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AS CENTRAIS SINDICAIS BRASILEIRAS A importância sociológica no processo de reestruturação do sindicalismo brasileiro e sua natureza jurídica. Luís Carlos Cândido Martins Sotero da Silva* I INTRODUÇÃO Queremos crer que em grande parte da nossa civilização já esteja superada a concepção do trabalhador como “objeto e propriedade” do detentor do capital. A ordem constitucional vigente consagra como alguns dos seus fundamentos a garantia da dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art.1º, III e IV) e elege como um dos objetivos fundamentais a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 2º, I). A ordem social está decalcada no princípio do trabalho e com objetivo definido no bem-estar e na justiça social. O conflito “capital versus trabalho” não se resume apenas ao aspecto salário e trabalho, sendo este apenas uma das várias facetas. Por óbvio, para se alcançar o desiderato insculpido na Carta Magna, indispensável que as partes envolvidas naquele secular conflito (empregados, empregadores, entidades de classes e o próprio Estado) exerçam uma co- responsabilidade generalizada com uma vontade real e efetiva de se proceder as alterações profundas e necessárias nas relações de trabalho. Vigorosa vontade política, lealdade, boa- fé, confiança e ausência de posições preconceituosas são ingredientes elementares que devem permear as relações. Nesse contexto, as centrais sindicais desenvolvem um papel de crucial importância na medida em que aglutinam os legítimos anseios sociais e postam-se como fiéis

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AS CENTRAIS SINDICAIS BRASILEIRAS

A importância sociológica no processo de reestruturação do sindicalismo brasileiro e sua

natureza jurídica.

Luís Carlos Cândido Martins Sotero da Silva*

I – INTRODUÇÃO

Queremos crer que em grande parte da nossa civilização já esteja superada a

concepção do trabalhador como “objeto e propriedade” do detentor do capital.

A ordem constitucional vigente consagra como alguns dos seus fundamentos a

garantia da dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa

(art.1º, III e IV) e elege como um dos objetivos fundamentais a construção de uma

sociedade livre, justa e solidária (art. 2º, I). A ordem social está decalcada no princípio do

trabalho e com objetivo definido no bem-estar e na justiça social.

O conflito “capital versus trabalho” não se resume apenas ao aspecto salário e

trabalho, sendo este apenas uma das várias facetas. Por óbvio, para se alcançar o desiderato

insculpido na Carta Magna, indispensável que as partes envolvidas naquele secular conflito

(empregados, empregadores, entidades de classes e o próprio Estado) exerçam uma co-

responsabilidade generalizada com uma vontade real e efetiva de se proceder as alterações

profundas e necessárias nas relações de trabalho. Vigorosa vontade política, lealdade, boa-

fé, confiança e ausência de posições preconceituosas são ingredientes elementares que

devem permear as relações.

Nesse contexto, as centrais sindicais desenvolvem um papel de crucial importância

na medida em que aglutinam os legítimos anseios sociais e postam-se como fiéis

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interlocutoras. Vale registrar ainda, que sua importância se agiganta na razão diretamente

proporcional ao da existência da liberdade sindical.

II – O SURGIMENTO DAS CENTRAIS SINDICAIS E SUAS CONTRIBUIÇÕES

NA REESTRUTURAÇÃO DO SINDICALISMO BRASILEIRO

Via de regra, principia-se o estudo de um determinado instituto pela sua natureza

jurídica, uma vez que aí reside seu alcance, sua abrangência. Em outras palavras, fixa-se o

objeto de estudo.

Contudo, o tema ora analisado – centrais sindicais brasileiras – dadas as suas

peculiaridades, comporta uma alteração desse roteiro. O fato do surgimento das centrais

sindicais estar atrelado, umbilicalmente, ao sistema corporativo ainda que posteriormente,

algumas entidades viessem a repudiá-lo, justifica nossa escolha. Optamos por discorrer

algumas palavras sobres os sindicatos, pois esses se constituem a base das centrais

sindicais. Após, passaremos a descrever alguns fatos marcantes da historia e,

paralelamente, teceremos nossas observações acerca dos entes sindicais. Este procedimento

nos levará à conclusão lógica quanto à natureza jurídica das centrais.

Todos sabem que, para melhor compreensão de um determinado fenômeno,

devemos, sempre que possível, debruçarmos sobre seu contexto histórico.

As organizações sindicais, tais como hoje as conhecemos, tiveram origem com a

industrialização.

A primeira organização sindical no Brasil data de 1906 - Confederação Operária

Brasileira – COB, a qual, diga-se passagem, foi criada à margem da legalidade.

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Getúlio Vargas, tomando como referência Mussolini, importou da Itália o

denominado “modelo legal de organização sindical”, sendo que os sindicatos se prestavam

a atender aos interesses ditatoriais do Estado, numa atitude subalterna. Em 1945 há o fim

do Estado Novo. Em meados dos anos 50, em razão do “boom industrializante” que ocorreu

no nosso país (para se utilizar da expressão de Álvaro Augusto Comin1), pode-se dizer que

começou a se formar uma moderna classe operária, ao lado de um expressivo número de

trabalhadores urbanos não-industriais voltados para os serviços públicos e privados. Em

1962 é fundado o Comando Geral dos Trabalhadores. O golpe militar de 1964 representa

um retrocesso no desenvolvimento do movimento sindical, que manteve os sindicatos,

porém, sem qualquer espaço para o exercício da real vocação sindical.

Na verdade, no curso da curta história do Brasil, o movimento sindical em sua

grande parte, caracterizou-se como um elemento a serviço do Estado, desprovido de

independência, o que lhe desnaturava sua atuação.

Entretanto, como o fenômeno social é imprevisível, ironicamente, houve o

ressurgimento do movimento sindical dentro desses mesmos sindicatos, aproveitando-se

que estavam albergados pelo manto da legalidade, bem como da infra-estrutura que

dispunham2 .

1 A Experiência de Organização das Centrais Sindicais no Brasil, p. 360. 2 Cf. Leôncio Martins Rodrigues, p. 13: “Considerando os anos de calmaria que se seguiram à repressão das

greves de Contagem e Osasco em 1968, o movimento sindical brasileiro reorganizou-se de modo

surpreendentemente rápido. Para tanto contribuiu, em primeiro lugar, o fato de a estrutura sindical oficial ter

permanecido intacta durante todo o período ditatorial, pois o esforço dos governos militares foi no sentido de

controlá-la mas não de destruí-la. Desse modo, quando se iniciou a transição democrática, as novas lideranças

sindicais “combativas” e as correntes de esquerda puderam contar com uma infra-estrutura administrativa e

um volume considerável de recursos capazes de possibilitar não apenas a realização de numerosas greves

como também o financiamento de muitos encontros, reuniões, conferências, publicações e outras atividades

políticas e sindicais. Pensamos, conseqüentemente, que não conviria menosprezar a importância do aparelho

sindical, que pôde ser mobilizado por suas diretorias de uma forma certamente não desejada pelo governo”.

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Há um marco histórico significativo que alterou os rumos do movimento sindical.

Estamos nos referindo àquele desenvolvido no ABC paulista, em plena época da ditadura

militar. Não se pode negar a importância do movimento dos trabalhadores de

Contagem/MG, que em abril de 1968, suspenderam o trabalho pleiteando reposição de

perdas salariais. Porém, não contaram com a participação do sindicato; o movimento

ocorreu à revelia desse último, que não apenas se negou a participar, mas também pediu a

suspensão. Posteriormente, o mesmo tipo de movimento ocorreu no setor metalúrgico em

Osasco, porém, o sindicato se fez presente, o que levou o então Min. do Trabalho Jarbas

Passarinho, a reagir com a ocupação militar da cidade de São Paulo, decretação da prisão

dos dirigentes sindicais e ativistas, determinando a intervenção na entidade.

Antes desse fato, a Federação dos Metalúrgicos de São Paulo, presidida por Argeu

Egídio dos Santos, afrontara o milagre econômico realizado pelo ministro Delfim Neto,

reclamando na Justiça a reposição de perdas salariais, contando com a assessoria técnica do

DIEESE.

Em 1978, os trabalhadores da Scania, montadora automotiva de São Paulo,

cruzaram os braços, para surpresa geral e até das direções sindicais. O mesmo ocorreu na

Ford, na Volkswagen e nas grandes indústrias metalúrgicas do ABC paulista.

A onda de greves se espalhou fácil e rapidamente para outros municípios e

empolgou outras categorias. Ainda que fossem reivindicatórias, as greves assumiram

caráter político, desafiando o absolutismo do governo e sua política que não considerava o

trabalhador como figura social.

João Batista Figueiredo assumiu o governo disposto a restaurar a democracia, e, de

fato, com ele encerrou-se o período de domínio militar.

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Em seguida, Tancredo Neves, da Aliança Democrática, bateu o outro candidato,

Paulo Salim Maluf, da Arena, no colégio eleitoral, mas não resistiu à grave enfermidade

que o acometeu e então assumiu o vice, José Sarney, ex-UDN, ex-presidente da Arena.

Até a Constituição de 1988 poucas modificações ocorreram. A Portaria nº 3.100/85

revogou a Portaria nº 3.337/78, que proibia centrais sindicais, a Resolução de 1985

promoveu a reabilitação de sindicalistas punidos e a Portaria nº 3.117/85 abriu prazo para

que os sindicatos dispusessem nos estatutos sobre eleições sindicais.

Ao Congresso foi remetido projeto de lei (nº 164/87) a respeito de organização

sindical, negociação coletiva e greve, com o fim de revogar o Título V da CLT sobre os

dois primeiros temas e a Lei nº 4.060/64, segunda lei de greve.

Essa postura oficial decorreu do processo de abertura política e redemocratização,

começado com a Nova República. A democratização das relações sindicais foi

considerada a principal parte do procedimento de renovação política e a negociação

coletiva foi incentivada como a primeira forma de solução dos conflitos trabalhistas.

Nos grandes centros do país, como São Paulo, ocorreu significativa onda de greves

diante da alta inflação. Passou-se a desenvolver um sindicalismo de resultados, pragmático,

não-contestativo do Estado, voltado para a obtenção de bons acordos e convenções

coletivas de trabalho. A lei então em vigor, no entanto, baseada nos superados princípios

corporativistas, contrastava com a realidade fática.

Tentou-se, assim, a ratificação da Convenção nº 87 da OIT. Mas uma ala do

movimento sindical a ela se opôs, por entender que ocorreria o fracionamento da unidade

com as facilidades que assegura para a criação de sindicatos e que haveria incentivo à

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fundação de sindicatos ideológicos. Foi então paralisada a tramitação do processo de

ratificação da citada Convenção.

Na Assembléia Nacional Constituinte os sindicatos conseguiram vencer no que toca

à manutenção de dois princípios: unicidade sindical (proibição, por lei, da existência de

mais de um sindicato da mesma categoria na mesma base territorial) e contribuição sindical

compulsória, fixada por lei.

O sistema de organização sindical acolhido pela Constituição Federal de 1988 é

contraditório: intenciona combinar a liberdade sindical com a unicidade sindical imposta

por lei e a contribuição sindical oficial. Prevê o direito de ser criado sindicato sem

autorização estatal, mas mantém o sistema confederativo que define bases territoriais,

representação por categorias e tipos de entidades sindicais. Importante frisar que as

limitações impostas pela Magna Carta foram defendidas por parte do movimento sindical,

de forma que elas representam a vontade dos próprios interessados. Não se pode falar,

portanto, que houve imposição do governo, mas reflexo dos parâmetros estabelecidos pelas

entidades sindicais.

Se no Brasil, após o advento da Novel Carta Magna ocorreu a proliferação

exagerada dos sindicatos, sem qualquer vinculação com os anseios efetivos das classes que

estariam a representar, objetivando apenas a percepção das contribuições e, alçar alguns

membros à condição de Juiz Classista, instituto vigente à época, é certo que no cenário

mundial ocorreu o inverso.

Para superar o ostracismo do movimento sindical que a própria sociedade e alguns

sindicatos representativos reclamam, as centrais sindicais, de há muito, têm preconizado ser

indispensável a reformulação da legislação. Para tanto, existem dois pontos cruciais: a

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efetiva implantação da liberdade sindical e o fim do recolhimento do imposto sindical

obrigatório, ranços do regime corporativista, após a devida e necessária reforma

constitucional.

O tema “liberdade sindical”, dada a importância que tem no desenvolvimento

sindical, e por conseqüente, nas atividades das centrais sindicais, merece algumas palavras.

A premissa básica do sindicalismo assenta-se no princípio da liberdade.

Princípios são proposições genéricas que informam e dão coesão a um sistema, do

qual se originam as regras. Vê-se, portanto, que são hierarquicamente superiores a estas

últimas.

As palavras de José Augusto Rodrigues Pinto revelam a preocupação com a

realização material do princípio, in verbis:

“a liberdade constitui um eixo ideal do suporte do sindicalismo, somente

apto a alcançar a efetividade se reforçado por essas outras idéias

(denominadas de complementares), também estruturais, que a resgatam

do plano ideal com toda sua carga de abstração, para o da idéia factível

num universo de relações concretas e fortemente influenciadas pelo

materialismo dos interesses que a envolvem”3.

Para Arion Sayão Romita4, o termo liberdade sindical tem vários significados, sendo

que, na verdade, encerra um “feixe de liberdades.”

Adotando os critérios de Orlando Gomes e Elson Gottschalk5, a liberdade pode ser

assim classificada:

3 Direito Sindical e Coletivo do Trabalho, p. 78. 4 Direito Sindical Brasileiro, p. 40. 5 Curso de Direito do Trabalho, p. 528.

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a) em relação ao indivíduo: i) liberdade de aderir a um sindicato; ii) liberdade de não se

filiar a um sindicato; iii) liberdade de se demitir de um sindicato.

b) em relação ao grupo profissional: i) liberdade de fundar um sindicato; ii) liberdade de

determinar o quadro sindical na ordem profissional e territorial; iii) liberdade de

estabelecer relações entre sindicatos para formar agrupamentos mais amplos; iv)

liberdade para fixar regras internas, formais e de fundo para regular a vida sindical; v)

liberdade nas relações entre sindicalizado e o grupo profissional; vi) liberdade nas

relações entre o sindicato de empregados e de empregadores; vii) liberdade no exercício

do direito sindical em relação à profissão; viii) liberdade no exercício do direito sindical

em relação à empresa.

c) em relação ao Estado: i) independência do sindicato em relação ao Estado; ii) conflito

entre autores do Estado e ação sindical; iii) integração dos sindicatos no Estado.

Passemos, pois, à análise de cada um dos tipos de liberdade mencionados.

Liberdade de aderir a um sindicato.

Consta na Declaração Universal dos Direitos dos Homens:

“Art. XX 1.Todo homem tem o direito à liberdade de reunião e

associação pacíficas.

2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma

associação.”

Assegura o art. 2º da Convenção nº 87 da OIT, a todos os trabalhadores e

empregadores, exceção feita aos membros das forças armadas e da polícia (vide art. 9º), o

seguinte:

“Os trabalhadores e os empregadores sem distinção de qualquer espécie,

terão direito de constituir, sem autorização prévia, organizações de sua

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escolha, bem como o direito de se filiar a essas organizações, sob a única

condição de se conformar com os estatutos das mesmas.”

A Constituição Federal no inciso V do art. 8º encerra: “Ninguém será obrigado a

filiar-se ou manter-se filiado a sindicato”.

Ressalte-se, por importante, que o bem de vida que se está buscando proteger -

liberdade – não é exclusivo dos empregados, alcançando também os empregadores.

Contudo, por razões óbvias, diante do poder econômico destes últimos, são particularmente

os empregados os que mais se beneficiam do princípio sob comento.

A liberdade de sindicalização é matéria que diz respeito, diretamente, aos

indivíduos, concedendo-lhes o exercício de uma faculdade. É um direito, pois, do

trabalhador individualmente considerado. Entretanto, também reflete a do grupo, na medida

em que a sindicalização se revela fonte de legitimidade de expressão.

Liberdade de não se filiar a um sindicato.

Como corolário lógico da liberdade de filiação, há a liberdade de não engajamento.

A associação obrigatória, em contraposição à livre associação, tem incidência nos

países totalitários, nos quais o sindicato tem qualidade de direito público.

Nos países de tradição liberal, há tendência ao monopólio da atividade sindical, em

decorrência da consciência dos trabalhadores de que, um sindicato coeso tem maior

representatividade, maior expressão e força política.

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Observe-se, ainda, que não se deve confundir sindicato obrigatório - o qual anula a

liberdade de associação - com sindicato único, que representa toda uma categoria por meio

de uma única associação, mas que resguarda o direito de filiação ou não.

Mesmo nos países que consagram a liberdade de associação, alguns adotam, por

meio de pactos coletivos, as chamadas “cláusulas de segurança sindical”.

A doutrina reconhece as seguintes: a) closed shop; b) union shop; c) preferencial

shop; d) maintenance of membership; e) mise à l’index 6.

O Brasil adota o princípio da liberdade de filiação, para o qual é irrelevante ser o

empregado associado ou não. Não vigora, portanto, o sistema de inserção de cláusulas de

segurança sindical.

Liberdade de se demitir de um sindicato.

A liberdade de desfiliar-se é um corolário lógico da liberdade de filiação, e está

expressamente prevista no inciso V do art. 8º da Carta Magna.

6 A cláusula closed shop prevê que o empregador não pode admitir empregados não sindicalizados, fato

aferido no momento da contratação. Isso permite ao ente sindical controlar a colocação de pessoal,

possibilitando-lhe manter uma agência de emprego. Pela cláusula union shop, pode o empregador escolher

livremente seus empregados, porém, após um período de provas, devem estes filiar-se ao sindicato que

subscreveu o convênio coletivo, que lhe é aplicável, e se assim não o fizer, impõe-se à empregadora a

obrigação de demiti-lo, já que não se admite a existência de empregado não sindicalizado.Pela cláusula

preferencial shop, têm os empregados sindicalizados alguns privilégios sobre os não sindicalizados, v.g.,

serem os últimos na demissão, e os primeiros na readmissão. Nos Estados Unidos, a Lei Taft-Hartley, de

1947, proibiu as cláusulas open shop e preferencial shop. Permitiu, porém, a union shop e a maintenance

membership (os empregados sindicalizam-se livremente, contudo, se assim procederem, são obrigados a

permanecer nos quadros sindicais no período fixado pelo convênio, sob pena de serem despedidos). A França

adota, ainda, o sistema mise à l’index. Não se trata de cláusula inserida no termo de avença, mas sim de

atividade direta do sindicato, consistente na colocação do nome do empregado não sindicalizado no índex,

não podendo o empregador admiti-lo, e se já o fez, impondo-lhe a dispensa. O sindicato pode adotar ainda a

“marca sindical” ou “label”, a qual é colocada sobre o produto, a noticiar aos consumidores que o fabricante

observou as obrigações legais e/ou convencionais. Porém, o Código de Trabalho considera nulo todo acordo

que afronte a liberdade individual, exceto a dos filiados a um sindicato proprietário de “marca sindical”.

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Liberdade de criar um sindicato.

Ainda que consagrada a liberdade sindical em nível constitucional, é certo que leis

ordinárias não a podem comprometer, criando-lhe empecilhos.

Segundo a lição do Prof. Romita7, os requisitos impostos por lei na criação de um

sindicato podem ser classificados em duas ordens:

a) requisitos de fundo – relativos à própria constituição do grupo, isto é qualidade das

pessoas que possam participar. Somente as detentoras da qualidade de empregado,

empregador ou profissional liberal podem fazer parte do quadro, e ainda, a finalidade a

ser perseguida deve ser o estudo, a defesa e a coordenação dos interesses de todos os

que, detentores das qualidades acima relacionadas, exercem a mesma atividade ou

profissão.

b) requisitos de forma – formalidades previstas em lei para que se considere fundado o

sindicato. Deve a lei restringir-se aos aspectos da publicidade do ato de constituição da

entidade.

Assim dispõem os incisos I e II do art. 8º da Carta da República:

“I – a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação do

sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder

Público a interferência e a intervenção na organização sindical;”

“II - é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em

qualquer grau, representativa da categoria profissional ou econômica, na

mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou

empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um

Município;”

7 Ob.cit., p. 47.

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Como se vê, a fundação de um sindicato não mais exige a prévia autorização do

Estado. A fundação, em si, é livre. A lei, porém, ressalvou o indispensável registro no

órgão competente.

Anteriormente a 05 de outubro de 1988, era o registro efetuado mediante a outorga,

pelo Ministério do Trabalho e Emprego, da Carta Sindical, que equivalia à certidão de

nascimento da entidade sindical, ou seja, a sua admissão oficial no mundo jurídico.

Na seara do direito processual, estava garantida a capacidade do sindicato para estar

em juízo (art. 7º do Código de Processo Civil) e aberto o caminho para a instauração do

dissídio coletivo.

Dois requisitos especiais eram exigidos para tanto: o de estar o sindicato investido

do direito de representar a categoria profissional interessada no dissídio, e o da aprovação

da assembléia, nos termos do art. 859 da CLT.

Os Constituintes da atual Carta Política, com certeza, preocupados em vedar

qualquer ingerência ou intervenção do Estado, relegaram para a lei ordinária a missão de

definir o órgão competente para o registro do sindicato.

De pronto surgiram duas correntes: uma defendendo que o órgão competente seria o

Ministério do Trabalho e Emprego, enquanto outra via no fato insuportável ingerência do

Estado, e apontavam os cartórios civis. Houve profundas discussões doutrinárias e

jurídicas.

Contudo, após anos de celeuma, mais precisamente em 17 de julho de 1997, foi

baixada a Instrução Normativa GM/MTb 01, pelo Ministro Paulo Paiva, com base em

decisões do Supremo Tribunal Federal, de acordo com as quais “o registro sindical no

Ministério do Trabalho e Emprego constitui ato vinculado, subordinado apenas à

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verificação de pressupostos legais, e não de autorização ou reconhecimento discricionários”

e também por ser o registro “ato meramente cadastral, para o fim de tornar pública a

existência da entidade e servir como fonte unificada de dados a que os interessados poderão

recorrer como elemento documental para dirimir suas controvérsias, por si mesmas ou junto

ao Poder Judiciário”. A legitimidade para a impugnação do pedido de registro foi atribuída

ao sindicato, cuja representatividade coincidisse, no todo ou em parte, com a do requerente

(art. 6º). Os pressupostos de admissibilidade serão verificados pelo Secretário das Relações

do Trabalho (comprovante de registro do impugnante no Ministério do Trabalho e

Emprego, pagamento de importância correspondente ao custo da publicação no Diário

Oficial da União e tempestividade da medida). Conhecida a medida, devem as partes

dirimir o conflito pela via consensual ou por intermédio do Poder Judiciário. Não havendo

impugnação, ou não sendo esta conhecida, será concedido o registro.

As alterações estatutárias foram deixadas de lado, limitando-se a Instrução a

disciplinar os pedidos de modificação da representação, tais como desmembramento e

fusão.

Alguns poucos dias se passaram e a Instrução foi modificada pela Instrução

Normativa 02, de 28 de agosto de 1997, restabelecendo a competência da confederação

para opinar sobre a observância da unicidade sindical, regularidade e autenticidade de

representação.

Vários projetos se apresentaram sobre a matéria, mas persistia a celeuma. Ilustre-se

com a seguinte ementa, da lavra do Ministro Celso de Mello, relator da Adin. nº 1.121-9,

publicada no Diário da Justiça, de 06 de outubro de 1995, in verbis:

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“A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ao interpretar a norma

inscrita no art. 8º, I, da Carta Política - e tendo presentes as várias

posições assumidas pelo magistério doutrinário (uma, que sustenta a

suficiência do registro da entidade sindical no registro civil das pessoas

jurídicas; outra, que se satisfaz com o registro personificador no

Ministério do Trabalho e Emprego e a última, que exige o duplo registro:

no registro civil das pessoas jurídicas, para efeito da aquisição da

personalidade meramente civil, e no Ministério do Trabalho e Emprego,

para obtenção da personalidade sindical) - firmou orientação no sentido

de que não ofende o texto da Constituição a exigência de registro sindical

no Ministério do Trabalho e Emprego, órgão este que, sem prejuízo de

regime diverso passível de instituição pelo legislador comum, ainda

continua a ser o órgão estatal incumbido de atribuição normativa para

proceder à efetivação do ato registral. Precedente: RTJ 147/868, Rel.

Min. Sepúlveda Pertence” - grifo nosso.

Há também quem entenda que o órgão competente para o registro previsto no inciso

I do art. 8º da CF não é o Ministério do Trabalho e Emprego e tampouco o Cartório de

Registro de Pessoas Jurídicas, ponderando que a lei ordinária é que deve estabelecer qual

seja ele8.

Mantém-se a controvérsia acerca da legitimidade de representação. De regra, a

Justiça Comum será a competente para tanto, a menos que se trate de atacar o ato do

registro diretamente, quando competente será a Justiça Federal.

Há, porém, quem sustente que a Justiça do Trabalho é o órgão competente para

solucionar a controvérsia, uma vez que se trata de contenda trabalhista, como Roberto

8 José Luciano Castilho Pereira. Algumas Questões Sobre o Sindicato e sua Atuação. Revista Síntese

Trabalhista nº 23, maio/91.

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Barretto Prado9 e José Carlos Arouca10. Este último, entretanto, ressalva a necessidade de

lei ordinária disciplinadora da matéria.

O Ministro Hylo Gurgel, no RO-DC 111.018/94.3, cuja decisão fôra publicada no

Diário da Justiça de 06 de outubro de 1995, ementou: “A Justiça do Trabalho não é

competente para decidir litígio entre sindicatos quando a disputa versar sobre o direito de

representar a categoria em relação a uma determinada base territorial. Recurso Ordinário

desprovido”.

A preferência é que o registro se dê perante os cartórios civis, a fim de que seja

afastado qualquer propósito intervencionista do Estado e o pedido submetido ao princípio

da publicidade, comportando impugnação fundamentada. Eventuais controvérsias seriam,

então, solucionadas pelo Judiciário, em obediência ao art. 5º, XXXV da Constituição

Federal.

A base territorial é outro aspecto que diz respeito à liberdade de criação do

sindicato.

Dispunha o art. 517 da CLT:

“Art. 517. Os sindicatos poderão ser distritais, municipais,

intermunicipais, estaduais e interestaduais. Excepcionalmente, e

atendendo às peculiaridades de determinadas categorias ou profissões, o

Ministério do Trabalho e Emprego poderá autorizar o reconhecimento de

sindicatos nacionais”.

Até a Constituição de 1988, admitiam-se sindicatos distritais. No regime anterior,

totalitário, cabia ao Ministro do Trabalho e Emprego o controle absoluto das organizações

9 Registro Sindical, Cassação dos Sindicatos, Revista LTr, 55-03/282. 10 Repensando o Sindicato, p. 95.

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sindicais, e a outorga e delimitação da base territorial dos sindicatos. Ao sindicato era

facultado, dentro da base territorial que lhe fosse determinada, instituir delegacias ou seções

para melhor proteção dos associados e da categoria econômica ou profissional ou profissão

liberal representada.

A unicidade sindical consistia em não se reconhecer mais de um sindicato para

representar a mesma categoria econômica ou profissional, ou profissão liberal na mesma

base territorial (art. 516 da CLT).

A base territorial era matéria afeta ao Ministro, haja vista as disposições dos arts.

520 e 537, § 2º da CLT.

A criação de federações interestaduais ou nacionais foi dificultada pela Instrução

Normativa 1/97 do Ministério do Trabalho e Emprego e pelo Precedente nº 14 do Colendo

Tribunal Superior do Trabalho.

Interessante a hipótese de uma federação adotar base inferior ao limite de um

Estado, assumindo a forma de federação intermunicipal ou regional. Não há qualquer

impedimento para isso.

A Carta Política atual, no art. 8º, II, manteve o regime monista, mas tratou de

estabelecer que os interessados definiriam a base territorial de suas entidades sindicais, que

não pode ser inferior à área de um município, pondo fim ao sindicalismo distrital. Portanto,

para a determinação da base da estrutura do sindicato não basta o fator categoria, mas é

necessário, também, o fator geográfico. Assim, pode-se definir base territorial como a área

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geográfica na qual se situa a categoria econômica ou profissional representada pelo

sindicato11.

Quanto ao desmembramento, é este possível, mas a CLT apenas prevê a dissociação

de categorias concentradas (art. 571). Quando a dimensão geográfica alcança mais de um

município, o procedimento deve ser aplicado analogicamente. O sindicato local pode ser

fundado pelos interessados, cabendo-lhes apenas definir a base territorial de suas

organizações de classe, conforme já decidiram o Supremo Tribunal Federal (REMS nº

21.305-1, Rel. Min. Marco Aurélio - in LTr 56-01/10 - vol. 56, nº 1, janeiro/92) e o

Superior Tribunal de Justiça (RE nº 54.660-5, Rel. Min. Garcia Vieira, julgado em 26 de

outubro de 1994).

Liberdade de determinar o quadro sindical na ordem profissional e territorial

Não há dúvidas quanto ao legítimo detentor de tal liberdade.

Com efeito, no verdadeiro regime de liberdade sindical, são os próprios interessados

que devem definir o quadro profissional representado, bem como a extensão geográfica de

sua atuação.

Mais uma vez, seguindo os passos do Prof. Romita12, podemos apresentar a seguinte

classificação:

I) quanto ao âmbito social: i) sindicato de classe: formado somente por empregados ou

empregadores; ii) sindicato misto: na sua formação há trabalhadores e empregadores;

11 Arion Sayão Romita, Breves Considerações sobre Organização Sindical Brasileira, Rev. do Direito do

Trabalho, nº 97, p.14. 12 Direito Sindical Brasileiro, p. 48.

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II) quanto ao âmbito profissional: i) sindicatos de ramos de atividade: todas as profissões

do ramo de construção, por exemplo; ii) sindicato por ofícios ou profissões: os motoristas,

v.g., que trabalhem para construtora ou empresa de transporte;

III) quanto ao âmbito geográfico: i) sindicatos locais – compreendendo uma só profissão ou

trabalhadores de diversas atividades; ii) uniões sindicais – compreendendo regiões

intermunicipais, interestaduais etc.

No Brasil, há expressa disposição legal quanto à dimensão mínima da base

territorial. Ainda que não se acolha o enquadramento sindical, por representar interferência

do Estado, na prática, subsiste, tendo em conta que a Constituição manteve a unicidade

sindical e a sindicalização por categoria. Ademais, como, percucientemente, alerta Romita,

a impossibilidade de haver sindicato por empresa, no Brasil, não é conseqüência da

definição da base territorial, mas sim, por que o critério adotado para sindicalização é a

categoria.

Liberdade de estabelecer relações entre sindicatos para formar agrupações mais amplas.

Dispõe o art. 5º da Convenção nº 87 da OIT:

“As organizações de trabalhadores e empregadores têm o direito de

constituir federações e confederações, assim como de filiar-se às mesmas,

e toda organização, federação ou confederação tem o direito de se filiar a

organizações internacionais de trabalhadores e empregadores.”

Um dos escopos da liberdade sindical é possibilitar que os sindicatos se

organizem de tal forma que atendam a seus interesses. Assim, devem eles usá-la do

modo como melhor lhes aprouver, para que possam atingir seus objetivos maiores.

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A história do movimento sindical já provou que a união é que lhes dá força de

expressão e legitimidade. No mundo globalizado, a tendência é cada vez maior pela

universalização. Desse modo, as federações e confederações representam instrumentos

importantíssimos para a plena atividade sindical.

Segundo alguns, para as federações valeria a regra do art. 534, § 2º da CLT, ou

seja, área correspondente, pelo menos, à de um Estado. Mas não há impedimento de que

seja ela interestadual ou nacional, sem depender de autorização do Ministro do Trabalho e

Emprego. A confederação, por sua vez, deve ser nacional, segundo o art. 535, também da

CLT, mas não depende do reconhecimento do Presidente da República, como impunha o

art. 537, § 3º da CLT.

Em nosso país, exceto no breve período do Decreto nº 24.694, a liberdade

individual/coletiva de fundar organizações sindicais ficou limitada à unidade de

representação por categoria numa mesma região geográfica. Afora esse particular, todo o

contido na Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho é permitido, inclusive

a filiação a entidades internacionais.

Liberdade para fixar as regras internas, formais e de fundo, para regular a vida sindical.

Sendo a Convenção nº 87 da OIT o sustentáculo do estudo da liberdade sindical,

mais uma vez lhe recorremos aos preceitos.

O art. 3º assim está vazado:

“As organizações de trabalhadores e de empregadores têm o direito de

fixar seus estatutos e regulamentos administrativos, de eleger livremente

seus representantes, de organizar sua administração e suas atividades e o

de formular seu programa de ação. As autoridades públicas deverão

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abster-se de qualquer intervenção que vise a limitar esse direito o a

diminuir seu exercício legal.”

Estamos diante, na verdade, do que se chama de AUTONOMIA SINDICAL, isto

é, da capacidade de o sindicato autodeterminar-se.

Autonomia do sindicato significa o limite de ação; é o direito de sua

autodeterminação, o poder reconhecido para que ele alcance suas finalidades dentre os

meios não contrários à lei e às normas estabelecidas para a manutenção da ordem pública

democrática13. É liberdade potencializada, é poder de ser livre.

Em um sistema democrático, respeitam-se as individualidades, mas em função da

prevalência da autonomia da vontade coletiva, que se reflete na manifestação majoritária

adotada nas diferentes instâncias, tribunais, câmaras, senado, congresso, associações

privadas, clubes, instituições, órgãos de deliberação.

O exercício da democracia consiste em concretizar a vontade coletiva, respeitando a

liberdade de expressão das minorias; devem estas submeter-se à vontade definida pela

maioria.

A autonomia coletiva ganha relevo no Direito do Trabalho, especificamente nas

negociações coletivas e seus reflexos: acordos, convenções coletivas e contratos coletivos

de trabalho.

A autonomia coletiva está acima da liberdade individual, quando se trata de

determinação da vontade majoritária, indispensável para a concretização da democracia. A

liberdade coletiva traduz-se na livre redação dos estatutos e regulamentos administrativos,

13 Orlando Gomes, Direito do Trabalho, Estudos, p. 167.

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na livre escolha dos dirigentes e representantes sindicais, na organização administrativa,

nas atividades e na formulação do programa de ação.

É preciso que a lei amplie a proteção legal para anular todo e qualquer ato que

obstaculize a liberdade sindical em todas as suas dimensões. Também é primordial que, nos

acordos e convenções, se adotem cláusulas de proteção e estímulo à sindicalização.

A autonomia e a liberdade sindical dependem do prestígio da autonomia coletiva de

vontades, que democratiza as relações de trabalho e torna efetivas as negociações coletivas

de trabalho.

A autonomia coletiva revela um feixe de liberdades individuais, numa relação livre

do conjunto de empregados no embate com o empregador ou com a representação patronal,

que lhes nega as reivindicações e disputa no confronto das negociações.

Por fim, registre-se, por importante, que autonomia não significa soberania, tendo

em conta que a entidade deve respeitar o ordenamento jurídico estatal. Ademais, soberania

é um atributo exclusivo da União, pessoa jurídica de direito público.

Preleciona Roberto A . O. Santos:

“A idéia hoje aceita de autonomia sindical parte de que todas as

autonomias sociais são limitadas. A sociedade global respeita, por

exemplo, a autonomia dos indivíduos, mas estes, por seu turno, devem

respeitar as autonomias uns dos outros, as autonomias de grupos

intermediários diversos e as regras reconhecidas como legítimas em certo

momento para o todo social. Assim é que a autonomia sindical não deve

ser entendida sem limites ou com caráter de soberana (super omnia =

sobre todas as coisas), mas dentro de sua relatividade histórica concreta.

Ela nasce como elo no curso de longa evolução política, envolvida (e

autorizada) por certas expectativas de indivíduos – autônomos - e classes

sociais coordenados por um Estado determinado e também autônomo,

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que têm o direito, todos eles, de esperar do sindicato práticas plenamente

articuladas com os direitos e necessidades das outras unidades de

decisão humana.”14

Liberdade nas relações entre o sindicalizado e o grupo profissional.

Para Giuliano Mazzoni15, o conteúdo da autonomia sindical apresenta os seguintes

prismas: a) autonomia de organização; b) autonomia negocial; c) autonomia administrativa

e d) atividade de autotutela.

Liberdade nas relações entre o sindicato de empregados e o de empregadores.

Considerando-se que é o interesse econômico o liame das relações entre entidades

patronais e profissionais, e que, via de regra, estas se opõem, converte-se a autonomia,

imprescindivelmente, em garantia efetiva e plena dos direitos dos trabalhadores.

A independência das entidades profissionais perfaz-se na inadmissibilidade dos

sindicatos mistos à não sujeição ao comando patronal. Repudiam-se, assim, os sindicatos

imobilistas, que priorizam o assistencialismo, com destaque para colônias de férias,

ambulatórios médico-dentários, prestando-se apenas e tão-somente para amortecer os

confrontos entre capital e o trabalho. De regra, tais sindicatos têm postura conservadora e

profunda aversão às idéias socialistas. Dificultam a filiação, rareiam a realização de

assembléias, que se esvaem em formalismos e obstáculos. Sua direção é distante da base,

aproximando-se do patronato e participando de eventos que lhe digam respeito.

14 Trabalho e Sociedade na Lei Brasileira, p. 105. 15 Relações Coletivas de Trabalho, p. 69.

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No Brasil, outorgou a Carta Magna ao sindicato o poder-dever de promover “a

defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões

judiciais ou administrativas” (inciso III do art. 8º), e ainda, determinou-lhe a participação,

obrigatoriamente, nas negociações coletivas de trabalho.

Liberdade no exercício do direito sindical em relação à profissão

Um dos ângulos da autonomia sindical é o seu aspecto negocial, que se revela por

meio da negociação coletiva, e pactuação de convênios coletivos (acordo, convenção ou

ainda, contrato coletivo de trabalho).

Liberdade no exercício do direito sindical em relação à empresa

Sendo o empregador o detentor do capital, exerce poder hierárquico, o qual se

manifesta pelos poderes disciplinar e diretivo, determinando a forma de prestação do

serviço, fixação de regras gerais de caráter técnico etc, que se podem ser corporificar por

meio de circulares, regulamento de empresa, ordens de serviços gerais e/ou

individualizadas. Mesmo na sociedade capitalista, a tendência mundial tem sido mitigar tal

poder, tendo em conta a participação dos empregados.

Os sindicatos, até por disposição constitucional, têm o dever de promover a defesa

dos interesses dos trabalhadores. Entretanto, tal prerrogativa não lhes é exclusiva. A própria

Carta Magna, dispôs em seu art. 11: “Nas empresas com mais de duzentos empregados, é

assegurada a eleição de um representante destes com a finalidade exclusiva de promover-

lhes o entendimento direto com os empregadores”. Vê-se, portanto, que a função do

representante dos trabalhadores, previsto no artigo sob comento, está voltada para eventuais

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conflitos coletivos. Já a Lei nº 9.958/2000 institui, no nosso ordenamento, a Comissão de

Conciliação Prévia, que pode ter caráter de empresa ou ainda intersindical, cujo objetivo é a

solução de conflitos individuais. Cuida-se de novidade no nosso histórico, cuja prática

necessita ser fomentada.

Independência do sindicato em relação ao Estado

Até a promulgação da Constituição Federal de 1988, havia forte impregnação do

ranço ditatorial, e as normas referentes à atividade sindical eram marcadas pela presença

maciça do Estado. A partir de 1988, alterou-se o quadro, de forma substancial, não mais

podendo o Estado nela interferir, e as exigências constitucionais se restringem à unicidade

sindical, à limitação da base territorial mínima, à sindicalização por profissão e ao registro

no órgão competente, somente para fins de publicidade.

O conflito entre a autoridade do Estado e a Ação Sindical.

Mesmo dentro do sistema da mais completa liberdade sindical, não podemos olvidar

que o Estado de Direito não abre mão de regras, ainda que gerais, sob pena de nele se

instalar o anarquismo.

Também é verdade que o leque das atividades sindicais se ampliou,

significativamente, e sua atuação já não se refere estritamente às relações de trabalho. A

entidade sindical moderna participa das áreas previdenciárias, econômicas e sociais, já que

o trabalhador não é apenas um elemento a mais da cadeia da produção.

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Ao revés, ele é o centro dessa cadeia.

Integração dos sindicatos no Estado

Num Estado democrático efetivo, tem o sindicato ampla autonomia em relação ao

Estado, enquanto no sistema autoritário assume caráter de direito público, tal a vinculação

que com ele mantém.

Assim sendo, essas regras gerais não venham interferir na fundação, organização e

funcionamento do sindicato.

Nada obstante os termos do art. 8º da Carta Magna, a liberdade sindical, no Brasil,

de forma efetiva, só alcança a liberdade individual de se filiar ou não a um sindicato, e

ainda, a não intervenção estatal na sua organização. Quanto ao mais, resta, apenas, simples

declaração formal.

Como ápice do movimento político, a afastar a ditadura e afirmar a

redemocratização do país, veio a lume a Constituição Federal de 1988, que nos

ensinamentos do Mestre Amauri16, redefiniu o modelo sindical, tendo por base dez

princípios, in verbis:

1. A reafirmação do direito de organização sindical, postulado básico

do processo de consolidação democrática desenvolvido pelo país,

reconhecido o livre direito de associação profissional e sindical como um

dos direitos fundamentais dos trabalhadores e empregadores;

2. A unicidade sindical e estrutura confederativa, com a

autodeterminação das bases territoriais pelos próprios trabalhadores e

16Amauri Mascaro Nascimento. Limites Constitucionais da Liberdade Sindical no Brasil ,In O Mundo do

Trabalho, p. 135.

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empregadores interessados, sendo permitida, como base mínima, a de um

município;

3. A transformação da função dos sindicatos, que, antes

fundamentalmente assistencial, passou a centralizar-se na defesa dos

direitos e interesses coletivos da categoria, bem como os individuais dos

seus membros, inclusive em questões judiciais ou administrativas;

4. A livre criação de sindicatos sem a necessidade de autorização

prévia do Estado, desaparecendo a antiga carta de reconhecimento, que

era o documento atribuído, geralmente com critérios políticos, pelo

Ministro do Trabalho para que uma associação não-sindical pudesse

transformar-se em sindicato e ter as prerrogativas deste, dentre as quais

a legitimidade para negociar, para aprovar greves e ingressar com

dissídios coletivos na Justiça do Trabalho;

5. A livre administração dos sindicatos, vedada qualquer

interferência do poder público nas diretorias das entidades sindicais,

com o que ficou eliminado, definitivamente, o expediente da intervenção

do Ministério do Trabalho e Emprego para afastar os dirigentes cuja

militância fosse considerada contrária aos interesses do Estado;

6. A livre deliberação, pela assembléias dos sindicatos, de uma

contribuição destinada ao custeio do sistema confederativo sindical, que

ficou conhecida como contribuição confederativa, descontada em folha de

pagamento pelos empregadores, mantendo-se, no entanto, o antigo

imposto sindical;

7. A liberdade sindical individual de filiação e desfiliação,

significando o direito, já existente, de uma pessoa ingressar ou não como

sócia do sindicato de sua categoria profissional ou econômica;

8. A unificação do modelo urbano, rural e de colônias de pescadores,

que, desse modo, foram aproximados;

9. O direito dos aposentados filiados ao sindicato de votar e serem

votados nas eleições sindicais;

10. As garantias conferidas ao dirigente sindical, dentre as quais a

proibição da sua dispensa imotivada, direito que a CLT já assegurava,

ou seja, estabilidade do dirigente sindical.

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A doutrina é unânime ao apontar a incoerência do nosso sistema, ao anunciar a

liberdade sindical, ao mesmo tempo em que prevê a unicidade sindical. Ora, liberdade

sindical significa direito de associação, e para tanto, deve-se garantir a existência de

sindicatos. No nosso caso em especial, os próprios sindicatos, em parte, são os responsáveis

pela manutenção da unicidade, posto, que em 1987, o Governo enviou projeto de lei com

traços dos parâmetros da Convenção 87. Contudo, os Constituintes foram sensíveis aos

sindicatos, que preferiram manter a estrutura antiga17.

A liberdade sindical é o ponto central da existência de sindicatos realmente

representativos e que dão sustentação e legitimidade às centrais sindicais.

Uma alteração decorrente da reformulação da estrutura sindical, feita pela

Constituição de 1988, como conseqüência da liberdade sindical, foi a exclusão do

enquadramento sindical oficial. Assim, considerando que a previsão de que cabe aos

sindicatos definir a sua representação e a sua base territorial, apregoam alguns o

enquadramento espontâneo.

Num sistema efetivo de liberdade sindical, pressupondo inclusive a pluralidade

sindical, cabe às entidades a autodefinição das suas bases e representatividade.

Passemos à análise da questão da unicidade e pluralidade.

17 “Quando teve início a Assembléia Constituinte, as novas lideranças sindicais decidiram, no entanto

privilegiar as demandas trabalhistas que unificavam o movimento sindical e relegaram a segundo plano os

temas sindicais, sobre os quais havia muitas divergências. Na verdade, a reforma da legislação sindical não

representava uma prioridade para a maioria dos sindicalistas. (...) As centrais sindicais preferiram, então,

apostar em uma aliança com as confederações e transformaram o Departamento Intersindical de Assessoria

Parlamentar (Diap) em seu principal instrumento de pressão sobre os constituintes.” Marco Antonio de

Oliveira, p. 246.

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Não se confunde a questão da unidade ou pluralidade sindical com a da

obrigatoriedade sindical. Este problema - o da obrigatoriedade - diz respeito ao ingresso

facultativo ou compulsório do indivíduo em seu sindicato de classe. Debate-se se deve ser

permitido a alguém, que se mantenha fora do órgão ou órgãos representativos de sua

atividade, enquanto se encontre em pleno exercício desta. De seu turno, a questão, que

envolve a unidade ou pluralidade, está atrelada ao fato de dever ser ou não reconhecido

pelo Estado, para cada categoria profissional, como seu representante, em cada localidade,

um único sindicato ou mais de um.

Há argumento tanto para a defesa da pluralidade quanto para a unicidade sindical.

Para a primeira, o de que a unicidade seria herdeira do corporativismo da Itália fascista,

existente hoje apenas em nosso país; para a segunda, o de que a divisão dos empregados

não os favorece em nada.

Pode haver sindicato único que não seja obrigatório. Inegável, porém, que o

sindicato único induz o sindicato oficial ou oficializado.

Algumas razões se apresentam em favor da pluralidade sindical: ela respeita o

direito de associação do trabalhador; ninguém pode ser compelido a participar de uma

associação privada, cujos princípios ou atuação lhe pareçam inconvenientes ou que sua

consciência repila; do ponto de vista econômico-social, resguarda ela mais facilmente os

trabalhadores.

Apesar de o Brasil ter sido um dos signatários da Convenção nº 87, até hoje não a

ratificou, nada obstante ensaios infrutíferos.

A implantação do pluralismo sindical em nosso meio só será possível com a reforma

constitucional, uma vez que o art. 8º, II da Carta Magna veda a criação de mais de uma

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organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou

econômica, na mesma base territorial.

Quando se trata de estrutura sindical, dois princípios devem ser considerados: o da

autonomia e o da liberdade sindical, tal como prevista na citada Convenção 87 da

Organização Internacional do Trabalho. Duas regras consagradas na Constituição Brasileira

a eles não se ajustam, quais sejam: a contribuição prevista em lei, que não é outra senão a

contribuição sindical imposta pelo Estado (art. 8º, IV, in fine), e o regime da unicidade

sindical (art. 8º, II).

É de sabença geral que a Convenção nº 87 da OIT, por dizer respeito a direitos

fundamentais, pode apenas ser aprovada no todo, mesmo porque não consagra o direito de

reservas.

É certo que o modelo adotado pela Consolidação das Leis do Trabalho foi copiado

da Carta del Lavoro do regime fascista. Consagrou-se o sindicato colaboracionista, tutelado

pelo Estado, ao qual deveria servir. Porém, a unicidade sindical não foi criação do

fascismo; muito antes dele, a Rússia Soviética a havia adotado.

Na verdade, o mal não se encontrava nessa forma de sindicato, mas no uso político

que dele se fazia, com a prisão da classe operária, sem liberdade, sem autonomia, sem

governo próprio. Na Itália, representava a forma de Estado autoritário de partido único. O

sindicato único sempre foi aspiração dos socialistas, lutando os trabalhadores pelo slogan -

uma profissão, um sindicato. Pregavam que o divisionismo apenas servia ao patronato; a

experiência pluralista não foi boa, pois houve a dispersão do movimento sindical e fácil

domínio das entidades por interesses patronais ou confessionais.

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Afirma-se que a Convenção nº 87 não objetiva tornar o pluralismo obrigatório, mas

é certo que, uma vez adotada, não se poderá impor o sindicato único. Ora, a regra da

pluralidade decorre do próprio texto da Convenção.

Para a OIT, a unidade seria ideal, mas desde que não imposta por lei.

É preciso destacar que a unidade da ação sindical é o valor principal a ser

protegido na organização dos sindicatos, pois sem ela podem ficar comprometidos os

principais objetivos que, nas negociações coletivas, os empregados pretendem alcançar.

Destarte, seria preciso preservar a unidade sem que permanecesse olvidada a liberdade

sindical.

Nada obstante os vários argumentos, é certo que se defende a multiplicidade de

associações sindicais, pois sem ela estariam comprometidas as liberdades individual e

sindical. A unidade, como ideal, seria conquistada pela conscientização dos

trabalhadores, sem qualquer imposição legal.

Rememorados alguns importantes conceitos relativos aos sindicatos, pousemos

nossos olhos sobre as centrais sindicais brasileiras.

No final dos anos 70, com o advento de uma abertura política, novas lideranças

sindicais surgem, mantendo tratativas objetivando a redemocratização do país e da

reorganização do movimento sindical.

Dessas tratativas, aproveitando-se do V Congresso da Confederação Nacional dos

Trabalhadores Industriais, realizado no Rio de Janeiro em julho de 1978, grupos se

formaram – situação e oposição - dando origem a um organismo de coordenação, naquele

momento denominado intersindical. Ao final do congresso, divulgou-se importante

documento, a Carta de Princípios, decalcada em duas ordens de valores: uma política,

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(propugnando a redemocratização do país, a convocação de uma assembléia nacional

constituinte, revogação das leis de exceção etc.) e uma sindical (postulando o direito amplo

de greve, liberdade de filiação sindical - nacional e internacional, fomentação da

negociação, contrato coletivo de trabalho etc).

Nesse contexto de ebulição social, surgiram novas lideranças sindicais e de outro

lado, ativistas católicos engajados nos movimentos sociais (ex vi Pastoral Operária).

Explodiu, espontaneamente, um novo embrião, resultando numa organização intersindical,

uma combinação de grupos de sindicatos e associações vinculadas aos movimentos sociais

da Igreja Católica.

A aproximação de vários grupos sociais, sobretudo dos chamados “sindicalistas

autênticos” e da ala da Igreja denominada “progressista”, emergiu, efetivamente, uma

proposta para a criação de um novo partido: Partido dos Trabalhadores – PT. Registre-se,

para constar, que as propostas para a formação do PT vinham de três correntes: 1) o grupo

de sindicalistas ligados às oposições sindicais e à Igreja católica; 2) as facções mais radicais

de formação marxista e 3) os sindicalistas liderados por Lula.

Todavia, a formação do PT acabou acentuando ainda mais os conflitos no meio

sindical, basicamente por duas razões: a primeira porque os comunistas não concordavam

com a criação de uma central sindical que não fosse integradas só por entidades sindicais,

posto que um outro setor defendia a integração de outros organismos populares, tais como

as associações profissionais; a segunda porque estariam dividindo o controle do movimento

trabalhista.

Na CONCLAT (Conferência Nacional da Classe Trabalhadora) realizada em 1983,

fundou-se a Central Única dos Trabalhadores – CUT. Um bloco oposicionista que não

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participou desse CONCLAT, promoveu idêntico evento com idêntico nome, formando a

Central Geral dos Trabalhadores - CGT. Entre elas, sobreleva ressaltar que a primeira

defendia a Convenção nº 87 da OIT, enquanto a segunda a repudiava.

Na CUT permaneceram os sindicalistas “combativos” (do ex-bloco dos autênticos),

os militantes das oposições sindicais (oposição às diretorias consideradas acomodadas ou

“pelegas”), da esquerda católica e dos pequenos grupos de orientação marxista, leninista ou

trotskista. Na CGT ficaram os dois partidos comunistas (PCB e PC do B), o MR-8, os

sindicalistas ligados ao PMDB e ainda os dirigentes mais próximos do sindicalismo norte-

americano, liderados por Rogério Antonio Magri, presidente do Sindicato dos Eletricitários

de São Paulo18.

Face as tendências heterogêneas existentes no bloco de sindicalistas que deu origem

à CGT, adveio uma cisão. O novo dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo,

Luís Antonio Medeiros, aliou-se a Antonio Rogério Magri para lançar o chamado

“sindicalismo de resultados”, isto é, em lugar de mobilização de massa e movimentos

grevistas de caráter nacional (em oposição ao sindicalismo de contestação apregoado pela

CUT), optava-se por uma conduta mais pragmática do que ideológica: mobilizações por

categorias e acordos isolados com as empresas, preferência da negociação à greve.

Concluindo, enquanto a CUT manifestava-se pelo socialismo, o “sindicalismo de

resultados” posicionava-se a favor da economia de mercado.

Em setembro de 1985, em São Paulo, criou-se uma nova entidade sindical – União

Sindical Independente – USI, composta basicamente por federações e confederações do

setor de empregados do comércio. Restrita ao setor do comércio, a USI defende um

18 Leôncio Martins Rodrigues, As Tendências Políticas na Formação das Centrais Sindicais, p.35.

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sindicalismo apolítico, extremamente moderado. Como alerta Leôncio Martins Rodrigues19,

não chega a ter uma existência real como central sindical e só subsiste em função das

federações e confederações que a criaram.

A Central Geral dos Trabalhadores enfrentou grandes dificuldades desde a sua

fundação para atuar como uma verdadeira central sindical, diante da falta de

homogeneidade interna capaz de atrair sindicalistas e mobilizar forças. Ao revés,

digladiavam-se tendências separadas por divergências profundas: PCB, PC do B, MR-8 e

mais a corrente do “sindicalismo de resultados”, que, ao assumir explicitamente a defesa da

economia de mercado, rompia com uma longa tradição de tipo corporativo, nacionalista,

socialista ou comunista. Inevitável o rompimento.

Em janeiro de 1988, numa plenária da entidade realizada em São Paulo, o grupo

liderado por Medeiros e Magri conseguiu derrotar o vinculado PC do B. Em agosto daquele

mesmo ano, este último criou a Corrente Sindical Classista. Em fevereiro de 1989, a CSC

realizou no Rio de Janeiro o seu primeiro Congresso Nacional e, embora desejando

permanecer como uma corrente sindical, optou por aderir à CUT.

Com a saída dos sindicatos ligados ao PC do B, a CGT promoveu um segundo

congresso, objetivando a eleição do seu presidente, oportunidade em que dois líderes

sindicais se defrontaram: Antonio Rogério Magri, então presidente do Sindicato dos

Eletricitários de São Paulo, sustentando um sindicato apartidário e anticomunista e Joaquim

dos Santos Andrade (Joaquinzão), antigo dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos de São

Paulo apoiado pelo PCB e o MR-8. Este saiu derrotado. O grupo vencido, entendeu por

bem convocar um congresso, elegendo como presidente o sindicalista Joaquinzão. Nesse

19 Ob. cit,. p. 37.

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passo, Magri passou a presidir a Confederação Geral dos Trabalhadores - CGT e

Joaquinzão a presidir a Central Geral dos Trabalhadores - CGT. Ambas viram-se

enfraquecidas. A Central Geral dos Trabalhadores, por conta da adesão dos Sindicatos

ligados ao PCB à CUT, permanecendo na Central alguns sindicatos controlados pelo MR-8.

A Confederação Geral, ante o surgimento de uma nova Central ocupando seu espaço

territorial, com propostas mais conciliadoras, não só com o governo mas sobretudo com os

detentores do capital.

Em março de 1991, nasce essa nova central, que recebeu o nome de Força Sindical,

indicando modernidade, com conteúdo democrático, independente, apartidário, pluralista e

latino-americano. Tem por base de apoio o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e a

Federação dos Trabalhadores da Alimentação.

Em março de 1994, temos a criação da Central Sindical de Trabalhadores

Independentes – CSTI. Em seguida, surge a Central Autônoma dos Trabalhadores – CAT.

Com o rompimento de um bloco da Força Sindical, nasce em 1997, a Social

Democracia Sindical - SDS, considerada como o braço sindical do PSDB.

Em dezembro de 2002, uma outra facção dissidente da Social Democracia Sindical-

SDS, funda a Central Brasileira dos Trabalhadores e Empreendedores, que congrega

trabalhadores e microempresários. Segundo um dos idealizadores do projeto, José Avelino

Pereira, a nova entidade reúne cerca de 150 sindicatos, abrangendo cerca de dois milhões

de trabalhadores20.

Hoje, no Brasil, temos sete centrais sindicais: CUT (Central Única dos

Trabalhadores), Força Sindical, CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores), SDS (Social

20 Dados colhidos no site: www5.estadao.com.br/print/2002/dez/13/302.htm

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Democracia Social), CGTB (Central Geral dos Trabalhadores do Brasil), CAT (Central

Autônoma dos Trabalhadores) e a CBTE (Central Brasileira dos Trabalhadores e

Empreendedores)21.

No Fórum Nacional do Trabalho implantado em agosto de 2003, com o objetivo de

discutir as mudanças na legislação sindical e trabalhista, é pacífico o entendimento do

reconhecimento oficial das centrais sindicais. Entretanto, para o devido reconhecimento,

estão sendo discutidos quais seriam os critérios, e um dos apontados seria o número de

trabalhadores sindicalizados representados pelas centrais.

Dados do IBGE indicam o seguinte quadro: dos 11.354 sindicatos, apenas 4.304

estão filiados a alguma central. Dentre esses, a CUT reúne 2.834 sindicatos; a Força

Sindical 839 sindicatos; a SDS, 289; a CGT alcança 238, a CAT 86; e restam 18 para as

outras centrais22.

Registre-se, ainda, que os dados fornecidos pelo IBGE nem sempre têm a

concordância das entidades sindicais, como se pode constatar nas críticas feitas pelos

representantes das entidades à pesquisa divulgada em fevereiro de 2003, relativa ao

crescimento das centrais. Para o IBGE, a CUT reunindo 2.834 sindicatos representa 66%

dos sindicatos filiados, enquanto que há dez anos, era da ordem de 74%. A Força Sindical

congrega cerca de 839 sindicatos. As entidades rebatem. A CUT afirma que reúne 3.321

sindicatos filiados, o que representa 22,2 milhões de trabalhadores na base e a Força

Sindical aponta para a casa de 1.842 sindicatos, representando 16 milhões de trabalhadores

na base, não necessariamente todos associados. Os dados revelam que no período de dez

21 No Fórum Nacional do Trabalho participam como interlocutores dos empregados apenas os representantes

da CUT, Força Sindical e CGT, sendo que à SDS coube-lhe uma vaga como suplente. 22 Folha de São Paulo, caderno B-5, Dinheiro, quarta feira, 03 de setembro de 2003.

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anos (1991-2001), a CUT apresentou um crescimento relativo de 70%, superado pela Força

Sindical que aparece com o índice de 185% e pela CGT, com percentual da ordem de

133%23.

A Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB) é adepta da unicidade. Para

ela, o pluralismo - as diversas correntes de opinião convivendo num mesmo sindicato -

somente é possível dentro da estrutura da unicidade sindical. O mais é divisionismo, puro e

simples, com os empregados totalmente reféns dos patrões. No mesmo sentido, a

Confederação Geral dos Trabalhadores.

A Central Única dos Trabalhadores (CUT) propugna pela pluralidade sindical, nos

moldes das Convenções nºs 87 e 151 da OIT.

A Força Sindical, num primeiro momento, pareceu seguir a CUT, depois admitiu

propugnar por sindicatos unitários na base e organizações de cúpula pluralistas.

A União Sindical Independente, a Central Autônoma dos Trabalhadores e a Frente

Social Democrática dos Sindicatos defendem a unicidade sindical.

A doutrina também se divide a respeito do tema, alguns defendendo a unicidade,

sem imposição legal, outros, a pluralidade.

Interessante fórmula nos apresenta Roberto A. O. Santos, no sentido de ser

permitido o exercício temporário do mandato de sindicato de certa associação profissional,

possibilitando o rodízio com outras, mediante eleição periódica. Segundo seu

entendimento, não haveria nisso qualquer incompatibilidade com a Convenção nº 8724.

23 Folha de São Paulo, Caderno Dinheiro, B-10, quinta-feira, 20 de fevereiro de 2003. 24 Roberto A . Santos, Liberdade Sindical e Exercício Abusivo do Poder Normativo da Justiça, na

Constituição, p. 121.

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É importante ressaltar que nem sempre a pluralidade sindical se mantém como

afirmação do princípio de liberdade sindical absoluta. É a hipótese de se excluírem as

múltiplas associações existentes, para privilegiar a mais representativa. Isso significa a

adoção da unicidade quando o sindicato deve desempenhar seu papel mais relevante, qual

seja, manter negociações coletivas, com o fim de celebrar acordo ou convenção coletiva de

trabalho, ou ainda, contrato coletivo de trabalho.

Como organização mais representativa deve-se entender aquela que melhor

representa os trabalhadores ou os empregadores, não necessariamente a que conte com

maior número de filiados, levando-se em conta sua importância, atividade e

independência25.

Alguns países, como o Peru e a Colômbia, adotam o sistema de unicidade na base e

pluralidade nos órgãos superiores. Não se esqueça o fato de que, no Brasil, a pluralidade de

centrais sindicais é indiscutível, mas elas não compõem o denominado sistema

confederativo da representação sindical, na medida em que os dispositivos recepcionados

da CLT mantêm a figura das confederações na cúpula, organizadas em função da atividade

preponderante.

Não será o modelo da pluralidade, e muito menos o da unicidade, que dará mais

liberdade sindical aos trabalhadores, e sim a liberdade política que o povo desfrutar.

Pluralismo significa liberdade de formação de correntes de opiniões divergentes

para a conquista do poder.

25 Segundo dados da Folha de São Paulo, Caderno B-4 de 10/11/02, levantamento do IBGE mostra que

existem 11.354 sindicatos no Brasil, dos quais 4.303 são filiados a alguma central sindical, ou seja, apenas

37,89%.

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O conflito unicidade versus pluralidade é essencialmente político. É necessária

reforma do sistema que afeta a autonomia consagrada na Constituição Federal. O simples

fato da permanência do quadro de atividades e profissões, instituto notadamente

corporativista, que impõe o paralelismo de categorias profissional e econômica, demonstra

a ingerência do Estado.

Na verdade, quase nada da CLT deve ser mantido, especialmente a contribuição

sindical, que sustenta o continuismo e o imobilismo de dirigentes sindicais sem expressão e

a permanência de “sindicatos-fantasmas”.

Enfim, a manutenção da unicidade obstaculiza a adoção de uma estrutura sindical

democrática, com plena liberdade de representação e atuação, visando aos interesses e

direitos dos empregados.

Enquanto os sindicatos não assumirem seu papel de representantes dos

trabalhadores, investidos de competência para entabularem acordos e convenções coletivas,

participando de órgãos públicos em que se discutam e deliberem matérias relacionadas com

o trabalho e a previdência social, não podem ser equiparados a associações comuns nem

confundidos com agências de serviços em função dos filiados.

Sindicato é associação natural dos empregados, devendo servir-lhes de instrumento

de proteção e de projeção para seu desenvolvimento como classe e as centrais sindicais

devem abranger todos os trabalhadores, de todas as categorias e profissionais, com

expressão nacional.

A organização dos empregados em sindicatos e a luta das centrais sindicais não

devem ficar limitadas à defesa de interesses coletivos e direitos individuais baseados na

relação de emprego, mas, sobretudo, na ascensão como classe, progressiva e

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permanente, até sua inclusão como categoria essencial no contexto sócio-político do

país.

Devem-se ressaltar também, os interesses econômicos, culturais, políticos e sociais

e o canal próprio para as defesas dessas bandeiras, à toda evidência, aloja-se na existência

fática e jurídica das centrais sindicais.

O fenômeno da globalização passou a exigir uma nova estratégia e nova postura das

entidades sindicais, já que suas bases minguam dia a dia e as centrais sindicais podem

representar o fortalecimento da classe trabalhadora no sistema produtivo. A bem da

verdade, a redução dos números de filiação do sindicato é uma tendência mundial,

principalmente nos países industrializados.

Pois bem.

Com apoio em tudo quanto dito acima, cumpre-nos traçar uma diretriz para o

movimento sindical à luz das atividades das centrais sindicais.

O primeiro aspecto que salta aos olhos, é a efetiva contribuição dos organismos

sindicais para o processo de redemocratização do nosso país. Alguns assumindo uma

postura contestatória e combativa, outros procurando a manutenção do “status quo”, e

outros ainda, que procuram obtemperar as posições.

Se num primeiro momento a reposição salarial foi o carro-chefe do movimento

sindical e a Assembléia Nacional Constituinte um fator de aproximação entre as correntes

sindicais, o desemprego estrutural acabou por definir os espaços e a defesa ideológica de

cada central.

Marco Antonio de Oliveira observa que:

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“ao mesmo tempo em que os trabalhadores organizados passaram a

enfrentar mais seriamente o desemprego e a precarização das relações de

trabalho e perderam a capacidade de pressão e barganha coletiva, houve

um aumento da presença institucional das centrais sindicais, traduzido na

participação em inúmeros conselhos e fóruns públicos, criados a partir

da Constituição de 1988. De lá para cá foram implementados vários

conselhos, como os da previdência, seguridade social, de saúde, do

menor e do adolescente e de assistência social. Surgiram também o

Conselho Curador do FGTS e o Conselho do Fundo de Amparo ao

Trabalhador (CODEFAT), e as centrais sindicais passaram a ter acento

no Conselho de Administração do BNDES. Esse processo de

institucionalização foi acompanhado, no entanto, pela reedição de velhas

práticas de cooptação política. O governo soube explorar as divisões

sindicais e tratou de acomodar todas as centrais no CODEFAT, inclusive

a Social Democracia Sindical (SDS), que surgiu de uma cisão da Força

Sindical lideradas por Enílson Simões de Moura e que até hoje não passa

de um braço sindical do PSDB”(sic!)26.

As centrais sindicais, como expressão do exercício da cidadania, não podem

deixar de fazer uma opção político-ideológica. Entretanto, repudiamos a vinculação

partidária, na medida em que tal fato restringe a atuação sindical e retira-lhe a necessária

isenção e autonomia para combater políticas contrárias aos interesses dos trabalhadores,

que devem se sobrepor aos interesses políticos-partidários.

Ainda, as centrais sindicais se constituem o canal próprio para a luta de preservação

e conquistas de novos direitos dos trabalhadores, considerados como entes coletivos, frente

ao fenômeno da globalização. Não é por outra razão que em 1º de janeiro de 2001, na

cidade de Genebra, foi criada a Union Network Internacional – UNI – (Rede Internacional

26 Política Trabalhista e Relações de Trabalho no Brasil. Da Era Vargas ao Governo FHC, p. 238.

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Sindical), que congrega quatro federações internacionais, numa tentativa de combater o

poder das corporações globais, com 900 sindicatos e mais 15,5 milhões de membros do

setor de serviços27. Na América Latina temos a ORIT (Organização Regional

Interamericana do Trabalho), que segundo dados veiculados na internet, representa 40

milhões de trabalhadores latino-americanos28. A propósito, interessantes as conclusões

extraídas na Conferência Sindical Ibero-Americana, realizada entre 14 e 16 de setembro de

1998, para discutir questões como globalização e integração regional, com participação da

União Geral dos Trabalhadores de Portugal, a Organização Regional Interamericana de

Trabalhadores (CISL-ORIT) e a Confederação Européia de Sindicatos, sendo que em

relação às Centrais Sindicais assim assentou:

“ A Cooperação entre Centrais Sindicais .

As centrais sindicais presentes reconhecem a necessidade de uma

cooperação mais forte, tendo decidido:

Aprofundar o diálogo e a cooperação entre elas, no respeito pela

autonomia das organizações e pelas organizações regionais já existentes,

das quais merecem especial destaque a CISL-ORIT e a CES.

Apoiar a decisão, tomada em Montevidéu, de promover a organização de

uma Cúpula Social, paralela à Cúpula de Chefes de Estado e de Governo

dos Países Latino-Americanos e do Caribe, e da União Européia, a

realizar-se no ano de 1999”

A conferência aprovou, ainda, em 16 de setembro a seguinte declaração,

a ser encaminhada aos Chefes de Estado e de Governo Iberoamericanos:

"O sindicalismo articulado na CISL/ORIT, que representa mais de 40

milhões de trabalhadores nas Américas, em conjunto com as centrais

sindicais de Espanha e Portugal, reuniu-se em Portugal, de 14 a 16 de

setembro, numa conferência sobre o tema 'A Dimensão Social na

27 UNI – endereço na internet: www.union-network.org. 28 endereço na internet: www.ciosl-orit.org.

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Cooperação entre a União Européia e América Latina: Os Desafios da

Globalização e a Integração Regional'.

Participaram também nesta conferência outras centrais sindicais, com o

desejo comum de colaborar para estreitar os laços de cooperação

política, social, econômica e cultural entre a União Européia e América

Latina, em geral, e no espaço ibero-americano, em particular.

Esta conferência saúda a realização da VIII Cúpula Ibero-americana de

Chefes de Estado e de Governo, a se realizar no Porto, no próximo mês,

seguindo o processo de procura e estabelecimento de formas de

cooperação entre os países da América Latina. Ao mesmo tempo, a

Cúpula do Porto pode constituir uma referência importante para a

Cúpula de Chefes de Estado e de Governo da União Européia e da

América Latina, a realizar-se no ano que vem, no mês de junho, no Rio de

Janeiro.

No nosso documento, dirigido à Cúpula realizada em Porlamar,

expressamos a necessidade de reconhecimento do Fórum Sindical, e a

criação de um grupo de trabalho sobre temas laborais na Alca entre

outros pontos. Assinalamos que a dimensão social não pode ser excluída

da cooperação internacional nem nos processos de globalização e

integração. Reiteramos hoje que estes processos não podem centrar-se

somente nos aspectos comerciais, mas, sim, devem responder a uma

estratégia de desenvolvimento integral, com participação de todos os

setores da sociedade.

(....)

Outro acontecimento importante foi a conferência de centrais sindicais do

Mercosul e da União Européia, levada a cabo em Montevidéu, em maio

deste ano. Nela foi acordado, entre outras coisas, a promoção de uma

estratégia comum de ação no terreno social, em cada um dos espaços

econômicos integrados, para combater as perspectivas de um modelo de

globalização desregulamentador e gerador de desigualdades sociais.

O movimento sindical, juntamente com outros setores da sociedade civil,

mantém-se firme na sua postura de participar e contribuir na construção

da integração econômica, social e cultural. Foi com este âmbito que

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apresentamos o documento à Cúpula de Porlamar, cujas conclusões hoje

ratificamos. É também neste contexto que expressamos o seguinte:

O nosso desejo de que a Cúpula do Porto, à qual remetemos também a

Declaração Final da nossa conferência, estreite os laços de cooperação

entre os diferentes países iberoamericanos, assumindo cada vez mais uma

dimensão política, social e cultural, sem deixar de estreitar os laços

econômicos. Torna-se necessário passar da retórica à ação, para o que se

deve assegurar uma coordenação institucional mais cotidiana das

conclusões que se adotem nas diferentes Cúpulas, avançando no

estabelecimento de mecanismos de acompanhamento dos acordos

adotados, possivelmente criando um Secretariado Permanente.

(...)

A necessidade de, no âmbito da globalização, incrementar o

desenvolvimento dos espaços regionais, como base na cooperação inter-

regional fundada na coesão e no progresso econômico e social.

A necessidade da construção da dimensão social ao nível de cada uma

das regiões e da cooperação inter-regional.

O caráter urgente da promoção, por parte dos governos, de um espaço de

diálogo social entre organizações sindicais e empresariais, tanto no

âmbito nacional como no âmbito ibero-americano, baseado na autonomia

das organizações e no reconhecimento de que os interesses, muitas vezes

divergentes, poderão levar a plataformas de entendimento sustentadas

pela necessária dimensão social da empresa e pela necessidade de que o

progresso social e o econômico caminhem lado a lado. Da nossa parte,

expressamos a nossa disposição em manter encontros com as

organizações empresariais, antes das Cúpulas.

A necessidade de reconhecimento de que a coesão econômica e social é

um objetivo fundamental nos processos de desenvolvimento e de

integração regional.

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Que é inadiável a participação dos sindicatos e dos demais setores da

sociedade civil, que foram marginalizados até agora, na definição das

políticas econômicas e sociais." 29.

Nota-se, portanto, que as centrais sindicais, ainda que não reconhecidas

juridicamente e nada obstante a legislação com tendência corporativista que ainda permeia

nosso sistema normativo, se fizeram presentes nos momentos relevantes da nossa

sociedade, e têm dado a devida contribuição na formação de uma sociedade justa e

democrática.

III – A NATUREZA JURÍDICA DAS CENTRAIS SINDICAIS

Antes de abordarmos a questão da natureza jurídica, convém fixarmos o conceito de

centrais sindicais.

Para tanto, nos reportamos aquele pronunciado por Amauri Mascaro Nascimento, in

verbis:

“Centrais – também chamadas uniões ou confederações – são a maior

unidade representativa de trabalhadores na organização sindical. São

entidades de cúpula. Situam-se, na estrutura sindical, acima das

confederações, federações e sindicatos. Representam outras organizações

sindicais que a elas se filiam espontaneamente. São intercategorias,

expressando-se como um referencial de concentração da pirâmide

sindical. Surgem em congressos de organizações interessadas ou

institucionalmente – mas podem ser previstas em leis -, como uma

29endereço na internet: www.diese.org.br/bol/int/intset98.html.

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necessidade natural, do mesmo modo com que são criados grupos

econômicos.

São organizações intercategoriais, numa linha horizontal, abrangentes de

diversas categorias. Das mesmas, são aderentes, não os trabalhadores

diretamente, mas as entidades de primeiro grau que os representam ou as

de segundo grau que integram os sindicatos . Portanto, representam

sindicatos, federações e confederações de mais de uma categoria. Atuam

numa base territorial ampla, quase sempre, todo o país”30.

Por mais paradoxal que possa parecer, as centrais sindicais, hodiernamente, numa

justa medida, são as que melhor “representam” a classe trabalhadora, quer porque

organizados espontaneamente, quer porque seus filiados acabam indicando uma unidade de

pensamento e de ação sindical, quer porque dependem e sobrevivem com contribuição

direta dos seus filiados, obrigando-as, efetivamente, a prestarem relevantes serviços.

Não se pode olvidar que o direito à negociação coletiva é um prolongamento do

direito sindical, consagrado no art. 4º da Convenção nº 98/49 da OIT. O fomento à

negociação coletiva vem estimulado, também, na Convenção nº 154 e na Recomendação nº

163.

A Organização Internacional do Trabalho incumbe aos governos o incentivo à

negociação coletiva, devendo o respectivo procedimento ser voluntário.

O art. 6º da Convenção nº 98 exclui de seu campo de aplicação os funcionários

públicos “na administração do Estado”, mas aplica-se a outras categorias de empregados

públicos.

30 Compêndio de Direito Sindical, p. 196.

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A administração pública, como tal, é objeto da Convenção nº 151 e da

Recomendação nº 159, sobre as relações de trabalho na administração pública.

Alguns princípios gerais regem a aplicação do direito da livre negociação coletiva.

O Comitê de Liberdade Sindical apregoa que as partes devem negociar de boa-fé e

fazer esforços para chegarem a um acordo. Isso é sobremodo importante nos casos de os

sindicatos estarem privados do direito de greve na função pública ou nas atividades

essenciais.

Destaque-se, ainda, que a grande novidade da Lei Fundamental de 1988 foi elevar a

importância da negociação coletiva, isto é, a nível constitucional, a qual, resultando-se

frutífera, se materializa em instrumentos jurídicos denominados contratos coletivos,

convenções e acordos coletivos, como se verifica dos incisos VI, XIII, XIV, XXVI do art.

7º; inciso VI do art. 8º e §§ 1º e 2º do art. 114.

Registre-se, por importante, que no nosso sistema vigente, a negociação deve ser

feita pelo sindicato e, inexistindo este, pela federação e, não a havendo, pela confederação.

Neste contexto importante, entendemos que deveria haver, a bem da verdade, mais

um nível de negociação coletiva, para as chamadas centrais sindicais.

Com efeito, as entidades sindicais e as centrais sindicais cuidam de organizações

sobrepostas. Formam uma grande pirâmide de associações. A Recomendação nº 163 da

OIT prevê a livre negociação em todos os níveis. No entanto, no Direito Brasileiro não é

assim. As negociações, num primeiro grande momento, limitam-se ao nível dos sindicatos.

Estes detêm a exclusividade, o monopólio da negociação. A federação, em princípio, não

possui legitimidade para negociar e firmar instrumentos normativos, onde há sindicatos

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organizados. Apenas onde a categoria não é organizada em sindicatos é que sobressalta a

sua titularidade.

As confederações não podem negociar diretamente entre si. O mesmo ocorre com as

centrais. Sem a participação do sindicato, as cláusulas negociadas por entidades de grau

superior não se aplicam na sua base territorial. Se uma central sindical quiser negociar em

conjunto, para todos os sindicatos, o instrumento terá que receber a anuência expressa de

cada sindicato, em cuja base territorial as cláusulas serão aplicadas.

No entanto, essas entidades de grau superior, particularmente as centrais sindicais,

desenvolvem forte e substancial articulação política de negociação e, de forma assistida,

subscrevem, em conjunto, com os sindicatos, os respectivos instrumentos normativos.

Todavia, frise-se, estão impedidas, direta e isoladamente, de manter tratativas visando a

obter instrumento normativo para determinada categoria, sem a indispensável

autorização/anuência do correspondente sindicato-base, sob pena de inviabilizar sua

exigência.

Ademais, é público e notório que as centrais sindicais têm servido de importante

interlocutores dos trabalhadores, quer junto ao Governo Federal, quer perante grandes

conglomerados empresariais.

Esta situação está a indicar que a estrutura sindical vigente já não mais representa

eficazmente os trabalhadores.

Tanto o é que a realidade nos indica a inserção de centrais sindicais com grande

representatividade em órgãos governamentais. As centrais têm assento no FAT31 (Lei nº

31 Segundo uma das notas da tese de doutorado de Marco Antonio de Oliveira: “ainda está por ser realizada

uma análise da participação sindical - e suas implicações – na gestão e no acesso aos recursos do FAT.

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7.998, de 11.01.90), no Conselho Curador do FGTS (Leinº 8.036, de 11.05.90) no Conselho

do Plano de Benefícios da Previdência Social (Lei nº 8.213, de 24.07.91). Vale registrar

ainda o Decreto nº 1.617/95, que dispôs sobre a organização e funcionamento do Conselho

Nacional do Trabalho.

As centrais sindicais congregam sindicatos, federações, confederações, associações

profissionais etc., não possuindo ainda no meio entre nós, a correspondente correlação

econômica. É bem verdade que a Central Brasileira dos Trabalhadores e Empreendedores –

CBTE, como dito alhures, criada em dezembro de 2002, alberga não só microempresários,

mas também trabalhadores; trata-se, portanto, de uma entidade mista.

Nunca é demais trazer à baila as precisas afirmações do Min. Arnaldo Süssekind32

último remanescente da Comissão idealizadora da CLT:

“É inquestionável, em face do exposto, que elas não integram o prefalado

sistema, não possuindo, portanto, natureza sindical. Basta ter-se em conta

que existem cinco (duas CGT – Central Geral dos Trabalhadores; CUT –

Central Única dos Trabalhadores; Força Sindical e USI - União Sindical

Independente)33 e a Constituição impõe o monismo sindical “em qualquer

grau” (art. 8º, II). Aludindo a este inciso, escreveu Eduardo Gabriel

Saad: “semelhante dispositivo constitucional não deixa espaço para que

as Centrais Sindicais se organizem legitimamente. Numa palavra, é

inadmissível que haja pluralismo na cúpula sindical (CUT, CGT, etc.) e

unitarismo nos planos inferiores.

A posição das centrais sindicais de trabalhadores no cenário sindical

brasileiro é, no mínimo, extravagante. Elas não integram o sistema

Informações do CODEFAT, dão uma idéia do volume recente de recursos destinados às centrais sindicais. Em

2001, foram distribuídos R$38 milhões à Força Sindical; R$35 milhões à CUT, R$10 milhões CGT e R$12

milhões à SDS. Além disso, a Força Sindical passou a ter acesso a recursos do Ministério da Educação e do

Ministério da Reforma Agrária, recebendo dos cofres públicos um total de R$75 milhões”, p. 239. 32 Direito Constitucional do Trabalho, p.366-368. 33 nossa observação: os dados correspondem ao ano de 1999.

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confederativo previsto na Constituição e na CLT, o qual se esteia no

princípio da unicidade de representação em todos os níveis. São, por

conseguinte, associações civis de que tratam os incisos XVII e XXI do art.

5º da Carta Magna. Entretanto, quase todas as entidades sindicais – a

maioria dos sindicatos, muitas federações e algumas confederações –

estão filiadas a uma das cinco centrais e seguem as suas diretrizes. E, de

fato, elas comandam o movimento sindical. Eis um paradoxo que resulta

do art. 8º da Constituição, cuja alteração se impõe para adequar-se à

realidade sindical brasileira.

Configura-se, assim, a pluralidade de representação de fato na cúpula do

movimento sindical brasileiro, a refletir-se nas organizações que, de

direito, representam as categorias profissionais (sindicatos) ou

coordenam os correspondentes grupos (federações) e ramos da economia

(confederações).

Se o monopólio de representação sindical viola, como já sublinhamos, o

princípio universalizado da liberdade sindical, certo é que essa

pluralidade de fato num regime legal compulsório de representação

unitária, afronta, em sua essência, a liberdade sindical coletiva e também

a individual: o trabalhador que não concordar com a orientação

doutrinária ou pragmática de determinada central, à qual se vinculou o

sindicato da sua categoria, somente nele poderá ingressar como

associado; e, ainda que se não sindicalize, será por ele representado em

todas as questões de interesse da sua categoria”.

Como reiteradamente dito, a Constituição Federal vigente inviabiliza a criação de

centrais sindicais com investidura sindical (inciso III do art. 8º e inciso XXI do art. 5º). De

outra parte, não veda, nem poderia, a criação de sociedades civis, entidades de direito

privado, ainda que tenham por objeto a coordenação de entidades sindicais (incisos XVII e

XVIII do art. 5º).

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O Constituinte de 1988 poderia ter dado um passo além, reconhecendo as centrais

sindicais como titulares no procedimento negocial, propiciando, assim, maior força política

às categorias profissionais. Assim não o fez.

Contudo, o processo evolutivo histórico nos revela, indiscutivelmente, que o fato

social exige o reparo por parte do legislador.

Neste momento o Brasil passa por profundas reformas.

O Fórum Nacional do Trabalho instaurado em 29 de julho de 2003 pelo Exmo. Sr.

Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, sob a coordenação do Ministério do

Trabalho e Emprego, mostra-se como o cenário ideal para as alterações por todos

propugnadas.

Com efeito, o Fórum tem como objetivos:

a) promover a democratização das relações de trabalho por meio de um modelo de

organização sindical baseado na liberdade e autonomia;

b) atualizar a legislação do trabalho e torná-la mais compatível com as exigências do

desenvolvimento nacional, de maneira a criar um campo propício à geração de

emprego e renda;

c) modernizar as instituições de regulação de trabalho, especialmente, a Justiça do

Trabalho e o Ministério do Trabalho e Emprego;

d) estimular o diálogo e o tripartismo e assegurar a justiça social no âmbito das leis

trabalhistas, da solução de conflitos e das garantias sindicais.

Enfim, outra solução não nos apresenta senão o reconhecimento das centrais

sindicais como uma das legítimas representantes dos partícipes das relações de trabalho.

Para tanto, mister se faz que se proceda a devida reforma constitucional, atribuindo-lhe a

natureza de pessoa jurídica de direito privado com personalidade sindical.

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