duplicidade
de títulos, que se apresentam contraditórios e excludentes, acerca da transferência do
direito real de propriedade sobre o mesmo imóvel. Prioridade do título que tem
numeração mais baixa no Protocolo. Inafastabilidade do exame pelo oficial registrador.
Recurso improvido para manter a negativa ao registro.
1. Cuida-se de recurso interposto contra sentença proferida (fls.
69/71) pela MMª Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e
anexos de Birigui, que, em procedimento de Dúvida Inversa, negou acesso ao fólio da
Carta de Adjudicação aqui trazida a fls. 07/53.
Assim se decidiu em razão do ingresso e registro de outro título
contraditório, dias antes, relativo ao mesmo bem.
Houve recurso a fls. 75/80, no qual há insurgência contra tal
entendimento. Sustenta o apelante que sua penhora e sua adjudicação são anteriores
àquelas realizadas no outro feito, no qual se produziu o título antagônico (no caso, uma
carta de arrematação).
A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo improvimento, para
que não houvesse maltrato ao princípio da prioridade (fls. 96/98).
É o relatório.
2. De início, pode ser observado que se trata de Procedimento de
Dúvida Inversa, na qual se denegou o registro pretendido.
Decidiu-se com acerto.
Inegavelmente, houve o ingresso no fólio de outro título
contraditório, dias antes, relativo ao mesmo bem (fls. 57 e 61/63).
Assim, impossível se acolher a postulação sem maltratar o
princípio da prioridade.
Em caso idêntico (Processo CG n° 829/2005), a Corregedoria
Geral da Justiça assim já se pronunciou:
Registro de Imóveis – Duplicidade de títulos de transferência de
direitos reais sobre os mesmos imóveis que se apresentam contraditórios e excludentes
– Prioridade do título que tiver numeração mais baixa no Protocolo – Inafastabilidade
do exame pelo oficial registrador – Inviabilidade de bloqueio das matrículas – Recurso
parcialmente provido.
(...)
Nos termos do art. 186 da Lei n. 6.015/1973, “O número de
ordem determinará a prioridade do título, e esta a preferência dos direitos reais, ainda
que apresentados pela mesma pessoa mais de um título simultaneamente”.
Conforme se tem entendido, à luz dessa regra, uma vez
apresentados a registro títulos pelos quais se transferem direitos reais relativos ao
mesmo imóvel, que sejam contraditórios e reciprocamente excludentes, terá prioridade
de exame aquele que ostentar numeração mais baixa no Protocolo, com preferência,
ainda, de registro, se formalmente em ordem.
De acordo com Walter Cruz Swensson:
“Sendo apresentados a registro títulos constituindo ou
transferindo direitos reais relativos ao mesmo imóvel, quer sejam incompatíveis entre
si, quer sejam reciprocamente excludentes, terá prioridade de exame e, se formalmente
em ordem, preferência de registro, o que tiver numeração mais baixa no protocolo.
Referida prioridade persiste pelo prazo previsto no art. 205 da
Lei de Registros Públicos ou, se suscitada dúvida, até final decisão desta.
Se apresentados a registro dois títulos constituindo ou
transferindo direitos reais relativos ao mesmo imóvel que sejam incompatíveis entre si
ou reciprocamente excludentes, ambos deverão ser protocolados, obedecendo-se à
ordem de apresentação.
Se os direitos reais forem incompatíveis entre si ou excludentes
reciprocamente, ambos deverão ser protocolados. A seguir, prosseguir-se-á no
processo de registro em relação àquele que for de numeração mais baixa.
O prenotado posteriormente será devolvido ao apresentante,
relatado o motivo da recusa do registro, possibilitando o requerimento para suscitação
de dúvida.” (Manual de Registro de Imóveis, São Paulo: Saraiva, 1991, p. 106).
Tal decorre, como sabido, do princípio da prioridade, segundo o
qual, na lição de Afrânio de Carvalho, “num concurso de direitos reais sobre um
imóvel, estes não ocupam todos o mesmo posto, mas se graduam ou classificam por
uma relação de precedência fundada na ordem cronológica do seu aparecimento: prior
tempore potir jure” (Registro de Imóveis. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 192).
Assim, é ainda a lição do mesmo autor, invocada também pelo Digno representante do
Ministério Público (fls. 119), “A ordem de apresentação, comprovada pela numeração
sucessiva do protocolo, firma, pois, a posição registral do título relativamente a
qualquer outro que já esteja ou venha a apresentar-se no registro. Se essa posição lhe
assegurar prioridade, correlatamente lhe assegurará a inscrição, contanto que o
resultado final do exame da legalidade lhe seja favorável” (Ob. cit., p. 193-194).
A propósito, cumpre invocar, ainda, os itens 29 e 29.1. da Seção
II do Capítulo XX do Tomo II das Normas de Serviço desta Corregedoria Geral da
Justiça:
“29. No caso de prenotações sucessivas de títulos contraditórios
ou excludentes, criar-se-á uma fila de precedência. Cessados os efeitos da prenotação,
poderá retornar à fila, mas após os outros, que nela já se encontravam no momento da
cessação.
29.1. O exame do segundo título subordina-se ao resultado do
procedimento de registro do título que goza da prioridade. Somente se inaugurará novo
procedimento registrário, aos cessarem os efeitos da prenotação do primeiro.” (grifei).
Como se vê, a apresentação precedente da escritura de compra e
venda das vagas de garagem em discussão pela recorrente assegurou-lhe prioridade no
exame do título pelo Sr. Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital, para fins de
qualificação, sendo que, de outra parte, resultando esta positiva, prioritário será
também o registro.
Assim, não há como afastar, no caso, o exame pelo oficial
registrador do título apresentado pela recorrente, sob o fundamento da existência de
outro título contraditório e excludente, apresentado posteriormente pelo recorrido. A
precedência, como visto, da apresentação da escritura de compra e venda dos imóveis
pela recorrente impõe o exame do título pelo Sr. Oficial do 14º de Registro de Imóveis
e, uma vez verificada, na seqüência do processo, a legalidade do título, o registro deste,
com devolução ao recorrido da escritura prenotada posteriormente, para as
providências que entender cabíveis na defesa de seus interesses e direitos.
Não assiste, assim, razão ao recorrente.
Pouco importa que sua penhora e sua adjudicação sejam
cronologicamente anteriores.
O que de fato releva é que o título antagônico (carta de
arrematação) foi prenotado e registrado prévia e prioritariamente, aplicando-se aqui os
fundamentos constantes do precedente já acima referido.
3. Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso, mantendo a
vedação ao registro pretendido.
(a) GILBERTO PASSOS DE FREITAS, Corregedor Geral da
Justiça e Relator”
As Normas da Corregedoria Geral da Justiça que se referem ao
princípio da prioridade nos termos acima expostos estão inseridas no Capítulo XX,
Seção III, e Subseções II, III e IV.
A Subseção II – Do Livro de Recepção de Títulos, traz os seguintes
itens e subitens:
“18. No Livro de Recepção de Títulos serão lançados exclusivamente
os títulos apresentados para exame e cálculo dos respectivos emolumentos, a teor do
artigo 12, parágrafo único, da Lei nº 6.015/73, os quais não gozam dos efeitos da
prioridade.”
“19. O Livro de Recepção de Títulos será escriturado, mesmo quando
eletronicamente, em colunas ou campos, das quais constarão, pelo menos, os seguintes
elementos:
a) número de ordem, que seguirá indefinidamente;
b) data da apresentação, apenas no primeiro lançamento
diário;
c) nome do apresentante;
d) natureza formal do título;
e) data da devolução do título;
f) data da entrega ao interessado.”
“20. A recepção de títulos somente para exame e cálculo é
excepcional e sempre dependerá de requerimento escrito e expresso do interessado onde
declare ter ciência de que a apresentação do título na forma escolhida não implica
prioridade e preferência de direitos, cujo requerimento será arquivado em pasta
própria.”
“20.1. (...).”
“21. Quando a apresentação de títulos for exclusivamente para exame
e cálculo, os emolumentos devidos serão os correspondentes ao valor da prenotação,
ficando vedada a cobrança de emolumentos pelos atos registrais futuros.”
“22. Deverá ser fornecido ao apresentante recibo-protocolo de todos
os documentos ingressados para exame e cálculo, contendo numeração de ordem
idêntica à lançada no Livro de Recepção de Títulos a qual, necessariamente, constará
anotada, ainda que por cópia do mencionado recibo, nos títulos em tramitação, salvo os
títulos que forem encaminhados por meio da Central de Serviços Eletrônicos
Compartilhados dos Registradores de Imóveis (Central de Registradores de Imóveis), os
quais terão regramento próprio.
“22.1. O recibo-protocolo de títulos ingressados na serventia
apenas para exame e cálculo deverá conter a natureza do título, o nome do apresentante,
a data em que foi expedido, a data prevista para devolução, a expressa advertência de
que não implica prioridade prevista no artigo 186, da Lei 6.015/73, o número do
protocolo ou a senha, e o endereço eletrônico para acompanhamento do procedimento
registral pela internet.”
“23. É vedado lançar no Livro nº 1 – Protocolo – e prenotar títulos
apresentados exclusivamente para exame e cálculo.”
A subseção III – Do Livro nº 1 - Protocolo, traz os seguintes itens e
subitens:
“25. O Livro Protocolo servirá para o apontamento (prenotação) de
todos os títulos apresentados diariamente, com exceção daqueles que o tiverem sido, a
requerimento expresso do interessado, apenas para exame e cálculo dos respectivos
emolumentos.” (arts. 174 e 12, parágrafo único, da Lei 6.015/73).
“26. O Livro Protocolo será escriturado, mesmo quando
eletronicamente, em colunas ou campos, das quais constarão, pelo menos, os seguintes
elementos:
a) número de ordem, que seguirá indefinidamente;
b) data da apresentação, apenas no primeiro
lançamento;
c) nome do apresentante;
d) natureza formal do título;
e) atos formalizados, resumidamente lançados, com
menção de sua data; (arts.175, 182 e 183 da Lei 6.015/73).
f) devolução com exigência e sua data;
g) data de reingresso do título, se na vigência da
prenotação.
26.1. Apresentado ao cartório o título, este será imediatamente
protocolizado e tomará o número de ordem que lhe competir, em razão da
sequência rigorosa de sua apresentação. É vedado o recebimento de títulos para
exame sem o regular ingresso no Livro de Protocolo ou de Recepção de Títulos.
26.2. A cada título corresponderá um número de ordem do
protocolo, independentemente da quantidade de atos que gerar. Após cada
apontamento será traçada uma linha horizontal, separando-o do seguinte.
26.3. Sendo um mesmo título em várias vias, o número do
protocolo será apenas um.
26.4. Nenhuma exigência fiscal, ou dúvida, obstará a
apresentação de um título e o seu lançamento no Protocolo, com o respectivo
número de ordem, salvo o depósito prévio de emolumentos, nas hipóteses em que
há incidência deste.”
“27. Para o controle da tramitação simultânea de títulos contraditórios
ou excludentes de direitos sobre o mesmo imóvel, o oficial deverá se utilizar de
mecanismos informatizados, admitindo-se concomitante controle por meio de
lançamentos em fichas nos indicadores pessoal e real.
27.1. As fichas serão inutilizadas à medida que os títulos
correspondentes forem registrados ou cessarem os efeitos da prenotação.”
“28. Deverá ser fornecido às partes recibo-protocolo de todos os
documentos ingressados, contendo numeração de ordem de ordem idêntica à lançada no
Livro 1 – Protocolo, a qual, necessariamente, constará anotada, ainda que por cópia do
mencionado recibo, nos títulos em tramitação, salvo os títulos que forem encaminhados
por meio da Central Registradores de Imóveis, os quais terão regramento próprio.
28.1. O recibo-protocolo deverá conter, necessariamente,
nomes do apresentante, do outorgante e outorgado, a natureza do título, o valor do
depósito prévio, a data em que foi expedido, a data prevista para eventual devolução do
título com exigências, a data prevista para a prática do ato, a data em que cessarão
automaticamente os efeitos da prenotação, o número do protocolo ou a senha, e o
endereço para acompanhamento do procedimento registral pela internet.
28.1.1. Quando ocorrer protocolo tradicional de título em
papel, uma via da nota de exigência será mantida em cartório para entrega concomitante
com a devolução do título e dos valores correspondentes ao depósito prévio.
28.1.2. Cópias das notas de devolução serão arquivadas
em ordem cronológica para o controle da formulação das exigências e da observância
do prazo legal. O arquivamento poderá ser feito apenas em microfilme ou documentos
eletrônicos derivados de digitalização simples (dispensada autenticação), mas que
permitam a preservação das informações e a transmissão, em condições de uso
imediato, ao sucessor da delegação.”
“29. A ocorrência de devolução com exigência, após a elaboração da
nota, será imediatamente lançada na coluna própria do Livro Protocolo; reingressando o
título no prazo de vigência da prenotação, será objeto do mesmo lançamento, em coluna
própria, recebendo igual número de ordem.”
“37. O número de ordem determinará a prioridade do título.” (art.186
da Lei 6.015/73).
“39. No caso de prenotações sucessivas de títulos contraditórios ou
excludentes, criar-se-á uma fila de precedência. Cessados os efeitos da prenotação,
poderá retornar à fila, mas após os outros, que nelas já se encontravam no momento da
cessação.
39.1. O exame do segundo título subordina-se ao
resultado do procedimento de registro do título que goza da prioridade. Somente se
inaugurará novo procedimento registrário, ao cessarem os efeitos da prenotação do
primeiro. Nesta hipótese, os prazos ficarão suspensos e se contarão a partir do dia em
que o segundo título assumir sua posição de precedência na fila.”
“42. Transitada em julgado a decisão da dúvida, o oficial procederá do
seguinte modo:
a) se for julgada procedente, assim que tomar ciência
da decisão, consignará no Protocolo e cancelará a prenotação;
b) se for julgada improcedente, procederá ao registro
quando o título for reapresentado e declarará o fato na coluna de
anotações do Protocolo, arquivando o respectivo mandado ou certidão
da sentença.”
42.1. Aos Juízes Corregedores sempre caberá
comunicar aos cartórios o resultado da dúvida, após seu julgamento definitivo.”
“43. O prazo para exame, qualificação e devolução do título, com
exigências ou registro, será de 10 (dez) dias, contados da data em que ingressou na
serventia.
43.1. O prazo acima fica reduzido a 5 (cinco) dias, se o
título for apresentado em documento eletrônico estruturado em XLM (Extensible
Markup Language), com especificações definidas por portaria da Corregedoria Geral da
Justiça.
43.2. Reapresentado o título com a satisfação das
exigências, o registro será efetivado nos 5 (cinco) dias seguintes.
43.3. Caso ocorram dificuldades na qualificação
registral em razão da complexidade, novidade da matéria, ou volume de títulos
apresentados no mesmo dia, o prazo poderá ser prorrogado, somente por uma vez, até o
máximo de 10 (dez) dias, desde que emitida pelo Oficial nota escrita e fundamentada a
ser arquivada, microfilmada ou digitalizada com a documentação de cada título.
43.4. As disposições acima não se aplicam às
hipóteses de prazos previstos em lei ou decisão judicial.
43.5. Apresentado o título de segunda hipoteca, com
referência expressa à existência de outra anterior, o Oficial, depois de prenotá-lo,
aguardará, durante 30 (trinta) dias, que os interessados na primeira promovam o
registro. Esgotado o prazo, que correrá da data da prenotação, sem que seja apresentado
o título anterior, o segundo será registrado.”(art.189 da Lei 6.015/73).
“44. Não serão registrados, no mesmo dia, títulos pelos quais se
constituam direitos reais contraditórios sobre o mesmo imóvel.” (art.190 da Lei
6.015/73).
“45. Prevalecerão, para efeito de prioridade de registro, quando
apresentados no mesmo dia, os títulos prenotados sob número de ordem mais baixo,
protelando-se o registro dos apresentados posteriormente, pelo prazo correspondente a,
pelo menos, 1 (um) dia útil.” (art.190 da Lei 6.015/73).
“46. O disposto nos itens 44 e 45 não se aplica às escrituras públicas
lavradas da mesma data e apresentadas no mesmo dia, que determinem taxativamente, a
hora de sua lavratura, prevalecendo, para efeito de prioridade, a que foi lavrada em
primeiro lugar.” (art.192 da Lei 6.015/73).
“47. Cessarão automaticamente os efeitos da prenotação, salvo
prorrogação por previsão legal ou normativa, se, decorridos 30 (trinta) dias do seu
lançamento no livro protocolo, o título não tiver sido registrado por omissão do
interessado em atender as exigências legais. Na contagem do prazo exclui-se o primeiro
e inclui-se o último dia, não se postergando os efeitos para além da data final, ainda que
esta ocorra em sábado, domingo ou feriado. (art.205 da Lei 6.015/73).
47.1. Será prorrogado o prazo da prenotação nos casos
dos artigos 189, 198 e 260 da Lei nº 6.015/73 e artigo 18 da Lei nº 6.766/79, bem como
nos casos de procedimento de retificação administrativa bilateral na forma do artigo
213, II, da Lei nº 6.015/73, de regularização fundiária e de registro dos títulos dela
decorrentes, quando houver expedição de notificação, publicação de edital, audiência de
conciliação e remessa ao juízo corregedor permanente para decidir impugnação.
47.2. Será também prorrogado o prazo da prenotação se
a protocolização de reingresso do título, com todas as exigências cumpridas, der-se na
vigência da força da primeira prenotação.”
A Lei de Registros Públicos é omissa quanto aos prazos para a
qualificação do título pelo registrador, prazo para cumprimento das exigências pelo
interessado e reapresentação do título e prazo para a requalificação e efetivação do
registro, razão pela qual a Corregedoria Geral da Justiça, com a finalidade de padronizar
os procedimentos nos serviços de registro, em compatibilização com o artigo 205,
normatizou a matéria no item 43 e subitens 43.1. a 43.3., e no subitem 43.4. ressalvou
que tais disposições não se aplicam aos prazos previstos em lei ou em decisão judicial.