AS CENTRAIS SINDICAIS BRASILEIRAS
A importância sociológica no processo de reestruturação do sindicalismo brasileiro e sua
natureza jurídica.
Luís Carlos Cândido Martins Sotero da Silva*
I – INTRODUÇÃO
Queremos crer que em grande parte da nossa civilização já esteja superada a
concepção do trabalhador como “objeto e propriedade” do detentor do capital.
A ordem constitucional vigente consagra como alguns dos seus fundamentos a
garantia da dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa
(art.1º, III e IV) e elege como um dos objetivos fundamentais a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária (art. 2º, I). A ordem social está decalcada no princípio do
trabalho e com objetivo definido no bem-estar e na justiça social.
O conflito “capital versus trabalho” não se resume apenas ao aspecto salário e
trabalho, sendo este apenas uma das várias facetas. Por óbvio, para se alcançar o desiderato
insculpido na Carta Magna, indispensável que as partes envolvidas naquele secular conflito
(empregados, empregadores, entidades de classes e o próprio Estado) exerçam uma co-
responsabilidade generalizada com uma vontade real e efetiva de se proceder as alterações
profundas e necessárias nas relações de trabalho. Vigorosa vontade política, lealdade, boa-
fé, confiança e ausência de posições preconceituosas são ingredientes elementares que
devem permear as relações.
Nesse contexto, as centrais sindicais desenvolvem um papel de crucial importância
na medida em que aglutinam os legítimos anseios sociais e postam-se como fiéis
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interlocutoras. Vale registrar ainda, que sua importância se agiganta na razão diretamente
proporcional ao da existência da liberdade sindical.
II – O SURGIMENTO DAS CENTRAIS SINDICAIS E SUAS CONTRIBUIÇÕES
NA REESTRUTURAÇÃO DO SINDICALISMO BRASILEIRO
Via de regra, principia-se o estudo de um determinado instituto pela sua natureza
jurídica, uma vez que aí reside seu alcance, sua abrangência. Em outras palavras, fixa-se o
objeto de estudo.
Contudo, o tema ora analisado – centrais sindicais brasileiras – dadas as suas
peculiaridades, comporta uma alteração desse roteiro. O fato do surgimento das centrais
sindicais estar atrelado, umbilicalmente, ao sistema corporativo ainda que posteriormente,
algumas entidades viessem a repudiá-lo, justifica nossa escolha. Optamos por discorrer
algumas palavras sobres os sindicatos, pois esses se constituem a base das centrais
sindicais. Após, passaremos a descrever alguns fatos marcantes da historia e,
paralelamente, teceremos nossas observações acerca dos entes sindicais. Este procedimento
nos levará à conclusão lógica quanto à natureza jurídica das centrais.
Todos sabem que, para melhor compreensão de um determinado fenômeno,
devemos, sempre que possível, debruçarmos sobre seu contexto histórico.
As organizações sindicais, tais como hoje as conhecemos, tiveram origem com a
industrialização.
A primeira organização sindical no Brasil data de 1906 - Confederação Operária
Brasileira – COB, a qual, diga-se passagem, foi criada à margem da legalidade.
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Getúlio Vargas, tomando como referência Mussolini, importou da Itália o
denominado “modelo legal de organização sindical”, sendo que os sindicatos se prestavam
a atender aos interesses ditatoriais do Estado, numa atitude subalterna. Em 1945 há o fim
do Estado Novo. Em meados dos anos 50, em razão do “boom industrializante” que ocorreu
no nosso país (para se utilizar da expressão de Álvaro Augusto Comin1), pode-se dizer que
começou a se formar uma moderna classe operária, ao lado de um expressivo número de
trabalhadores urbanos não-industriais voltados para os serviços públicos e privados. Em
1962 é fundado o Comando Geral dos Trabalhadores. O golpe militar de 1964 representa
um retrocesso no desenvolvimento do movimento sindical, que manteve os sindicatos,
porém, sem qualquer espaço para o exercício da real vocação sindical.
Na verdade, no curso da curta história do Brasil, o movimento sindical em sua
grande parte, caracterizou-se como um elemento a serviço do Estado, desprovido de
independência, o que lhe desnaturava sua atuação.
Entretanto, como o fenômeno social é imprevisível, ironicamente, houve o
ressurgimento do movimento sindical dentro desses mesmos sindicatos, aproveitando-se
que estavam albergados pelo manto da legalidade, bem como da infra-estrutura que
dispunham2 .
1 A Experiência de Organização das Centrais Sindicais no Brasil, p. 360. 2 Cf. Leôncio Martins Rodrigues, p. 13: “Considerando os anos de calmaria que se seguiram à repressão das
greves de Contagem e Osasco em 1968, o movimento sindical brasileiro reorganizou-se de modo
surpreendentemente rápido. Para tanto contribuiu, em primeiro lugar, o fato de a estrutura sindical oficial ter
permanecido intacta durante todo o período ditatorial, pois o esforço dos governos militares foi no sentido de
controlá-la mas não de destruí-la. Desse modo, quando se iniciou a transição democrática, as novas lideranças
sindicais “combativas” e as correntes de esquerda puderam contar com uma infra-estrutura administrativa e
um volume considerável de recursos capazes de possibilitar não apenas a realização de numerosas greves
como também o financiamento de muitos encontros, reuniões, conferências, publicações e outras atividades
políticas e sindicais. Pensamos, conseqüentemente, que não conviria menosprezar a importância do aparelho
sindical, que pôde ser mobilizado por suas diretorias de uma forma certamente não desejada pelo governo”.
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Há um marco histórico significativo que alterou os rumos do movimento sindical.
Estamos nos referindo àquele desenvolvido no ABC paulista, em plena época da ditadura
militar. Não se pode negar a importância do movimento dos trabalhadores de
Contagem/MG, que em abril de 1968, suspenderam o trabalho pleiteando reposição de
perdas salariais. Porém, não contaram com a participação do sindicato; o movimento
ocorreu à revelia desse último, que não apenas se negou a participar, mas também pediu a
suspensão. Posteriormente, o mesmo tipo de movimento ocorreu no setor metalúrgico em
Osasco, porém, o sindicato se fez presente, o que levou o então Min. do Trabalho Jarbas
Passarinho, a reagir com a ocupação militar da cidade de São Paulo, decretação da prisão
dos dirigentes sindicais e ativistas, determinando a intervenção na entidade.
Antes desse fato, a Federação dos Metalúrgicos de São Paulo, presidida por Argeu
Egídio dos Santos, afrontara o milagre econômico realizado pelo ministro Delfim Neto,
reclamando na Justiça a reposição de perdas salariais, contando com a assessoria técnica do
DIEESE.
Em 1978, os trabalhadores da Scania, montadora automotiva de São Paulo,
cruzaram os braços, para surpresa geral e até das direções sindicais. O mesmo ocorreu na
Ford, na Volkswagen e nas grandes indústrias metalúrgicas do ABC paulista.
A onda de greves se espalhou fácil e rapidamente para outros municípios e
empolgou outras categorias. Ainda que fossem reivindicatórias, as greves assumiram
caráter político, desafiando o absolutismo do governo e sua política que não considerava o
trabalhador como figura social.
João Batista Figueiredo assumiu o governo disposto a restaurar a democracia, e, de
fato, com ele encerrou-se o período de domínio militar.
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Em seguida, Tancredo Neves, da Aliança Democrática, bateu o outro candidato,
Paulo Salim Maluf, da Arena, no colégio eleitoral, mas não resistiu à grave enfermidade
que o acometeu e então assumiu o vice, José Sarney, ex-UDN, ex-presidente da Arena.
Até a Constituição de 1988 poucas modificações ocorreram. A Portaria nº 3.100/85
revogou a Portaria nº 3.337/78, que proibia centrais sindicais, a Resolução de 1985
promoveu a reabilitação de sindicalistas punidos e a Portaria nº 3.117/85 abriu prazo para
que os sindicatos dispusessem nos estatutos sobre eleições sindicais.
Ao Congresso foi remetido projeto de lei (nº 164/87) a respeito de organização
sindical, negociação coletiva e greve, com o fim de revogar o Título V da CLT sobre os
dois primeiros temas e a Lei nº 4.060/64, segunda lei de greve.
Essa postura oficial decorreu do processo de abertura política e redemocratização,
começado com a Nova República. A democratização das relações sindicais foi
considerada a principal parte do procedimento de renovação política e a negociação
coletiva foi incentivada como a primeira forma de solução dos conflitos trabalhistas.
Nos grandes centros do país, como São Paulo, ocorreu significativa onda de greves
diante da alta inflação. Passou-se a desenvolver um sindicalismo de resultados, pragmático,
não-contestativo do Estado, voltado para a obtenção de bons acordos e convenções
coletivas de trabalho. A lei então em vigor, no entanto, baseada nos superados princípios
corporativistas, contrastava com a realidade fática.
Tentou-se, assim, a ratificação da Convenção nº 87 da OIT. Mas uma ala do
movimento sindical a ela se opôs, por entender que ocorreria o fracionamento da unidade
com as facilidades que assegura para a criação de sindicatos e que haveria incentivo à
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fundação de sindicatos ideológicos. Foi então paralisada a tramitação do processo de
ratificação da citada Convenção.
Na Assembléia Nacional Constituinte os sindicatos conseguiram vencer no que toca
à manutenção de dois princípios: unicidade sindical (proibição, por lei, da existência de
mais de um sindicato da mesma categoria na mesma base territorial) e contribuição sindical
compulsória, fixada por lei.
O sistema de organização sindical acolhido pela Constituição Federal de 1988 é
contraditório: intenciona combinar a liberdade sindical com a unicidade sindical imposta
por lei e a contribuição sindical oficial. Prevê o direito de ser criado sindicato sem
autorização estatal, mas mantém o sistema confederativo que define bases territoriais,
representação por categorias e tipos de entidades sindicais. Importante frisar que as
limitações impostas pela Magna Carta foram defendidas por parte do movimento sindical,
de forma que elas representam a vontade dos próprios interessados. Não se pode falar,
portanto, que houve imposição do governo, mas reflexo dos parâmetros estabelecidos pelas
entidades sindicais.
Se no Brasil, após o advento da Novel Carta Magna ocorreu a proliferação
exagerada dos sindicatos, sem qualquer vinculação com os anseios efetivos das classes que
estariam a representar, objetivando apenas a percepção das contribuições e, alçar alguns
membros à condição de Juiz Classista, instituto vigente à época, é certo que no cenário
mundial ocorreu o inverso.
Para superar o ostracismo do movimento sindical que a própria sociedade e alguns
sindicatos representativos reclamam, as centrais sindicais, de há muito, têm preconizado ser
indispensável a reformulação da legislação. Para tanto, existem dois pontos cruciais: a
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efetiva implantação da liberdade sindical e o fim do recolhimento do imposto sindical
obrigatório, ranços do regime corporativista, após a devida e necessária reforma
constitucional.
O tema “liberdade sindical”, dada a importância que tem no desenvolvimento
sindical, e por conseqüente, nas atividades das centrais sindicais, merece algumas palavras.
A premissa básica do sindicalismo assenta-se no princípio da liberdade.
Princípios são proposições genéricas que informam e dão coesão a um sistema, do
qual se originam as regras. Vê-se, portanto, que são hierarquicamente superiores a estas
últimas.
As palavras de José Augusto Rodrigues Pinto revelam a preocupação com a
realização material do princípio, in verbis:
“a liberdade constitui um eixo ideal do suporte do sindicalismo, somente
apto a alcançar a efetividade se reforçado por essas outras idéias
(denominadas de complementares), também estruturais, que a resgatam
do plano ideal com toda sua carga de abstração, para o da idéia factível
num universo de relações concretas e fortemente influenciadas pelo
materialismo dos interesses que a envolvem”3.
Para Arion Sayão Romita4, o termo liberdade sindical tem vários significados, sendo
que, na verdade, encerra um “feixe de liberdades.”
Adotando os critérios de Orlando Gomes e Elson Gottschalk5, a liberdade pode ser
assim classificada:
3 Direito Sindical e Coletivo do Trabalho, p. 78. 4 Direito Sindical Brasileiro, p. 40. 5 Curso de Direito do Trabalho, p. 528.
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a) em relação ao indivíduo: i) liberdade de aderir a um sindicato; ii) liberdade de não se
filiar a um sindicato; iii) liberdade de se demitir de um sindicato.
b) em relação ao grupo profissional: i) liberdade de fundar um sindicato; ii) liberdade de
determinar o quadro sindical na ordem profissional e territorial; iii) liberdade de
estabelecer relações entre sindicatos para formar agrupamentos mais amplos; iv)
liberdade para fixar regras internas, formais e de fundo para regular a vida sindical; v)
liberdade nas relações entre sindicalizado e o grupo profissional; vi) liberdade nas
relações entre o sindicato de empregados e de empregadores; vii) liberdade no exercício
do direito sindical em relação à profissão; viii) liberdade no exercício do direito sindical
em relação à empresa.
c) em relação ao Estado: i) independência do sindicato em relação ao Estado; ii) conflito
entre autores do Estado e ação sindical; iii) integração dos sindicatos no Estado.
Passemos, pois, à análise de cada um dos tipos de liberdade mencionados.
Liberdade de aderir a um sindicato.
Consta na Declaração Universal dos Direitos dos Homens:
“Art. XX 1.Todo homem tem o direito à liberdade de reunião e
associação pacíficas.
2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma
associação.”
Assegura o art. 2º da Convenção nº 87 da OIT, a todos os trabalhadores e
empregadores, exceção feita aos membros das forças armadas e da polícia (vide art. 9º), o
seguinte:
“Os trabalhadores e os empregadores sem distinção de qualquer espécie,
terão direito de constituir, sem autorização prévia, organizações de sua
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escolha, bem como o direito de se filiar a essas organizações, sob a única
condição de se conformar com os estatutos das mesmas.”
A Constituição Federal no inciso V do art. 8º encerra: “Ninguém será obrigado a
filiar-se ou manter-se filiado a sindicato”.
Ressalte-se, por importante, que o bem de vida que se está buscando proteger -
liberdade – não é exclusivo dos empregados, alcançando também os empregadores.
Contudo, por razões óbvias, diante do poder econômico destes últimos, são particularmente
os empregados os que mais se beneficiam do princípio sob comento.
A liberdade de sindicalização é matéria que diz respeito, diretamente, aos
indivíduos, concedendo-lhes o exercício de uma faculdade. É um direito, pois, do
trabalhador individualmente considerado. Entretanto, também reflete a do grupo, na medida
em que a sindicalização se revela fonte de legitimidade de expressão.
Liberdade de não se filiar a um sindicato.
Como corolário lógico da liberdade de filiação, há a liberdade de não engajamento.
A associação obrigatória, em contraposição à livre associação, tem incidência nos
países totalitários, nos quais o sindicato tem qualidade de direito público.
Nos países de tradição liberal, há tendência ao monopólio da atividade sindical, em
decorrência da consciência dos trabalhadores de que, um sindicato coeso tem maior
representatividade, maior expressão e força política.
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Observe-se, ainda, que não se deve confundir sindicato obrigatório - o qual anula a
liberdade de associação - com sindicato único, que representa toda uma categoria por meio
de uma única associação, mas que resguarda o direito de filiação ou não.
Mesmo nos países que consagram a liberdade de associação, alguns adotam, por
meio de pactos coletivos, as chamadas “cláusulas de segurança sindical”.
A doutrina reconhece as seguintes: a) closed shop; b) union shop; c) preferencial
shop; d) maintenance of membership; e) mise à l’index 6.
O Brasil adota o princípio da liberdade de filiação, para o qual é irrelevante ser o
empregado associado ou não. Não vigora, portanto, o sistema de inserção de cláusulas de
segurança sindical.
Liberdade de se demitir de um sindicato.
A liberdade de desfiliar-se é um corolário lógico da liberdade de filiação, e está
expressamente prevista no inciso V do art. 8º da Carta Magna.
6 A cláusula closed shop prevê que o empregador não pode admitir empregados não sindicalizados, fato
aferido no momento da contratação. Isso permite ao ente sindical controlar a colocação de pessoal,
possibilitando-lhe manter uma agência de emprego. Pela cláusula union shop, pode o empregador escolher
livremente seus empregados, porém, após um período de provas, devem estes filiar-se ao sindicato que
subscreveu o convênio coletivo, que lhe é aplicável, e se assim não o fizer, impõe-se à empregadora a
obrigação de demiti-lo, já que não se admite a existência de empregado não sindicalizado.Pela cláusula
preferencial shop, têm os empregados sindicalizados alguns privilégios sobre os não sindicalizados, v.g.,
serem os últimos na demissão, e os primeiros na readmissão. Nos Estados Unidos, a Lei Taft-Hartley, de
1947, proibiu as cláusulas open shop e preferencial shop. Permitiu, porém, a union shop e a maintenance
membership (os empregados sindicalizam-se livremente, contudo, se assim procederem, são obrigados a
permanecer nos quadros sindicais no período fixado pelo convênio, sob pena de serem despedidos). A França
adota, ainda, o sistema mise à l’index. Não se trata de cláusula inserida no termo de avença, mas sim de
atividade direta do sindicato, consistente na colocação do nome do empregado não sindicalizado no índex,
não podendo o empregador admiti-lo, e se já o fez, impondo-lhe a dispensa. O sindicato pode adotar ainda a
“marca sindical” ou “label”, a qual é colocada sobre o produto, a noticiar aos consumidores que o fabricante
observou as obrigações legais e/ou convencionais. Porém, o Código de Trabalho considera nulo todo acordo
que afronte a liberdade individual, exceto a dos filiados a um sindicato proprietário de “marca sindical”.
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Liberdade de criar um sindicato.
Ainda que consagrada a liberdade sindical em nível constitucional, é certo que leis
ordinárias não a podem comprometer, criando-lhe empecilhos.
Segundo a lição do Prof. Romita7, os requisitos impostos por lei na criação de um
sindicato podem ser classificados em duas ordens:
a) requisitos de fundo – relativos à própria constituição do grupo, isto é qualidade das
pessoas que possam participar. Somente as detentoras da qualidade de empregado,
empregador ou profissional liberal podem fazer parte do quadro, e ainda, a finalidade a
ser perseguida deve ser o estudo, a defesa e a coordenação dos interesses de todos os
que, detentores das qualidades acima relacionadas, exercem a mesma atividade ou
profissão.
b) requisitos de forma – formalidades previstas em lei para que se considere fundado o
sindicato. Deve a lei restringir-se aos aspectos da publicidade do ato de constituição da
entidade.
Assim dispõem os incisos I e II do art. 8º da Carta da República:
“I – a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação do
sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder
Público a interferência e a intervenção na organização sindical;”
“II - é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em
qualquer grau, representativa da categoria profissional ou econômica, na
mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou
empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um
Município;”
7 Ob.cit., p. 47.
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Como se vê, a fundação de um sindicato não mais exige a prévia autorização do
Estado. A fundação, em si, é livre. A lei, porém, ressalvou o indispensável registro no
órgão competente.
Anteriormente a 05 de outubro de 1988, era o registro efetuado mediante a outorga,
pelo Ministério do Trabalho e Emprego, da Carta Sindical, que equivalia à certidão de
nascimento da entidade sindical, ou seja, a sua admissão oficial no mundo jurídico.
Na seara do direito processual, estava garantida a capacidade do sindicato para estar
em juízo (art. 7º do Código de Processo Civil) e aberto o caminho para a instauração do
dissídio coletivo.
Dois requisitos especiais eram exigidos para tanto: o de estar o sindicato investido
do direito de representar a categoria profissional interessada no dissídio, e o da aprovação
da assembléia, nos termos do art. 859 da CLT.
Os Constituintes da atual Carta Política, com certeza, preocupados em vedar
qualquer ingerência ou intervenção do Estado, relegaram para a lei ordinária a missão de
definir o órgão competente para o registro do sindicato.
De pronto surgiram duas correntes: uma defendendo que o órgão competente seria o
Ministério do Trabalho e Emprego, enquanto outra via no fato insuportável ingerência do
Estado, e apontavam os cartórios civis. Houve profundas discussões doutrinárias e
jurídicas.
Contudo, após anos de celeuma, mais precisamente em 17 de julho de 1997, foi
baixada a Instrução Normativa GM/MTb 01, pelo Ministro Paulo Paiva, com base em
decisões do Supremo Tribunal Federal, de acordo com as quais “o registro sindical no
Ministério do Trabalho e Emprego constitui ato vinculado, subordinado apenas à
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verificação de pressupostos legais, e não de autorização ou reconhecimento discricionários”
e também por ser o registro “ato meramente cadastral, para o fim de tornar pública a
existência da entidade e servir como fonte unificada de dados a que os interessados poderão
recorrer como elemento documental para dirimir suas controvérsias, por si mesmas ou junto
ao Poder Judiciário”. A legitimidade para a impugnação do pedido de registro foi atribuída
ao sindicato, cuja representatividade coincidisse, no todo ou em parte, com a do requerente
(art. 6º). Os pressupostos de admissibilidade serão verificados pelo Secretário das Relações
do Trabalho (comprovante de registro do impugnante no Ministério do Trabalho e
Emprego, pagamento de importância correspondente ao custo da publicação no Diário
Oficial da União e tempestividade da medida). Conhecida a medida, devem as partes
dirimir o conflito pela via consensual ou por intermédio do Poder Judiciário. Não havendo
impugnação, ou não sendo esta conhecida, será concedido o registro.
As alterações estatutárias foram deixadas de lado, limitando-se a Instrução a
disciplinar os pedidos de modificação da representação, tais como desmembramento e
fusão.
Alguns poucos dias se passaram e a Instrução foi modificada pela Instrução
Normativa 02, de 28 de agosto de 1997, restabelecendo a competência da confederação
para opinar sobre a observância da unicidade sindical, regularidade e autenticidade de
representação.
Vários projetos se apresentaram sobre a matéria, mas persistia a celeuma. Ilustre-se
com a seguinte ementa, da lavra do Ministro Celso de Mello, relator da Adin. nº 1.121-9,
publicada no Diário da Justiça, de 06 de outubro de 1995, in verbis:
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“A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ao interpretar a norma
inscrita no art. 8º, I, da Carta Política - e tendo presentes as várias
posições assumidas pelo magistério doutrinário (uma, que sustenta a
suficiência do registro da entidade sindical no registro civil das pessoas
jurídicas; outra, que se satisfaz com o registro personificador no
Ministério do Trabalho e Emprego e a última, que exige o duplo registro:
no registro civil das pessoas jurídicas, para efeito da aquisição da
personalidade meramente civil, e no Ministério do Trabalho e Emprego,
para obtenção da personalidade sindical) - firmou orientação no sentido
de que não ofende o texto da Constituição a exigência de registro sindical
no Ministério do Trabalho e Emprego, órgão este que, sem prejuízo de
regime diverso passível de instituição pelo legislador comum, ainda
continua a ser o órgão estatal incumbido de atribuição normativa para
proceder à efetivação do ato registral. Precedente: RTJ 147/868, Rel.
Min. Sepúlveda Pertence” - grifo nosso.
Há também quem entenda que o órgão competente para o registro previsto no inciso
I do art. 8º da CF não é o Ministério do Trabalho e Emprego e tampouco o Cartório de
Registro de Pessoas Jurídicas, ponderando que a lei ordinária é que deve estabelecer qual
seja ele8.
Mantém-se a controvérsia acerca da legitimidade de representação. De regra, a
Justiça Comum será a competente para tanto, a menos que se trate de atacar o ato do
registro diretamente, quando competente será a Justiça Federal.
Há, porém, quem sustente que a Justiça do Trabalho é o órgão competente para
solucionar a controvérsia, uma vez que se trata de contenda trabalhista, como Roberto
8 José Luciano Castilho Pereira. Algumas Questões Sobre o Sindicato e sua Atuação. Revista Síntese
Trabalhista nº 23, maio/91.
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Barretto Prado9 e José Carlos Arouca10. Este último, entretanto, ressalva a necessidade de
lei ordinária disciplinadora da matéria.
O Ministro Hylo Gurgel, no RO-DC 111.018/94.3, cuja decisão fôra publicada no
Diário da Justiça de 06 de outubro de 1995, ementou: “A Justiça do Trabalho não é
competente para decidir litígio entre sindicatos quando a disputa versar sobre o direito de
representar a categoria em relação a uma determinada base territorial. Recurso Ordinário
desprovido”.
A preferência é que o registro se dê perante os cartórios civis, a fim de que seja
afastado qualquer propósito intervencionista do Estado e o pedido submetido ao princípio
da publicidade, comportando impugnação fundamentada. Eventuais controvérsias seriam,
então, solucionadas pelo Judiciário, em obediência ao art. 5º, XXXV da Constituição
Federal.
A base territorial é outro aspecto que diz respeito à liberdade de criação do
sindicato.
Dispunha o art. 517 da CLT:
“Art. 517. Os sindicatos poderão ser distritais, municipais,
intermunicipais, estaduais e interestaduais. Excepcionalmente, e
atendendo às peculiaridades de determinadas categorias ou profissões, o
Ministério do Trabalho e Emprego poderá autorizar o reconhecimento de
sindicatos nacionais”.
Até a Constituição de 1988, admitiam-se sindicatos distritais. No regime anterior,
totalitário, cabia ao Ministro do Trabalho e Emprego o controle absoluto das organizações
9 Registro Sindical, Cassação dos Sindicatos, Revista LTr, 55-03/282. 10 Repensando o Sindicato, p. 95.
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sindicais, e a outorga e delimitação da base territorial dos sindicatos. Ao sindicato era
facultado, dentro da base territorial que lhe fosse determinada, instituir delegacias ou seções
para melhor proteção dos associados e da categoria econômica ou profissional ou profissão
liberal representada.
A unicidade sindical consistia em não se reconhecer mais de um sindicato para
representar a mesma categoria econômica ou profissional, ou profissão liberal na mesma
base territorial (art. 516 da CLT).
A base territorial era matéria afeta ao Ministro, haja vista as disposições dos arts.
520 e 537, § 2º da CLT.
A criação de federações interestaduais ou nacionais foi dificultada pela Instrução
Normativa 1/97 do Ministério do Trabalho e Emprego e pelo Precedente nº 14 do Colendo
Tribunal Superior do Trabalho.
Interessante a hipótese de uma federação adotar base inferior ao limite de um
Estado, assumindo a forma de federação intermunicipal ou regional. Não há qualquer
impedimento para isso.
A Carta Política atual, no art. 8º, II, manteve o regime monista, mas tratou de
estabelecer que os interessados definiriam a base territorial de suas entidades sindicais, que
não pode ser inferior à área de um município, pondo fim ao sindicalismo distrital. Portanto,
para a determinação da base da estrutura do sindicato não basta o fator categoria, mas é
necessário, também, o fator geográfico. Assim, pode-se definir base territorial como a área
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geográfica na qual se situa a categoria econômica ou profissional representada pelo
sindicato11.
Quanto ao desmembramento, é este possível, mas a CLT apenas prevê a dissociação
de categorias concentradas (art. 571). Quando a dimensão geográfica alcança mais de um
município, o procedimento deve ser aplicado analogicamente. O sindicato local pode ser
fundado pelos interessados, cabendo-lhes apenas definir a base territorial de suas
organizações de classe, conforme já decidiram o Supremo Tribunal Federal (REMS nº
21.305-1, Rel. Min. Marco Aurélio - in LTr 56-01/10 - vol. 56, nº 1, janeiro/92) e o
Superior Tribunal de Justiça (RE nº 54.660-5, Rel. Min. Garcia Vieira, julgado em 26 de
outubro de 1994).
Liberdade de determinar o quadro sindical na ordem profissional e territorial
Não há dúvidas quanto ao legítimo detentor de tal liberdade.
Com efeito, no verdadeiro regime de liberdade sindical, são os próprios interessados
que devem definir o quadro profissional representado, bem como a extensão geográfica de
sua atuação.
Mais uma vez, seguindo os passos do Prof. Romita12, podemos apresentar a seguinte
classificação:
I) quanto ao âmbito social: i) sindicato de classe: formado somente por empregados ou
empregadores; ii) sindicato misto: na sua formação há trabalhadores e empregadores;
11 Arion Sayão Romita, Breves Considerações sobre Organização Sindical Brasileira, Rev. do Direito do
Trabalho, nº 97, p.14. 12 Direito Sindical Brasileiro, p. 48.
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II) quanto ao âmbito profissional: i) sindicatos de ramos de atividade: todas as profissões
do ramo de construção, por exemplo; ii) sindicato por ofícios ou profissões: os motoristas,
v.g., que trabalhem para construtora ou empresa de transporte;
III) quanto ao âmbito geográfico: i) sindicatos locais – compreendendo uma só profissão ou
trabalhadores de diversas atividades; ii) uniões sindicais – compreendendo regiões
intermunicipais, interestaduais etc.
No Brasil, há expressa disposição legal quanto à dimensão mínima da base
territorial. Ainda que não se acolha o enquadramento sindical, por representar interferência
do Estado, na prática, subsiste, tendo em conta que a Constituição manteve a unicidade
sindical e a sindicalização por categoria. Ademais, como, percucientemente, alerta Romita,
a impossibilidade de haver sindicato por empresa, no Brasil, não é conseqüência da
definição da base territorial, mas sim, por que o critério adotado para sindicalização é a
categoria.
Liberdade de estabelecer relações entre sindicatos para formar agrupações mais amplas.
Dispõe o art. 5º da Convenção nº 87 da OIT:
“As organizações de trabalhadores e empregadores têm o direito de
constituir federações e confederações, assim como de filiar-se às mesmas,
e toda organização, federação ou confederação tem o direito de se filiar a
organizações internacionais de trabalhadores e empregadores.”
Um dos escopos da liberdade sindical é possibilitar que os sindicatos se
organizem de tal forma que atendam a seus interesses. Assim, devem eles usá-la do
modo como melhor lhes aprouver, para que possam atingir seus objetivos maiores.
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A história do movimento sindical já provou que a união é que lhes dá força de
expressão e legitimidade. No mundo globalizado, a tendência é cada vez maior pela
universalização. Desse modo, as federações e confederações representam instrumentos
importantíssimos para a plena atividade sindical.
Segundo alguns, para as federações valeria a regra do art. 534, § 2º da CLT, ou
seja, área correspondente, pelo menos, à de um Estado. Mas não há impedimento de que
seja ela interestadual ou nacional, sem depender de autorização do Ministro do Trabalho e
Emprego. A confederação, por sua vez, deve ser nacional, segundo o art. 535, também da
CLT, mas não depende do reconhecimento do Presidente da República, como impunha o
art. 537, § 3º da CLT.
Em nosso país, exceto no breve período do Decreto nº 24.694, a liberdade
individual/coletiva de fundar organizações sindicais ficou limitada à unidade de
representação por categoria numa mesma região geográfica. Afora esse particular, todo o
contido na Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho é permitido, inclusive
a filiação a entidades internacionais.
Liberdade para fixar as regras internas, formais e de fundo, para regular a vida sindical.
Sendo a Convenção nº 87 da OIT o sustentáculo do estudo da liberdade sindical,
mais uma vez lhe recorremos aos preceitos.
O art. 3º assim está vazado:
“As organizações de trabalhadores e de empregadores têm o direito de
fixar seus estatutos e regulamentos administrativos, de eleger livremente
seus representantes, de organizar sua administração e suas atividades e o
de formular seu programa de ação. As autoridades públicas deverão
20
abster-se de qualquer intervenção que vise a limitar esse direito o a
diminuir seu exercício legal.”
Estamos diante, na verdade, do que se chama de AUTONOMIA SINDICAL, isto
é, da capacidade de o sindicato autodeterminar-se.
Autonomia do sindicato significa o limite de ação; é o direito de sua
autodeterminação, o poder reconhecido para que ele alcance suas finalidades dentre os
meios não contrários à lei e às normas estabelecidas para a manutenção da ordem pública
democrática13. É liberdade potencializada, é poder de ser livre.
Em um sistema democrático, respeitam-se as individualidades, mas em função da
prevalência da autonomia da vontade coletiva, que se reflete na manifestação majoritária
adotada nas diferentes instâncias, tribunais, câmaras, senado, congresso, associações
privadas, clubes, instituições, órgãos de deliberação.
O exercício da democracia consiste em concretizar a vontade coletiva, respeitando a
liberdade de expressão das minorias; devem estas submeter-se à vontade definida pela
maioria.
A autonomia coletiva ganha relevo no Direito do Trabalho, especificamente nas
negociações coletivas e seus reflexos: acordos, convenções coletivas e contratos coletivos
de trabalho.
A autonomia coletiva está acima da liberdade individual, quando se trata de
determinação da vontade majoritária, indispensável para a concretização da democracia. A
liberdade coletiva traduz-se na livre redação dos estatutos e regulamentos administrativos,
13 Orlando Gomes, Direito do Trabalho, Estudos, p. 167.
21
na livre escolha dos dirigentes e representantes sindicais, na organização administrativa,
nas atividades e na formulação do programa de ação.
É preciso que a lei amplie a proteção legal para anular todo e qualquer ato que
obstaculize a liberdade sindical em todas as suas dimensões. Também é primordial que, nos
acordos e convenções, se adotem cláusulas de proteção e estímulo à sindicalização.
A autonomia e a liberdade sindical dependem do prestígio da autonomia coletiva de
vontades, que democratiza as relações de trabalho e torna efetivas as negociações coletivas
de trabalho.
A autonomia coletiva revela um feixe de liberdades individuais, numa relação livre
do conjunto de empregados no embate com o empregador ou com a representação patronal,
que lhes nega as reivindicações e disputa no confronto das negociações.
Por fim, registre-se, por importante, que autonomia não significa soberania, tendo
em conta que a entidade deve respeitar o ordenamento jurídico estatal. Ademais, soberania
é um atributo exclusivo da União, pessoa jurídica de direito público.
Preleciona Roberto A . O. Santos:
“A idéia hoje aceita de autonomia sindical parte de que todas as
autonomias sociais são limitadas. A sociedade global respeita, por
exemplo, a autonomia dos indivíduos, mas estes, por seu turno, devem
respeitar as autonomias uns dos outros, as autonomias de grupos
intermediários diversos e as regras reconhecidas como legítimas em certo
momento para o todo social. Assim é que a autonomia sindical não deve
ser entendida sem limites ou com caráter de soberana (super omnia =
sobre todas as coisas), mas dentro de sua relatividade histórica concreta.
Ela nasce como elo no curso de longa evolução política, envolvida (e
autorizada) por certas expectativas de indivíduos – autônomos - e classes
sociais coordenados por um Estado determinado e também autônomo,
22
que têm o direito, todos eles, de esperar do sindicato práticas plenamente
articuladas com os direitos e necessidades das outras unidades de
decisão humana.”14
Liberdade nas relações entre o sindicalizado e o grupo profissional.
Para Giuliano Mazzoni15, o conteúdo da autonomia sindical apresenta os seguintes
prismas: a) autonomia de organização; b) autonomia negocial; c) autonomia administrativa
e d) atividade de autotutela.
Liberdade nas relações entre o sindicato de empregados e o de empregadores.
Considerando-se que é o interesse econômico o liame das relações entre entidades
patronais e profissionais, e que, via de regra, estas se opõem, converte-se a autonomia,
imprescindivelmente, em garantia efetiva e plena dos direitos dos trabalhadores.
A independência das entidades profissionais perfaz-se na inadmissibilidade dos
sindicatos mistos à não sujeição ao comando patronal. Repudiam-se, assim, os sindicatos
imobilistas, que priorizam o assistencialismo, com destaque para colônias de férias,
ambulatórios médico-dentários, prestando-se apenas e tão-somente para amortecer os
confrontos entre capital e o trabalho. De regra, tais sindicatos têm postura conservadora e
profunda aversão às idéias socialistas. Dificultam a filiação, rareiam a realização de
assembléias, que se esvaem em formalismos e obstáculos. Sua direção é distante da base,
aproximando-se do patronato e participando de eventos que lhe digam respeito.
14 Trabalho e Sociedade na Lei Brasileira, p. 105. 15 Relações Coletivas de Trabalho, p. 69.
23
No Brasil, outorgou a Carta Magna ao sindicato o poder-dever de promover “a
defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões
judiciais ou administrativas” (inciso III do art. 8º), e ainda, determinou-lhe a participação,
obrigatoriamente, nas negociações coletivas de trabalho.
Liberdade no exercício do direito sindical em relação à profissão
Um dos ângulos da autonomia sindical é o seu aspecto negocial, que se revela por
meio da negociação coletiva, e pactuação de convênios coletivos (acordo, convenção ou
ainda, contrato coletivo de trabalho).
Liberdade no exercício do direito sindical em relação à empresa
Sendo o empregador o detentor do capital, exerce poder hierárquico, o qual se
manifesta pelos poderes disciplinar e diretivo, determinando a forma de prestação do
serviço, fixação de regras gerais de caráter técnico etc, que se podem ser corporificar por
meio de circulares, regulamento de empresa, ordens de serviços gerais e/ou
individualizadas. Mesmo na sociedade capitalista, a tendência mundial tem sido mitigar tal
poder, tendo em conta a participação dos empregados.
Os sindicatos, até por disposição constitucional, têm o dever de promover a defesa
dos interesses dos trabalhadores. Entretanto, tal prerrogativa não lhes é exclusiva. A própria
Carta Magna, dispôs em seu art. 11: “Nas empresas com mais de duzentos empregados, é
assegurada a eleição de um representante destes com a finalidade exclusiva de promover-
lhes o entendimento direto com os empregadores”. Vê-se, portanto, que a função do
representante dos trabalhadores, previsto no artigo sob comento, está voltada para eventuais
24
conflitos coletivos. Já a Lei nº 9.958/2000 institui, no nosso ordenamento, a Comissão de
Conciliação Prévia, que pode ter caráter de empresa ou ainda intersindical, cujo objetivo é a
solução de conflitos individuais. Cuida-se de novidade no nosso histórico, cuja prática
necessita ser fomentada.
Independência do sindicato em relação ao Estado
Até a promulgação da Constituição Federal de 1988, havia forte impregnação do
ranço ditatorial, e as normas referentes à atividade sindical eram marcadas pela presença
maciça do Estado. A partir de 1988, alterou-se o quadro, de forma substancial, não mais
podendo o Estado nela interferir, e as exigências constitucionais se restringem à unicidade
sindical, à limitação da base territorial mínima, à sindicalização por profissão e ao registro
no órgão competente, somente para fins de publicidade.
O conflito entre a autoridade do Estado e a Ação Sindical.
Mesmo dentro do sistema da mais completa liberdade sindical, não podemos olvidar
que o Estado de Direito não abre mão de regras, ainda que gerais, sob pena de nele se
instalar o anarquismo.
Também é verdade que o leque das atividades sindicais se ampliou,
significativamente, e sua atuação já não se refere estritamente às relações de trabalho. A
entidade sindical moderna participa das áreas previdenciárias, econômicas e sociais, já que
o trabalhador não é apenas um elemento a mais da cadeia da produção.
25
Ao revés, ele é o centro dessa cadeia.
Integração dos sindicatos no Estado
Num Estado democrático efetivo, tem o sindicato ampla autonomia em relação ao
Estado, enquanto no sistema autoritário assume caráter de direito público, tal a vinculação
que com ele mantém.
Assim sendo, essas regras gerais não venham interferir na fundação, organização e
funcionamento do sindicato.
Nada obstante os termos do art. 8º da Carta Magna, a liberdade sindical, no Brasil,
de forma efetiva, só alcança a liberdade individual de se filiar ou não a um sindicato, e
ainda, a não intervenção estatal na sua organização. Quanto ao mais, resta, apenas, simples
declaração formal.
Como ápice do movimento político, a afastar a ditadura e afirmar a
redemocratização do país, veio a lume a Constituição Federal de 1988, que nos
ensinamentos do Mestre Amauri16, redefiniu o modelo sindical, tendo por base dez
princípios, in verbis:
1. A reafirmação do direito de organização sindical, postulado básico
do processo de consolidação democrática desenvolvido pelo país,
reconhecido o livre direito de associação profissional e sindical como um
dos direitos fundamentais dos trabalhadores e empregadores;
2. A unicidade sindical e estrutura confederativa, com a
autodeterminação das bases territoriais pelos próprios trabalhadores e
16Amauri Mascaro Nascimento. Limites Constitucionais da Liberdade Sindical no Brasil ,In O Mundo do
Trabalho, p. 135.
26
empregadores interessados, sendo permitida, como base mínima, a de um
município;
3. A transformação da função dos sindicatos, que, antes
fundamentalmente assistencial, passou a centralizar-se na defesa dos
direitos e interesses coletivos da categoria, bem como os individuais dos
seus membros, inclusive em questões judiciais ou administrativas;
4. A livre criação de sindicatos sem a necessidade de autorização
prévia do Estado, desaparecendo a antiga carta de reconhecimento, que
era o documento atribuído, geralmente com critérios políticos, pelo
Ministro do Trabalho para que uma associação não-sindical pudesse
transformar-se em sindicato e ter as prerrogativas deste, dentre as quais
a legitimidade para negociar, para aprovar greves e ingressar com
dissídios coletivos na Justiça do Trabalho;
5. A livre administração dos sindicatos, vedada qualquer
interferência do poder público nas diretorias das entidades sindicais,
com o que ficou eliminado, definitivamente, o expediente da intervenção
do Ministério do Trabalho e Emprego para afastar os dirigentes cuja
militância fosse considerada contrária aos interesses do Estado;
6. A livre deliberação, pela assembléias dos sindicatos, de uma
contribuição destinada ao custeio do sistema confederativo sindical, que
ficou conhecida como contribuição confederativa, descontada em folha de
pagamento pelos empregadores, mantendo-se, no entanto, o antigo
imposto sindical;
7. A liberdade sindical individual de filiação e desfiliação,
significando o direito, já existente, de uma pessoa ingressar ou não como
sócia do sindicato de sua categoria profissional ou econômica;
8. A unificação do modelo urbano, rural e de colônias de pescadores,
que, desse modo, foram aproximados;
9. O direito dos aposentados filiados ao sindicato de votar e serem
votados nas eleições sindicais;
10. As garantias conferidas ao dirigente sindical, dentre as quais a
proibição da sua dispensa imotivada, direito que a CLT já assegurava,
ou seja, estabilidade do dirigente sindical.
27
A doutrina é unânime ao apontar a incoerência do nosso sistema, ao anunciar a
liberdade sindical, ao mesmo tempo em que prevê a unicidade sindical. Ora, liberdade
sindical significa direito de associação, e para tanto, deve-se garantir a existência de
sindicatos. No nosso caso em especial, os próprios sindicatos, em parte, são os responsáveis
pela manutenção da unicidade, posto, que em 1987, o Governo enviou projeto de lei com
traços dos parâmetros da Convenção 87. Contudo, os Constituintes foram sensíveis aos
sindicatos, que preferiram manter a estrutura antiga17.
A liberdade sindical é o ponto central da existência de sindicatos realmente
representativos e que dão sustentação e legitimidade às centrais sindicais.
Uma alteração decorrente da reformulação da estrutura sindical, feita pela
Constituição de 1988, como conseqüência da liberdade sindical, foi a exclusão do
enquadramento sindical oficial. Assim, considerando que a previsão de que cabe aos
sindicatos definir a sua representação e a sua base territorial, apregoam alguns o
enquadramento espontâneo.
Num sistema efetivo de liberdade sindical, pressupondo inclusive a pluralidade
sindical, cabe às entidades a autodefinição das suas bases e representatividade.
Passemos à análise da questão da unicidade e pluralidade.
17 “Quando teve início a Assembléia Constituinte, as novas lideranças sindicais decidiram, no entanto
privilegiar as demandas trabalhistas que unificavam o movimento sindical e relegaram a segundo plano os
temas sindicais, sobre os quais havia muitas divergências. Na verdade, a reforma da legislação sindical não
representava uma prioridade para a maioria dos sindicalistas. (...) As centrais sindicais preferiram, então,
apostar em uma aliança com as confederações e transformaram o Departamento Intersindical de Assessoria
Parlamentar (Diap) em seu principal instrumento de pressão sobre os constituintes.” Marco Antonio de
Oliveira, p. 246.
28
Não se confunde a questão da unidade ou pluralidade sindical com a da
obrigatoriedade sindical. Este problema - o da obrigatoriedade - diz respeito ao ingresso
facultativo ou compulsório do indivíduo em seu sindicato de classe. Debate-se se deve ser
permitido a alguém, que se mantenha fora do órgão ou órgãos representativos de sua
atividade, enquanto se encontre em pleno exercício desta. De seu turno, a questão, que
envolve a unidade ou pluralidade, está atrelada ao fato de dever ser ou não reconhecido
pelo Estado, para cada categoria profissional, como seu representante, em cada localidade,
um único sindicato ou mais de um.
Há argumento tanto para a defesa da pluralidade quanto para a unicidade sindical.
Para a primeira, o de que a unicidade seria herdeira do corporativismo da Itália fascista,
existente hoje apenas em nosso país; para a segunda, o de que a divisão dos empregados
não os favorece em nada.
Pode haver sindicato único que não seja obrigatório. Inegável, porém, que o
sindicato único induz o sindicato oficial ou oficializado.
Algumas razões se apresentam em favor da pluralidade sindical: ela respeita o
direito de associação do trabalhador; ninguém pode ser compelido a participar de uma
associação privada, cujos princípios ou atuação lhe pareçam inconvenientes ou que sua
consciência repila; do ponto de vista econômico-social, resguarda ela mais facilmente os
trabalhadores.
Apesar de o Brasil ter sido um dos signatários da Convenção nº 87, até hoje não a
ratificou, nada obstante ensaios infrutíferos.
A implantação do pluralismo sindical em nosso meio só será possível com a reforma
constitucional, uma vez que o art. 8º, II da Carta Magna veda a criação de mais de uma
29
organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou
econômica, na mesma base territorial.
Quando se trata de estrutura sindical, dois princípios devem ser considerados: o da
autonomia e o da liberdade sindical, tal como prevista na citada Convenção 87 da
Organização Internacional do Trabalho. Duas regras consagradas na Constituição Brasileira
a eles não se ajustam, quais sejam: a contribuição prevista em lei, que não é outra senão a
contribuição sindical imposta pelo Estado (art. 8º, IV, in fine), e o regime da unicidade
sindical (art. 8º, II).
É de sabença geral que a Convenção nº 87 da OIT, por dizer respeito a direitos
fundamentais, pode apenas ser aprovada no todo, mesmo porque não consagra o direito de
reservas.
É certo que o modelo adotado pela Consolidação das Leis do Trabalho foi copiado
da Carta del Lavoro do regime fascista. Consagrou-se o sindicato colaboracionista, tutelado
pelo Estado, ao qual deveria servir. Porém, a unicidade sindical não foi criação do
fascismo; muito antes dele, a Rússia Soviética a havia adotado.
Na verdade, o mal não se encontrava nessa forma de sindicato, mas no uso político
que dele se fazia, com a prisão da classe operária, sem liberdade, sem autonomia, sem
governo próprio. Na Itália, representava a forma de Estado autoritário de partido único. O
sindicato único sempre foi aspiração dos socialistas, lutando os trabalhadores pelo slogan -
uma profissão, um sindicato. Pregavam que o divisionismo apenas servia ao patronato; a
experiência pluralista não foi boa, pois houve a dispersão do movimento sindical e fácil
domínio das entidades por interesses patronais ou confessionais.
30
Afirma-se que a Convenção nº 87 não objetiva tornar o pluralismo obrigatório, mas
é certo que, uma vez adotada, não se poderá impor o sindicato único. Ora, a regra da
pluralidade decorre do próprio texto da Convenção.
Para a OIT, a unidade seria ideal, mas desde que não imposta por lei.
É preciso destacar que a unidade da ação sindical é o valor principal a ser
protegido na organização dos sindicatos, pois sem ela podem ficar comprometidos os
principais objetivos que, nas negociações coletivas, os empregados pretendem alcançar.
Destarte, seria preciso preservar a unidade sem que permanecesse olvidada a liberdade
sindical.
Nada obstante os vários argumentos, é certo que se defende a multiplicidade de
associações sindicais, pois sem ela estariam comprometidas as liberdades individual e
sindical. A unidade, como ideal, seria conquistada pela conscientização dos
trabalhadores, sem qualquer imposição legal.
Rememorados alguns importantes conceitos relativos aos sindicatos, pousemos
nossos olhos sobre as centrais sindicais brasileiras.
No final dos anos 70, com o advento de uma abertura política, novas lideranças
sindicais surgem, mantendo tratativas objetivando a redemocratização do país e da
reorganização do movimento sindical.
Dessas tratativas, aproveitando-se do V Congresso da Confederação Nacional dos
Trabalhadores Industriais, realizado no Rio de Janeiro em julho de 1978, grupos se
formaram – situação e oposição - dando origem a um organismo de coordenação, naquele
momento denominado intersindical. Ao final do congresso, divulgou-se importante
documento, a Carta de Princípios, decalcada em duas ordens de valores: uma política,
31
(propugnando a redemocratização do país, a convocação de uma assembléia nacional
constituinte, revogação das leis de exceção etc.) e uma sindical (postulando o direito amplo
de greve, liberdade de filiação sindical - nacional e internacional, fomentação da
negociação, contrato coletivo de trabalho etc).
Nesse contexto de ebulição social, surgiram novas lideranças sindicais e de outro
lado, ativistas católicos engajados nos movimentos sociais (ex vi Pastoral Operária).
Explodiu, espontaneamente, um novo embrião, resultando numa organização intersindical,
uma combinação de grupos de sindicatos e associações vinculadas aos movimentos sociais
da Igreja Católica.
A aproximação de vários grupos sociais, sobretudo dos chamados “sindicalistas
autênticos” e da ala da Igreja denominada “progressista”, emergiu, efetivamente, uma
proposta para a criação de um novo partido: Partido dos Trabalhadores – PT. Registre-se,
para constar, que as propostas para a formação do PT vinham de três correntes: 1) o grupo
de sindicalistas ligados às oposições sindicais e à Igreja católica; 2) as facções mais radicais
de formação marxista e 3) os sindicalistas liderados por Lula.
Todavia, a formação do PT acabou acentuando ainda mais os conflitos no meio
sindical, basicamente por duas razões: a primeira porque os comunistas não concordavam
com a criação de uma central sindical que não fosse integradas só por entidades sindicais,
posto que um outro setor defendia a integração de outros organismos populares, tais como
as associações profissionais; a segunda porque estariam dividindo o controle do movimento
trabalhista.
Na CONCLAT (Conferência Nacional da Classe Trabalhadora) realizada em 1983,
fundou-se a Central Única dos Trabalhadores – CUT. Um bloco oposicionista que não
32
participou desse CONCLAT, promoveu idêntico evento com idêntico nome, formando a
Central Geral dos Trabalhadores - CGT. Entre elas, sobreleva ressaltar que a primeira
defendia a Convenção nº 87 da OIT, enquanto a segunda a repudiava.
Na CUT permaneceram os sindicalistas “combativos” (do ex-bloco dos autênticos),
os militantes das oposições sindicais (oposição às diretorias consideradas acomodadas ou
“pelegas”), da esquerda católica e dos pequenos grupos de orientação marxista, leninista ou
trotskista. Na CGT ficaram os dois partidos comunistas (PCB e PC do B), o MR-8, os
sindicalistas ligados ao PMDB e ainda os dirigentes mais próximos do sindicalismo norte-
americano, liderados por Rogério Antonio Magri, presidente do Sindicato dos Eletricitários
de São Paulo18.
Face as tendências heterogêneas existentes no bloco de sindicalistas que deu origem
à CGT, adveio uma cisão. O novo dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo,
Luís Antonio Medeiros, aliou-se a Antonio Rogério Magri para lançar o chamado
“sindicalismo de resultados”, isto é, em lugar de mobilização de massa e movimentos
grevistas de caráter nacional (em oposição ao sindicalismo de contestação apregoado pela
CUT), optava-se por uma conduta mais pragmática do que ideológica: mobilizações por
categorias e acordos isolados com as empresas, preferência da negociação à greve.
Concluindo, enquanto a CUT manifestava-se pelo socialismo, o “sindicalismo de
resultados” posicionava-se a favor da economia de mercado.
Em setembro de 1985, em São Paulo, criou-se uma nova entidade sindical – União
Sindical Independente – USI, composta basicamente por federações e confederações do
setor de empregados do comércio. Restrita ao setor do comércio, a USI defende um
18 Leôncio Martins Rodrigues, As Tendências Políticas na Formação das Centrais Sindicais, p.35.
33
sindicalismo apolítico, extremamente moderado. Como alerta Leôncio Martins Rodrigues19,
não chega a ter uma existência real como central sindical e só subsiste em função das
federações e confederações que a criaram.
A Central Geral dos Trabalhadores enfrentou grandes dificuldades desde a sua
fundação para atuar como uma verdadeira central sindical, diante da falta de
homogeneidade interna capaz de atrair sindicalistas e mobilizar forças. Ao revés,
digladiavam-se tendências separadas por divergências profundas: PCB, PC do B, MR-8 e
mais a corrente do “sindicalismo de resultados”, que, ao assumir explicitamente a defesa da
economia de mercado, rompia com uma longa tradição de tipo corporativo, nacionalista,
socialista ou comunista. Inevitável o rompimento.
Em janeiro de 1988, numa plenária da entidade realizada em São Paulo, o grupo
liderado por Medeiros e Magri conseguiu derrotar o vinculado PC do B. Em agosto daquele
mesmo ano, este último criou a Corrente Sindical Classista. Em fevereiro de 1989, a CSC
realizou no Rio de Janeiro o seu primeiro Congresso Nacional e, embora desejando
permanecer como uma corrente sindical, optou por aderir à CUT.
Com a saída dos sindicatos ligados ao PC do B, a CGT promoveu um segundo
congresso, objetivando a eleição do seu presidente, oportunidade em que dois líderes
sindicais se defrontaram: Antonio Rogério Magri, então presidente do Sindicato dos
Eletricitários de São Paulo, sustentando um sindicato apartidário e anticomunista e Joaquim
dos Santos Andrade (Joaquinzão), antigo dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos de São
Paulo apoiado pelo PCB e o MR-8. Este saiu derrotado. O grupo vencido, entendeu por
bem convocar um congresso, elegendo como presidente o sindicalista Joaquinzão. Nesse
19 Ob. cit,. p. 37.
34
passo, Magri passou a presidir a Confederação Geral dos Trabalhadores - CGT e
Joaquinzão a presidir a Central Geral dos Trabalhadores - CGT. Ambas viram-se
enfraquecidas. A Central Geral dos Trabalhadores, por conta da adesão dos Sindicatos
ligados ao PCB à CUT, permanecendo na Central alguns sindicatos controlados pelo MR-8.
A Confederação Geral, ante o surgimento de uma nova Central ocupando seu espaço
territorial, com propostas mais conciliadoras, não só com o governo mas sobretudo com os
detentores do capital.
Em março de 1991, nasce essa nova central, que recebeu o nome de Força Sindical,
indicando modernidade, com conteúdo democrático, independente, apartidário, pluralista e
latino-americano. Tem por base de apoio o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e a
Federação dos Trabalhadores da Alimentação.
Em março de 1994, temos a criação da Central Sindical de Trabalhadores
Independentes – CSTI. Em seguida, surge a Central Autônoma dos Trabalhadores – CAT.
Com o rompimento de um bloco da Força Sindical, nasce em 1997, a Social
Democracia Sindical - SDS, considerada como o braço sindical do PSDB.
Em dezembro de 2002, uma outra facção dissidente da Social Democracia Sindical-
SDS, funda a Central Brasileira dos Trabalhadores e Empreendedores, que congrega
trabalhadores e microempresários. Segundo um dos idealizadores do projeto, José Avelino
Pereira, a nova entidade reúne cerca de 150 sindicatos, abrangendo cerca de dois milhões
de trabalhadores20.
Hoje, no Brasil, temos sete centrais sindicais: CUT (Central Única dos
Trabalhadores), Força Sindical, CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores), SDS (Social
20 Dados colhidos no site: www5.estadao.com.br/print/2002/dez/13/302.htm
35
Democracia Social), CGTB (Central Geral dos Trabalhadores do Brasil), CAT (Central
Autônoma dos Trabalhadores) e a CBTE (Central Brasileira dos Trabalhadores e
Empreendedores)21.
No Fórum Nacional do Trabalho implantado em agosto de 2003, com o objetivo de
discutir as mudanças na legislação sindical e trabalhista, é pacífico o entendimento do
reconhecimento oficial das centrais sindicais. Entretanto, para o devido reconhecimento,
estão sendo discutidos quais seriam os critérios, e um dos apontados seria o número de
trabalhadores sindicalizados representados pelas centrais.
Dados do IBGE indicam o seguinte quadro: dos 11.354 sindicatos, apenas 4.304
estão filiados a alguma central. Dentre esses, a CUT reúne 2.834 sindicatos; a Força
Sindical 839 sindicatos; a SDS, 289; a CGT alcança 238, a CAT 86; e restam 18 para as
outras centrais22.
Registre-se, ainda, que os dados fornecidos pelo IBGE nem sempre têm a
concordância das entidades sindicais, como se pode constatar nas críticas feitas pelos
representantes das entidades à pesquisa divulgada em fevereiro de 2003, relativa ao
crescimento das centrais. Para o IBGE, a CUT reunindo 2.834 sindicatos representa 66%
dos sindicatos filiados, enquanto que há dez anos, era da ordem de 74%. A Força Sindical
congrega cerca de 839 sindicatos. As entidades rebatem. A CUT afirma que reúne 3.321
sindicatos filiados, o que representa 22,2 milhões de trabalhadores na base e a Força
Sindical aponta para a casa de 1.842 sindicatos, representando 16 milhões de trabalhadores
na base, não necessariamente todos associados. Os dados revelam que no período de dez
21 No Fórum Nacional do Trabalho participam como interlocutores dos empregados apenas os representantes
da CUT, Força Sindical e CGT, sendo que à SDS coube-lhe uma vaga como suplente. 22 Folha de São Paulo, caderno B-5, Dinheiro, quarta feira, 03 de setembro de 2003.
36
anos (1991-2001), a CUT apresentou um crescimento relativo de 70%, superado pela Força
Sindical que aparece com o índice de 185% e pela CGT, com percentual da ordem de
133%23.
A Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB) é adepta da unicidade. Para
ela, o pluralismo - as diversas correntes de opinião convivendo num mesmo sindicato -
somente é possível dentro da estrutura da unicidade sindical. O mais é divisionismo, puro e
simples, com os empregados totalmente reféns dos patrões. No mesmo sentido, a
Confederação Geral dos Trabalhadores.
A Central Única dos Trabalhadores (CUT) propugna pela pluralidade sindical, nos
moldes das Convenções nºs 87 e 151 da OIT.
A Força Sindical, num primeiro momento, pareceu seguir a CUT, depois admitiu
propugnar por sindicatos unitários na base e organizações de cúpula pluralistas.
A União Sindical Independente, a Central Autônoma dos Trabalhadores e a Frente
Social Democrática dos Sindicatos defendem a unicidade sindical.
A doutrina também se divide a respeito do tema, alguns defendendo a unicidade,
sem imposição legal, outros, a pluralidade.
Interessante fórmula nos apresenta Roberto A. O. Santos, no sentido de ser
permitido o exercício temporário do mandato de sindicato de certa associação profissional,
possibilitando o rodízio com outras, mediante eleição periódica. Segundo seu
entendimento, não haveria nisso qualquer incompatibilidade com a Convenção nº 8724.
23 Folha de São Paulo, Caderno Dinheiro, B-10, quinta-feira, 20 de fevereiro de 2003. 24 Roberto A . Santos, Liberdade Sindical e Exercício Abusivo do Poder Normativo da Justiça, na
Constituição, p. 121.
37
É importante ressaltar que nem sempre a pluralidade sindical se mantém como
afirmação do princípio de liberdade sindical absoluta. É a hipótese de se excluírem as
múltiplas associações existentes, para privilegiar a mais representativa. Isso significa a
adoção da unicidade quando o sindicato deve desempenhar seu papel mais relevante, qual
seja, manter negociações coletivas, com o fim de celebrar acordo ou convenção coletiva de
trabalho, ou ainda, contrato coletivo de trabalho.
Como organização mais representativa deve-se entender aquela que melhor
representa os trabalhadores ou os empregadores, não necessariamente a que conte com
maior número de filiados, levando-se em conta sua importância, atividade e
independência25.
Alguns países, como o Peru e a Colômbia, adotam o sistema de unicidade na base e
pluralidade nos órgãos superiores. Não se esqueça o fato de que, no Brasil, a pluralidade de
centrais sindicais é indiscutível, mas elas não compõem o denominado sistema
confederativo da representação sindical, na medida em que os dispositivos recepcionados
da CLT mantêm a figura das confederações na cúpula, organizadas em função da atividade
preponderante.
Não será o modelo da pluralidade, e muito menos o da unicidade, que dará mais
liberdade sindical aos trabalhadores, e sim a liberdade política que o povo desfrutar.
Pluralismo significa liberdade de formação de correntes de opiniões divergentes
para a conquista do poder.
25 Segundo dados da Folha de São Paulo, Caderno B-4 de 10/11/02, levantamento do IBGE mostra que
existem 11.354 sindicatos no Brasil, dos quais 4.303 são filiados a alguma central sindical, ou seja, apenas
37,89%.
38
O conflito unicidade versus pluralidade é essencialmente político. É necessária
reforma do sistema que afeta a autonomia consagrada na Constituição Federal. O simples
fato da permanência do quadro de atividades e profissões, instituto notadamente
corporativista, que impõe o paralelismo de categorias profissional e econômica, demonstra
a ingerência do Estado.
Na verdade, quase nada da CLT deve ser mantido, especialmente a contribuição
sindical, que sustenta o continuismo e o imobilismo de dirigentes sindicais sem expressão e
a permanência de “sindicatos-fantasmas”.
Enfim, a manutenção da unicidade obstaculiza a adoção de uma estrutura sindical
democrática, com plena liberdade de representação e atuação, visando aos interesses e
direitos dos empregados.
Enquanto os sindicatos não assumirem seu papel de representantes dos
trabalhadores, investidos de competência para entabularem acordos e convenções coletivas,
participando de órgãos públicos em que se discutam e deliberem matérias relacionadas com
o trabalho e a previdência social, não podem ser equiparados a associações comuns nem
confundidos com agências de serviços em função dos filiados.
Sindicato é associação natural dos empregados, devendo servir-lhes de instrumento
de proteção e de projeção para seu desenvolvimento como classe e as centrais sindicais
devem abranger todos os trabalhadores, de todas as categorias e profissionais, com
expressão nacional.
A organização dos empregados em sindicatos e a luta das centrais sindicais não
devem ficar limitadas à defesa de interesses coletivos e direitos individuais baseados na
relação de emprego, mas, sobretudo, na ascensão como classe, progressiva e
39
permanente, até sua inclusão como categoria essencial no contexto sócio-político do
país.
Devem-se ressaltar também, os interesses econômicos, culturais, políticos e sociais
e o canal próprio para as defesas dessas bandeiras, à toda evidência, aloja-se na existência
fática e jurídica das centrais sindicais.
O fenômeno da globalização passou a exigir uma nova estratégia e nova postura das
entidades sindicais, já que suas bases minguam dia a dia e as centrais sindicais podem
representar o fortalecimento da classe trabalhadora no sistema produtivo. A bem da
verdade, a redução dos números de filiação do sindicato é uma tendência mundial,
principalmente nos países industrializados.
Pois bem.
Com apoio em tudo quanto dito acima, cumpre-nos traçar uma diretriz para o
movimento sindical à luz das atividades das centrais sindicais.
O primeiro aspecto que salta aos olhos, é a efetiva contribuição dos organismos
sindicais para o processo de redemocratização do nosso país. Alguns assumindo uma
postura contestatória e combativa, outros procurando a manutenção do “status quo”, e
outros ainda, que procuram obtemperar as posições.
Se num primeiro momento a reposição salarial foi o carro-chefe do movimento
sindical e a Assembléia Nacional Constituinte um fator de aproximação entre as correntes
sindicais, o desemprego estrutural acabou por definir os espaços e a defesa ideológica de
cada central.
Marco Antonio de Oliveira observa que:
40
“ao mesmo tempo em que os trabalhadores organizados passaram a
enfrentar mais seriamente o desemprego e a precarização das relações de
trabalho e perderam a capacidade de pressão e barganha coletiva, houve
um aumento da presença institucional das centrais sindicais, traduzido na
participação em inúmeros conselhos e fóruns públicos, criados a partir
da Constituição de 1988. De lá para cá foram implementados vários
conselhos, como os da previdência, seguridade social, de saúde, do
menor e do adolescente e de assistência social. Surgiram também o
Conselho Curador do FGTS e o Conselho do Fundo de Amparo ao
Trabalhador (CODEFAT), e as centrais sindicais passaram a ter acento
no Conselho de Administração do BNDES. Esse processo de
institucionalização foi acompanhado, no entanto, pela reedição de velhas
práticas de cooptação política. O governo soube explorar as divisões
sindicais e tratou de acomodar todas as centrais no CODEFAT, inclusive
a Social Democracia Sindical (SDS), que surgiu de uma cisão da Força
Sindical lideradas por Enílson Simões de Moura e que até hoje não passa
de um braço sindical do PSDB”(sic!)26.
As centrais sindicais, como expressão do exercício da cidadania, não podem
deixar de fazer uma opção político-ideológica. Entretanto, repudiamos a vinculação
partidária, na medida em que tal fato restringe a atuação sindical e retira-lhe a necessária
isenção e autonomia para combater políticas contrárias aos interesses dos trabalhadores,
que devem se sobrepor aos interesses políticos-partidários.
Ainda, as centrais sindicais se constituem o canal próprio para a luta de preservação
e conquistas de novos direitos dos trabalhadores, considerados como entes coletivos, frente
ao fenômeno da globalização. Não é por outra razão que em 1º de janeiro de 2001, na
cidade de Genebra, foi criada a Union Network Internacional – UNI – (Rede Internacional
26 Política Trabalhista e Relações de Trabalho no Brasil. Da Era Vargas ao Governo FHC, p. 238.
41
Sindical), que congrega quatro federações internacionais, numa tentativa de combater o
poder das corporações globais, com 900 sindicatos e mais 15,5 milhões de membros do
setor de serviços27. Na América Latina temos a ORIT (Organização Regional
Interamericana do Trabalho), que segundo dados veiculados na internet, representa 40
milhões de trabalhadores latino-americanos28. A propósito, interessantes as conclusões
extraídas na Conferência Sindical Ibero-Americana, realizada entre 14 e 16 de setembro de
1998, para discutir questões como globalização e integração regional, com participação da
União Geral dos Trabalhadores de Portugal, a Organização Regional Interamericana de
Trabalhadores (CISL-ORIT) e a Confederação Européia de Sindicatos, sendo que em
relação às Centrais Sindicais assim assentou:
“ A Cooperação entre Centrais Sindicais .
As centrais sindicais presentes reconhecem a necessidade de uma
cooperação mais forte, tendo decidido:
Aprofundar o diálogo e a cooperação entre elas, no respeito pela
autonomia das organizações e pelas organizações regionais já existentes,
das quais merecem especial destaque a CISL-ORIT e a CES.
Apoiar a decisão, tomada em Montevidéu, de promover a organização de
uma Cúpula Social, paralela à Cúpula de Chefes de Estado e de Governo
dos Países Latino-Americanos e do Caribe, e da União Européia, a
realizar-se no ano de 1999”
A conferência aprovou, ainda, em 16 de setembro a seguinte declaração,
a ser encaminhada aos Chefes de Estado e de Governo Iberoamericanos:
"O sindicalismo articulado na CISL/ORIT, que representa mais de 40
milhões de trabalhadores nas Américas, em conjunto com as centrais
sindicais de Espanha e Portugal, reuniu-se em Portugal, de 14 a 16 de
setembro, numa conferência sobre o tema 'A Dimensão Social na
27 UNI – endereço na internet: www.union-network.org. 28 endereço na internet: www.ciosl-orit.org.
42
Cooperação entre a União Européia e América Latina: Os Desafios da
Globalização e a Integração Regional'.
Participaram também nesta conferência outras centrais sindicais, com o
desejo comum de colaborar para estreitar os laços de cooperação
política, social, econômica e cultural entre a União Européia e América
Latina, em geral, e no espaço ibero-americano, em particular.
Esta conferência saúda a realização da VIII Cúpula Ibero-americana de
Chefes de Estado e de Governo, a se realizar no Porto, no próximo mês,
seguindo o processo de procura e estabelecimento de formas de
cooperação entre os países da América Latina. Ao mesmo tempo, a
Cúpula do Porto pode constituir uma referência importante para a
Cúpula de Chefes de Estado e de Governo da União Européia e da
América Latina, a realizar-se no ano que vem, no mês de junho, no Rio de
Janeiro.
No nosso documento, dirigido à Cúpula realizada em Porlamar,
expressamos a necessidade de reconhecimento do Fórum Sindical, e a
criação de um grupo de trabalho sobre temas laborais na Alca entre
outros pontos. Assinalamos que a dimensão social não pode ser excluída
da cooperação internacional nem nos processos de globalização e
integração. Reiteramos hoje que estes processos não podem centrar-se
somente nos aspectos comerciais, mas, sim, devem responder a uma
estratégia de desenvolvimento integral, com participação de todos os
setores da sociedade.
(....)
Outro acontecimento importante foi a conferência de centrais sindicais do
Mercosul e da União Européia, levada a cabo em Montevidéu, em maio
deste ano. Nela foi acordado, entre outras coisas, a promoção de uma
estratégia comum de ação no terreno social, em cada um dos espaços
econômicos integrados, para combater as perspectivas de um modelo de
globalização desregulamentador e gerador de desigualdades sociais.
O movimento sindical, juntamente com outros setores da sociedade civil,
mantém-se firme na sua postura de participar e contribuir na construção
da integração econômica, social e cultural. Foi com este âmbito que
43
apresentamos o documento à Cúpula de Porlamar, cujas conclusões hoje
ratificamos. É também neste contexto que expressamos o seguinte:
O nosso desejo de que a Cúpula do Porto, à qual remetemos também a
Declaração Final da nossa conferência, estreite os laços de cooperação
entre os diferentes países iberoamericanos, assumindo cada vez mais uma
dimensão política, social e cultural, sem deixar de estreitar os laços
econômicos. Torna-se necessário passar da retórica à ação, para o que se
deve assegurar uma coordenação institucional mais cotidiana das
conclusões que se adotem nas diferentes Cúpulas, avançando no
estabelecimento de mecanismos de acompanhamento dos acordos
adotados, possivelmente criando um Secretariado Permanente.
(...)
A necessidade de, no âmbito da globalização, incrementar o
desenvolvimento dos espaços regionais, como base na cooperação inter-
regional fundada na coesão e no progresso econômico e social.
A necessidade da construção da dimensão social ao nível de cada uma
das regiões e da cooperação inter-regional.
O caráter urgente da promoção, por parte dos governos, de um espaço de
diálogo social entre organizações sindicais e empresariais, tanto no
âmbito nacional como no âmbito ibero-americano, baseado na autonomia
das organizações e no reconhecimento de que os interesses, muitas vezes
divergentes, poderão levar a plataformas de entendimento sustentadas
pela necessária dimensão social da empresa e pela necessidade de que o
progresso social e o econômico caminhem lado a lado. Da nossa parte,
expressamos a nossa disposição em manter encontros com as
organizações empresariais, antes das Cúpulas.
A necessidade de reconhecimento de que a coesão econômica e social é
um objetivo fundamental nos processos de desenvolvimento e de
integração regional.
44
Que é inadiável a participação dos sindicatos e dos demais setores da
sociedade civil, que foram marginalizados até agora, na definição das
políticas econômicas e sociais." 29.
Nota-se, portanto, que as centrais sindicais, ainda que não reconhecidas
juridicamente e nada obstante a legislação com tendência corporativista que ainda permeia
nosso sistema normativo, se fizeram presentes nos momentos relevantes da nossa
sociedade, e têm dado a devida contribuição na formação de uma sociedade justa e
democrática.
III – A NATUREZA JURÍDICA DAS CENTRAIS SINDICAIS
Antes de abordarmos a questão da natureza jurídica, convém fixarmos o conceito de
centrais sindicais.
Para tanto, nos reportamos aquele pronunciado por Amauri Mascaro Nascimento, in
verbis:
“Centrais – também chamadas uniões ou confederações – são a maior
unidade representativa de trabalhadores na organização sindical. São
entidades de cúpula. Situam-se, na estrutura sindical, acima das
confederações, federações e sindicatos. Representam outras organizações
sindicais que a elas se filiam espontaneamente. São intercategorias,
expressando-se como um referencial de concentração da pirâmide
sindical. Surgem em congressos de organizações interessadas ou
institucionalmente – mas podem ser previstas em leis -, como uma
29endereço na internet: www.diese.org.br/bol/int/intset98.html.
45
necessidade natural, do mesmo modo com que são criados grupos
econômicos.
São organizações intercategoriais, numa linha horizontal, abrangentes de
diversas categorias. Das mesmas, são aderentes, não os trabalhadores
diretamente, mas as entidades de primeiro grau que os representam ou as
de segundo grau que integram os sindicatos . Portanto, representam
sindicatos, federações e confederações de mais de uma categoria. Atuam
numa base territorial ampla, quase sempre, todo o país”30.
Por mais paradoxal que possa parecer, as centrais sindicais, hodiernamente, numa
justa medida, são as que melhor “representam” a classe trabalhadora, quer porque
organizados espontaneamente, quer porque seus filiados acabam indicando uma unidade de
pensamento e de ação sindical, quer porque dependem e sobrevivem com contribuição
direta dos seus filiados, obrigando-as, efetivamente, a prestarem relevantes serviços.
Não se pode olvidar que o direito à negociação coletiva é um prolongamento do
direito sindical, consagrado no art. 4º da Convenção nº 98/49 da OIT. O fomento à
negociação coletiva vem estimulado, também, na Convenção nº 154 e na Recomendação nº
163.
A Organização Internacional do Trabalho incumbe aos governos o incentivo à
negociação coletiva, devendo o respectivo procedimento ser voluntário.
O art. 6º da Convenção nº 98 exclui de seu campo de aplicação os funcionários
públicos “na administração do Estado”, mas aplica-se a outras categorias de empregados
públicos.
30 Compêndio de Direito Sindical, p. 196.
46
A administração pública, como tal, é objeto da Convenção nº 151 e da
Recomendação nº 159, sobre as relações de trabalho na administração pública.
Alguns princípios gerais regem a aplicação do direito da livre negociação coletiva.
O Comitê de Liberdade Sindical apregoa que as partes devem negociar de boa-fé e
fazer esforços para chegarem a um acordo. Isso é sobremodo importante nos casos de os
sindicatos estarem privados do direito de greve na função pública ou nas atividades
essenciais.
Destaque-se, ainda, que a grande novidade da Lei Fundamental de 1988 foi elevar a
importância da negociação coletiva, isto é, a nível constitucional, a qual, resultando-se
frutífera, se materializa em instrumentos jurídicos denominados contratos coletivos,
convenções e acordos coletivos, como se verifica dos incisos VI, XIII, XIV, XXVI do art.
7º; inciso VI do art. 8º e §§ 1º e 2º do art. 114.
Registre-se, por importante, que no nosso sistema vigente, a negociação deve ser
feita pelo sindicato e, inexistindo este, pela federação e, não a havendo, pela confederação.
Neste contexto importante, entendemos que deveria haver, a bem da verdade, mais
um nível de negociação coletiva, para as chamadas centrais sindicais.
Com efeito, as entidades sindicais e as centrais sindicais cuidam de organizações
sobrepostas. Formam uma grande pirâmide de associações. A Recomendação nº 163 da
OIT prevê a livre negociação em todos os níveis. No entanto, no Direito Brasileiro não é
assim. As negociações, num primeiro grande momento, limitam-se ao nível dos sindicatos.
Estes detêm a exclusividade, o monopólio da negociação. A federação, em princípio, não
possui legitimidade para negociar e firmar instrumentos normativos, onde há sindicatos
47
organizados. Apenas onde a categoria não é organizada em sindicatos é que sobressalta a
sua titularidade.
As confederações não podem negociar diretamente entre si. O mesmo ocorre com as
centrais. Sem a participação do sindicato, as cláusulas negociadas por entidades de grau
superior não se aplicam na sua base territorial. Se uma central sindical quiser negociar em
conjunto, para todos os sindicatos, o instrumento terá que receber a anuência expressa de
cada sindicato, em cuja base territorial as cláusulas serão aplicadas.
No entanto, essas entidades de grau superior, particularmente as centrais sindicais,
desenvolvem forte e substancial articulação política de negociação e, de forma assistida,
subscrevem, em conjunto, com os sindicatos, os respectivos instrumentos normativos.
Todavia, frise-se, estão impedidas, direta e isoladamente, de manter tratativas visando a
obter instrumento normativo para determinada categoria, sem a indispensável
autorização/anuência do correspondente sindicato-base, sob pena de inviabilizar sua
exigência.
Ademais, é público e notório que as centrais sindicais têm servido de importante
interlocutores dos trabalhadores, quer junto ao Governo Federal, quer perante grandes
conglomerados empresariais.
Esta situação está a indicar que a estrutura sindical vigente já não mais representa
eficazmente os trabalhadores.
Tanto o é que a realidade nos indica a inserção de centrais sindicais com grande
representatividade em órgãos governamentais. As centrais têm assento no FAT31 (Lei nº
31 Segundo uma das notas da tese de doutorado de Marco Antonio de Oliveira: “ainda está por ser realizada
uma análise da participação sindical - e suas implicações – na gestão e no acesso aos recursos do FAT.
48
7.998, de 11.01.90), no Conselho Curador do FGTS (Leinº 8.036, de 11.05.90) no Conselho
do Plano de Benefícios da Previdência Social (Lei nº 8.213, de 24.07.91). Vale registrar
ainda o Decreto nº 1.617/95, que dispôs sobre a organização e funcionamento do Conselho
Nacional do Trabalho.
As centrais sindicais congregam sindicatos, federações, confederações, associações
profissionais etc., não possuindo ainda no meio entre nós, a correspondente correlação
econômica. É bem verdade que a Central Brasileira dos Trabalhadores e Empreendedores –
CBTE, como dito alhures, criada em dezembro de 2002, alberga não só microempresários,
mas também trabalhadores; trata-se, portanto, de uma entidade mista.
Nunca é demais trazer à baila as precisas afirmações do Min. Arnaldo Süssekind32
último remanescente da Comissão idealizadora da CLT:
“É inquestionável, em face do exposto, que elas não integram o prefalado
sistema, não possuindo, portanto, natureza sindical. Basta ter-se em conta
que existem cinco (duas CGT – Central Geral dos Trabalhadores; CUT –
Central Única dos Trabalhadores; Força Sindical e USI - União Sindical
Independente)33 e a Constituição impõe o monismo sindical “em qualquer
grau” (art. 8º, II). Aludindo a este inciso, escreveu Eduardo Gabriel
Saad: “semelhante dispositivo constitucional não deixa espaço para que
as Centrais Sindicais se organizem legitimamente. Numa palavra, é
inadmissível que haja pluralismo na cúpula sindical (CUT, CGT, etc.) e
unitarismo nos planos inferiores.
A posição das centrais sindicais de trabalhadores no cenário sindical
brasileiro é, no mínimo, extravagante. Elas não integram o sistema
Informações do CODEFAT, dão uma idéia do volume recente de recursos destinados às centrais sindicais. Em
2001, foram distribuídos R$38 milhões à Força Sindical; R$35 milhões à CUT, R$10 milhões CGT e R$12
milhões à SDS. Além disso, a Força Sindical passou a ter acesso a recursos do Ministério da Educação e do
Ministério da Reforma Agrária, recebendo dos cofres públicos um total de R$75 milhões”, p. 239. 32 Direito Constitucional do Trabalho, p.366-368. 33 nossa observação: os dados correspondem ao ano de 1999.
49
confederativo previsto na Constituição e na CLT, o qual se esteia no
princípio da unicidade de representação em todos os níveis. São, por
conseguinte, associações civis de que tratam os incisos XVII e XXI do art.
5º da Carta Magna. Entretanto, quase todas as entidades sindicais – a
maioria dos sindicatos, muitas federações e algumas confederações –
estão filiadas a uma das cinco centrais e seguem as suas diretrizes. E, de
fato, elas comandam o movimento sindical. Eis um paradoxo que resulta
do art. 8º da Constituição, cuja alteração se impõe para adequar-se à
realidade sindical brasileira.
Configura-se, assim, a pluralidade de representação de fato na cúpula do
movimento sindical brasileiro, a refletir-se nas organizações que, de
direito, representam as categorias profissionais (sindicatos) ou
coordenam os correspondentes grupos (federações) e ramos da economia
(confederações).
Se o monopólio de representação sindical viola, como já sublinhamos, o
princípio universalizado da liberdade sindical, certo é que essa
pluralidade de fato num regime legal compulsório de representação
unitária, afronta, em sua essência, a liberdade sindical coletiva e também
a individual: o trabalhador que não concordar com a orientação
doutrinária ou pragmática de determinada central, à qual se vinculou o
sindicato da sua categoria, somente nele poderá ingressar como
associado; e, ainda que se não sindicalize, será por ele representado em
todas as questões de interesse da sua categoria”.
Como reiteradamente dito, a Constituição Federal vigente inviabiliza a criação de
centrais sindicais com investidura sindical (inciso III do art. 8º e inciso XXI do art. 5º). De
outra parte, não veda, nem poderia, a criação de sociedades civis, entidades de direito
privado, ainda que tenham por objeto a coordenação de entidades sindicais (incisos XVII e
XVIII do art. 5º).
50
O Constituinte de 1988 poderia ter dado um passo além, reconhecendo as centrais
sindicais como titulares no procedimento negocial, propiciando, assim, maior força política
às categorias profissionais. Assim não o fez.
Contudo, o processo evolutivo histórico nos revela, indiscutivelmente, que o fato
social exige o reparo por parte do legislador.
Neste momento o Brasil passa por profundas reformas.
O Fórum Nacional do Trabalho instaurado em 29 de julho de 2003 pelo Exmo. Sr.
Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, sob a coordenação do Ministério do
Trabalho e Emprego, mostra-se como o cenário ideal para as alterações por todos
propugnadas.
Com efeito, o Fórum tem como objetivos:
a) promover a democratização das relações de trabalho por meio de um modelo de
organização sindical baseado na liberdade e autonomia;
b) atualizar a legislação do trabalho e torná-la mais compatível com as exigências do
desenvolvimento nacional, de maneira a criar um campo propício à geração de
emprego e renda;
c) modernizar as instituições de regulação de trabalho, especialmente, a Justiça do
Trabalho e o Ministério do Trabalho e Emprego;
d) estimular o diálogo e o tripartismo e assegurar a justiça social no âmbito das leis
trabalhistas, da solução de conflitos e das garantias sindicais.
Enfim, outra solução não nos apresenta senão o reconhecimento das centrais
sindicais como uma das legítimas representantes dos partícipes das relações de trabalho.
Para tanto, mister se faz que se proceda a devida reforma constitucional, atribuindo-lhe a
natureza de pessoa jurídica de direito privado com personalidade sindical.
51
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