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As relações familiares e sucessórias extracomunitárias
no Direito Internacional Privado da União Europeia
Dissertação de Mestrado em Ciências Jus-Civilísticas
apresentada à esta Faculdade de Direito
para obtenção do grau de Mestre.
Aluno: Guilherme Cerqueira de Melo Martins Paixao
Orientadora: Prof.ª Doutora Helena Maria Machado Barbosa da Mota
Porto 2019
Agradecimentos e Dedicatória
Meus agradecimentos especiais vão para minha família:
À minha mãe, Ana (só você e Deus sabem tudo que eu passei).
Ao meu pai, pela inspiração em cursar Direito.
Minhas avós Solange, meus avôs Colombo e Ricardo (in memorian).
Irmãs Fefê e Lilica, tias, primos e demais familiares que acreditaram em mim:
Amo vocês! Você também Júlia!
Às amizades que cultivei nesta jornada:
Obrigado pela companhia nos bons e maus momentos.
Doutora Helena Mota, muito obrigado por todo o conhecimento, disponibilidade,
critério e sinceridade, desde o primeiro momento da orientação.
Estes estudos são dedicados à minha mãe, pelo amor e apoio incondicional, sempre.
Resumo:
As relações familiares e sucessórias extracomunitárias, que possuem elementos de
conexão com Estados terceiros, são uma realidade com prospecções de aumento no âmbito
social e jurídico da União Europeia. Com o artigo 81º do Tratado de Funcionamento da União
Europeia (Tratado de Lisboa), de 2007, foi reafirmada sua competência legislativa em matéria
civil com incidência transfronteiriça, o que fortaleceu o ramo do Direito Internacional Privado
europeu. Em matéria de relações familiares e sucessórias, determinados regulamentos
representam as mais recentes medidas para integração e harmonização de regras de conflitos de
leis e juridicções, muitas vezes se sobrepondo às dos Estados-membros. Este trabalho busca
apresentar possíveis dificuldades, na perspectiva das normas e doutrinas de Direito
internacional privado, internas europeias, confrontando-as com os fenômenos migratórios
ocorridos durante o desenvolvimento das novas normas. Mesmo reconhecendo a pertinência
das mudanças, é preciso ter em conta que elas não estão imunes a críticas, reformas e avanços.
Nesse novo cenário, o Poder Judiciário europeu e interno, advogados e partes, deverão adaptar-
se às inovações, para concretizar os direitos fundamentais envolvidos nestas relações.
Palavras-chave: Direito Internacional Privado, Direito da União Europeia, Relações familiares
e sucessórias, conflitos de leis e jurisdições, elementos de conexão extracomunitários.
Abstract:
Extracomunitary family and succession relations, which present connections with Third
states, are a reality with prospects of growth in the social and judicial environment of the
European Union. After the Treaty on the Functioning of the European Union, or Treaty of
Lisbon, in 2007, the 81º article reaffirmed its jurisdiction to regulate cooperation in civil matters
with cross-border implications, which increased he relevance of European Private International
Law. In the subject of family and succession relations, a few regulations are the newest
measures to integrate and harmonize different applicable law and jurisdiction rules, frequently
overlapping the Member-states legislation. This essay aims at the problem of the
extracomunitary family and succession relations in the perspective of the current legislation and
specialized authors, confronting it with recent social issues that grew past the development of
these new rules. Although this new system represents some necessary changes, it is important
to consider that these regulations are not immune to criticism, improvements and reforms. In
this new scenario, national and European Courts, lawyers and citizens will have to adapt to the
innovations, and guarantee the fundamental rights involved in family and successions cases.
Keywords: Private International Law, European Union Law, Family and Succession
Relationships, Conflict of Laws and Jurisdictions, Extracomunitary Connecting Factors
Índice
I – Introdução: ............................................................................................................................ 7
II – Origens e fundamentos do Direito Internacional Privado da União Europeia .................. 13
1 - A União Europeia como instituição supranacional: ........................................................ 13
2 - Concepções e fronteiras do Direito Internacional Privado: ............................................ 15
3 - Desenvolvimento do Direito Internacional Privado da União Europeia: ....................... 18
III – Estados-terceiros e cidadãos extracomunitários: conceitos e distinções. ......................... 21
1 - Fluxos migratórios e Estados-terceiros: .......................................................................... 21
2 - Refugiados e estrangeiros extracomunitários: ................................................................ 24
IV – As relações familiares e sucessórias extracomunitárias na União Europeia: ................... 29
1 - Relações Familiares e Sucessórias Extracomunitárias: .................................................. 29
2 - Princípios norteadores das regras de conflitos: ............................................................... 33
3 - Breve análise dos regulamentos pós-Tratado de Lisboa: ................................................ 41
4 - Reconhecimento de decisões .......................................................................................... 49
V – Principais obstáculos e repercussões práticas: .................................................................. 50
1 - A união estável no Brasil: ............................................................................................... 52
2 - O divórcio no Marrocos: ................................................................................................. 55
V – Conclusões ......................................................................................................................... 58
VI – Bibliografia: ..................................................................................................................... 63
7
I – Introdução:
O mundo é atualmente formado por cerca de 200 países, cada um com realidades sociais
e políticas distintas. Porém, sempre foram constantes as relações jurídicas que ultrapassam as
fronteiras das nações1, o que levou ao conceito de sociedade internacional2, representado pelo
conjunto de relações públicas e privadas transfronteiriças.
O Direito Internacional Privado, interno ou europeu, trata de relações privadas3, e a
seguir nos concentraremos no gênero das relações familiares e sucessórias internacionais, com
caráter extracomunitário (com elemento de conexão com Estado-terceiro). Trata-se de um novo
grau de internacionalidade 4 decorrente do desenvolvimento da União Europeia, com
repercussões para os Estados e partes envolvidas.
Para compreender o status quo das relações familiares e sucessórias extracomunitárias
no Direito Internacional Privado da União Europeia é necessário analisar os conceitos
amplíssimos que compõem o título. E por representar o sistema onde serão analisadas as
relações familiares e sucessórias extracomunitárias, se inicia pelo Direito Internacional Privado
da União Europeia, apresentando as origens da União Europeia e sua posição no cenário
internacional, para compreender as razões e legitimidade deste ramo do Direito.
Em 1952, os países da BENELUX (fundada em 1944 por Bélgica, Países Baixos e
Luxemburgo), juntaram-se à França, Itália e República Federal da Alemanha (Alemanha
Ocidental), para criar a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Outras organizações
internacionais também se formariam no pós-guerra, mas foi a partir desta, com fins de
1 AAs sociedades civis organizadas em Estados, bem ao invés de constituírem compartimentos estanques, são
estreitamente solidárias e interdependentes, e constantemente se estabelecem entre os seus membros as mais
variadas modalidades de intercâmbio, quer no campo econômico, quer no cultural, quer nas esferas dos actos
atinentes à instituição da família.” CORREIA, António Ferrer. Lições de direito internacional privado, vol. I.
Coimbra, Ed. Almedina, 2000, p. 12. 2 AAnteriormente se falava na Asociedade universal dos indivíduos”. Brocher e Pillet criaram a fórmula da
Asociedade internacional” divulgada na França por Batiffol.” DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado:
Parte Geral. 11ª edição, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 2014, p. 30. 3AO Direito internacional Privado refere-se às relações jurídicas de direito privado com conexão internacional.
Todo direito que regula relações privadas é direito privado, não obstante este direito, como o Direito Internacional
Privado, delimitar o âmbito da aplicação das diferentes ordens jurídicas de direito privado, tratando-se de relações
jurídicas com conexão internacional. KROPHOLLER, Jan. Internationales Privatrecht, 1994 apud
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática. 17ª edição, Saraiva. São Paulo,
2015, p30. 4 AUna antinomia que se potencia em el ámbito europeo, donde la progresiva construcción de una ciudadanía
europea está suponiendo un nuevo elemento de exclusión, al diseñar un estatuto privilegiado de los extranjeros
comunitarios frente aquellos que no lo son.” BENITEZ. Octavio Salazar. ADe la ciudadanía excluyente a la
igualdad en las diferencias.” Inmigración y derechos de los extranjeros. Servicio de Publicaciones de Universidad
de Córdoba. 2005. p. 28.
8
integração econômica, que se criou a Comunidade Econômica Europeia, onde” inspirados por
esse ideal de um futuro pacífico e partilhado, os membros fundadores da UE encetaram um
percurso único e ambicioso de integração europeia. Comprometeram-se a resolver os seus
conflitos sentados a uma mesa e não nos campos de batalha. Substituíram o recurso à força
armada pela força da lei. Abriram o caminho para a adesão de outros países, reunificando a
Europa e tornando-a mais forte.” 5
Com a entrada de diversos Estados-membros, a promulgação de tratados que ampliavam
e esclareciam os princípios e objetivos dessa entidade internacional em desenvolvimento, e a
delegação de competências legislativas em diversas áreas, chegou-se à atual União Europeia, a
qual desde 1992, com o Tratado de Maastricht, já possuía caráter supranacional e personalidade
jurídica independente, e veio a adquirir competência legislativa em matéria civil para tomar
medidas de harmonização, integração normativa e cooperação judiciária internacional, com o
Tratado de Amesterdão, em 1997. Em 2007 teve estes poderes reafirmados e estendidos através
do Tratado de Lisboa. Posteriormente, em 2010, foram definidos os objetivos a concretizar
através desta perspectiva mais ambiciosa de ordenamento comunitário 6 , que em matérias
obrigacionais, processuais e de mercado interno já ocorria há décadas.
Quando iniciado o processo de harmonização e integração no âmbito das relações
familiares e sucessórias, houve grande dificuldade de conciliação entre os Estados-membros,
pela importância cultural desta área, e pelas diferenças em cada direito interno7 . O que se
refletiu na necessidade de processo legislativo especial, com previsão de instrumento de
cooperação reforçada, apenas entre os Estados signatários e conforme artigo 81º, nº 3 do
Tratado de Funcionamento da União Europeia.8 Ou seja, dentro do processo de integração
5UNIÃO EUROPEIA. Livro Branco sobre o Futuro da Europa. COM (2017) 2025. Bruxelas, 2017, p6. 6UNIÃO EUROPEIA. Programa de Estocolmo – Uma Europa aberta e segura que sirva e proteja os cidadãos
[Jornal Oficial C 115 de 4.5.2010]. Bruxelas, 2010, pp. 2ss. AA entrada em vigor do Tratado de Lisboa permite que
a União demonstre mais ambição na resposta às preocupações e aspirações quotidianas dos cidadãos europeus(...). 7ASe há domínios onde esta distinção praticamente não tem interesse, porque o conteúdo ou os efeitos da situação
jurídica são desde logo modelados pelos respectivos factos constitutivos ( e é o que se passa no domínio do Direito
das Obrigações), noutros domínios (como são o domínio do Direito de Família e dos Direitos Reais), o conteúdo
do direito ou situação jurídica é total ou prevalentemente fixado pela lei tendo em conta, não os factos constitutivos,
mas certo princípios fundamentais que o informam o regime básico das pessoas e dos bens.” MACHADO, João
Baptista. Lições de Direito Internacional Privado. 3ª Edição, Coimbra, Ed. Almedina, 2009, p. 13. 8AComo conciliar sistemas conflituais de ordenamentos jurídicos que são hostis ou muito favoráveis ao divórcio,
que conhecem ou desconhecem regimes de bens, que consagram quotas generosas de direitos sucessórios legais
com aqueles que defendem a plena liberdade de testar, sabendo que os elementos de conexão há muito que
deixaram de ser neutrais e que reflectem, amiúde, políticas legislativas substantivas?” MOTA, Helena. O presente
e o futuro das relações familiares e sucessórias internacionais no Direito da União Europeia. Um ponto da
situação. Revista Electrônica de Direito - 2013 – p.1-26.
9
comunitária9, quanto às relações familiares e sucessórias é mais recente a conformação desta
nova perspectiva de Direito, distinta, mas relacionada ao Direito Comunitário e o Direito
Internacional Privado originado nos Estados-membros.
Trata-se do Direito Internacional Privado da União Europeia, que na área das relações
familiares e sucessórias, a partir do Tratado de Lisboa em 2007, teve grandes avanços
representados por Regulamentos que agregam normas de cooperação judiciária e regras de
conflitos de leis e jurisdições comuns aos Estados-membros, e trazem outras disposições
materiais pertinentes.
Á complexa perspectiva comunitária, soma-se a dificuldade de integrar no mesmo
sistema jurídico cerca de 20 milhões de imigrantes e refugiados de diferentes países e culturas10,
que representam 5% da população da União Europeia11. Em relação a estes, o Direito da União
Europeia se apresentará como um bloco12, com grande repercussão para as partes, na medida
da importância do Direito de Família e Sucessões.
Neste sentido, este capítulo apresenta estes conceitos pouco abordados pelo legislador
europeu. Nos regulamentos sobre relações familiares e sucessórias internacionais, não há nada
além de poucas remissões aos Estados-terceiros. Questões como migração, cidadãos e relações
extracomunitárias não constam nos textos legislativos nem mesmo nos considerandos que
justificam as posições tomadas, apesar de haver competência comunitária nesta matéria, desde
o Tratado de Amesterdão, de 199713, e o tema ser tratado fortemente no Programa de Estocolmo.
9Neste ponto deve-se destacar a atuação das cortes superioras, internas e comunitárias, e do Parlamento Europeu,
conforme: AEm primeiro lugar, o reforço do papel do Parlamento Europeu, enquanto co-legislador na maior parte
dos domínios, e uma maior participação dos parlamentos nacionais responsabilizará mais a UE pelas suas acções
no interesse dos cidadãos e reforçará a legitimidade democrática da União. AUNIÃO EUROPEIA. Programa de
Estocolmo – Uma Europa aberta e segura que sirva e proteja os cidadãos [Jornal Oficial C 115 de 4.5.2010].
Bruxelas, 2010, p. 3. 10AApesar da modernização das instituições jurídicas tradicionais desses países, motivada e muitas vezes forçada
pelo intercâmbio cultural com os países colonizadores, muitas instituições jurídicas dos países colonizados, em
particular no domínio do direito da família, puderam resistir até aos dias de hoje. MERCIER, Pierre. Conflits de
Civilisations et Droit International Privé- Polygamie et Répudiation, Libraire Droz, Genève, 1972, p. 3. apud GIL,
Ana Rita, Do reconhecimento de efeitos jurídicos a casamentos poligâmicos. Working Papers da Faculdade de
Direito da Universidade Nova de Lisboa, n. º1, 2008, pp. 1-46. 11Cfe. União Europeia: Nearly two-thirds of the foreigners living in the EU Member States are citizens of countries
outside the EU-27. in Eurostat – statistics in focus 31/2012. e Foreign citizens living in the EU Member States. in
Eurostat - News Release 230/2015. 12AÉ que a construção jurídica comunitária, ao erigir-se como um bloco face a países terceiros, fará surgir novas
relações de direito privado plurilocalizadas, relações cuja heterogeneidade decorrerá da circunstância de se ligarem
ao sistema jurídico comunitário considerado como um todo, e uma ordem jurídica que lhe seja exterior, e uma
situação típica do objeto do Direito Internacional Privado estará então perante nós.” RAMOS, Rui Moura. Estudos
de Direito Internacional Privado da União Europeia. Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra,
2016, p14. 13AThe Treaty of Amsterdam gave the European Commission policy competence in the fields of migration and
asylum, and major steps have been taken towards the creation of common European policies in these fields.”
10
A apresentação de estatísticas recentes demonstra a pertinência do tema14, e um breve estudo
visa definir conceitos essenciais15 da relação extracomunitária, para exame dos elementos de
conexão.
A seguir faz-se um estudo da integração 16 das relações familiares e sucessórias
extracomunitárias e seus sujeitos, com o Direito Internacional Privado da União Europeia. São
apresentados alguns princípios e tendências relevantes às relações familiares e sucessórias
extracomunitárias, nomeadamente a Primazia da Residência Habitual, Autonomia Conflitual,
Aplicação Universal, Forum Necessitatis, Reserva de Ordem Pública e Exclusão do Reenvio, e
as normas comunitárias que regulam o tema.
Destas normas, apresentadas como Regulamentos, a mais antiga desde o marco do
Tratado de Lisboa, em 2007, é o ARegulamento (CE) 04/2009 de 18 de Dezembro de 2008,
relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à
cooperação em matéria de obrigações alimentares”, que complementa e internaliza as regras o
AProtocolo sobre a Lei Aplicável às Obrigações de alimentos, concluído na Haia, em 23 de
Novembro de 2007”. Depois foi publicado o ARegulamento (UE) 1259/2010 de 20 de
Dezembro de 2010 que cria uma cooperação reforçada no domínio da lei aplicável em matéria
de divórcio e separação judicial”, que à exceção dos demais, toca apenas a questão da lei
aplicável ao divórcio e separação internacional.
THOROGOD, David. Migration statistics in Europe – the effects of differences in concepts and definitions. In
28th CEIES Migration statistics, Office for Official Publications of the European Communities, Luxembourg,
2005, p14. 14AMigration has become an increasingly important phenomenon for European societies. Patterns of migration
flows can change greatly over time, with the size and composition of migrant populations reflecting both current
and historical patterns of migration flows. Combined with the complexity and long-term nature of the migrant
integration process, this can present challenges to policymakers who need good quality information on which to
base decisions. It is important that the statistics should go beyond the basic demographic characteristics of migrants
and present a wider range of socio-economic information on migrants and their descendants.” UNIÃO EUROPEIA.
Eurostats. Migrants in Europe: A statistical portrait of the first and second generation. Publications Office of the
European Union, Luxembourg, 2011, p. 5. 15ATrata-se de conceitos-quadro, aptos a receber uma multiplicidade de conteúdos e de extensão muito variável,
desde aquele designam uma das grandes divisões clássicas do sistema do direito privado (direitos reais, direitos de
crédito), até os que referem um determinado tipo de negócio jurídico (o testamento, o casamento) ou inclusive um
aspecto parcial da regulamentação de certo negócio (como por ex. a forma externa do acto testamentário).”
CORREIA, Ferrer. Direito Internacional Privado. Alguns Problemas. Coimbra, Ed. Almedina, 1981, p53. 16AMuitas destas relações familiares podem coincidir nos litígios ou nas situações a da vida a dirimir e resolver:
será frequente que no momento da dissolução do casamento por morte, por exemplo, se discuta o regime de bens
do casal para efeito da partilha das meações prévia à partilha hereditária, ou que na questão do divórcio também
surja o problema da pensão de alimentos aos ex-cônjuges, para além da definição do regime de bens vigente
durante o casamento. Assim sendo, também as questões de jurisdição em relação a cada uma destas matérias se
podem colocar em simultâneo: saber, ao mesmo tempo, qual o tribunal competente para dissolver o casamento,
partilhar os bens e fixar o montante dos alimentos a pagar.” MOTA, Helena. O presente e o futuro das relações
familiares e sucessórias internacionais no Direito da União Europeia. Um ponto da situação. Revista Electrônica
de Direito - 2013 – p.1-26.
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Posteriormente foi promulgado o ARegulamento (UE) 650/2012 de 4 de julho de 2012,
relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, e à
aceitação e execução dos atos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado
Sucessório Europeu”, e por último foram publicados em conjunto o ARegulamento (UE)
2016/1103, do Conselho, de 24 de junho de 2016 que implementa a cooperação reforçada no
domínio da competência, da lei aplicável, do reconhecimento e da execução de decisões em
matéria de regimes matrimoniais”, e seu equivalente, o ARegulamento (UE) 2016/1104 do
Conselho, de 24 de junho de 2016, que implementa a cooperação reforçada no domínio da
competência, da lei aplicável, do reconhecimento e da execução de decisões em matéria de
efeitos patrimoniais das parcerias registadas”, que adquirem protagonismo por diversos
aspectos 17 . São temas de grande relevância e complexidade, relacionados aos demais em
matéria de família e sucessões; estes apresentam um desenvolvimento coerente quanto às regras
de conflitos de leis e jurisdicções; e além disso, são também exemplos de instrumento de
cooperação reforçada, vinculando apenas Estados-membros signatários, exigindo processo
legislativo especial, conforme artigo 81, nº 3 do Tratado de Lisboa, assim como o Regulamento
(UE) 1259/2010. Pela similaridade de tema e estrutura, será apresentado uma análise em
conjunto dos Regulamentos (UE) 2016/1103 e (UE) 2016/1104, reforçando as distinções.
O objetivo deste estudo é demonstrar a profundidade das reformas legislativas do âmbito
do Direito Internacional Privado da União Europeia, e seu impacto nas relações familiares e
sucessórias que apresentem elementos de conexão com Estados terceiros.18 Neste sentido é
essencial que conceitos como Conflito de Leis, Direito Processual Civil Internacional (no
âmbito da competência e do reconhecimento), Direito dos Estrangeiros e da Nacionalidade,
além de outros específicos do Direito de Família e Sucessões sejam estudados de forma
integrada.
O que se relaciona ao segundo objetivo, que é contribuir para a sistematização desta
área, reunindo pontos de convergência e divergência, destacando dispositivos que se destinam
majoritariamente, quando não exclusivamente, às relações familiares e sucessórias
17AThese common rules fill an important gap in the area of Union private international law. They complement and
allow the full operation of other Union instruments applicable within the private international family law area, in
particular those dealing with succession and divorce”. Conferência da Haia de Direito Internacional Privado. Key
features of COUNCIL REGULATION (EU) 2016/1104 of 24 June 2016. Haia, 2016, p1. 18AA assumpção pela União Europeia de competência legislativa em matéria de conflitos de leis e conflitos de
jurisdições após o Tratado de Amesterdão, e mais tarde reafirmada pelo Tratado de Lisboa, alterou de forma visível
e indelével a regulação e o tratamento jurídico das relações internacionais no espaço europeu e nas relações com
países terceiros. A MOTA, Helena. O presente e o futuro das relações familiares e sucessórias internacionais no
Direito da União Europeia. Um ponto da situação. Revista Electrônica de Direito - 2013 – p.1-26.
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extracomunitárias. Apesar dos obstáculos que se colocam perante a União Europeia, as
reformas que vem sido feitas no sentido de harmonizar e integrar estas normas tem diversos
efeitos positivos. O que vem sendo feito há décadas em diversas áreas do Direito, e mesmo com
as dificuldades inerentes às mudanças de paradigma, hoje encontram-se mais sedimentadas na
legislação, doutrina e jurisprudência comunitária e dos Estados-membros.
Porém, ficam em aberto questões essenciais para a segurança jurídica e harmonia
internacional no tratamento destas relações, como incoerências nos princípios e regras de
conflitos em áreas estreitamente relacionadas; a baixa adesão de Estados aos que são
instrumentos de cooperação reforçada; limites e forma das manifestações de vontade; questões
materiais como a própria concepção de família19, e outras qualificações institucionais; e o risco
da desestruturação do Direito Internacional Privado dos Estados-membros20. O que justifica um
estudo específica da incidência e eficácia das disposições comunitárias, de forma a garantir os
direitos fundamentais21 presentes nas relações familiares e sucessórias extracomunitárias.
Estas que sempre existiram, e sempre foram um tema desafiador. E pela complexidade
da atual construção da União Europeia, seu Direito Internacional Privado e sua relevância
global, torna-se ainda mais relevante a densificação dos conceitos específicos deste tema, seus
sujeitos, relações, e respectivas normas e regras de conflitos comunitárias.
19 Conforme MOTA, Helena: AAlargar o objecto do Direito da Família e o próprio elenco das relações jurídicas
familiares implica regular juridicamente a família. Para uns, o Direito da Família deveria estar reduzido a um
mínimo, possivelmente só intervindo nos aspectos patrimoniais. Para outros, a família desempenha funções sociais
relevantes e assume-se como a célula base da sociedade e instituição a defender. O Direito deveria, por isso,
normatizá-la.” O problema normativo da família: breve reflexão a propósito das medidas de protecção à união de
facto adotadas pela Lei n.º 135/99, de 28 de Agosto. Estudos em comemoração dos cinco anos (1995-2000) da
Faculdade de Direito da Universidade do Porto - 2001 - p. 535-562. 20AO amplo exercício da competência comunitária em matéria de direito internacional privado, tanto no domínio
da conflito de jurisdições como também no dos conflitos de leis, a que acabamos de fazer sucinta referência,
corresponde certamente à realização dos princípios universalistas que desde cedo presidiram à construção da nossa
disciplina e não pode deixar de facilitar o reconhecimento, no espaço da União Europeia, das situações jurídicas
constituídas nos diferentes Estados-Membros. RAMOS, Rui Manuel Moura. Estudos de Direito Internacional
Privado da União Europeia. Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, p. 62. 21AAssim, as tradições constitucionais comuns, as próprias Constituições dos Estados-Membros , bem como os
instrumentos internacionais relativos aos Direitos do Homem, aos quais os Estados-Membros hajam aderido ou
cooperado formaram um vasto conjunto normativo de revelação dos direitos fundamentais que devem ser
garantidos pelo juiz comunitário, em cooperação com os tribunais nacionais.” DUARTE, Maria Luísa. O direito
da União Europeia e o direito europeu dos direitos do homem: uma defesa do “triângulo judicial europeu”.
Disponível em: <http://congreso.us.es/cidc/Ponencias/humanos/luisaDUARTE.pdf>. Acesso: 7 set. 2011. E
conforme proteção da família expressa na Convenção Europeia de Direitos Humanos e Fundamentais: Artigos 6º,
8º, 10º e 14º, e Declaração Universal Direitos Humanos: artigos 12º,13º e 14º.
13
II – Origens e fundamentos do Direito Internacional Privado da União Europeia:
1 - A União Europeia como instituição supranacional:
Boa parte dos países europeus possui raízes culturais e jurídicas comuns, que remetem
ao Império Romano22, e fortes laços intercontinentais, decorrente do período colonial. Apesar
da proximidade nas origens, isso não foi o suficiente para evitar diversos conflitos que
assolariam a Europa, e se estenderiam a todo o mundo. 23
No século XX, principalmente após as Guerras Mundiais, a formação de organizações
internacionais se intensificou24. Alemanha Ocidental, França, Itália, Bélgica, Países Baixos e
Luxemburgo, criaram em 1952 a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Como estas eram
as principais matérias-primas da guerra, a gestão conjunta desses recursos permitiria um
controle internacional prévio, de forma a manter a paz e promover o desenvolvimento das
nações afetadas. Mas como a guerra não envolve apenas recursos naturais e econômicos, a
superação de fronteiras políticas e socioculturais entre esses países auxiliaria neste objetivo
comum, moldado por novos ideais que se contrapunham a autodeterminação nacionalista25.
Ainda em 1957, a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço se tornaria a Comunidade
Econômica Europeia, através do Tratado de Roma. Foram incluídos em 1973, o Reino Unido,
Irlanda e Dinamarca; em 1981 a Grécia, e em 1986, Espanha e Portugal; e com o fim da Guerra
Fria, em 1989, foi incorporada a então República Democrática Alemã (Alemanha Oriental).
Com o Tratado de Maastricht, de 1992, a livre circulação das pessoas, bens e serviços passou a
constar num dos três pilares que formavam a arquitetura institucional da União Europeia26.
22Cfe. SAVIGNY, que nos oito volumes de Traité de Droit Roman, apud DOLINGER, Jacob. Direito Internacional
Privado: Parte Geral. 11ª edição, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2014, p. 196: ’Escreveu a obra em que se concentra
no direito privado de sua época à luz de suas origens no Direito Romano.” 23”O nosso conturbado passado deu assim lugar a uma paz que se prolongou por 70 anos e a uma União alargada
que conta com 500 milhões de cidadãos a viver em liberdade, numa das economias mais prósperas do mundo.
UNIÃO EUROPEIA. Livro Branco sobre o Futuro da Europa. COM (2017) 2025. Bruxelas, 2017, p6. 24 AParalelamente à toda esta ordenação de proteção dos direitos humanos na Europa, com o intuito de
reorganização econômica do continente, surgem algumas instituições como OCDE, CECA, CEE e Euratom (1957),
com o objetivo de reforçar a cooperação entre os países com o intuito de aprimoramento e reforço da economia.”
ROSSOWSKY, Iris Saraiva. A relação do Direito Comunitário e o Direito Internacional Regional – A adesão da
União Europeia ao sistema da Convenção Europeia de Direitos Humanos. In Cadernos de Pós-Graduação em
Direito/UFRGS – Volume VII – Número 1 -2012, p 1-21. 25Neste sentido: MACCORMICK, Neil. Beyond the Sovereign State. Modern Law Review, 1993, Vol. 56, pp. 1-
18, e BELLAMY, Richard e CASTIGLIONE, Dario. Building the Union: The Nature of Sovereignty in the Political
Architecture of Europe. Law and Philosophy, Volume 16 – 1997 – Kluwer Academic Publishers, p421–445. 26 AA União atribui-se os seguintes objectivos: a promoção de um progresso económico e social equilibrado e
sustentável, nomeadamente mediante a criação de um espaço sem fronteiras internas, o reforço da coesão
económica e social e o estabelecimento de uma União Económica e Monetária, que incluirá, a prazo, a adopção
14
Tais objetivos implicavam um caráter de supranacionalidade27 à Comunidade, já que
para alcançar esta integração social, econômica e política, os países acabavam por transferir
competências àquela. Foi também através do Tratado de Maastricht que a Comunidade
Econômica Europeia se tornou a Comunidade Europeia. E depois, através do Tratado de Lisboa,
de 2007, se tornaria a União Europeia, com caráter supranacional, expressa atribuição de
personalidade jurídica, e competência civil transfronteiriça, conforme artigo 81º, 1.28 Ou seja,
a União Europeia apresenta características institucionais que relacionam e muitas vezes
ultrapassam as fronteiras do Direito Internacional Público.
Mesmo com o avanço na integração, que demandava harmonização jurídica, e em
diversos sentidos interferiam na soberania dos países-membros 29 , diversos outros países
europeus continuaram a aderir: Suécia, Finlândia e Áustria em 1995; Malta, Chipre, Polônia,
Hungria, República Checa, Eslováquia, Eslovênia, Estônia, Letônia e Lituânia; Bulgária e
Romênia em 2007; e Croácia em 2013.
Porém, ao mesmo tempo que mais países buscam entrar nos quadros, a União Europeia
vem passando por diversos adversidades30 , como o descrédito da instituição nos Estados-
membros, demonstrado pela negativa popular à uma Constituição Europeia nos Países Baixos
e França31, e que culminou com a aprovação da saída do Reino Unido no plebiscito conhecido
como "Brexit".32 Neste cenário, torna-se ainda mais necessário o aprofundamento dos princípios
de uma moeda única, de acordo com as disposições do presente Tratado; o desenvolvimento de uma estreita
cooperação no domínio da justiça e dos assuntos internos;” UNIÃO EUROPEIA. Tratado de Maastricht. 1992:
Título 1. Disposições Comuns. Artigo B 27 AA União dotar-se-á dos meios necessários para atingir os seus objectivos e realizar com êxito as suas políticas.
A UNIÃO EUROPEIA. Tratado de Maastricht. 1992: Título 1. Disposições Comuns. Artigo F, 3º 28”Artigo 81º,1: A União desenvolve uma cooperação judiciária nas matérias civis com incidência transfronteiriça,
assente no princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais e extrajudiciais. Essa cooperação pode incluir
a adoção de medidas de aproximação das disposições legislativas e regulamentares dos Estados-Membros.”
UNIÃO EUROPEIA. Tratado de Funcionamento da União Europeia. 29 ”A comunidade Econômica Europeia, transformada em União Europeia, promoveu várias convenções sobre
Direito Internacional, destacando-se, como já visto anteriormente, a Convenção de Bruxelas de 1968, reformulada
pelas convenções de Lugano e de San Sebastian sobre Competência Judiciária e Efeitos de Julgamentos
Estrangeiros, substituídas pelo Regulamento nº 44 de 2001, e a Convenção sobre Lei Aplicável às Obrigações
Contratuais (Roma 1980). DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado: Parte Geral. 11ª edição, Ed.
Forense, Rio de Janeiro, 2014, p. 241. 30AThe current difficulties faced by the European Union are many and varied. They include the pressures caused
by the UK’s Brexit vote, the effects of increasingly illiberal, populist and anti-constitutionalist regimes in Hungary
and Poland, the lingering impacts of the financial crisis, among them austerity and challenges to the health of the
Eurozone, and the continued aftermath of the migration/refugee crisis.” SHAW, Jo. EU citizenship: still a
fundamental status? European University Institute, RSCAS 2018/14. 31"The Laeken Declaration was followed up by the 2002 launch of the Convention on the Future of Europe, and
in 2003 an Inter-Governmental Conference draft treaty was approved. However, in 2005 the draft treaty was
rejected by national referenda held in France and the Netherlands.” GOLDSMITH, Lillian. Does Europe Need a
Constitution? Revista Crossroads nº III – 2008 – p.16-25. 32AHá grande instabilidade nalguns dos países nossos vizinhos, provocando a maior crise de refugiados desde a
15
estruturantes do sistema jurídico da União, unidade e diferenciação, e analisar Aporque, como,
o que, e a quem”33 , eles vêm se manifestando nas reformas dos regulamentos em relações
familiares e sucessórias extracomunitárias.
2 - Concepções e fronteiras do Direito Internacional Privado:
O Direito Internacional Privado, como ramo do direito, passou por um desenvolvimento
sistemático-científico permeado por divergências decorrentes de sua natureza multilateral, e
pelas soluções encontradas na cultura jurídica de cada nação34, que vão de sua conceituação35,
extensão36, até as soluções conflituais em si37.
Esta disciplina vem sendo desenvolvida desde o século XIX, com bases no Direito
Romano, e uma das obras que podem ser considerada a precursoras desse movimento, escrita
por Joseph Story em 1834, conclui seu longo título destacando os mesmos temas que ainda são
discutidos aqui: AComentários sobre o conflitos de leis, estrangeiras e internas, em relação a
Segunda Guerra Mundial. Atentados terroristas atingiram o coração de várias das nossas cidades. Estão a surgir
novas potências mundiais e as antigas deparam-se com novas realidades. No ano passado, um dos nossos Estados-
Membros votou a favor da saída da União.” UNIÃO EUROPEIA. Livro Branco sobre o Futuro da Europa. COM
(2017) 2025. Bruxelas, 2017, p6. 33Neste sentido: MOCCIA, Luigi. The making of European Private International Law. Why, How, What, Who. Ed
SELP. 2013, p48. AA problem that, in legal matters, and specially in private law matters, will mean, shortly
speaking, the transition from the ‘territorial’ regime of national laws, towards a ‘spatial’ dimension of a supra-
national, as well as trans-national law, at European level”. E também o primeiro o primeiro capítulo, Uma nova
ordem jurídica. O desenvolvimento de um sistema normativo totalizante de índole estadual, da obra Unidade e
Diferenciação no Direito da União Europeia. A diferenciação como um princípio estruturante do sistema jurídico
da União. FERREIRA, Maria da Graça Enes. Porto, Ed Almedina, 2017, pp47-146. 34VICENTE, Dário Moura. Liberdades comunitárias e direito internacional privado. In Cuadernos de Derecho
Transnacional, Octubre de 2009, p181. "O Direito da UE e o Direito Internacional Privado são dois ramos do
Direito que durante largo período de tempo operaram em isolamento recíproco. Mais essa situação começou a
alterar-se. O Direito da UE obriga, a repensar o Direito Internacional Privado e a modificar alguns dos seus
esquemas tradicionais de funcionamento" 35 AHá um generalizado deleite entre os estudiosos do Direito Internacional Privado em demonstrar que a
denominação da disciplina é incorreta e ao mesmo tempo manter-se fiel a ela.” DOLINGER, Jacob. Direito
Internacional Privado: Parte Geral. 11ª edição, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2014, p. 23. 36 ASão duas concepções fundamentais sobre o Direito Internacional Privado enquanto ramo do Direito. A
concepção ampla, mais divulgada, é tradicionalmente adoptada pelos autores franceses e anglo-saxônicos. A
concepção restrita é defendida principalmente pela doutrina germânica. (...). As tendências recentes que se
manifestam no Direito Internacional Privado mostram-se favoráveis a uma concepção ampla. Com efeito a grande
maioria das codificações mais recentes inclui numa lei ou numa parte de um código dedicadas ao Direito
Internacional Privado os regimes da competência internacional e do reconhecimento de sentenças estrangeiras.”
PINHEIRO, Luis de Lima. Um Direito Internacional Privado para o Século XXI: Relatório. Lisboa, Ed. AAFDL,
2001, p. 18ss. 37 AHistory has shown that there are three basic solutions to conflict of laws problems: Multilateralism,
unilateralism and the substantive law approach.” BORCHERS, Patrick J. AJuenger´s First Major Conflict of Laws
Article” in International Conflict of Laws for the Third Millennium: Essays in Honor of Friedrich K. Juenger. Ed.
Transnational Publishers, Nova Iorque, 2001, p3-9.
16
direitos contratuais e soluções, e especialmente em relação a casamentos, divórcios,
testamentos, sucessões e julgamentos.”
As posições convergem no sentido de que AO Direito Internacional Privado (DIP) é o
ramo da ciência jurídica onde se definem os princípios, se formulam os critérios, se
estabelecem as normas a que deve obedecer a pesquisa de soluções adequadas para os
problemas emergentes das relações privadas de carácter internacional.” 38 E que, ao contrário
do que defendiam interesses governamentais39 na solução conflitual, hoje entende-se que o
indivíduo é o sujeito das relações de Direito Internacional Privado, e que, especialmente em
matérias de cunho pessoal, esses sejam tratados em conformidade com ordens jurídicas ao qual
se identifiquem 40.
Quanto à sua extensão, o que a concepção restrita identifica com o Direito Internacional
Privado é apenas um dos Conflitos de Leis existentes, podendo ser, por exemplo, interlocal ou
intertemporal. O que resultaria num Direito de Conflitos especificamente Internacional Privado.
Por isso, muitos autores, Aembora continuando a entender o Direito Internacional Privado
como Direito de Conflitos, tem evoluído no sentido de ampliar o âmbito da correspondente
disciplina jurídica, de forma a incluir o “Direito Processual Civil Internacional”.41 Para
38ACORREIA, António Ferrer. Lições de Direito Internacional Privado, Vol. I. Ed. Coimbra, 2000, p. 10. 39 ANa governmental interest approach de Currie manifesta-se uma tendência para uma Apolitização” ou
Apublicização” do Direito Internacional Privado. Com iso quer-se significar com maior ou menor felicidade, uma
identificação dos fins do Direito Internacional Privado com os fins do Estado. *(1959: 183 e ss) Kegel objecta que
no Direito Internacional Privado está em causa uma Ajustiça privada” e não os interesses dos Estados. *(1964: 206
e ss). Currie ignora os interesses privados e, em especial, o Ainteresse” das pessoas na aplicação do Direito a que
estão mais intimamente ligadas.” PINHEIRO, Luis de Lima. Um Direito Internacional Privado para o Século XXI:
Relatório. Lisboa, Ed. AAFDL, 2001, p 36ss. 40ACORREIA, António Ferrer. Lições de Direito Internacional Privado, Vol I. Ed. Coimbra, 2000, p. 11. 41Cfe. PINHEIRO, Luis de Lima. Um Direito Internacional Privado..., 2001, p16ss. (grifado) AEm Portugal tem
predominado uma concepção restrita do Direito Internacional Privado enquanto ramo do Direito, que o encara
essencialmente como Direito de Conflitos. Machado Vilela entendia o Direito Internacional Privado como Asistema
de regras de direito que regulam a determinação dos direitos dos estrangeiros, a resolução dos conflitos de leis e o
reconhecimento internacional dos direitos adquiridos e dos julgamentos.”*(I, p13) Magalhães Colaço definiu o
Direito Internacional Privado como Asistema de normas que em dada ordem jurídica regulam as questões privadas
internacionais através da remissão para uma das ordens jurídicas locais com que as questões estão conexas, ordem
jurídica que é assim declarada competente para as resolver.” *(1958, p32). Esta autora admite que na disciplina de
Direito Internacional Privado se estudem acessoriamente certas matérias vizinhas, tais como as normas materiais
sobre a capacidade geral de gozo de estrangeiros quanto a direitos privados, as questões do direito da nacionalidade
que interessam à interpretação e aplicação das normas de conflitos, as normas de direito processual ou de direito
administrativo que directamente se liam a actuação das normas de conflitos de leis e as normas que regulam a
revisão de sentenças estrangeiras.A *1958, p86). Na mesma linha se inscreve Baptista Machado, para quem o
Direito Internacional Privado é o Direito de Conflitos de leis no espaço. *(1998. 9 e ss) com a particularidade de
este autor entender que o Direito de Conflitos não se confunde com o conjunto das regras de conflitos, antes assenta
na Aregra da não-transactividade das leis” e no princípio do reconhecimento das situações constituídas no âmbito
de eficácia de uma lei estrangeira*(1982. p9 e 28) Seguido por Marques dos Santos, que apesar de reconhecer que
o Direito Internacional Privado não é só Direito de Conflitos,*(1998, p164), preconiza que o estudo da competência
internacional deveria ser leccionado numa cadeira de Direito Processual Civil Internacional.*(1998, 168) Moura
Ramos, em seu Relatório, defende a inclusão do Aconflito de jurisdições”, se bem que atribuindo maior importância
17
representantes da concepção amplíssima, se incluiriam as regras da ordem nacional e
internacional relativas à nacionalidade, e à condição dos estrangeiros42.
O legislador comunitário segue uma tendência amplíssima, estabelecendo de regras de
conflitos de leis e jurisdições 43 , definindo condições de reconhecimento, execução e
executoriedade judicial, além de trazer em outras fontes, legislativas e jurisprudenciais,
disposições materiais quanto ao nome, nacionalidade44, condição dos estrangeiros etc.
Também merece destaque a aproximação das escolas de Direito Internacional Privado
europeias, com o direito dos Estados Unidos da América, na chamada ARevolução de Conflitos
Norte-americana”45, decorrente da integração ocidental após a 2ª Guerra Mundial. E concluiu-
que Aas divergências com as concepções dominantes na Europa são menores do que à primeira
vista podem parecer, e dizem fundamentalmente respeito à delimitação das matérias em que
deve ser dada primazia a soluções individualizadoras. Por conseguinte, só se justifica o recurso
à justiça conflitual do caso concreto, através de conceitos designativos indeterminados, como
é o caso da “relação mais significativa” ou “relação mais estreita”, quando não for possível
realizar a justiça da conexão por meio de uma norma de conflitos com elemento de conexão
determinado.” 46
Também deve-se distinguir o Direito Internacional Privado da União Europeia do
Direito Comunitário, de carácter público. Este contempla desde as atividades estatutárias e
administrativas da União Europeia, até aspectos políticos como os processos legislativos das
ao conflito de leis.*(1996. 19 e 23) 42BATTIFOL/LAGARDE, Tomo I, Traité de Droit International Privé. Ed. LGDJ. Paris, 1993, p12ss. 43 APara além do domínio do processo civil internacional, a criação de regras uniformes da União através de
Regulamentos estendeu-se igualmente ao domínio de leis;” RAMOS, Rui Manuel Moura. Estudos de Direito
Internacional Privado da União Europeia. Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, p62. 44AA razão principal de o regime jurídico da nacionalidade ser tratado na disciplina do direito internacional privado
está no fato de a nacionalidade refletir sobre dois temas básicos de direito internacional privado, a saber, os
elementos de conexão, e a questão prévia.” RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado: Teoria e
Prática. 17ª edição, Saraiva. São Paulo, 2015, p49. 45PINHEIRO, Luis de Lima. Um Direito Internacional Privado para o Século XXI: Relatório. Lisboa, Ed. AAFDL,
2001, p 36ss. AO moderno debate sobre a metodologia do Direito Internacional Privado tem em grande medida
sido travado em torno de concepções de alguns autores estadunidenses sobre a solução dos conflitos de leis
(designadamente Cavers, Currie e Ehrenzweig). O vector metodológico fundamental destas concepções é a
consideração dos de política legislativa [policies] prosseguidos por normas materiais individualizadas na resolução
dos conflitos de leis. Este vector relaciona-se com outras tendências, designadamente a viragem para soluções
individualizadoras, consideração dos resultados materiais e favorecimento da lex fori.”. 46 AComo escreve Hay, a divergência nas abordagens americana e europeia dos Direito de Conflitos só
marginalmente diz respeito à metodologia. Continua a derivar principalmente de diferentes percepções das
finalidades e objectivos do Direito de Conflitos.” As concepções que tendem a prevalecer nos EUA mantêm o
Direito de Conflitos bilateral, mas postulam a reexame de suas soluções à luz de Aconsiderações funcionais”, a sua
flexibilização, e em certos casos, a introdução de orientações materiais.” PINHEIRO, Luis de Lima. Um Direito
Internacional Privado..., 2001, p 37 ss.
18
disciplinas de sua competência, mas sempre com natureza pública. Já o Direito Internacional
Privado, de fonte interna ou supranacional, tem como objeto majoritariamente regular situações
privadas transnacionais de caráter contratual, familiar, sucessório etc.
Ou seja, o Direito Internacional da União Europeia tem suas fontes na extensa atividade
e competência legislativa do Direito Comunitário47, e trata-se de uma perspectiva europeia do
Direito Internacional Privado, com abordagem e instrumentos desta disciplina, cujas fontes
apresenta normas que frequentemente se sobrepõem às dos Estados signatários, oponíveis
inclusive aos Estados terceiros.
3 - Desenvolvimento do Direito Internacional Privado da União Europeia:
Paralelamente ao processo de integração econômica, política e social, ocorre um
necessário processo de integração normativa48, de forma a garantir os objetivos econômicos,
políticos e sociais da União Europeia.49
O marco deste processo de integração normativo, deu-se com Tratado de Amesterdão,
de 1999 50 , que introduziu no Tratado de Maastricht, de 1991, atribuição expressa de
competência para tomar medidas de cooperação judiciária em matéria civil com incidência
transfronteiriça. Nomeadamente, compatibilizando as normas aplicáveis nos Estados-membros
em matérias de conflitos de leis e jurisdições. Era o artigo 73-M, que correspondia ao 65º no
Tratado de Maastricht, e seria reafirmado no artigo 81º do Tratado de Lisboa, de 2007.
Porém, antes destas reformas, com o Tratado de Roma, de 1957, já se tomavam medidas
com caráter internacional-privatístico ainda que no âmbito processual dos conflitos de
47RAMOS, Rui Manuel Moura. Estudos de Direito Internacional..., 2016, p12. 48"Deve-se salientar, no entanto, que a europeização da DIP não afetou da mesma forma a todos os membros da
União Europeia. Assim, a Dinamarca ficou para fora, a seu pedido, do Título IV TCE, ao contrário do Reino Unido
e da Irlanda, que exerceu a cláusula de opt-in, permitindo que eles sejam incorporados em todos os instrumentos
europeus desenvolvidos”. BLANCO-MORALES, Pilar. Direito Internacional Privado. Portugal. Revista Jurismat
– 2014 - pp. 33-59. 49"Enquanto que, historicamente, a construção europeia se desenvolveu em torno de objectivos económicos, dá-se
agora ênfase às responsabilidades políticas da União, tanto internamente como em relação ao resto do mundo."
UNIÃO EUROPEIA. Tratado de Amesterdão: o que mudou na Europa? Luxemburgo. 1999, p5. Disponível em
http://ftp.infoeuropa.eurocid.pt/database/000000001-000001000/000000517.pdf , acessado em 27/05/2019. 50 AHá muito que se fala em comunitarização do direito internacional privado e do direito processual privado,
contudo o processo de criação de um verdadeiro direito europeu internacional, foi (é) feito por etapas, no qual o
marco decisivo para a evolução foi a revisão operada, nos Tratados, pelo Tratado de Amesterdão.” RIBEIRO,
Geraldo Rocha. A europeização do direito internacional privado e direito processual internacional: algumas notas
sobre o problema da interpretação do âmbito objectivo dos regulamentos comunitários. Revista Julgar nº23 – 2014
– Editora Coimbra – p.265-292.
19
jurisdições, mas com alcance exclusivamente econômico, iniciando a formação do mercado
interno. Neste sentido, cabe destacar a Convenção de Bruxelas, de 1968, sobre a competência
judiciária e a execução de decisões em matéria civil e comercial, estendida a estados-terceiros
posteriormente através da Convenção de Lugano, de 1988. AIsto porque as liberdades
fundamentais comunitárias — liberdade de circulação de pessoas, mercadorias, serviços e
capitais, analisadas pelo prisma do princípio da não discriminação — pressupõem, na sua
génese, uma situação de carácter internacional ou plurilocalizado, intervindo assim de forma
indirecta: comunitarização indirecta.” 51
O alcance destas e outras convenções anteriores ao marco de competência comunitária
no Tratado de Amesterdão, tinha como objetivo exclusivo a realização do bom funcionamento
do mercado comum europeu 52 . Abordagem esta que retira centralidade e autonomia ao
desenvolvimento de uma concepção própria do Direito Internacional Privado no plano
comunitário, justificando a constatação de seu Acarácter fragmentário” 53 . Esse caráter
apresenta-se no imediatismo das normas, que surgem conforme se apresentam os problemas, e
muitas vezes carecem de sistematização.
E mesmo que os tratados e regulamentos criados a partir do fortalecimento institucional
da União Europeia tenham permitido a criação de instrumentos de uniformização conflitual, "à
custa da passagem, da sede estadual para a sede comunitária, da competência normativa nesta
área, neutralizando-se assim em grande medida o poder do legislador nacional” e surgindo o
direito internacional privado, no espaço da União”54 , no campo das relações familiares e
sucessórias internacionais, que tanto se interrelacionam, esta forma de abordagem pode gerar
efeitos mais graves.
Este fenômeno de neutralização de poderes do legislador nacional, somado à
51RIBEIRO, Geraldo Rocha. A europeização do direito internacional privado e direito processual internacional:
algumas notas sobre o problema da interpretação do âmbito objectivo dos regulamentos comunitários. Revista
Julgar nº23 – 2014 – p.265-292. 52 AMesmo o interesse recente de União Europeia para questões matrimoniais e responsabilidade parental
demonstra a ausência de estancamento dos campos disciplinares: é o funcionamento eficiente do mercado interior
que exige a tutela de vida familiar do Ahomo economicus”. WATT, Horatia Muir - Les modelès familiaux à
l’épreuve de la mondialisation. Mundialización y familia. Caravaca, A.C y Iriarte, J.L. Angel. Colex, Madrid. 2001,
p.1 53AO que significa que a atenção dada pelo legislador comunitário ao domínio do direito internacional privado nem
sempre se faz próprio sensu, ocorrendo antes como reflexo de tomadas de posição que resultam ao e ao cabo de
opções que relevam do plano do direito material (que no entanto se pretendem impor às relações plurilocalizadas,
ou, pelo menos, às que apresentem um nexo de determinado tipo com o ordenamento da União).” RAMOS, Rui
Manuel Moura. Estudos de Direito Internacional Privado da União Europeia. Coimbra, Imprensa da Universidade
de Coimbra, 2016, p38. 54RAMOS, Rui Manuel Moura. Estudos de Direito Internacional Privado ..., 2016, p172ss.
20
substituição de regras internas por comunitárias, é conhecida como a Europeização do Direito
Internacional Privado dos Estados-membros. Que pode ser controversa quanto a seus avanços
e objetivos, mas é uma realidade em andamento, alterando o tratamento jurídico de relações
privadas transfronteiriças europeias e com Estados terceiros. Porém, "se em matéria de
contratos ou a insolvência esta unificação das regras de conflitos é indiscutivelmente vantajosa,
criando harmonia jurídica internacional e desnecessidade de recurso ao reenvio, favorecendo
a segurança jurídica, respeitando as expectativas das partes e estimulando o tráfico jurídico,
já nas relações familiares para as quais, desde logo, a criação de direito material uniforme é
apenas uma miragem e no das quais surgem com maior frequência conflitos inter-regionais, a
unificação da lei aplicável pareceu sempre difícil e inatingível." 55
Por mais inatingível que seja a tarefa de unificação, e que assim continue, de forma a
respeitar a diversidade das nações e populações europeias, é importante lembrar que hoje a
União Europeia não é só como um espaço econômico, mas também um espaço de direitos. E
proteger os direitos e garantias dos indivíduos que nela residam é o objetivo primordial.
O novo paradigma de ordem jurídica europeia trazido pelo Tratado de Lisboa exige
soluções coerentes aos novos objetivos da União Europeia. Neste sentido, muitas vezes os
objetivos clássicos do Direito Internacional Privado 56 (que muitas vezes se alinham aos
objetivos econômicos da União Europeia), e seus métodos indiretos são insuficientes para a
garantia de direitos fundamentais que possam ser desrespeitados devido a interpretações
restritivas dos princípios e regras de conflitos do Direito Internacional Privado da União
Europeia, especialmente nas relações familiares e sucessórias extracomunitárias.
55MOTA, Helena. O presente e o futuro das relações familiares e sucessórias internacionais no Direito da União
Europeia. Um ponto da situação. Revista Electrônica de Direito - 2013 – p.1-26. 56AGarantir o reconhecimento e a estabilidade das situações da vida internacional, através da unidade da respectiva
valoração por parte dos sistemas jurídicos interessados, a fim de que as expectativas concebidas pelas partes e por
terceiros não resultem frustradas. Tal certamente é a intenção primordial do direito internacional
privado.A CORREIA, António Ferrer. O novo Direito Internacional Privado português: Alguns princípios gerais.
Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra - Vol XLVII. Coimbra, 1972, p. 9.
21
III – Estados-terceiros e cidadãos extracomunitários: conceitos e distinções:
1 - Fluxos migratórios e Estados-terceiros:
O trânsito de indivíduos e comunidades entre territórios é um fato indissociável ao
desenvolvimento das civilizações 57 Mesmo com os conhecimentos que permitiram a
sedentarização e formação das sociedades, fenômenos naturais como secas, inundações e
invernos rigorosos; e fenômenos sociais como crises econômicas, conflitos e epidemias faziam
com que, por vezes populações inteiras, fossem obrigadas a confiar seu futuro num novo
território, através da migração58 . Infelizmente, por milênios, a maioria das sociedades não
reconheceu direitos aos estrangeiros, com limitada exceção no Império Romano. 59 E “não
tendo os estrangeiros participação na vida jurídica, os direitos locais jamais entravam em
choque com outros sistemas.” 60 Foi a partir do processo de globalização e do desenvolvimento
dos direitos humanos que o respeito pelos cidadãos e ordenamentos estrangeiros se tornou
sinônimo de desenvolvimento civilizatório.
Nos últimos séculos ocorreram fortes fluxos migratórios da Europa para outros
continentes, gerando reflexos que ainda impactam a sociedade internacional 61 . Mais
recentemente, “a livre circulação de bens, capitais, serviços e pessoas no espaço europeu
aliada ao fluxo imigratório da segunda metade do sec. XX oriundo de Estados terceiros fez
crescer de forma impressiva o número de relações conjugais internacionais, fruto da
celebração de casamento ou pela mera vivência em união de facto sujeita, ou não, a registo.”62
57ADa noção de civilização fazem parte elementos ideológicos, materiais, bem como níveis de evolução ou de
estabilização. Para mais desenvolvimentos, v. PIERRE MERCIER, Conflits de Civilisations et Droit International
Privé- Polygamie et Répudiation, Libraire Droz, Genève, 1972, p. 3. 58AThe word migration can mean anything from moving to another municipality or parish to lifelong emigration
to another country or part of the world. In this paper as in this conference, migration means either emigration or
immigration, which is the same as moving to another country and living there longer than temporarily”
THOROGOD, David. Migration statistics in Europe – the effects of differences in concepts and definitions. IN.
28th CEIES Seminar, Luxembourg: Office for Official Publications of the European Communities, 2005, p126. 59AO Direito Romano limitava sua aplicação ás relações dos cidadãos romanos, coexistindo com o direito material
especial o jus gentium, aplicável aos estrangeiros. Esta inaplicabilidade do direito comum aos estrangeiros foi,
aliás, comum entre outros povos da antiguidade.” RIBEIRO, Manuel de Almeida. Introdução Direito Internacional
Privado. Coimbre, Ed Almedina, 2000, p. 21. 60ADOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado: Parte Geral. 11ª edição, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2014,
p. 180. 61Sobre esta repercussão nos fluxos migratórios atuais: APeople do not simply decide as individuals to move to
another country to maximize their life chances. Most migration is based on existing economic and social links,
connected with colonialism, international trade and investment or previous migratory movements” CASTLES,
Stephen, Ethnicity and Globalization. SAGE Publications, London, 2000. p79. 62MOTA, Helena. Os efeitos patrimoniais do casamento e das uniões de facto registadas no Direito Internacional
Privado da União Europeia. Breve análise dos Regulamentos (UE) 2016/1103 e 2016/1104, de 24 de Junho.
22
Portanto, no século XXI, além dos reflexos nas relações familiares e sucessórias,
decorrentes desse aumento nas relações conjugais internacionais, a partir da livre circulação de
cidadãos europeus e extracomunitários no território da União Europeia na segunda metade do
século XX, ainda existem as atuais ondas de migração originárias de Estados-terceiros,
formadas por imigrantes e refugiados.
Estatísticas de 2012 mostram que 4,1% dos residentes na União Europeia são cidadãos
de Estados terceiros, aproximadamente 20,5 milhões de pessoas. Dados mais específicos,
também de 2012, com enfoque no local de nascimento, e não na cidadania (que pode ser dupla63,
ou adquirida), mostram que 32,4 milhões de residentes na UE são nascidos em Estados terceiros,
totalizando 6,4% da população.64. Dados mais recentes, de 201465, mostram que neste intervalo
os números se mantiveram estáveis, com uma pequena diminuição para 19,2 milhões de
cidadãos de estados-terceiros, mas há forte perspectiva de aumento, considerando as crises
econômicas e políticas em diversos países da América Latina, África e Ásia.
Porém, enquanto ainda se pode afirmar uma estabilidade em relação aos imigrantes, o
oposto acontece entre os refugiados. A última crise de refugiados ocorreu após o fim da União
Soviética, em 1992, quando 672 mil refugiados buscaram asilo na UE-1566 Em 2001, reduziu-
se para 424 mil pedidos de asilo na UE-27, chegando a cerca de 200 mil até 2006. Em 2013,
Revista Electrônica de Direito - 2017 - p.1-33 63 Apesar de ter relação com os fluxos migratórios, por se tratar de um tema muito específico do Direito da
Nacionalidade, não será abordada a perspectiva da extracomunitariedade quanto aos duplos nacionais. Sobre as
tendências na área: AIn the meantime, individuals should be as free to affiliate with states as they are with other
nonpathological membership entities. The essay concludes with some indirect evidence from practice that dual
citizenship is gaining traction as a right.” SPIRO, Peter J. Dual citizenship as human right. International Journal
of Constitutional Law, Volume 8, Issue 1, 1 January 2010, Pages 111–130. Oxford Academic. 64Dentre estes, os mais numerosos são os turcos (2,3 milhões), marroquinos (1,8 milhões), albaneses (1,1 milhões)
e chineses (700 mil). UNIÂO EUROPEIA. Nearly two-thirds of the foreigners living in the EU Member States are
citizens of countries outside the EU-27. Eurostat – statistics in focus 31/2012. Acesso em 10/03/2018, disponível
em:
http://ec.europa.eu/eurostat/documents/2995521/7921609/3-16032017-BP-EN.pdf/e5fa98bb-5d9d-4297-9168-
07c67d1c9e1 65 UNIÃO EUROPEIA. Foreign citizens living in the EU Member States. Eurostats News Release 230/2015.
Acessado em 10/03/2018, disponível em http://ec.europa.eu/eurostat/documents/2995521/7113991/3-18122015-
BP-EN.pdf/d682df12-8a77-46a5-aaa9-58a00a8ee73e 66AHaving peaked in 1992 (672 thousand applications in the EU-15 ) when the EU Member States received many
asylum applicants from former Yugoslavia and again in 2001 (424 thousand applications in the EU-27 ), the
number of asylum applications within the EU-27 fell to just below 200 thousand by 2006. Focusing just on
applications from citizens of non-member countries, there was a gradual increase in the number of asylum
applications within the EU-27 and later the EU-28 through to 2012, after which the number of asylum seekers rose
at a more rapid pace, with 431 thousand applications in 2013, 627 thousand in 2014 and around 1.3 million in both
2015 and 2016. As such, the number of asylum applications within the EU-28 in 2015 and 2016 was approximately
double the number recorded within the EU-15 during the previous relative peak of 1992.” UNIÃO EUROPEIA.
Eurostats: Asylum Statistics 12/01/2018. Acesso em 15/06/2018, disponível em http://ec.europa.eu/eurostat/
documents/3433488/5584984/KS-SF-12-031-EN.PDF/be48f08f-41c1-4748-a8a5-5d92ebe848f2
23
foram 437 mil pedidos, 627 mil em 2014, até o pico da crise de refugiados com cerca de 1,3
milhões em 2015 e 1,2 milhões em 201667. Ou seja, mesmo que a população de imigrantes de
Estados-terceiros tenha se mantido estáveis em cerca de 20 milhões até 2018, os refugiados
(também de Estados-terceiros 68 ) representam um acréscimo de 3,2 milhões de cidadãos
extracomunitários no território da União Europeia, somente de 2014 a 201669.
No âmbito deste estudo, é importante definir dois tipos de Estado, na perspectiva da
União Europeia nos Tratados e Regulamentos: Estado-membro e Estado-terceiro70. E algumas
considerações devem ser trazidas quanto a esta classificação, especialmente pela sua
repercussão no Direito Internacional Privado. Primeiramente, poderia ter sido utilizada a
dicotomia Estado-membro versus Estado não membro71, Estado não participante, ou Estado
extracomunitário72. E o motivo não é (somente) uma crítica politicamente correta à similaridade
do termo “país terceiro” com Apaís de terceiro mundo”, também similar nos idiomas francês e
inglês. Mas sim por forçar um distanciamento quando levado a qualquer outra área, que não o
Direito Comunitário. O Reino Unido enquanto Estado, e seus cidadãos, por exemplo,
certamente não consideram os EUA ou a Índia um Estado terceiro, assim como grande parte
dos franceses não aprovariam o termo quando usado para suas ex-colônias. Discussão que
67 UNIÃO EUROPEIA. Asylum in the EU Member States. Eurostats News Release 46/2017. Acesso em
15/06/2018, disponível em http://ec.europa.eu/eurostat/documents/3433488/5584984/KS-SF-12-031-
EN.PDF/be48f08f-41c1-4748-a8a5-5d92ebe848f2 68Países com mais pedidos de asilo: Síria, Afeganistão, Iraque, Paquistão e Nigéria. Países com maior aumento,
exceto anteriores: Turquia, Marrocos, Guiné Bissau, Costa do Marfim e Índia. UNIÃO EUROPEIA. Eurostats:
Asylum Statistics 12/01/2018, p3. Acesso em 15/06/2018, disponível em
http://ec.europa.eu/eurostat/documents/3433488/5584984/KS-SF-12-031-EN.PDF/be48f08f-41c1-4748-a8a5-
5d92ebe848f2 69ASyrians (334 800 first time applicants), Afghans (183 000) and Iraqis (127 000) remained the main citizenship
of people seeking international protection in the EU Member States in 2016, accounting for slightly more than half
of all first-time applicants.” UNIÃO EUROPEIA. Asylum in the EU Member States. Eurostats News Release
46/2017. Acesso em 15/06/2018, disponível em http://ec.europa.eu/eurostat/documents/3433488/5584984/KS-SF-
12-031-EN.PDF/be48f08f-41c1-4748-a8a5-5d92ebe848f2 70AThis case is especially interesting because after Brexit the UK is set to become be a third country visà-vis the
EU.” SHAW, Jo. EU citizenship: still a fundamental status? European University Institute, RSCAS 2018/14.
Acessado em 03/06/2019, disponível em:
http://cadmus.eui.eu/bitstream/handle/1814/52224/RSCAS_2018_14.pdf?sequence= 71Em analogia ao termo utilizado pela Conferência de Haia em outros tratados, e no Protocolo de Haia de 2007,
artigo 2º: AEstado não contratante”. 72Termo utilizado pelo Estado português no Estatuto do Estudante Internacional, Decreto-Lei 36/2014: Artigo 5º:
ACaso o estudante com duas ou mais nacionalidades, em que não se inclua a nacionalidade portuguesa, tenha
nacionalidade de outro Estado Membro da União Europeia e de um Estado extracomunitário, poderá optar por
uma delas.” e no recente Processo C-641/18, 2019/C 25/21, do TJUE, que na questão prejudicial expunha:
A(...)qual é alegada a existência de responsabilidade por negligência, a que um juiz de um Estado-Membro possa
declarar-se incompetente, reconhecendo a imunidade jurisdicional de entidades e pessoas coletivas privadas que
exercem atividades de classificação e/ou de certificação, com sede nesse Estado-Membro, e relativamente ao
exercício dessa atividade de classificação e/ou de certificação por conta de um Estado extracomunitário?” Jornal
Oficial da União Europeia 21.1.2019.
24
ganha relevância quando o legislador europeu, nos tratados e regulamentos acima referidos, se
utiliza do termo Anacional de país terceiro73”, na aplicação das regras de conflitos nas relações
familiares e sucessórias.
Por isso, será mantida neste estudo, a expressão de Estado-terceiro, mesmo que isso
represente mais uma perspectiva, do que um conceito jurídico. Porém, para os nacionais destes
estados, opta-se pelo conceito de cidadão extracomunitário, a seguir.
2 - Refugiados e estrangeiros extracomunitários:
Dentre esse gênero de indivíduos que migram para diferentes Estados em caráter
definitivo ou temporário, existe uma diferenciação que se destaca, que diz respeito à
voluntariedade desta migração. Dificuldades em conceitos como imigrantes, estrangeiros e
refugiados 74 , são muitos comuns, por partirem da conjugação de Direitos internos com
diplomas internacionais.
A Convenção da Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados, também conhecida
como Convenção de Genebra75 , de 1951, foi uma das bases fundamentais da política de
migração da União Europeia76. E traz em seu primeiro artigo que refugiado é Aqualquer pessoa
que, em consequência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e temendo
ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas,
se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não
quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do
73AArtigo 67º (ex-artigo 61. o TCE e ex-artigo 29. o TUE): 2. A União assegura a ausência de controlos de pessoas
nas fronteiras internas e desenvolve uma política comum em matéria de asilo, de imigração e de controlo das
fronteiras externas que se baseia na solidariedade entre Estados-Membros e que é equitativa em relação aos
nacionais de países terceiros.” 74ATo improve statistics, the UN produced recommendations in 1998 to define an international migrant as "any
person who changes his or her country of usual residence" (UN DESA, 1998), distinguishing between "short-term
migrants" – those who change their country of usual residence for at least three months but less than a year – and
"long-term migrants" – those who do so for at least one year.” ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. UNSD.
Recommendations on Statistics of International Migration, 1998. 75Adotada em 28 de julho de 1951 pela Conferência das Nações Unidas de Plenipotenciários sobre o Estatuto dos
Refugiados e Apátridas, convocada pela Resolução n. 429 (V) da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 14 de
dezembro de 1950. Entrou em vigor em 22 de abril de 1954, de acordo com o artigo 43. 76AThe 1951 Geneva Convention relating to the status of refugees (as amended by the 1967 New York Protocol)
has, for over 60 years, defined who is a refugee, and laid down a common approach towards refugees that has been
one of the cornerstones for the development of a common asylum system within the EU. Since 1999, the EU has
worked towards creating a common European asylum regime in accordance with the Geneva Convention and other
applicable international instruments.” UNIÃO EUROPEIA. Eurostats: Asylum Statistics 12/01/2018, p12. Acesso
em 15/06/2018, disponível em http://ec.europa.eu/eurostat/documents/3433488/5584984/KS-SF-12-031-
EN.PDF/be48f08f-41c1-4748-a8a5-5d92ebe848f2
25
país no qual tinha sua residência habitual em consequência de tais acontecimentos, não pode
ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele.”
O Protocolo de Nova Iorque, de 1967, considerando que Adesde que a Convenção foi
adotada, surgiram novas categorias de refugiados e que os refugiados em causa podem não
cair no âmbito da Convenção”, retirou o critério excludente (Aem consequência dos
acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951”), fixando assim um conceito
atemporal e ainda vigente de refugiados, que podem ser divididos em duas categorias principais:
as com o pedido em apreciação pela autoridade competente, e as que já tiveram o status de
refugiado reconhecido. Ambas com o requisito da apresentação à autoridade, com prazo de
vigência até a análise do asilo em última instância77.
A Convenção de Dublin de 1990, ou AConvenção sobre a determinação do estado
responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num Estado Membro das
Comunidades Europeias”, antecipou a competência em questões de migração estabelecida pelo
Tratado de Maastricht, e normatizou a questão em âmbito comunitário, reafirmando o
compromisso com a Convenção de Genebra78. E posteriormente, com a competência garantida
nesta matéria, produziu outras diretivas mais específicas sobre a questão79.
77 Que podem ser divididos em duas categorias principais: as com o pedido em apreciação pela autoridade
competente, e as que já tiveram o status de refugiado reconhecido. Ambas com o requisito da apresentação à
autoridade. ATwo different categories of persons should be taken into account when analyzing asylum statistics.
The first includes asylum seekers who have lodged a claim (asylum application) and whose claim is under
consideration by a relevant authority. The second is composed of persons who have been recognized, after
consideration, as refugees, or have been granted another kind of international protection (subsidiary protection),
or were granted protection on the basis of the national law related to international protection (authorizations to
stay for humanitarian reasons), or were rejected from having any form of protection.” ASince asylum procedures
and the number/levels of decision-making bodies differ among the EU Member States, the true final instance may
be, according to the national legislation and administrative procedures, a decision of the highest national court.”
UNIÃO EUROPEIA. Eurostats: Asylum Statistics 12/01/2018, p.12ss. 78AThe 1951 Geneva Convention relating to the status of refugees (as amended by the 1967 New York Protocol)
has, for over 60 years, defined who is a refugee, and laid down a common approach towards refugees that has been
one of the cornerstones for the development of a common asylum system within the EU. Since 1999, the EU has
worked towards creating a common European asylum regime in accordance with the Geneva Convention and other
applicable international instruments.” UNIÃO EUROPEIA. Eurostats: Asylum Statistics 12/01/2018. Acesso em
15/06/2018, disponível em http://ec.europa.eu/eurostat/documents/3433488/5584984/KS-SF-12-031-
EN.PDF/be48f08f-41c1-4748-a8a5 79AA number of directives in this area have been developed. The four main legal instruments on asylum — all of
which are currently subject to proposals for replacement or recasting — are: the Qualification Directive
2011/95/EU on standards for the qualification of non-EU nationals and stateless persons as beneficiaries of
international protection, for a uniform status for refugees or for persons eligible for subsidiary protection; the
Procedures Directive 2013/32/EU on common procedures for granting and withdrawing international protection;
the Conditions Directive 2013/33/EU laying down standards for the reception of applicants for international
protection; the Dublin Regulation (EU) 604/2013 establishing the criteria and mechanisms for determining the EU
Member State responsible for examining an application for international protection lodged in one of the Member
States by a third-country national (national of a non-member country) or stateless person.” UNIÃO EUROPEIA.
Eurostats: Asylum Statistics 12/01/2018, p12. Acesso em 15/06/2018, disponível em:
http://ec.europa.eu/eurostat/documents/3433488/5584984/KS-SF-12-031-EN.PDF/be48f08f-41c1-4748-a8a5-
26
Em seu artigo 1º, apresentou um conceito que abrange refugiados e imigrantes: a)
Estrangeiro: qualquer pessoa que não tenha a nacionalidade de um Estado-membro.80 O
conceito de refugiado viria no parágrafo seguinte, onde este seria um estrangeiro, qualificado
pelo requerimento de asilo: b) Pedido de asilo: requerimento pelo qual um estrangeiro solicita
a um Estado membro a protecção da Convenção de Genebra invocando a qualidade de
refugiado na acepção do artigo 1.º da Convenção de Genebra, com a redacção que lhe foi dada
pelo Protocolo de Nova Iorque;81
Esse conceito utilizado merece críticas, no sentido que o termo Aestrangeiro” já é
largamente utilizado nos Estados-membros para se referir a cidadãos de outros Estados,
membros ou não82. Talvez por esse motivo, esta posição não foi levada adiante no Regulamento
(CE) 862/2007, que estabeleceu os conceitos a serem aplicados nas estatísticas e regulamentos
a contemplar o tema, e reforçou a distinção entre estrangeiros e nacionais de Estados terceiros83.
Ainda assim, é importante reforçar uma diferença quanto aos dois tipos de cidadãos
extracomunitários. De acordo com a Convenção de Genebra e seu respectivo Protocolo de Nova
Iorque, os refugiados têm previsto no artigo 12º, inciso 1, Aque o estatuto pessoal de um
refugiado será regido pela lei do país de seu domicílio, ou, na falta de domicílio, pela lei do
país de sua residência”. E que AOs direitos adquiridos anteriormente pelo refugiado e
5d92ebe848f2 80Neste sentido: AChapter 1, Foreign-born population, looks at the socio-economic situation of the foreign-born
population in the EU Member States and EFTA countries. This is the population most commonly described as
migrants, as these persons have migrated to their current country of residence at some stage during their lives.”
UNIÃO EUROPEIA. Eurostats. Migrants in Europe: A statistical portrait of the first and second generation.
Luxembourg: Publications Office of the European Union, 2011, p6. 81AA related but somewhat different area is asylum – with the principal statistics collected being applications for
asylum and grants of permanent or temporary protection (and the right to remain in the country) as refugees or
other protected persons. It is important to note that in many countries, a large proportion of asylum applicants are
already present in the country when they apply for asylum – having previously entered the country either legally
(for example as a visitor or short-term migrant) or illegally.” THOROGOD, David. Migration statistics in Europe
– the effects of differences in concepts and definitions. IN. 28th CEIES Seminar, Luxembourg: Office for Official
Publications of the European Communities, 2005, p17. 82ADesde nuestra adhesión a las entonces Comunidades europeas -después Unión Europea- el 1 de enero de 1986,
las cosas han cambiado porque, a la distinción español/extranjero recogida en el texto constitucional, ha de añadirse
un tercer término, un nuevo estatuto, el relativo a la ciudadanía europea, que va aparejada a la nacionalidad de un
Estado miembro. Y, también, será preciso tener en cuenta lo que la pertenencia a la Unión significa respecto de las
decisiones sobre los extranjeros en materia de entrada y permanencia en el territorio estatal, pues dejan de ser
exclusivamente nacionales para pasar a ser europeas. Desde la implantación del Acuerdo de Schengen, a cuya
aplicación nos incorporamos en 1991, este proceso se ha intensificado.” BENITEZ. Octavio Salazar. ADe la
ciudadanía excluyente a la igualdad en las diferencias.” Inmigración y derechos de los extranjeros. Servicio de
Publicaciones de Universidad de Córdoba. 2005. p. 27. 83AForeign citizens (non-nationals) are defined as persons who do not hold the citizenship of their country of
residence, regardless of whether they were born in that country or elsewhere. Third-country nationals are persons
who are usually resident in the EU-27 and who do not have the citizenship of an EU-27 Member State.” UNIÃO
EUROPEIA. Eurostats. Migrants in Europe: A statistical portrait of the first and second generation. Luxembourg:
Publications Office of the European Union, 2011, p. 143.
27
decorrentes do estatuto pessoal, e notadamente os que resultam do casamento, serão
respeitados por um Estado Contratante, ressalvado, sendo o caso, o cumprimento das
formalidades previstas pela legislação do referido Estado, entendendo-se, todavia, que o
direito em causa deve ser dos que seriam reconhecidos pela legislação do referido Estado se o
interessado não se houvesse tornado refugiado.
Já os imigrantes, não possuem previsões claras quanto a seu estatuto pessoal e direitos
adquiridos. De acordo com recomendação padronizadora da Nações Unidas, um imigrante de
curto praza estadia mínima de 12 meses no país de destino.84 A União Europeia, mesmo que
venha buscando padronizar esses conceitos, ainda varia entre o conceitos de estrangeiro e
nacional de estado terceiro nos Regulamentos em geral, mas se utiliza de diversos outros termos
especialmente para estatísticas.85 Porém, poucos países utilizam esta referência, normalmente
recorrendo ao prazo de 3 meses, conforme dados e regras administrativas para quem extrapolou
o período de visitante86.
Considerando que Aestrangeiro” seja um adjetivo87, e que Anacional de estado terceiro”
seja uma perspectiva, é preferível trabalhar com um conceito jurídico. Um que que faz
contraponto ao conceito de cidadania europeia, que representa o único fator de aumento na
população da União Europeia, já é utilizado em diversos âmbitos, desde a regulamentos88 e
84ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Recommendations on Statistics of International Migration, 1998.
Acesso em 15/06/2018, disponível em: https://unstats.un.org/unsd/publication/seriesm/seriesm_58rev1e.pdf 85AMethods and definitions: Nationals mean citizens of the reporting country. Citizens of another EU Member
State refers to persons having the citizenship of one of the 27 other EU Member States (but not the citizenship of
the reporting country). Non-EU citizens refers to persons not having the citizenship of any EU Member State. A
recognized non-citizen is a person who is neither a citizen of the reporting country nor of any other country, and
who has established links to the reporting country which include some but not all rights and obligations of full
citizenship.A UNIÃO EUROPEIA. Foreign citizens living in the EU Member States – Eurostats News Release
230/2015. 86 It must be noted that very few countries currently use this definition in national statistics. Where statistics are
based on administrative data, the definition of a migrant is frequently closely linked to administrative systems in
place for the management of migration. For example, where national legislation requires that a person registers as
a resident or applies for a residence permit if they are to stay in country for three months or more, then this three-
month time period is frequently adopted in the migration definition THOROGOD, David. Migration statistics in
Europe – the effects of differences in concepts and definitions. IN. 28th CEIES Seminar, Luxembourg: Office for
Official Publications of the European Communities, 2005, p15. 87 AAcudiendo a las fuentes doctrinales del Derecho Internacional Privado, tradicionalmente se ha venido
definiendo la nacionalidad como la cualidad, o estatuto o condición de miembro de una comunidad política. Desde
el punto de vista etimológico, que siempre nos ayuda a encontrar la raíz semántica de las palabras, el término
«extranjero» proviene del latín extraneus que designa, en concreto, a aquél que se sitúa fuera del grupo.(…) Por
tanto, la regulación europea ha supuesto la clara diferenciación, a nivel no sólo conceptual sino de derechos reales
y tangibles, de la condición de ciudadano comunitario o de aquellos extranjeros extracomunitarios, de tal manera
que la distinta normativa aplicable a los nacionales de terceros Estados frente a los ciudadanos de la Unión se
perfila como un factor fundamental a la hora de proporcionar una definición de extranjero.” COBO, Francisco
García-Calabrés. Régimen laboral de los trabajadores extracomunitarios. Ed Junta de Andalucia. Sevilla, 2006;
p15 88REGULAMENTO (UE) Nº 1228/2010: O Regulamento (UE) nº 113/2010 da Comissão, de 9 de Fevereiro de
28
publicações89 comunitárias, a normas e publicações nacionais e internacionais, além de já ser
conhecido pelo público em geral.
Ou seja, para efeitos deste estudo, o imigrante que transfere sua residência habitual de
um Estado-terceiro para a União Europeia, independente da condição de refugiado, é um
cidadão extracomunitário. E os vínculos familiares e sucessórios nos quais participam os
cidadãos extracomunitários, são relações familiares e sucessórias extracomunitárias.
O próximo capítulo visa reunir os conceitos abordados nos capítulos anteriores,
nomeadamente o Direito Internacional Privado da União Europeia e a extracomunitariedade,
com as questões acerca das relações familiares e sucessórias internacionais. E como as normas
comunitárias afetam, e podem afetar, estas relações, considerando que os regulamentos são
normas gerais e abstratas, e que a União Europeia não tem competência para legislar sobre
questões materiais relativas à família e sucessões.
Por isso, essas questões inevitavelmente emergirão perante o Tribunal de Justiça de
União Europeia, que pode reprimir os Estados que não respeitarem as disposições da Carta
Europeia de Direito Fundamentais.90
2010, que aplica o Regulamento (CE) nº 471/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo às estatísticas
comunitárias do comércio externo com países terceiros, no que diz respeito à cobertura do comércio, à definição
dos dados, à compilação de estatísticas sobre o comércio segundo as características das empresas e a moeda de
facturação, bem como a bens e movimentos especiais (3) e o Regulamento (CE) nº 1982/2004 da Comissão, de 18
de Novembro de 2004, que aplica o Regulamento (CE) nº 638/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo
às estatísticas comunitárias sobre as trocas de bens entre Estados-Membros e que revoga os Regulamentos (CE)
nº 1901/2000 e (CEE) nº 3590/92 da Comissão (4) permitem aos Estados-Membros utilizar um sistema de
codificação simplificado para determinados bens no âmbito das estatísticas do comércio extracomunitário e
intracomunitário. 89AObjecto: Imigração e integração. Teve-se notícia recentemente de que a Alemanha apresentou um projecto de
lei tendo em vista a introdução de cursos de língua alemã com frequência obrigatória para os cidadãos
extracomunitários, prevendo-se a aplicação de sanções, em caso de resultado insatisfatório quanto ao aprendizado
do alemão, que poderiam implicar, nos casos mais graves, a expulsão do país. Mais uma vez, um Estado-membro
da UE actuou, em matéria de imigração, de forma absolutamente independente dos demais Estados-membros, o
que demonstra que ainda estamos longe de uma política de conjunto destinada a fazer frente ao problema concreto.”
Jornal Oficial das Comunidades Europeias ISSN 0257-7771 C 350 E 44o ano 11 de Dezembro de 2001
PERGUNTAS ESCRITAS E-1423/01 e E-1424/01 apresentada por Cristiana Muscardini (UEN) à Comissão (17
de Maio de 2001) https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=OJ:C:2001:350E:FULL&from=NL 90 AO Direito comunitário da União Europeia pode ser primário ou secundário. O primeiro são os tratados
constituintes, os segundos são os regulamentos, diretivas, recomendações e opiniões. (...) O direito comunitário é,
em grande parte, direito público. Este não se choca com a nossa disciplina e, de qualquer forma, prevalece sobre
o direito nacional dos Estados-membros, reprimindo-o quando em desarmonia.” Cfe. RECHSTEINER, Beat
Walter. Direito internacional Privado. Teoria e Prática. São Paulo. Ed. Saraiva, 2015, 17 edição, p. 98.
29
IV – As relações familiares e sucessórias extracomunitárias na União Europeia:
Após o estudo do desenvolvimento do Direito Internacional Privado da União Europeia,
e sua situação atual91, e da análise dos principais sujeitos e conceitos que caracterizam o vínculo
com o Estado terceiro, pode-se agrupar conceitos e compreender as relações familiares e
sucessórias extracomunitárias, e os princípios e regras de conflitos mais relevantes 92 conforme
os temas abordados por cada Regulamento, nomeadamente, as obrigações de alimentos; o
divórcio e a separação judicial; a sucessão e disposições testamentárias; e os efeitos
patrimoniais dos casamentos e parcerias registadas.
Muitas dificuldades conflituais no ambiente jurídico da União Europeia ficarão mais
restritas aos casos extracomunitários.93 Alguns com mais frequência, como a reserva de ordem
pública, devido às exigências de adequação prévias à entrada do Estado na União; e outros
exclusivamente, como a aplicação universal, que dirige-se aos casos extracomunitários, por
estabelecer a aplicação da lei do Estado terceiro atribuído pela regra de conflitos.
1 - Relações Familiares e Sucessórias Extracomunitárias:
Inicialmente deve-se considerar que o Programa de Estocolmo possui previsões
concretas no sentido de proteger estas, e pressupõe que o direito da União Europeia,” pode
reduzir tensões desnecessárias em caso de divórcio ou de separação e suprimir a incerteza
jurídica actual para os filhos e os seus pais em situações com dimensão transfronteiras”, e
91AA maioria das regras de conflitos vigentes nos Estados – Membros, e à excepção pontual da Dinamarca, Reino
Unido e Irlanda, que determina a lei aplicável às relações privadas internacionais (intercomunitárias e com países
terceiros) são hoje, nos mais variados domínios, da insolvência à responsabilidade extracontratual, das sucessões
por morte ao divórcio, de fonte internacional, maxime comunitária.” MOTA, Helena. O presente e o futuro das
relações familiares e sucessórias internacionais no Direito da União Europeia. Um ponto da situação. Revista
Electrônica de Direito - 2013 – p.1-26. 92Em uma analogia com o xadrez, e regras de conflitos rígidas e princípios subjetivos, DOLINGER argumenta que:
ATodas estas regras de conexão são pedras brancas que ajudam os tribunais a escolher aquilo que concebemos
como o direito mais apropriado para cada situação jurídica. E as pedras pretas são os grandes princípios do direito
internacional privado. O reenvio, a ordem pública, a qualificação, a fraude à lei, a instituição desconhecida, a
questão prévia, os direitos adquiridos, que operam como freio neutralizador, como retrocesso dos objetivos das
regras de conexão, desempenhando um poder moderador, que impede a solução do conflito das leis pela escolha
de uma lei inadequada, inapropriada, incabível, a que, às vezes, conduzem as pedras brancas.” DOLINGER, Jacob.
Direito Internacional Privado - O Princípio Da Proximidade E O Futuro Da Humanidade. Revista de Direito
Administrativo UFF – 2004 – pp. 139-146. 93A assunção de competências da União em matéria de direito internacional privado tem colocado em causa —
pelo menos assim já foi aventado — a autonomia e sobrevivência do direito internacional privado no espaço da
união: o não direito internacional privado. RIBEIRO, Geraldo Rocha. A europeização do direito internacional
privado e direito processual internacional. Revista Julgar nº23 – 2014 – p.266-292.
30
especificamente quanto ao âmbito extracomunitário atesta que Aé necessário estabelecer uma
verdadeira parceria com os países terceiros de origem e de trânsito e integrar todos os
problemas relacionados com a migração num quadro de acção abrangente.” 94
Dados reais do número de casamentos, uniões estáveis, divórcios, sucessões e outras
relações familiares e sucessórias, com conexão a estados terceiros que existem na Europa são
difíceis de obter, considerando aspectos da vida familiar como a privacidade e a diversidade, e
problemas de conceituação nas questões migratórias.95. Por isso as pesquisas geralmente são
sempre muito circunscritas, por tema ou país, mas que demonstram a dimensão dos fenômenos
migratórios aos quais incidem os novos regulamentos.96
Quando se menciona uma – relação extracomunitária -, a primeira impressão é de que
se trata de algo inteiramente externo a UE. Mas no caso deste estudo, ela significará: ARelações
familiares e sucessórias que apresentem simultaneamente elementos de conexão intra e
extracomunitários.” Ou seja, só importam as que tocarem, seja pela nacionalidade ou residência
habitual das partes, e local dos atos jurídicos e situação do patrimônio, a ordem jurídica
comunitária, e a de um Estado-terceiro.
Tal aspecto acaba por apresentar um novo grau de estraneidade ao conceito de relações
(familiares e sucessórias) plurilocalizadas, do gênero que possuam elementos de conexão com
Estados terceiros, ou extracomunitários. A classificação destas pode seguir uma linha
convergente à de Baptista Machado, em suas lições, que preveem as situações puramente
internas, situações relativamente internacionais e situações absolutamente internacionais: 97
Neste sentido, as categorias seriam as situações puramente comunitárias, onde todos os
elementos de conexão se encontram vinculados à União Europeia, no âmbito do Direito
Comunitário, mesmo que entre diferentes Estados-membros. As situações relativamente
94UNIÃO EUROPEIA. Programa de Estocolmo – Uma Europa aberta e segura que sirva e proteja os cidadãos
[Jornal Oficial C 115 de 4.5.2010]. Bruxelas, 2010, p. 5ss. 95AEurostat’s migration statistics are governed by Regulation (EC) No 862/2007. This established harmonized
definitions that must be applied to the data. However, national data suppliers remain free to use any appropriate
data sources, according to national availability and practice.” UNIÂO EUROPEIA. Eurostats. Migrants in Europe:
A statistical portrait of the first and second generation. Luxembourg: Publications Office of the European Union,
2011, p10. 96Por exemplo, a pesquisa que mostra que 10,2 é a média de casamento entre portugueses e nacionalidade de países
extracomunitários. 10,5 no Continente, 5,4 e 4,1 na Madeira e Açores, respectivamente. PORTUGAL. Instituto
Nacional de Estatística. Proporção de casamentos celebrados entre indivíduos de nacionalidade portuguesa e
nacionalidade estrangeira (países extracomunitários) (%) por Local de registo (NUTS - 2002) 97MACHADO, João Baptista. Lições de Direito Internacional Privado. 3ª Edição, Coimbra, Ed. Almedina, 2009,
p. 10. Seguido por outros autores, como RIBEIRO, Manuel de Almeida. Introdução ao Direito Internacional
Privado. Coimbra, Ed Almedina, 2000, p. 29.
31
extracomunitárias são do tipo que Aestá em contato com um só sistema jurídico, e só este
sistema jurídico pode ser aplicado.” 98 Por ter todos os elementos em contato com um só
ordenamento extracomunitário, estas não suscitam problemas de conflitos de leis, mas apenas
de reconhecimento de direitos, através da homologação de sentenças e atos públicos originários
de Estados terceiros. As situações absolutamente extracomunitárias são aquelas onde mais de
um sistema jurídico se apresenta como interessado na situação transnacional extracomunitária,
sendo um dele proveniente de um Estado-terceiro. APrecisamos, pois, duma Regra de Conflitos
que venha resolver esse concurso, determinando qual das leis “interessadas” é efetivamente
aplicável.” 99
Para estabelecer o vínculo entre os sujeitos dos fluxos migratórios, as relações familiares
e sucessórias extracomunitárias, e as inovações dos regulamentos, é importante fazer algumas
distinções. Por exemplo, um casal franco-argelino, com matrimônio feito em Paris, que fosse
residir em Nova York, e lá acumulasse algum patrimônio. À luz do critério do parágrafo
anterior, representa uma relação familiar e sucessória extracomunitária com diversos elementos
de conexão desse caráter, nomeadamente na nacionalidade argelina de um dos cônjuges, e a
residência habitual e patrimônio acumulado nos EUA. O vínculo com o ordenamento
comunitário se manteria pela nacionalidade de um dos cônjuges e o local do casamento.
Para delimitar o objeto do capítulo seguinte, focaremos nas relações familiares e
sucessórias extracomunitárias em que o vínculo com o Estado-terceiro seja na nacionalidade de
um ou ambos os cônjuges, e o elemento comunitário seja a presença destes no território da
União Europeia. Este critério mais objetivo permite concentrar no conjunto significativo de
famílias formadas por um ou mais imigrantes de Estados-terceiros que busquem residir na
Europa, ou famílias que venham a se formar entre cidadãos europeus e extracomunitários, na
Europa. Esta abordagem de relações absolutamente extracomunitárias inclui tanto os fluxos
migratórios de países continentais como Brasil, Índia e China, quanto os imigrantes e refugiados
da África e Oriente Médio.
98MACHADO, João Baptista. Idem. 99MACHADO, João Baptista. Idem. Este autor era baluarte da concepção germânica em Portugal, na qual o Direito
Internacional Privado se refere a lei aplicável, e a competência se resolveria no Direito Processual Civil
Internacional, por isso a referência às Aleis interessadas”. Porém, como concluído no capítulo anterior, o Direito
Internacional Privado da União Europeia vem seguindo uma tendência amplíssima, tratando conjuntamente
questões de competência, lei aplicável e cooperação judicial (e também Direito da Nacionalidade e do Estrangeiro,
mas em outra abordagem).
32
Muitos destes estão mais sujeitos a práticas opressivas100, considerando que grande
parte dos imigrantes e refugiados são pessoas em situação de vulnerabilidade social101. Portanto,
é indispensável que os Estados-membros e a União Europeia, com suas funções jurisdicionais
partilhadas, estejam preparados para atuar, realizando as regras e princípios que já estão
inseridas nos ordenamentos interno, e dando Aplena eficácia à protecção dos direitos
consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que deve guiar o
conjunto das iniciativas legislativas e políticas da UE, e tornar os seus direitos concretos e
efectivos. Para responder a este desafio de dimensão mundial, é necessário estabelecer uma
verdadeira parceria com os países terceiros de origem e de trânsito e integrar todos os
problemas relacionados com a migração num quadro de acção abrangente”. 102
Quanto ao estudo específico das normas comunitárias aplicáveis às relações familiares
e sucessórias extracomunitárias, deve-se fazer uma ressalva. Não é possível exaurir as
possibilidades de estudo das regras de conflitos de leis e jurisdições por Regulamento, pelas
especificidades de cada tema (alimentos, divórcio, sucessões e efeitos patrimoniais) 103. Assim
como na análise dos princípios norteadores.
Existem diversos outros, negativos e positivos104, que fazem parte da construção dos
regulamentos no Direito Internacional Privado da União Europeia, e também os princípios do
Direito Internacional Privado, como a Fraude à Lei, a Questão Prévia, a Unicidade, a
Proximidade, Não discriminação, a Instituição Desconhecida e os Direitos adquiridos. Estes
não constarão a seguir, por não serem abordados pelos Regulamentos, ou por tratarem de
situação genérica, não específica às relações familiares e sucessórias europeias ou
extracomunitárias.
100De acordo com TALBOTT, Willian, é quando existe um grupo oprimido e um grupo privilegiado, a cultura e as
normas jurídicas negam determinadas oportunidades aos membros do grupo oprimido, e finalmente o grupo
privilegiado justifica a sua dominação com uma determinada ideologia, destinada a explicar porque é que os
membros do grupo oprimido não têm as mesmas oportunidades do grupo privilegiado. Which Rights should be
Universal? Oxford University Press, Oxford, 2005, p. 87. 101AMigrants also have a lower level of income and particularly those from outside the EU have a significantly
increased risk of poverty or social exclusion, even if they are in employment. This risk is greater in households
with children. Lower income levels also go hand in hand with less favorable housing conditions, in particular with
regard to overcrowding.” EUROSTATS. Migrants in Europe: A statistical portrait of the first and second generation.
Luxembourg: Publications Office of the European Union, 2011, p21. 102UNIÃO EUROPEIA. Programa de Estocolmo – Uma Europa aberta e segura que sirva e proteja os cidadãos
[Jornal Oficial C 115 de 4.5.2010]. Bruxelas, 2010, p.8. 103 Em seus Estudos de Direito Internacional Privado da União Europeia, Rui Moura Ramos faz abordagem
detalhada da atual situação, e do histórico das mudanças nas regras de conflitos de cada tema. 104DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado: Parte Geral. 11ª edição, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2014,
p. 354. ATemos princípios positivos que acompanham as Regras de Conexão, justificam-nas, reforçam-nas e às
vezes chegam a se confundir com elas. E os princípios negativos que impedem ou modificam a aplicação das
Regras de Conexão.”
33
Além disso, os princípios e regras gerais do Direito Internacional Privado, interno ou
europeu, também estão sujeitos à regra da ponderação no caso concreto, conforme a construção
de Alexy. 105 Ou seja, para abandonar a segurança jurídica de regras claras e precisas, por
princípios subjetivos, estas devem levar a resultados indesejáveis ou inaceitáveis. 106
2 - Princípios norteadores em regras de conflitos:
2.1 - Primazia da residência habitual:
As divergências quanto aos elementos de conexão, aplicáveis aos sujeitos, objetos e atos
da relação jurídica transfronteiriça107, são uma das maiores dificuldades à concretização dos
objetivos do Direito Internacional Privado, em especial a segurança jurídica e a harmonia
internacional. Dentro da União Europeia, as abordagens destas regras de conexão variavam
entre os Estados-membros, mas concentravam-se em três tendências. Às duas primeiras,
acentua-se o aspecto institucional, na última prevalece a vontade das partes: as territorialistas108
(local de situação dos bens e atos jurídicos), as personalistas (regime imperativo, vinculado à
residência habitual ou nacionalidade), e as autonomistas (escolha da lei aplicável).
105AQue propõe a Lei da ponderação, que prescreve, que quanto maior o grau do não cumprimento de um Princípio,
tanto maior tem que ser a importância do cumprimento do outro Princípio. Em outras palavras, quanto maior o
prejuízo causado pela desconsideração de um Princípio, tanto maior devem ser as vantagens obtidas pela
preferência do outro. Esta Lei da ponderação é importante para destacar, que o peso de cada Princípio deve ser
considerado, mas não é ainda um critério para saber qual Princípio tem o maior peso. Assim surge a pergunta:
existem critérios para avaliar, qual Princípio é proporcionalmente mais adequado para o caso concreto?” Conforme
ALEXY, Robert, em Theorie der juristischen Argumentation. Frankfurt: Suhrkamp. 1983, apud KOHN, Edgar. A
Solução da colisão de princípios e conflito de regras. Portal E-governo, inclusão digital e sociedade do
conhecimento. 106Conforme DOLINGER, Jacob. In Defense of the General Part Principles. p24: AIn every science, rules attract
exceptions, and this is equally true in legal science. Moreover, legal rules have always been subject to general
principles of law and materializes in private international law in a very special way.A O que para uns representa a
absoluta ineficiência do sistema clássico de regras de conflitos, neste sentido: AHaving read my share of European
Conflict cases, I have found little certainty and much that strikes me as manipulation. Of course, the sophistication
with which judges handle de AGeneral Part” of their conflicts law will vary. But some of them seem quite capable
of adroitly wielding the scalpels of renvoi, the chainsaw of the incidental question, or meat-axe of public policy,
to reach appropriate results in multi-state cases.” JUENGER, Friedrich, American and European Conflicts Law.
The American Journal of Comparative Law, Vol. 30, No. 1 (Winter, 1982), pp. 117-133, apud DOLINGER, Jacob.
In Defense of the General Part Principles. p.25. 107DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado: Parte Geral. 11ª edição, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2014,
p. 297. AO processo de classificação que leva ao elemento de conexão toma em consideração um de três diferentes
aspectos: o sujeito, o objeto, ou o ato jurídico.” 108AUma das características dos sistemas territorialistas é a aplicação simultânea de várias leis e vários regimes
matrimoniais ao mesmo casamento. (…) Os países da common law adoptam maioritariamente um sistema
territorialista, na ausência de convenção antenupcial.” MOTA, Helena. Algumas considerações sobre a autonomia
da vontade conflitual em matéria de efeitos patrimoniais do casamento. Estudos em homenagem ao Professor
Doutor Jorge Ribeiro de Faria. p. 305-330, 2003.
34
A divergência também poderia ocorrer em relação a mobilidade do elemento de conexão,
afinal, a residência habitual e até mesmo a nacionalidade podem variar. No Regulamento (UE)
1259/2010, é aplicável a lei da residência habitual dos cônjuges, à data da instauração do
processo em tribunal, (art. 8.º, a); quanto ao Regulamento (UE) 650/2012 é relevante a
residência habitual do de cujus no momento da morte ou, relativamente à validade das
disposições por morte, no momento em que são feitas. Enquanto o Regulamento (UE)
1103/2016, sobre os regimes de bens, considera antes a lei da primeira residência habitual
comum após a celebração do casamento.
Com o desenvolvimento do Direito Internacional Privado da União Europeia nas
relações familiares e sucessórias, o trabalho de harmonização e uniformização segue a
tendência da primazia da residência habitual109 . Desde o Regulamento (CE) 2201/2003, a
residência habitual já figura como elemento de conexão supletivo, e tal orientação foi mantida
em todos os demais regulamentos em relações familiares e sucessórias. Este é um exemplo de
princípio positivo, que chega a se confundir com a regra conflitual.
Porém, conforme exposto no segundo capítulo, há em curso uma questão
migratória/humanitária, quanto a nacionais de diversos países-terceiros, que vem fixando
residência nos Estados-membros, muitas vezes antes mesmo de efetivarem seus pedidos de
asilo ou visto de imigração110. Apesar da caracterização do imigrante extracomunitário constar
de diplomas internacionais, e a imigração ser de competência da União Europeia, existem
lacunas quanto a aspectos essenciais de qualificação da residência habitual.
Por exemplo, enquanto o refugiado possui previsão específica sobre sua residência e
domicílio111, este problema fica em aberto quanto ao imigrante. Em qual momento ele se torna
residente habitual da UE? Quando o critério da conexão mais estreita pode ser aplicado de
forma a estender a competência para o Estado-membro em questão?
109AEmbora perca, paulatinamente, a relevância de outrora, o princío da nacionalidade manteve-se ainda como um
elemente de conexão importante no direito internacional privado em vários Estados-membros da União Europeia
até poucos anos atrás. Assim, sobreviveu, p. ex., às revisões da legislação alemã, 1986, 1997 e 1999, e à lei de
direito internacional privado da Áustria, de 1978. Ainda assim, o seu âmbito de aplicação está sendo cada vez mais
reduzido pelo fato que estes países são membros da União Europeia.” RECHSTEINER, Beat Walter. Direito
internacional Privado. Teoria e Prática. São Paulo. Ed. Saraiva, 2015, 17 edição, p. 52. 110A atual jurisprudencial interna e europeia deve interpretar o princípio da não-repulsão num aspecto jurisdicional,
conforme exposto em CARVALHO, Ayridice B. F. (2015). O Estado-membro responsável pela análise do pedido
do asilo. Tese de Mestrado em Ciências Jurídico-Administrativas. Faculdade de Direito – Universidade do Porto,
Porto. 60p. 111Conforme a Convenção de Genebra de 1951: AArtigo 12º: O estatuto pessoal de um refugiado será regido pela
lei do país de seu domicílio, ou, na falta de domicílio, pela lei do país de sua residência.”
35
2.2 - Autonomia conflitual
Objeto de grandes debates na história do direito internacional privado, a autonomia
conflitual obteve particular relevância nos novos regulamentos, através das previsões quanto à
escolha de lei aplicável e do foro. 112 E se a residência habitual representa a tendência quanto a
elemento de conexão supletivo, a escolha do foro e lei aplicável se tornaram a regra de conexão
principal, com vigência em todo o espaço da União Europeia, devido à sobreposição dos
Direitos internos pelas previsões dos regulamentos comunitários. 113
Conclusão que se chega através do art. 15.º do Regulamento (CE) 4/2009, do Conselho,
de 18 de Dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à
execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares, que remete à regra
de autonomia conflitual do Protocolo da Haia, de 23 de Novembro de 2007, quanto a lei
aplicável às obrigações alimentares. Do artigo 5.º do Regulamento (UE) 1259/2010, e em
matéria de regimes de bens do casamento, nos termos dos artigos 7º, 22º, 23º e 24º, do
Regulamento (UE) 1103/2016, e para as parceirias registadas, que limitam-se a escolha de lei
aplicável, conforme artigos 22º e 26º do Regulamento (UE) 2016/1104.
Porém, apesar das previsões acima, percebe-se Aela não foi franqueada pelo legislador
comunitário na mesma medida em que o fez nos Regulamentos Roma I e II, em matéria de
obrigações contratuais e extracontratuais, existindo ali um elenco definido de leis entre as
quais as partes exercerão a sua escolha, vg lei da nacionalidade, lei da residência, lei do
foro...”114. A medida também varia de acordo com o tema, com maior margem de escolha às
partes na questão dos efeitos patrimoniais do casamento, em contraste com áreas como
alimentos e sucessões.
Toda a questão da autonomia conflitual, e muitas que concernem todo o Direito
112AA França, e na sua esteira, a Bélgica, foi pioneira, pela construção de Dumoulin, na consagração da autonomia
da vontade em matéria de regimes matrimoniais. A escolha das partes não conhecia limites e as decisões
jurisprudenciais gaulesas iam no sentido de admitir, na ausência de acordo conflitual expresso, uma vontade
implícita que normalmente coincidia com a aplicação da lei do primeiro domicílio conjugal.”.”. Algumas
considerações sobre a autonomia da vontade conflitual em matéria de efeitos patrimoniais do casamento. Estudos
em homenagem ao Professor Doutor Jorge Ribeiro de Faria. p. 305-330, 2003. 113Com exceção para os regulamentos de cooperação reforçada, vigente apenas nos Estados-membros signatários. 114MOTA, Helena. O presente e o futuro das relações familiares e sucessórias internacionais no Direito da União
Europeia. Um ponto da situação. Revista Electrônica de Direito - 2013 – p.1-26. No mesmo sentido a autora: AA
autonomia reclama um papel e encontra menos resistências no domínio patrimonial do casamento. No entanto,
mesmo o direito material coloca obstáculos ao exercício pleno da autonomia negocial dos cônjuges.”. Algumas
considerações sobre a autonomia da vontade conflitual em matéria de efeitos patrimoniais do casamento. Estudos
em homenagem ao Professor Doutor Jorge Ribeiro de Faria. p. 305-330, 2003.
36
Internacional Privado, é discutida com base nos casos que foram judicializados. Seria
interessante obter a estatística de (dentre os números de divórcios firmados, sucessões abertas,
obrigações de alimentos estabelecidas e outros temas objetos dos regulamentos em relações
familiares e sucessórias) quantos são contenciosos, e quantos se encerram perante a jurisdição
voluntária ou extrajudicialmente. Contabilizando também os casos onde a judicialização é
obrigatória, à exemplo de quando envolve menores ou adultos incapazes.
Promover a manifestação de vontade dos núcleos familiares extracomunitários que já
tenham ou venham a criar vínculos residenciais na União Europeia, pode ser uma das soluções
práticas para as dificuldades que vão surgir115. Porém, da mesma forma que é importante que
os Estados e a União Europeia respeitem a vontade das partes nas relações familiares e
sucessórias, estes também devem garantir que o lado mais fraco destas relações116 (por gênero,
idade ou poder financeiro) sejam respeitadas nas condições à aceitação e validade das escolhas
de lei e foro. Com recurso à Ordem Pública Internacional, se necessário.
2.2 - Aplicação Universal:
Apesar da circunscrição territorial dos regulamentos se limitar aos Estados-membros
participantes, também está presente o princípio da Aplicação Universal. Atualmente, foram
superados questionamentos sobre este princípio 117 , que permite a aplicação de lei
extracomunitária, se indicada pela regra de conflitos. Esta tendência foi seguida nos
regulamentos que tratam das obrigações de alimentos, divórcio, sucessões, regimes
matrimoniais e parceirias registadas.
Respectivamente, no artigo 2º do Protocolo de Haia de 2007, ao qual remete o
Regulamento (CE) 04/2009 para atribuição de lei aplicável, no Regulamento (UE) 1259/2010,
115AIncluindo criação de uma rede de agentes de ligação nos países de origem e de trânsito; iniciativas sobre as
possibilidades de utilizar a mediação familiar a nível internacional.” UNIÃO EUROPEIA. Programa de
Estocolmo – Uma Europa aberta e segura que sirva e proteja os cidadãos [Jornal Oficial C 115 de 4.5.2010].
Bruxelas, 2010. 116ALa famille passe ainsi graduellement de l'institution au « nœud de contrats », avec les risques induits sur les
plus faibles de ses membres.” SÈVE, René. ‘’Introduction.’’ La famille en Mutation. Tome 57, Archives de
Philosophie du Droit. Ed. Dalloz, 2014, p1-5. 117AA indicação de um direito material ou substantivo estrangeiro conforme as normas de direito internacional
privado da lex fori, num caso concreto com conexão internacional, por si só não constitui violação de qualquer
direito humano. Em particular, também não tem caráter discriminatório, pois às normas de direito internacional
privado é inerente a aplicação deste, de acordo com o elemento de conexão a ser levado em consideração pelo juiz
no caso concreto.” RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional Privado. Teoria e Prática. São Paulo. Ed.
Saraiva, 2015, 17 edição, p38.
37
em seu artigo 4º, no Regulamento (UE) 650/2012, artigo 20º, e nos Regulamentos (EU)
2016/1103 e 2016/1104, artigo 20º em ambos. Por isso, pode-se dizer que o sistema de Direito
Internacional Privado europeu em relações familiares e sucessórias tem efeito erga omnes. 118
Tal significa que a lei aplicável ao caso concreto será a determinada pela regra de
conflitos, mesmo que a lei em questão seja de um Estado-terceiro, não membro da União
Europeia. Chega a ser redundante afirmar o quão importante é este princípio para as relações
familiares e sucessórias extracomunitárias, no entanto, ao prever a aplicação do Estado-terceiro,
surgem diversas outras implicações. Traz a necessidade de estudo aprofundado de Direito
Comparado, de forma a formar uma compreensão que evite o recurso excessivo à Reserva de
Ordem Pública e outros princípios negativos.
As particularidades da aplicação do Direito Estrangeiro excedem os limites deste estudo,
mas deve-se ressaltar que não há exigência para meio de prova específico, com opção para as
partes e decidente de recorrer a qualquer meio idôneo para demonstrar o sentido da lei
estrangeira. Porém, na impossibilidade de averiguar o conteúdo da lei estrangeira aplicável,
recorrer-se-á à que for subsidiariamente competente, devendo adotar-se igual procedimento
sempre que não for possível determinar os elementos de facto ou de direito de que dependa a
designação de tal lei.
2.4 - Forum necessitatis:
O Forum Necessitatis é um princípio derivado do Princípio geral do acesso à Justiça119,
que tem como propósito indicar um critério positivo de fixação de competência em caráter
excepcional, levando em conta duas hipóteses principais: um entrave processual, com a
existência de um conflito negativo de jurisdições, e dificuldades materiais, como uma guerra
118 AAs convenções erga omnes ou lois uniformes substituem as normas nacionais autônomas de direito
internacional privado, ou seja, aquelas de origem interna, e são, destarte, aplicáveis perante todos os Estados,
inclusive os juridicamente não vinculados por essas convenções. As outras convenções aplicam-se, dentro do seu
âmbito, tão só, perante os Estados onde estão em vigor as regras jurídicas uniformizadas." RECHSTEINER, Beat
Walter. Direito internacional Privado. Teoria e Prática. São Paulo. Ed. Saraiva, 2015, 17 edição, p. 78. 119AO princípio da necessidade (forum necessitatis) alarga a competência internacional dos tribunais portugueses
às situações em que o direito invocado apenas se possa efectivar por meio de acção proposta em território português,
por nenhuma ordem jurídica tutelar a situação jurídica em causa, e a ordem jurídica portuguesa tenha com a acção
algum elemento ponderoso de conexão pessoal ou real e não seja exigível ao autor a propositura da acção no
estrangeiro. Trata-se de evitar a denegação da justiça, obstando a que um direito subjectivo fique desprovido de
tutela judiciária. Princípios que não exigem, todavia, que a relação jurídica substancial ou material pleiteada esteja
sob o domínio de aplicação da lei portuguesa, segundo as regras de conflitos do direito internacional privado.”
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 1053/13.7TBVNG.P1 Nº Convencional: JTRP000 Relator:
MARIA CECÍLIA AGANTE
38
civil, calamidade pública ou desordem de grandes dimensões, que impeçam o autor de
demandar no foro estrangeiro tido como competente.
Vale ressaltar sua grande relevância quanto as relações familiares e sucessórias
internacionais, especialmente as que envolvem Estados-terceiro, o que o levou estar previsto
expressamente em todos regulamentos pós-Tratado de Lisboa. Com exceção do Regulamento
(UE) 1259/2010, que por não tratar de competência jurisdicional, remete à aplicação residual
do Regulamento (CE) 2201/2003, que trata da competência nesta matéria e é vigente em todos
os Estado-membros, mas não traz o Forum Necessitatis.
Sua ausência no Regulamento (CE) 2201/2003, e a ausência de tratamento da questão
jurisdicional por parte do Regulamento (UE) 1259/2010, certamente é sentida, na medida em
que muitos estados não reconhecem novas formas de família120 , o que pode gerar conflito
negativo de jurisdições quando tentassem divorciar ou dissolver a relação. Esta situação
exemplifica possíveis dificuldades causadas pelo já aspecto fragmentário do Direito
Internacional Privado da União Europeia. O artigo 7.º do Regulamento (UE) 04/2009 foi o
primeiro a prever expressamente o Forum Necessitatis, sucedido pelo artigo 11º do
Regulamento (UE) 650/2012 121 . Mas os respectivos artigos 11.º dos Regulamentos (EU)
2016/1103 e 2016/1104 representam a mais atual redação neste sentido122.
2.5 - Reserva de Ordem Pública:
A reserva de ordem pública trata-se de um dos princípios mais seculares e importantes
120 AEste problema normativo da família tange diretamente com a aceitação de Anovas famílias” ou com o
reconhecimento da funções sociais levadas a cabo por quem viva em condições semelhantes aos cônjuges, mas
não ligado pelo vínculo matrimonial, e por isso, não titular de uma relação jurídica familiar.” MOTA, Helena. O
problema normativo da família: breve reflexão a propósito das medidas de protecção à união de facto adotadas
pela Lei n.º 135/99, de 28 de Agosto. Estudos em comemoração dos cinco anos (1995-2000) da Faculdade de
Direito da Universidade do Porto - 2001 - p. 535-562. 121UNIÂO EUROPEIA. AArtigo 11.o Forum necessitatis Caso nenhum órgão jurisdicional de um Estado-Membro
seja competente por força do disposto no presente regulamento, os órgãos jurisdicionais de um Estado-Membro
podem, em casos excecionais, decidir da sucessão se uma ação não puder ser razoavelmente intentada ou
conduzida ou se revelar impossível num Estado terceiro com o qual esteja estreitamente relacionada. O processo
deve apresentar uma conexão suficiente com o Estado-Membro do órgão jurisdicional em que foi instaurado.” 122Artigo 11º: Se nenhum órgão jurisdicional de um Estado-Membro for competente nos termos dos artigos 4.o,
5.o, 6.o, 7.o, 8.o ou 10.o, ou se todos os órgãos jurisdicionais, nos termos do artigo 9.o, se tiverem declarado
incompetentes e nenhum órgão jurisdicional de um Estado-Membro tiver competência nos termos do artigos 9.o,
nº 2 ou 10.o, os órgãos jurisdicionais de um Estado-Membro podem, a título excecional, decidir das questões
relativas ao regime matrimonial se uma ação não puder ser razoavelmente instaurada ou conduzida ou se revelar
impossível num Estado terceiro com o qual esteja estreitamente relacionada. A ação deve apresentar uma conexão
suficiente com o Estado-Membro do órgão jurisdicional a que foi submetida.
39
do direito internacional privado, com amplo escopo, mas um objetivo principal, desde o
primeiro momento, desde Bártolo, há seis séculos e meio atrás: para evitar que a regra de
conexão ocasionasse um resultado inaceitável. Sempre que a regra de conexão indicasse a
aplicação de uma lei que manifestamente levasse a uma solução incompatível, a uma injustiça
clamorosa, deveria ser descartada. 123
Sua presença pode ser observada em âmbito internacional, ou interno124, e seu conceito
era essencial para as construções doutrinárias de Savigny e Mancini; No Direito Português é
prevista expressamente no artigo 22 do Código Civil, e já era mencionada na Convenção de
Genebra, de 1951, como obrigação dos refugiados.125 Por isso generaliza-se que os valores que
constituem a ordem pública internacional podem consistir não só em interesses jurídicos estritos,
mas também em interesses económicos, ético-religiosos, morais e políticos da ordem do foro.126
É o único entre os princípios citados que está presente em todos os regulamentos
comunitários relativos às relações familiares e sucessórias internacionais, e trata-se de uma
previsão essencial, para se contrapor ao citado princípio da Aplicação Universal. No âmbito
interno, caso viole disposições da lex fori, e também caso viole princípios do direito
internacional. ATrata-se da observância complementar da “ordem pública internacional”,
“ordem pública mundial” ou “verdadeiramente internacional. 127
No Regulamento (CE) 2201/2003, única norma comunitária pré-Tratado de Lisboa
123DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado - O Princípio Da Proximidade E O Futuro Da Humanidade.
Revista de Direito Administrativo UFF – 2004 – pp. 139-146.. 124De realçar que a o.p. internacional não se confunde com o conceito de o.p. interna, que diz respeito ao conjunto
de todas as normas que, num sistema jurídico, revestem natureza imperativa, consistindo por isso um limite à
autonomia das partes. O conceito de o.p. internacional é mais restrito que este, pois nem todas as leis de o.p. interna
se podem considerar como sendo de o.p. internacional. Porém, não é possível imaginar uma regra de o.p.
internacional que não seja também de o.p. interna. Cfr. LOUSSOUARN, Yvon e BOUREL, Pierre. Droit
International Privé, Dalloz, Paris, 1999, p. 299. 125 Convenção Genebra: AArt. 2º - Obrigações gerais Todo refugiado tem deveres para com o país em que se
encontra, os quais compreendem notadamente a obrigação de se conformar às leis e regulamentos, assim como às
medidas tomadas para a manutenção da ordem pública.” 126 AA doutrina francesa tem distinguido dois grandes grupos de valores que o conceito de o.p. visa salvaguardar.
Por um lado, ela visa a defesa dos princípios de direito Acomuns às nações civilizadas”, ligados a uma tradição
filosófica e religiosa de largos séculos. Em segundo lugar, a o.p. apareceria na veste de protecção da vida jurídica
interna do Estado, visando a conservação das tendências sociais, políticas e económicas e protegendo-a do efeito
subversivo que poderia resultar da aplicação de leis que tenham procedido a escolhas diversas.” Conforme
LOUSSOUARN, Yvon e BOUREL, Pierre. Droit International Privé, Dalloz, Paris, 1999, p. 307, apud GIL, Ana
Rita, Do reconhecimento de efeitos jurídicos a casamentos poligâmicos. Working Papers da Faculdade de Direito
da Universidade Nova de Lisboa, n. º1, Lisboa, 2008. 127APostula-se na doutrina que o juiz deverá levar em consideração não só os princípios básicos da ordem jurídica
interna, mas também aqueles do direito internacional, consubstanciados em tratados internacional, no direito
costumeiro internacional, em princípios gerais de direito e em outras fontes supranacionais que vinculam
juridicamente um Estado.” RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional Privado. Teoria e Prática. São
Paulo. Ed. Saraiva, 2015, 17 edição, p. 36.
40
ainda vigente as relações familiares, ele ainda não possui previsão em artigo específico. Pelo
mesmo motivo que o Regulamento (UE) 1259/2010 não possui previsão quanto ao Forum
Necessitatis. Como estes contemplam apenas o âmbito da competência internacional, não
justifica uma disposição de ordem pública neste sentido. No caso do Regulamento (EU)
1259/2010, está presente apenas como fundamento de não reconhecimento de decisões de
divórcio, separação ou anulação do casamento, no artigo 22º, a. para não reconhecimento de
decisões em matéria de responsabilidade parental, no artigo 23º, a. No artigo seguinte, há uma
exclusão no seu âmbito de aplicação material, com a previsão de que “Não se pode proceder
ao controlo da competência do tribunal do Estado-membro de origem. O critério de ordem
pública, referido na alínea a) do artigo 22º e na alínea a) do artigo 23º, não pode ser aplicado
às regras de competência enunciadas nos artigos 3º a 14º.”
No Regulamento (UE) 04/2009, sua previsão também é expressa nos artigos 24º e 31º,
dentre as causas para não reconhecimento de sentenças estrangeiras. E quanto à lei aplicável,
remete às regras do Protocolo de Haia de 2007, que prevê a reserva de ordem pública em seu
artigo 13º. Nos Regulamentos (UE) 650/2012, (UE) 2016/1103 e (UE) 2016/1104, que
contemplam a questão de lei aplicável, possuem em seus artigos 35º, 31º e 31, respectivamente,
previsões no mesmo sentido. De que a aplicação de uma disposição de lei de um Estado
designada só pode ser afastada se essa aplicação for manifestamente incompatível com a ordem
pública do Estado-membro do foro.
2.6 - Exclusão do reenvio
A exclusão do reenvio trata-se de uma posição que já era prevista, em diversos
ordenamentos, inclusive o português, e que continua a predominar nas regras europeizadas128.
Dentre os Regulamentos em estudo, somente o Regulamento (UE) 650/2012 possui a previsão
positiva quanto ao reenvio, nas condições do artigo 34º, e conforme considerando 57129 ,
128 AUnicamente o Regulamento 650/2012 (art. 34) aceita o reenvio quando das regras de conflito de leis
estabelecidas podem resultar na aplicação da lei de um Estado terceiro. Nesses casos, haverá que atender às regras
do direito internacional privado da lei desse Estado. Se essas regras previrem o reenvio para a lei de um Estado-
Membro ou para a lei de um Estado terceiro que aplicaria a sua própria lei à sucessão, esse reenvio deverá ser
aceite a fim de assegurar a coerência internacional. O reenvio deverá, todavia, ser excluído nos casos em que o
falecido tiver feito uma escolha de lei a favor da lei de um Estado terceiro.” BLANCO-MORALES, Pilar. Direito
Internacional Privado. Portugal. Revista Jurismat – 2014 - pp. 33-59. 129 AConsiderando 57. As regras de conflito de leis estabelecidas no presente regulamento podem resultar na
aplicação da lei de um Estado terceiro. Nesses casos, haverá que atender às regras do direito internacional privado
da lei desse Estado. Se essas regras previrem o reenvio para a lei de um Estado-Membro ou para a lei de um Estado
terceiro que aplicaria a sua própria lei à sucessão, esse reenvio deverá ser aceite a fim de assegurar a coerência
41
representando uma exceção, ou incoerência, no sistema do Direito Internacional Privado da
União Europeia. Já os Regulamentos (UE) 1259/2010, (UE) 2016/1103 e (UE) 2016/1104
possuem cláusulas expressas de exclusão do reenvio, nos seus artigos 32º, 32º e 11º,
respectivamente.
Deve-se ressaltar uma relevância deste princípio perante as relações familiares e
sucessórias extracomunitárias. Nas relações familiares e sucessórias intracomunitárias, mesmo
com diferenças existentes no Direito material, com a sobreposição trazida pelo Direito
Internacional Privado da UE, já existe uma harmonização legislativa que minimiza esta questão.
O que não ocorreu nas relações extracomunitárias.
A questão do reenvio é tida como uma das mais clássicas do Direito Internacional
Privado130. Esta regra, no sentido da exclusão, estabelece que, da aplicação da lei estrangeira
designada pela regra de conflitos, serão excluídas as normas de direito internacional privado, e
se tomará em consideração apenas o direito material em questão. A possibilidade do reenvio
poderia resultar no reenvio do caso a um terceiro ordenamento.
Por estes motivos, a opção legislativa quanto às relações familiares e sucessórias
internacionais, exceto nas sucessões, no Direito Internacional Privado da União Europeia, e a
expressa exclusão desta possibilidade131.
3 - Breve análise dos regulamentos pós-Tratado de Lisboa:
2.1 – Regulamento (CE) 04/2009:
Do "Regulamento (CE) nº 04/2009, do Conselho, de 18 de Dezembro de 2008, relativo
à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em
internacional. O reenvio deverá, todavia, ser excluído nos casos em que o falecido tiver feito uma escolha de lei a
favor da lei de um Estado terceiro.” Regulamento (UE) 650/2012. 130AO problema que hoje se pretende abordar é, talvez, o mais famoso do Direito Internacional Privado. É nem
mais nem menos do que o problema da determinação do sentido e alcance das suas normas – as regras de conflitos.
As legislações positivas contêm normas de conflitos que procuram determinar os preceitos reguladores das
relações, que, pelos seus elementos constitutivos, se encontram em conexão com dois ou mais Estados. Tais
preceitos indicam e incorporam a lei que deve regular as relações internacionais. Surge, deste modo, a questão de
saber qual o sentido da norma de Direito Internacional Privado. Tem em vista indicar, única e exclusivamente, a
lei material estrangeira – ou, ao contrário, refere-se ao ordenamento jurídico estrangeiro em toda a plenitude e,
consequentemente, às respectivas normas de conflito?” FERREIRA, Vasco Taborda. Considerações sobre a teoria
da devolução ou reenvio. Revista da Ordem dos Advogados – 1957 – p45-70. 131 “Artigo 32.o Exclusão do reenvio: Entende-se por aplicação da lei de um Estado designada pelo presente
regulamento a aplicação das normas jurídicas em vigor nesse Estado, com exclusão das suas normas de direito
internacional privado.”
42
matéria de obrigações alimentares", emanam regras aplicáveis à matéria de alimentos em
âmbito transnacional. Foi o primeiro a incidir sobre este tipo de relações familiares e sucessórias
a partir do Tratado de Lisboa, em 2007, e “seguindo uma metodologia que já havia sido
observada quando da aprovação do regulamento relativo aos processos de insolvência, e que
seria depois também observada em matéria de sucessões por morte, concentra as regras
relativas à competência, à lei aplicável e ao reconhecimento das decisões, na linha de uma
orientação que tem colhido o favor da doutrina.”132
Esta orientação se relaciona à concepção ampla do Direito Internacional Privado.
Quanto ao conflito de jurisdições, já havia um regulamento precedente, o nº 44/2001 sobre
obrigações alimentares. Porém, quanto ao conflito de leis, o Regulamento (CE) 04/2009 inovou
duplamente ao trazer um sistema de regras de conflitos de leis, e mais ainda por tê-lo feito
incorporando as regras do Protocolo de Haia de 23 de Novembro de 2007, com efeito erga
omnes133. Desta forma, entre criar um sistema próprio, ou utilizar o trazido pela Conferência de
Haia134 , já vigente em grande parte dos Estado-membros, o legislador optou pela segunda
alternativa.
O Capítulo I, AÂmbito de aplicação e definições”, traz no artigo 1º, alínea 1: 1. O
presente regulamento é aplicável às obrigações alimentares decorrentes das relações de família,
de parentesco, de casamento ou de afinidade. Assim, sua abrangência é estendida a outros tipos
de obrigações alimentares, não apenas da paternidade. O artigo 2º traz disposições materiais,
mas apenas no âmbito processual, sem abordar questões como o tipo de vínculo familiar.
O capítulo II, do artigo 3º ao 14º, traz as regras de competência e jurisdição, e no
Capítulo II sobre a lei aplicável, consta apenas um artigo que faz remissão ao Protocolo de Haia
de 2007135. O âmbito temporal e outras disposições transitórias encontram-se nos artigos 75º e
76º, que em regra, estabelecem a vigência partir de 18 de Junho de 2011. Como inovação em
132RAMOS, Rui Manuel Moura. Estudos de Direito Internacional Privado da União Europeia. Coimbra, Imprensa
da Universidade de Coimbra, 2016, p. 146. 133AAo contrário da Convenção de 2007 que só se aplica a relações entre Estados Contratantes, o Protocolo tem
um efeito erga omnes. Isto é, as suas regras aplicam-se num Estado Contratante, mesmo se a lei aplicável for a de
um Estado não-Contratante. Por exemplo, um credor residente num Estado não-Contratante que intente uma ação
num Estado Contratante (e.g. no Estado onde o devedor tem a sua residência) vai beneficiar da aplicação das regras
uniformes, favoráveis ao credor, previstas no Protocolo.” CONFERÊNCIA DA HAIA DE DIREITO
INTERNACIONAL PRIVADO. Linhas Gerais - Protocolo sobre a Lei Aplicável às Obrigações de alimentos,
concluído na Haia, em 23 de Novembro de 2007. Haia, 2007. p1-5. Acesso em 15/07/2019, disponível em:
https://assets.hcch.net/docs/3e0b69bf-b2ef-4e59-963a-f62427b0bf87.pdf 134 Que possui setenta e três Estados vinculados, mais uma organização de integração econômica, a própria UE. 135 AArtigo 15º. Determinação de Lei aplicável: A lei aplicável às obrigações alimentares é determinada de acordo
com o Protocolo da Haia, de 23 de Novembro de 2007, sobre a Lei Aplicável às Obrigações Alimentares (a seguir
designado «Protocolo da Haia de 2007») nos Estados-Membros vinculados por esse instrumento”
43
relação âmbito territorial, este tem caráter universal, ou seja, é válido mesmo que o requerido
não resida num Estado-membro da União Europeia. 136 Trata-se de questão específica das
obrigações alimentares, distinta do princípio da aplicação universal, relativo à lei aplicável de
Estados-terceiros, também presente no Protocolo de Haia de 2007137.
2.2 – Regulamento (UE) 1259/2010:
No dia 21 de Junho de 2012, um ano e seis meses depois de sua aprovação, entrou em
vigor o ARegulamento (UE) nº 1259/2010, do Conselho, que cria uma cooperação reforçada no
domínio da lei aplicável em matéria de divórcio e separação judicial”. Concluiu-se assim um
processo iniciado com a entrada em vigor do Regulamento 1347/2000, do Conselho, de 29 de
Maio de 2000, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria
matrimonial e de regulação do poder paternal em relação a filhos do casal (Bruxelas II).
Suas disposições vieram complementar as do ARegulamento (CE) nº 2201/2003,
relativas à competência, ao reconhecimento e a à execução de decisões em matéria matrimonial
e matéria de responsabilidade parental e que revoga o regulamento (CE) 1347/2000 (Bruxelas
II – bis)”. Portanto, o Regulamento (CE) 2201/2003, ainda é aplicável quanto à competência e
reconhecimentos de decisões continua vigente.
Este fato gera uma situação que expõe os problemas do caráter fragmentário do Direito
Internacional Privado da União Europeia138 , já que o Regulamento (CE) nº 2201/2003 foi
aprovado em processo legislativo ordinário, estando vigente em todos os estados, exceto
Dinamarca. Já o Regulamento (UE) 1259/2010 foi aprovado em processo legislativo especial,
assumindo status de cooperação reforçada, vinculando apenas os países signatários. As
dificuldades aumentam considerando que o Regulamento (CE) nº 2201/2003 foi publicado há
mais de 15 anos, e por isso não está devidamente integrado com outros regulamentos em
relações familiares e sucessórias, em matéria de princípios e regras de conflitos.
Neste sentido, enquanto no âmbito da lei aplicável o Regulamento (UE) 1259/2010 traz
136 Conforme: AA primeira modificação que importa mencionar, por referência ao sistema que decorria do
Regulamento nº 44/2001, é a da consagração do carácter universal das novas regras, cuja aplicabilidade deixa de
depender da circunstância de o requerido ter domicílio numa Estado-membro.” RAMOS. op. cit., p. 149. 137AArtigo 2. Aplicação universal: O presente protocolo é aplicável independentemente de a lei aplicável ser a de
um Estado não contratante.” 138 RAMOS. op. cit, p.189: AAs regras ora aprovadas em sede de conflito de leis revestem-se assim de um caráter
bastante menos comum que o que se pode reconhecer ao das relativas aos conflito de jurisdições, o que introduz
assim uma geometria variável no direito internacional privado do divórcio e da separação judicial dos Estados da
União Europeia.”
44
disposições coerentes com as outras normas pós-Tratado de Lisboa, como a Aplicação
Universal, Exclusão do Reenvio e Autonomia Privada. Quanto à competência não existem
previsões do Forum Necessitatis e Eleição do Foro.
O Regulamento (UE) 1259/2010 traz o âmbito de aplicação material, em critério
positivo e negativo, no seu artigo 1º139. O âmbito de aplicação temporal consta em seu artigo
18º, estabelecendo que este regula a lei aplicável dos processos de divórcio instaurados, e
acordos celebrados, a partir de 21 de junho de 2012. Mas prevê no mesmo inciso que “um
acordo de escolha de lei aplicável celebrado antes de 21 de Junho de 2012 também produz
efeitos, desde que cumpra o disposto nos artigos 6º e 7º.” Quanto ao âmbito de aplicação
territorial, por ser instrumento de cooperação reforçada, é vigente apenas nos Estados
signatários, conforme Considerando 6 do próprio regulamento.140
A atribuição da competência e as regras de cooperação remetem à aplicação do
Regulamento (CE) 2201/2003, anterior ao Tratado de Lisboa de 2007, nos artigos 3º a 7º, onde
já consta a primazia da residência habitual, conforme artigo 3º, 1, a). As regras de conflitos de
leis constam no Capítulo II, artigos 5º a 16º, com destaque para a Escolha de Lei (ainda que
limitada), nos artigos 5º a 7º, a Exclusão do Reenvio, conforme artigo 11º, e a Reserva de Ordem
Pública, artigo 12º.
2.3 – Regulamento (UE) 650/2012:
O "Regulamento (UE) 650/2012 de 4 de julho de 2012, relativo à competência, à lei
aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, e à aceitação e execução dos atos
autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu", foi
aprovado com base no artigo 81, nº 2, C, Tratado de Lisboa, de 2007, através de processo
legislativo ordinário.
139 A1. O presente regulamento é aplicável, nas situações que envolvem um conflito de leis, ao divórcio e à
separação judicial 2. O presente regulamento não se aplica às seguintes matérias, mesmo que suscitadas meramente
a título de questão preliminar no contexto de processos de divórcio ou de separação judicial: a) Capacidade jurídica
de pessoas singulares; b) Existência, validade ou reconhecimento de um casamento; c) Anulação de um casamento;
d) Nome dos cônjuges; e) Efeitos patrimoniais do casamento; f) Responsabilidade parental; g) Obrigações
alimentares; h) Trusts ou sucessões.” 140A(6)A Bélgica, a Bulgária, a Alemanha, a Grécia, a Espanha, a França, a Itália, a Letónia, o Luxemburgo, a
Hungria, Malta, a Áustria, Portugal, a Roménia e a Eslovénia apresentaram posteriormente à Comissão um pedido
em que comunicavam a intenção de instaurar entre si uma cooperação reforçada no domínio da lei aplicável em
matéria matrimonial. Em 3 de Março de 2010, a Grécia retirou o seu pedido.”
45
Também representa um grande avanço no Direito Internacional Privado da União
Europeia141 , à medida que incide sobre o complexo142 e crescente143 fenômeno da sucessão
transnacional, e por contemplar os três pilares do Direito Internacional Privado: Competência,
lei aplicável e reconhecimento de decisões144, sendo aplicável às sucessões de pessoas falecidas
a partir de 17 de agosto de 2015, conforme seu artigo 83º. Além das disposições materiais sobre
o ACertificado Sucessório Europeu”. Em matéria de princípios, é o primeiro a trazer
expressamente todas os princípios citados anteriormente, que viriam a ser repetidos pelos
Regulamentos (UE) 2016/1103 e (UE) 2016/1104.
Seu âmbito de aplicação material também é definido positiva e negativamente pelo
artigo 1º, sendo previsto no inciso 1 que AO presente regulamento é aplicável às sucessões por
morte. Não é aplicável às matérias fiscais, aduaneiras e administrativas”. Em seu inciso 2º
temos um rol de previsões negativas. 145 Tais previsões quanto à aplicação material são
141ACom este acto, a União prossegue a criação de um direito internacional privado comum, no desenvolvimento
da estratégia desenhada no Conselho Europeu de Tampere e plasmada nos programas (nomeadamente Haia e
Estocolmo) aprovados em seguida em ordem a concretizar o princípio do reconhecimento mútuo.” RAMOS, op.
cit. p. 239. 142AA determinação da lei aplicável à sucessão transnacional é uma matéria de especial interesse, um que vez que,
no entender de alguns autores, o direito sucessório é um dos ramos do direito que melhor reflete a identidade
jurídica de um ordenamento jurídico estadual. Esta característica traduz-se (i) numa regulação muito diferenciada
nos vários Estados-membros do direito sucessório e (ii) em dificuldades assinaláveis em qualquer processo de
unificação do mesmo. ALMEIDA, João Gomes de. Direito de Conflitos Sucessório: alguns problemas. Coimbra,
Almedina, 2012, p. 13. 143ASegundo dados estatísticos referidos em 2009, na União Europeia são abertas, todos os anos, 450 000 sucessões
internacionais que representam um património estimado em 120.000 milhões de euros. A diversidade de regras
materiais e processuais aplicáveis nos Estados-Membros dificulta a vida quer dos herdeiros que, por exemplo,
venham a receber um bem localizado num outro Estado-Membro, diferente daquele em que residem, quer de todos
aqueles que queiram planear antecipadamente a sua sucessão e possuam bens em mais do que um Estado ou
tencionem reformar-se e mudar de residência para outro país para aí viverem os últimos anos das suas vidas.”
MOTA, Helena. A autonomia conflitual e o reenvio no âmbito do Regulamento (UE) 650/2012 do PE e do
Conselho, de 4 de Julho de 2012. Revista Electrônica de Direito - 2014 - p.1-22. 144O instrumento objecto deste estudo insere-se assim numa série que forma um corpus de direito internacional
privado da União Europeia, ainda que apresente algumas peculiaridades em relação com os que o precederam.
RAMOS. op. cit. p239.. 145Apesar de extensa, é interessante apresentar a lista, e demonstrar o quanto o legislador buscou estreitar o âmbito
de aplicação, desvinculando-o de questões importantes: A2. São excluídos do âmbito de aplicação do presente
regulamento: a) O estado das pessoas singulares, bem como as relações familiares e as relações que a lei aplicável
considera produzirem efeitos comparáveis; b) A capacidade jurídica das pessoas singulares, sem prejuízo do
artigo 23. o , n. o 2, alínea c), e do artigo 26. o ; c) As questões relacionadas com o desaparecimento, a ausência
ou a morte presumida de uma pessoa singular; d) As questões relacionadas com regimes matrimoniais e regimes
patrimoniais no âmbito de relações que a lei aplicável considera produzirem efeitos comparáveis ao casamento;
e) As obrigações de alimentos com exceção das resultantes do óbito; f) A validade formal das disposições por
morte feitas oralmente; g) Os direitos e os bens criados ou transferidos fora do âmbito da sucessão, tais como as
liberalidades, a propriedade conjunta de várias pessoas com reversibilidade a favor da pessoa sobreviva, os
planos de reforma, os contratos de seguros e as disposições análogas, sem prejuízo do artigo 23. o , n. o 2, alínea
i); h) As questões regidas pelo direito das sociedades e pelo direito aplicável a outras entidades, dotadas ou não
de personalidade jurídica, como as cláusulas contidas nos atos constitutivos e nos estatutos das sociedades e
outras entidades, dotadas ou não de personalidade jurídica, que fixam o destino das quotas aquando da morte
dos seus membros; i) A dissolução, extinção e fusão de sociedades e outras entidades, dotadas ou não de
46
aprofundadas pelas definições do artigo 3º, que abrangem conceitos básicos desde a sucessão
em si146, quanto à definição de novos conceitos como o AActo autêntico”, para a boa aplicação
da norma. Pela complexidade do tema das sucessões (que envolve outros institutos do Direito
das Sucessões, como comoriência e herança vaga), este regulamento destaca-se por ser mais
detalhado e extenso que os anteriores. Tanto quanto às disposições materiais, quanto às regras
de conflitos de leis e jurisdições, e requisitos para validação das manifestações de vontade das
medidas de cooperação judicial.
As regras de competência encontram-se no segundo capítulo artigo 4º a 19º, e regem-se
pelo princípio da unidade147, e da primazia da residência habitual, conforme artigo 4º: ASão
competentes para decidir do conjunto da sucessão os órgãos jurisdicionais do Estado-Membro
em que o falecido tinha a sua residência habitual no momento do óbito.” A referência ao
Aconjunto da sucessão” diz respeito ao princípio da unidade, já que disposições territorialistas
dos Estados-membros poderiam estabelecer competência apenas para os bens em seu território.
E a Aresidência habitual no momento do óbito”, confirma a primazia deste elemento de conexão,
mesmo que imobilizado no tempo. O artigo 5º traz outro aspecto do princípio da unidade, no
sentido de unificar o foro e a lei aplicável, mas através da autonomia privada. Segundo este
artigo, as partes em causa na sucessão podem eleger o foro do Estado-membro do qual o
falecido escolheu a lei aplicável. Dos artigos 6º a 19º constam outras regras e exceções
essenciais para a atribuição de competência. Porém, dentre estas, a única com previsão
específica aos Estados-terceiros, e, portanto, às relações sucessórias extracomunitárias, é a do
artigo 11º, que prevê a existência de Forum Necessitatis, conforme as condições citadas no
estudo deste princípio.
No capítulo sobre lei aplicável, do artigo 20º ao 38º, encontramos regras gerais similares
aos outros ordenamentos, como a Aplicação Universal, conforme artigo 20º. E de acordo com
personalidade jurídica; j) A criação, administração e dissolução de truste; k) A natureza dos direitos reais; l)
Qualquer inscrição num registo de direitos sobre um bem imóvel ou móvel, incluindo os requisitos legais para
essa inscrição, e os efeitos da inscrição ou não inscrição desses direitos num registo.” 146AArtigo 3. Definições 1. Para efeitos do presente regulamento entende-se por: a) «Sucessão», a sucessão por
morte, abrangendo qualquer forma de transferência de bens, direitos e obrigações por morte, quer se trate de um
ato voluntário de transferência ao abrigo de uma disposição por morte, quer de uma transferência por sucessão
sem testamento;” 147Ou unicidade/universalidade, que tem como escopo manter o patrimônio sucessório indivisível até a partilha.
Neste sentido: ANa fase da estabilização conflitual do DIPr, a unicidade da sucessão foi defendida por Savigny,
Story e Mancini, dada a sua vantagem de respeitar a essência da sucessão, que é a transferência (por última vontade
ou disposição legal) de todo patrimônio ao sucessor” RAMOS, André de Carvalho. AEvolução Histórica do Direito
Internacional Privado e a Consagração do Conflitualismo”. Revista da Secretaria do Tribunal Permanente de
Revisão, 2015, p. 423-446.
47
o artigo 21°: A1. Salvo disposição em contrário do presente regulamento, a lei aplicável ao
conjunto da sucessão é a lei do Estado onde o falecido tinha residência habitual no momento
do óbito. Quanto à Exclusão do Reenvio, este Regulamento destoa dos demais, ao permitir o
reenvio, conforme as regras do artigo 34º, 1: ANos termos do presente regulamento, por
aplicação da lei de um Estado terceiro, entende-se a aplicação das normas jurídicas em vigor
nesse Estado, incluindo as normas de direito internacional privado.
2.4 – Regulamentos (UE) 2016/1103 e (UE) 2016/1104:
O ARegulamento (UE) 2016/1103, do Conselho, de 24 de junho de 2016 que implementa
a cooperação reforçada no domínio da competência, da lei aplicável, do reconhecimento e da
execução de decisões em matéria de regimes matrimoniais”; e seu equivalente quanto às uniões
de facto, o ARegulamento (UE) 2016/1104 do Conselho, de 24 de junho de 2016, que
implementa a cooperação reforçada no domínio da competência, da lei aplicável, do
reconhecimento e da execução de decisões em matéria de efeitos patrimoniais das parcerias
registadas”, materializam anos de debates e estudos quanto aos efeitos patrimoniais do
casamento e as parcerias registadas148, no âmbito europeu e extracomunitário.
Apesar de constarem do Plano de Ação de Viena, de 1998, as Propostas de
Regulamentos do Conselho relativos à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à
execução de decisões em matéria de regimes matrimoniais e efeitos patrimoniais das parcerias
registadas, só foram apresentadas em 16 de Março de 2011. Inexistindo a unanimidade, mas
persistindo a disponibilidade de diversos países para seguir com o processo de reforço na
cooperação, o Parlamento Europeu emitiu seu parecer favorável em 2016, que resultou nos
Regulamentos deste estudo, vigente somente 21 anos depois, em janeiro de 2019.
Também foi necessária a conversão do processo legislativo ordinário em especial,
conforme previsto no artigo 81, nº3, e 321, nº2 do TFUE, o que resultou num instrumento de
148AOs problemas que vimos acerca da ampliação do âmbito material do Regulamento 2016/1103 aos regimes de
bens dos casamentos de pessoas do mesmo sexo, surgem, mutatis mutandis, relativamente ao âmbito material do
Regulamento 2016/1104 quer quanto às uniões de facto não registadas ─ nos Estados-Membros (como Portugal)
que apenas reconhecem e regulam esta forma de convivência marital ─, quer em relação aos Estados-Membros
que não conhecem as uniões ou parcerias registada de pessoas de sexo diferentes ─ mas apenas do mesmo sexo,
como a Itália e a Alemanha, por exemplo. Trata-se, em ambos os casos, de instituições desconhecidas em vários
Estados-Membros do foro.” MOTA, Helena. Os efeitos patrimoniais do casamento e das uniões de facto registadas
no Direito Internacional Privado da União Europeia. Breve análise dos Regulamentos (UE) 2016/1103 e 2016/1104,
de 24 de Junho. Revista Electrônica de Direito - 2017 - p.1-33.
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cooperação reforçada com recepção e adesão por apenas 18 dos Estados-membros. Aos moldes
do Regulamento (UE) 1259/2010 do Conselho, de 20 de Dezembro de 2010, que cria uma
cooperação reforçada no domínio da lei aplicável em matéria de divórcio e separação judicial.
Apresentam um desenvolvimento coerente em matérias de princípios e institutos,
conforme os Regulamentos anteriores. Dão continuidade à primazia do critério da residência
habitual em detrimento da nacionalidade das partes, externam princípios de Autonomia
Conflitual, Reserva de Ordem Pública, Aplicação Universal, Forum Necessitatis e Exclusão do
Reenvio. E representarem uma vitória, mesmo que parcial, deste processo de harmonização em
matéria de relações familiares e sucessórias, por contemplarem a complexa área das relações
matrimoniais e parceirias registadas.
À análise dos capítulos dos Regulamentos (UE) 2016/1103 e 2016/1104, estes iniciam-
se pelos seus âmbitos de aplicação material. Respectivamente: AArtigo 1º: O presente
regulamento é aplicável aos regimes matrimoniais;” e “Artigo 1º: O presente regulamento é
aplicável aos aspetos patrimoniais associados às parcerias registadas.” Desde já se mostra a
principal diferença entre eles, o tipo da relação familiar ao qual regulam os efeitos patrimoniais.
Suas regras de competência encontram-se no Capítulos II, dos artigos 4º a 19º, e de lei
aplicável no capítulo III, dos artigos 20º a 35º149. O âmbito de aplicação temporal é extraído
literalmente dos respectivos e idênticos artigos 69º, no sentido de que devem ter sido instauradas
as ações, estabelecidos e registrado os atos autênticos, e homologada a transação judicial, antes
de 29 de janeiro de 2019. No âmbito territorial, ambos são instrumentos de cooperação
reforçada, vinculantes a 18 países150.
149Helena Mota assim sumarizou os critérios de competência: Aforos exclusivos e automáticos (arts. 4.º e 5.º), foros
supletivos/subsidiários (art. 6.º), foros eleitos (art. 7.º), foros baseados na comparência do requerido (art. 8.º), foros
alternativos (art. 9.º), foros residuais (art. 10º) e forum necessitatis (art. 11º).”, E prosseguiu quanto a lei aplicável
do Regulamento (UE) 2016/1103, ao qual o Regulamento (UE) 2016/1104 tem estrutura idêntica (apesar de
diferenças dentro das disposições dos artigos sobre autonomia conflitual): AEm termos muito genéricos e como
notas principais caracterizadoras das opções conflituais tomadas, o Regulamento 2016/1103 rege-se, como já
referimos, pelo princípio da universalidade (art. 20.º) e também pelo princípio da unidade (art. 21.º) da lei aplicável
que será a mesma e única lei, independentemente da localização dos activos abrangidos pelos regimes de bens.
Postula ainda o princípio da autonomia conflitual (art. 22.º, 23.º e 24.º), limitada, e dá primazia à aplicação da lei
da residência habitual comum dos cônjuges em detrimento da lei nacional (art. 26.º, n.º 1), imobilizando o elemento
de conexão e flexibilizando a aplicação da regra de conflitos através de uma cláusula de excepção (art. 26.º, n.º 3).
Prevê a possibilidade de mudança voluntária da lei aplicável na constância do casamento, admitindo, nesses termos,
a sua eficácia retroactiva (art. 22.º, n.º 2) e normas de defesa dos terceiros (arts. 22.º, n.º 3, e art. 28.º)”. op.cit. 150 Suécia, Bélgica, Grécia, Croácia, Eslovênia, Espanha, França, Portugal, Itália, Malta, Luxemburgo, Alemanha,
República Checa, Países Baixos, Áustria, Bulgária, Finlândia e Chipre.
49
4 - Reconhecimento de decisões
O objetivo da Cooperação Judicial e Reconhecimento de decisões151, não só em matéria
civil e comercial, mas também penal, administrativa e demais, sempre foi um dos principais
objetivos da União Europeia, desde a Convenção de Bruxelas em 1968. Um ponto de destaque
dos regulamentos em estudo, são suas previsões quanto ao reconhecimento, executoriedade e
execução das decisões estrangeiras, mas estes capítulos dos Regulamentos referem-se apenas à
cooperação entre Estados-membros. Portanto, a esta disposições só nos cabe a menção, por não
se relacionarem diretamente à questão das relações extracomunitárias.
Um aspecto interessante é a reserva de ordem pública no reconhecimento de decisões e
atos públicos de Estados-terceiros, quando a cooperação judicial constar no Regulamento do
tema, a exemplo do artigo 25º, alínea a) do Regulamento (CE) 04/2009152. Mesmo nesse caso,
permanecem os critérios de reconhecimento no Direito interno dos Estados-membros, e suas
respectivas ordens públicas. Também “pode ocorrer, eventualmente, que os pressupostos do
reconhecimento de uma sentença estrangeira, conforme um tratado internacional, sejam mais
rígidos em relação àqueles da legislação de origem interna. Nesses casos, a doutrina postula,
com razão, a aplicação da legislação mais liberal de origem interna” 153.
Por estas razões, é importante demonstrar como as regras de reconhecimento de decisões
e atos públicos extracomunitários incidirão na prática, especialmente quando estes resultarem
da competência dos Estados-terceiros atribuída pelas disposições comunitárias, novas ou
residuais, ou das regras supletivas dos Estados-membros (em situações absolutamente, não
apenas relativamente extracomunitárias) 154.
151 ACom o avanço no processo de integração europeu, a cooperação judicial afirmou-se como meio de
concretização do mercado interno europeu, consolidando as competências e atribuições da união consagradas
desde o Tratado de Amsterdam.” RIBEIRO, Geraldo Rocha. A europeização do direito internacional privado e
direito processual internacional. Revista Julgar nº 23 – 2014 –p.266-292. 152AArtigo 24. Motivos de recusa do reconhecimento. Uma decisão não é reconhecida: a) Se o reconhecimento for
manifestamente contrário à ordem pública do Estado-Membro em que é pedido o reconhecimento. O critério da
ordem pública não pode ser aplicado às regras de competência;” 153RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional Privado. Teoria e Prática. São Paulo. Ed. Saraiva, 2015,
17 edição, p. 73ss 154Cfe referências 97-99, deste capítulo.
50
V – Principais obstáculos e repercussões práticas:
Como abordado nos capítulos anteriores, o estudo das relações familiares e sucessórias
extracomunitárias no Direito Internacional Privado da União Europeia permeia dificuldades
práticas e teóricas. O que exige diversos estudos para fundamentar as opções legislativas e
jurisprudenciais que definirão os conceitos-quadros e os elementos que conexão que afetarão
diretamente os sujeitos destas relações. 155
Além da densificação do quadro da extracomunitariedade em áreas como o Direito de
Família e Sucessões, Direito Comunitário, Direito Internacional Público e claro, o Direito
Internacional Privado (nos âmbitos do conflito de leis e jurisdições, cooperação judicial, direito
da nacionalidade e dos estrangeiros), é importante o estudo do Direito Comparado156, com foco
nos principais fluxos migratórios e as possíveis dificuldades.
Neste sentido, além da diferença entre imigrantes e refugiados, também pode-se
observar uma distinção entre os principais Estados-terceiros de onde aqueles se originam:
Grande parte são ex-colônias onde as instituições familiares e o Direito interno se
desenvolveram com grande influência da cultura e doutrinas europeias157, e outros são Estados
terceiros (alguns também ex-colônias) que construíram sua sociedade com outra cultura que
não a judaico-cristã 158 , e seu direito com outras raízes que não as da família romano-
germânica159. Á primeira vista, pode parecer que as maiores dificuldades se encontrarão no
155AA norma de conflitos compõe-se de dois elementos: o conceito-quadro e o elemento de conexão. O conceito-
quadro designa na nroma de conflitos, a matéria, questão jurídica ou sector normativo a que se refere a norma. O
elemento de conexão estabelece o critério fáctico ou normativo mediante o qual no caso concreto se há de eleger
uma e apenas uma das leis em conflito." RIBEIRO, Manuel de Almeida. Introdução ao Direito Internacional
Privado. Coimbra, Ed Almedina, 2000, p. 29. 156ASão várias as finalidades do Direito Comparado. Mediante análise e o estudo dos direitos estrangeiros, pode-
se chegar a uma melhor compreensão do direito interno. O direito comparado pode oferecer alternativas para o
legisladorm quando se trata de reformar a legislação doméstica. O mesmo direito comparado revela, ainda, o
padrão internacional das soluções adotadas nos diferentes sistemas jurídicos. (...) Por exemplo na Europa (União
Europeia) e também na América do Sul (Mercosul), o estudo profundo do direito comparado pode desempenhar
um papel importante na promoção e harmonização do direito numa primeira fase, capaz de se aperfeiçoar com sua
uniformização num período posterior.” RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional Privado. Teoria e
Prática. São Paulo. Ed. Saraiva, 2015, 17 edição, p. 73ss. 157Como o Brasil, Angola e Cabo Verde, em relação à Portugal; Venezuela, Colômbia e Argentina em relação à
Espanha; Marrocos, Argélia e Senegal à França etc. Sem adentrar na especificidade da influência mais ampla das
escolas jurídicas francesa e germânica. 158 ADICEY também referia: Athe rules of (so-called) private international law only apply among Christian
StatesA apud GIL, Ana Rita. Do reconhecimento de efeitos jurídicos a casamentos poligâmicos. Working Papers
da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, nº 1, 2008. 159Como os países árabes onde não há distinção entre Estado e religião, regiões de conflitos na África e Oriente
Médio, e outras civilizações milenares como da China e Índia. Esta última que, apesar de ser também ex-colónia
europeia, tem bases jurídicas completamente distintas. Conforme BÜCHLER, Andrea. Islamic Law in Europe?:
Legal Pluralism and its Limits in European Family Laws (Cultural Diversity and Law) London, Ed. Routledge,
51
segundo grupo. Porém, em relação a estes, já existe a consolidação do princípio da primazia da
residência habitual quanto ao foro e lei aplicável, o que afastaria a aplicação de leis exóticas ou
incertas 160 , ou o conflito negativo de jurisdições, nas causas com relações familiares e
sucessórias extracomunitárias do tipo que nos focamos: as formadas por um ou mais imigrantes
ou refugiados, residentes na União Europeia.
Além disso, já estão consolidadas posições jurisprudenciais que afastam a aplicação de
disposições estrangeiras, extracomunitárias ou não, que violem princípios fundamentais,
através da Reserva de Ordem Pública nacional ou internacional. O mesmo ocorreria quanto ao
reconhecimento de decisões ou atos públicos estrangeiros que possuíssem essa característica
violadora. Neste sentido podemos incluir o repúdio e a poligamia161, e outras discriminações
por gênero, etnia, religião ou opção sexual (ainda que muitos dos avanços sejam recentes no
mundo ocidental162). Ainda assim, o estudo das instituições do direito islâmico é essencial para
que os decidentes possam equilibrar os interesses públicos e privados, o que além de fortalecer
a segurança jurídica e a harmonia internacional, ajudarão a integrar os costumes destes cidadãos
extracomunitários aos valores europeus de igualdade e respeitos às diferenças.
Quanto ao primeiro grupo citado, dos países que tiveram seu direito desenvolvido com
forte influência europeia, muitos já possuem vedações a disposições ou instituições familiares
que violem os princípios fundamentais, mas que ainda possuem posições essencialmente
opostas às vigentes na Europa.
2011. AFrom its beginnings, Islam has been just as interested in law as in theology, the more so as law is central to
its message. Moreover, Islamic family law has a direct bearing on Muslim men and women living in Europe,
especially since family life and religious conviction are closely linked. The question of whether there is a right to
cultural identity in a family-law context is one which Europe is predisposed to take seriously.”” NORONHA, Elgar.
O Direito Português na Jurisprudência e Legislação Indiana. Conferência ICJ. FDL. Lisboa, 2015, p2. AO sistema
jurídico Indiano é modelado no Britânico e é portanto fortemente casuístico. A legislação deixa larga margem à
interpretação judicial ao contrário do que prevalece nos sistemas continentais europeus.” 160Neste sentido ANa Índia, ressalte-se, é admitida a consciência da eqüidade como fonte subsidiária ao seu sistema
jurídico, conforme explicado no preâmbulo deste item e em consonância às explicações de René David em Traité
Élémentaire de Droit Civil Comparé [p. 369]. CAMPOS NETO, Antonio. AO Hinduísmo, o direito hindu, o direito
indiano.” Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo v. 104 p. 71 - 111 jan./dez. 2009 161AE de facto, esta questão tem vindo permanentemente a ser usada como exemplo académico para demonstrar
um caso inequívoco e indiscutível de aplicação do mecanismo de excepção de o.p. internacional. Entre nós, A.
FERRER CORREIA, Lições..., cit., p. 413, em Espanha: AFONSO-LUIS CARAVACA E JAVIER GONZÁLEZ,
Derecho Internacional Privado, vol. I, 3ª ed., Editorial Comares, Granada, 2002, p. 296, em França: BERNARD
AUDIT, Droit International Privé, 2éme édition, Economica, Paris, 1997, p. 265, em Itália: TITO BALLARINO,
op. cit., p. 308”. Apud GIL, Ana Rita. Do reconhecimento de efeitos jurídicos a casamentos poligâmicos. Working
Papers da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, n. º1, 2008, p. 4. 162Como em Portugal, onde reformas reais para a igualdade de gêneros só ocorreram em 1977: ANesse sentido,
entre nós, o princípio da igualdade dos cônjuges feriu de inconstitucionalidade as normas do nosso Código Civil
que colocavam a mulher casada em situação de inferioridade em relação ao marido, sujeitando-as ao poder marital.
A Reforma de 1977 adaptou o regime conjugal aos novos preceitos constitucionais.” COELHO, Francisco e
OLIVEIRA, Guilherme de. Curso de Direito da Família, vol. I, 2ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2001, p. 147.
52
Neste sentido analisaremos algumas repercussões práticas dos conceitos e posições
analisados anteriormente, em situações que desafiam a qualificação e a atribuição de lei a
jurisdição à relação familiar e sucessória extracomunitária, utilizando como exemplo o regime
da União Estável no Brasil, e do divórcio no Marrocos163:
1 - A união estável no Brasil:
O Brasil é um dos países que justificam uma perspectiva detalhada quanto ao Direito
Comparado. Por ser uma ex-colônia de Portugal, de onde herdou boa parte da cultura e a
influência jurídica romano-germânica, e por ser um país que teve sua legislação desenvolvida
como um país de imigração, mas que hoje é também um país de forte emigração164, assim como
diversas outras nações latino-americanas de características sociais similares.
As uniões civis, formalizadas ou não, são um instituto familiar de crescente relevância,
por fazerem parte da realidade social e legislativa no mundo, e por ser uma alternativa aos
países que excluem a possibilidade de casamento de pessoas do mesmo sexo165 , apesar de
possuírem tratamentos muito distintos em cada ordenamento. Na realidade brasileira, a
formalização do matrimônio não é apenas uma questão de opção, mas sim de possuir condições
para isso, por isso, a instituição familiar da União Estável (conhecida em Portugal como União
de Facto, e regulada pela União Europeia como Parceria Registada), possui efeitos patrimoniais
163País que agrupa características de ambos os grupos, por ter estabelecido relações de caráter colonial com França
e Espanha, e incorporado portanto idiomas e instituições jurídicas europeias, mas ao mesmo tempo ter suas raízes
culturais na religião islâmica. 164 Além de participar participa do Mercosul, OEA, CIDIP, e ser membro da Conferência de Haia ao lado de
Argentina, Chile, Uruguai, Venezuela, Costa Rica, Equador, México, Peru e Paraguai. 165 Sobre as dificuldades dessa conciliação: ADuas soluções têm sido aventadas: estes Estados poderiam aplicar o
Regulamento 2016/1103 limitando-se a reconhecer, não a validade do casamento ou o estado civil criado no
estrangeiro, mas apenas a situação factual à qual atribuiriam efeitos patrimoniais nos termos da lei designada pelo
Regulamento ─ no fundo, aplicando uma versão atenuada da OPI; ou recorrer-se-ia a uma espécie de downgrading
da relação considerando este casamento como uma pareceria registada, submetendo-a assim à aplicação do
Regulamento 2016/1104 cujas regras são, no essencial, muito semelhantes. Será a solução preferida na Alemanha,
Itália ou Áustria cujas leis nacionais não reconhecendo o casamento de pessoas do mesmo sexo, admitem a união
de facto registada de pessoas do mesmo sexo, sendo essa precisamente a solução pela qual os esposos teriam
optado se acaso residissem habitualmente nesses países.” MOTA, Helena.: Os efeitos patrimoniais do casamento
e das uniões de facto registadas no Direito Internacional Privado da União Europeia. Breve análise dos
Regulamentos (UE) 2016/1103 e 2016/1104, de 24 de Junho. Revista Electrônica de Direito - 2017 - p.1-33
53
equiparados ao regime de bens da comunhão parcial166, mesmo sem formalização167. De acordo
com o Regulamento (UE) 2016/1104, uma união estável (ou de facto) entre um brasileiro e um
europeu, ou entre brasileiros que residissem na Europa só estaria no âmbito do Regulamento se
fosse registada, conforme seu artigo 3º168, mas ainda assim, os Estados-membros não seriam
obrigados a reconhecer a parceria registada nestes termos169.
Portanto, em âmbito prático, imaginemos que um casal formado por dois brasileiros em
união estável (e sem desejo de formalizar matrimônio) deseje viver na Europa. Antes de viajar
decidem formalizar União Estável, a fim de proteger patrimônio deixado no Brasil. Não
declaram o regime de bens, confiantes no regime supletivo de comunhão parcial.
Primeiramente, se coloca a questão de qual foi o país de destino na União Europeia.
Decidiram por Portugal pela proximidade cultural, e por ser um país signatário do Regulamento
2016/1104, e que portanto reconhece este instituto. Do ponto de vista formal, não haveria
problemas no reconhecimento da união estável registada (enquadrada portanto, na referida
norma). Também não haveria problemas graves quanto ao elemento de conexão, já que
atualmente ambos residem no mesmo país.
O problema estaria no reconhecimento de seus efeitos, já que as regras heterônomas
quanto à União Estável, no Brasil, e a União de Facto, em Portugal, possuem tratamentos
essencialmente distintos. Em Portugal, a legislação interna ainda não confere direitos similares
ao casamento, “ficou intocada a situação sucessória dos membros da união, não foi fixado
qualquer regime de bens nem obrigações alimentares ou indemnizações pela ruptura da
relação”. Atribui-se, como é legítimo, os “efeitos naturais a uma relação natural”. 170 Já na
166No termos da lei 8971/1994, que regula o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão, e estabeleceu
elementos conceituais da união estável a convivência entre homem e mulher não impedidos de casar ou separados
judicialmente; por mais de cinco anos, ou tendo; enquanto não constituírem nova união, e do Código Civil
brasileiro, de 2002: AArtigo. 1.725: Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às
relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.” 167 Dissociada portanto, da parceria registada, conforme considerando 16 do Regulamento 2016/1104: AAs
disposições relativas às formas de união diferentes do casamento variam em função das legislações dos Estados-
Membros, devendo distinguir-se entre os casais cuja união é formalmente consagrada pelo registo de uma parceria
junto de uma autoridade pública e os casais que vivem em união de facto. Embora alguns Estados- -Membros
regulamentem as uniões de facto, estas deverão ser dissociadas das parcerias registadas, que têm um caráter oficial
que permite ter em conta a sua especificidade e definir regras sobre esta matéria na legislação da UE.” 168Artigo 3º, inciso 1: APara efeitos do presente regulamento, entende-se por: a) «Parceria registada», o regime de
vida em comum entre duas pessoas que é previsto por lei, cujo registo é obrigatório ao abrigo dessa lei e que
satisfaz as formalidades legais exigidas por essa lei para o seu estabelecimento;”. 169 E Considerando 17: AA noção de «parceria registada» deverá ser definida aqui apenas para efeitos do presente
regulamento. O conteúdo específico desta noção deverá continuar a ser definido pelo direito nacional dos Estados-
Membros. O presente regulamento em nada deverá obrigar os Estados-Membros cuja lei não consagre o instituto
da parceria registada a preverem-no na sua lei nacional.”. Ambos do Regulamento 2016/1104. 170 Conforme MOTA, Helena. O problema normativo da família: breve reflexão a propósito das medidas de
protecção à união de facto adotadas pela Lei n.º 135/99, de 28 de Agosto. Estudos em comemoração dos cinco
54
legislação, jurisprudência171 e doutrina172 brasileira, apesar de reconhecerem o paradigma do
casamento, fazem equiparação ao no regime de comunhão parcial de bens.
Portanto, caso ocorra a dissolução consensual da união ou o falecimento de um dos
sujeitos, não haveriam grandes problemas quanto á atribuição de competência, que ficaria a
cargo do Estado-membro responsável pela ação da sucessão, ou que fosse chamado a decidir
sobre a dissolução, conforme artigos 4º e 5º do Regulamento (UE) 2016/1104 das parceirias
registadas. Como não houve escolha manifestada quanto à lei aplicável, além da regra geral do
artigo 26º, inciso 1173, o mesmo artigo traz uma disposição flexibilizadora no inciso 2. O que,
juntamente ao princípio da aplicação universal, no artigo 20º, permitiria o reconhecimento da
lei brasileira, no sentido de que Aa) Os parceiros tiveram a sua última residência habitual
comum nesse Estado durante um período significativamente longo; e b) Ambos os parceiros
tinham invocado a lei desse outro Estado ao organizarem ou planearem as suas relações
patrimoniais.” Porém, este seria o desfecho apenas no caso de dissolução consensual. Caso as
partes não entrem em acordo quanto à competência, teríamos cumulativamente a situação do
Forum Shopping, e de Acorrida para o tribunal”. A parte que tivesse mais interesse no regime
da comunhão parcial de bens, precisaria Acorrer” ao local do primeiro domicílio conjugal, e
pleitear o fim da união estável, e seus efeitos.174 Já a outra parte, interessada nos Aefeitos
naturais” da união de facto, poderia pleitear a lex fori no Estado-membro (“Artigo 6º, b) Em
anos (1995-2000) da Faculdade de Direito da Universidade do Porto - 2001 - p. 535-562. 171 AUNIÃO ESTÁVEL – DISSOLUÇÃO – PARTILHA – BENS MÓVEIS – PROVA. Comprovada a união
estável, os bens adquiridos na constância da vida em comum devem ser partilhados de forma igualitária, pouco
importando qual tenha sido a colaboração prestada individualmente pelos conviventes. Recurso provido. (TJRS -
Apelação Cível 70.018.869.891- Relatora: Desembargadora Maria Berenice Dias). 172 AO casamento foi, é e parece que continuará sendo, na cultura ocidental, o mais forte paradigma de constituição
de família. Diante disto, para a regulamentação das relações patrimoniais na união estável, o regime de bens no
casamento foi tomado como referência. Caracterizada a união estável, os bens adquiridos na constância da relação,
a título oneroso, pertencem a ambos os conviventes. Com dissolução desta união estável, o patrimônio será
partilhado nos moldes do art. 1.658 e seguintes deste Código. Portanto, não há necessidade de prova de esforço
comum na aquisição destes bens, cuja presunção já era prevista no art. 5 º da Lei nº 9.278/96.” PEREIRA, Rodrigo
da Cunha. Colaboradores Ana Carolina Brochado Teixeira; et.al. Código civil e legislação correlata da família.
Porto Alegre: Síntese, 2003. p. 206. 173Que excepcionalmente remete ao local do ato, e não à residência habitual: A1. Na ausência de acordo de escolha
de lei nos termos do artigo 22.o, a lei aplicável aos efeitos patrimoniais das parcerias registadas é a lei do Estado
nos termos da qual a parceria registada foi estabelecida.” 174Conforme a regra da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, de onde emanam as principais regras
de Direito Internacional Privado, artigo 7º, § 4: “O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país
em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal.” E no mesmo
sentido: ”Também o sistema brasileiro permanece firme na defesa do carácter institucional da regra de conflitos
relativa ao regime de bens: é aplicável a lei do domicílio comum (art. 7º, p. 4º da Lei de introdução ao Código
Civil de 4-9-1942) e, na falta desta, a lei do primeiro domicílio conjugal.” Mota, Helena. Algumas considerações
sobre a autonomia da vontade conflitual em matéria de efeitos patrimoniais do casamento. Estudos em homenagem
ao Professor Doutor Jorge Ribeiro de Faria - 2003 – p311.
55
cujo território os parceiros tinham a última residência habitual, desde que um deles ainda aí
resida à data da instauração da ação).
Portanto, mesmo que o casal tenha registrado sua parceria na vigência temporal do
Regulamento 2016/1104, (após 29 de janeiro de 2019), e tenha buscado legitimar seu regime
de bens de diversas formas, as partes desta relação estariam sujeitas a diversas incertezas. Por
exemplo se o casal brasileiro tivesse escolhido outro país a viver na Europa que não fosse
signatário do Regulamento. Ou que eles não tivessem buscado se resguardar perante as
jurisdições às quais se colocaria perante (de forma a comprovar o vínculo conjugal, ou mesmo
sua residência habitual, à exemplo de imigrantes ilegais). Ou que, mesmo que optassem por
formalizar matrimônio posteriormente, e fossem residir num Estado-membro não signatário dos
Regulamentos (UE) 2016/1103 e (UE) 1259/2010 (portanto não vinculados às respectivas
previsões da Aplicação Universal ou do Forum Necessitatis efeitos patrimoniais e divórcio).
Ou a existência ou não do reenvio na norma reguladora de sua situação jurídica (que no caso
do falecimento de um dos parceiros, incorreria reenvio, conforme previsão do Regulamento
650/2012 o que poderia incluir ou não as disposições de direito internacional privado
brasileiras). Diversas hipóteses onde as expectativas das partes (com manifestações de vontade
ou não) perderiam ainda mais centralidade, contrariando o propósito do Direito Internacional
Privado175, e da própria União Europeia. 176
2 - O divórcio no Marrocos:
A relação dos povos europeus com povos islâmicos da África e Oriente Médio é
historicamente conturbada 177 , e na maioria das vezes este contato se resumia a relações
comerciais e diplomáticas, ou conflitos armados. Porém, com o recente aumento do trânsito
175AO direito europeu ocidental – laico e secularizado – e o direito muçulmano – religioso, manifestação da vontade
divina – são um exemplo paradigmático de como um conflito de normas pode desembocar num verdadeiro conflito
de civilizações, que se fará sentir com toda a sua premência nas situações respeitantes ao direito da família.” GIL,
Ana Rita, Do reconhecimento de efeitos jurídicos a casamentos poligâmicos. Working Papers da Faculdade de
Direito da Universidade Nova de Lisboa, n. º1, 2008. 176UNIÃO EUROPEIA. Programa de Estocolmo – Uma Europa aberta e segura que sirva e proteja os cidadãos
[Jornal Oficial C 115 de 4.5.2010]. Bruxelas, 2010, p. 8: AUm espaço europeu de liberdade, de segurança e de
justiça deve ser um espaço em que todas as pessoas, incluindo os nacionais de países terceiros, beneficiem do
pleno respeito dos direitos consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.” 177UNIÃO EUROPEIA. Programa de Estocolmo – Uma Europa aberta e segura que sirva e proteja os cidadãos
[Jornal Oficial C 115 de 4.5.2010]. Bruxelas, 2010, p. 8: AUm espaço europeu de liberdade, de segurança e de
justiça deve ser um espaço em que todas as pessoas, incluindo os nacionais de países terceiros, beneficiem do
pleno respeito dos direitos consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.”
56
intercontinental e das relações privadas de caráter extracomunitário, o contato dessas culturas
no âmbito das relações familiares e sucessórias está cada vez mais próximo, e muitas vezes em
caráter permanente178. Por isso, a primazia da residência habitual para jurisdição e lei aplicável
visa integrar estes imigrantes, que podem se encontrar sem acesso às instituições europeias, ou
normas supletivas para divórcio e regime de bens quando as regras de conflitos remetam à
nacionalidade. Inclusive, o próprio conceito de nacionalidade é controverso, e muitos povos e
nações islâmicas usam a religião como elemento para atribuição do estatuto pessoal, inclusive
na área do Direito de Família e Sucessões com sua religião.
Ainda assim, essa imposição da residência habitual como elemento de conexão
supletivo na atribuição competência e lei aplicável em diversos regulamentos pode entrar com
em conflito com outras concepções de Direitos nos Estados terceiros de origem, resultando na
aplicação indiscriminada da reserva de ordem pública nacional e internacional, quanto à lei
aplicável e o reconhecimento, ou do Forum Necessitatis, quanto à competência. Ou ainda mais
grave, na formação de sistemas de direito paralelos, vinculados às comunidades religiosas.179
Porém, recentemente o Marrocos destacou-se no cenário internacional com a
promulgação de um Código da Família180 que ampliou direitos das mulheres, e fez uma notável
integração entre instituições jurídicas islâmicas e europeias181.
Neste sentido podemos destacar o instituto do repúdio 182 , que está presente nesta
178 AThe concept of nationality-based jurisdiction in private international law hails from the era of the Aguest
worker”, when it was wrongly assumed that the immigrants brought in to rebuild Europe would eventually leave
their host countries again, so that their Adistinctness” should be preserved.” BÜCHLER, Andrea. Islamic Law in
Europe? Legal Pluralism and its Limits in European Family Laws (Cultural Diversity and Law). London, Ed.
Routledge, 2011, p12. 179 ANevertheless, parallel systems of family law based around religious communities are not a realistic and
desirable prospect for Europe, especially since they must necessarily pose a challenge which the theory of law
tailored to the individual cannot possibly meet.”. BÜCHLER, Andrea. Islamic Law in Europe? Legal Pluralism
and its Limits in European Family Laws (Cultural Diversity and Law). London, Ed. Routledge, 2011, p. 132. 180 AA aplicação do novo Código da Família em fevereiro de 2004 foi amplamente aplaudida pelos diferentes
agentes políticos, econômicos e sociais (partidos políticos, organizações dos direitos do homem, associações de
mulheres...). Este avanço em envergadura marca uma reviravolta decisiva para um Marrocos voltado ao futuro e
decididamente engajado num processo de democratização e modernização irrevogáveis. O processo de reforma da
Moudawana vem ilustrar essa longa caminhada da democracia que poderá constituir uma experiência
extremamente instrutiva no plano pedagógico, tanto em termos dos direitos das mulheres quanto em termos de
democratização da sociedade." AFILAL, Rachida. ADo Moudawana ao Código da Família: processos e conteúdos
de uma reforma estratégica”. Cadernos Pagu, (30), 2016, pp. 121-135. 181APara comprender el proceso de emancipación de la mujer marroquí hay que seguir la evolución de sus derechos
desde los albores de la Independencia del país. La importante reforma de la Moudawana (Código de Estatuto Civil)
de 2004, es el resultado de la implicación efectiva y eficaz de todos los actores, Rey Gobierno y sociedad civil.
Como opción modernista y democrática, el nuevo Código de la Familia saca su fuerza de la Chari’a (ley islámica)
y se inspira en la dimensión humana y en los principios de los derechos del hombre.” BENLABBAH, Fatiha.
AIslam y derechos de la mujer en Marruecos”. Cadernos Pagu, (30), 2016 pp. 95-106. 182ADe facto, a religião islâmica vê o casamento como um contrato facilmente rescindível por parte do marido, a
quem basta dizer anti talaqti ou mutallaqa («Eu repudio-te!») três vezes para o ver terminado. Por conseguinte, o
57
codificação marroquina, mas foi acompanhado de previsão equivalente para as mulheres,
juntamente com a necessidade de ratificação ou intermediação pelo Poder Judiciário das
resoluções, especialmente quanto aos acordos pré-nupciais (que podem prever a poligamia com
até quatro esposas), separação dos bens e questões de guarda e obrigações alimentares.
Historicamente, as instituições familiares exóticas foram afastadas de acordo com a
ordem pública interna, o que ampliava o espectro de justificativas do decidente. Atualmente o
repúdio é afastado não por julgamento moral183 do ato, mas por violar do direito à igualdade
entre os cônjuges184. Em abordagem similar à da poligamia, um dos grandes tabus da sociedade
ocidental, que hoje em dia é afastada não só pelo aspecto cultural, mas por ser uma prerrogativa
ligada geralmente ao sexo masculino. 185
Assim como a União Estável no Brasil pode servir como um ponto de partida para
solucionar algumas dificuldades que circundam esse instituto, o estudo do tratamento jurídico
do divórcio no Marrocos, e a recepção desta lei estrangeira no espaço da União Europeia,
podem servir para conformar estes conceitos, os pressupostos de validade, funcionalizá-los no
sistema de regras de conflitos de leis e jurisdições europeus, e assim garantir a segurança
jurídica e as expectativas das partes nas relações extracomunitárias, através da análise da
incidência e eficácia, da aplicação jurisprudencial e administrativa.
repúdio constitui uma prerrogativa unicamente masculina, exercida de forma unilateral e discricionária, pois não
é necessário ao marido invocar qualquer motivo para que disso dependa a sua validade. A decisão de repudiar a
esposa corresponde ao marido e não cabe a esta negar-lhe essa faculdade ou exigir que este motive a sua decisão.”
DIAS, Mariana M. S. O reconhecimento do repúdio islâmico pelo ordenamento jurídico português: a exceção de
ordem pública internacional. Revista Julgar n º23 – 2014 - Editora Coimbra – p 293-315. 183ANão podendo estes invocar a sua moralidade pessoal para decidir do problema em causa, mas sim os valores
políticos que pertencem ao mais razoável entendimento da concepção pública e dos respectivos valores de Justiça
e da razão pública.” JOHN RAWLS, A Lei dos Povos, Trad. de Luís Castro Gomes, Quarteto Editora, Coimbra,
2000, p. 173. 184 Neste sentido as conclusões do Advogado-Geral da União Europeia, Conclusões Do Advogado-Geral Henrik
Saugmandsgaard, apresentadas em 14 de setembro de 2017: AProcesso C-372/16 Soha Sahyouni contra Raja
Mamisch. Reenvio prejudicial — Competência do Tribunal de Justiça — Regulamento (UE) n.o 1259/2010 —
Cooperação reforçada no domínio da lei aplicável em matéria de divórcio e separação judicial — Âmbito de
aplicação — Artigo 1.o — Reconhecimento de um divórcio de natureza privada, registado por uma instância
religiosa num Estado terceiro — Artigo 10.o — Exclusão da lei estrangeira aplicável — Acesso ao divórcio
discriminatório em razão do sexo dos cônjuges — Análise in abstrato do caráter discriminatório — Irrelevância
do eventual consentimento do cônjuge discriminado.” 185 AO casamento poligâmico é definido pela doutrina como sendo Aum regime matrimonial monoândrico
poligínico simultâneo” Cfe. ANNAMARIA GALOPPINI, AProblemi Familiari tra Diritto Italiano e Diritto
Musulmano”, Revista Critica del Diritto Privato, Napoli, a.221, n.1 (Marzo 2003), p. 167 apud GIL, Ana Rita,
Do reconhecimento de efeitos jurídicos a casamentos poligâmicos. Working Papers da Faculdade de Direito da
Universidade Nova de Lisboa, n. º1, 2008.
58
V – Conclusão
Conforme os fatos, normas e reflexões apresentados, pode-se afirmar que:
A União Europeia é uma instituição supranacional sui generis, originada num tratado
internacional, mas que hoje ultrapassa esse conceito e concentra poderes e competências dos
Estados-membros. E que o livre trânsito de pessoas e mercadorias pelo território comunitário
exigiu normas para integrar os ordenamentos e garantir a segurança jurídica das situações
privadas internacionais. Quanto ao Direito Internacional Privado europeu, este teve início com
os objetivos acima, mas acabou formando uma área temática própria. Após o Tratado de Lisboa
de 2007, foi reafirmada a competência legislativa, e no Programa de Estocolmo de 2010 foi
constatada a necessidade de intervenção no âmbito das relações familiares e sucessórias
internacionais.
Desde então, o Direito interno dos Estados-membros vem sendo Aeuropeizado” através de
regulamentos comunitários com disposições e regras de conflitos de leis e jurisdições relativos
às obrigações alimentares internacionais (2009), sobre o divórcio internacional em 2010, as
sucessões deste tipo em 2012, e o regime de bens do casamento e parceirias registadas, em 2016.
Quanto à migração e cidadãos extracomunitários, enquanto ocorriam os debates e
publicações comunitárias, conflitos e crises econômicas aumentaram exponencialmente o
número de nacionais de Estados-terceiros com destino ao território europeu. Estes podem ser
considerados imigrantes ou refugiados, conforme normas internacionais e europeias, mas ainda
existem muitas divergências no âmbito dos direitos internos. Quanto aos cidadãos
extracomunitários no território da União Europeia, estes representam um fator positivo para a
manutenção da população e da força de trabalho186, e para o aumento na frequência das relações
familiares e sucessórias extracomunitárias187. E portanto, para a necessidade de soluções aos
186 AEm 1900, a Europa representava cerca de 25 % da população mundial, ao passo que, em 2060, deverá
representar menos de 5%. Nessa altura, nenhum Estado-Membro terá mais de 1% da população mundial.” UNIÃO
EUROPEIA. Livro Branco sobre o Futuro da Europa. COM (2017) 2025. Bruxelas, 2017, p. 8 e também
AMigration is a major factor of population change in Europe and is highly relevant to issues such as population
ageing, and the current and projected future size and structure of the labor market. There have also been extensive
legislative and policy developments at national and European level aimed at increasing the economic integration
and social inclusion of international migrants, with further measures to monitor and prevent discrimination.”
THOROGOD, David. Migration statistics in Europe – the effects of differences in concepts and definitions. IN.
28th CEIES Seminar, Luxembourg: Office for Official Publications of the European Communities, 2005, p15. 187AAcresce que entre os Estados-membros da União Europeia esta tendência é reforçada pelo funcionamento das
liberdades comunitárias de circulação de pessoas, mercadorias, serviços e capitais. O que conduz a um incremento
das situações transnacionais.” VICENTE, Dario Moura. Liberdades comunitárias e direito internacional privado.
Cuadernos de Derecho Transnacional, Octubre de 2009: 179-220, p181.
59
desafios que decorrer do choque com institutos familiares e sucessórios muito inovadores,
extremamente arcaicos, ou apenas diferentes.
Portanto, as dificuldades se apresentam quando relacionada a europeização do Direito
Internacional Privado dos Estados membros, com o crescimento exponencial nos fluxos
migratórios originários diversos países e culturas, que não eram antecipados durante esse
processo de uniformização e harmonização.
No campo das relações familiares e sucessórias, os Regulamentos analisados começam
a formar um sistema que soluciona problemas conflituais recorrentes de competência e lei
aplicável em matéria de Direito de Família e Sucessões transnacionais, e trazem, em grande
maioria, os mesmos princípios, nomeadamente a Primazia da Residência Habitual, o Forum
Necessitatis, Exclusão do Reenvio, Autonomia Conflitual, Reserva de Ordem Pública, e
Aplicação Universal, economizando recursos e promovendo a harmonia internacional.
Todas estas incidem de forma impressiva sobre a relações familiares e sucessórias com
elemento de conexão extracomunitário, e diante dos fluxos migratórios, os litígios com estes
elementos se tornarão mais frequentes. Portanto, os Estados-membros precisarão estar
preparados para esta demanda, uma vez que muitas das novas previsões são estranhas às partes,
advogados188 e decidentes189. Neste contexto, o tema ganha relevância do tema não só para o
público europeu, mas também dos países terceiros, que observarão casos onde o novo Direito
Internacional Privado da União Europeia se apresentará como um bloco, frente ao respectivo
Direito Internacional Privado interno. 190
O Direito de Família e Sucessões trata de uma diversidade de questões ultrapassam a
fronteira jurídica, vinculado ao aspecto cultural da nação. Além disso, o desfecho processual
não esgota os efeitos jurídicos da decisão ou solução obtida, pois estes perduram no tempo191,
188 AO advogado a quem foi confiada uma causa com conexão internacional não pode limitar-se a examinar a
competência internacional e o direito aplicável segundo a lex fori. Cumpre-lhe indagar em que outros Estados, a
justiça se declara, da mesma forma, internacionalmente competente para julgar a mesma causa, e qual é o direito
aplicável nesses estados, conforme as normas de direito internacional privado ali vigentes.” RECHSTEINER, Beat
Walter. Direito internacional Privado. Teoria e Prática. São Paulo. Ed. Saraiva, 2015, 17 edição, p. 74. 189AA integração europeia e os pequenos passos dados pela unificação internacional do Direito material, longe de
diminuírem a importância prática do Direito Internacional Privado, têm contribuído para o seu aumento, pela
introdução de novas fontes (no caso da integração europeia) e pela colocação de novos problemas (no que toca a
unificação internacional). Disto mesmo dá conta uma abundante jurisprudência. PINHEIRO, Luis de Lima. Um
Direito Internacional Privado para o Século XXI: Relatório. Lisboa, Ed. AAFDL, 2001, p10. 190AA isto acresce a afirmação da UE como bloco normativo capaz de celebrar convenções com Estados terceiros,
como é o caso da Convenção relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em
matéria civil e comercial (AConvenção de Lugano”) aprovada por Decisão 2009/430/CE do Conselho, de 27 de
Novembro de 2008.” RIBEIRO, Geraldo Rocha. A europeização do direito internacional privado e direito
processual internacional. Revista Julgar nº23 – 2014 – Editora Coimbra, p266-292. 191 AA estabilidade e continuidade das relações privadas é outro interesse merecedor de protecção, intimamente
60
marcando a entidade familiar para sempre. O que exige dos operadores do Direito envolvidos
grande conhecimento jurídico, apelo conciliatório e sensibilidade, especialmente quando
envolverem incapazes. Cada caso deve ser tratado com as precauções necessárias a minimizar
o abalo da situação concreta, e promover a reconstrução ou construção de um novo pólo familiar.
As relações familiares e sucessórias têm uma importância fundamental, porém, também
são, historicamente, um campo onde mais riscos se impõem aos polos mais fracos da relação,
seja por gênero192, idade ou poder econômico193. Por isso, a solução não está somente com a
liberação de recursos para políticas de integração e assistencialismo a imigrantes e refugiados194,
mas também com a garantia de seus direitos através de vias administrativas e judiciais eficientes.
O processo de europeização, especialmente quanto ao Direito Internacional Privado, tira
os critérios de conexão das relações familiares e sucessórias do campo do direito dos Estados-
membros195, onde se desenvolveu, e as traz para o direito comunitário. É necessário que esta
perspectiva sirva como instrumento de realização de direitos e garantias fundamentais, e seja
funcionalizada196 de forma a proteger estas relações de incertezas políticas e jurídicas que
ligado ao respeito pelos direitos adquiridos, e aos valores da segurança e certeza jurídicas. CORREIA, António
Ferrer. Codificação do Direito Internacional Privado – Alguns Problemas, Separata dos volumes LI, LII, LII e
LIV do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1999. 192 AA família, como parte da estrutura básica, não pode violar essas liberdades. Já que as esposas são iguais
cidadãos em conjunto com os maridos, possuem todos os direitos, liberdades e oportunidades que eles. JOHN
RAWLS, A Lei dos Povos, Trad. de Luís Castro Gomes, Quarteto Editora, Coimbra, 2000, p. 145. Na perspectiva
da integração islâmica: AA modernização do direito muçulmano neste domínio tem vindo a ser feita, a maior parte
das vezes, através do estabelecimento de limites à celebração de casamentos poligâmicos. Neste sentido, várias
têm sido as legislações que têm vindo, se não a eliminar o instituto, quanto muito a dificultar o mesmo, como é o
caso da marroquina.” GIL, Ana Rita, Do reconhecimento de efeitos jurídicos a casamentos poligâmicos. Working
Papers da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, n. º1, 2008. 193ALa famille passe ainsi graduellement de l'institution au nœud de contrats, avec les risques induits sur les plus
faibles de ses membres.” SÈVE, René. Introduction. p1-5. La famille en Mutation. Tome 57, Archives de
Philosophie du Droit. Ed. Dalloz, 2014. 194AThe migrant crisis during much of 2015 and 2016 resulted in the European Commission announcing proposals
for an emergency assistance instrument within the EU. The plan allocates some EUR 700 million of aid (over a
period of three years) to help avert a humanitarian crisis and to be able to deliver more rapidly food, shelter and
healthcare, as required by refugees within the EU. In April 2016, the European Commission adopted a
Communication (COM (2016) 197 final) launching the process for a reform of the CEAS. This included options
for a fair and sustainable system for allocating asylum applicants among EU Member States, a further
harmonization of asylum procedures and standards to create a level playing field across the EU and thereby reduce
pull factors inducing irregular secondary movements, and a strengthening of the mandate of the EASO. ” UNIÃO
EUROPEIA. Eurostats: Asylum Statistics 12/01/2018, p13. Acesso em 15/06/2018, disponível em:
http://ec.europa.eu/eurostat/documents/3433488/5584984/KS-SF-12-031-EN.PDF/be48f08f-41c1-4748-a8a5-
5d92ebe848f2 195 AAo fragmentar-se, o sistema de regras que expressava o entendimento das questões cuja regulação era
tradicionalmente integrada na parte geral do DIPRIV, perde a unidade que o justificava, deixando pois de
corresponder a uma visão coerente dos problemas postos pela aplicação das regras da nossa disciplina, o que
acarreta como consequência o desaparecimento de uma verdadeira parte geral no sistema de direito internacional
privado actualmente em vigor nos Estados-membros.” RAMOS, Rui Manuel Moura. Estudos de Direito
Internacional Privado da União Europeia. Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, p65. 196
AA funcionalização resulta de um reexame das soluções tradicionais à luz de considerações teleológicas (entre
61
possam interferir de forma negativa na conformação e aperfeiçoamento deste sistema.
O direito internacional privado clássico exige um nível elevado de abstração197, avaliado
à parte dos pedidos da relação processual.198 Porque, de fato, a definição de competência ou lei
aplicável pode ser debatida e revertida em âmbito interno e internacional, de acordo com a
fundamentação dos interessados e a apreciação do decidente. O interesse primordial do Direito
Internacional Privado, de harmonia jurídica internacional, e certeza e estabilidade jurídica199,
nao pode se desvincular do interesse primordial da realização dos direitos humanos,
especialmente em temas tão sensíveis como migração e família.
Se já existia dificuldade de conciliação em âmbito europeu, mais complicada se torna
quando envolve elementos de estraneidade mais distantes, e questões com tendência de
consenso jurídico e social, podem tomar outros rumos. E mesmo em países de matriz jurídica
europeia, como o Brasil, de influência romano-germânica, ou Estados-Unidos, com raízes na
Common Law, pode-se observar grandes diferenças no direito material, sobre regimes
matrimoniais, união de facto, divórcio, alimentos e sucessões, e quanto às regras de conflitos
de leis e jurisdições, elementos de conexão e a autonomia da vontade.200
Para isso, devem ser enfrentadas as dificuldades de delimitação e conceituação
apresentadas, conformando as influências da experiência norte-americana no direito europeu201,
elas a jurisprudência dos interesses, a jurisprudencia sociológica e a jurisprudência das valorações) e do
desenvolvimento de novas soluções mais adequadas aos fins. A Afuncionalização” resulta ainda de novos
entendimentos sobre operações metodológicas envolvidas na interpretação e aplicação da norma de conflitos (em
especial a qualificação), que orientando-se pelas finalidades específicas do Direito Internacional Privado também
tomam em conta o conteúdo e a função das normas materiais dos ordenamentos em presença.” PINHEIRO, Luis
de Lima. Um Direito Internacional Privado para o Século XXI: Relatório. In Revista da Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa. 2001, p45. 197AEm virtude de a estrutura própria do direito internacional privado atingir um alto grau de abstração, deve-se
diferenciar entre as várias disciplinas e ramos do direito, destinados a resolver conflitos de leis no espaço,
respeitando-se a autonomia científica de cada um.” RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional Privado.
Teoria e Prática. São Paulo. Ed. Saraiva, 2015, 17 edição, p. 33. 198AO direito internacional privado pode ser comparado a um jogo de xadrez, de natureza peculiar eis que as peças
brancas e pretas não são movimentadas por dois jogadores, em posições opostas, mas por um só. Há, de início um
ligeiro embate, mas a final, as peças se harmonizam.” DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado - O
Princípio Da Proximidade E O Futuro Da Humanidade. Revista de Direito Administrativo UFF – 2004 – pp. 139-
146. 199 No domínio do DIP, é a valores de certeza e estabilidade jurídica que cabe primazia: a justiça do direito de
conflitos é eminentemente de cunho formal.” CORREIA, António Ferrer. O novo Direito Internacional Privado
português: Alguns princípios gerais. Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra – Vol. XLVII. Coimbra, 1972,
p. 30. 200AEfectivamente, apesar do importantíssimo traço de união entre eles que a obra do Professor Álvaro Machado
Villela representou, ainda hoje Portugal e Brasil estão profundamente separados no que toca ao relevo de que a
autonomia da vontade disfruta em ambas ordens jurídicas, aquém e além-Atlântico.” SANTOS, Antônio Marques.
Algumas considerações sobre a autonomia da vontade no Direito Internacional Privado em Portugal e no Brasil.
In Estudos em homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço, volume 1, Coimbra, Ed. Almedina,
2002, p81-151. 201Neste sentido, há que se reconhecer que as clássicas regras de conexão representam uma armadura pesada,
62
mas sem deixar de lado a tradição de consolidação das normas em um corpus definido.202
Harmonizar as regras de conflitos sem torná-las demasiado rígidas. Questões como ordem
pública, aplicação universal e forum necessitatis se tornarão cada vez frequentes, e tomadas de
posições serão cada vez mais necessárias. E a União Europeia não pode dar passos atrás, de
forma que a europeização do Direito Internacional Privado traga um efeito de proteção, e não
de insegurança, às relações familiares e sucessórias internacionais, europeias ou
extracomunitárias.
A fragmentação do Direito Internacional Privado da União Europeia e a consequente
inconsistência (em alguns temas) devem ser enfrentados. APara isso será necessário limar
ainda muitas arestas, como vimos, uniformizar as questões gerais (reenvio, qualificação,
ordenamentos plurilegislativos, ordem pública internacional…), articular a lei aplicável assim
como as regras de competência em matérias que surgem paralelas nos litígios, de modo a evitar
que, ao invés de cumprir-se o “sonho” de Savigny se crie uma manta de retalhos difícil de
entender e especialmente de aplicar.” 203
De forma que essa ampla reforma no sistema das relações familiares e sucessórias
internacionais, oponível às dezenas de milhões de imigrantes extracomunitários residentes na
União Europeia, sirva como suporte para esses cidadãos poderem ter segurança e liberdade em
relação às instituições familiares que participam, e que estas funcionem como instrumento de
aproximação social e realização pessoal.204
apertada, uma camisa de força um tanto inconfortável. da qual é válido querer se desvencilhar um pouco. Nisto os
americanos nos ajudaram, pois sua crítica ao sistema clássico foi tão contundente que o mundo acordou. Os
europeus reconhecem hoje que devem a modernização do seu direito internacional privado à chamada Arevolução
americana" no seu "Conflict of Laws” DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado - O Princípio Da
Proximidade E O Futuro Da Humanidade. Revista de Direito Administrativo UFF – 2004 – pp. 139-146. 202APara além de dar aqui conta deste facto, que assim entronca na melhor tradição universalista da nossa disciplina,
salientando a emergência de um novo corpus de regras de Direito Internacional Privado, cujo desenvolvimento se
encontra em aberto, podendo vir a fazer-se em diversas direcções, não sendo de resto a linha geral que o tem
impulsionado ficado isento de críticas, importa-nos contudo chamar ainda atenção para certos aspectos que esta
situação veio ocasionar.” RAMOS, Rui Manuel Moura. Estudos de Direito Internacional Privado da União
Europeia. Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, p62. 203MOTA, Helena. O presente e o futuro das relações familiares e sucessórias internacionais no Direito da União
Europeia. Um ponto da situação. Revista Electrônica de Direito - 2013 – p.1-26. 204ADe muitas formas a família limita o indivíduo e, pois, o sacrifica na sua pretensão de liberdade. Reversamente,
possibilitando-lhe a realização pessoal pelos contatos mais profundos a que dá origem, ela também o liberta, isto
é, promove-lhe a personalização através do outro, de forma verdadeiramente insubstituível.” MACHADO, João
Baptista. Liberdade e Família.. Comunicação à VII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil.
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