CENTRO UNIVERSITRIO DE BARRA MANSA
CURSO DE DIREITO
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Sumrio
Texto de Apoio 01 - Homem, Sociedade e Direito ........................................................... 2
Texto de Apoio 02 - O Mundo do Direito ........................................................................ 12
Texto de Apoio 03 - Leis Fsicas, Culturais e ticas ...................................................... 21
Texto de Apoio 04 - Notas Distintivas do Direito ............................................................ 28
Texto de Apoio 05 - Formao e Manifestao do Direito ............................................. 38
Texto de Apoio 06 - Fontes do Direito - Norma Jurdica Legal ....................................... 45
Texto de Apoio 07 - Fontes do Direito - Jurisprudncia ................................................. 55
Texto de Apoio 08 - Fontes do Direito - Costume Jurdico ............................................. 61
Texto de Apoio 09 - Fontes do Direito - Norma Negocial ............................................... 67
Texto de Apoio 10 - Ramos do Direito ........................................................................... 76
Texto de Apoio 11 - A Relao Jurdica ......................................................................... 81
Texto de Apoio 12 - Relao Jurdica - Direito Subjetivo ............................................... 87
Texto de Apoio 13 - Relao Jurdica - Dever Jurdico .................................................. 95
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Texto de Apoio 01 - Homem, Sociedade e Direito
O estudo sobre o fenmeno jurdico consiste em descobrir os elos que vinculam:
O Homem, a Sociedade e o Direito.
1- Sociabilidade humana
O Homem, Ser Social e Poltico.
1.1 - O homem um ser gregrio
Onde quer que se observe o homem, seja qual for poca e por mais rude e selvagem
que possa ser na sua origem, ele sempre encontrado em estado de convivncia com
os outros.
O HOMEM desde o seu primeiro aparecimento sobre a terra surge em grupos sociais,
inicialmente pequenos (a famlia, o cl, a tribo) e depois maiores (a aldeia, a cidade, o
estado).
Assim, podemos dizer que o homem apresenta duas dimenses fundamentais: a
sociabilidade e a politicidade.
A SOCIABILIDADE- vem a ser a propenso do homem para viver junto com os outros
e comunicar-se com eles, torn-los participantes das prprias experincias e dos
prprios desejos, conviver com eles as mesmas emoes e os mesmos bens;
A POLITICIDADE - o conjunto de relaes que o indivduo mantm com os outros,
enquanto faz parte de um grupo social (Battista Mondin).
Na realidade, so dois aspectos correlatos de um nico fenmeno:
O homem socivel e por isso tende a entrar em contato com os seus semelhantes e
a formar com eles certas associaes estveis; porm, comeando a fazer parte de
grupos organizados, ele torna-se um ser polticos, ou seja, membro de uma polis, de
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uma cidade, de um estado e, como membro de tal organismo, ele adquire certos
direitos e assume certos deveres.
O fato indiscutvel que o elemento humano dado associao, no h para o
homem outro ambiente para sua existncia, seno o social;
O homem existe e coexiste para ele, viver conviver, ser com.
Donde a afirmao do brocardo latino:
UBI HOMO, IBI SOCIETAS (onde o homem, a a sociedade).
1.2 - Interpretaes da Dimenso Social do Homem. Como explicar esse impulso
associativo do ser humano?
Para Plato (428- 348 a C.) a sociabilidade humana um fenmeno contingente. Para
ele, o homem essencialmente alma e alcana sua felicidade na contemplao das
ideias, nessa atividade no necessita de ningum, cada alma existe e se realiza por sua
prpria conta, independente das outras.
Mas devido uma grande culpa, as almas perderam sua condio original de absoluta
espiritualidade e caram na terra, onde teriam sido obrigadas a assumir um corpo para
pagar as prprias culpas e purificar-se. Agora o corpo comporta toda uma srie de
necessidades que podem ser satisfeitas apenas com a ajuda dos outros. A
sociabilidade , portanto, uma consequncia da corporeidade, e dura apenas at que as
almas estejam ligadas ao corpo.
Aristteles (384-322 a C.) v o homem como essencialmente constitudo de corpo e
alma e, movido por tal constituio, necessariamente ligado aos vnculos sociais.
Sozinho ele no pode satisfazer suas prprias aspiraes. , portanto, a prpria
natureza que induz o indivduo a associar-se. Por isso considera o homem fora da
natureza um bruto ou um Deus, significando inferior ou superior a condio humana. (A
Poltica).
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So Toms de Aquino (1225-1274) considerava que o homem naturalmente socivel.
Para ele a sociedade deriva a sua origem diretamente das exigncias naturais da
pessoa humana. Afirma que a vida solitria e fora da sociedade exceo, que pode
ser enquadrada numa das trs hipteses:
Mala fortuna- quando por um infortnio qualquer o indivduo acidentalmente passa a
viver em isolamento;
Corruptio naturae- quando o homem, em casos de anomalias ou alienao mental,
desprovido de razo, vai viver distanciado de seus semelhantes;
Execellentia naturae- a hiptese de um indivduo notadamente virtuoso, possuindo
uma grande espiritualidade, isola-se para viver em comunho com a prpria divindade.
Os CONTRATUALISTAS, durante a poca moderna, sustentaram que a sociedade ,
to-s, o produto de um acordo de vontades, ou seja, de um contrato hipottico
celebrado entre os homens. Colocaram uma clara distino entre estado natural da
humanidade e o estado civil. No primeiro cada homem era plenamente auto-suficiente
no precisava de auxlio dos outros. Porm a partir de um determinado momento, a
humanidade, para evitar o completo suicdio, decidiu organizar-se em sociedade,
oferecendo a uma pessoa, ou grupo restrito, a autoridade de legislar em nome de todos
e de exercer o governo sobre o grupo inteiro. Desse modo vale dizer que mediante um
contrato social, originou-se o estado civil. H uma diversidade de contratualismos, com
diferentes explicaes para a deciso de o homem viver em sociedade, porm, existe
um ponto comum entre elas, negativa do impulso associativo natural, ou seja, a
sociabilidade um fenmeno secundrio, derivado, com a afirmao de que s a
vontade humana justifica a existncia da sociedade.
Entendemos que a sociedade fruto da prpria natureza humana, quer dizer,
resultado de uma necessidade natural do homem, sem excluir a participao da
conscincia e da vontade humana.
H, portanto:
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Um impulso associativo natural - Que se evidencia pela necessidade, tanto de ordem
material como espiritual, de convivncia.
Fora da sociedade, o homem no poderia jamais realizar os fins de sua existncia,
desenvolver suas faculdades e potencialidades. Mesmo provido de todos os bens
materiais suficientes sua sobrevivncia, o ser humano continua necessitando do
convvio com seus semelhantes.
Como lembra PAULO NADER, a sua prpria constituio fsica revela que o homem foi
programado para conviver e se completar com outro ser de sua espcie.
O homem, assim, radicalmente insuficiente, se abre vida comunitria.
Consequentemente, a raiz do fenmeno da convivncia est na prpria natureza
humana.
A participao da vontade humana
Contudo, esse impulso associativo natural no elimina a participao da vontade
humana.
Consciente de que necessita da vida social, o homem a deseja e procura favorec-la,
aperfeio-la.
Os irracionais, ao contrrio, se agrupam por mero instinto e, em consequncia, de
maneira sempre uniforme, no havendo aperfeioamento.
Em concluso, podemos dizer que a sociedade produto da conjugao de um
impulso associativo natural e da cooperao da vontade humana.
2. Sociedade, Interao Social e Controle Social
2.1- Conceito de Sociedade
O conceito de sociedade apresenta controvrsias, devido ao seu carter amplo.
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De fato o termo tomado em vrios sentidos: no de nao, de frao social de elite
(high society), de grupo social etc.
Hoje frequente os socilogos empregarem o termo sociedade como sinnimo de
grupo social significando:
Qualquer agrupamento de pessoas em processo de interao
2.2- Caracterstica. - Trs so as caractersticas de qualquer sociedade:
multiplicidade de indivduos, a interao e a previso de comportamentos.
a) Multiplicidade de indivduos. As realidades que consideramos com a denominao
genrica de sociedade, apresentam como pressuposto primeiro a multiplicidade de
indivduos; trata-se de um conjunto ou agrupamento de indivduos.
b) Interao. No basta, porm, para a existncia de uma sociedade, que indivduos,
em nmero maior ou menor, se unam. indispensvel, que entre eles haja interaes,
ou seja, que os indivduos desenvolvam aes recprocas, de forma que ao de uns
correspondam aes correlatas de outros, dentro de uma estrutura bem definida. Da a
conceituao bem precisa, de PIAGET, de que a sociedade se define como a
multiplicidade de interaes de indivduos humanos.
c) Previso de comportamento. A interao, por seu turno, pressupe uma previso
de comportamento, ou de reaes ao comportamento de outros. Na verdade, cada um
atua na expectativa de que os demais indivduos correspondero s atitudes que
assumimos dentro de um quadro de significaes bem definidas. Cada um age
orientando-se pelo provvel comportamento do outro e tambm pela interpretao que
faz das expectativas do outro com relao a seu comportamento.
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2.3 - Formas de Interao Social.
A interao compe o tecido fundamental da sociedade e se apresenta sob as formas
de:
COOPERAO, COMPETIO E CONFLITO, encontrando no Direito, como
veremos, a sua garantia.
COOPERAO - na cooperao, as pessoas esto movidas por um mesmo objetivo e
valor e por isso conjugam o seu esforo.
COMPETIO - na competio h uma disputa, uma concorrncia, em que as partes
procuram obter o que almejam uma visando excluso da outra.
CONFLITO - O conflito se faz presente a partir do impasse, quando os interesses em
jogo no logram uma soluo pelo dilogo e as partes recorrem agresso, moral ou
fsica, ou buscam a, mediao da justia. Em relao aos conflitos eles so fenmenos
naturais a qualquer sociedade; e quanto mais esta se desenvolve, mais se sujeita a
novas formas de conflito, tornando-se a convivncia, se no o maior, certamente um
dos seus maiores desafios.
2.4 - Instrumentos de Controle Social.
Nenhuma sociedade poderia subsistir se omitisse diante do choque de foras sociais
e do conflito de interesses que se verificam constantemente no seu interior.
No haveria vida coletiva se permitisse que cada indivduo procedesse de acordo com
seus impulsos e desejos pessoais, sem respeitar os interesses dos demais.
Esse processo de regulamentao da conduta em sociedade recebeu o nome do
controle social
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J instrumentos de controle social so os meios de que se serve a sociedade para
regular a conduta de seus membros nas relaes com os demais, so: a Religio, a
Moral, as Regras de Trato Social e o Direito.
3. Sociedade e Direito
O Direito, como instrumento de controle social, tem sua faixa e maneira prpria de
operar, manifestando-se como um corolrio (consequncia) inafastvel da sociedade.
3.1 - O Direito como Instrumento de Controle Social. -
de se ressaltar, de incio, como j vimos, que o Direito no o nico responsvel pela
harmonia da vida em sociedade, uma vez que a Religio, a Moral, as Regras de Trato
Social igualmente contribuem para o sucesso das relaes sociais. Se devemos dizer
que o Direito no o valor nico, nem o mais alto, ele , contudo, a garantia precpua
da vida em sociedade.
a) Se h outros instrumentos de controle social, cada um o em sua faixa prpria. A
do Direito regrar a conduta social, com vistas ordem e justia, e somente os
fatos sociais mais importantes para o convvio social que so juridicamente
disciplinadas.
O Direito, portanto:
No visa ao aperfeioamento interior do homem; esta meta pertence Moral.
No pretende preparar o ser humano para uma vida supra terrena, ligada a Deus,
finalidade buscada pela Religio.
Nem se preocupa em incentivar a cortesia, o cavalheirismo ou as normas de
etiqueta, campo especfico das Regras de Trato Social, que procuram aprimorar o
nvel das relaes sociais.
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b) O fato que o Direito, dentro da faixa que lhe prpria, provoca, pela preciso de
suas regras e sanes, um grau de certeza e segurana no comportamento humano,
que no pode ser alcanado atravs dos outros tipos de controle social.
Podemos afirmar que o Direito, ao separar o lcito do ilcito, segundo valores da
convivncia que a prpria sociedade elege, toma possvel o nexo de cooperao e
disciplina a competio, estabelecendo as limitaes necessrias ao equilbrio e a
justia nas relaes sociais.
Em relao ao conflito, a ao do Direito se opera em duplo sentido:
1) Age preventivamente, ao evitar desinteligncia quanto aos direitos que cada parte
julga ser portadora, definindo-os com clareza em suas normas;
2) Diante do conflito concreto, o Direito apresenta soluo de acordo com a natureza
do caso, seja para definir o titular do direito, determinar a restaurao da situao
anterior ou aplicar penalidades de diferentes tipos.
O Direito procura, assim, responder s necessidades de ordem e justia da
convivncia em sociedade.
3.2 - Sociedade e Direito se coexigem.
- Do exposto, podemos concluir que h uma mtua dependncia entre Direito e a
Sociedade.
a) No pode haver Sociedade sem Direito.
Isso porque nenhuma sociedade poderia subsistir sem um mnimo de ordem, de
direo. A vida em comum, sem uma delimitao precisa da esfera de atuao de
cada indivduo, de modo que a liberdade de um v at onde comea o direito do outro,
inteiramente inconcebvel.
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O fato inegvel que as relaes entre os homens no se do sem o concomitante
aparecimento de normas de organizao da conduta social. Se a convivncia exige
ser ordenada, o Direito, mais do que qualquer outro tipo de controle social,
corresponde a essa exigncia essencial da sociedade.
Em suma, assim corno no se concebe o homem fora da sociedade, igualmente no se
concebe o indivduo convivendo com os demais sem o Direito
Da o aforismo: UBI SOCIETAS, IBI JUS (onde a Sociedade, a o Direito).
b) No h Direito sem Sociedade.
O Direito no tem existncia em si mesmo; ele existe na sociedade e em funo da
sociedade.
Por isso inconcebvel fora do ambiente social. Ele essencial sociedade, mas no
prescinde da sociedade.
Se isolarmos um indivduo numa ilha deserta, a ele no importaro regras de conduta.
Da a validade tambm da recproca da referida frmula latina: UBI JUS, IBI
SOCIETAS (onde o Direito, a a Sociedade).
4. Concluso
Do exame feito da dimenso sociolgica do Direito, na investigao do fenmeno
jurdico, podemos tirar duas concluses:
4.1 - Silogismo da Sociabilidade.
Homem, sociedade e direito esto intimamente ligados, e os elos que os vinculam esto
expressos no seguinte silogismo da sociabilidade:
Ubi homo, ibi societas (onde o homem, ai a sociedade);
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Ubi societas, ibi jus (onde a sociedade, a o Direito);
Ubi homo, ibi jus (logo, onde o homem, a o Direito).
4.2 - O Direito como Realizao da Convivncia Ordenada.
Se, como visto, a necessidade de uma convivncia ordenada ou regrada se impe
como condio para a subsistncia da sociedade, e se o Direito corresponde a essa
exigncia ordenando as relaes sociais atravs de regras obrigatrias de
comportamento e de organizao, podemos, a exemplo de MIGUEL REALE, comear a
defini-lo como sendo:
A ORDENAO DAS RELAES DE CONVIVNCIA.
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Texto de Apoio 02 - O Mundo do Direito
Vimos como na sociedade, no fora dela, que o homem encontra o seu habitat
natural. E por isso ele a transforma e aperfeioa, mas como h necessidades suas que
no so supridas diretamente pela natureza, o homem v-se obrigado a desenvolver
esforos no sentido de gerar os recursos indispensveis e consciente de suas
carncias.
Portanto ele desenvolve atividades no sentido de adaptar a natureza, o mundo exterior,
s suas necessidades biopsicossociais.
Em consequncia desse seu esforo e imaginao, surge, ao lado do mundo da
natureza, o chamado mundo da cultura, constituindo dois mundos complementares.
Em que parte do universo se localiza o Direito?
1. Natureza e Cultura
1.1 - Conceitos.
a) A NATUREZA designa a totalidade das coisas, assim como originariamente so,
sem transformaes operadas pelo homem.
Compreende tudo o que existe antes que o homem faa alguma coisa (GUARDINI);
as coisas que se encontram, por assim dizer, em estado bruto, ou cujo nascimento no
requer nenhuma participao de nossa inteligncia ou de nossa vontade (M. REALE).
b) O mundo da CULTURA, por sua vez, o mundo das realizaes humanas, da
interferncia criadora do homem, adaptando a natureza a seus fins, satisfao de
suas necessidades vitais, impelido pela exigncia de perfeio.
Donde as definies de cultura:
a soma das criaes humanas (FRANZ BOAS);
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aquilo que o homem, por sua interveno planejadora e plasmadora (modeladora)
desenvolve partindo de si e das coisas e onde se realiza como ser histrico, lutando por
seu constante e superior desenvolvimento (LOTZ);
o conjunto de tudo aquilo que, nos planos material e espiritual, o homem constri
sobre a base da natureza, quer para modific-la, quer para modificar-se a si mesmo
(M. REALE).
Em suma, a natureza o dado originrio que foi posto disposio do homem; a
cultura tudo aquilo que o homem extrai desse dado original mediante a sua
iniciativa (B. MONDIN).
1.2 - Consideraes sobre a cultura.
a) No devemos confundir o sentido dado aqui palavra cultura com a acepo
comum do termo. No sentido comum, cultura o aprimoramento do esprito em razo
dos conhecimentos adquiridos (sentido subjetivo).
Aqui se cuida do conceito de cultura considerada do ponto de vista objetivo: ou seja,
so os frutos adquiridos pelo homem mediante o exerccio das suas faculdades sejam
espirituais ou orgnicas (MATHIEU);
So, pois, os objetos, as obras e servios, as atividades espirituais e as formas de
comportamento que o homem veio, atravs da histria, formando e aperfeioando.
A cadeira, o metro, uma cano, as crenas, os cdigos, as cincias, a prpria
sociedade, enquanto criaes do homem so objetos culturais.
Embora seja prprio da natureza humana os homens viverem uns ao lado dos outros, a
sociedade em que vivemos realidade cultural e no mero fato natural, uma vez que o
homem a transforma e aperfeioa.
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A sociedade das abelhas e dos castores, como lembra M. REALE pode ser vista como
um simples dado da natureza, porquanto esses animais vivem hoje, como viveram no
passado e ho de viver no futuro.
b) Esta criao, contudo, no precisa ser necessariamente uma criao da matria do
objeto cultural.
Tudo aquilo que o homem integra na sua atividade valorativa vira objeto cultural, quer
esta atividade transforme ou no, fisicamente, a matria.
Assim, por exemplo: um rio constitudo como limite entre dois pases , enquanto limite
um objeto cultural que delimita o campo de aplicao de duas ordens jurdicas; uma
rvore, sagrada para uma comunidade indgena, um objeto cultural, pois expressa
um sentido que deve ser compreendido.
c) A cultura um contnuo e transmissvel.
O homem o nico animal que, recebendo a cultura de uma gerao anterior, melhora,
aperfeioa, torna-a adequada e transmite a seus descendentes. Se a vida em grupo
no a marca precpua da humanidade, uma vez que outros seres vivos tambm
formam agrupamentos, a cultura a marca da racionalidade na natureza (CELSO
PINHEIRO DE CASTRO).
E desaparecido o homem, extingue-se a cultura, por ser esta a presena do homem no
universo da natureza (M. REALE).
1.3 - Relaes entre Natureza e Cultura.
a) Em primeiro deve-se afastar a ideia de que so dois mundos que se repelem e se
excluem. Na realidade, so dois mundos que se completam: a cultura pressupe a
natureza, com apoio na qual ela surge e se desenvolve; portanto a natureza base
da cultura.
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b) Em segundo, o homem, embora inserido na natureza em sua existncia, ele a
transcende.
O homem caracteriza-se por uma dupla capacidade de destacar-se da natureza: o
nico que conhece esse universo que o absorve e o nico que o transforma, ainda que
seja o menos aguerrido e o menos poderoso de todos os grandes seres animados.
c) No passado, as relaes entre natureza e cultura foram interpretadas de maneiras
diversas, ou fixando-se o centro na natureza (mundo clssico, medieval, renascentista
e romntico), ou no homem (mundo do racionalismo ou do idealismo).
Hoje, prevalece a tese dialgica: as relaes entre cultura e natureza so interpretadas
como uma espcie de dilogo, que comporta um recproco dar e receber; por meio da
cultura o homem humaniza a natureza e vice-versa, mediante os seus recursos, o
mundo naturaliza o homem.
2. Caractersticas da Cultura.
2.1 - Idia de Fim e Valor.
A principal caracterstica da cultura a idia de fim e valor, que ela implica e que a
distingue da natureza. O que fim? O que valor?
a) Fim: aquilo pelo qual se faz uma coisa. Segundo a filosofia escolstica, todos que
agem, agem por causa de um fim.
Doutro lado, o fim e o bem coincidem, pois o agente no agiria se no fosse movido
pela atrao de um bem que trata de conseguir com o fim.
b) Valor: Os valores no so produtos de nossa subjetividade (subjetivismo axiolgico),
mas de uma realidade objetiva que encontramos fora de ns.
So qualidades objetivas de um ser.
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Qualidades que significam uma perfeio e assim nos atraem.
Com isso, o valor no repousa sobre qualquer classe de objetos, mas sobre as
realidades que tm o carter de bens; assim, o valor, tomado concretamente como a
coisa afetada de valor, sinnimo de bem.
Contudo, para que os valores aconteam, necessrio admitir a sua captao por parte
do homem.
Os valores no se vem, como as cores, nem sequer se entendem, como os nmeros
e os conceitos..
A beleza de uma esttua, a justia de um ato, a graa de um perfil feminino, no so
coisas que se posam entender ou no entender. S resta senti-las, ou melhor, estim-
las ou desestim-las. Apenas nesse sentido, pode-se falar de certa subjetividade no
valor.
Valor, portanto, a qualidade objetiva de um ser que, por significar uma perfeio,
provoca a atrao dos sentimentos subordinados vontade.
Podemos concluir que, se o valor um bem e o bem coincide com o fim, o fim
sinnimo de valor.
E de fato, algo fim porque considerado valioso; e, por ser valioso, se apresenta
como meta a ser alcanada.
A teoria dos fins, chamamos de teleologia (do grego telos = fim, finalidade e logos
= teoria, cincia).
A teoria dos valores, de axiologia (grego aksin = digno, aprecivel).
c) Cultura igual a mundo de fins valiosos
A vida humana sempre uma realizao de fins, uma constante tomada de posio
seguindo valores; embora possamos no ter plena conscincia disso, o fato que, a
todo instante, estamos optando entre dois ou mais valores.
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da essncia do ser humano conhecer e querer, tanto quanto valorar.
Pois bem, sendo a cultura emanao do agir humano, ela visa a fins tidos como
valiosos. Ela existe exatamente porque o homem, em busca da realizao de fins que
lhe so prprios e intudos como valiosos, altera aquilo que lhe dado pela natureza.
Toda cultura uma objetivao ou projeo histrica de valores reconhecidos e
queridos como fins (MIGUEL REALE).
Trata-se, pois, de um mundo de fins valiosos, enquanto a natureza cega para os
valores.
2.2 - Explicao e Compreenso.
Outra caracterstica na cultura est na afirmao de DILTHEY: a natureza se explica
e a cultura se compreende.
a) A natureza se explica: Explicamos um fenmeno quando indagamos de suas
causas e variaes funcionais, procurando reproduzi-lo tal como ele de fato.
b) A cultura se compreende: Compreendemos algo quando apreendemos o seu
sentido e significado, apreciando-o sob prisma de valor. Por isso, em ltima anlise,
compreender valorar.
Assim, no temos a compreenso duma esttua, quando apenas sabemos suas
causas material e eficiente, ou seja, do que feita ou por quem foi feita; para
compreend-la, precisamos alcanar o seu sentido, o seu significado, que a
expresso de um ou mais valores.
Aqui tambm a compreenso pressupe a explicao, como a cultura pressupe a
natureza; elas se implicam.
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2.3 - Juzos de Realidade e Juzos de Valor.
O juzo o ato pelo qual o intelecto afirma ou nega alguma coisa de outra.
Em todo juzo, portanto, h sempre um sujeito (o ser de que se afirma ou nega algo),
um predicado (o que se afirma ou nega do sujeito) e uma afirmao ou negao
expresso por um verbo, chamado cpula (elo), pois liga ou desliga os dois termos.
Contudo, a ligao entre o sujeito e o predicado pode ser de duas espcies:
Simplesmente indicativa, atravs do verbo copulativo ser (a terra redonda),
juzo de realidade;
Ou imperativa, atravs do verbo deve ser (a vida deve; ser respeitada) juzo de
valor.
a) Juzos de Realidade:
So prprios do mundo da natureza.
Neles nos limitamos a constatar a existncia do fenmeno, sem possibilidade de
opo ou preferncia; vemos as coisas enquanto elas so.
Indicando a relao causal entre o Sujeito e o Predicado, o juzo de realidade explica
o fenmeno em suas causas e consequncias.
b) Juzos de Valor:
So prprios do mundo da cultura. Por eles, vemos as coisas enquanto valem e,
porque valem, devem ser (MIGUEL REALE).
Expressam, pois, um dever, porque se reconheceu antes a existncia de um valor.
A ligao entre o Sujeito e o Predicado, no juzo de valor, resulta de uma apreciao
subjetiva, ou seja, h uma tomada de posio em referncia ao objeto ou fato,
reconhecendo nele um valor ou um desvalor e, em consequncia, aceitando-o ou
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rejeitando-o, aprovando-o ou o reprovando. O valor ou o desvalor se tornam a razo
determinante de que algo deve ser feito ou omitido.
3. Mundo tico.
Os juzos de valor podem assumir duas feies distintas.
3.1 - Numa, o dever ser decorrente no atinge o plano normativo, ou seja, no
culmina em normas de conduta obrigatria.
Os valores so meios ou formas de compreenso que terminam apenas em
generalizaes tericas, na determinao de leis gerais de tendncia ou em
esquemas ideais de ao. o que acontece na Sociologia, na economia ou na
Histria.
3.2 - Noutra, os valores so, alm disso, motivo e razo de conduta obrigatria.
H um carter de obrigatoriedade conferido ao valor que se quer preservar ou
efetivar, e por isso, da tomada de posio axiolgica, resulta a normatividade, ou
seja, pautas obrigatrias de comportamento.
Estamos, agora, no campo da TICA.
Desse modo, no continente da Cultura h uma regio onde a tomada de posio
axiolgica perante a realidade implica o reconhecimento da obrigatoriedade de
um comportamento: o mundo tico, mundo dos comportamentos no s valiosos,
mas obrigatrios.
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4. O Direito como realidade Cultural-tica.
4.1 - J podemos concluir que o Direito no pertence ao mundo da natureza
fsica, embora nele esteja inserido. realidade humana, cultural, pertencente ao
mundo da cultura; objeto criado pelo homem e dotado de um sentido de contedo
valorativo.
Contudo, se o Direito criado pela sociedade para reger a vida social, a natureza
humana fonte dos grandes princpios do Direito Natural, deve orient-la nesse
trabalho.
O Direito um fenmeno histrico-cultural, mas no se acha inteiramente condicionado
pela Histria; nem tudo so histrico e contingente no Direito, pois possui um ncleo
resistente, uma constante axiolgica, invarivel no curso da histria (MIGUEL REALE).
4.2 Pela realidade cultural, o Direito se situa no plano da tica, uma vez que no se
limita a descrever um fato tal como ele , mas baseando-se naquilo que ,
determina que algo deve ser, porque se reconheceu a presena de um valor. E o faz,
com a previso de diversas consequncias, caso se verifique a obedincia ou no ao
que determina.
Assim que o Direito, por exemplo, para estabelecer a maioridade das pessoas, a sua
interdio, a idade para o casamento, ele o faz baseado na realidade com elementos
buscados na biologia, visando ao bem da pessoa e da sociedade.
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Texto de Apoio 03 - Leis Fsicas, Culturais e ticas
1. Leis Fsicas
A afirmao feita de que a cultura implica a ideia de fim e valor, d-nos o critrio
distintivo, no s entre as duas esferas de realidades analisadas (natureza e cultura),
mas tambm entre as leis que as regem, inclusive no plano tico: leis fsicas,
culturais e ticas, como vero.
A lei fsica que rege o mundo da natureza, a rigor, no uma lei. A palavra lei
empregada aqui em sentido imprprio, pois haveria lei, propriamente dita, onde h
razo e liberdade (JOLIVET).
Aristteles nunca pensou em leis que no fossem leis do comportamento humano.
Foi LUCRCIO quem falou em Leges Naturae, Leis da Natureza (60 a. C.).
As leis fsicas so, antes, enunciados fsicos.
Quais so as caractersticas das leis fsicas?
1.1 - Determinismo rigoroso.
O mundo da natureza regido pelo princpio da causalidade:
Os fatos se sucedem, de forma rigorosa, uns aos outros, numa relao de causa e
efeito; havendo uma causa, haver necessariamente um determinado efeito.
H, pois, uma sucesso infalvel e previsvel entre causa e efeito nos fenmenos
naturais.
Juntem-se, por exemplo, dois tomos de hidrognio e um de oxignio que se obtm
fatalmente uma molcula de gua.
Por consequncia, as leis da natureza vinculam dois fatos numa relao causal.
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Quando se diz que um metal se dilata ao ser aquecido, estamos vinculando o fato de
aquecer um metal com o fato de sua dilatao causal porque consideramos o
aquecimento do metal como causa do efeito de se dilatar.
1.2 - Leis descritivas.
A relao causal conhecida atravs da explicao ou descrio.
Explicar analisar a relao causa-efeito;
determinar quais foram as causas de determinados efeitos, ou preanunciar quais
sero os efeitos de certas causas.
As leis fsicas, enunciando juzos de realidade, so leis meramente explicativas ou
descritivas: apenas descrevem como os fatos ocorrem; dizem o que ; so uma
explicao sinttica e neutra do fato em todos os seus aspectos; em suma, um
retrato do fato observado.
Na realidade, no teria sentido conceber uma lei fsica impondo formas de
comportamento aos tomos e rbitas aos astros, por exemplo; quer se determine, ou
no, as foras naturais atuariam normalmente.
1.3 - Subordinao ao fato.
Sendo a lei fsica uma expresso neutra do fato, qualquer lei, por mais precisa que
parea, cede diante de qualquer fato que venha contrariar o seu enunciado.
No mundo fsico, entre a lei e o fato, prevalece o fato, ainda que seja um s fato
observado; modifica-se a teoria, altera-se a lei. Trata-se, pois, de lei subordinada ao
fato.
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No mundo das leis fsicas, a passagem do fato para a lei direta, sem intermedirios
estimativos, uma vez que no so seno explicaes objetivas do fato.
2. Leis Culturais
2.1 - Natureza compreensiva.
No mundo da cultura, porm, na passagem do fato para a lei necessrio a
interferncia de outro elemento, que o valor, marcando a tomada de posio
estimativa do homem perante o fato.
Por isso, ao contrrio das leis fsicas que so cegas para os valores, as leis culturais se
caracterizam por se referirem a valores, ou mais especificamente, por adequarem
meios a fins intudos como valiosos.
Da sua natureza axiolgica (valorativa) ou teleologia (finalstica).
So, em suma, leis compreensivas, envolvendo juzos de valor.
2.2 - Espcies de leis culturais.
Dependendo do fato de o dever ser decorrente do juzo de valor atingir ou no o
plano normativo, a lei cultural ser puramente compreensiva ou compreensivo-
normativa.
a) Leis puramente compreensivas (ou explicativo-compreensivas):
So as leis culturais que, com base nos fatos observados, formulam apreciaes de
natureza valorativa sobre os mesmos, mas estes juzos de valor no implicam o
reconhecimento da obrigatoriedade de um comportamento, no envolvem o
momento da normatividade.
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Tais leis ultrapassam o plano da mera explicao causal, porque so compreensivas,
mas no atingem o plano normativo. Encontrando oposio por parte dos fatos, podem
ser corrigidas. Exemplo: Leis SOCIOLGICAS, HISTRICAS e ECONMICAS.
De fato, o historiador, o socilogo e o economista, se no se limitam a retratar os fatos
observados, tambm no tm o propsito deliberado de disciplinar forma de conduta
obrigatria, muito embora suas concluses possam e devam influir por ocasio da
regulamentao daquelas. Portanto, no elaboram normas ou regras para o
comportamento coletivo, mas, leis gerais de tendncia ou esquemas ideais.
b) Leis compreensivo-normativas:
So as leis culturais que no envolvem apenas um juzo de valor sobre os
comportamentos humanos, mas implicam tambm o reconhecimento da sua
obrigatoriedade; culminam na escolha de uma conduta considerada obrigatria numa
coletividade (juzo de valor + obrigatoriedade de um comportamento).
Da tomada de posio axiolgica resulta, assim, a normatividade. So as Leis
TICAS ou, mais propriamente, NORMAS TICAS.
3. Normas ticas
3.1 - Conceito.
Se a tica, a cincia normativa dos comportamentos humanos, as normas ticas
so aquelas que prescrevem como deve o homem agir.
3.2 - Natureza.
a) Imperatividade
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A norma tica enuncia algo que deve ser, ou seja, no descreve, nem indica, nem
aconselha; antes, determina, manda.
Isso significa a imperatividade da via escolhida, da direo a ser seguida, que vem a
ser caracterstica essencial das normas ticas
b) Possibilidade de violao
Contudo, a imperatividade de uma norma tica, ou o seu dever ser, no exclui, mas
antes pressupe a liberdade daqueles a quem ela se destina. Toda norma
formulada no pressuposto essencial da liberdade que tem o seu destinatrio de
obedecer ou no aos seus ditames.
Por isso, a norma tica enuncia algo que deve ser, e no algo que necessariamente
tenha que ser, uma vez que se trata de um dever suscetvel de no ser cumprido.
Igualmente por isso, a toda norma tica se liga uma sano, isto , uma forma de
garantir-se a conduta que declarada permitida, determinada ou proibida.
Essa necessidade de ser prevista uma sano, para assegurar a consecuo do fim
visado, revela-nos que a norma tica se caracteriza tambm pela possibilidade de sua
violao.
c) Impe-se ao fato contrrio
A violao, porm, da norma tica no atinge a sua validade; embora transgredida e
porque transgredida, continua vlida, fixando a responsabilidade do transgressor.
Como disse ROSMINI, a norma tica brilha com esplendor maior no instante mesmo
em que violada.
Consequentemente, ela se impe ao fato isolado que conflitar com ela; se sobrepe ao
comportamento contrrio.
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3.3 - Espcies de normas ticas.
A experincia da vida diria revela que vivemos cercados destas normas ticas, de
preceitos determinando, ora que devemos adotar certas formas de comportamento, ora
que no devemos proceder de certa maneira. Verificamos tambm que so
diferenciadas entre si:
a) Algumas tm caractersticas puramente religiosas; so fundadas na f; buscam
orientar o homem na conquista da felicidade eterna;
b) Outras tm feio moral, fundadas no foro ntimo de cada um e visando ao bem da
pessoa;
c) Outras se revelam como preceitos de etiquetas sociais, visando tornar o ambiente
social mais ameno; seu valor consiste no aprimoramento do nvel das relaes sociais;
d) E outras, enfim, so jurdicas, constituindo o campo do Direito; buscam assegurar
a ordem atravs da justia.
Todas se destinam a criar condies para a realizao de uma ordem, de uma
convivncia ordenada entre ns, cada qual com sua peculiaridade.
4. Normas Tcnicas
A atividade humana, alm de subordinar-se s leis da natureza e conduzir-se conforme
as normas ticas tem necessidade de se orientar tambm pelas chamadas normas
tcnicas.
A diferena entre elas e as normas ticas est, em que estas determinam o agir social
e a sua vivncia j constitui um fim; enquanto as normas tcnicas indicam frmulas do
fazer e so apenas meios que iro capacitar o homem a atingir certos resultados.
Ou, aquela norma cujo cumprimento est condicionado realizao de determinado
fim.
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Assim, por exemplo, se algum deseja locomover-se, de um ponto a outro, por um
caminho mais curto, ter que optar por uma linha reta, sem cuja escolha o trajeto no
ser encurtado.
As normas tcnicas, portanto, embora no constituam deveres, elas podem se impor
queles que desejam obter determinados resultados.
De outro lado, elas so neutras em relao aos valores, uma vez que tanto podem ser
empregadas para o bem quanto para o mal.
5. Normas Jurdicas
A norma jurdica, como se v do esquema abaixo , uma espcie de norma tica,
assim como esta e uma espcie de lei cultural.
Fsica ou natural (plano explicativo)
Leis
Cultural Sociolgica, histrica, econmica
(plano compreensivo) Normas ticas religiosa
(plano normativo) Trato social
De moral
Jurdica
Como espcie de Norma tica ela se reveste de todas as caractersticas que so
comuns e j examinadas; contudo, a norma jurdica tem suas notas especficas, que a
distinguem das demais, como veremos na prxima aula.
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Texto de Apoio 04 - Notas distintivas do direito
Situado o Direito no mundo tico, a pergunta que agora se levanta a seguinte: o que
distingue o Direito dos demais instrumentos de controle social? Quais as suas notas
especficas?
1. Imperatividade
a) O Direito essencialmente imperativo, porque sua norma traduz um comando, uma
ordem, uma imposio para se fazer ou deixar de fazer alguma coisa. A regra de direito
cria, pois, uma obrigao jurdica, um dever jurdico, cuja observncia urgida pela
sociedade. No se trata, portanto, de mera descrio ou mero aconselhamento.
b) Existem juristas que negam ser a imperatividade um dos elementos caractersticos
do Direito. Este teria apenas um carter indicativo, ou seja, o Direito no estabelece
aquilo que deve ser obedecido, mas apenas traa determinados rumos que podero ser
seguidos ou no (Hans Kelsen, Duguit).
A fragilidade de tal colocao no imperativista fica evidente face sano de que o
Direito dotado. Se a obrigatoriedade do Direito no implicasse um comando dirigido
vontade, obrigando o indivduo a se comportar duma determinada maneira, por que
ligar norma jurdica uma consequncia na maior parte das vezes penal, e visando
precisamente garantir seu cumprimento? Se tivesse a norma jurdica carter
meramente indicativo, toda sano penal seria um abuso e uma violncia.
c) Quanto natureza da imperatividade do Direito, ela no deve ser, maneira
tradicional, interpretada como expresso da vontade de um Chefe ou do Estado, como
ordem do soberano aos sditos. No se trata, pois, duma imperatividade da norma
jurdica como simples decorrncia da fora da autoridade. Na lio de MIGUEL REALE,
ela deve, antes, ser vista corno expresso axiolgica do querer social. Com outras
palavras, toda norma jurdica obriga porque contm preceito capaz de realizar um valor,
porque sempre consagra a escolha de um valor que se julga necessrio preservar.
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Consequentemente o valor objetivado pela norma jurdica que d a razo ltima da
sua obrigatoriedade (imperatividade em termos axiolgicos).
d) Saliente-se, por fim, que se a imperatividade caracterstica essencial, no
especfica do Direito. De fato, como vimos, ele a divide com todas as normas ticas,
especialmente com a norma moral.
2. Heteronomia
A expresso devida a Kant, que por primeiro afirmou ser o Direito heternomo, e a
Moral autnoma.
O que significa a heteronomia do Direito?
a) prprio de o Direito ser lhe indiferente adeso interior dos sujeitos ao contedo
das suas normas.
Posto sempre por terceiros, o direito quer ser cumprido, com a vontade, sem a vontade
ou at mesmo contra a vontade do obrigado.
De fato, as normas de direito podem coincidir ou no com as convices que temos
sobre o assunto, mas somos obrigados a obedec-las, devemos agir de conformidade
com seus mandamentos.
E para o Direito basta adequao exterior do nosso ato sua regra, sem a adeso
interna. Nem todos, por exemplo, pagam o imposto de renda de boa vontade; no
entanto, o Direito no exige que, ao pag-lo, se faa com um sorriso nos lbios; a ele
basta que o pagamento seja feito como ordenado; na poca prevista, de acordo com a
alquota estabelecida etc.
b) H que se ressaltar, no entanto, que a heteronomia deve ser concebida como o
mnimo exigvel pelo Direito. De fato, pode haver, e frequentemente h o Direito com
autonomia, ou seja, o cumprimento da regra jurdica com plena correspondncia entre
o contedo da norma e a vontade do obrigado (do grego autos = prprio, e nomos =
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lei). Assim, no devemos entender que o Direito sempre e necessariamente seja
heternomo; uma simples possibilidade.
c) Prprio do Direito, a heteronomia, contudo no lhe especfica, visto que ele a divide
com as normas de trato social. Especfico do Direito o seu carter bilateral-
atributivo, em virtude do qual ele tambm coercvel.
3. Coercibilidade
O Direito coercvel, ou seja, goza da possibilidade de invocar o uso da fora para se
valer, se necessrio.
3.1- Compatibilidade da Fora com o Direito. O Direito, diferena das demais
normas ticas, aparece aparelhado com a fora para se fazer cumprir, impondo-se se
necessrio. Caso no observarmos voluntariamente o que ele determina, corremos o
risco de sermos compelidos, forados, pelos agentes do Estado, a cumprir o que
determinado por suas regras.
H, pois, um elemento distintivo do Direito: a fora organizada em defesa do seu
cumprimento.
Sustentar o contrrio, que o Direito nada tem a ver com a fora, havendo em relao a
ele a mesma incompatibilidade que h, por exemplo, com a Moral, idealizar o mundo
jurdico, perdendo de vista a realidade, o que efetivamente acontece na sociedade.
3.2- Coercibilidade.
a) O Direito a ordenao coercvel da conduta humana. Assim, o Direito goza da
possibilidade de se invocar o uso da fora para a execuo da norma jurdica, se
necessrio.
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A fora passa a ser um meio a que o Direito recorre para se fazer valer, quando se
revelam insuficientes os motivos que, comumente, levam os interessados a cumpri-la.
Quando efetivamente se recorre fora fsica, temos a coao. A coao, portanto,
somente se manifesta na hiptese do no cumprimento das normas jurdicas.
Seja como exemplo, a ao de despejo por falta de pagamento. Enquanto h o
pagamento, a fora est em potncia, h a possibilidade de se recorrer a ela, se
necessrio, sendo essa formalidade de fora essencial ao Direito; quando se deixa de
pagar o aluguel, h a execuo compulsria, podendo chegar ao despejo.
b) A coercibilidade do Direito possvel por causa da sua heteronomia. No exigindo a
adeso interna do obrigado, para se ver cumprimento, o Direito pode obrigar recorrendo
fora quando h discordncia, voluntria ou no, entre conduta externa e o previsto
na norma jurdica.
De outro lado, se a coero pode exercer certa presso sobre a vontade, levando-a a
respeitar a norma, esta presso psicolgica no se confunde com a coao, de que o
direito est dotado. Na hiptese da coao, a norma foi desrespeitada e o Direito
efetivamente se serve da fora, seja para a realizao do que foi ordenado (por
exemplo, se o devedor no pagou a dvida, o pagamento ser feito fora por
execuo judicial), seja para reparao do seu no cumprimento (punio, indenizao
dos prejuzos ou anulao do ato violador).
4. Bilateralidade Atributiva
4.1 - Noo.
Segundo MIGUEL REALE, a quem se deve o mrito de ter enriquecido a teoria com
desenvolvimento prprio, h bilateralidade atributiva quando duas ou mais pessoas se
relacionam, segundo uma proporo objetiva, que as autoriza a pretender, exigir ou a
fazer, garantidamente, algo.
O conceito desdobra-se, portanto, em quatro elementos:
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1) Relao intersubjetiva
Bilateralidade
2) Proporo objetiva
3) Exigibilidade
Atributividade
4) Garantia
1- Relao intersubjetiva
A relao jurdica sempre intersubjetiva, ou seja, uma relao que une duas ou
mais pessoas. De fato, do Direito s podemos falar onde e quando se formam relaes
entre os homens, envolvendo dois ou mais sujeitos.
a bilateralidade em sentido social, como intersubjetividade ou alteridade (a presena
do outro = alter).
Assim, em Direito sempre se pensa e se fala em termos de contato com os outros.
Ficam, destarte, eliminados da relao jurdica todos aqueles atos que se refere s ao
prprio sujeito operante. A pura interioridade no representa relevncia jurdica; a
atividade meramente interna no tem importncia social, e assim se apresenta estranha
ao mundo do Direito. Porm excluir a pura.
2- Proporo objetiva
A relao entre os sujeitos deve ser objetiva, isto , nenhuma das partes deve ficar
merc da outra; como lembra Reale, no essencial que a proporo objetiva siga o
modelo da reciprocidade prpria das relaes contratuais; basta que a relao se
estruture segundo uma proporo que exclua o arbtrio, que no direito. a
bilateralidade em sentido axiolgico.
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3- Exigibilidade
Da proporo estabelecida deve resultar a atribuio de pretender, exigir ou fazer
alguma coisa. De fato, a anlise mais superficial demonstra que e toda idia de
juridicidade est imanente uma noo de exigir. A relao que se diz jurdica diz mais
do que relao social, exatamente porque dela resulta um ter que fazer ou um ter que
aceitar inexorvel. Ningum conceitua como Direito a resultante de mera convenincia,
ou de simples conselho.
Quando, por exemplo, algum me pede urna esmola, h um nexo de possvel
solidariedade humana, de caridade. Quando, porm tomo um txi, temos um nexo de
crdito por efeito da prestao de um servio. No primeiro caso, no h lao de
exigibilidade, o que no acontece no segundo, pois o motorista pode exigir o
pagamento da corrida.
4- Garantia.
Da relao jurdica resulta a atribuio garantida de uma pretenso ou ao. Trata-se
de um exigir garantido. E precisamente em vista desta exigibilidade garantida, que o
Direito goza da coercibilidade: da possibilidade de recurso fora que emana da
soberania do Estado, capaz de impor respeito a uma norma jurdica. Garante o
exigir, porque coercvel. Em suma, da atributividade decorre a exigibilidade e dessa a
coercibilidade!
O Direito coercvel, porque exigvel, e exigvel porque bilateral atributivo, na lio
de MIGUEL REALE.
4.2 - Quando um fato social apresenta esses elementos, esse tipo de
relacionamento, dizemos que ele jurdico. Onde no existe um lao de
exigibilidade, ou proporo no pretender, no exigir ou no fazer, ou no h garantia para
tais atos, no h Direito!
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Em concluso, a norma jurdica, alm de imperativa (impe uma obrigao-dever),
como as demais normas ticas, ainda, e s ela, atributiva (atribui faculdade de
exigir garantidamente o seu cumprimento): um Imperativo-atributivo, no dizer de
PETRAZINSKI.
Ou segundo MIGUEL REALE: A bilateralidade atributiva, peculiar ao mundo do Direito,
integra em si duas valncias distintas, mas complementares, visto como se ela liga
pessoas entre si, ao mesmo tempo lhes discrimina esferas autnomas de ser e de agir:
obriga-as e, concomitantemente, lhes confere poderes.
5. Paralelo entre Direito, Religio, Moral e Normas de Trato Social
Nas sociedades primitivas, os vrios campos da tica so como que uma nebulosa,
com predomnio do aspecto religioso, e da qual foram se desprendendo aos poucos as
normas jurdicas, discriminadas e distintas das normas religiosas, morais e as de trato
social. Numa anlise comparativa desses quatro campos da tica, conclumos que:
5.1 - O Direito heternomo, como explicado antes, ou seja, ele pode se
contentar com a adequao exterior do ato regra, sendo dispensvel a adeso
interna ao seu contedo. Obriga os indivduos independentemente de suas vontades.
A Religio autnoma: quem cultua a Deus, no o pode fazer verdadeiramente
sem a adeso interna e convico da sua intrnseca valia, sob pena de merecer o
estigma bblico de sepulcro caiado; a necessria interioridade do ato religioso no
suporta o jugo da mera exterioridade.
A Moral autnoma: implica igualmente a adeso do esprito ao contedo da regra;
implica a convico de que se deve respeit-la porque ela vlida em si mesma; trata-
se de um agir convencido, no bastando adequao exterior do ato regra.
Consequentemente, no possvel conceber-se ato moral fingido, ou praticado s
pr-forma; ningum verdadeiramente bom, s na aparncia exterior. O
comportamento interior moral regulado a partir do interior do sujeito.
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As Normas de Trato Social so heternomas: abrangendo as regras mais
elementares de cortesia at as mais refinadas formas de etiqueta social, compartilha da
heteronomia prpria do Direito. Isso significa que no precisam necessariamente ser
praticadas com sinceridade. Para seu atendimento basta a adequao exterior do ato
regra, sendo dispensvel adeso interna ao seu contedo. De fato, tanto atende as
regra de etiqueta quem age com sinceridade, como quem est fingindo ao execut-las.
Alis, como salienta Miguel Reale, conhecido o fato de ser precisamente o hipcrita
que mais se esmera na prtica de atos afveis e corteses.
5.2 - O Direito coercvel: h a possibilidade de se invocar o uso da fora para a
execuo da norma jurdica; significa a possibilidade de um agir forado.
A Religio incoercvel: uma orao, por exemplo, fruto da fora ou da coao,
perde todo o seu valor.
A Moral incoercvel: o ato moral no pode ser forado, uma vez que a Moral o
mundo da conduta espontnea. No se pode coagir quem quer que seja a cumprir os
preceitos morais contra a sua vontade; por isso so incoercveis, isto , no podem se
servir da fora, mesmo quando esta se manifesta juridicamente organizada. Ningum,
de fato, bom fora
As Normas de Trato Social so incoercveis: quem as desatende, pode sofrer uma
sano social, mas no pode ser forado a pratic-las. Por exemplo, ningum pode ser
coagido a ser corts, a saudar algum etc.
5-3 - O Direito, a Moral e as Normas de Trato Social so bilaterais: Entendemos
por bilateralidade a existncia de duas ou mais pessoas na relao; cuida-se do
enlace apenas social. Ora, isso acontece no s no Direito corno na Moral, e tambm
com as normas de trato social.
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Assim, dar esmola norma moral que estabelece bilateralidade: aquele que pede a
esmola e outro que a d; pagar o aluguel norma jurdica que estabelece
bilateralidade: o locador e o locatrio; sou corts, saudando algum... Ningum
corts consigo prprio.
Vale relembrar que a Moral bilateral porque, embora visando ao bem da pessoa, a
subjetividade de cada um s se realiza plenamente numa relao necessria de
intersubjetividade; assim, visando ao bem da pessoa, visa implicitamente ao bem social.
A bilateralidade, portanto, no pode ser tida como nota diferencial da Moral e do Direito,
num rigoroso sentido do seu conceito. Contudo, h autores que entendem a
bilateralidade como o poder que tem a norma jurdica de correlacionar dois ou mais
indivduos, impondo obrigaes a uns e atribuindo faculdades correlativas a outros;
incluem, portanto, no seu conceito tambm o de atributividade.
A Religio no bilateral: a bilateralidade ou a alteridade (a presena do outro) no
necessria Religio que, em geral, tida como um vnculo moral entre Deus e os
homens. Assim, quem vivesse isolado de seus semelhantes, embora livre do imprio
do Direito, estaria subordinado s normas de sua religio, uma vez que o valor ao qual
correspondem as religies o divino. No dizer de MAYER: O prximo no um
elemento necessrio da idia religiosa; dentro dessa perspectiva de anlise, visto
como algo circunstancial; o que se projeta como fundamental o valor do divino,
norteando o homem tanto na sociedade, como fora dela.
No se pode negar, contudo, que a atitude religiosa eficaz, frutifica em ao moral, em
boas obras, no relacionamento com os outros.
5.4 - O Direito atributivo: h uma atribuio garantida de uma pretenso ou
ao, que podem se limitar aos sujeitos da relao ou estender-se a terceiros. Por
exemplo, o locatrio est no imperioso dever de pagar o aluguel ao locador, cabendo
a esse a faculdade de exigir, e com garantia, o pagamento.
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A Moral no atributiva: o mendigo que solicita uma esmola ser atendido ou no,
dependendo do sentimento de piedade do outro. A norma moral bilateral, mas nada
h que torne obrigatrio o seu acatamento, ou seja, aquele que solicitado no est no
dever jurdico de acatar a solicitao; o mendigo no pode exigir que lhe seja dado
esmola. A Moral apenas impe deveres; no atribui o poder de exigir uma conduta do
prximo.
A Religio no-atributiva: como visto, o que se projeta corno fundamental no
terreno religioso o valor do divino, norteando o homem tanto na sociedade, como
fora dela, e sem a atribuio de uma pretenso ou ao.
As Normas de Trato Social no so atributivas: embora bilaterais, no so
atributivas; por isso, ningum pode exigir, por exemplo, que o sadem
respeitosamente. claro que, se o ato se transforma em obrigao jurdica, surgir a
atributividade: a saudao do militar ao seu superior hierrquico (continncia), o uso
de certa indumentria (uniforme militar), etc.
6. Forma Jurdica da Ordenao Social
Conhecidas as notas, sobretudo a especfica, que distinguem o Direito das demais
normas ticas, podemos definir como ele, e s ele, ordena as relaes de convivncia;
com outras palavras, definir a forma jurdica da ordenao social. Assim, dando
prosseguimento definio iniciada, podemos definir o Direito como sendo: A
ORDENAO HETERONOMA, COERCVEL, BILATERAL-ATRIBUTIVA DAS
RELAES DE CONVIVNCIA.
Aps a leitura do texto, complete o quadro sintico, assinalando sim ou mo para a
ocorrncia das caractersticas listadas nos diferentes instrumentos de controle social
Notas: Heteronomia Coercibilidade Bilateralidade Atributividade
Direito Sim Sim Sim Sim
Religio No No No No
Moral No No Sim No
Trato social Sim No Sim No
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Texto de Apoio 05 - Formao e Manifestao do Direito
A norma um elemento constitutivo do Direito, alm do fato e do valor. Dispondo sobre
fatos e consagrando valores, vem a ser o ponto culminante do processo de elaborao
do Direito.
Vejamos, ento, como o Direito se forma e se manifesta na vida social. O estudo cuida,
a bem ver, do problema das fontes do Direito e sobre este tema, a doutrina jurdica
no se apresenta uniforme.
O Positivismo Jurdico simplifica o problema, ao afirmar dogmaticamente que o Estado
a nica fonte do Direito, o qual fica reduzido a uma srie de ordens elaboradas ou
aprovadas pelos rgos do poder pblico.
Na realidade, a questo bem mais complexa, devendo-se, de incio, distinguir dois
momentos fundamentais na gnese do Direito: o de sua formao e o de sua
manifestao.
1. Formao do Direito
Na formao do contedo das normas jurdicas concorre todo um conjunto de fatores
sociais e de valores. So todos os elementos que de um modo ou de outro provocam a
elaborao e determinam a criao do Direito. No ainda o Direito, constituem seu
antecedente lgico e natural; mas deles que advm o Direito.
1.1 Fatores Sociais:
Esto representados pelo conjunto de fatores econmicos, religiosos, polticos, morais e
naturais. A vida jurdica, sendo fenmeno cultural, est sempre na dependncia de
mltiplos fatores sociais. O erro, como adverte Miguel Reale, consiste em atribuir a
qualquer dos fatos sociais um relevo excepcional e desmedido.
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a) Fator econmico:
No se pode negar a importncia dos fatores sociais sobre o Direito; vemos dia a dia,
as novas relaes econmicas modificando o panorama jurdico de qualquer pas. H
mesmo uma corrente filosfica, chefiada por Karl Marx (1818 - 1883), que reduz o
Direito, e todos os demais produtos culturais, a um fenmeno econmico. O fator
econmico , para Marx, o determinante de todos os outros fatores sociais, a sua
causa primeira e eficiente: a Economia e o Direito se encontram numa relao de causa
e efeito.
Exagero parte, no se pode negar a influncia da Economia sobre o Direito. Porm,
se o fenmeno econmico influi decisivamente sobre o fato poltico e o jurdico, ele
por sua vez governado pelo Direito.
b) Fator religioso:
Embora sem aquela importncia extraordinria de outros tempos, quando o Direito se
confundia com a Religio, o fator religioso ainda tem muita influncia na determinao
do Direito de cada povo. Apesar de predominar o princpio da liberdade religiosa, cada
povo tem sempre uma religio que conta com um maior nmero de adeptos, e aos
elaborar seu direito o faz respeitando os sentimentos religiosos da maioria. Geralmente
no direito de Famlia que a religio exerce a maior influncia.
Com lembra Paulo Nader, alguns sistemas jurdicos continuam a ser regidos por livros
religiosos, notadamente no mundo muulmano. No incio de 1979, o Ir restabeleceu a
vigncia do Alcoro, livro da seita islmica, para disciplinar a vida de seu povo.
c) Fator Poltico:
O fator poltico igualmente influencia bastante no campo jurdico. Em geral as grandes
modificaes polticas de um Pas acarretam a adoo de novas leis, at de nova
Constituio onde se esteia toda a sua vida jurdica. So necessariamente diferentes, p.
ex., os direitos de governos monrquicos e republicanos, de regimes ditatoriais e
democrticos.
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O Estado moderno caracteriza-se por uma acentuada interdependncia entre a Poltica
e o Direito; este, na sua funo ordenadora da convivncia social, depende do Estado
que tem como estrutura a Poltica. Contudo, no devemos, como Kelsen, estabelecer a
identidade do Direito e Estado; caso contrrio, por exemplo, nossos antepassados,
antes do estabelecimento do regime de Estado, teriam vivido sem Direito, o que
inadmissvel.
d) Fatores Morais:
Os fatores morais so outros que exercem influncia na configurao do Direito. As
virtudes morais de honestidade, decoro, decncia, fidelidade, respeito ao prximo etc.,
so elementos que entram na formao do Direito de cada povo e que merecem ser
preservadas e por isso o Direito se revela sensvel a elas.
e) Fatores Naturais:
Os fatores naturais no podem ser ignorados na formao do Direito de um pas. O
clima, o solo, a raa, a natureza geogrfica do territrio, a populao, a constituio
anatmica e psicolgica do homem so elementos significativos como matria do
Direito.
Assim, o polgono das secas, por suas peculiaridades, tem motivado entre ns o
surgimento de vrias leis de proteo. Os Persas se tornam comerciantes e passaram a
ter um Direito predominantemente comercial, em virtude das dificuldades de cultivo do
solo e da facilidade de navegao martima...
1.2 Elementos Axiolgicos
Alm da realidade social, existem tambm elementos axiolgicos, ou seja, valores que
influem na determinao do Direito.
Todo Direito existe como instrumento para a realizao de valores. Queremos viver em
uma sociedade em que se d a cada o que seu (valor Justia), em que haja
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organizao e disciplina de suas foras (valor Ordem), em que se garanta a cada um a
certeza da continuidade das relaes (valor Segurana), em que haja plena concrdia
entre os indivduos e os grupos sociais componentes (valor Paz). Ento, para a
consecuo desses objetivos valiosos, lanamos mo do Direito.
Inegvel, portanto, a influncia dos valores na formao da matria do Direito.
2. Manifestao do Direito
O Direito aparece na vida social atravs de certos meios ou formas de manifestao ou
de expresso como a legislao, o costume jurdico e a jurisprudncia...
3. Teoria das Fontes do Direito
A questo que se levanta : o que chamar de fonte do Direito? Os elementos que
concorrem tanto para a formao como para a manifestao das normas jurdicas ou
somente um deles?
3.1 - Fonte como meios de Formao e Manifestao.
Tradicionalmente, os autores costumam abranger, com a denominao fontes do
Direito, tanto aqueles elementos que concorrem para a formao do contedo ou
matria da norma jurdica (Fonte Material), como os modos ou formas da sua
manifestao (Fonte Formal). Tal distino surgiu com a positivao do direito no
sculo XIX, que deu lugar preponderncia da lei como fonte do Direito.
3.2 - Fonte como meios s de Manifestao.
Miguel Reale, tendo em vista os equvocos que a antiga distino entre fonte formal e
fonte material tem causado nos domnios da Cincia jurdica, prefere dar ao termo
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fonte do direito uma nica acepo, restrita ao campo da Cincia do Direito, como
sendo apenas os meios de expresso do Direito, produzindo normas jurdicas vigentes
e eficazes.
Ele aponta a impropriedade da expresso fonte material, pois o que se costuma
indicar com tal expresso no outra coisa seno o estudo filosfico ou sociolgico
dos motivos ticos ou dos fatos que condicionam o aparecimento e as transformaes
das regras de direito. Trata-se, antes, do problema do fundamento tico ou do
fundamento social das normas jurdicas, situando-se, por conseguinte, fora do campo
da Cincia do Direito, j que pertencem ao mbito da Filosofia ou Sociologia Jurdica.
Decorrentemente, assim define fonte do direito: so os processos ou meios em
virtude dos quais as regras jurdicas se positivam com legtima fora obrigatria, isto ,
se manifestam como ordenamento vigente e eficaz.
Na estria de Miguel Reale, observamos que tal viso se ajusta melhor ao sentido
prprio da palavra fonte (fons, fontis = nascente de gua).
Em sentido prprio, fonte o ponto em que surge o veio dgua; o lugar em que ele
passa do subsolo superfcie, do invisvel ao visvel. De fato, a gua tem origem s
camadas mais profundas da terra; e chega at ns, tem sua primeira apario na
superfcie da terra, se manifesta numa nascente (fonte). De certa forma, a fonte o
prprio curso dgua no ponto de transio entre estas duas situaes ou momentos: do
subsolo superfcie.
De forma semelhante, procurar a fonte de uma norma jurdica significa investigar o
ponto em que ela saiu das profundezas da vida social para aparecer na superfcie do
direito (Du Pasquier). A fonte do direito o prprio direito em sua passagem de um
estado de fluidez e invisibilidade subterrnea ao estado de segurana e clareza (Barna
Horvath).
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4. Pressupostos e Elenco das Fontes do Direito
Sendo a fonte do direito os meios atravs dos quais as regras jurdicas se manifestam
com legtima fora obrigatria, dois pressupostos se impem: a presena de um poder e
capacidade de inovar
a) Presena de um poder:
Para que se possa falar de fonte de direito, isto , de fonte de regras obrigatrias,
dotadas de vigncias e eficcia, preciso que haja um Poder capaz de especificar o
contedo do devido e de exigir o seu cumprimento, imputando ao transgressor
consequncias ou sanes penais. Os processos ou formas de manifestao do direito
pressupem, portanto, sempre uma estrutura de poder (M. Reale).
Na realidade a gnese de qualquer regra de direito, s ocorre em virtude da
interferncia de um poder, o qual, diante de um complexo de fatos e valores, opta por
data soluo normativa com caractersticas de objetividade e obrigatoriedade.
b) Capacidade de Inovar
A fonte, sendo elemento constitutivo de direito, deve ser capaz de inov-lo, ou seja,
capaz de introduzir algo de novo com carter obrigatrio no sistema jurdico j existente
e em vigor (M. Reale).
luz do conceito dado de fonte e dos seus pressupostos, quatro so as fontes de
direito, porque quatro so as formas de poder:
a) Processo Legislativo, expresso do Poder Legislativo;
b) Costumes Jurdicos, que exprimem o Poder Social, ou seja, o poder decisrio
annimo do povo;
c) Jurisdio, que corresponde manifestao do Poder Judicirio;
d) Negcio Jurdico, expresso do Poder Negocial ou da autonomia da vontade.
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Em suma, o Direito Resulta de uma srie de fatores sociais e de valores que a Filosofia
e a Sociologia estudam, mas se manifestada, como ordenao vigente e eficaz,
mediante as mencionadas formas de expresso ou fontes, que do nascimento s
correspondentes normas jurdicas: legal, consuetudinria, jurisdicional e negocial.
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Texto de Apoio 06 - Fontes do Direito - Norma Jurdica Legal
A norma jurdica legal, ou lei, no a rigor fonte do Direito, j que, com as demais
normas jurdicas, constitui o prprio direito objetivo / positivo.
antes o produto ou resultado do processo legislativo, este sim uma das fontes do
Direito, como visto. Claude Du Pasquier, a respeito, observava que, assim como a fonte
de um rio no a gua que brota do manancial, mas o prprio manancial, a lei no
representa a origem, mas o resultado da atividade legislativa.
1. Compreenso do Termo Lei
So frequentes os equvocos que cercam a palavras lei. Vejamos sua acepo
genrica e seu sentido tcnico.
1.1 - Acepo Genrica.
Segundo a definio de Montesquieu (1689 - 1755), lei vem a ser a relao necessria
que resulta da natureza das coisas (Do Esprito das Leis).
Nesse sentido genrico, lei toda relao necessria, de ordem causal ou funcional,
estabelecida entre dois ou mais fatos, segundo a natureza que lhes prpria. Essa
definio ampla vlida tanto para o mundo da natureza, como para o mundo da
cultura; ou seja, nesse sentido amplo que nos referimos tanto s leis fsico-
matemticas, como s leis sociais ou s leis ticas.
Ora, como vimos s leis ticas, por implicarem diretivas de comportamento, se
denominam propriamente normas, abrangendo as normas morais, as de trato
social e as jurdicas. Dentre as espcies de normas jurdicas, por sua vez, se destaca
a NORMA LEGAL que, por natural variao semntica, se denomina, pura e
simplesmente, LEI, adquirindo um sentido tcnico.
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Note-se, ainda, que a lei apenas uma das espcies da norma jurdica; esta
compreende tambm o costume, a jurisdio e os negcios jurdicos. Por isso, norma
jurdica e lei no so sinnimos.
- Sentido Tcnico.
Trs definies de lei so clssicas na literatura jurdica:
Lei o preceito da razo dirigido ao bem comum e promulgado por aquele que tem a
seu cargo o cuidado da comunidade (TOMS DE AQUINO);
Lei o preceito comum, justo, estvel, suficientemente promulgado (FRANCISCO
SUAREZ);
Lei o pensamento jurdico deliberado e consciente, expresso por rgos adequados
que representam a vontade preponderante (DEL VECCHIO).
Segundo MIGUEL REALE, quando, nos domnios do Direito, se emprega o termo lei, o
que se quer significar : uma regra escrita (ou um conjunto de regras escritas)
constitutiva de direito, isto , que introduz algo de novo com carter obrigatrio no
sistema jurdico em vigor, disciplinando comportamentos individuais ou atividades
pblicas.
Assim, s existe lei, no sentido tcnico da palavra, quando a norma escrita capaz de
inovar no Direito existente (alterando ou aditando novos preceitos obrigatrios), isto ,
capaz de conferir, de maneira originria, pelo simples fato de sua publicao e vigncia,
direitos e deveres a que todos devemos respeito.
2. Etimologia e Importncia da Lei
2.1 - A Origem Etimolgica do Vocbulo lei, ou seja, lex no clara.
a) Para alguns, lex vem de LAGERE (ler), tendo frente S. ISIDORO DE SEVILHA;
explicam que primitivamente as regras jurdicas que disciplinavam a vida social do povo
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romano eram todas consuetudinrias, formando o Direito no escrito que se exprimia
atravs dos mores majorum, vindos de tempos imemoriais. Mais tarde, na poca da
Repblica romana, o povo reunido em comcio ou a plebe agrupada em plebiscito
passou a elaborar regras jurdicas que depois de votadas e aprovadas eram, ento,
escritas em tabuinhas e divulgadas para serem lidas. Essas regras escritas em
tabuinhas passaram a ser chamadas de LEX, significando, ento, aquilo que se l.
b) Para outros, lex vem de LIGARE (ligar). Os adeptos desta corrente, liderada por
S. TOMS DE AQUINO, observam que entre os romanos a palavra lex servia para
designar no s as leis propriamente ditas como tambm os contratos entre os
participantes, que nem sempre eram escritos, no existindo nada para ser lido; no
obstante eram chamados de lex. Por isso, a palavra lex deve provir do verbo
ligare, pois o que h de comum na lei propriamente dita e nos contratos particulares
o fato de ligarem os indivduos em suas atividades, obrigando a vontade dos agentes a
seguir determinada direo.
c) Outros acham que a palavra lex se origina de ELIGERE (escolher), porque o
legislador escolhe entre as diversas proposies normativas possveis, uma para ser lei
(CCERO em Das Leis).
2.2 - Importncia da Lei.
Hoje, grande a importncia da lei nos pases de direito escrito e de Constituio
rgida, sendo que, mesmo naqueles onde h predominncia do costume, vem
crescendo a influncia do processo legislativo. Tal fato se explica pelos seguintes
motivos:
A lei goza de maior rapidez na sua elaborao, o que permite ajustar melhor a
regra de Direito s necessidades sociais emergentes e em constantes mudanas;
de mais fcil conhecimento e de maior preciso, por se apresentar em termos
escritos;
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Oferece por tudo isso, maior certeza e segurana s relaes sociais.
A atividade legiferante , assim, a fonte jurdica por excelncia do Direito.
3. O Processo Legislativo como Fonte Legal
No atual sistema constitucional ptrio, a fonte legal o processo legislativo,
expresso consagrada no art. 59 da Constituio Federal para designar o conjunto de
atos atravs dos quais se opera a gnese legal, ou seja, d-se origem a atos
normativos com a consequente criao de novas situaes jurdicas.
Na lio de MARIA HELENA DINIZ, o processo legislativo vem a ser um conjunto de
fases constitucionalmente estabelecidas, pelas quais h de passar o projeto de lei, at
sua transformao em lei vigente.
O Processo Legislativo compreende a elaborao de sete atos normativos:
I - Emendas Constituio
II - Leis Complementares
III - Leis Ordinrias
IV - Leis Delegadas
V - Medidas Provisrias
VI - Decretos Legislativos
VII - Resolues
Sobrepondo-se a todos eles, como lei maior, est a Constituio Federal que no faz
parte do processo legislativo, tendo em vista que ela nasce da vontade do poder
constituinte originrio que ilimitado e soberano.
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3.2 - Emendas Constituio (CRFB, art. 60):
Nos termos do art. 60 e seus pargrafos da CRFB o Constituinte Originrio derivou ao
Congresso Nacional (CN) reformas do texto constitucional, de grande ou pequeno
alcance, promovendo-lhe adies, supresses ou mesmo modificaes. Tais Emendas
depois de promulgadas pelas mesas do CN passam, portanto, a integrar o texto da
Constituio.
3.3 - Leis Complementares (CF, arts. 61 e 69):
Complementam a Constituio, particularizando e detalhando matria que ela abordou
apenas genericamente; destinam-se, pois, a desenvolver a normatividade de
determinados preceitos constitucionais. So admissveis somente nos casos em que a
prpria Constituio expressamente autorize e no passam a integrar o seu texto, so
leis em separado.
3.4 - Leis Ordinrias (CF, art. 61):
So as leis comuns, oriundas do Poder Legislativo no exerccio de sua funo
primordial: legislar. Constituem a grande categoria das normas legais, nascidas do
pronunciamento do Legislativo, com a sano do Chefe do Executivo, e na prtica so
denominadas simplesmente de Lei.
3.5 - Leis Delegadas (CF, art. 68):
So aquelas que emanam do Poder Executivo mediante delegaes de competncia
feita pelo Poder Legislativo. O primeiro desses Poderes (delegado) normalmente no
teria competncia para elaborar a lei, mas veio a adquiri-la em virtude da delegao
feita pelo segundo (delegante). A lei resultante dessa delegao de poderes Para
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elabor-la, denominasse lei delegada. O 1 do art. 68, da Constituio Federal,
especifica os assuntos que no podero objeto de delegao.
3.6 - Medidas Provisrias (CF, art. 62):
So normas editadas pelo Poder Executivo, com fora de lei, em caso de relevncia
urgncia. Tais medidas provisrias devem ser submetidas de imediato ao Congresso
Nacional; perdero eficcia, desde a sua edio, se no forem convertidas em lei no
prazo de sessenta dias, prorrogveis uma nica vez por igual prazo, a partir de sua
publicao; nessa hiptese, o Congresso Nacional dever disciplinar, atravs de
Decreto Legislativo, as relaes jurdicas delas decorrentes.
Como se pode observar, diferena do extinto decreto-lei, as medidas provisrias
podero abranger qualquer tema, desde que no proibidos pelo artigo 60 da CRFB.
Tais medidas no contam com a aprovao por decurso de prazo, como ocorria no
decreto-lei. Uma vez que, embora passem a vigorar imediatamente aps a sua
publicao, se o Congresso Nacional no se manifestar sobre o seu teor dentro de
sessenta dias, prorrogveis uma nica vez por igual praz, elas perdem sua eficcia.
Com a ratificao do Congresso, a medida provisria torna-se lei. As Medidas
Provisrias podero ser reeditadas uma nica vez.
3.7 - Decretos Legislativos:
o instrumento formal de que se vale o Congresso Nacional para praticar os atos de
sua exclusiva competncia (art. 49, CF); como por exemplo, resolver definitivamente
sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretam encargos ou
compromissos gravosos ao patrimnio nacional.
Uma vez aprovado, o Decreto Legislativo promulgado pela Mesa do Congresso
Nacional, no se submetendo ao veto ou sano do Chefe do Executivo.
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3.8 - Resolues:
So atos vinculados prpria atividade do Congresso Nacional, tambm independentes
da sano do Chefe do Executivo, tendo por base finalidades especficas do seu
peculiar interesse, como por exemplo: a delegao de competncia ao Presidente da
Repblica (CF, art. 68, 2); a suspenso pelo Senado da execuo da lei declarada
inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal; a fixao, pelo Senado, das alquotas
de certos impostos (CF, art. 155, 1, IV e 2, IV, V).
Dissemos que prprio da norma legal inovar no Direito vigente, quer alterando, quer
aditando novos preceitos obrigatrios. o que se d com os atos normativos
discriminados acima.
Deve-se notar, porm, que no so quaisquer decretos legislativos ou resolues
que pertencem nossa fonte legal, mas somente aqueles que, por fora da
Constituio, integram o, sistema de normas, dando origem a um dispositivo de carter,
cogente; por exemplo, os decretos legislativos mediante os quais o Congresso Nacional
aprova os tratados internacionais, ou as resolues do Senado Federal que fixam
alquotas de imposto.
4. Decretos e Regulamentos
Dispe o art. 84, inciso IV, da Constituio Federal que compete ao Chefe do Executivo
expedir decretos e regulamentos, para a fiel execuo das leis.
- Regulamentos ou Decretos Regulamentares.
Existem normas que no so auto-aplicveis; elas exigem, para sua vigncia, a criao
de novas normas que as complementam ou regulamentam, ou seja, exigem um
regulamento que lhes d a forma prtica com que devero ser aplicadas.
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Assim, a lei, quando do tipo regulamentvel, d os lineamentos gerais, sem descer s
particularidades; o Regulamento, complementando-a, desce s mincias, abordando os
aspectos especiais necessrios aplicao prtica da mesma.
Tais Regulamentos so baixados pelo Poder Executivo, atravs de Decretos,
chamados Decretos Regulamentares, cuja validade no exige o referendo do Poder
Legislativo.
A rigor, o decreto no se confunde com o regulamento. O decreto o meio pelo qual o
Chefe do Poder Executivo pratica os atos de sua competncia e exterioriza, em carter
formal, a sua vontade poltico-administrativa, emprestando-lhe relevncia e eficcia
jurdicas. No se concebe, porm, o regulamento, em esse meio de veiculao e
divulgao.
Por exemplo, a Lei n 5107, de 13.09.66 que criou o Fundo de Garantia do Tempo de
Servio, disps em seu artigo 33: Esta lei entrar em vigor no primeiro dia do ms
seguinte ao da publicao do seu Regulamento.... Resultou da o Decreto n 59.820,
de 20.12.66, que aprovou o denominado Regulamento do FGTS.
a) No que se refere ao problema da fonte legal, os Regulamentos ou Decretos
Regulamentares no so leis, no sentido tcnico, pois no podem inovar a ordem
jurdica, criar deveres ou obrigaes. De fato, eles no podem ultrapassar os limites
postos pela norma legal que especificam ou a cuja execuo se destinam.
Em relao lei que regulamentam:
1) no podem transgredir o disposto pela lei, vinculando-se ao estabelecido
textualmente por ela; tem carter subsidirio;
2) no podem inovar, criar dever ou direito novo; no podem exigir ou dar mais do que a
lei que regulamentam.
Como adverte PONTES DE MIRANDA: onde se estabelecem, alteram ou extinguem
direitos, no h regulamentos - h abuso de poder regulamentar, invaso da
competncia do Poder Legislativo.
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O regulamento no mais do que auxiliar das leis.
Destarte, os Regulamentos, que no raro so invocados como espcie de fonte legal,
no integram o processo legislativo e somente poderiam ser considerados fontes
legais subordinadas ou complementares; s podem ser concebidos como atos
normativos de vigncia e eficcia subordinadas aos ditames das normas oriundas do
processo legislativo.
4.2 - Simples Decretos.
Ao lado dos Decretos Regulamentadores, existem os decretos simples ou
autnomos, que so editados na rotina da funo administrativa, sobre matrias
definidas nas Constituies Federal e Estadual e nas Leis Orgnicas dos Municpios.
No passam de meros atos administrativos.
5. Hierarquia das Normas Legais
5.1 A rigor dentro do ordenamento jurdico, os atos normativos compreendidos
pelo processo legislativo no tm uma posio hierrquica. Esta hierarquia s se
estabelece nas competncias concorrentes. Assim nesta hiptese assumindo a forma
de uma pirmide, a ordem jurdica desenvolve-se desde a Norma Constitucional no
pice da pirmide, at a base, contendo diversos escales hierrquicos:
1) A Constituio Federal (Lei Fundante ou Fundamental que encabea todo o
sistema; no integra o processo legislativo porque o antecede); Leis Constitucionais,
compreendendo as Emendas Constituio.
2) Leis Complementares Constituio;
3) Leis Ordinrias, Leis Delegadas, Medidas Provisrias, Decretos Legislativos e
Resolues;
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4) Decretos Regulamentares (como fonte subordinada e complementar).
5.2 - A finalidade prtica desta hierarquia evitar o caos, pois, caso contrrio,
seria grande o problema de dispositivos conflitantes e imensas as confuses
legislativas. Consequentemente, respeitado sempre o critrio de competncia privativa,
temos que:
a) Um ato normativo s pode ser revogado por outro da mesma hierarquia ou de
escalo superior;
b) praticamente ineficaz ato normativo de escalo inferior, quando incompatvel com
outro superior, sobretudo quando incompatvel com a Lei Fundamental;
c) Quanto s normas editadas pela Unio, Estados-Membros e Municpios- no plano
da competncia privativa, ou seja, a que versa sobre matria exclusiva e nas quais
vedada a interferncia das outras pessoas jurdicas de direito publico, o critrio
hierrquico no vlido; assim, uma norma federal no prevalece contra uma lei
estadual ou mesmo municipal, se o assunto disciplinado for de competncia
exclusiva do Estado ou do Municpio;
d) A rigor, as nicas normas jurdicas que prevalecem sempre, so as normas
constitucionais federais; elas primam sobre todas as categorias de normas
vigentes, que devem se subordinar a elas, no tendo validade quando em conflito
com as mesmas.
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Texto de Apoio 07 - Fontes do Direito - Jurisprudncia
1. Acepes da palavra
O vocbulo Jurisprudncia pode indicar Cincias do Direito, Dogmtica Jurdica. Pode
referir-se, tambm ao Conjunto de Sentenas dos Tribunais, em sentido amplo, e
abranger tanto a jurisprudncia uniforme como a contraditria.
Em sentido estrito, Jurisprudncia apenas o Conjunto de Sentenas Uniformes. Nesse
sentido, falamos em firmar jurisprudncia ou contrariar a jurisprudncia nesta acepo
que se coloca o papel da jurisprudncia como fonte do direito.
2. Conceito
A JURISDIO (termo derivado da expresso latina juris dictio = a dico do direito)
vem a ser o poder legal dos magistrados de conhecer e julgar os litgios, dizendo o que
de direito naquele caso concreto.
Jurisprudncia o conjunto de decises uniformes e constantes dos tribunais,
resultante da aplicao de normas a casos semelhantes, sendo uma norma geral
aplicvel a todas as hipteses similares, enquanto no houver nova lei ou modificao
na orientao jurisprudencial.
Diferencia-se de competncia que a capacidade do juiz para o exerccio da jurisdio
em certos lugares ou sobre certas matrias ou relativamente a certas pessoas,
conforme a lei determina.
JOO MENDES JUNIOR ensina que a competncia a medida da jurisdio.
Assim, se todos os juizes tm jurisdio, nem todos se apresentam com competncia
para conhecer e julgar determinada lide; s o juiz competente tem legitimidade para
faz-lo.
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Pois bem, uma das formas de revelao do direito se processa atravs do exerccio da
jurisdio pelos Juizes e Tribunais.
3. Jurisprudncia como fonte do direito
A jurisprudncia cria o direito?
Para os ordenamentos jurdicos filiados ao sistema anglo-saxo, por se basear no
direito costumeiro a jurisprudncia constitui uma importante forma de expresso do
direito.
Nos estados que seguem a tradio romano-germnica, de preponderncia legislativa,
cujo sistema vincula-se o direito brasileiro, prevalece o entendimento de que o papel da
jurisprudncia limita-se a revelar o direito preexistente.
Por mais reiterada que seja a jurisprudncia no constitui norma imperativa como
fonte normal do direito positivo. Washington