UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
ANA KARINA LOIOLA DE OLIVEIRA
ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde do Trabalhador no Ceará
FORTALEZA - CEARÁ
2013
ANA KARINA LOIOLA DE OLIVEIRA
ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde do Trabalhador no Ceará
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Sociedade, da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Políticas Públicas e Sociedade.
Orientador: Prof. Dr. João Bosco Feitosa dos Santos.
FORTALEZA – CEARÁ
2013
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Estadual do Ceará
Biblioteca Central Prof. Antônio Martins Filho Bibliotecário(a) Responsável – Thelma Marylanda Silva de Melo CRB-3 / 623
O48a Oliveira, Ana Karina Loiola de
Assédio moral no cenário do trabalho flexível: desafios da vigilância em saúde do trabalhador no Ceará / Ana Karina Loiola de Oliveira. — 2013.
CD-ROM. 142f .:il. (algumas color.) ; 4 ¾ pol. “CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho acadêmico, acondicionado em caixa de DVD Slin (19 x 14 cm x 7 mm)”. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual do Ceará, Centro de Estudos Sociais Aplicados, Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade, Fortaleza, 2013.
Área de Concentração: Ciências Sociais Aplicadas.
Orientação: Prof. Dr. João Bosco Feitosa dos Santos.
1. Assédio moral. 2. Precarização. 3. Saúde do trabalhador. 4. Políticas públicas de saúde. I. Título.
CDD: 362.10981
À minha única e amada irmã, Juliana, pelos exemplos de
dedicação, inteligência e carinho; pelos livros alugados, os
lanches preparados, a paciência nos meus momentos de
angústia, as conversas de minutos ou de horas, as mensagens
de ‘eu te amo’ no celular.
Aos meus pais, Carlinhos e Graça, pelo amor incondicional e
gratuito, pelas orações à santinha de Schoenstatt, pelas
demonstrações de apoio, confiança, consolo, incentivo; pela
união em todos os momentos das nossas vidas.
À minha vozinha, Laurinda (in memorian), pelo exemplo de
força e coragem, pelos aprendizados e pelo carinho a mim
dedicados durante a existência comigo compartilhada.
À minha grande amiga, Ana, que encontrei nessa caminhada e
que se tornou uma grande fonte de inspiração e carinho.
AGRADECIMENTOS
Aos meus familiares e amigos, por seu apoio e incentivo antes e durante a realização desta pesquisa.
Aos meus colegas e professores da pós-graduação em Políticas Públicas e Sociedade/MAPPS, pelos anos em que contribuíram, de forma direta ou indireta, para meu aprendizado e meu crescimento pessoal.
À secretária do MAPPS, pela atenção, incentivo e colaboração nos processos de vivência do mestrado.
Ao meu orientador, Prof. Dr. João Bosco Feitosa dos Santos, pelo apoio, pela partilha de conhecimento e pelas críticas que me proporcionaram grande crescimento nesta fase de minha trajetória acadêmica.
Aos profissionais de saúde dos Centros Estaduais de Referência em Saúde do Trabalhador/CEREST de Fortaleza, Horizonte, Quixeramobim, Tianguá, Juazeiro do Norte, Aracati e Sobral que se dispuseram a contribuir com esta pesquisa participando das entrevistas.
À Dra. Fátima e toda a equipe de profissionais do Centro Estadual de Referência em Saúde do Trabalhador-CEREST/CE, por facilitarem e incentivarem minha pesquisa e meu aprendizado oferecendo apoio, conhecimento e participação nos eventos organizados.
Às professoras Regina Heloisa Mattei de Oliveira Maciel e Rosemary de Oliveira Almeida, por se disponibilizarem prontamente a conhecer e avaliar minha pesquisa por meio da banca examinadora.
Aos meus pais e à minha irmã, pela confiança, amor e dedicação eternos.
Às amigas Graça Lessa e Ana Marques, pelo carinho, apoio, dedicação e partilha de experiências.
No caminho com Maiakóvski
“Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor
do nosso jardim. E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem; pisam as flores,
matam nosso cão, e não dizemos nada.
Até que um dia, o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada. (...)"
Eduardo Gomes da Costa
RESUMO
Este trabalho apresenta os resultados da pesquisa: Assédio Moral no Cenário do Trabalho Flexível: desafios da vigilância à Saúde do Trabalhador no Ceará. Tem por objetivo analisar a percepção dos profissionais de saúde acerca dos desafios e possibilidades da atuação em promoção e prevenção em Saúde do Trabalhador, sobretudo no que se refere às vítimas de assédio moral. Os locais de cuidado estabelecidos como campo de pesquisa foram os oito principais Centros de Referência em Saúde do Trabalhador-CEREST do estado do Ceará. A metodologia utilizada consistiu numa apreensão teórica acerca do assédio moral, bem como das condições gerais de precarização do trabalho no contexto sócio-histórico das relações de trabalho da contemporaneidade e da trajetória das políticas públicas brasileiras de Saúde do Trabalhador. Em seguida, por meio de análises de prontuários e de entrevistas com profissionais de saúde dos centros, foram encontrados resultados que, estudados e analisados, permitiram classificar as demandas dos entrevistados sob os aspectos das relações de poder, das fragilidades das políticas de Saúde do Trabalhador em termos de gerenciamento, financiamento, prioridades nas ações de vigilância e prevenção dos danos à saúde relacionados ao trabalho; do estabelecimento do nexo causal; da atuação em conjunto com outros serviços; do adoecimento dos próprios profissionais de saúde devido ao desgaste e à precarização do trabalho. Esses resultados apontam uma relação entre as condições de trabalho inseridas no contexto social, econômico e cultural e a ocorrência de atos de violência moral. Apontam, ainda, para a ineficiência das políticas públicas no atendimento e encaminhamento das vítimas de assédio moral. As conclusões da pesquisa inferem a necessidade de novos e aprofundados estudos que possam subsidiar a atuação dos órgãos de atenção à saúde do trabalhador e, sobretudo, a construção de um meio ético de trabalho.
Palavras-chave: Assédio moral. Precarização. Saúde do trabalhador. Políticas Públicas de saúde.
ABSTRACT This paper presents the results of the research: Moral Harassment in Flexible Working Scenario: challenges for surveillance in workers' health in Ceará. It aims to analyze the perception of health professionals about the challenges and possibilities of promotion and prevention activities in Occupational Health, especially regarding to victims of bullying. The health care places established as research field were eight Reference Centers in Occupational Health-CEREST in Ceará. The methodology consisted of a theoretical apprehension about bullying, as well as the general conditions of precarious work in the socio-historical context of labor relations and the contemporary history of Brazilian public policies of Occupational Health. Then, through analysis of medical records and interviews with health centers professionals, results, studied and analyzed, allowed us classifying the demands of respondents under the aspects of power relations; weaknesses of Occupational Health policies in terms of management, funding priorities for surveillance and prevention of damage to health related to work, establishment of the causal link, acting in conjunction with other services, illness among health professionals themselves due to wear and job insecurity . These results indicate a relationship between working conditions, inserted in the social, economic and cultural fields, and the occurrence of acts of moral violence. Also they reported to the inefficiency of public policies in the care and referral of bullying victims. The research findings infer the need for new and in-depth studies that can support the work of the organs of the health care worker, and especially the construction of an ethical work environment. Keywords: Bullying/Mobbing. Precariousness. Health workers. Public Health policies.
SUMÁRIO
PARTE I 1 INTRODUÇÃO....................................................................................... 13 1.1 Interesse pela temática........................................................................... 13 1.2 Configuração do estudo.......................................................................... 14 1.3 Estruturação do estudo........................................................................... 18 2 O PROCESSO METODOLÓGICO DO ESTUDO.................................. 20 2.1 Local e período da coleta de dados........................................................ 21 2.2 Descrição do campo de pesquisa .......................................................... 22 2.2.1 O CEREST Estadual............................................................................. 22 2.2.2 Os CEREST Regionais......................................................................... 23 2.3 Sujeitos da pesquisa............................................................................... 24 2.3.1 Técnicas e ferramentas metodológicas............................................. 24 2.4 Análise e discussão dos resultados........................................................ 25 2.5 Aspectos éticos ...................................................................................... 26 3 ENTRE O MERCADO E A FLEXIBILIZAÇÃO: a construção de
perigosas relações laborais................................................................
27 3.1 Modelos de gestão científica e precarização do trabalho: um percurso
histórico .................................................................................................
28 3.1.1 Trabalho, subjetividade e direitos sociais ........................................ 34 3.1.2 A flexibilização levada à dimensão do privado .............................. 36 3.2 Assédio moral, precarização do trabalho e Saúde do Trabalhador ...... 41 4 ASSÉDIO MORAL NA CONTEMPORANEIDADE: riscos e desafios
à saúde do trabalhador .......................................................................
45 4.1 O problema do assédio moral ............................................................... 45 4.2 Assédio moral: um problema “delicado” para a Saúde Pública ............ 48 4.3 As relações de poder no assédio moral ................................................ 56 4.4 Estratégias de prevenção e enfrentamento ao assédio moral............... 65 4.5 A política de prevenção e enfrentamento ao assédio moral no Ceará.. 69 PARTE II 5 ASSÉDIO MORAL E OS DESAFIOS DA SAÚDE DO
TRABALHADOR NO SUS.....................................................................
73 5.1 Trabalho, saúde e políticas públicas: uma construção histórica............ 73 5.1.1 Antecedentes da Previdência e da Saúde Pública no Brasil........... 76 5.2 A questão da Saúde do Trabalhador no âmbito do SUS........................ 79 5.2.1 Estratégias de vigilância e promoção da saúde do trabalhador.... 81 5.3 O sistema de vigilância em Saúde do Trabalhador: RENAST/CEREST 87 5.4 A Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador no
Ceará.....................................................................................................
92 5.4.1 CEREST Estadual................................................................................ 94
5.4.2 CEREST Fortaleza............................................................................... 95 5.4.3 CEREST Horizonte.............................................................................. 96 5.4.4 CEREST Aracati .................................................................................. 97 5.4.5 CEREST Quixeramobim ..................................................................... 98 5.4.6 CEREST Sobral.................................................................................... 98 5.4.7 CEREST Tianguá................................................................................. 99 5.4.8 CEREST Juazeiro do Norte................................................................ 100 6 INTERFACES ASSÉDIO MORAL/SAÚDE, MENTAL/SAÚDE DO
TRABALHADOR...................................................................................
101 6.1 Análise de prontuários do CEREST Estadual....................................... 102 6.2 Análise das Entrevistas……………………………………………………. 104 6.2.1 A Estruturação/organização de trabalho.......................................... 105 6.2.2 As ações de vigilância....................................................................... 110 6.2.3 O nexo causal em Saúde Mental....................................................... 116 6.2.4 A promoção e a prevenção............................................................... 121 6.2.5 O problema da saúde do cuidador.................................................... 124 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................. 127 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................... 132 APÊNDICES......................................................................................... 139
13
1 INTRODUÇÃO
1.1 INTERESSE PELA TEMÁTICA
O estudo aqui desenvolvido advém de uma trajetória pessoal de estudos na área da
Saúde do Trabalhador, com ênfase no tema assédio moral. Ao desenvolver uma
pesquisa de graduação, no Centro Estadual de Referência em Saúde do
Trabalhador (CEREST) da cidade de Fortaleza, com usuários do serviço, obtive,
dentre outros resultados, um que foi considerado como ponto essencial que merecia
uma análise mais aprofundada. Pois constatei, por meio dos entrevistados, uma
deficiência em relação à atenção aos trabalhadores vítimas de assédio moral. Todos
os entrevistados pontuaram a dificuldade no encaminhamento das demandas
surgidas a partir da violência no ambiente de trabalho e suas consequências.
A deficiência no atendimento, pelo serviço público, às vítimas de assédio
moral se desdobra em diversas complicações que culminam na geração de
problemas de saúde, de convívio social e familiar, ao mesmo tempo em que
instituem a necessidade de se recorrer a variadas estratégias de enfrentamento
pessoais. Dentre as estratégias mais comuns, destacam-se: o auxílio de
medicamentos, a busca pela religião, o abandono do emprego, dentre outros.
A partir da constatação do fato mencionado, investigou-se, de maneira
informal, por meio da participação em reuniões nos sindicatos e no próprio CEREST,
a ocorrência de casos de assédio moral, e buscou-se fazer os encaminhamentos
possíveis, ao mesmo tempo em que também foram pesquisadas produções teóricas
que abrangessem discussões sobre a manifestação desse fenômeno na sociedade,
procurando saber qual a atuação dos órgãos de atenção ao trabalhador no que se
refere a esse tipo de violência.
Considerando as várias discussões produzidas, o número crescente de
denúncias de assédio moral não formalizadas e, portanto, não encaminhadas, assim
como demandas formalizadas, mas não efetivamente supridas, verificou-se, então, a
relevância do estudo no sentido da atuação dos serviços de atenção ao trabalhador,
visto que esse tipo de violência, ainda que sob novas formas e características, está
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intrinsecamente inserido no contexto dos novos arranjos trabalhistas na
contemporaneidade.
1.2 PROBLEMÁTICA DO ESTUDO
A cultura dos processos de trabalho reflete a lógica socioeconômica e determina
impactos na saúde do trabalhador em todos os seus aspectos. Se, por um lado, é
notável que as novas tecnologias reduziram alguns riscos ocupacionais, criando
ambientes de trabalho mais humanizados, por outro surgiram e surgem novos riscos
responsáveis por distúrbios mentais e psíquicos, em decorrência das exigências
incorporadas ao processo de trabalho, que induzem a sentimentos de medo,
incerteza, angústia e tristeza. Consistem em riscos invisíveis, de ordem psicossocial,
difíceis de serem evidenciados, mas que fazem adoecer (BARRETO, 2002).
Os trabalhadores encontram-se, portanto, em meio a rápidas e intensas
mudanças que afetam a vida contemporânea. Essas mudanças, necessárias à
manutenção da ordem capitalista, visam um caminho muitas vezes oposto à busca
pela qualidade de vida e melhores condições de trabalho1. Dessa forma, o ambiente
de trabalho se transforma num lugar de sofrimento onde o poder se exerce, não no
sentido do desenvolvimento de potencialidades pessoais e coletivas ou da
construção de um bem comum, mas, sim, influenciado por uma sociedade de
consumo que gera produção massificada e acentua a mais-valia, num processo de
captura da subjetividade do trabalhador. Nessa perspectiva, não se tem clareza do
lugar que os direitos sociais assumem nesse processo nem se há garantias de
trabalho digno aos trabalhadores na contemporaneidade.
O cenário da modernidade líquida, conforme propõe Bauman (2001), é
marcado pela globalização e pela evolução da tecnologia, ao mesmo tempo em que
é permeado por relações efêmeras, distanciamento afetivo e supervalorização do
dinheiro, fatores que influenciam também, negativamente, na saúde física e
psíquica, na atividade laboral e nas relações sociais do indivíduo.
1A autora Ellen Meiksins Wood (2006, p.40) afirma nesse sentido que o capitalismo “(...) apesar de seu dinamismo, (...) não é um modo eficiente de suprir as necessidades humanas. É certamente verdade que o capitalismo gerou grande progresso técnico e material, mas existe uma enorme disparidade entre a capacidade produtiva engendrada pelo capitalismo e o que ele, de fato, oferece”.
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De acordo com Sennett (2006), as formas de trabalho, assim como as de
poder, sofrem influência dos processos de instabilidade, perda de referência e
efemeridade das relações. Para o autor, prosperar em condições instáveis e
fragmentárias pressupõe o enfrentamento de três desafios pelo ser humano. São
estes: cuidar das relações de curto prazo; desenvolver novas capacitações e
potenciais; abrir mão de experiências vivenciadas anteriormente. Estes desafios
constituiriam uma nova cultura de formação do ser humano “ideal”. No entanto, o
próprio autor atenta para o prejuízo desse ideal cultural que prioriza a interrupção de
narrativas contínuas e a constituição de um cotidiano fragmentado e individualizado,
onde “as ‘transações’ tomaram o lugar das ‘relações’” (SENNETT, 2006, p.31).
Nesse contexto, temos observado o aumento de um tipo específico de
violência, nos ambientes de trabalho, configurado por abusos de poder,
manipulações perversas e desumanas que fazem adoecer, o assédio moral. Sendo
assim, instiga-nos questionar: como atuar preventivamente nesse contexto
fragmentário e discriminador? Como cuidar da saúde de quem é, ao mesmo tempo,
sujeito e vítima de um sistema de violenta movimentação? Cabe, então, discutirmos
como se manifesta, nesse cenário, o assédio moral a trabalhadores e, sobretudo,
como os profissionais de saúde, que lidam com esse tipo de violência,
experimentam e descrevem esse fenômeno, tanto do ponto de vista do atendimento
quanto da crítica/avaliação das políticas destinadas a amenizar e prevenir esta
prática.
Tendo em vista a dinâmica das relações de poder que envolvem as relações
sociais e partindo da proposta de se conhecer os processos de poder a partir de
suas estratégias de resistência (FOUCAULT, 1995), esta pesquisa tem como
objetivo principal a apreensão das vivências relacionadas ao atendimento e
encaminhamento de vítimas de assédio moral no cotidiano de trabalho por meio de
profissionais que atuam nesse nível de atenção à saúde do trabalhador, ou seja, os
Centros de Referência em Saúde do Trabalhador do Ceará. Ressaltamos que a
abordagem proposta está diretamente ligada à instabilidade posta pelos processos
de trabalho da contemporaneidade e sua repercussão sobre a saúde dos
trabalhadores.
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O assédio moral não é um tema novo, encontra-se nas origens das relações
de trabalho. No entanto, tem adquirido novas características ao longo das mudanças
históricas no campo do trabalho, estando relacionado à ampliação do setor de
serviços, à crescente complexidade organizacional do trabalho e à ampliação da
presença da subjetividade nas relações de trabalho, para a saúde e para a doença
no trabalho.
No contexto de ampliação elou flexibilização das condições de trabalho,
universo onde o assédio moral se manifesta, encontram-se políticas públicas de
atenção ao trabalhador. Estariam essas políticas preparadas para oferecer suporte
às demandas de assédio moral e demais formas de violência contra o trabalhador
contemporâneo?
As pesquisas atualmente realizadas no campo do assédio moral ainda se
concentram prioritariamente na perspectiva do assediado. A questão da ótica do
assediador é um ponto ainda obscuro para os pesquisadores. Leymann (1996)
ressalta, contudo, queé inútildiscutir quemcausou o conflitoouquem está certo,
mesmo que isso seja de interesse prático.Há outro ponto que precisa ser posto
inicialmente em questão: a discussão deum tipode agressãosocial e psicológicano
local de trabalho, o que pode levar aprofundas consequênciaslegais, sociais,
econômicas e mentaispara o indivíduo.
Outro fator a ser considerado é a reduzida produção bibliográfica sobre como
tratar o assunto e suas consequências, sobretudo em nível nacional (BARRETO,
2000). A maioria dos estudos se baseia nos parâmetros e discussões de autores
franceses (HIRIGOYEN,2002) e alemães (LEYMAN, 1996) que iniciaram
primeiramente debate acerca desse fenômeno. Apesar do aumento dos estudos
nacionais acerca do assédio moral, a questão da assistência às vítimas por meio de
órgãos e/ou políticas de atenção ao trabalhador ainda se mostram insuficientes.
É inegável, portanto, que a maior visibilidade do assédio moral no contexto
das relações de trabalho nos diz muito da necessidade de conhecer o assédio moral
para subsidiar políticas de intervenção sobre ele, posto que, mesmo sob novas
formas, a essência do problema perdura nos tempos atuais e resulta em
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consequências que não só desestabiliza o trabalhador, mas a sua família, o
ambiente organizacional e a saúde pública em geral.
Segundo o escritório brasileiro da Organização Internacional do Trabalho,
42% dos trabalhadores brasileiros já foram vítimas de assédio moral. Foi publicada
por essa mesma organização uma notícia a respeito da realização do I Encontro de
Participantes do Grupo de Apoio às Vítimas de Assédio Moral no Trabalho-GAVAM,
em novembro de 2007. O tema do encontro foi “Assédio Moral, risco invisível no
trabalho” (OIT, 2007).
Maciel et al. (apud GONÇALVES, 2006, p.35), em uma pesquisa com 2.609
trabalhadores do setor bancário, de 25 estados brasileiros, obtiveram que 33,89%
dos trabalhadores pesquisados haviam sido expostos, nos últimos seis meses, a,
pelo menos, uma situação constrangedora.
Existem hoje inúmeros projetos de lei em tramitação nos âmbitos municipal,
estadual e federal. O estado do Rio de Janeiro foi o primeiro, no Brasil, a aprovar
uma legislação contra o assédio moral, em 2002. No âmbito federal, há também
propostas de alteração do Código Penal, embora alguns pesquisadores questionem
a coerência dessas mudanças no contexto sócio-histórico e político-econômico do
país. O estado do Ceará, por sua vez, acaba de aprovar, em 2012, uma lei contra
assédio moral.
Leymann (1996) ressalta que o assédio moral é, antes de tudo, uma violação
dos direitos sociais conquistados ao longo de décadas pelas sociedades. A citação
descrita abaixo veio como uma necessidade de reflexão acerca da real gravidade
dos danos sociais e psicológicos causados pelo assédio moral. Por meio da fala de
Leymann, busca-se, também, chamar atenção para a necessidade de uma atuação
eficiente sobre esse fenômeno e suas consequências de tal maneira que o assédio
moral não represente uma forma tolerável de destruição da liberdade, da saúde e da
dignidade dos sujeitos.
[as] conseqüências (sic) são tão graves e abalam de tal forma o desequilíbrio pessoal, que deve ficar bem claroque este fenômeno deve ser visto principalmente como uma usurpação dos direitos civis do indivíduo. Estes casos mostram destinos muito rágicos, incluindo a violação dos direitos civis, que foram cerceados na maioria das
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sociedades por um longo tempo. Nas sociedades do mundo ocidental altamente industrializado, o local de trabalho é oúnico campo de batalha remanescente onde as pessoas podem "matar" o outro sem correr orisco de ser levado a tribunal (tradução livre, 1996, n.p.).
Vê-se, portanto, quão significativa essa violência tem se tornado. Ao mesmo
tempo, percebe-se que pouco tem sido feito no sentido de uma intervenção prática
sobre suas consequências na saúde do trabalhador.
Diante do exposto, o presente estudo se propõe a explorar o assédio moral
sob a perspectiva da atenção à saúde do trabalhador. A intenção inicial por este
aspecto foi entender a atuação da saúde pública sobre este tipo de violência,
identificando de que modo ele é percebido pelos profissionais de saúde e qual o
suporte oferecido pelas políticas públicas.
Sendo assim, buscou-se realizar um estudo sobre os desafios da atuação
sobre o assédio moral no trabalho percebido como expressão de sofrimento na
dimensão da subjetividade do trabalhador. No entanto, em virtude da escassez de
dados consistentes relacionados aos atendimentos dos casos de assédio moral,
optou-se por analisar alem dos acompanhamentos a esses casos de violência, o
desempenho geral dos mecanismos de atenção e encaminhamento das demandas,
suas potencialidades e provocações.
Para tanto, foi tomado como campo de pesquisa os Centros Estaduais de
Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) do estado do Ceará. Enfatiza-se,
nesta pesquisa, a perspectiva dos profissionais que lidam com as vítimas de
violência psicológica no cotidiano de trabalho. Busca-se ainda, nesse contexto,
discutir o papel das políticas de atenção ao trabalhador nas estratégias de cuidado
às vitimas de assédio moral em sua trajetória em busca da “cura”.
1.3 ESTRUTURAÇÃO DO ESTUDO
Para a concretização dos objetivos propostos, foi considerada, em nível didático, a
divisão do trabalho em duas partes. A Parte um (I) abrange a introdução e os
procedimentos metodológicos; nos dois capítulos teóricos,foi dada ênfase à
discussão acerca do trabalho e suas transformações, sobretudo a partir da década
de 1970, quando operaram uma reestruturação no capitalismo. Reestruturação esta
19
que repercute diretamente nas condições e nos processos de trabalho na
contemporaneidade. Essa discussão será tecida ao longo do capítulo três (3) desta
dissertação, intitulado: ENTRE O MERCADO E A FLEXIBILIZAÇÃO: a construção de perigosas relações laborais.
Posteriormente, ainda na Parte um (I), no capítulo quatro (4), ASSÉDIO MORAL NA CONTEMPORANEIDADE: riscos e desafios à saúde do trabalhador, aborda-se o assédio moral em si, enquanto elemento do processo de precarização
do trabalho, manifestado por meio de violência moral e psicológica e da violação dos
direitos sociais.
A Parte dois (II) constitui-se dos capítulos cinco (5) e seis (6) e se concentra
na discussão sobre os desafios de efetivação das políticas de Saúde do Trabalhador
com foco na atuação dos profissionais dos CEREST do Ceará no que diz respeito,
sobretudo, aos encaminhamentos dos casos de assédio moral.
No capítulo cinco (5), ASSÉDIO MORAL E OS DESAFIOS DA SAÚDE DO TRABALHADOR NO SUS, são descritas as políticas e/ou projetos relacionados à
saúde do trabalhador no campo da prevenção e eliminação do assédio moral. É
dado enfoque especial ao campo, apresentando o percurso da pesquisa, com
destaque na atuação dos profissionais que lidam com as vítimas de assédio moral
nos CEREST do Ceará,identificando-se ainda o perfil e as características dos
CEREST e sua inserção na Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do
Trabalhador (RENAST).
O capítulo final, intitulado INTERFACES ASSÉDIO MORAL/SAÚDE MENTAL/SAÚDE DO TRABALHADO,apresenta os resultados e a discussão da
trajetória de pesquisa. O título remete à contradição vivenciada pelos profissionais
dos centros de referência, na medida em que precisam lidar com expressões da
precarização das condições de trabalho, trazidas pelas vítimas de assédio moral sob
a forma de doenças físicas ou emocionais, ao mesmo tempo em que são também
sujeitos inseridos no mesmo contexto de exploração e precarização. O que remete a
uma discussão ampla acerca da atuação conjunta dos campos Saúde Mental e
Saúde do Trabalhador na busca pela efetivação do cuidado.
20
2 O PROCESSO METODOLÓGICO DO ESTUDO
A metodologia representa "o caminho do pensamento e a prática exercida na
abordagem da realidade" (Minayo, p.16). Para Chizzotti (2008), a pesquisa constitui
um esforço de observações, reflexões, análises e sínteses.
De acordo com Minayo (1994, p.25), “a pesquisa (…) se realiza
fundamentalmente por uma linguagem fundada em conceitos, proposições, métodos
e técnicas”. Apresenta-se, nesta etapa, uma abordagem acerca dos principais
aspectos metodológicos que constituíram esta pesquisa, bem como dos
instrumentos, procedimentos e técnicas de coleta e análise de dados.
No sentido de alcançar os objetivos propostos e analisar o material coletado,
parte-se da visão de provisoriedade, dinamismo e especificidade da questão social,
conforme apresenta Minayo (1994). Consideram-se no estudo as múltiplas
manifestações do fenômeno e suas implicações na vida pessoal e social dos sujeitos
no contexto das transformações sociais. Cabe ressaltar que essas transformações
repercutem na prática do assédio moral que se objetiva, por sua vez, em discutir
casos ou problemas na saúde do trabalhador sob seus vários aspectos.
Dessa forma, optou-se por realizar uma pesquisa de natureza qualitativa2,
uma vez que tem como objetivo analisar as ações de atenção ao trabalhador, vítima
de assédio moral, nos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador do estado
do Ceará por meio da vivência dos profissionais do sistema de saúde pública que
atuam no serviço. Utilizou-se, como ferramenta de investigação, a observação direta
da dinâmica dos centros, bem como entrevistas semiestruturadas e análise de
prontuários como procedimentos de pesquisa documental.
Este estudo, de caráter exploratório, não objetiva primariamente uma
caracterização do fenômeno assédio moral, muito menos de suas consequências
sobre a saúde dos trabalhadores. Busca-se, porém, compreender a perspectiva dos
2A pesquisa qualitativa compõe a esfera da “exploração” e do “subjetivismo”. Segundo Minayo (1994), a abordagem qualitativa “aprofunda-se no mundo dos significados das ações e relações humanas” no sentido de compreender a realidade dessas relações no seu contexto sócio- -histórico. Assim posto, a abordagem dialética na relação sujeito e objeto no processo de conhecimento “se propõe a abarcar o sistema de relações que constrói o modo de conhecimento exterior ao sujeito, mas também as representações sociais que traduzem o mundo de significados” (1994, p.24).
21
profissionais responsáveis pelo atendimento às vítimas dessa violência; o que tem
sido feito, quais os limites e possibilidades do serviço tanto do ponto de vista
operacional quanto subjetivo.
2.1 LOCAL E PERÍODO DA COLETA DE DADOS
A pesquisa tem como loci as unidades dos CEREST no Ceará, em que foram
definidos como informantes os profissionais envolvidos com a temática (diretores e
profissionais de saúde).
A pesquisa de campo realizou-se no período de outubro de 2012 a fevereiro
de 2013 nos oito Centros Estaduais de Referência em Saúde do Trabalhador
(CEREST), localizados nas cidades de Fortaleza (regional e estadual),
Quixeramobim, Sobral, Tianguá, Juazeiro do Norte, Aracati e Horizonte, órgãos
públicos do estado do Ceará referenciados em Saúde do Trabalhador.
O campo de estudo foi selecionado considerando sua importância no estado
do Ceará para o atendimento e o encaminhamento das vítimas de acidentes
decorrentes do trabalho, dentre outros acometimentos relacionados à saúde do
trabalhador, como LER/DORT, além das sequelas que resultaram em impacto
negativo no processo reabilitacional da vítima.
Durante o processo de pesquisa, foram realizadas cinco visitas ao CEREST
Estadual e uma visita em cada CEREST Regional, no sentido de observar as
estruturas físicas do campo, bem como realizar uma investigação acerca do
cotidiano de funcionamento das principais demandas surgidas, da composição das
equipes profissionais, dos principais serviços e encaminhamentos oferecidos.
Neste período, foram acompanhadas, informalmente, algumas reuniões em
sindicatos e em seminários promovidos pelo CEREST Estadual Manuel Jacaré, em
Fortaleza, cuja temática tratava do assédio moral e outros agravos à saúde do
trabalhador. Foram analisados, ainda, os prontuários de atendimento dos últimos
quatro anos registrados no CEREST Estadual. Não foi possível a análise de
prontuários nos CEREST regionais uma vez que a maioria destes passava por uma
mudança no quadro de profissionais e não dispunha destes dados até o momento
das entrevistas.
22
2.2 DESCRIÇÃO DO CAMPO DE PESQUISA
Os CEREST do Ceará constituem unidades de saúde vinculadas à Secretária do
Estado do Ceará e ao Ministério da Saúde, coordenadas pelo Núcleo de Atenção à
Saúde do Trabalhador/NUAST. Foram criadas por meio da ampliação da Rede
Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador/RENAST, integrada ao
Sistema Único de Saúde/SUS, sob a proposta de integralização da atenção à saúde,
da política nacional, com o objetivo de prestar suporte técnico-científico para o pleno
funcionamento da rede, contribuindo, assim, para a promoção, proteção e
recuperação da saúde dos trabalhadores.
O CEREST é referência no diagnóstico de doenças relacionadas ao trabalho,
possuindo equipe multiprofissional para orientar o trabalhador. É responsável pelo
suporte técnico e científico para a estruturação da Rede Estadual de Atenção
Integral à Saúde do Trabalhador, propõe uma atuação nos campos de assistência,
pesquisa, formação e vigilância mediante ações voltadas à atenção básica à saúde
do trabalhador. Entre suas principais atribuições, destacam-se: proporcionar suporte
técnico e científico para o aprimoramento de práticas assistenciais interdisciplinares
em saúde do trabalhador, por meio de projetos de intervenção; promover pesquisas
no campo de saúde do trabalhador; realizar programas de formação, capacitação e
especialização de Recursos Humanos na área de saúde do trabalhador; desenvolver
programas de educação em saúde relativos a questões saúde/trabalho para a
sociedade.
2.2.1 O CEREST Estadual
O CEREST-CE foi criado em 19 de setembro de 2002 e reconhecido pela Portaria
SAS/MS nº 109, de maio de 2003. Porém, só passou a atuar, efetivamente, em
agosto de 2005, vinculado, inicialmente, ao Hospital Geral César Cals enquanto era
realizada a reforma de um prédio histórico situado no centro da cidade de Fortaleza,
propriedade do industrial e médico Thomas Pompeu, onde agora está sediado.
Sua estrutura organizacional é composta por uma Diretoria, uma
Coordenação Administrativo-Financeira e uma Coordenação Técnica. Esta última,
23
subdividida em: assistência, projetos e pesquisa, educação e comunicação, e
vigilância; é formada por uma equipe multidisciplinar.
O CEREST-CE recebe e encaminha casos de assédio moral, de modo
efetivo, desde 2006. No período de 2007 a 2009, foram identificados 960 registros
de atendimento, entre consultas e retornos, dos quais um terço teve relação direta
com a prática de assédio moral. A ocorrência de registro no período permite deduzir
a média de 20 atendimentos mensais, dos quais sete de assédio moral.
No ano de 2010, pelo levantamento dos meses de janeiro a junho, destaca-se
discreto aumento: foram realizados 56 atendimentos registrados como assédio
moral, o que representa uma média de nove atendimentos mensais. A partir de julho
de 2010 até a conclusão da pesquisa, o CEREST-CE não dispôs de serviço de
atendimento psicológico. A profissional de psicologia do serviço assumia funções de
gestão e não de atendimento direto à demanda. Segundo os profissionais, durante
este período, não foram registradas quantidades relevantes de casos de assédio
moral no serviço.
O serviço conta também com o Grupo de Apoio à Saúde do
Trabalhador/GAST que reúne, uma vez por mês, trabalhadores que tiveram afetadas
a sua saúde e, consequentemente, seu convívio social em razão de problemas
associados ao ambiente de trabalho.
2.2.2 Os CEREST Regionais
A atuação dos CEREST regionais3 é semelhante à do CEREST Estadual, no
entanto, com particularidades inerentes a cada região. Cada CEREST referencia
uma determinada quantidade de municípios por meio das Coordenadorias Regionais
de Saúde/CRES4.
3No Capítulo 3, que trata das políticas de saúde do trabalhador, descreve-se,mais detalhadamente, a atuação dos CEREST regionais do Ceará. 4As CRES são os órgãos de representação da Secretaria da Saúde do Estado nas microrregiões de saúde. São responsáveis pela implementação das políticas estaduais de saúde em âmbito microrregional. Entre suas atribuições, estão o assessoramento na organização dos serviços nas microrregiões, a orientação, o planejamento, o acompanhamento, a avaliação e o monitoramento das atividades e ações de saúde em âmbito microrregional, promoção e articulação interinstitucional e a gestão do sistema de referência e contrarreferência nas microrregiões de saúde (Fonte: SESA).
24
Além dos oito CEREST abordados, sendo um (1) CEREST estadual e sete (7)
CEREST regionais, existe um (1) CEREST rural, localizado na cidade de Limoeiro
do Norte, criado em 2012. Contudo, dada sua recente inauguração, este não foi
incluído nesta pesquisa. Todos os CEREST restantes, com exceção do CEREST de
Quixeramobim, foram visitados.
2.3 SUJEITOS DA PESQUISA
Tendo em vista o objetivo de investigar os desafios e possibilidades de atuação dos
CEREST com relação às vítimas de assédio moral, o foco da pesquisa foi o corpo de
profissionais dos CEREST que lidam com a questão do assédio moral.
Em cada CEREST, considerando as possibilidades da instituição, foram
entrevistados dois profissionais, sendo um deles necessariamente diretor do serviço.
Porém, em um dos CEREST, não foi possível entrevistar o responsável pela direção.
Assim, totalizaram-se quinze (15) entrevistados dentre todas as áreas de atuação
que lidam diretamente no atendimento à demanda. Foi entrevistado, ainda, um
membro da comissão para elaboração da política de prevenção e combate ao
assédio moral na administração pública no Ceará.
No sentido de resguardar a identidade dos entrevistados ao longo da
discussão dos resultados, a identidade dos sujeitos e os campos de pesquisa serão
omitidos, assim como não serão identificados os CEREST a que pertencem cada
profissional. A título de análise, os entrevistados foram identificados apenas pela
atividade que desempenham nos centros. À atividade foi acrescentado um cardinal
referente à ordem das entrevistas. Por exemplo: Direção 1, Direção2, Enfermeira1,
Enfermeira2, Psicólogo1, Psicólogo2.
2.3.1 Técnicas e ferramentas metodológicas
As técnicas utilizadas na coleta de dados foram: entrevista semiestruturada, análise
de prontuário e observação direta registrada em diário de campo. As referidas
técnicas foram aplicadas durante todo o período da pesquisa. Como procedimento
inicial, observou-se a dinâmica geral da instituição estadual: quadro de profissionais,
demandas surgidas, encaminhamentos, eventos realizados. Concomitantemente,
realizou-se uma análise dos prontuários registrados nesta instituição nos anos de
25
2006 a junho de 2010, o restante não estava disponível. Posteriormente, realizaram-
se as visitas aos demais centros para aplicação das entrevistas.
Como ferramentas auxiliares, foram elaborados roteiros de pesquisa
documental e cadernos para anotação das observações de campo.
A Entrevista
A entrevista aplicada teve como base um roteiro com o objetivo de apreender as
principais demandas e encaminhamentos recebidos pelo serviço (CEREST); os
encaminhamentos realizados com relação aos casos de agravos mentais
relacionados ao trabalhador, sobretudo aqueles provenientes de denúncias de
assédio moral; bem como os desafios enfrentados pelos profissionais do serviço no
atendimento a essas demandas.
O roteiro foi dividido em três tópicos principais: identificação do profissional;
descrição das atividades e perguntas dirigidas. Há ainda um quarto tópico
direcionado a observações e informações adicionais da pesquisadora com relação a
dados que, porventura, possam não ter sido contemplados pelas perguntas
anteriores.
2.4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Os dados obtidos na investigação qualitativa foram avaliados por meio do referencial
da análise de discurso (CHIZZOTTI, 2008), obtido mediante transcrição das
entrevistas aplicadas, posterior à coleta de dados.
Para Chizzotti (2008), “a análise do discurso constitui-se como um tipo de
análise que ultrapassa os aspectos meramente formais da linguística, para privilegiar
a função e o processo da língua no contexto interativo (...)” (CHIZZOTTI, 2008,
p.116). O discurso em si é representado pelo autor como a expressão social do
sujeito diante do mundo no que explicita sua identidade. Está, portanto, situado em
um contexto sócio-histórico, só podendo ser compreendido na sua relação com os
processos cultural, socioeconômico e político (idem, p. 120-121).
Mediante a análise crítica do discurso, buscou-se compreender a
representação social e subjetiva dos indivíduos acerca do trabalho na área de saúde
26
e dos limites e possibilidades deste trabalho voltado à prevenção e/ou
encaminhamento dos casos de agravos causados em virtude do assédio moral.
A análise de prontuários e participação em eventos ligados à saúde mental e
trabalho, promovidos pelo CEREST-CE, subsidiou o estudo fornecendo dados
acerca das principais discussões, demandas e desafios enfrentados no campo da
saúde do trabalhador.
2.5 ASPECTOS ÉTICOS
O presente trabalho constitui uma pesquisa situada no campo da atenção à saúde
do trabalhador, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade
Estadual do Ceará, protocolado por meio da Plataforma Brasil, sob o número
09220612.4.0000.5534, conforme a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de
Ética em Pesquisa-CNEP.
Após abordagem inicial dos sujeitos, foram prestados os devidos
esclarecimentos e garantida a confidencialidade e o anonimato das entrevistas, bem
como assinados os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (em duas vias) e
o Termo de Compromisso (em uma via). As entrevistas apenas foram gravadas com
o consentimento dos entrevistados.
27
3 ENTRE O MERCADO E A FLEXIBILIZAÇÃO: a construção de perigosas relações laborais
O capitalismo ‘produziu’ o atual modo de produção capitalista Braverman (1980, p.30).
A flexibilização das condições de trabalho é um fenômeno cada vez mais notável no
cotidiano laboral, pois traz consigo sensíveis mudanças nas relações
capital/trabalho. De fato, “perdeu-se (...) a diferenciação entre as atividades e isso
ocorreu porque o que se rompeu (...) foram os limites entre as esferas pública e
privada” (Wagner, 2002, p.57). Essas mudanças nas formas de trabalho, já
discutidas por Marx e Arendt (WAGNER, 2002), acabam por gerar, na
contemporaneidade, o que Sennett (1988) chama de “esvaziamento da vida
pública”. Esse “esvaziamento”, por sua vez, percorre todos os âmbitos da vida do
sujeito e modifica sua relação consigo e com a sociedade em que vive. No mundo
do trabalho, isso se reflete de maneira generalizada afetando a vida dos
trabalhadores em todas as suas dimensões.
Sennett (1988) ressalta que a produção em massa, estimulada a partir da
Revolução Industrial, transformou a relação entre o sujeito que compra e o sujeito
que vende. A mistificação do objeto valoriza o papel do comprador em detrimento do
papel do vendedor ou do produtor. Essa nova forma de secularidade contribuiu,
segundo o autor, para o enfraquecimento do espaço público enquanto espaço de
interação. Apresenta-se aí uma dimensão intimista de sociedade povoada por
relações esvaziadas de conteúdo. Essas relações permeiam todo o cotidiano do
sujeito e se desdobram das mais variadas formas sobre suas relações laborais e
sociais, interferindo diretamente sobre sua saúde.
Para Sennett (1988), o capitalismo desenvolve uma natureza flexível, com
relações supérfluas no âmbito público, o que afeta o caráter pessoal dos indivíduos
e impede a construção de uma narrativa linear de vida com relações de trabalho
baseadas na exploração e afrouxamento dos laços de afinidade.
As reformas neoliberais no campo da saúde também se enquadram nesse
novo modelo flexível de produção, de redução de custos e aumento da
28
produtividade. Hennington (2011) cita estudos no referido campo, na América Latina,
que evidenciaram o aumento do estresse e da insatisfação no trabalho, a redução
da participação dos profissionais nas atividades em saúde, que demanda tempo
adicional, como capacitações, assim como o impacto negativo do enfoque na
produtividade sobre a atenção ao usuário.
Neste capítulo, busca-se tratar da questão da fragilidade destas relações
trabalhistas contemporâneas, inseridas no contexto de flexibilização do trabalho e da
desconstrução de relações estáveis no universo do funcionamento das relações de
poder, na medida em que essas relações vão conduzindo a um desgaste físico e
mental do trabalhador que é acelerado por práticas de exploração e violência cada
vez mais intensas e constantes, como o assédio moral ou psicoterrorismo
(LEYMANN, 1996), os quais serão foco principal nesta pesquisa.
Será discutido, a seguir, o lugar do trabalhador nesse contexto de
flexibilização e violência, enfatizando, sobretudo, a influência desse processo sobre
a estruturação e efetivação das políticas de Saúde do Trabalhador. Essa discussão
acima suscita, nesse processo, alguns questionamentos como: Qual a possibilidade
de separar e conciliar a vida pública e a vida privada? Como se encaixar em um
cotidiano onde a dinâmica social se molda não só pelas novas interações e formas
globalizadas de ver o mundo, mas também pela rapidez e a instabilidade? Como
lidar com a promoção da saúde do trabalhador quando os próprios trabalhadores da
saúde também são suscetíveis a essa precarização?
3.1 MODELOS DE GESTÃO CIENTÍFICA E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO:
UM PERCURSO HISTÓRICO
Um dilema se torna constante nas discussões sobre as condições de trabalho na
contemporaneidade. Braverman (1980) já apontava esse dilema em fins do século
XX. Segundo o autor, há uma contradição no processo de transformação
ocupacional.
Por um lado, dá-se ênfase a que o trabalho moderno, como consequência da revolução científico-tecnológica e da “automação”, exige níveis cada vez mais elevados de instrução, adestramento, emprego maior da inteligência e do esforço mental em geral. Ao mesmo tempo, uma crescente insatisfação com as condições de
29
trabalho industrial e de escritório parece contradizer essa opinião (BRAVERMAN, 1980, p.15).
As reconfigurações da sociedade, no campo do trabalho, vêm atendendo,
durante séculos, às necessidades de superação das crises do modo de produção
capitalista. Desse modo, é importante conhecer o percurso dessa transformação, a
partir do século XX, uma vez que este se desdobra até hoje influenciando o
cotidiano do trabalhador, além de afetá-lo direta e/ou indiretamente em suas
dimensões pessoal, social e profissional.
As novas tecnologias e fontes de energia possibilitadas pela Segunda
Revolução Industrial fomentaram a produtividade e a busca pelo lucro. Essas
inovações subverteram o modo de produção tradicional e passaram a exigir do
capitalista funções de coordenação e gerência no sentido de acabar com o
desperdício e a ociosidade operária. “O capitalista assumiu essas funções como
gerente em virtude de sua propriedade do capital” (BRAVERMAN, 1980, p.62).
Tendo criado novas relações sociais de produção, e tendo começado a transformar o modo de produção, [os capitalistas] viram-se diante de problemas de administração que eram diferentes (...) em relação às características do processo de produção anterior. Sob as novas e especiais relações do capitalismo, que pressupunham um “contrato livre de trabalho”, tiveram que extrair de seus empregados aquela conduta diária que melhor serviria a seus interesses (idem, p.68).
A revolução dos meios e técnicas de organização do trabalho ao longo do
desenvolvimento capitalista, operada inicialmente pelo modelo de gerenciamento
científico taylorista5 em fins do século XIX e início do século XX, marca um
importante momento histórico no qual o estudo científico dos processos gerenciais
passa a ser efetivamente empregado em favor do aumento da produção e do lucro,
a despeito das condições de trabalho cada vez mais exploradoras e desumanas.
Segundo Lênin (apud BRAVERMAN, 1974, p.22),
o sistema de Taylor, ‘como todo progresso capitalista, é uma combinação da refinada brutalidade da exploração burguesa com uma quantidade dos maiores feitos científicos no campo da análise dos movimentos mecânicos durante o trabalho, da eliminação dos
5Moldado por atividades mais especializadas e na divisão do trabalho em tarefas específicas de execução contínua, o processo de produção, no taylorismo, institui o controle do trabalho alienado por meio da fixação da jornada de trabalho, da supervisão intensa e ininterrupta de normas contra distrações, da fixação de mínimos de produção, etc (1980, p.86).
30
movimentos supérfluos e lentos, da elaboração dos métodos corretos de trabalho, a introdução do melhor sistema de contabilidade e controle, etc’.
Para Taylor, as novas organizações de trabalho deveriam impor a
necessidade de gestão e, portanto, da separação entre produção e planejamento.
Esse modelo, proposto por Taylor, deveria ser considerado por todos como uma
“tendência do desenvolvimento industrial moderno” (BRAVERMAN, 1980, p.115).
Logo, ir contra ele significaria ir contra a modernização em curso.
O estudo científico dos processos de trabalho, neste contexto de
desenvolvimento do capital, estava, portanto, voltado exclusivamente para as
necessidades da industrialização capitalista. Essa tendência se desenvolveu e se
disseminou ao longo da evolução capitalista, podendo ser observada mais
fortemente na contemporaneidade, tanto nas fábricas quanto nos serviços.
O rápido crescimento administrativo e técnico especializado, o aumento da
produção e a mudança de ocupações dentro dos processos industriais, juntamente
com a organização do trabalho em tarefas simplificadas e controladas em outro
lugar, agravavam a degradação da capacidade técnica do trabalhador, fosse ele
operário ou gerente (BRAVERMAN, 1980).
Desse modo, tendências a curto prazo simplesmente mascaram a tendência secular no sentido do rebaixamento de toda a classe trabalhadora a níveis inferiores de especialidade e funções, ao abrir caminho para o avanço de alguns trabalhadores nas indústrias em rápida expansão, juntamente com exigências cada vez menores de capacitação dos candidatos (...). À medida que isso continua por várias gerações, (...) o próprio significado de “qualificação” degrada-se (idem, p.116).
A precarização6 do trabalho na contemporaneidade aparece, então, como
reflexo do modelo de gerenciamento científico da produção. Diante desse modelo de
gestão, os trabalhadores, para Braverman (1980, p.121), não se mantiveram
passivos, mas adquiriram consciência das perdas causadas pelas novas condições
de produção. “O taylorismo desencadeou uma tempestade de oposição entre os
sindicatos durante os primeiros anos deste século”. No entanto, a crítica inicial dos
6 A precarização, para Alves (2009), é um constructo do novo metabolismo social. Caracteriza-se pela intensificação e ampliação da exploração da força de trabalho, “pelo desmonte de coletivos de trabalho e de resistência sindical-corporativa; e pela fragmentação social nas cidades em virtude do crescimento exacerbado do desemprego em massa” (ALVES, 2009, p.189).
31
trabalhadores direcionava-se não à questão da exploração e da precarização das
condições de trabalho em si, mas da perda do conhecimento do ofício.
Braverman (1980) destaca, ainda, que a necessidade de ajuste do
trabalhador às condições repugnantes do trabalho em sua forma capitalista,
superando relações sociais antagônicas e sucessão de gerações, é um aspecto
permanente da sociedade capitalista. O foco da gerência científica de Taylor não é,
senão, a busca de condições que possibilitem ao trabalhador “cooperar no esquema
de trabalho organizado pela engenharia industrial”.
A crise estrutural da era fordista/taylorista veio, de acordo com Harvey (1994),
no período de 1965 a 1973, tornando “cada vez mais evidente a incapacidade do
fordismo e do keynesianismo de conter as contradições inerentes ao capitalismo”.
Essa incapacidade, para Harvey (1994), deveu-se, sobretudo, à “rigidez”: rigidez de
investimentos, rigidez na distribuição de mercados, rigidez nos contratos de trabalho,
rigidez nos compromissos estatais com seguridade social e serviços públicos (1994,
p.135).
Podemos ressaltar, no entanto, que as crises do capitalismo em vez de
conduzi-lo a um colapso, conforme previa Marx, impulsionaram transformações não
somente no âmbito econômico, mas também nos âmbitos social e cultural, no
sentido de buscar meios de superação dentro do próprio sistema. “Ocorre que o
capitalismo é autofágico: (...) suas crises são a razão de sua existência no tempo”
(CAMARGO e MELLO 2012, p.384).
De acordo com Mészáros (apud ALVES, 2011, p.11), as crises do capital na
contemporaneidade, “crises de intensidade e duração variadas”, “são o modo natural
de existência do capital: são maneiras de (...) estender com dinamismo cruel sua
esfera de operação e dominação”.
Petras (2012) argumenta que
a ‘crise do capital’ foi convertida numa vantagem estratégica para promover os interesses (...) do capital: a expansão de lucros, a consolidação do domínio capitalista, a maior concentração da propriedade, o aprofundamento de desigualdades entre capital e trabalho e a criação de enormes reservas de trabalho para promover o aumento dos seus lucros(idem, n.p.).
32
Sendo assim, o modelo de organização toyotista7 de trabalho, implantado nas
fábricas do Japão após a Segunda Guerra Mundial, dissemina-se, nas últimas
décadas do século XX, em meio a uma crise do capital, com uma proposta de um
novo modelo de trabalhador. Segundo Alves (2007), no modelo toytista,
não é apenas o “saber” e o “fazer” operários que são capturados pela lógica do capital, mas sua disposição intelectual-afetiva que é mobilizada para cooperar com a lógica de valorização. O operário é encorajado a pensar “pró-ativamente”, a encontrar soluções antes que os problemas aconteçam (o que tende, por exemplo, no plano sindical, as estratégias neocorporativas de cariz propositivo) (ALVES, 2007, p.187).
Nesse contexto, Coriat (1992) chama atenção para o surgimento de uma
figura social nova: o trabalhador ao “abrigo” da indústria metal-mecânica, que se
reinventa em virtude das novas atividades demandadas pelos avanços tecnológicos
(introdução da microeletrônica e da robótica, por exemplo) e que ultrapassa o tipo
fordista-taylorista ideal de operário alienado.
Apesar do discurso voltado para a valorização do trabalho em equipe, da
multifuncionalidade, da flexibilização das atividades e da qualificação do trabalhador,
este novo modelo de produção “oculta (...) a exploração, a intensificação e a
precarização do trabalho, inerentes à busca desenfreada do lucro pelo sistema de
metabolismo social do capital (...)” (MESZAROS apud PERES, 2010, p.1).
Braverman (1980) ressalta que o desenvolvimento da tecnologia científica,
bem como os novos modelos de gestão e produção dela derivados, conduziu a
classe trabalhadora a ceder, enquanto classe organizada, às novas estratégias
capitalistas de produção.
Para Antunes (1998), é nesse momento que se dá a completa manipulação
do trabalhador na medida em que se introduz a flexibilização da produção e também
dos direitos trabalhistas conquistados historicamente. “Substitui-se o despotismo 7O modelo de organização toyotista surge como uma alternativa do capitalismo à crise dos anos 1970. “a preocupação do toyotismo é com o controle do elemento subjetivo no processo de produção capitalista (...) e com a manipulação do consentimento do trabalho através de um conjunto amplo de inovações organizacionais, institucionais e relacionais no complexo de produção de mercadorias, caracterizadas pelo princípio de ‘autonomação’ e de ‘auto-ativação’, ou ainda, pelo just-in-time/kanban, a polivalência do trabalhador, o trabalho em equipe, produção enxuta, os CCQ’s, programas de Qualidade Total, iniciativas de envolvimento do trabalhador (...)” (CORIAT, 1990 apud ALVES, 2008).
33
taylorista pelo estranhamento do trabalho levado ao limite, por meio da apropriação,
pelo capital, do saber e do fazer operário” (ANTUNES, 1998, p.72).
De acordo com Antunes (1998), esse momento, denominado de
reestruturação produtiva, marcado por grande desenvolvimento tecnológico,
automação, experimentação, invade definitivamente o campo das relações de
trabalho e produção no sentido da necessidade de sua adequação à lógica do
mercado. Os modelos fordista e taylorista ganham novas roupagens (neofordismo e
neotaylorismo) e o modelo japonês toyotista se dissemina.
Segundo Alves (2008), a flexibilização das relações de trabalho apresenta-se,
nesse processo, como uma realidade do atual contexto sociometabólico do capital.
É por pertencer à lógica estrutural da mundialização do capital – que não está voltada para o crescimento e políticas de pleno emprego – que o toyotismo e sua ideologia de formação profissional (a empregabilidade) tendem a frustrar qualquer promessa integradora do mundo do trabalho, tão comum na era do capitalismo fordista do pós-guerra (2008, n.p.).
O Brasil, por conta de seu capitalismo tardio, só começa a se aproximar do
processo de reestruturação produtiva, já avançado nos países da Europa, na década
de 1980. Nesse momento, as empresas começam a adotar novos padrões
organizacionais e tecnológicos, bem como novas formas de organização social e
sexual do trabalho. Dá-se, assim, início aos métodos denominados participativos,
procurando envolver os trabalhadores nos planos da empresa (idem, 2004).
Segundo Antunes (2004), nos anos 1990, o processo de reestruturação
produtiva se instala de forma mais desenvolvida com a instalação do sistema just-in-
time e das formas de subcontratação, terceirização e enxugamento da força de
trabalho. Após ter sofrido uma queda em virtude da crise do governo Collor, o
sistema de reestruturação produtiva do capital se amplia a partir de 1994, com o
Plano de Estabilização Econômica, Plano Real, implementado no governo de
Fernando Henrique. Surgem novas políticas gerenciais, bem como programas de
"qualidade total" e "remuneração variável".
Todas essas modificações acabam por gerar instabilidade e
desregulamentação do trabalho que fortalecem o individualismo em detrimento da
34
coletividade (ANTUNES, 2004). Fator este que, para muitos pesquisadores,
influencia, de forma determinante, na manifestação da violência no ambiente de
trabalho, como a que aqui será discutida (assédio moral).
Para Boaventura Santos (2005), se por um lado ocorreu um fortalecimento do
modelo hegemônico do capitalismo de mercado neoliberal cada vez menos
engajado com a promoção das questões sociais, não há um modelo único de
globalização,uma vez que este é, também, uma construção histórica.
Boaventura Santos (2005) defende, portanto, que dentro dessa mesma
conjuntura mundial há resistências e organizações locais autônomas.Ele vê essas
resistências como uma forma de barrar a dominação intransigente do capitalismo
por meio da construção de contra-hegemonias. Essa discussão é de suma
importância para se analisar as formas de enfrentamento à hegemonia neoliberal e
suas consequências.
3.1.1 Trabalho, subjetividade e direitos sociais
Para Boaventura Santos (2005), o modelo da economia de mercado tem de fato
aumentado as desigualdades sociais, sendo possível verificar esse aumento tanto
nos países centrais como periféricos (com mais intensidade). Portanto, após a crise
da década de 1970, há um crescimento das desigualdades sociais e um
enriquecimento das grandes corporações transnacionais.
Há um modelo hegemônico manifestado na economia, no Estado, na cultura.
É um modelo de uma cultura ocidental americanizada, apoiado por órgãos
internacionais que condicionam empréstimos e benefícios às diferentes nações com
o comprometimento destas na implementação das políticas neoliberais (SANTOS,
2005).
Nesse contexto, percebe-se que o trabalho se legitima a partir da
intensificação de processos de exploração dos trabalhadores, seja direta ou
indiretamente, ao que Alves (2007) denomina precarização, que, sendo um
processo, se diferencia de precariedade, embora reforce seu estado.
35
Segundo Giovanni Alves (2007), a precarização do trabalho, gerada a partir
das crises estruturais do capitalismo, atinge a objetividade e também a subjetividade
da classe. Uma das dimensões mais cruéis desse processo de precarização, de
acordo com Alves (2007), é justamente “a intensificação dos mecanismos
sistêmicos8 voltados para a manipulação da subjetividade do trabalho e a sua
‘captura’ pelos dispositivos ideológico-organizacionais do capital”. Ou seja, a luta de
classes estaria centrada em uma perspectiva ideológica, visto que é na subjetividade
que se deflagram as lutas pela hegemonia (idem, p.185).
Como exemplo dessa apropriação da subjetividade do trabalhador pelo
capital, podemos citar Antunes (1998), quando este destaca a postura defensiva dos
sindicatos. Segundo ele, essa instância representativa dos trabalhadores parte para
o “acrítico sindicalismo de participação e de negociação, que em geral aceita a
ordem do capital e do mercado” abandonando as perspectivas emancipatórias
(idem, p.72). Nesse sentido, para Braverman (1980), a dimensão do enfrentamento
da classe trabalhadora, sindicalizada no modo de produção capitalista proposto por
Marx, verte-se em uma crítica ao capitalismo apenas enquanto modo de distribuição.
O modelo japonês toyotista pressupõe uma integração “orgânica” dos
trabalhadores, ou seja, uma integração coletiva da força produtiva. No entanto, com
base na discussão de Meszáros (2002), Alves (2007) argumenta que essa
integração “orgânica” representa, na verdade, uma “fragmentação” da consciência
de classe dos trabalhadores submetidos a uma pulverização de formas flexíveis e
precarizadas de serviço.
É nesse sentido que o autor propõe o termo “captura” da subjetividade, para
expressar um processo social que se desenvolve sem resistências ou lutas
cotidianas.
8Por “mecanismos sistêmicos”, Alves (2007) se refere às estratégias de gerenciamento científico criadas para manipulação de mão de obra e aumento da produção com ênfase nos dispositivos organizacionais do toyotismo, considerado pelo autor como “momento predominante” da reestruturação produtiva, seguindo a proposta fordista-taylorista de “captura” da subjetividade do trabalho mediante a inclusão do trabalhador nos processos gerenciais e nas tarefas da produção em equipe, visando o sustento da empresa capitalista (ALVES, p.186).
36
O processo de “captura” da subjetividade do trabalho vivo é um processo intrinsecamente contraditório, constituído por um jogo de simulações, articulando mecanismos de coerção e de consentimento, que se interage com uma teia de manipulação que perpassa não apenas o local de trabalho, mas as instâncias da reprodução social (ALVES, 2007, p.188).
Alves (2007) ressalta que o regime de acumulação flexível não extingue a luta
de classes e o conflito entre capital e trabalho, mas desloca esse conflito para
“dimensões invisíveis do cotidiano”. Para o autor, os mecanismos de defesa do
trabalhador (sindicatos, partidos e outras instituições políticas) enfrentam uma crise
provocada por essa invasão do capital sobre a subjetividade dos indivíduos (idem,
p.188).
O toyotismo, o novo espírito da racionalização capitalista no local de trabalho, tende a agir sobre o trabalho organizado e sua subjetividade, precarizando-a e buscando subsumi-la aos interesses da reprodução do capital como sistema sócio-metabólico. (p.189)
Camargo e Melo (2012) falam da “captura” da subjetividade como um
“obstáculo à efetivação dos direitos sociais”. Para os referidos autores, essa
“captura”, denominada de “cooptação ideológica” do trabalhador, tem estreita
relação com o processo de eficácia dos direitos sociais surgidos como uma
demanda por respostas do Estado frente às transformações da realidade social.
De acordo com Camargo e Melo (2012), a flexibilização das formas de
trabalho, no toyotismo, é um fenômeno que evidencia “um dos momentos mais
intensos de perdas de garantias e tutela do Estado” (2012, p.387).
Podemos ressaltar, portanto, que o desmonte dos direitos sociais em troca de
uma superficial melhoria das condições de produção representou a grande
estratégia do capitalismo no sentido de sua própria superação.
3.1.2 A flexibilização levada à dimensão do privado
“Flexibilidade” designa essa capacidade de ceder e recuperar-se da árvore, o teste e restauração de sua forma. Em termos ideais, o comportamento humano flexível deve ter a mesma força tênsil: ser adaptável a circunstâncias variáveis, mas não quebrado por elas (Sennett, 2002, p.53 )
37
É dessa forma que Sennett (2002) resgata, em A Corrosão do Carater, a origem do
significado de flexibilidade, trazendo essa definição para a realidade do capitalismo
neoliberal, onde essa flexibilidade é levada as últimas consequências.
Bauman (2001), por sua vez, discute a flexibilização do comportamento
humano da sociedade moderna inserindo esse comportamento no universo temporal
do que ele chama de “modernidade líquida”. Com esse termo, o autor busca
caracterizar a fluidez da realidade globalizada em contraposição à solidez do
período anterior. Esta fluidez não afeta apenas o campo econômico (transferência
de capital de um lado a outro do mundo) ou político (mudanças na legislação, fim
dos direitos adquiridos dos trabalhadores, crise dos partidos tradicionais de
esquerda e de direita, etc.), mas atinge também as demais áreas da vida humana,
como as relações interpessoais.
Para Bauman (2001), essa mobilidade e fluidez contínuas são vivenciadas de
forma diferenciada pelas pessoas, a depender da vivência ou não dos benefícios
que elas trazem; benefícios estes que demandam, por exemplo, uma boa condição
financeira. Desse modo, tanto para os pobres como para os excluídos, não é uma
escolha e sim uma condição.
Bauman (2001) demonstra-se pessimista ao caracterizar a sociedade atual.
Para ele, se o lado do fim das grandes utopias e das certezas poderia tornar os
indivíduos mais livres, o lado da radicalização do individualismo tornou quase
impossível a convivência coletiva. O sujeito agora é apenas o indivíduo, o
consumidor. Se por séculos o indivíduo foi sufocado pelo coletivo, agora caiu no
extremo do individualismo. “O cenário líquido-moderno, porém, não apenas engloba
a questão da ‘identidade nacional’ como a ultrapassa” (Bauman, 2001).
Com base no pensamento de Bauman (1998), Bernardo (2009), ressalta que
o mundo flexível cria uma massa infeliz e vulnerável incapaz de controlar e entender
determinadas forças,”buscando defender-se dos riscos e perigos da modernidade
em uma sociedade (...) em que muitas vezes o outro parece constituir o maior e
principal perigo” (2009, p.434)
Com relação ao trabalho e aos direitos sociais, ambos vão se tornando
responsabilidade unicamente individual.
38
O conceito de empregabilidade começa a ser difundido e a responsabilidade por estar ou não empregado passa a ser do indivíduo, o que acaba acarretando sofrimento ao sujeito em questão. Ou seja, estar incluído em um trabalho formal passa a ser uma questão de desempenho individual e não mais econômico ou social. Nestes casos a individualização do sujeito passa a ser maior, fazendo com que cada funcionário vislumbre seu emprego, impedindo que haja um maior sentimento coletivo de ação, uma vez que o emprego, principalmente o formal, passa a ser “artigo” raro e deve ser mantido (AGUZOLLI, 2007, p.7).
Segundo Sennett (2006), as relações sociais e interpessoais na modernidade
não implicam na criação dos laços sociais profundos, já que não há valorização do
“longo prazo”. Dessa forma, sem o tempo necessário à construção de laços
estáveis, não há o estabelecimento da confiança, da lealdade e do compromisso. Os
trabalhadores, nesse contexto, viram reféns da instabilidade. A dimensão privada
torna-se, então, o abrigo contra a vida pública, flexível, inconstante.
O capitalismo dito flexível acaba, para Sennett (2006), por impedir a
construção de um rumo único nas carreiras. O autor coloca em dúvida inclusive a
possibilidade de se falar em “carreira” propriamente dita, já que as pessoas mudam
de trabalho frequentemente e não têm como desenvolver uma relação estável ou
mesmo fazer planos de crescimento, de carreira. Suas vidas não produzem mais
uma narrativa linear, são agora fragmentadas.
Da mesma forma, ainda segundo Sennett (2006), no que diz respeito à
dimensão pública, o comprometimento com consciência de classe também é
afetado, uma vez que necessita do prazo de construção de uma identidade com o
trabalho, com a comunidade. Prazo este inexistente no modelo capitalista flexível.
O “trabalhador flexibilizado” sofre, portanto, pela falta de solidez nas
experiências cotidianas. A fragilidade na construção dos laços sociais afeta também
a ética no trabalho que, tal como os demais aspectos relacionados a ele, modificou-
se para atender as necessidades capitalistas.
A moderna ética do trabalho concentra-se no trabalho de equipe. Celebra a sensibilidade aos outros; exige “aptidões delicadas”, como ser bom ouvinte e cooperativo; acima de tudo, o trabalho em equipe enfatiza a adaptabilidade às circunstâncias. O trabalho de equipe é a ética de trabalho que serve a uma economia política flexível. Apesar de todo o arquejar psicológico da administração moderna sobre o
39
trabalho de equipe (...), é o etos de trabalho que permanece na superfície da experiência. O trabalho de equipe é a prática de grupo da superficialidade degradante.
A velha ética do trabalho revelou conceitos de caráter que ainda contam, mesmo que essas qualidades não mais encontrem expressão na mão-de-obra. A velha ética do trabalho baseava-se no uso autodisciplinado do nosso tempo, pondo-se a ênfase mais na prática voluntária, auto-imposta, que na simples submissão passiva a horários ou rotinas. (2002, p.119)
Nesse sentido, tem-se o incentivo à motivação, ao trabalho em grupo, à
especialização. Sennett (2002) considera esses aspectos como geradores de
submissão e não de liberdade. “O homem motivado é demasiado oprimido pela
importância que tem de atribuir ao trabalho”. E complementa ainda: “Disciplina, diz-
nos Michel Foucault, é um ato de autopunição (...)” (2002, p.117). O apelo ao
trabalho em equipe no sentido de incentivar a troca e o aprendizado mútuos
representa, para Sennett (2002), um “poder exercido sem reivindicações de
autoridade, [que] está muito distante da ética de responsabilidade própria que
caracterizava a velha ética do trabalho” (idem, p.139).
Nesse sentido, “Haverá limites para até onde as pessoas são obrigadas a
dobrar-se? Pode o governo dar às pessoas alguma coisa semelhante à força tênsil
de uma árvore, para que os indivíduos não se partam sob a força da mudança?”
(idem, p.62).
Nenhum setor do trabalho está imune à miséria desumana do desemprego e do “trabalho temporário” (...) a questão não é se o desemprego ou o “trabalho temporário flexível” vai ameaçar os trabalhadores empregados, mas quando estes, forçosamente, vão vivenciar a precarização (MÉSZÁROS, 2006, apud ANTUNES, 2006).
Na atual fase do capitalismo, observam-se grandes mudanças no campo das
relações de trabalho. Vivencia-se, simultaneamente, a adesão do Estado ao modelo
de mundialização do capital e a ampliação da atuação do mercado em todas as
dimensões da vida pública e privada.
A modernização do trabalho degradou as condições de vida e trabalho.
Fortino (2012) cita um caso paradigmático ocorrido na empresa France Telecom,
40
onde foram recenseados 35 suicídios ligados ao trabalho entre 2008 e 2009,
continuando ao longo de 2010.
Na referida empresa, era realizada uma dinâmica de rotatividade e
reagrupamento de trabalhadores em diferentes serviços, visando maior
especialzação e polivalência. Essas transformações, denominadas por Fortino
(2012) de “taylorização das relações de serviço”, foram responsáveis, de acordo
com a autora, pela criaçãode um sentimentode perda de orientação, de
confiançaede angústia gerado no trabalhador devido à pressão que é submetido
diariamente.
Bernardo (2009), por sua vez, discute o excesso de responsabilidade e a
humilhação cotidiana vivenciados por trabalhadores de duas montadoras de
automóveis. Apresenta, por meio das falas desses trabalhadores, aspectos de
opressão e exploração sob o discurso da “família-empresa”.
É muita pressão psicológica em cima da gente. Porque de qualidade deles é muito rígida. Eles têm o nome pra zelar. (...) Você tem uma meta. Tem um padrão. Todo dia você tem um tanto pra errar (...) Se você passar dali, aí a cobrança já é maior (idem, p.127).
Essa “pressão psicológica” presente na maioria das falas colhidas pela autora
representam, para ela, o sofrimento dos trabalhadores frente às exigências e abusos
no ambiente de trabalho.
A flexibilização das relações é uma realidade da contemporaneidade e causa
mudanças reais no cotidiano dos trabalhadores. A vida privada desses trabalhadores
acaba por se tornar um refúgio, uma vez que, na vida pública, o indivíduo não
consegue se estabelecer enquanto sujeito, parte de um grupo social, dotado de uma
história de vida ligada intimamente à sua dimensão social.
Vê-se, portanto, que o aparecimento da flexibilização está relacionado às
mudanças do capitalismo globalizado, à ampliação do setor de serviços, à
complexidade organizacional do trabalho, à instabilidade nas relações de trabalho.
Desse modo, os episódios de exploração e violência vão se tornando cada vez mais
frequentes no cotidiano laboral.
41
3.2 ASSÉDIO MORAL, PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E SAÚDE DO
TRABALHADOR
O estudo da atual configuração das relações trabalhistas da contemporaneidade
confunde-se com aspectos da mundialização do capital, da evolução da tecnologia
e, ao mesmo tempo, da constituição de relações efêmeras, do distanciamento
afetivo e da supervalorização do lucro.
O assédio moral, no ambiente de trabalho, figura nesse universo como uma
forma de violência sutil e obscura que aparece, muitas vezes, sob a forma de
práticas não explícitas de poder e dominação sobre o outro com o objetivo de
desestabilizá-lo emocionalmente, abalando, assim, sua saúde (MATA, 2007).
Silva, Oliveira e Sousa (2011, p.59) ressaltam o fato de que as situações de
assédio moral acontecem, em sua maioria, com a conivência das empresas,
podendo se converter em uma “estratégia de gestão” para submeter o trabalhador
aos “imperativos da produção”.
O assédio moral, enquanto expressão agravada pelo processo de
flexibilização, atinge as mais diversas categorias e formas de trabalho, incluindo-se
aí os próprios trabalhadores da saúde. A sutileza de suas expressões, bem como os
agravos à saúde do trabalhador, torna-se um desafio para as políticas públicas.
Qual lugar se destina à avaliação e à atuação sobre o impacto dessas
mudanças no cotidiano e na saúde mental dos trabalhadores? Como tratar usuários
e cuidadores, vítimas de uma mesma violência psicológica sutil e, ao mesmo tempo,
intensa, que têm sua causa ligada a questões socioeconômicas de cunho global?
Para Dejours (1993), a saúde do trabalhador está intimamente afetada pela
relação dele com o trabalho que executa, e são cada vez mais comuns as
reclamações dos trabalhadores acerca do desgaste pelo trabalho e do
envelhecimento precoce.
Analisando o conceito de saúde, conforme posto pela Organização Mundial
de Saúde, Dejours (1998) critica a questão de não ser algo possível, mas sim ideal o
"completo bem-estar físico". Fazendo uma breve análise sob a ótica da fisiologia das
42
relações, da psicossomática e da psicopatologia do trabalho, Dejours, Dessors e
Desriaux (1993) observam que a saúde psíquica não corresponde necessariamente
a uma vida sem "angústias" ou "desequilíbrios", mas sim a impossibilidade de traçar
metas e objetivos, isto é, a passividade frente aos desafios.
Ressalta-se também a estreita relação entre o ser humano e a forma de
organização da sociedade. O sofrimento mental seria decorrente da falta de
identidade entre ambos. Para os autores citados, portanto, o que caracteriza o
sofrimento é o fato de o sujeito se encontrar sem alternativas frente à situação de
violência.
No sentido de compreender as consequências dos contextos de trabalho para
o indivíduo, sobretudo a partir da "virada neoliberal", Dejours (2004) expõe uma
análise da relação trabalho e subjetividade.
Com a evolução do trabalhar, sob o império das novas formas de organização do trabalho, de gestão e de administração específicos do neoliberalismo é, nolens volens, o futuro do homem que está comprometido. Colocar a questão da subjetividade na teoria política é levantar a questão do lugar que se dá à vida na própria concepção de ação (idem, p.31).
Para ele, sob uma perspectiva clínica, trabalho, antes de uma relação salarial
ou de emprego, implica a "mobilização da inteligência, a capacidade de refletir, de
interpretar e de reagir às situações; é o poder de sentir, de pensar e de inventar". A
ação de trabalhar constitui-se, para Dejours (2004), de acordos de cooperação
firmados coletivamente entre os trabalhadores. Esses acordos visam o objetivo da
qualidade de trabalho e o objetivo social. Contudo, "pressupõe renúncia a uma parte
do potencial subjetivo individual, em favor do viver junto e da cooperação" (idem,
p.31). Os conflitos, portanto, surgiriam na medida em que essa renúncia não fosse
consentida por todos.
Segundo Dejours (2004), o contexto das novas formas de organização
intensifica e sacrifica a subjetividade do trabalhador em nome da rentabilidade,
contribuindo, assim, para a desagregação do coletivo e o aumento do isolamento do
indivíduo, ou, ainda, a "desolação" no sentido tratado por Hannah Arendt,
isto é, o desabamento do solo, que constitui a razão pela qual os homens reconhecem entre si aquilo que eles têm em comum, aquilo
43
que compartilham e que se encontra no próprio alicerce da confiança dos homens uns nos outros (DEJOURS, 2004, p.34).
Diante do exposto, ter-se-ia como resultado o agravamento de patologias
mentais e o surgimento de novas patologias, como o suicídio no próprio local de
trabalho.
Xavier, Nunes e Santos (2008) problematizam também a questão do assédio
moral nas universidades, enquanto instituições consideradas como espaço de
desafio para todos que nela trabalham. Para eles, nelas podem ser percebidas
situações geradoras de sofrimento psíquico manifestadas sob a forma de
absenteísmo, depressão, dependência química, melancolia, fobias, isolamento.
Segundo as autoras acima citadas, a relação prazer/sofrimento representa
uma experiência subjetiva do trabalhador vivenciada coletivamente e influenciada
pela atividade de trabalho. "Desta forma, experiências produzidas no espaço
acadêmico como realização de trabalhos, artigos, aulas, pesquisas irão produzir
multiplicidades de sentidos que serão incorporados pelo sujeito" (XAVIER, NUNES e
SANTOS, 2008, p. 430).
De acordo com Heloani (2005), cada indivíduo representa o produto de uma
construção sócio-histórica e atua como sujeito e produtor das relações no meio
ambiente social no qual se insere, no contexto de leis e regras que lhe cabem,
diretrizes estas que funcionam dentro de uma determinada lógica macroeconômica,
a qual subentende e incorpora relações de poder.
A abordagem de Heloani (2005) busca abranger o fenômeno do assédio
moral em sua totalidade, relacionando-o ao contexto em que ocorre. Dessa forma, o
autor aproxima-se da temática da violência moral, sob seu aspecto contemporâneo,
como produto da hipercompetitividade e das novas relações de trabalho
provenientes do capitalismo neoliberal.
Nessa nova lógica pós-moderna (...) que legitima uma ampla reestruturação produtiva, onde os salários sofrem cada vez mais reduções (...) o trabalho torna-se cada vez mais precário e seletivo. O Estado vem mediante uma política neoliberal retirar (...) benefícios do trabalhador, modificando a relação capital-trabalho; surgem, então, novas relações (...) que geram o subemprego e o trabalho informal (...) (idem, 2005, n.p.).
44
Frigotto (1998), Antunes (1998), Oliveira (2000) e Heloani (2005) auxiliam na
compreensão do assédio moral enquanto fenômeno inserido no contexto das
relações sócio-historicamente estabelecidas.
Para Frigotto (1998), a pós-modernidade enfrenta uma crise de paradigmas,
no âmbito das relações de trabalho, protagonizada pelo aumento do desemprego
estrutural e da "precarização" do trabalho. Essa crise
delineia um debate que situa a compreensão desta categoria [trabalho] no plano da historicidade de modos sociais de produção material (...) de existência humana, demarcados pela cisão de classes sociais (...) (idem, p.27).
Tomando o pensamento de Frigotto (1998, p. 43), a crise do desenvolvimento
capitalista neoliberal culmina na destruição de postos de trabalho – "síndrome do
desemprego estrutural" – bem como na precarização/flexibilização do trabalho
associadas à abolição ou enfraquecimento dos direitos sociais. Os trabalhadores,
que há décadas lutavam por melhores condições de trabalho, agora precisam lutar
pelo direito de serem explorados, sendo submetidos a "novas formas de alienação".
Oliveira (2003) considera o processo de reestruturação produtiva como um
meio de o capital superar sua própria crise por meio da criação de novas formas de
relação social. A autora faz uma breve abordagem sobre o desafio para a formação
profissional no Brasil. Para ela, o cenário profissional brasileiro passa por incertezas.
A educação tem sido estimulada a contribuir para oferecer "empregabilidade" ao
trabalhador, ou seja, dar-lhe condições de conseguir um emprego por meio de suas
competências e capacidades individuais.
Diante do referido cenário, todas as transformações nos processos de
trabalho e suas consequências para a saúde do trabalhador começaram a ganhar
proporções anteriormente não mensuradas. Percebe-se que o trabalhador está
adoecendo cada vez mais e esse adoecimento tem se tornado, muitas vezes,
passível de relação com as condições gerais de trabalho, ao passo em que as
políticas públicas de saúde mostram-se desarticuladas e pouco eficientes.
45
4 ASSÉDIO MORAL NA CONTEMPORANEIDADE: riscos e desafios à saúde do trabalhador
Os medos contemporâneos mais assustadores são os que nascem da incerteza existencial.
Bauman (2007)
4.1 O PROBLEMA DO ASSÉDIO MORAL
4.1.1 O problema do assédio moral
Não existe uma definição única e invariável de assédio moral. Barreto (2000),
pioneira no estudo do fenômeno no Brasil, define esse fenômeno como
exposição prolongada e repetitiva a condições de trabalho que, deliberadamente, vão sendo degradadas. Surge e se propaga em relações hierárquicas assimétricas, desumanas e sem ética, marcadas pelo abuso de poder e manipulações perversas (BARRETO, 2000, p.2).
O momento exato do surgimento da prática de assédio moral também não é
consensual entre os pesquisadores e ainda não se pode ter alta exatidão sem alta
precisão. Para Heloani (2004), o assédio moral é tão antigo quanto o próprio
trabalho. O autor relembra, no Brasil colônia, as situações de violência, humilhação
e coerção contra índios e negros. Para ele, o sistema macroeconômico brasileiro,
desde sua origem até os dias atuais, favorece a prática de atos abusivos,
discriminatórios e opressivos, sobretudo por parte de superiores hierárquicos.
Há quem considere que o assédio moral é produto da chamada “Quarta
Revolução Industrial”, fruto da política neoliberal e do processo de reestruturação
produtiva, no qual, segundo Habermas (1988, apud HELOANI, 2005), a
“racionalidade comunicativa” perde espaço para a “racionalidade instrumental”.
Diante disso, infere-se que as mudanças nos processos de organização capitalista
são responsáveis pela manifestação do fenômeno e, por conseguinte, resta
identificar a verdadeira influência das mudanças no mundo do trabalho sobre tal
manifestação.
Os primeiros estudos relevantes acerca do assédio moral começam a surgir
na Europa, a partir dos anos 1980, apósas publicações deum trabalho de
46
pesquisa(LEYMANN &GUSTAVSSON, 1984) e do primeiro livrosobre o
tema(LEYMANN, 1986). Ao longo dos anos 1980, foram realizadas pesquisas na
Noruega (EINARSEN eRACKNES, 1991; eKIHLE, 1990; e MATTHIESEN,
RAKNESeRÖKKUM, 1989), Finlândia (BJÖRKQVIST et al, 1994;
ePAANENeVARTIA, 1991), Alemanha (BECKER, 1993;eKNORZeZAPF, 1996;
eZAPFetal, 1996), Áustria (NIEDL, 1995), Hungria (KAUCSEK e SIMON, 1995) e
Austrália (McCARTHY et al, 1995;eTOOHEY, 1991).
Embora algum progressopossa serrelatado, estes estudos tornaram claroque há muito mais questões em abertodo que respostasempiricamentefundadas.A minha esperança éque mais pesquisasserãofeitas nessa área, alterando assim a sensibilidade dos cientistas eprofissionaisparao danoe o sofrimento queé causado peloassédio moralno trabalho (The Mobbing Encyclopeadia, LEYMANN, 1996. Tradução livre. n.p.).
Pesquisador em Psicologia do Trabalho, Leymann (1996), médico psiquiatra
alemão, radicado na Suécia, foi um dos primeiros a identificar o fenômeno do
assédio moral, em 1984, e que estudou sobre o assunto até sua morte, em 1999. De
acordo com um site com publicações do próprio autor (www.leymann.se), este
iniciou seus estudos a partir da constatação de comportamentos hostis de longa
duração no ambiente de trabalho.
O pesquisador, Leymann, então professor da Universidade de Umea, na
Suécia, passou a acompanhar as várias queixas de problemas de ordem
psicossocial com algum tipo de relação com o trabalho, chegando a desenvolver um
programa de tratamento especialmente para esse tipo de caso. Ainda de acordo
com o site (leymann.com), dos 1.300 pacientes atendidos pelo psicólogo, 300
deleseram internados para se submeterem a esses programas de tratamento.
Segundo a jurista Márcia Novaes Guedes (2004), por meio de seus estudos,
Leymann (1996) verificou que, em um ano, 3,5% dos trabalhadores membros da
população economicamente ativa da Suécia eram vítimas de assédio moral. Essa
prevalência indicaria uma taxa de 120.000 novos casos por ano. Considerando um
tempo médio de seis meses de desgaste no trabalho, por assédio moral, e uma
permanência no mercado de trabalho por trinta anos, o risco de um indivíduo ser
submetido a assédio moral durante toda sua carreira profissional é de 25% (THE
MOBBING ENCYCLOPEDIA, 1996).
47
Em seus achados epidemiológicos, Leymann (1992) destaca-se pela
pesquisa realizada com uma amostra de 2.400 trabalhadores suecos. Essa pesquisa
possibilitou a classificação das seguintes categorias: frequência, gênero, idade,
número de assediadores, ocupação, efeitos a longo prazo, comparação
internacional.
A pesquisa de Leymann (1992) não abrangeu uma amostra representativa da
população sueca, no entanto apontou uma tendência das ocupações nas quais os
sujeitos eram mais assediados, sendo essas: indústrias (19,7%), administração
pública e serviços sociais (12,5%), atenção à saúde (10,3%), escolas e
universidades(6,2%). Verificou-se, ainda,que,aproximadamente,de 10% a20%de
suicídiosanuais, na Suécia,eram resultado deassédio moralno local de trabalho.
Ainda segundo Guedes (2004), poucos anos depois, na França, a psiquiatra
Marie-France Hirigoyen torna o assunto ainda mais conhecido por meio do best
seller Assédio Moral (HIRIGOYEN, 1988); e, posteriormente, em 2001, pelo seu
livro seminal Harcelement moral: la violence perverse du cotidien, publicado em
português, pela Editora Bertrand Brasil, sob o título de Assédio Moral: a violência perversa do cotidiano (HIRIGOYEN, 2001). Naquele livro, é utilizada, pela primeira
vez, a denominação “Assédio Moral”.
Segundo Lílian Ramos Batalha (BATALHA, 2003), em sua dissertação
Assédio Moral em Face do Servidor Público, o tema viria a ser mundialmente
conhecido após a primeira pesquisa realizada pela Organização Internacional do
Trabalho/OIT, em 1996. Nesta pesquisa, estima-se que 9% dos trabalhadores da
União Europeia sofriam de violência moral proveniente de seus respectivos chefes
de trabalho, o que representaria, no contexto da época, cerca de treze milhões de
pessoas.
No Brasil, a reflexão acerca do Assédio Moral ganha maior destaque após a
publicação de Uma jornada de humilhações, dissertação de mestrado em
Psicologia Social de Margarida Barreto, defendida em 2000 (BARRETO, 2000). A
partir daí, as discussões sobre o tema passam a ser mais recorrentes em jornais,
revistas, televisão e internet.
48
Um estudo realizado por Miranda (2003) aborda, especificamente, o tema do
Assédio Moral na Educação Superior. No estudo, o autor apresenta resultados de
várias pesquisas sobre manifestações de assédio moral no Brasil e no mundo. Em
abrangência nacional, pesquisas revelaram que a maior incidência desse fenômeno
é observada nas regiões Sudeste (66%) e Sul (21%). Em Santa Catarina, foi
registrado, em 2005, casos de assédio moral na Assembleia Legislativa.
4.2 ASSÉDIO MORAL: UM PROBLEMA “DELICADO” PARA A SAÚDE PÚBLICA
A utilização do termo “delicado” no sentido de sensível, sutil, embaraçoso
(AURÉLIO, 2004), para fazer referência ao problema do assédio moral, é uma
constante em muitas das produções bibliográficas analisadas sobre o assunto. E
não é por acaso. A prática do assédio moral envolve questões sociais, econômicas,
políticas, individuais e subjetivas de difícil identificação e, consequentemente,
intervenção.
O estudo da atual configuração do assédio moral, manifestado por meio de
perseguições, humilhações e discriminações, muitas vezes sutis, porém
sistemáticas, no sentido de desestabilizar o indivíduo em seu ambiente de trabalho,
não pode, portanto, ser separado do estudo das atuais condições de flexibilização e
precarização do trabalho vivenciadas na contemporaneidade.
Em termos práticos, a expressão “delicado” alude ao fato de que essa
violência moral é de tal forma ampla e sutil que somente passa a ser notada quando
a vítima alcança uma situação de adoecimento a qual não consegue mais suportar.
Mesmo após o adoecimento, ainda é difícil detectar suas expressões e/ou
estabelecer um nexo com as condições de trabalho. Acrescenta-se aí a dificuldade
na realização de investigação e pesquisas que consigam chegar ao âmago do
problema.
Maranhão (2011) retoma a questão do caráter agressivo das formas de
gestão praticadas pelo sistema capitalista.
O que pretendo gizar (sic) é que nós estamos vivendo algo muito grave. O capitalismo está se estruturando de uma forma tal que a própria gestão de pessoas, a própria estruturação organizacional, o
49
próprio modus operandi empresarial surge como algo intrinsecamente violento. Percebam a proliferação da chamada "gestão por estresse". Vejam, ainda, o fenômeno que alguns chamam de straining, que em inglês significa "esticar". Imaginem aqueles grupos para o qual o empregador estimula o constante atingimento de metas. Na medida em que essas metas são alcançadas, novo patamar é colocado para o mês seguinte (idem, n.p.).
Leymann (1996) chama atenção para o fato de que a evolução do assédio
moral se modifica sempre que se alteram as configurações econômicas e sociais,
uma vez que está intrinsecamente relacionado a elas.
Nesse sentido, Maciel et al. (2007) ressaltam a questão da falta de uma
definição precisa de assédio moral no trabalho, assim como da variação de
denominações e de métodos e técnicas de avaliação. De acordo com as autoras, o
relatório Health and Safety Authority (HSA), da Task Force on Prevention of
Workplace Bullying9, publicado em 2001, estabelece assédio moral no trabalho
como
repetição de comportamentos inadequados, diretos ou indiretos, verbais, físicos ou de outra ordem, conduzidos por uma ou mais pessoas contra um outro ou outros, no local de trabalho e/ou no exercício de sua função, que podem ser razoavelmente percebidos como prejudicando os direitos individuais de dignidade no trabalho (...) (HSA, 2001 apud MACIEL, et al., 2007, p.118).
No artigo The Content and Development of Mobbing at Work, Leymann (1996)
define mobbing, também chamado bullying ou terror psicológico, como um tipo de
conflito no qual o sujeito é submetido a uma violação sistemática e estigmatizante de
seus direitos civis.
Para Gonçalves (2006), o assédio moral se configura como um fenômeno
psicossocial que se relaciona a conceitos de estresse e conflito. Contudo, difere dos
conflitos organizacionais tradicionais porque não há uma discussão aberta, com
tomadas de posição, já que se estabelece em uma relação dominante/dominado na
qual a vítima é forçada a se submeter. A autora se apropria, dentre outras fontes, da
discussão de Leymann (1996) que define mobbing como
fenômeno no qual uma pessoa ou grupo de pessoas exerce violência psicológica extrema, de forma sistemática e recorrente e durante um
9 Força-tarefa para prevenção do assédio moral no trabalho (MACIEL, et al., 2007, p. 118).
50
tempo prolongado – por mais de seis meses e que os ataques se repitam numa freqüência (sic) média de duas vezes na semana – sobre outra pessoa no local de trabalho, com a finalidade de destruir as redes de comunicação da vítima ou das vítimas, destruir sua reputação, perturbar a execução de seu trabalho e conseguir finalmente que essa pessoa (...) acabe abandonando o local de trabalho (apud GONÇALVES, 2006, 37).
Maciel e Gonçalves (2011) chamam atenção ainda para a importância de
diferenciar o assédio moral de outras formas de agressão contra o trabalhador, no
sentido de evitar a banalização do fenômeno e/ou o descrédito das vítimas. Segundo
as autoras, não é considerado assédio:
• Conflitos - de ideias, opiniões, interesses -, quando há igualdade entre os debatedores;
• Estresse profissional provocado por eventuais picos de trabalho; • Más condições de trabalho, excetuando-se quando forem
direcionadas a um único trabalhador; • Mudanças ou transferência de função, desde que não tenham
caráter punitivo; • Críticas ou avaliações sobre o trabalho executado, desde que
sejam fundamentadas e comunicadas de forma construtiva e respeitosa;
• Exigência de produtividade, dentro dos parâmetros da razoabilidade;
• Controle administrativo dos chefes sobre os empregados, desde que este poder disciplinar do superior hierárquico seja exercido de maneira adequada;
• Má organização do trabalho e falta de comunicação (...) (idem, 2011, p.11).
Einarsen (apud GONÇALVES, 2006) trabalha com o conceito de atos
negativos. Presentes nas relações humanas desde os tempos remotos, os atos
negativos “visam submeter, intimidar, ameaçar ou punir a vítima”. Seus efeitos
afetam a autoestima ao mesmo tempo em que interferem no desempenho das
atividades. São classificados em: assédio relacionado ao trabalho e assédio pessoal.
O assédio relacionado ao trabalho implica perseguições direcionadas às atividades e ao desempenho da pessoa-alvo, tais como metas inatingíveis, sobrecarga de trabalho, ignorar opiniões, excesso de supervisão, reter informações, atribuir tarefas abaixo do nível de competência ou outros tipos de comportamentos que dificultem as condições de realização do trabalho. Já o assédio pessoal refere-se às agressões dirigidas a características ou situações particulares da vítima, como espalhar boatos, criticar persistentemente, gritar, humilhar, fazer “pegadinhas”, isolar e excluir (GONÇALVES, 2006, p.11).
51
Gonçalves (2006), de acordo com Einarsen (1996), Leymann (1996) e
Hirigoyen (2002), pondera que, apesar da ênfase nos fatores externos, não se pode
desprezar, contudo, a dimensão subjetiva do fenômeno. Ou seja, a maneira como o
indivíduo interpreta as situações e reage frente a elas.
Desta forma, é importante saber distinguir o assédio moral de outros fenômenos no trabalho (...). Hirigoyen (2002a) argumenta que é preciso ter cautela ao identificar uma situação de assédio, pois nem todas as pessoas que se dizem assediadas o são de fato. Saber reconhecer o assédio é imprescindível para a adoção de estratégias eficazes de prevenção nas organizações (idem, p.9).
Para Gonçalves (2006), o assédio moral é uma experiência subjetiva
complexa, vivenciada pelo trabalhador, que oferece riscos psicossociais à sua saúde
física e mental. No entanto, é importante ressaltar o modo como o sujeito percebe os
comportamentos negativos e seus efeitos, considerando que “para ser vítima é
preciso que o indivíduo se reconheça enquanto alvo de agressões” (EINARSEN,
1996, apud GONÇALVES, 2006). Nesse contexto, interferem fatores como
educação, cultura organizacional e social.
A subjetividade do trabalhador, contudo, ao mesmo tempo em que influencia
a percepção do assédio, também é sacrificada ao longo das práticas de violência,
pois esse mesmo trabalhador tem sua subjetividade “sequestrada”, sua capacidade
de agir, pensar e sentir cerceadas em função da naturalização dessa violência,
fazendo-o desistir dos próprios valores morais (idem, 2006) e/ou atribuir a si mesmo
a culpa pelas agressões.
No que se refere à saúde do trabalhador, as consequências do assédio moral
só são percebidas, na maioria das vezes, quando chegam ao ponto de causar
doenças ou mesmo afastar o trabalhador de sua atividade.
[O sofrimento mental] só se revela quando o processo, no final da evolução, começa a acarretar distúrbios de toda ordem, físicos, psicológicos ou sociais. Ainda assim, mesmo quando adoece, o trabalhador evita expor as dificuldades e angústias para não ser estigmatizado ou considerado incompetente para as suas atribuições (idem, 2006 p.28).
Dessa forma, Segundo Hirigoyen (2002) apud Gonçalves (2006):
Como as agressões perduram, a tendência do organismo é ir esgotando a resistência, fazendo emergir distúrbios psicossomáticos,
52
como cansaço, nervosismo, alterações do sono, enxaquecas, dores na coluna, crises de hipertensão arterial, gastrites, colites, etc. Após vários meses de assédio, os sintomas de estresse vão dando lugar a distúrbios psíquicos, como neuroses e psicoses traumáticas (idem, p.28)
Ainda de acordo com Gonçalves (2006), Leymann compara os sintomas das
vítimas de assédio moral aos de mulheres que sofreram estupro ou, ainda, de
motoristas que atropelaram, por acidente, indivíduos suicidas.
Leymann (1996) apresenta o conceito de diagnóstico de “Transtorno de
Estresse Pós-Traumático/PTSD”, elaborado por meio de contínuas pesquisas
realizadas por ele com os trabalhadores, na Suécia. De acordo com o pesquisador,
“A pessoa com o transtorno tende a reviver a experiência negativa, voltando a
vivenciar continuamente a situação de sofrimento que desencadeia alterações
neurofisiológicas e mentais” (LEYMANN, 1996, p.94). Na classificação internacional
de doenças, em sua décima revisão – CID-1010, os sintomas relacionados ao PTSD
se encontram, sobretudo, no capítulo V que trata de “Transtornos mentais e
comportamentais” (DATASUS, 2009).
Os sintomas relacionados à violência se tornam mais significativos quando
passam a afetar a dinâmica da vida individual e social do sujeito em seus vários
aspectos. No entanto, a vítima, muitas vezes, evita pedir demissão por medo de ser
excluída do mercado de trabalho (LEYMANN, 1996 apud GONÇALVES, 2006).
A pesquisa de Margarida Barreto (2000), que ofereceu suporte a seus
estudos posteriores sobre o assédio moral, apresenta, de forma geral, vários danos
à saúde do trabalhador decorrentes da exposição a situações relacionadas ao
fenômeno.
10 “Uma classificação de doenças pode ser definida como um sistema de categorias atribuídas a entidades mórbidas segundo algum critério estabelecido. [...] precisa incluir todas as entidades mórbidas dentro de um número manuseável de categorias. A Décima Revisão da Classificação Internacional de Doenças e de Problemas Relacionados à Saúde é a última de uma série que se iniciou em 1893 como a Classificação de Bertillon ou Lista Internacional de Causas de Morte”(http://www.datasus.gov.br/cid10/v2008/cid10.htm).
53
Tabela 1: Sintomas da exposição ao assédio moral
A referida pesquisa foi realizada com 376 homens e 494 mulheres, no período
de março de 1996 a julho de 1998. De acordo com os dados observados na tabela
2, pode-se perceber que a violência moral e psicológica pode causar às vítimas
sequelas psíquicas (neuroses traumáticas, ruína ânsia depressiva, acessos
delirantes), físicas (arritmias cardíacas, hipertensão, nas mulheres, amenorréia,
câncer de mama e de ovário) e até mesmo suicídio.
Em 2000, foi realizada nova pesquisa, pela Organização Internacional do
Trabalho/OIT, sobre políticas e programas de saúde mental voltadas aos
trabalhadores da Alemanha, Estados Unidos, Finlândia, Polônia e Reino Unido.
Nesta pesquisa, constatou-se que o número de trabalhadores com problemas
mentais vem crescendo de forma alarmante, assim como são crescentes os gastos
para tratamento desses problemas, além dos pedidos de aposentadoria por
incapacidade. “Para o governo, o custo se traduz no orçamento da previdência”
(OIT, 2000 apud SCANFONE, 2004).
Segundo a OIT, a sociedade irá enfrentar nos próximos anos o
(...) “mal estar na globalização”, onde predominará depressões, angústias e outros danos psíquicos, relacionados com as novas políticas de gestão na organização de trabalho e que estão vinculadas as políticas neoliberais (BARRETO, 2000, p.22).
Sintomas Mulheres (%) Homens (%) Crise de choro Dores generalizadas Palpitações, tremores Sentimento de inutilidade Insônia, sonolência excessiva Depressão Diminuição de libido Sede de vingança Aumento da pressão arterial Dor de cabeça Distúrbios digestivos Tonturas Ideia de suicídio Falta de apetite Falta de ar Passa a beber Tentativa de suicídio
100 80 80 72 69,5 60 60 50 40 40 40 22,3 16,2 13,6 10 5 -
- 80 40 40 63,3 70 15 100 51,6 33,2 15 3,2 100 2,1 30 63 18,3
Fonte: Barreto, M. Uma jornada de humilhações. 2000, PUC/SP. Reproduzido do site www.assediomoral.org
54
De acordo com pesquisas do Instituto Nacional de Saúde e Segurança
Ocupacional/NIOSH, nos Estados Unidos, o custo total da violência no trabalho foi
de quatro milhões de dólares, em 1992 (NIOSH, 2003 apud HELOANI, 2005). Freire
(2008), amparando-se em referência a Rouquayrol (2008), informa que, dentre os
transtornos mentais relacionados ao trabalho, 14,2% são responsáveis por
aposentadorias por invalidez e 9,1% por causas responsáveis pela concessão do
auxílio à doença, na década de 1980.
Nesse sentido, segundo Freire (2008), dentre os casos considerados como
assédio moral, causador de muitos transtornos psicopatológicos, psicossomáticos e
comportamentais, não existem estatísticas sobre o real número das vítimas que
sofreram problemas na saúde; pois não foi considerada a duração e/ou intensidade
das agressões, bem como das predisposições (sic).
Outro problema que torna o assédio moral uma questão “delicada” para a
saúde pública é a questão da identificação do nexo causal.
Para Villatore (2007),
Convém frisar que, mesmo com toda a tecnologia, além do conhecimento técnico que os médicos do trabalho possuem, na atualidade, é muito difícil existir, no exame clínico (físico e mental) e no exame complementar (caso necessário), o estabelecimento concreto do nexo causal entre os transtornos à saúde e as atividades do trabalhador (VILLATORE, 2007, n.p.).
Para evitar problemas com o reconhecimento do nexo causal pelas empresas,
o advogado trabalhista propõe a utilização de procedimentos técnico-administrativos
constantes na Lei nº 8.213/9111 “(...) além de regras estabelecidas na Norma
Regulamentadora de Segurança e de Medicina do Trabalho nº. 7, sobre o Programa
de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO)”.
Não se pode esquecer que a saúde do trabalhador propõe uma atenção
integralizada e que, principalmente no campo da saúde mental, essa integralização
precisa levar em conta todos os aspectos pessoais e coletivos da vida do sujeito. É
importante ressaltar também que a utilização de procedimentos e protocolos de
11Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências.
55
atenção à saúde do trabalhador ainda passa por um processo de construção e
adaptação.
Barreto (2010) afirma que, mesmo com os percalços de identificação e de
tratamento, os transtornos mentais ocupam hoje o terceiro lugar em concessão de
benefícios previdenciários; e ressalta, ainda, a necessidade de se levar em conta o
alto número de subnotificações.
Seligmann Silva et al. (2010) destacam que, no Brasil, houve um aumento de
1157% de benefícios acidentários de 2006 para 2007, “quando foi introduzido o
critério epidemiológico para estabelecimento de nexo causal entre um agravo à
saúde e o trabalho. No entanto, essas estatísticas se referem unicamente às da
Previdência Social, “únicas estatísticas oficiais disponíveis em âmbito nacional”
(idem, p. 188). Por conseguinte, questiona-se: e quanto às estatísticas dos órgãos
de vigilância à saúde do trabalhador, como os Centros de Referência em Saúde do
Trabalhador?
O papel dessas instâncias necessita ainda hoje de discussão. "Elas não se
tornaram referência, uma vez que a rede do SUS ficou alheia à problemática da
saúde/doença relacionada ao trabalho" (GOMEZ e LACAZ, 2005, p. 205). Para
Moulin e Moraes (2010), persiste a resistência por parte das empresas, profissionais
de saúde, peritos do INSS em reconhecer o trabalho como causador de problemas
psíquicos, o que reflete uma busca de ajuda, ainda ineficaz, em serviços de
referência (SATO e BERNARDO, 2005, apud MOULIN e MORAES, 2010, p.193).
Gomez e Lacaz (2005) incitam a todos a refletir sobre a real abrangência das
políticas e das ações que têm como foco a saúde do trabalhador. É importante
compreender a dicotomia existente entre assistência e vigilância, bem como as
estratégias de prevenção e promoção da saúde; e, ainda, a fragmentação existente
no campo do conhecimento acerca da "saúde do trabalhador". Disso depende uma
abordagem mais clara e aproximada da realidade para melhor intervir sobre a
saúde.
Para Jackson Filho (2012), as ações na área de Saúde e Segurança do
Trabalho (SST) tendem a se restringir a fatores ligados a uma perspectiva de
56
racionalidade técnica, “cabendo, portanto, aos especialistas resolvê-los no escopo
de sua especialidade”, o que é comprovadamente ineficiente.
Nesse sentido, numa perspectiva contraposta a essa “hegemonia da
racionalidade técnica” (JACKSON FILHO, 2012), Gomez e Lacaz (2005) tecem uma
crítica acerca da efetivação dos serviços públicos de atenção à saúde. Destacam o
protagonismo dos atores sociais no sentido da implantação da Saúde do
Trabalhador no SUS, desde a Reforma Sanitária, passando pela realização da VIII
Conferência Nacional de Saúde, dos Programas de Saúde do Trabalhador,
culminando na proposta de participação e controle social, universalidade e
integralidade no atendimento ao trabalhador e na criação e implementação dos
Centros de Referência em Saúde dos Trabalhadores (CEREST).
Dejours (1999, apud MACHADO, 2006, p.15), por sua vez, ressalta que o
espaço para a discussão do sofrimento no trabalho tornou-se restrito. A falta de
políticas de prevenção, para ele, deriva da complexidade das relações político-
ideológicas que envolvem o campo da saúde do trabalhador.
Não se pode deixar de incluir no rol de desafios das políticas de saúde pública
a questão que diz respeito ao fato de os próprios profissionais da saúde serem
vítimas da precarização que assola o mundo do trabalho, sendo, inclusive,
moralmente assediados.
4.3 AS RELAÇÕES DE PODER NO ASSÉDIO MORAL
A prática do assédio moral no ambiente de trabalho está, com frequência, ligada a
perseguições, abusos ou mau uso do poder, exercido neste caso como forma de
punição contra os trabalhadores, seja por conta de sua condição física, idade, sexo,
opção sexual, vínculo trabalhista, desempenho profissional destacado ou mesmo de
seu posicionamento político e/ou busca pela efetivação de seus direitos sociais e
trabalhistas.
Leymann (1996) considera o assédio moral como um “processo de
destruição” nas relações entre o agressor e suas vítimas, o que compromete, por
sua vez, a possibilidade de expressão; as relações sociais; as condições das quais
57
elas se beneficiariam; a qualidade da vida profissional e privada, bem como a saúde
delas; já que, “satisfait de sa puissance”, o agressor não tem interesse em
esclarecer suas atitudes de ataque e/ou isolamento contra a vítima, deixando esta
alheia aos motivos e, consequentemente, sem possibilidades de reação.
A comunicação é um componente essencial das relações sociais. A perda
deste “suporte social” é, para Leymann (1996) o “centro da tragédia”. Sem esse
suporte, a vítima se sente rejeitada, excluída e isolada não só no ambiente de
trabalho, mas em todo o universo de suas relações. Por esse motivo, a privação da
possibilidade de expressão é um dos principais modos de punição e manipulação
utilizados pelos agressores. “L’isolement n’est pás uniquement um moyen de
punition, Il est aussi um moyen pour le groupe d’imposer sa volonté à un sujet
réticent12” (idem, p.34).
Leymann (1996) ressalta a necessidade de se diferenciar assédio moral de
conflito. Apresenta a questão da continuidade e da frequência como fatores que
diferenciam os dois comportamentos. O autor define fases que, segundo ele,
caracterizam o processo de violência pelo qual os trabalhadores passam, desde a
fase das primeiras agressões psíquicas até a fase de adoecimento e abandono do
emprego.
Denominadas de “as quatro fases do psicoterror”, Leymann (1996) considera
que o assédio moral se inicia com conflitos que deixam de ser pontuais e inofensivos
e podem se tornar frequentes, hostis e intimidadores, constituindo a primeira fase ou
a “situação desencadeante” do assédio moral. Estes conflitos, aparentemente sem
causa conhecida ou justificada, irão desencadear a transição para o assédio moral e
o psicoterror, causando o adoecimento mental nas vítimas.
Pesquisas têm revelado cursos estereotipados da violência que
correspondem a práticas semelhantes àquelas sugeridas na classificação proposta
pelo autor. As fases seguintes encontram-se descritas a seguir:
Assédio moral e estigmatização: pode não incluir agressão direta, mas
períodos de hostilidade na intenção de punir (manipulação agressiva). 12 “O isolamento não é unicamente um meio de punição, é também um meio de um grupo impor sua vontade a um sujeito relutante” (tradução livre).
58
Atuação da gestão de pessoal: administração tende a reconhecer e assumir
os preconceitos produzidos durante as etapas anteriores. Na maioria das vezes,
resultando em graves violações dos direitos civis do indivíduo.
Por causa de erros de atribuição de gestão, tende-se a criar explicações
baseadas em características pessoais em vez de fatores ambientais (Jones, 1984).
Este pode ser um caso particular quando a administração é responsável pelo
ambiente psicossocial do trabalho e pode se recusar a aceitar esta responsabilidade.
De acordo com o autor, as ações empregadas dentro do ambiente de
trabalho, que oferecem medidas para por fim aos conflitos, são, em geral,
ineficientes ou mesmo inexistentes. Essas medidas acabam agravando ainda mais a
situação de psicoterror, podendo, inclusive, levar ao suicídio. Dentre elas, destacam-
se: transferências sucessivas, licenças médicas duradouras, decisão administrativa
de internação psiquiátrica, licenças com indenizações ou atestado de invalidez.
Diagnósticos incorretos: Se a pessoa agredida procura contato com
psiquiatras ou psicólogos, há um grande risco de que esses profissionais não
interpretem a situação de forma clara, ou por não experenciarem casos
semelhantes, ou mesmo por não terem vivenciado na prática situações sociais
vividas no local de trabalho.
O risco é que a pessoa seja rotulada e submetida a diagnósticos incorretos
e/ou limitados, como paranóia, depressão, distúrbio de personalidade, julgamentos
que podem destruir as chances de a pessoa se recuperar e voltar ao mercado de
trabalho.
Expulsão do mercado de trabalho: a interrupção da vida de trabalho se
explica pela convergência de todas as agressões das fases anteriores que relega ao
indivíduo uma posição de desqualificação e impotência.
Barros (2005), por sua vez, destaca os chamados “configuradores” de assédio
moral, que seriam, segundo a autora, a utilização de “técnicas de relacionamento”,
“técnicas de isolamento”, “técnicas de ataque” e “técnicas punitivas”.
59
Vacchiano (2007) ressalta que as violências praticadas no assédio moral
representam condutas de natureza difusa e, por isso, difíceis de serem
reconhecidas.
O autor cita exemplos de atitudes identificáveis que podem caracterizar o
assédio moral no ambiente de trabalho: desestabilização psicológica da vítima;
advertências devido à requisição de direitos; carga de trabalho excessiva;
comentários maliciosos; controle de idas ao banheiro; críticas contínuas; desvio de
função; demissão após estabilidade legal; despromoção injustificada; atos de
humilhação pública; imposição de regras personalizadas; manipulação de
informações; proposição de metas inatingíveis; não reconhecimento de doenças do
trabalho; não repasse de trabalho; programa de desligamento voluntário (PDV);
recusa de comunicação direta; vigilância específica; vedação ao direito de
expressão; dentre outros.
De acordo com Vacchiano (2009), a orientação e a fiscalização não
configuram, por si sós, assédio moral, já que cabe ao administrador o “poder de
direção”. Tais funções só constituiriam assédio moral se realizadas sob
“constrangimentos e humilhações injustificadas”. Mas o que seria de fato esse
“poder de direção”? Como ele se manifesta nas relações trabalhistas?
Vacchiano (2009) afirma que, com relação ao serviço público, esse poder se
manifesta, enquanto poder hierárquico, impessoal e voltado ao bem comum, que
“tem por objetivo ordenar, fiscalizar, avocar, delegar e reapreciar (corrigir as
atividades administrativas)” (p.40) o poder disciplinar, que “controla o desempenho
das funções e a conduta interna dos servidores” mediante avaliação periódica do
trabalhador13.
Bernardo (2009) ressalta que o sistema de management, que predominou a
partir dessa nova ordem neoliberal, teve como pano de fundo o discurso da 13Vacchiano (2009) critica o modelo de avaliação de desempenho do trabalhador no serviço público criado na administração Fernando Henrique Cardoso. Para o autor, esse modelo favorece práticas de assédio moral na medida em que fragmenta a solidariedade entre os servidores e oferece instrumentos de avaliação a chefes não preparados. Representa “um conjunto de avaliações perverso que instituiu a coisificação do servidor, pois, seus critérios de pontuação não levam em conta que quem está sendo avaliado são seres humanos dotados de necessidades, de consideração, de respeito e de conhecimento aptos, portanto, para compreenderem o processo perverso a que estão sendo submetidos” (p.44).
60
autonomia e a prática da disciplina. No entanto, esse discurso, de acordo com a
autora, representa unicamente uma estratégia de dominação.
Ampliando a lista de agravantes do assédio moral, Silva (2009) assegura que
a globalização que caracteriza o processo das transformações neoliberais baseia-se
na hegemonia do capital. Sendo assim, as modificações nos modos de produção e
gestão do trabalho seguem o rumo das exigências do capital industrial e bancário
em detrimento das “classes subalternas”. Na medida em que a economia ultrapassa
a soberania do Estado, segundo Silva (2009), as consequências para essas classes
são cada vez mais visíveis na forma do desemprego e da violação dos direitos do
trabalhador.
Em referência à Motta (2008), Silva (2009) complementa
A externalização da produção, (...) cria uma nova dinâmica na relação exclusão-inclusão dos trabalhadores no âmbito da economia. Nesta dinâmica, a exclusão dos trabalhadores do trabalho socialmente protegido gera a sua inclusão na economia de forma insegura e sem proteção. Os trabalhadores se percebem agora em torno de um vasto número de estatutos trabalhistas e reprodutivos de forma precarizados e desprotegidos (idem, n.p.).
Essa dinâmica descrita por Motta (2008) faz referência aos novos arranjos
capitalistas entre mercado e Estado no sentido de o capitalismo superar sua própria
crise; arranjos estes que pressupõem unicamente interesses de produtividade e
subjugam os trabalhadores a condições precárias de trabalho, preterindo quaisquer
intervenções no sentido de favorecer o bem-estar deles.
Intrincada nesse processo globalizado e sofrendo consequências diretas do
sistema capitalista, encontra-se a sociabilidade, em suas mais variadas formas.
Para os trabalhadores essas novas formas de sociabilidade, conforme Motta (2008) são construídas de forma a fraturar suas formas históricas de organização e aderindo a uma cultura política que comporta alternativas à ordem do capital.
Tais sociabilidades emergentes são estratégias criadas pelo capital para subordinar cada vez mais os trabalhadores, flexibilizá-los ao mesmo tempo em que intensifica a produtividade do trabalho, mascarado sob a forma "harmoniosa" entre patrões e empregados (SILVA, 2009, n.p.).
61
O atual mundo do trabalho e as mudanças nele operadas encontram-se
diretamente implicadas neste processo de globalização dirigido pelo mercado.
Sennet (2006) ressalta que a revolução tecnológica da última geração tem ganhado
maior espaço, sobretudo nas instituições menos presas a formas centralizadas de
controle. “Esse crescimento certamente tem um preço alto: desigualdades
econômicas cada vez maiores e instabilidade social” (SENNET, 2006, p. 12).
A manipulação social do capitalismo sobre os sujeitos reforça as contradições
instauradas pelo toyotismo e causa um dilaceramento das dimensões física,
psíquica e espiritual do trabalhador (ALVES, 2007, p.188).
O processo de captura como inovação sócio-metabólica do capital tende a dilacerar/estressar não apenas a dimensão física da corporalidade viva da força de trabalho, mas sua dimensão psíquica e espiritual, dilaceramento que se manifesta através de sintomas de doenças psicossomáticas que atingem o trabalhador (2007, p.188).
Rezende (2006) tece uma discussão acerca do contrato de trabalho como um
“instrumento de sujeição operária”. Para ele, as transformações nas formas de
exploração do trabalho humano elevaram o trabalhador da condição de “objeto de
direito” à condição de “sujeito de direito”. Surgem também novos meios de
exploração e sujeição deste trabalhador ainda que sob o discurso da liberdade.
Se outrora a exploração do trabalho justificou-se predominantemente por elementos ideológicos e por uma divisão social discriminatória que privilegiava a desigualdade entre as camadas da população (...), neste momento, o trabalhador vincula-se ao tomador de serviços por meio do contrato, instrumento que conseguia reunir dentro de si tanto a força coercitiva necessária para obrigar ao trabalho como a possibilidade de fortalecer a liberdade falaciosa do trabalhador (...), e ainda de igualar trabalhadores e tomadores de serviços como proprietários (p.78).
De acordo com Dumenil (2011), a “nova ordem social” passou a se
caracterizar pelo “reforço do poder das classes capitalistas em aliança com a classe
dos gerentes (classe des cadres) – sobretudo as cúpulas das hierarquias e dos
setores financeiros”, com relativos poderes dessas classes sociais.
Para o economista, essa nova ordem social neoliberal transformou o
capitalismo de modo a acentuar o controle e a disciplina na produção. Dessa forma,
com relação ao trabalho, pode-se afirmar que, de acordo com o autor, os
62
trabalhadores foram inseridos em uma situação de intensa competição e
“desregulamentação financeira”.
Embora muitas empresas considerem a flexibilização como uma vantagem na
medida em que o trabalhador pode ter muitas alternativas com relação à carga
horária, local, tipo de atividade, é fato que essa flexibilização prejudica ou mesmo
interrompe a possibilidade de construção de uma história linear de vida (SENNET,
2002), deixando o sujeito passivo e dependente de relações cada vez mais
instáveis, culminando, muitas vezes, em adoecimento, mal-estar e violência, criando,
assim, uma questão de saúde pública que demanda intervenção direta e eficiente.
Alves (2007) lembra que o período de crises e mudanças econômicas,
vivenciadas por meio da racionalização da produção e da “manipulação do trabalho
vivo”, atingiu “as mais diversas instâncias do ser social” (2007, p.156).
De acordo com Sennett (2006), as formas de poder nas relações sociais,
incluindo as relações laborais, sofrem influência dos processos de instabilidade,
perda de referência e efemeridade das relações.
Em “O sujeito e o Poder”, Foucault (1995) afirma: “se o sujeito humano é
apanhado nas relações de produção e nas relações de sentido, ele é igualmente
apanhado nas relações de poder de uma grande complexidade” (idem, p.291). Para
Foucault (1995), o poder faz parte das experiências cotidianas. O autor se utiliza de
eventos históricos nos quais o poder se manifesta de forma extrema, como as
ditaduras fascistas, para ilustrar como o poder pode ser utilizado e transformado em
benefício de uma “racionalidade política”.
A relação entre racionalização e excessos do poder político é evidente. E nós não deveríamos ter de esperar a burocracia ou os campos de concentração para reconhecer a existência de relações desse tipo (idem, p. 301).
O autor destaca que os seres humanos tornam-se sujeitos por meio de
processos de subordinação e autonomia. Nesse sentido, ressalta a reflexão acerca
de como se exerce o poder. Para ele, “o exercício do poder não é simplesmente
uma relação entre ‘parceiros’ individuais ou coletivos; é um modo de ação de alguns
sobre outros” (idem, p.297) e só pode se manifestar entre seres presumidamente
63
livres. No entanto, não representa naturalmente um consenso. Sendo assim, é
possível questionar: será, então, necessário legitimar esse poder paralelamente a
atos de violência?
Pode-se inserir o pensamento de Foucault (1995) no universo das discussões
sobre o funcionamento das relações de poder no ambiente de trabalho da
contemporaneidade. Como esse poder se exerce no sentido de garantir os
resultados esperados pelo mercado? De que forma os trabalhadores respondem a
esse processo e/ou são afetados por ele?
Para Foucault (2005), o poder compreende uma dimensão subjetiva, portanto,
“mais do que analisar o poder do ponto de vista da sua racionalidade interna, trata-
se de analisar as relações de poder por meio do afrontamento de estratégias”
(FOUCAULT, 2005, p.300).
o principal objetivo destas lutas não é o de atacar esta ou aquela instituição de poder, ou grupo, ou classe ou elite, mas sim uma técnica particular, uma forma de poder. Esta forma de poder exerce-se sobre a vida quotidiana imediata, que classifica os indivíduos em categorias, os designa pela sua individualidade própria, liga-os à sua identidade, impõe-lhes uma lei de verdade que é necessário reconhecer e que os outros devem reconhecer neles. É uma forma de poder que transforma os indivíduos em sujeitos. Há dois sentidos para a palavra "sujeito": sujeito submetido a outro pelo controle e a dependência e sujeito ligado à sua própria identidade pela consciência ou pelo conhecimento de si. Nos dois casos a palavra sugere uma forma de poder que subjuga e submete (idem, p.302).
Mata (2008) expõe a questão da hierarquia como pressuposto para a
discussão acerca das interações humanas em detrimento de valores humanos e
éticos. Para ele, as sociedades encaram a hierarquia como fator inerente à
socialização, o que pode gerar sequelas patológicas, “divergências, competição,
jogos psicológicos e emocionais, abuso de poder e até violências” (idem, p.4).
Em pesquisa, por meio de questionário com 186 participantes, sobre a
origem do assédio, Hirigoyen (2002) aponta a origem do assédio moral por
estratificação hierárquica dos ambientes de trabalho.
64
Tabela 2: Origem do assédio por estratificação hierárquica
Fonte: HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho redefinindo o assédio moral, 2002, p. 111.
A discussão de Mata (2008) se concentra nas formas veladas de exercício de
poder na hierarquia que contribuem para a prática do assédio moral. “A hierarquia
(...) possui mecanismos de controle muito mais sofisticados e sutis do que o
autoritarismo explícito” (idem, p.6).
Baseado nas discussões de Foucault (2002) e Reich (1977) acerca da
repressão e do conflito, Mata (2008) discute o assédio moral enquanto manifestação
do sadismo humano e enfatiza a questão dos danos à autoestima e às condições
físicas e psicológicas para o trabalho, que leva o indivíduo a perder sua capacidade
de reação diante da estigmatização e da humilhação.
O autor pressupõe a necessidade de se repensar práticas éticas, no ambiente
de trabalho, no sentido de se estabelecer um pacto ético entre o eu e o outro e não
apenas reproduzir ciclos de autoritarismo.
A própria relação de crime e castigo, se não nos damos conta, apenas reproduz e alimenta a engrenagem do poder instituído e assim, o fortalece. Portanto, se não serão as transformações éticas que a sociedade deverá passar, só mesmo mais punição para corrigir os próprios subprodutos que o capitalismo e sua ética egoísta criam (idem, p.12).
Vê-se, assim, que o que se destaca na caracterização do assédio moral, além
de questões referentes às formas de exercício do poder no ambiente de trabalho, é
que esses atos contínuos de violência, humilhação e descaracterização do indivíduo
resultam, necessariamente, em danos à saúde mental do trabalhador, bem como
afetam o cotidiano de suas relações laborais e sociais como um todo.
Será necessário esperar que o trabalhador adoeça para que seja possível
tomar alguma providência? Como prevenir e tratar trabalhadores precarizados e
vitimizados, já que estas duas situações se encontram inter-relacionadas?
ORIGEM DO ASSÉDIO % Hierarquia 58 Diversas pessoas (incluindo colegas) 29 Colegas 12 Subordinados 1 TOTAL 100
65
Fato é que o fenômeno do assédio moral, na sociedade contemporânea,
mostra-se frequente, agressivo e generalizado. Sua prevenção, combate e o
tratamento de suas consequências sobre a saúde do trabalhador constituem, ainda,
um grande desafio para as políticas públicas.
4.4 ESTRATÉGIAS DE PREVENÇÃO E ENFRENTAMENTO AO ASSÉDIO
MORAL
Verifica-se que a abordagem de estudos que dispõe sobre a atenção à saúde do
trabalhador e sobre seu acompanhamento na trajetória do enfrentamento ao assédio
moral e ao sofrimento psíquico no trabalho, em geral, é incompleta. Da mesma
forma, as políticas voltadas ao cuidado integral ainda não se encontram adaptadas
ao modelo sócio-histórico de desenvolvimento da sociedade brasileira.
Não se pode, no entanto, desprezar iniciativas que remetem a importantes
ações de prevenção e enfrentamento ao assédio moral. Essas iniciativas estão (ou
deveriam estar) presentes no âmbito da sociedade civil, do Estado e das
organizações.
É frequente, nas produções bibliográficas, o relato de experiências de
participação sindical em assuntos relacionados ao assédio moral no trabalho, seja
na participação/organização de eventos relacionados ao tema, seja na apuração de
denúncias em parceria com outras instituições.
É papel dos sindicatos intervir em casos de gestão que causa adoecimento aos trabalhadores, “pois compete ao sindicato interpelar a direção e obrigá-la a mudar os métodos” afirma Marie-France. O sindicato pode também participar de mediações internas, atuando em planos de prevenção, conscientização, e até mesmo em comissões paritárias de saúde, mas deve ser o primeiro a agir no combate ao assédio moral no ambiente de trabalho (LOBATO, 2008, n.p.).
Santos (1997) discute a questão do isolamento político do movimento
operário. Para ele, esse isolamento tem se agravado nas últimas décadas. Contudo,
tem contribuído para a “emergência de novos sujeitos sociais e novas práticas de
mobilização social” (idem, p.256).
Pode-se ressaltar que as novas formas de controle e exploração dos
trabalhadores permitem, em contrapartida, o surgimento de novos desafios e
66
possibilidades para a construção de uma subjetividade baseada na consciência das
potencialidades da classe trabalhadora.
A jurista Patrícia Oliveira Peçanha (2009) acredita que, uma vez caracterizado
o assédio moral, não há dificuldade em enquadrá-lo como acidente de trabalho.
Contudo, reconhece que
até o momento, não se tem vislumbrado grandes aplicações práticas onde se constate pleitos de reconhecimento de acidente de trabalho em virtude de assédio moral. Muito provavelmente em razão do instituto ainda encontrar-se em fase de amadurecimento, onde o mero reconhecimento do assédio moral, por si só, já se apresenta como desafio a ser vencido. Parece que pretender, a um só tempo, também sua caracterização como doença ocupacional ou laboral seria “dar um passo maior do que a perna”, preferindo-se o caminhar mais comedido.
Para Peçanha (2009), o empregador tem obrigação de proporcionar ao
empregado condições de trabalho salubres; e infere, ainda, que a prevenção de
assédio moral no ambiente de trabalho caberia a órgãos como a Comissão Interna
de Prevenção contra Acidentes do Trabalho (CIPA). Já sabemos, contudo, que o
problema do assédio moral abrange um universo bem maior e mais complexo de
relações laborais.
De acordo com Wooding e Levenstein, (1999) (apud JACKSON FILHO, 2012,
p.193), “a prevenção aos agravos relacionados ao trabalho depende, sobretudo, da
margem de ação de que dispõem, e às quais dispõem, os atores sociais para agir
sobre os determinantes das condições de trabalho”.
O foco nos fatores “micro” influencia a forma de agir das instituições,
transferindo aos trabalhadores a responsabilidade para sua própria segurança e
“impedindo qualquer associação com os determinantes ‘macro’ dos problemas, ou
seja, os políticos, econômicos organizacionais e gerenciais que influenciam e
determinam as escolhas técnicas e o funcionamento dos sistemas produtivos”
(JACKSON FILHO, 2012, p. 194).
De acordo com Jackson Filho (2012), a questão da prevenção ao assédio
moral segue esta mesma lógica.
67
Procura-se de modo geral, achar e punir os assediadores para buscar a ‘compensação’ dos danos na justiça. Embora os trabalhadores vítimas de assédio possam ter certa compensação, a judicialização e a psicologização pouco contribuem com a prevenção, ou seja, com a ação sobre os determinantes organizacionais e gerenciais que produzem modalidades de relação social inaceitáveis no seio das corporações (idem, p.194).
O autor defende, portanto, a perspectiva de uma “Sociologia da Gestão”, com
ênfase na relação gestão/violência, e incentiva a produção de uma nova forma,
contextualizada técnica, econômica, social e politicamente, para se pensar e agir
sobre “os problemas contemporâneos que envolvem as relações entre trabalho e
saúde em consonância com os princípios norteadores da Saúde do Trabalhador”
(idem, p.194).
Nesse sentido, Guedes (2000) propõe ainda a constituição de ouvidorias14,
assim como de um grupo de profissionais habilitados para lidar com essas
situações: “conciliadores, (...) assistentes sociais, psicólogos e até mesmo
psiquiatras que atuem junto ao setor médico da empresa, conforme necessário”.
De acordo com Câmara, Maciel e Gonçalves (2012):
Intervenções baseadas em ações administrativas proativas, como a criação de comissões para mediação e investigação do assédio acompanhadas da possibilidade de punição para os assediadores, têm sido recomendadas e parecem ter tido sucesso no combate e na prevenção do assédio (idem, p.244).
Tarcitano e Guimarães (2004) problematizam que, diferentemente das outras
formas de sofrimento, no trabalho o assédio moral não possibilita uma recuperação
14 O SUS possui um Departamento de Ouvidoria Geral, regulamentado pelo Decreto 5.974/06, que compõe a estrutura do Ministério da Saúde. A esse departamento compete “propor, coordenar e implementar a Política Nacional de Ouvidoria em Saúde (...); promover ações para assegurar a preservação dos aspectos éticos (...) e todas as etapas do processamento de informações (...); acionar órgãos competentes para a correção de problemas identificados, mediante reclamações enviadas ao Ministério da Saúde (...)”. Na cidade de Fortaleza, a Secretaria de Saúde é a responsável por realizar os encaminhamentos dos usuários. A primeira ouvidoria pública do Ceará foi criada no início dos anos 1990, no Instituto Dr. José Frota. Hoje existem mais dez unidades descentralizadas nas secretarias regionais: Hospital Distrital Gonzaga Mota (Barra do Ceará, José Walter, Messejana); Hospital Distrital Dr. Evandro Ayres de Moura (Antonio Bezerra); Hospital Distrital Edmilson Barros de Oliveira (Messejana); Hospital Distrital Maria José Barroso de Oliveira (Parangaba); Nossa Senhora da Conceição; Centro de Assistência à Criança Lúcia de Fátima; Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU); Instituto de Previdência do Município/IPM (BRASIL, 2008).
68
da vítima a curto prazo, visto que, mesmo que cessem os estímulos, permanecem
as sequelas
que podem evoluir do estresse pós-traumático até uma sensação de vergonha recorrente ou mesmo modificações duradouras de personalidade. A desvalorização persiste mesmo que a pessoa esteja afastada de seu agressor (HIRIGOYEN, 2002, p.164). Logo, são fundamentais a terapia de apoio ou outras práticas alternativas que potencializem a auto-estima, resgatando à vítima a autoconfiança (idem, p.33).
Os autores reconhecem, entretanto, que a recuperação da vítima “depende
também do coletivo, dos laços de afeto, do reconhecimento de solidariedade do
outro, que a possibilitarão resistir, dar-lhe visibilidade social e resgatar sua
dignidade” (idem, p.33).
Em uma revisão de literatura acerca das intervenções sobre o assédio moral,
Glina e Soboll (2010) destacam a proposta de um modelo paradoxal de
gerenciamento: o gerenciamento do chamado risco psicossocial (LEKA e COX,
2008). Este modelo compreende as fases de avaliação de riscos e auditoria das
práticas existentes; desenvolvimentos de planos de ação (medidas preventivas em
ordem de prioridade); Implementação do plano para redução dos riscos ou
intervenções (envolvendo os trabalhadores e seus representantes no processo);
avaliação do plano de ação; e aprendizagem organizacional (GLINA e
SOBOLL,2010, p.271).
As autoras consideram que as medidas de prevenção poderiam se realizar
paralelamente às medidas para os riscos psicossociais. No entanto, é necessário
conhecer a fase do processo de assédio moral “uma vez que há diferentes medidas
para prevenir o seu desenvolvimento, pará-lo ou reabilitar as vítimas” (idem, p.272).
Considerando o assédio moral no trabalho como uma prática
multidimensional, Di Martino (2002, apud GLINA e SOBOLL, 2010) concorda que as
intervenções devem ter um aspecto amplo, priorizando as causas em detrimento dos
efeitos, “incluindo o indivíduo, o trabalho, atividades em nível organizacional e social”
(idem, p.272).
Glina e Soboll (2010) destacam a proposta da European Agency for Safety
and Health at Work que sugere uma classificação das intervenções em níveis: nível
69
do indivíduo, nível da interface indivíduo x organização e nível organizacional e foco
das ações, ou seja, prevenção, reação e reabilitação/medidas corretivas. As autoras
discutem as intervenções encontradas na literatura, portanto, em nível 1: foco nos
indivíduos envolvidos diretamente – assediados (aconselhamento, grupo de apoio,
estratégias de reabilitação e retorno ao trabalho, ouvidoria.); e assediadores
(coaching, reabilitação, transferência ou desligamento.); nível 2: grupo, equipe e
colegas (interface indivíduo/organização: fortalecimento do apoio social e do
enriquecimento do trabalho); nível 3: foco nas organizações (cultura organizacional
que não tolere tais tipos de comportamento.).
De acordo com as pesquisadoras, é consenso, na literatura consultada, a
importância da criação, pelas organizações, de uma política contra o assédio moral.
Essa política deve englobar uma definição de assédio moral no trabalho; uma
explicação dos riscos do assédio moral para os indivíduos e para a organização,
incluindo os efeitos à saúde; um empenho ético por parte dos empregadores e dos
trabalhadores na promoção de um ambiente em que não haja assédio moral; uma
explicitação dos procedimentos para lidar com as queixas de assédio moral, como
investigá-las e como resolver os conflitos; uma indicação das consequências da
violação das normas e dos valores organizacionais e das sanções aplicáveis; um
esclarecimento do papel do gestor, do supervisor, do contato/colega com funções de
apoio e dos representantes sindicais; um encorajamento de denúncias de assédio
moral, assegurando “proteção” contra retaliações dos denunciantes; um
encorajamento de programas antiviolência e antiassédio moral; e um monitoramento
da política (European Agency for Safety and Health at Work, 2002a, 2002b; Beswick
et al. 2006 apud GLINA e SOBOLL, 2010, p.276) .
4.5 A POLÍTICA DE PREVENÇÃO E ENFRENTAMENTO AO ASSÉDIO MORAL
NO CEARÁ
No Ceará, a prevenção e o enfrentamento ao assédio moral tem se dado por meio
da parceria entre sindicatos, universidades, órgãos da administração estatal e
órgãos públicos de atenção à saúde do trabalhador.
70
Essa parceria resultou em estudos, destacando-se uma pesquisa realizada
pelas psicólogas Maciel e Gonçalves (2007) feita com trabalhadores da
administração do estado do Ceará15, a qual subsidiou a iniciativa de elaboração do
“Projeto de Prevenção e Combate ao Assédio Moral dos Servidores Públicos da
Administração Direta do Estado do Ceará”, proposto e encaminhado pelo Fórum
Unificado das Associações e Sindicatos de Servidores Públicos Estaduais do Ceará
(FUASPEC).
De acordo com Evandro Maciel (2012), analista de gestão pública da
Secretaria do Planejamento e Gestão do Estado do Ceará (SEPLAG-CE), um grupo
de representantes da SEPLAG, da Escola de Gestão Pública, do Sindicato dos
Trabalhadores do Serviço Estadual (MOVA-SE), do CEREST/SESA, da Associação
de Servidores da Secretaria de Educação, do Laboratório de Estudos sobre o
Trabalho (LET/UNIFOR) e da Controladoria e Ouvidoria Geral desenvolveu estudos
e estratégias de prevenção e combate ao assédio moral na administração pública, o
que possibilitou a inclusão da temática na agenda da gestão pública.
Dentre estas estratégias de prevenção e combate, Maciel (2012) destaca a
elaboração, em 2009, do projeto de lei sobre o assédio moral e do Manual de
Prevenção e Combate ao Assédio Moral e a capacitação da primeira Comissão
Setorial de Prevenção e Combate ao Assédio Moral.
A Lei n°15.036, que dispõe sobre a prevenção e repreensão do assédio moral
no serviço público, bem como a promoção da dignidade do agente público, foi
aprovada e publicada em Diário Oficial em 18/11/2011 (MACIEL, 2012).
A lei traz consigo a definição do protocolo de providências sobre o processo de apuração de denúncias de assédio moral, a exemplo da representação, processamento, medidas administrativas protetivas e penalidades. Define ainda a alocação de recursos ordinários do erário estadual para a cobertura de despesas necessárias à execução da Lei, além de dotações oriundas de programas de qualidade de vida e de valorização, capacitação e reciclagem de servidores públicos (idem, n.p.).
15A pesquisa foi realizada com uma amostra de 147 trabalhadores que compareceram as reuniões do sindicato dos servidores públicos do estado do Ceará. Do total de entrevistados, 38% foi alvo de assédio moral no trabalho (CÂMARA, MACIEL e GONÇALVES, 2012).
71
Com relação ao Manual de Prevenção e Combate ao Assédio Moral, Maciel
(2012) explica que este foi criado para uso das comissões setoriais no intuito de
ampliar a divulgação da política e difundir o conhecimento acerca da atuação sobre
as manifestações de assédio moral.
Segundo as psicólogas Câmara, Maciel e Gonçalves (2012), a Comissão
Permanente de Combate ao Assédio Moral resultou de ações voltadas ao combate e
prevenção ao assédio moral, embasadas pelos resultados das pesquisas e
discussões acima discutidas.
Composta por representantes da Secretaria de Planejamento e Gestão, da Secretaria de Controladoria e Ouvidoria, do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador, da Secretaria da Saúde do Estado (CEREST) e representantes da Fuaspec. Essa comissão foi responsável pela elaboração e o desenvolvimento do projeto final, que envolve a criação de comissões bipartites, representantes da gestão e dos trabalhadores nos órgãos da administração direta, denominadas de Comissões Setoriais de Combate ao Assédio Moral no Trabalho (CS). As CS ficam subordinadas à comissão permanente, que tem por função orientar, capacitar e acompanhar suas atividades (idem, n.p.).
Maciel (2012) e Câmara, Maciel e Gonçalves (2012) discutem uma
experiência piloto de implantação da Comissão Setorial. Analisam as etapas de
atuação descritas no Manual e as delineiam da forma a seguir.
Queixa: qualquer trabalhador ou entidade representante do trabalhador, como
associações ou sindicatos, pode apresentar uma denúncia de assédio moral;
Indicação de relator e investigação no local de trabalho: após o
recebimento da queixa, um relator é designado para investigar a existência de
assédio, e pode, para tanto, designar uma equipe de membros ou solicitar apoio de
técnicos externos, por exemplo, profissionais do CEREST;
Contato com o denunciado;
Parecer, relatório e ações: No caso de confirmação da ocorrência de
assédio moral, o denunciante é consultado sobre a decisão de dar continuidade ao
processo com solicitação de abertura de Sindicância (Processo Administrativo).
72
Um dos representantes da comissão piloto, entrevistado no processo de
pesquisa de campo, avaliou a experiência como não satisfatória, uma vez que os
membros não se mostraram empenhados com as atividades da comissão. O
entrevistado ressaltou ainda que ocorreram muitas divergências entre membros do
governo e sociedade civil. Por fim, supôs que uma possível remuneração dos
membros da comissão (não prevista no protocolo) poderia ser um incentivador à
participação ativa dos membros.
Independente dos sucessos ou insucessos da comissão piloto, é inegável que
a iniciativa corresponde a um avanço no sentido da prevenção e combate ao
assédio moral, considerando que a comissão integra uma ação coletiva (Estado e
sociedade civil) e oferece um resguardo da integridade da vítima que, porventura,
tenha medo de se expor aos chefes e/ou colegas durante o processo.
Na parte II desta pesquisa, será enfatizado o aparato das políticas públicas de
saúde no Brasil e seus avanços na atuação sobre os agravos provenientes da
exploração e da violência no ambiente de trabalho. Dar-se-á também ênfase à
atuação dos CEREST do estado do Ceará, buscando, assim, entender os limites e
possibilidades do sistema público de atenção ao trabalhador.
73
5 ASSÉDIO MORAL E OS DESAFIOS DA SAÚDE DO TRABALHADOR NO SUS
O que é produtivo, então, é o jogo das relações sociais.
Sodré (2011, p.299)
5.1 TRABALHO, SAÚDE E POLÍTICAS PÚBLICAS: uma construção histórica
O assédio moral acarreta problemas/custos não só para o trabalhador, mas
para todos que estão em seu entorno, ou seja, a saúde pública, a previdência social,
a economia como um todo, incluindo o próprio local de trabalho. Não é a toa que
esse tipo de violência tem sido considerado um problema de saúde pública e um
desafio para as políticas públicas em geral. A única maneira de combater o assédio
moral no trabalho é unir esforços no sentido de observar a questão de ângulos
diferentes (CASSITTO et al., 2004).
De acordo com o Mapa da Violência-2011, das três causas de mortalidade
violenta, os suicídios foram os que mais cresceram na década de 1998-2008,
aumentando em 17% tanto entre a população total quanto para a jovem (com idade
entre 15 e 24 anos), sendo crescente nessa faixa etária.
Na região Nordeste, o estado do Ceará é o que possui maior índice de
suicídios. Fortaleza registrou uma média de 7,6% suicídios a cada cem mil
habitantes entre 2004-2006, superando a média da região (4,6%) e a média nacional
(de 5,1% por cem mil habitantes). Entre as cidades com menos de 50 mil habitantes,
durante o triênio 2005-2007, Boa Viagem, Tianguá e Russas apresentam os maiores
coeficientes de suicídio do Nordeste, 15,5,% 14,2% e 13,5% por cem mil habitantes,
respectivamente (BOTEGA, 2010).
No que tange às relações de trabalho, Amaral, Amaral e Amaral (2010)
ressaltam que o Brasil vivencia um paradoxo que contrapõe, por um lado, “um
desenvolvimento econômico sólido e sustentável, gerando trabalho e renda para a
população e estabilizando as taxas de desemprego” e, por outro,
postos de trabalho criados [que] dizem respeito a ocupações com baixa qualificação profissional, baixa escolaridade e baixa renda, elementos estes que se caracterizam como fatores de risco para as Morbidades Psiquiátricas Menores que, por sua vez, predispõem,
74
juntamente com a pressão no trabalho e com o desemprego, ao suicídio e oneram, sem comentar acerca do desastre humano, familiar e social, a economia, a saúde pública e a previdência social, por meio da perda da mão-de-obra e do afastamento do trabalho, dos atendimentos na rede básica e ambulatorial de saúde e das aposentadorias especiais (AMARAL, AMARAL e AMARAL, 2010).
Esses ônus podem ser constatados nos dados referentes a acidentes de
trabalho, no país, a partir do Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho da
Previdência Social (AEAT/MPS) que aponta, dentre outras questões, indicadores
relacionados a acidentes de trabalho, doenças e mortes em todas as regiões
brasileiras, segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE).
Em 2006, o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) registrou 503.890
acidentes e 2.717 mortes relacionadas ao trabalho; entre trabalhadores sob regime
da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o aumento foi de 0,8% com relação ao
ano anterior. Importante ressaltar que esse tipo de contrato de trabalho responde por
apenas 30% dos vínculos trabalhistas da população economicamente ativa. Os
acidentes típicos representaram 80% do total; os de trajeto, 14,7%; e as doenças do
trabalho; 5,3%. Já em 2008 e 2009, o número de acidentes atingiu os patamares de
755.980 e 723.452, respectivamente, sendo as doenças do trabalho responsáveis
por 20.356 ocorrências em 2008 e 17.653 ocorrências em 2009 (BRASIL, 2010). O
estado do Ceará, por sua vez, apresentou um crescimento de 41,7% de óbitos
decorrentes de acidentes de trabalho de 2009 a 2010 (BRASIL, 2012).
De acordo com o Ministério da Previdência, cerca de 700 mil casos de
acidentes de trabalho16 são notificados anualmente no Brasil, sem contar os casos
não oficialmente notificados. Esse tipo de acidente gera um ônus de cerca de R$ 70
bilhões por ano. Entre as principais causas desses acidentes estão: maquinário e
tecnologia ultrapassados, mobiliário inadequado, ritmo de trabalho acelerado,
assédio moral, cobrança exagerada e desrespeito a diversos direitos (BRASIL,
2012).
16 Segundo o artigo 19 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, “acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa, ou pelo exercício do trabalho do segurado especial, provocando lesão corporal ou perturbação funcional, de caráter temporário ou permanente” (BRASIL, 1991).
75
Os transtornos mentais e comportamentais, como episódios depressivos,
estresse e ansiedade, aparecem em terceiro lugar nessa lista, atrás apenas de
fraturas e amputações e lesões por esforço repetitivo e distúrbios osteomusculares
relacionados ao Trabalho (LER/DORT). Segundo o diretor do Departamento de
Políticas de Saúde e Segurança Ocupacional do Ministério da Previdência Social,
Remígio Todeschini (apud BRASIL, 2012), os transtornos mentais são os problemas
de solução mais complexa. Estima-se que, em 2009, foram 13.200 casos, enquanto,
no ano de 2006, foram registrados 600 casos. Já em 2010, registrou-se 12.500
(BRASIL, 2010).
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS - Suicide Prevention,
2011), um importante fator de risco para o suicídio na Europa e América do Norte
compreende os transtornos mentais (particularmente depressão e transtornos por
uso de álcool), incluindo também aqueles ligados à violência no trabalho.
Ainda segundo a OMS (2011), todos os anos, quase um milhão de pessoas
cometem suicídio; uma taxa de mortalidade "global"de 16 pessoas por 100 mil
habitantes, ou uma morte a cada 40 segundos; ou seja, para cada suicídio, há, em
média, cinco (5) ou seis (6) pessoas próximas ao falecido que sofre consequências
emocionais, sociais e econômicas.
Nos últimos 45 anos, as taxas de suicídio aumentaram 60% em todo o
mundo, elevando o suicídio a uma das três principais causas de morte entre aqueles
com idade de 15-44 anos. Em alguns países, é a segunda principal causa de morte
na faixa etária de 10-24 anos, não incluindo as tentativas de suicídio, que são até 20
vezes mais frequente do que o suicídio consumado (OMS, 2011).
Em termos de número de óbitos, o Brasil figura entre os dez países que
registram os maiores números de suicídios. Foram 8.639 suicídios oficialmente
registrados em 2006, o que representa, em média, 24 mortes por dia (BOTEGA,
2010).
Com uma nova Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho, criada
em 2011, o governo propõe uma intervenção baseada em ações combinadas por
76
três ministérios: Previdência, Trabalho e Saúde, visando à prevenção em
contraposição às ações antes focadas em reabilitação e tratamento (BRASIL, 2012).
Nota-se que a Saúde do Trabalhador, nesse contexto, edifica-se em meio a
avanços e recuos no contexto das relações de trabalho e das mudanças sócio-
históricas. Dessa forma, para subsidiar a discussão acerca da atuação do serviço
público na atenção ao trabalhador, considera-se importante entender o percurso de
evolução dos procedimentos em Saúde do Trabalhador, notadamente ao que se
refere ao assédio moral. Logo, surge o seguinte questionamento: estaria a Saúde
Pública preparada para lidar com os transtornos mentais provenientes dessa
violência?
5.1.1 Antecedentes da Previdência e da Saúde Pública no Brasil
Se no século XIX a saúde apresentava dimensões coletiva e preventiva
(controle de epidemias, endemias, vigilância e controle dos alimentos, etc), de
responsabilidade do Estado; e individual e curativa, de responsabilidade da família;
no século seguinte, Bertrand Dawson, a partir de seus estudos acerca da história da
política de saúde, propõe que a assistência médica deveria se caracterizar como um
conjunto de ações integradas e de natureza curativa e preventiva, individual e
coletiva (POLIGNANO, 2008)
No Brasil existiam, no início do século XX, quatro modelos de atendimento à
saúde: saúde pública, baseada principalmente em campanhas sanitárias; saúde
privada, para classes de melhor poder aquisitivo; atenção filantrópica, voltada aos
mais pobres; e medicina de fábrica, surgida a partir da industrialização.
Atreladas à medicina de fábrica, foram criadas as Caixas de Aposentadoria e
Pensão (CAPs), que tinham como finalidade prestar proteção em caso de doença,
morte e idade avançada, no sentido de oferecer serviços médicos e medicamentos
aos trabalhadores das grandes empresas, constituindo-se o embrião da previdência
brasileira.
Durante o governo Vargas, tem-se a criação do Serviço Especial de Saúde
Pública (SESP). No governo seguinte, funda-se o Departamento Nacional de
77
Endemias Rurais (DNERu), transformando as campanhas sanitaristas em “medicina
de massa”.
Nas décadas de 1950 e 1960, a expansão da industrialização traz novas
demandas para a classe trabalhadora. O Estado, então, suprime o poder de
reivindicação das organizações trabalhistas e centraliza as decisões referentes à
Previdência Social, tornando-a um sistema obrigatório e contributivo. Os recursos
destinados à assistência médico-previdenciária foram transferidos para hospitais e
clínicas médicas privadas, contribuindo para o processo de mercantilização da
saúde.
Na década de 1970, institui-se o Plano de Pronta Ação (PPA), que propõe
uma igualdade de direito à assistência médica de urgência independentemente de
contribuição com a previdência; e o Sistema Nacional de Previdência e Assistência
Social (SINPAS), que transferiu a assistência médica previdenciária para o Instituto
Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), configurando o
sistema como contratual e de caráter contributivo, fiscalizado e administrado pelo
Estado.
No final da década de 1970 e início da década de 1980, o modelo de saúde
brasileiro começa a dar sinais de desgaste, favorecendo o ingresso de novos atores
sociais que constituíram a base político-ideológica da Reforma Sanitária e da
superação da visão de saúde ocupacional.
O olhar conferido pela medicina social – atento à estrutura social e do trabalho e mais próximo das instituições públicas de saúde – ganha nova dimensão: o ser humano, sua inserção no processo produtivo como um todo, na organização e na divisão do trabalho, e as características específicas de cada extrato social. Este enfoque permitiu uma abordagem mais ampla das necessidades de saúde dos trabalhadores e resultou em um espectro mais largo e integral de instrumentos para sua atenção (MAENO e CARMO, 2005, p.44).
78
A Constituição de 1988 representou um avanço no contexto das reformas
sociais e da conquista de direitos sociais, como a Seguridade, integrada pelos
setores de Previdência, Saúde, Assistência Social e Seguro desemprego17.
Seu âmago reside nos princípios da universalidade (em contraposição à focalização exclusiva), da seguridade social (em contraposição ao seguro social) e da compreensão da questão social como um direito da cidadania (em contraposição ao assistencialismo) (FAGNANI, 2010, p.24).
De acordo com Maeno e Carmo (2005), a criação do SUS, diante de todos os
seus percalços, representou “uma nova etapa na construção da cidadania no Brasil”,
cidadania em seu conceito concreto, não apenas como um “item da agenda política”
(2005, p.104).
Nesse contexto, a saúde do trabalhador, incluindo situações de acidentes e
danos à saúde do trabalhador, passa a ser direito constitucional de responsabilidade
do Sistema Único de Saúde (SUS).
Nessa conjuntura, é que se configura, segundo Gomez (2011), o campo da
saúde do trabalhador. O autor aponta, ainda, como principais antecedentes dessa
“gênese social”, o avanço da produção acadêmica no âmbito da saúde pública,
ampliando a concepção de saúde, incluindo as dimensões de “classe” e “trabalho”; o
movimento pela Reforma Sanitária; o fortalecimento dos movimentos sociais; a
realização da I Conferência Nacional de Saúde dos Trabalhadores; e a criação dos
Programas de Saúde do Trabalhador e dos Centros de Referência em Saúde do
Trabalhador (2011, p.24).
Fagnani (2010) ressalta o momento atual brasileiro como um período de
desafios para consolidação das conquistas sociais garantidas pela Constituição de
1988. O autor aponta os principais aspectos que, “segundo especialistas e entidades
do movimento social”, deveriam ser rediscutidos na década corrente. São eles: 1) o
papel do Estado no planejamento para propor uma reorganização administrativa e
uma recomposição de investimentos em projetos econômicos e sociais; 2)
redistribuição de renda e riquezas; 3) reforma tributária; 4) alteração das relações
17 De acordo com o levantamento da CEPAL, até 2009, o Brasil possuía 80% dos idosos tendo a aposentadoria como fonte de renda, enquanto na América Latina essa média caia para 30%. (CEPAL, 2010).
79
entre a política econômica e a social, avançando em opções macroeconômicas que
priorizem o crescimento sustentável; 5) conservação e desenvolvimento ambiental
sustentável; 6) promoção de emprego e renda, garantindo maior valorização e
proteção ao trabalhador; 7) restabelecimento das bases de financiamento das
políticas sociais; 8) enfrentamento da questão agrária e concentração de riquezas,
abrindo espaço para iniciativas de agricultura familiar, economia solidária e proteção
ecológica; 9) cumprimento das disposições que tratam da Seguridade Social por
meio do planejamento integrado das ações de saúde, previdência, assistência e
seguro desemprego; 10) promoção de uma reforma previdenciária, incorporando
100% da população economicamente ativa; 11) ampliação da equidade e da
integralidade da saúde no SUS; 12) ampliação dos benefícios de assistência social;
13) universalização da educação; 14) política nacional de desenvolvimento urbano
(2010 p.36-38).
5.2 A QUESTÃO DA SAÚDE DO TRABALHADOR NO ÂMBITO DO SUS
A construção da Saúde do Trabalhador percorre um caminho de lutas e desafios
(MAENO e CARMO, 2005; FALEIROS, 2010; LACAZ, 2007; GOMEZ, 2011;
SANTOS e LACAZ, 2011) uma vez que pressupõe o envolvimento constante de
vários atores sociais, assim como conflitos de interesses presentes na conjuntura
capital versus trabalho. De acordo com os autores, essas questões interferem na
maneira como o trabalho se insere na vida e na saúde das pessoas (MAENO e
CARMO, 2005, p.23).
No novo cenário [Revolução Industrial] o trabalhador vira parte da engrenagem do trabalho e a doença passa a ser para o empregador apenas um fator de ameaça à produtividade e ao lucro, ainda que o “custo de reposição” do trabalhador fosse “baixo” (2005, p.28).
Manoel Messias de Melo (2010), Secretário Nacional de Relações de
Trabalho da CUT, enfatiza essa demanda em uma discussão acerca dos desafios
para o mundo do trabalho, no que diz respeito aos campos da Seguridade Social,
desenvolvimento e saúde, e ressalta a importância da participação da sociedade civil
organizada nas ações de construção/fiscalização de políticas de saúde do
trabalhador.
80
As ações de resistência às políticas neoliberais nos anos de 1990 são (...) marco, na medida em que conseguimos impedir a privatização do SAT – Seguro Acidente de Trabalho, por meio de uma forte campanha que dialogou com trabalhadores e outros setores da sociedade, e desenvolvemos outras tantas lutas em defesa da saúde do trabalhador, dos aposentados, das pessoas com deficiência, contra as altas programadas, contra a precarização do trabalho, contra o fator previdenciário, contra a reforma da previdência social etc. além da intervenção nos espaços tripartite do Ministério do Trabalho e Emprego, no Conselho Nacional de Saúde e Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde, no Conselho Nacional de Previdência Social e outros espaços das políticas públicas (MELO, 2010, p.11)
Nesse sentido, Maeno e Carmo (2005) frisam que não há como pensar a
saúde do trabalhador, seus determinantes e sua evolução desvinculados do
desenvolvimento da economia e das relações político-sociais.
Vasconcelos e Machado (2011) discutem o SUS enquanto palco de
formulação de uma política de saúde do trabalhador. Para eles, as fragilidades do
Sistema Único de Saúde/SUS, no que diz respeito à atuação política dos sujeitos e à
produção de conhecimento político-ideológico, repercutem no pretenso
posicionamento contra-hegemônico, interdisciplinar, universal e descentralizado.
Os autores consideram a discussão dos pressupostos de revisão do papel do
SUS e das ações de caráter assistencial como ponto de partida para se pensar a
criação e operacionalização de políticas de saúde do trabalhador.
Lacaz (2007) ressalta que a Saúde do Trabalhador no Brasil propõe, em sua
essência, uma superação da visão de Saúde Ocupacional por meio de
conhecimentos e práticas formulados a partir de discursos da medicina social latino-
americana relativos à “determinação social do processo saúde-doença; pela Saúde
Pública (...) e pela Saúde Coletiva ao abordar o sofrer, adoecer, morrer das classes
e grupos sociais inseridos em processos produtivos” (p.758).
Aqui se assume que Saúde do Trabalhador é campo de práticas e conhecimentos cujo enfoque teórico-metodológico, no Brasil, emerge da Saúde Coletiva, buscando conhecer (e intervir) (n)as relações trabalho e saúde-doença, tendo como referência central o surgimento de um novo ator social: a classe operária industrial, numa sociedade que vive profundas mudanças políticas, econômicas, sociais (idem, p.757-758).
81
Lacaz (2007) complementa, ainda, que a Saúde do Trabalhador se configura
sob os pilares da produção acadêmica, programação e movimento dos
trabalhadores, contudo, ressalta que este é, ainda, um campo em construção.
Além dos desafios no campo acadêmico e no campo da gestão, com relação
à fragilidade dos movimentos dos trabalhadores na contemporaneidade, Santos e
Lacaz (2011) destacam a questão de que o “’controle social’ passou a ocorrer muito
mais nas ações institucionais (...) do que no protagonismo de ação e na definição de
frentes de atuação” (idem, p.32).
No caso da saúde, essa fragilidade, de acordo com os autores, traduz-se na
diluição da participação e na representação dos trabalhadores nos conselhos e nas
comissões interinstitucionais de saúde. Se no início da construção do SUS essa
participação era “proativa” e “propositiva”, na atualidade, ela vem assumindo uma
posição “participacionismo”, subsumindo o papel dos trabalhadores a “técnicos de
saúde”.
Dessa forma, entende-se que a Saúde do Trabalhador abrange um universo
de desafios e potencialidades a serem discutidos criticamente, de modo a produzir
consequências benéficas e contribuir para a elaboração e operacionalização das
políticas públicas. “Se a saúde do trabalhador é um campo aberto e em construção
(...) precisamos investir (...) no encontro de todos os atores e em planos de ação que
promovam maior consenso” (SANTOS e LACAZ, 2011 p.33).
5.2.1 Estratégias de vigilância e promoção da saúde do trabalhador
No campo da Saúde Pública, na década de 1980, tem início um movimento político-
ideológico, influenciado pelas tendências propostas por organismos internacionais
(Organização Internacional do Trabalho/OIT, Organização Mundial de Saúde/OMS e
Organização Pan-Americana da Saúde/OPAS) e pela criação dos Programas de
Saúde do Trabalhador (PST) (SANTOS e LACAZ, 2011).
Frisa-se que eram organizados todos eles na perspectiva de acoplar ações de assistência à saúde às ações de vigilância dos ambientes de trabalho, com ênfase na interlocução com o movimento social de trabalhadores e na atividade interinstitucional e multiprofissional, procurando sempre uma aproximação com a universidade (idem, p.88).
82
Em março de 1986, a VIII Conferência Nacional de Saúde, realizada em
Brasília, pressupõe a criação do Sistema Único de Saúde (SUS)18 e define a
constituição de uma comissão organizadora da primeira Conferência Nacional de
Saúde do Trabalhador/CNST, que se realiza em dezembro do mesmo ano,
reforçando a proposta de inserção da saúde do trabalhador no campo da saúde
pública (idem, p.88). A Constituição Federal de 1988 e a Lei Orgânica da Saúde (Lei
nº 8080/90) consolidam a atenção do SUS e delegam ao Ministério da Saúde a
reestruturação da atenção à saúde no Brasil.
A II Conferência Nacional em Saúde do Trabalhador destacou-se pela
implantação de um plano de ação que tinha por base “incorporar a atenção à saúde
dos trabalhadores na rede de serviços, sob a perspectiva de municipalização da
saúde” (GOMEZ e LACAZ, 2005).
Nesta conjuntura de transição política – final dos anos 1980 e final dos anos
1990 – marcada, entre outros avanços, pela institucionalização das ações na rede
de assistência à saúde, mediante as leis 8.080/90 e 8.142/90, inicia-se a
implementação dos primeiros Centros de Referência em Saúde do
Trabalhador/CEREST em substituição aos Programas de Saúde do
Trabalhador/PST, inseridos, anteriormente, no contexto da Reforma Sanitária.
Os CEREST compõem uma tentativa de intersetorialização das estruturas no
Sistema Único de Saúde/SUS, no âmbito da “municipalização da saúde”, buscando
romper com a fragmentação e o desfavorecimento à Saúde do Trabalhador. Sua
criação está, portanto, ligada à proposta de integração da rede de atenção à saúde
por meio de ações de prevenção, promoção e recuperação da saúde de
trabalhadores rurais e urbanos (ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DA SAÚDE,
2009). Constituem-se, até 2009, 178 unidades entre estaduais e regionais.
Os CEREST, juntamente com a Rede Sentinela, compõem o eixo estruturador
da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador/RENAST, instituída
18Conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde/SUS.
83
em 2002, pela portaria nº 1.679 e implementada em 2009, pela portaria nº
2.728/GM.
Quase 20 anos após a VIII Conferência, entra em vigor, em 2004, a Política
Nacional de Saúde do Trabalhador/PNST, visando “à redução dos acidentes e
doenças relacionadas ao trabalho, mediante a execução de ações de promoção,
reabilitação e vigilância na área de saúde”, e propondo assegurar a qualidade de
vida no trabalho para garantir a integralidade das ações (BRASIL, 2004).
Segundo Gomez e Lacaz (2005), a dificuldade e a demora na implantação de
uma política nacional direcionada ao trabalhador é resultado de um conjunto de
fatores que são agravados pela reestruturação produtiva, dentre eles, destacam-se:
deficiências históricas na efetivação das políticas públicas e sociais no país; baixa cobertura do sistema de proteção social; fragmentação do sistema de seguridade social concebido na Constituição de 1988 para funcionar integralmente (...) (idem, p.796).
Para os autores, as mudanças no contexto socioeconômico constituem uma
“crise sistêmica” que atinge o trabalhador em sua totalidade, afetando inclusive suas
representações por meio de associações ou políticas públicas.
Nesse contexto, a elaboração da Política Nacional de Saúde do
Trabalhador/PNST contou com a colaboração dos Ministérios do Trabalho, da
Previdência Social e da Saúde no sentido de propor uma abordagem transversal e
intersetorial de políticas e ações de governo.
Dessa forma, a RENAST, conforme a Portaria nº 777/GM, de 28 de abril de
2004, passa a ser considerada “estratégia prioritária da Política Nacional de Saúde
do Trabalhador no SUS” (BRASIL, 2004).
84
Figura 1: O sistema de vigilância da RENAST
Fonte:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232005000400007&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt&userID=-2
A mesma portaria regulamenta, ainda, a notificação compulsória de 11 (onze)
tipos de agravos à saúde do trabalhador, dentre eles, transtornos mentais
relacionados ao trabalho, por meio da Ficha de Notificação padronizada, seguindo o
fluxo do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN); e cria a Rede
Sentinela de Notificação Compulsória de Acidentes e Doenças Relacionadas ao
Trabalho, que é composta pelos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador,
hospitais de referência e serviços de atenção básica e de média complexidade.
Durante os anos de implementação da RENAST, observou-se a necessidade
de revisões do texto da portaria nº 1.679 para adaptá-la às novas estruturas de
constituição das redes de atenção.
85
Entre as inovações propostas estão: a) a ampliação do número de CEREST e de uma nova estrutura para a RENAST, que passa a ser organizada a partir da Coordenação Estadual de Saúde do Trabalhador, dos CEREST e da rede sentinela; b) mudanças no processo de habilitação dos CEREST, cuja gestão passa a ser tanto municipal quanto estadual; c) definição mais clara dos mecanismos de controle social, dos critérios de habilitação e acompanhamento dos CEREST e do sistema de informação do SIA/SUS (DIAS e HOEFL, 2005).
Em novembro de 2011, o decreto nº 7.602 regulamenta a Política Nacional de
Segurança e Saúde no Trabalho (PNSST), determinando suas diretrizes19 de
atuação e os órgãos responsáveis por sua implementação, execução e gestão.
Em 27 de abril de 2012, tem-se o lançamento da Política e do Plano Nacional
de Segurança e Saúde no Trabalho (Plansat)20 pelos Ministérios da Saúde, da
Previdência Social e do Trabalho e Emprego. E em agosto do mesmo ano, institui-se
a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, mediante Portaria
GM/MS nº 1.823, buscando um “alinhamento entre a Política de Saúde do
Trabalhador e a Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho (PNSST),
estabelecida por meio do Decreto nº 7.602, de 7 de novembro de 2011” (BRASIL,
2012); com foco nas estratégias de gestão (federal, estadual e municipal),
matriciamento21 e vigilância em saúde do trabalhador.
Dentre essas estratégias, destaca-se: 19a) Inclusão de todos trabalhadores brasileiros no sistema nacional de promoção e proteção da saúde; b) harmonização da legislação e a articulação das ações de promoção, proteção, prevenção, assistência, reabilitação e reparação da saúde do trabalhador; c) adoção de medidas especiais para atividades laborais de alto risco; d) estruturação de rede integrada de informações em saúde do trabalhador; e) promoção da implantação de sistemas e programas de gestão da segurança e saúde nos locais de trabalho; f) reestruturação da formação em saúde do trabalhador e em segurança no trabalho e o estímulo à capacitação e à educação continuada de trabalhadores; e g) promoção de agenda integrada de estudos e pesquisas em segurança e saúde no trabalho. 20Objetivos do Plansat: 1) Inclusão de todos trabalhadores brasileiros no sistema nacional de promoção e proteção da Segurança e Saúde no Trabalho/SST; 2) Harmonização da legislação trabalhista, sanitária, previdenciária e outras que se relacionem com SST; 3) Integração das ações de SST; 4) Adoção de medidas especiais para atividades laborais submetidas a alto risco de doenças e acidentes de trabalho; 5) Estruturação de uma rede integrada de informações em SST; 6) Implementação de sistemas de gestão de SST nos setores público e privado; 7) Capacitação e educação continuada em SST; 8) Criação de uma agenda integrada de estudos e pesquisas em SST (PLANSAT, 2012). 21O apoio matricial (AM) busca abordar as questões de Saúde do Trabalhador e ampliar o olhar para além do processo de trabalho, considerando os reflexos do trabalho e das condições de vida dos indivíduos e das famílias, envolvendo uma abordagem integral do sujeito com resolutividade, responsabilização, acolhimento e integralidade (RIBEIRO, 2012).
86
- Integração da Vigilância em Saúde do Trabalhador junto aos demais componentes da Vigilância em Saúde e com a Atenção Primária em Saúde; - Análise do perfil produtivo e da situação de saúde dos trabalhadores; - Estruturação da RENAST no contexto da Rede de Atenção à Saúde; - Ações de Saúde do Trabalhador junto à Atenção Primária; - Ações de ST junto à Urgência e Emergência; - Ações de ST junto à Atenção Especializada (Ambulatorial e Hospitalar); - Fortalecimento e ampliação da articulação intersetorial; - Estímulo à participação da comunidade, dos trabalhadores e do controle social; - Desenvolvimento e capacitação de recursos humanos; - Apoio ao desenvolvimento de estudos e pesquisas (PNSTT, cap.III,art.9°).
No que se refere às estratégias integradas em Saúde do Trabalhador, Ribeiro
(2012), enfermeira do CEREST de Sobral, discute a implantação, a partir de
fevereiro de 2012, no município, de ações de matriciamento com o objetivo de
possibilitar o cuidado integral por meio de momentos de educação permanente nos
territórios sentinela de Atenção Primária à Saúde (APS), melhorando, assim, a
articulação entre a APS e o CEREST e aumentando a resolubilidade dos casos de
doenças ocupacionais de acidentes de trabalho.
A formulação e a implantação dessas políticas e estratégias constitui um
avanço na conquista dos direitos do trabalhador, contudo, estas iniciativas ainda se
mostram deficientes quanto às estratégias, diretrizes e princípios norteadores.
Parte desses entraves se deve, segundo Gomez e Lacaz (2005), à
insuficiência na articulação e no planejamento conjunto das ações, o que dificulta a
elaboração de diagnósticos baseados no conhecimento da real situação vivenciada
pelos trabalhadores, assim como das consequências dessa dinâmica para sua
saúde.
A reorganização da saúde sob uma perspectiva de direto social garantido pelo
Estado, com atuação baseada na humanização, regionalização, universalização e
intersetorialidade, trouxe à tona essa discussão sobre a fragmentação das redes de
atenção à saúde, sobretudo no que se refere à operacionalização das ações.
Para Castells (2000), as redes são novas formas de organização social, do Estado ou da sociedade, intensivas em tecnologia de
87
informação e baseadas na cooperação entre unidades dotadas de autonomia. Diferentes conceitos coincidem em elementos comuns das redes: relações relativamente estáveis, autonomia, inexistência de hierarquia, compartilhamento de objetivos comuns, cooperação, confiança, interdependência e intercâmbio constante e duradouro de recursos (MENDES, 2011).
De acordo com Vasconcellos e Machado (2011), é “baixíssima” e, muitas
vezes, inexistente a articulação entre as inúmeras estruturas de gestão,
coordenação, promoção e vigilância em Saúde do Trabalhador que compõem os
aparelhos do Estado. Os autores ressaltam que esse fato tem reflexo sobre a
macropolítica e discutem, nesse contexto, o risco de um efeito contrário ao proposto
pelas redes, como a possibilidade de as estruturas se tornarem “guetos” ou “ilhas
autônomas marginais ao restante do sistema” (NOBRE, 2001, apud
VASCONCELLOS e MACHADO, 2011, p.45).
Os autores propõem ainda que a elaboração de políticas efetivas e eficientes
de saúde do trabalhador pressupõe o avanço “para estratégias mais condizentes
com preocupações hoje plenamente assumidas pelo mercado” (2011, p.48), como a
“refocalização da relação saúde-trabalho no campo político e no da produção de
conhecimentos” (idem, p.50).
Desta forma, podem-se considerar as questões acima discutidas como alguns
dos fatores mais relevantes para compreender a inoperância de políticas e
legislações voltadas à questão da própria violência moral contra o trabalhador, para
entender os desafios e possibilidades das estruturas de assistência à Saúde do
Trabalhador em geral.
5.3 O SISTEMA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE DO TRABALHADOR:
RENAST/CEREST
Gomez e Lacaz (2005) incitam a reflexão acerca da real abrangência das políticas e
das ações que têm como foco a saúde do trabalhador. É importante compreender a
dicotomia existente entre assistência e vigilância, bem como as estratégias de
prevenção e promoção da saúde e, ainda, a fragmentação existente no campo do
conhecimento acerca da “saúde do trabalhador”. Disso depende uma abordagem
mais clara e aproximada da realidade no sentido de intervir melhor sobre ela.
88
A vigilância em Saúde do Trabalhador/Visat compõe o Sistema Nacional de
Vigilância em Saúde (Portaria GM/MS nº 3252/09) e adota os princípios norteadores
do SUS em suas diretrizes básicas.
As ações da Vigilância em Saúde do Trabalhador têm caráter proponente de mudanças e regulação dos processos de trabalho, a partir das análises epidemiológica, tecnológica, social em uma ação múltipla e interinstitucional. Exigem a articulação de conhecimentos interdisciplinares e o saber do trabalhador sistematizado a partir do registro sobre o processo ou a organização do trabalho/atividade e a percepção de adoecimento, de riscos e de vulnerabilidades. Assim, demandam a utilização de metodologias de intervenção, que contem com a participação dos trabalhadores em todas as suas etapas, desde a definição de prioridades, organização de ações programadas, execução, avaliação, acompanhamento e divulgação (PNST-SUS, 2010, p.3).
Segundo Machado (2011), busca “intervir na transformação do trabalho no
sentido da promoção da saúde” por meio de estratégias de interdependência dos
profissionais de saúde com os trabalhadores (2011, p.67).
As Diretrizes para implementação da Vigilância em Saúde do Trabalhador no
SUS deixam a cargo dos municípios, regiões e Estado as estratégias de busca para
uma melhor forma de desenvolvimento das ações e recomendam: promover e/ou
aprofundar a relação institucional com as estruturas de Vigilância Epidemiológica,
Sanitária, Ambiental, de Atenção Primária em Saúde de Média e Alta complexidade;
constituir equipes multiprofissionais; promover discussões nas instâncias de controle
social do SUS e outros espaços de participação social (VISAT-SUS, 2010, p.5)
As mesmas diretrizes ressaltam a necessidade de indicadores
epidemiológicos e sociais como critérios prioritários para a vigilância dos agravos
relacionados ao trabalho, conforme delimitados nas Portarias nº 1339/GM/MS/1999
e nº 104/GM/MS/2011.
Para a utilização deste critério deve se sistematizar e analisar as informações registradas nos sistemas de informação do SUS (Sinan, SIM, SIA, SIH, SIAB, Sinitox, entre outros), da Previdência Social (Sistema Único de Informações de Benefícios – Suibe e Sistema Integrado de Tratamento Estatístico de Séries Estratégicas – Síntese), do Ministério do Trabalho e Emprego (Relação Anual de Informações Sociais – RAIS e Cadastro Geral de Empregados e Desempregados– CAGED), casos registrados na Segurança Pública e outros órgãos governamentais, informações demográficas da população trabalhadora, análise dos processos produtivos da região, bem como
89
informações constantes de denúncias e notícias de jornal (VISAT-SUS, 2010, p.6).
Em uma discussão acerca dos pressupostos e princípios da atividade de
vigilância em Saúde do Trabalhador, Machado (2011) destaca a participação ativa
dos trabalhadores e a importância das bases epidemiológicas, como alicerce da
investigação em saúde do trabalhador no que se refere à identificação de situações
de risco, e a avaliação dos impactos causados por mudanças tecnológicas ou
procedimentos de gerenciamento de risco (2011 p.74).
Para Machado (2011), as ações de Visat constituem uma força de
organização e de construção, iniciada no Brasil na década de 1980, inspirada pelo
movimento social e pela reforma sanitária italiana, que ganha maiores dimensões no
âmbito das CNSTs e expande sua área de atuação por meio da criação e ampliação
dos CERESTs, sobretudo a partir de 2005, quando passam a integrar a Rede
Nacional de Atenção à Saúde do Trabalhador (RENAST). No entanto, o autor
reforça que essas estratégias de vigilância ainda carecem de definição e divulgação.
A própria criação dos CEREST passou por um processo histórico
contraditório. Discussões nos campos das redes de atenção à saúde apontavam,
por um lado, a necessidade de criação de centros que se tornassem referência para
a rede; por outro lado, acreditava-se na possibilidade de esses centros levarem a
uma fragmentação e concentração das ações de saúde do trabalhador.
Mesmo reconhecendo essas fragilidades, muitos autores reconhecem a
importância da RENAST e dos Centros de Referência. Machado (2011) ressalta que
as dificuldades apresentadas contribuem para manter essas estratégias “à margem
das políticas de saúde do SUS”. No entanto, reconhece que essas estratégias
possibilitam “avanços setoriais, acúmulo de experiências e conhecimentos técnicos”
(2011, p.89) e ressalta que deficiências, como a falta de disposições sobre vigilância
dos ambientes de trabalho, no momento de criação da RENAST, vão passo a passo
sendo discutidas e modificadas por meio de ações como discussões e publicação de
portarias.
Segundo dados do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde (Dsast/SVS), de 2002 a 2010 houve aumento de 958,8% no número de Centros de
90
Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) no país. Para se ter uma idéia, em 2002 havia 17 unidades. Em 2010, o número subiu para 180 (BRASIL, 2010).
Maeno e Carmo (2005), por sua vez, enxergam a RENAST como “resultado
de um processo de construção a muitas mãos”, que se constitui em um desafio, e,
ao mesmo tempo, numa oportunidade de consolidar experiências regionais e gerar a
multiplicação de métodos e práticas, rompendo com a visão de que os CEREST se
transformariam em guetos dentro do SUS.
Os CEREST continuam sendo entendidos como unidades especializadas de retaguarda para as ações de saúde do trabalhador no SUS, envolvendo “ações de prevenção, promoção, diagnóstico, tratamento, reabilitação e vigilância em saúde dos trabalhadores urbanos e rurais, independentemente do vínculo empregatício e do tipo de inserção no mercado de trabalho” (Brasil, 2009) (GOMES e LACAZ, 2011, p.92).
O quadro abaixo demonstra a distribuição dos CEREST nos Estados
definidos na portaria nº 2.978 de 2011. Ressalta-se uma ampliação de 10 unidades
com relação aos CEREST habilitados (178) e em processo de habilitação (12) a
partir de março de 2009. Sendo assim, a RENAST amplia de 178 CEREST e cerca
de 400 unidades-sentinela para 200 CEREST em 2011.
Quadro 1 – Distribuição dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador
REGIÕES/ESTADOS/DF Número de novos CEREST TOTAL
NORTE 2 21
Rondônia 1 3
Acre 1
Amazonas 3
Roraima 1 3
Amapá 2
Pará 6
Tocantins 3
NORDESTE 2 58
Maranhão 5
Piauí 1 5
Ceará 1 9
91
Rio Grande do Norte 4
Paraíba 4
Pernambuco 9
Alagoas 4
Sergipe 3
Bahia 15
SUDESTE 1 83
Espírito Santo 5
Minas Gerais 1 20
Rio de Janeiro 16
São Paulo 42
SUL 29
Paraná 10
Santa Catarina 7
Rio Grande do Sul 12
CENTRO-OESTE 5 19
Mato Grosso 2 5
Mato Grosso do Sul 1 4
Goiás 2 7
Distrito Federal 3
TOTAL 10 210 Fonte: Portaria Nº 2.978/2011
Silva, Reis e Campos (2011) criticam a ausência de estudos de avaliação
sobre o processo de implantação da RENAST e seu impacto na saúde dos
trabalhadores em nível nacional.
Os autores expõem ainda avanços e desafios constatados em algumas
pesquisas em nível regional e/ou estadual. Dentre os avanços, destacam-se um
fluxo contínuo de financiamento para as ações de saúde do trabalhador; aumento do
número de CEREST; desenvolvimento de capacitações de técnicos, gestores e
controle social.
92
Enquanto desafios para a atuação profissional são apresentados: o reforço de
articulações intrassetoriais; a necessidade de ruptura com a lógica do modelo da
RENAST, centrada na atuação dos CEREST; a inclusão da Saúde do Trabalhador
nos processos de educação permanente em saúde; o fomento da informação em
Saúde do Trabalho; a estruturação da vigilância de modo articulado.
Nesse sentido, Santos e Lacaz (2011) lançam um questionamento no cenário
das ações voltadas à saúde no contexto da RENAST. “(...) o espraiamento de
CEREST, a partir da Renast, poderia representar um importante papel na
consolidação da atenção integral à saúde dos trabalhadores no SUS?” (2011,
p.103).
5.4 A REDE NACIONAL DE ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE DO TRABAHADOR
NO CEARÁ
Figura 2. Distribuição dos CEREST do Ceará por regiões de referência Fonte: Arquivos CEREST/CE
A RENAST no Ceará é composta por oito Centros de Referência em Saúde
do Trabalhador, Coordenações Estaduais e Municipais de Saúde do Trabalhador, e
pela Rede Sentinela em Saúde do Trabalhador, conforme determinado em CIB
93
(Comissão Intergestores Bipartite) estadual. Nesse sentido, a Resolução nº. 149, de
2010:
Art.1º. Aprova a composição da Rede de Serviços Sentinela em Saúde do Trabalhador no Estado do Ceará, formada pelas Unidades Assistenciais, conforme disposto nos quadros anexos a esta Resolução.
§ 1º - A Unidade Sentinela será responsável por identificar, investigar e notificar, quando confirmados, os casos de doenças/agravos e/ou acidentes relacionados ao trabalho, subsidiando ações de promoção, prevenção, vigilância e intervenção em Saúde do Trabalhador.
§ 2º - A formalização da unidade de atendimento assistencial na Rede de Unidades Sentinela se efetivará com a assinatura do Termo de Adesão por parte dos gestores (Resolução nº. 149/2010 – CIB/CE)
Dentre os centros de referência, existem uma unidade Estadual, localizada na
cidade de Fortaleza, e mais sete unidades regionais situadas nas cidades de
Aracati, Fortaleza, Horizonte, Juazeiro do Norte, Limoeiro do Norte (CEREST rural),
Quixeramobim, Sobral, Tianguá. As áreas de referência de cada CEREST
encontram-se delimitadas na Figura 2. Há ainda a previsão de mais um CEREST no
Pecém.
As equipes mínimas para o funcionamento dos CEREST estaduais são cinco
(5) profissionais de nível médio, dez (10) de nível superior, sendo composta por,
pelo menos, um (1) médico, com carga horária mínima de 20 horas semanais. Para
as unidades regionais, a equipe mínima é composta por quatro profissionais de nível
médio e seis de nível superior, tendo ainda um médico, com carga horária mínima
de 20 horas semanais. Em nível nacional, o Nordeste responde por 36% das
unidades de CERESTs.
Durante o período da pesquisa de campo, todos os CEREST do estado do
Ceará apresentavam, pelo menos, a equipe mínima exigida. No entanto, a maioria
dos centros passava por uma reestruturação do quadro de profissionais em vista,
principalmente, de mudanças na gestão municipal.
94
5.4.1 CEREST Estadual
O Centro Estadual de Referência de Saúde do Trabalhador Manoel Jacaré (Figura
3), em Fortaleza, foi habilitado em 9 de maio de 2003, pela Portaria nº 109/2003 –
SESA, e Inaugurado em 5 de agosto de 2005. As principais ações desenvolvidas
são: acolhimento ao trabalhador doente ou acidentado pelo trabalho; atendimento
para diagnóstico e avaliação de nexo causal; controle social; educação e pesquisa
em Saúde do Trabalhador; capacitação permanente para os profissionais do SUS;
vigilância em saúde do trabalhador e nos ambientes de trabalho.
Figura 3: CEREST Estadual Fonte: Arquivos CEREST/CE
O CEREST Manuel Jacaré tem como objetivo promover e dar apoio ao
desenvolvimento dos profissionais de saúde do SUS para atuarem na saúde do
trabalhador, em parceria com instituições públicas de controle social e segmentos
representativos dos trabalhadores e da sociedade.
É papel do órgão articular e desenvolver ações conjuntas com a vigilância
sanitária e epidemiológica para ampliação de ações de vigilância voltadas para a
saúde do trabalhador. Tem como função, também, identificar e monitorar as causas
de doenças, os riscos e agravos à saúde do trabalhador, propondo medidas
interventivas no sentido de proporcionar apoio à elaboração e execução de políticas
em Saúde do Trabalhador.
95
O CEREST/CE conta com o apoio da Rede de Unidades de Referência, da
assistência de média e alta complexidade, o NUAST/COPAS, a RENAST/CE, os
Núcleos de Vigilâncias/SESA e demais unidades e coordenações, assim como
universidades e representantes da sociedade civil (Figura 4).
Figura 4. Ações Interinstitucionais em Saúde do Trabalhador
Fonte: Arquivos CEREST/CE
5.4.2 CEREST Fortaleza
O Centro Regional de Referência em Saúde do Trabalhador José Ferreira de
Alencar (Figura 5), de Fortaleza, atende 37 municípios, numa área de 16.202,39
km², uma população estimada em 3.473.904 habitantes e uma População
Economicamente Ativa/PEA de 1.450.130 (BRASIL, 2000). Foi inaugurado em
novembro de 2008.
As principais ações desenvolvidas pelo CEREST de Fortaleza são: educação
e pesquisa em Saúde do Trabalhador, por meio de capacitação permanente para os
profissionais do SUS; acolhimento ao trabalhador doente ou acidentado; e
atendimento para diagnóstico e avaliação de nexo causal. A equipe multiprofissional
é composta de médico do trabalho, enfermeiro do trabalho, assistente social,
psicólogo, fonoaudiólogo, técnico em enfermagem do trabalho, técnico de segurança
do trabalho e fisioterapeuta.
96
. Figura 5: CEREST Fortaleza Fonte: Arquivos CEREST/CE
5.4.3 CEREST Horizonte
O CEREST Horizonte (Figura 6) abrange sete municípios, perfazendo uma área de
3.985,35 km², e uma população de 232.574 habitantes, destes, 85.245 compõem a
População Economicamente Ativa/PEA. O prédio do CEREST Horizonte está
localizado no centro da cidade, em um centro integrado, onde funcionam ainda uma
Policlínica, o Centro de Especialidades Odontológicas/CEO e o Centro de Atenção
Psicossocial/CAPS. No entorno, encontram-se ainda a Secretaria de Saúde e a
Vigilância Epidemiológica.
Figura 6: CEREST Horizonte
Fonte: Arquivos pessoais
97
5.4.4 CEREST Aracati
O mais recente CEREST inaugurado no Ceará. Encontra-se ainda em processo de
estruturação. O atual prédio onde se localiza o CEREST Aracati (Figura 7) é
provisório, estando funcionando hoje na rua tombada pelo patrimônio histórico. A
poucos metros da atual sede, está sendo construído o novo prédio que abrigará o
CEREST. Ele Possui 21 municípios de abrangência (Figura 8), perfazendo uma área
de 19.399,04 km², e uma PEA de 204.903 habitantes.
Figura7: CEREST Aracati
Fonte: Acervo pessoal
Figura 8: Área de abrangência do CEREST Aracati
Fonte: Acervo pessoal
98
5.4.5 CEREST Quixeramobim
O CEREST Quixeramobim localiza-se no centro da cidade, em uma casa adaptada
para a atuação do serviço. O centro abrange vinte municípios, totalizando uma área
de 31.861,16 km², e uma população de 560.082 habitantes, dos quais 218.544
compõem a População Economicamente Ativa/PEA.
Figura 9: CEREST Quixeramobim
Fonte: Acervo CEREST/CE
5.4.6 CEREST Sobral
O CEREST Sobral (Figura 10) foi fundado em 2004, abrange 47 municípios
distribuídos em quatro regionais de saúde. O centro divide o espaço físico com a
vigilância sanitária.
O CEREST Sobral tem atuado principalmente na área de vigilância em saúde
do trabalhador, ou seja, na área de epidemiologia de doenças e agravos
relacionados ao trabalho, no matriciamento em Saúde do Trabalhador, com especial
cuidado na atenção primária à saúde e no monitoramento das unidades sentinelas.
A equipe profissional é atualmente composta por quatro enfermeiros, sendo que
uma se encontra na direção, além de psicólogo, fisioterapeutas, fonoaudiólogo,
médica do trabalho, engenheiro civil, técnico em segurança do trabalho, técnico de
enfermagem, auxiliar de enfermagem, agente administrativo e motorista. É
considerado pelos profissionais como um dos mais completos do Estado em matéria
de quadro profissional.
99
Foto10: CEREST Sobral Fonte: Acervo pessoal
5.4.7 CEREST Tianguá
O CEREST Tianguá referencia oito municípios. Sua equipe profissional é composta
por coordenação, médico do trabalho, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, enfermeiros,
psicólogo, assistente social, técnico de enfermagem, técnico em segurança do
trabalho e auxiliar administrativo. Foi inaugurado em 2008, mas iniciou suas
atividades no final de 2009.
O prédio é amplo e possui um auditório e salas climatizadas para atendimento
individual (Figura 11). Duas salas do prédio do centro estão cedidas para a vigilância
sanitária. O prédio está situado em frente à Secretaria de Saúde.
Figura 11: CEREST Tianguá
Fonte: Acervo pessoal
100
5.4.8 CEREST Juazeiro do Norte
O CEREST de Juazeiro (Figura 12) atua em 45 municípios de abrangência. Está
localizado nas proximidades da Secretaria de Saúde, do Centro de Atenção
Psicossocial e da Vigilância Sanitária.
O centro tem atuado prioritariamente em ações de matriciamento, apoio
técnico aos profissionais do SUS, campanhas em datas inclusivas para mobilização
da comunidade.
Figura12: CEREST Juazeiro do Norte
Fonte: Acervo pessoal
101
6 INTERFACES ASSÉDIO MORAL/SAÚDE MENTAL/SAÚDE DO TRABALHADOR: análise e discussão dos resultados da pesquisa
Não é medida de saúde estar bem adaptado a uma sociedade
profundamente doente. Jiddu Krishnamurti, Freedom from the Known.
Os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador, juntamente com a rede
sentinela, propõem a realização de um suporte transversal das ações de promoção
à saúde do trabalhador, perpassando diversas políticas e integrando toda a rede
pública de saúde.
As ações em Saúde do Trabalhador têm interfaces como sistema produtivo e a geração de riquezas, a formação da força de trabalho, as questões ambientais e a seguridade social. Elas requerem articulações com outros setores quer no âmbito do Município, do Estado ou da União, bem como com setores organizados da sociedade civil, para que as modificações necessárias sejam eficazes nesta área. (RENAST, 2005, p.2)
Devemos ressaltar, no entanto, que a RENAST enfrenta diversos desafios
para tornar possível um funcionamento de fato integrado.
No Ceará, assim como no restante do país, a atuação dos CEREST segue
sujeita às fragilidades políticas e sociais das relações contemporâneas de
precarização do trabalho – terceirizações, aumento da jornada de trabalho,
exploração e violência no ambiente laboral; o que compromete sua proposta de
integralidade e, consequentemente, a efetividade de suas ações. Acrescem, nesse
processo, aspectos geográficos, políticos e culturais próprios da constituição
histórica da região que contribuem negativamente para a pouca efetividade das
ações de saúde do trabalhador.
As observações de campo nas visitas aos CEREST, assim como as
entrevistas com os profissionais dos referidos centros permitiram verificar
expressões dessa complexa teia de problemas que envolvem a Saúde do
Trabalhador e suas interfaces com Saúde Metal no processo de atenção às vitimas
de assédio moral.
102
As fragilidades da Saúde Pública, apontadas pelos entrevistados, conduzem à
verificação de que os problemas que atingem a rede são por demais influentes nas
ações de Saúde do Trabalhador. Sendo assim, para se falar em ações eficientes de
prevenção e promoção da saúde, sobretudo no que inclui o assédio moral, muitos
pontos estruturais, logísticos, políticos e psicossociais precisam ser
considerados.Essas constatações serão discutidas decorrer deste capítulo.
6.1 ANÁLISE DE PRONTUÁRIOS DO CEREST ESTADUAL
Por limitações de tempo, logística, e mudança nas gestões municipais, nos
detivemos apenas na análise de prontuários do CEREST Estadual. Foram
analisados cento e trinta e dois (132) prontuários. Essa análise permitiu a
constatação dos principais casos e demandas recebidas pelo CEREST, assim como
a obtenção de um panorama geral sobre os atendimentos relacionados ao assédio
moral e seus encaminhamentos.
Os casos de usuários que buscaram o CEREST/CE, até o ano de 2007, eram
registrados apenas em folhas com os encaminhamentos prestados. Constavam de
acompanhamentos, ou chamadas evoluções, realizadas pela psicóloga e pelas
estagiárias de Psicologia, que não se encontram mais na instituição. Em razão
dessa forma de organização inicial dos atendimentos, a verificação desses registros
ficou comprometida, pois alguns não continham informações completas e
padronizadas. Ademais, os registros, em folhas soltas, não se encontravam
agrupados por usuário.
A partir de 2008, os prontuários foram unificados e separados por usuário.
Dentro do prontuário único constam, agora, todas as informações sobre o indivíduo,
desde o dia em que o mesmo deu entrada no CEREST/CE. Além disso, consta
também uma verificação inicial de sua atual situação de trabalho, dados
socioeconômicos gerais, questões de saúde e a provável relação destas questões
com o trabalho.
Dos dados que foram passíveis de análise, constatou-se que, no período de
janeiro de 2009 até agosto de 2011, a principal demanda do CEREST/CE, de acordo
com os prontuários, caracterizou-se por: solicitação de orientações sobre auxílio-
103
doença, benefício por incapacidade, homologação de deficiência física, emissão de
comunicação de acidente de trabalho, suspeitas de lesão por esforço repetitivo,
licenças, reabilitação e assédio moral.
Dos 132 prontuários analisados, 21 estavam relacionados a casos de assédio
moral, o que representa 16% do total de casos atendidos analisados. Com relação
ao assédio moral, especificamente, observou-se nestes três últimos anos uma
procura ligeiramente maior de pessoas do sexo masculino, com faixa etária
preponderante entre 28 e 45 anos. Já no caso do sexo feminino, a faixa etária
abrangia, sobretudo, as idades de 25 a 55 anos, o que mostra, ainda que de uma
maneira genérica, que é mais amplo o universo de mulheres que procura
atendimento em razão de um sofrimento ou situações de violência moral no trabalho.
Da mesma forma observou-se que as mulheres procuram atendimento de saúde, em
geral, mais cedo do que os homens.
No período em que foi realizada a pesquisa de campo no CEREST/CE
(outubro a dezembro de 2012), não houve notificação de casos de assédio moral.
Embora, tendo em vista que o objetivo da presente pesquisa não foi traçar um perfil
quantitativo dos casos, nem tampouco discutir a questão da submissão histórica da
mulher nas relações de gênero, não se pode afirmar que esse acontecimento
contrarie a literatura predominante (SALIN 2003; JIMENEZ et al., 2005 apud
GONÇALVES, 2006) que afirma serem as mulheres mais expostas do que os
homens ao assédio moral. Além disso, o não registro ou denúncia pode fornecer
outras pistas de análise, como a de que o silêncio ante os assédios ainda demonstre
medo de muitas mulheres de sofrer represálias ou até mesmo perder o emprego.
Por outro lado, acrescenta-se ainda a ineficiência das ações dos CEREST.
Importante ressaltar, ainda, que de julho de 2010 ate o final de 2012 o
CEREST Estadual não ofereceu serviço de atendimento psicológico, pois a única
psicóloga dedicava-se ao cargo de direção, o que acreditamos impactar diretamente
nas notificações de assédio moral considerando que, durante o ano de 2012, só
foram notificados quatro casos.
104
6.2 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS
As entrevistas semiestruturadas seguiram um roteiro direcionado à obtenção
de informações que abrangessem os objetivos especificados. O problema da
pesquisa, portanto, norteou a elaboração das questões, assim como a seleção e a
categorização dos dados obtidos através da transcrição das gravações. Frisa-se
que, do total de profissionais dos CEREST entrevistados, apenas um não consentiu
com a gravação da entrevista e um segundo solicitou a retirada de parte do material
gravado. Todas as visitas aos centros, bem como a realização das entrevistas foram
previamente agendadas.
Intencionou-se, com este material, traçar um panorama acerca dos desafios e
possibilidades da atenção em saúde mental voltada a trabalhadores vítimas de
assédio moral, através de um estudo comparativo da atuação dos CEREST do
estado do Ceará.
Com relação ao critério de análise, não se considerou possível identificar os
centros por nome, uma vez que poderia facilitar a identificação dos entrevistados. No
entanto, essa diferenciação será realizada ao longo dos tópicos analisados,
indicando características particulares de cada centro, por questão de fidelidade ao
campo. Esclarecemos, ainda, que a sequência de numeração dos centros segue
uma ordem aleatória.
Não foi realizada distinção de sexo entre os diretores dos serviços devido ao
reduzido número de profissionais entrevistados nesta função, o que poderia facilitar
a identificação deles. Por isso, optou-se por denominá-los apenas de “direção”.
A análise de conteúdo das entrevistas com os profissionais dos CEREST
possibilitou a definição de cinco categorias temáticas, relativas aos desafios do
serviço de atenção a saúde do trabalhador, construídas a partir das primeiras
análises dos depoimentos transcritos, e que serão apresentadas a seguir.
1. Estruturação/organização do trabalho: aborda de forma introdutória a questão
dos desafios de estruturação e atuação integrada dos CEREST, frente à
fragilidade das políticas de saúde do trabalhador, que impactam no
105
desempenho das atividades dos profissionais. São aspectos que se
desdobrarão ao longo das categorias seguintes.
2. Ações de vigilância: aborda os fatores que influenciam na realização de ações
de vigilância, considerando que essa é uma dimensão chave da atuação dos
CEREST no sentido de detectar os agravos. Incluímos, aqui, sobretudo as
dificuldades do acesso das equipes de vigilância aos ambientes de trabalho,
bem como da obtenção de dados epidemiológicos para subsidiar
intervenções posteriores.
3. O nexo causal em Saúde Mental: trata da questão da subnotificação causada
pelas inúmeras dificuldades dos profissionais dos CEREST em estabelecer
uma relação entre os transtornos mentais desencadeados pelo assédio moral
e o trabalho. Seja por conta da falta de um protocolo de atividades em Saúde
Mental, da complexidade que envolve as relações de poder no trabalho, ou
até mesmo do preconceito dos usuários em torno da procura por
acompanhamentos psicológicos e/ou psiquiátricos.
4. A promoção e a prevenção: ressalta os desafios e possibilidades da atuação
preventiva e integrada dentro da rede de atenção à saúde do trabalhador.
5. A saúde do profissional de saúde: trata da questão do adoecimento psíquico
dos próprios profissionais dos centros de referência que, apesar de
trabalharem pela promoção da saúde do trabalhador, encontram-se, eles
próprios, tal como os trabalhadores em geral, vinculados a um cotidiano de
pressões, explorações e dificuldades de um trabalho muitas vezes
precarizado/flexibilizado.
6.2.1 O Estruturação/organização de trabalho
A presente categoria tem como base as falas dos entrevistados referentes à
estruturação das condições de atuação dos CEREST. Parte-se aqui da questão da
complexidade da estratégia RENAST no contexto das políticas de atenção à saúde
do trabalhador e a influência da centralidade do trabalho no desenvolvimento das
relações econômicas e sociais. Assim, notar-se-á que esta discussão se estende ao
longo das categorias seguintes influenciando diretamente na atenção às vítimas de
transtornos mentais relacionados ao trabalho, como o assédio moral.
106
De acordo com Gomez (2011), a Saúde do Trabalhador enquanto campo da
Saúde Coletiva estrutura-se com base na epidemiologia, administração e
planejamento em saúde e ciências sociais em saúde, na perspectiva da saúde
integralizada enquanto direito social. Nesse sentido, conforme discutido, a criação
dos CEREST é uma tentativa recente de incorporar a Saúde do Trabalhador no
contexto de ação das políticas de saúde enfatizando a atenção ao trabalhador de
forma integrada com foco na prevenção. No entanto, falas como a da profissional a
seguir permitem constatar que a prevenção ainda não é uma prioridade das ações
de saúde.
Não impacta você dizer que tem cento e oitenta pessoas morrendo de acidente de trabalho. Agora, diga que morreram duas pessoas com dengue! É outra realidade. A gente ainda tá na assistência de causa e efeito (Direção 1).
Um ponto inicial que está presente no discurso dos profissionais é que a
implantação destes centros ainda sofre problemas de estrutura, de organização do
trabalho e até mesmo de reconhecimento frente aos outros órgãos e à sociedade; o
que prejudica, de uma forma geral, a ação em rede proposta pela política.
O desafio das ações em saúde do trabalhador é mais a questão da efetivação da política, é fazer com que os profissionais que estejam na ponta façam o nexo causal, não necessariamente o CEREST, o CEREST é pra dar o suporte, pra implementar a política... dar suporte de vigilância, matriciamento... e não de porta de entrada (Direção 1).
O CEREST é uma unidade que sai do convencional das unidades porque, quando você implanta uma unidade, qual a expectativa que as pessoas têm? Que você vai atender, que você vai prestar assistência, você cria uma demanda, uma expectativa (Direção 4).
Os municípios não sabem que eles são responsáveis por fazer saúde do trabalhador, eles acham que é papel só do CEREST (Enfermeira 2).
O município tem que parar de achar que saúde do trabalhador é responsabilidade do CEREST. Saúde do trabalhador é responsabilidade do serviço SUS desde 1988 (CEREST3. Psicóloga).
Nota-se que, ao invés de facilitar a integralidade das ações, conforme
proposto pelas políticas de Saúde do Trabalhador, o CEREST, ainda que
107
involuntariamente, acaba por centralizar os atendimentos em suas unidades,
atuando de maneira ineficiente.
A totalidade dos profissionais entrevistados apresentou a questão da
estruturação da rede de saúde do trabalhador como deficiente. A fala a seguir
demonstra como a falta de integralidade impacta na qualidade e efetivação de
serviços como a realização de levantamentos epidemiológicos, que constituem a
base para a formulação das ações de vigilância, prevenção e promoção.
Não existe uma análise epidemiológica dos atendimentos no CEREST, infelizmente. Existia antigamente antes de eu chegar, mas aí... muita mudança... tem os entraves da política que é muito nova, o problema das capacitações nas redes sentinelas. Eu digo que é a organização de uma equipe mais coesa que ta faltando. Eu acho que tudo depende dessa articulação... (Direção5).
Outro fator que influencia negativamente na efetividade das atividades de
capacitação das redes sentinela, realização de eventos de divulgação e prevenção,
elaboração do plano de ação, dentre outros, é a intensa rotatividade de profissionais,
sobretudo devido a mudanças de gestão municipal.
Em janeiro ficamos sem coordenação, em fevereiro entrou a nova coordenadora, a passada era concursada, mas por questões administrativas... sempre que muda esses cargos de gestão modifica né? (Gestão8).
É ruim que a outra equipe já tava capacitada, aí tem que começar tudo de novo, né? E o que é mais chato é que não tem fundamentação pra essa troca de profissionais, só por questões políticas... A gente ta tendo um entrave grande nas questões das ações do CEREST por conta disso, até agora a gente não conseguiu elaborar nosso plano de ação, efetivamente. Agora é que vai ser apresentado (...). Perdemos três meses por conta dessas mudanças. Agora nós vamos ter que começar a capacitar toda a equipe. Já tiveram várias capacitações, são pessoas que não tinham conhecimentos em saúde do trabalhador. Então a gente vai ter que começar lá das bases, estudando as legislações, as diretrizes, os protocolos. (...) vamos gastar mais uns três meses pra capacitar essas pessoas, ai já foram seis meses... Ai as coisas vão acontecendo de uma forma (...) lenta, porque esse tempo investido nas capacitações você perde nas outras ações (Gestão3).
(...) teve muitas mudanças de funcionários e também de gestão dentro do CEREST (...). Então tem esses entraves (...), a gente tem uma perspectiva de desenvolver um programa de uma forma anual que as vezes não sai da forma que a gente planeja. Porque tem que capacitar novos profissionais, as vezes tem pessoas que não
108
conhecem a política, não sabem o que é a saúde trabalhador (Psicologa3)
Nós vamos fazer de novo a capacitação pros profissionais, que o secretario saiu, o prefeito saiu e todos os profissionais de saúde saíram... (Psicologo2)
É possível, então, relacionar essa alta rotatividade a características políticas e
culturais próprias da constituição histórica do estado. O Ceará tem em sua essência
um histórico de oligarquias que exerciam seu poder por meio de abusos e
corrupções (FARIAS, 2004 apud GONÇALVES, 2005). Dessa forma, o
patrimonialismo que ainda reina fortemente, tanto na capital como nos demais
municípios, favorece a desestruturação dos serviços.
Por ser um tema que requer conhecimento teórico, envolvimento e domínio da
legislação, a Saúde do Trabalhador requer uma melhor estruturação e coesão das
equipes. A rotatividade por razões políticas prejudica a qualidade do trabalho
impedindo a eficiência e eficácia das ações.
Dos oito CEREST visitados, apenas um alegou ter mantido a equipe principal
desde sua criação e, por essa razão, afirmou ter conseguido se sobressair nas
ações realizadas, frente aos outros CEREST. Através do depoimento da direção
desse centro, podemos exemplificar como essa diferença se traduz numa maior
efetividade do serviço.
O CEREST aqui foi habilitado em (...), eu estou desde então. E isso faz com que o CEREST tenha outra característica. Porque você vem com uma mesma gestão há muito tempo, então eu não comecei tudo de novo. Outros CEREST, toda vez que muda o prefeito, muda a equipe (...). Eu não tive esse intervalo, então a gente vai ter uma outra conotação, tem uma continuidade (...).. Eu não to dizendo que a gente é o melhor aqui não, eu to dizendo que por esse motivo, por não ter tido parada (...) o trabalho evoluiu mais rápido. Então, tem coisa que os outros CEREST estão engatinhando que a gente já taalem desse processo. Por exemplo, se você for tirar notificações do SINAN você vai ver que o CEREST4 (...), proporcional ao número de habitantes, é o que mais notifica. (Direção4).
Esses entraves evidenciam a fragilidade das relações de trabalho no campo
da saúde os profissionais e a rede como um todo.
Não só é desgastante pro CEREST, mas pra todos os componentes da rede púbica (...). Aqui no interior a gente tem também uma rotatividade muito grande de profissionais de PSF, principalmente
109
profissionais médicos, que trabalham em vários locais, e um dia aqui, outro lá... E aí a gente tem uma dificuldade grande porque você termina uma capacitação, logo após a capacitação você tem um aumento de notificações, uma visão melhor daqueles agravos... Passa-se um tempo, cai de novo, aí você tem que voltar, tocar de novo naquele assunto, aí melhora, e assim vai... (Direção4).
Os entrevistados apontaram, ainda, dois entraves estruturais relevantes,
referentes à realização dos serviços. São eles: as diferenças socioeconômicas e
demográficas entre os municípios de abrangência de cada regional e a grande área
geográfica dessas regiões; considerando o limitado número de profissionais e
recursos disponíveis.
Nossa assistência tem q ser mínima, porque se eu sou matriciamento eu não tenho tempo de ta ... Eu tenho X municípios pra fazer matriciamento. Com a equipe que eu tenho hoje, nem matriciamento... Eu não consigo dar conta nem no meu município que são dezoito equipes de saúde da família, um hospital especializado, uma rede de atenção especializada, eu não ia conseguir. Imagine de X. ( Direção3).
Não tem sido possível [atender todos os municípios referenciados], tem sido muito difícil, até porque nos outros municípios a gente ainda tá no processo de capacitar esses profissionais pra que eles identifiquem, tenham a sensibilidade... (Fonoaudióloga2).
A gente tem uma estreita ligação com X e Y que são cidades mais de sertão... Então elas têm atividades diferentes. (...) Que geografia é essa que colocou a gente junto com X e Y, quando teríamos que dar conta de territórios que fossem similares? Nós fazemos uma ação aqui, mas quando a gente leva pra X já aparece outra demanda que se diferencia bastante, (...) então, quando a gente vai pra lá, a gente se depara com outra realidade que necessita de um outro planejamento, então que geografia é essa que não pensou nisso? (Direção6)
Apenas um CEREST se declarou satisfeito com a sua área de abrangência
devido à facilidade de interação com a regional de saúde.
A área de abrangência é excelente porque a gente trabalha só com uma regional de saúde. A comunicação fica muito mais fácil... O deslocamento, o acompanhamento... dá pra gente acompanhar, da pra monitorar, é a mesma realidade, geográfica, econômica (Direção3).
A questão da fragilidade dos serviços de atenção à saúde do trabalhador no
Ceará, particularmente os CEREST, enfrenta diversos desafios que destacam a
fragilidade desse campo, e perpassam todas as dimensões da saúde. Diante da
110
flexibilização e da instabilidade do trabalho, de formas alternativas de contratação,
da intensa rotatividade de profissionais, da terceirização, da necessidade de
intervenções rápidas, não há uma prioridade das ações preventivas que necessitam
de um suporte a longo prazo.
Reforçam-se, aqui, as ideias de autores como Vasconcellos e Machado
(2011) no tange aos dilemas da configuração de uma política nacional. Para eles,
“um dos principais dilemas (...) é o enfrentamento da blindagem política, reproduzida
(...) no sentido de não considerar a categoria trabalho nos determinantes sociais dos
agravos da população em geral” (idem, p.37).
Nesse contexto, o problema da estruturação da rede perpassa a sutileza dos
vínculos trabalhistas e o desmonte dos direitos sociais, que permitem a realização
de acordos políticos que inviabilizam a construção de um projeto sólido de ação.
Assim, vão sendo criadas novas estratégias nas relações de produção que
possibilitam explorar ao máximo o profissional, fornecendo o mínimo de direitos e
provocando seu adoecimento, inclusive, e com muita força, no campo da saúde.
O Ministério da Saúde ressalta as interfaces das ações em Saúde do
Trabalhador com o sistema produtivo de geração de riquezas, a formação da força
de trabalho, as questões ambientais e a seguridade social. Destaca que essas
interfaces demandam articulações de âmbito do Município, do Estado ou da União,
assim como com setores organizados da sociedade civil, para que as modificações
necessárias sejam eficazes nesta área (BRASIL, SAUDE, 2005, p.2).
Entende-se, no entanto, que, de acordo com as falas analisadas, essa
atuação articulada, baseada numa comunicação integrada dos serviços que compõe
a rede e destes com a sociedade civil, ainda é um grande desafio que se converte
em complicador para a efetivação das ações propostas pelos centros de referência,
não só com relação aos transtornos mentais, mas a todos os agravos, nas
perspectivas de vigilância, promoção e prevenção.
6.2.2 As ações de vigilância
Ao longo desta discussão,podem-se observar inúmeras fragilidades em muitos
aspectos já considerados por Machado (2011) como pressupostos essenciais das
111
atividades de vigilância. São eles: a participação dos trabalhadores, as bases
epidemiológicas, a interdisciplinaridade, a articulação intrainstitucional, o caráter
processual das ações, a relação com o território, a relação com o processo de
trabalho, a prática multiprofissional e coletiva, o contexto e as questões
organizacionais e a heterogeneidade das ações, dada pela natureza histórica da
transformação dos processos de trabalho.
Essas questões, já introduzidas no tópico anterior, fornecem elementos para a
compreensão das dificuldades de superação dos entraves na operacionalização da
proposta de ações articuladas propriamente relacionadas à vigilância, através dos
CEREST.
Nas entrevistas com os profissionais de saúde dos centros, a dificuldade de
articulação visando o acesso aos ambientes de trabalho, em maior ou menor escala,
foi colocada como empecilho às ações de vigilância pelos profissionais de seis dos
oito CEREST.
A gente faz inspeções nas empresas (...) geralmente é parceria com o dono da empresa... a gente faz uma conversa... mas eles olham como se a gente fosse um fiscalizador. E isso causa um temor... muitos, muitos negam (...): “não, deixe pra outro dia”... E esse dia nunca chega (Direção6).
Observa-se, no entanto que, na maioria dos casos, esses entraves na relação
entre os CEREST e as empresas nem sempre se manifestam a priori. Em geral, os
profissionais de saúde dos centros realizam parcerias com essas empresas e com a
Vigilância Sanitária para ações de promoção e prevenção como a realização de
palestras, ações educativas atividades físicas, sobretudo durante os eventos
promovidos pelas SESMTs e CIPAs.
O CEREST (...) muitas empresas já convidam o CEREST na semana, na SIPAT... Muitas convidam pra dar uma palestra, convidam o fisioterapeuta pra falar de ginástica laboral, falar de ergonomia... ( Direção1).
Nós somos um órgão orientador, a gente ta preocupado com a saúde, então nós somos vistos na nossa região ainda como parceiros. (...) Até agora não teve nada que fosse preciso acionar as autoridades, não. Nunca tivemos dificuldade de acesso a nenhuma repartição pública nem privada ( Médica1).
112
Num segundo momento, contudo, os entrevistados ressaltam uma grande
preocupação dessas empresas em acompanhar e controlar as ações do CEREST
durante as visitas.
Na inspeção, a equipe não pode ficar junta porque o dono da empresa acompanha, às vezes ele faz você esperar pra organizar as coisas... São estratégias que eles utilizam. Mas a gente explica que a gente não tem poder de fiscalizar, que a gente ta lá pra orientar (CEREST6. Psicóloga).
Quando a gente vai fazer as palestras, tu pensa que não tem alguém deles ali, não? Vigiando a gente, pra saber o quê que a gente ta falando pros trabalhadores? (CEREST5. Psicóloga).
A questão do poder fiscalizatório do CEREST ainda é um ponto de discussão
entre os profissionais. Muitos dos profissionais não souberam se expressar
claramente sobre os impactos de uma legitimação da vigilância compulsória nos
ambientes de trabalho.
Abaixo, encontramos a fala de uma profissional que se posicionou claramente
contra essa possibilidade, alegando que a atuação profissional seria prejudicada,
posto que as empresas iriam mascarar a verdade das condições de trabalho.
Dificulta nosso trabalho, porque quando você entra como fiscal, no meu ponto de vista, as pessoas não te mostram como desenvolvem sua atividade por medo da punição... Você sabe que o empregador sempre é visto como vilão... E o que acontece? Ele vai esconder algumas coisas. E a gente entrando como convidado, ele não tem interesse em esconder porque se ele já nos convidou é porque a intenção é que melhore. E tem outra coisa, já tem tantos órgãos fiscalizadores, tem o Ministério do Trabalho, tem a Vigilância Sanitária... Então eu não vejo que a saúde tenha que ser fiscalizada pelo CEREST, eu acho que o CEREST tem q entrar como apoio pra ele conseguir ver a realidade e a partir daí trabalhar em cima disso e ajudar... Já tem tanta gente que fiscaliza, não precisa de mais alguém pra fiscalizar(Médica2).
Ainda assim, a maioria dos entrevistados defende uma autonomia
fiscalizadora para que os CEREST possam realizar intervenções nos ambientes de
trabalho, enxergando essa autonomia como uma possibilidade de avanço nas
notificações dos agravos.
A fiscalização dos órgãos... do Ministério, da DRT... ela vai quando tem um acidente grave, né? E precisa opinar sobre quem é o culpado... O nosso caso seria uma fiscalização mais preventiva (Psicóloga4).
113
É importante levar em consideração, nesse contexto, a necessidade de uma
remodelação dos objetivos e meios da RENAST, assim como de uma redefinição
das instâncias do SUS como um todo, abrangendo, inclusive as próprias estruturas
de gestão ligadas ao aparelho do Estado (VASCONCELLOS e MACHADO, 2011).
Há que se estabelecer uma consonância direta das ações de Saúde do Trabalhador
com as questões impostas pela globalização, a reestruturação produtiva e seus
impactos sobre a organização de trabalho. Não se pode desprezar, ainda, o fato de
que os CEREST atendem não só trabalhadores formais, mas todos os sujeitos que
exercem atividade remunerada independentemente da existência, ou não, do vinculo
empregatício.
Esses aspectos da organização do trabalho contemporânea; definida por
Dejours (1992, apud OCADA, 2004) pelos elementos divisão do trabalho, ausência
de conteúdo significativo da tarefa, sistema hierárquico, modalidades de comando,
relações de poder e responsabilidades (2004, p.177); perpassam as questões da
atuação dos serviços de Saúde do Trabalhador, complexificando sua demanda, seja
no que tange às ações de vigilância, seja na atenção especializada.
As relações instáveis de trabalho moldadas e “contaminadas” pela
organização do trabalho criam, muitas vezes, relações sociais tensas. Essas
condições são facilitadoras para o aparecimento do assédio moral e outros
transtornos que agravam e tencionam ainda mais as relações de trabalho, causando
danos graves à vida dos trabalhadores na mesma medida em que constroem
empecilhos para a busca de cuidado.
Não é interessante para as empresas que os trabalhadores conheçam seus
direitos e/ou teçam comentário acerca de sua condição de trabalho. Sendo assim,
quando os trabalhadores buscam a rede de saúde, muitos se negam a dar
informações aos profissionais de saúde sobre o local e as condições de trabalho
porque temem prejudicar a empresa e, consequentemente provocarem sua própria
demissão.
Já teve um caso que o trabalhador chegou lá no hospital, tava com a farda do trabalho e a enfermeira perguntou: “foi no trabalho?”; “foi”. “E onde é que você trabalha?”; “não, não vou dizer não, o quê que você ta anotando aí?”. A CAT deve ser emitida, só que não foi. Aí ele disse assim: “mas pra que você ta pegando essas informações? você
114
vai mandar pra minha empresa? eu posso perder meu emprego?” Quer dizer, (...) não entende. São pessoas que não entendem ainda que aquilo é pro bem deles. Então, (...) o trabalhador tem medo de perder o emprego devido a dificuldade de arranjar outro, e a empresa... Porque não é interessante pra elas que elas tenham trabalhadores informados, não. Elas vão lidar com outras exigências que elas não querem... (Direção6)
Ressalta-se, também, o impacto direto dessa questão sobre as ações de
notificação dos serviços. Os profissionais dos CEREST se veem sem possibilidade
de atuar frente à pressão das empresas e ao medo dos trabalhadores.
A gente faz tipo um laudo. Às vezes os trabalhador tem uma preocupação em relação as notificações que o CEREST faz, porque acha que vai pra algum lugar, que vai botar o nome dele em algum lugar porque eles não querem perder o emprego (...). E a gente sempre explica, tem que ser a nossa primeira frase, as notificações só importam pro cadastro do sistema de saúde em relação ao trabalhador. “A gente não levar isso a lugar nenhum, ninguém vai mover um processo se você não quiser, você é o prejudicado, nos vamos lhe dar todos os caminhos, olhe, tem esse, tem esse, tem esse... se você disser “não, eu não quero nenhum”, pronto. Nós não podemos obrigar, a única coisa que vai acontecer da nossa alçada é a notificação (Psicóloga4).
A realização de notificações é ainda agravada por outro processo. De acordo
com a Portaria Nº 2.728 do Ministério da Saúde, que dispõe sobre as ações de
vigilância em saúde, as ações de vigilância se constroem a partir de parâmetros
epidemiológicos estaduais e/ou municipais (BRASIL, 2004). Sendo assim, parece
lógico e necessário que o CEREST tenha acesso a dados epidemiológicos de seus
municípios de referência para que possa construir suas ações.
No entanto, segundo depoimentos colhidos, não é isso que ocorre na maioria
dos centros, sobretudo nos municípios do interior onde, por falta de conhecimento
dos outros órgãos, ou até mesmo por questões políticas, é dificultado o acesso a
esses dados. Não se descarta, também, a falta de comunicação entre os próprios
ministérios nem a questão da troca de favores e disputas de influência de gestores
entre si e com as empresas.
Nesse sentido, a relação dos CEREST com o INSS, por exemplo, foi a mais
relatada pelos municípios como problemática no que se refere ao fornecimento de
dados epidemiológicos.
115
No INSS, a gente não tem conseguido muitos dados. Na verdade, já fizemos algumas solicitações pra que eles enviem pra gente as CAT, porque (...) a saúde ficou totalmente desinformada em relação as CAT que são encaminhadas pro INSS, mas ai nos ainda estamos no processo de tentativa pra que eles liberem as informações ... Isso depende dos gestores, tinha um gestor aqui na cidade que dizia que são dados confidenciais e o Ministério da Previdência não libera, a gente diz, mas nos somos Ministério também (...). Aí chegou outro que foi bastante acessível, brigou lá na frente do juiz (...) um rapaz que tinha ainda esse pensamento. (...) e nós conseguimos fazer, durante noventa dias um estudo desses dados. Depois acabou. O gestor saiu e outro disse “não, não libero”... Então a gente tem essa relação que deveria ser parceira, mas em alguns momentos ela e conflituosa. Se a gente tivesse essas CAT, provavelmente a gente teria muito mais ambientes pra fazer vigilância. (Fonoaudióloga2)
A falta de uma integração entre as instancias e o desconhecimento das ações
desenvolvidas pelos CEREST acaba por tornar a concessão dos dados
epidemiológicos uma questão de favor.
O INSS ele é muito fechado. Por exemplo, a gente aqui trabalha com isso há algum tempo, eles sabem que a gente existe, mas quando a gente vai procurar os dados pra transferir CAT pro SINAN eles não repassam. “Mas porque? a gente vai só transferir!” “Porque aqui existe sigilo”. Eu disse: “o senhor não sabe que na saúde também existe?” ou o senhor acha que a gente vai sair por aí comentando os casos que o senhor diagnostica? o senhor acha que a gente anda contando por aí quais sãoos casos de AIDS? existe o sigilo também, na saúde. “Não, mas não pode”. (Direção3)
Então assim, se não há uma conversa entre essas várias instâncias, vai ficar difícil. Isso a gente já colocou pro Ministério tanto que eles tão tentando uma negociação. E outra. Saúde do Trabalhador é financiada pelos três Ministérios, pela Previdência, pelo Trabalho e pela Saúde e financiado pelos três. E os três não conversam entre si? Então, fica muito difícil. Tem que ter uma lógica de unificação disso. Eu sei que eles não vão ter todos que a gente tem, mas a gente era pra ter todos que eles tem, porque eles são todos formais. Aqui, a gente lida com setor formal, informal, desempregado, voluntário. Então nosso banco de dados era pra ser maior, mas a gente não conseguiu nada ainda com eles (Direção5).
A gente não tem como avançar na Saúde do Trabalhador se a gente não sabe do que o trabalhador ta adoecendo. Tanto é, que se a gente comparar a base de dados da previdência com a base de dados do município é totalmente..., não dá pra comparar. Você dizer que durante o ano todinho só teve quatro acidentes químicos e quatro transtornos mentais? (Enfermeira2).
O entendimento da integralidade na atenção à saúde do trabalhador, em
conformidade com o SUS e os sistemas nacionais de vigilância sanitária e
116
epidemiológica na assistência e recuperação dos agravos, implica uma intervenção
sobre os níveis dos processos de trabalho e promoção da saúde abrangendo ações
articuladas. “A ênfase deve ser dirigida ao fato de que as ações individuais/curativas
articulam-se com as ações coletivas, no âmbito da vigilância, considerando que os
agravos à saúde do trabalhador são absolutamente preveníveis” (BRASIL, 2005).
Nesse sentido, pode-se dizer que a fragilidade de estruturação do CEREST está
ligada à fragilidade do sistema de saúde em sua totalidade.
6.2.3 O nexo causal em Saúde Mental
As falas apresentadas nessa categoria consistem em impressões gerais dos
entrevistados no que se refere a um dos maiores desafios relacionados à atenção às
vítimas de assédio moral: a questão da identificação do fenômeno e o
estabelecimento da relação com o trabalho. Nos CEREST, esses desafios se
refletem na ausência de notificações e, consequentemente, de ações voltadas a
prevenção e tratamento dos desdobramentos desse tipo de violência sobre a saúde
do trabalhador.
A dificuldade de se estabelecer nexo causal em Saúde Mental foi destacada
por todos os profissionais entrevistados. As falas a seguir apontam como um dos
fatores para tal dificuldade, a questão de os transtornos mentais estarem
constantemente relacionados a uma coatuação de fatores de ordem econômica,
familiar, social, dentre outras.
É muito difícil estabelecer o nexo em transtorno mental porque esses transtornos eles são multicausais. Não é só o trabalho, entra o trabalho, a família, o financeiro, o próprio estado consigo mesmo, então é muito complicado pra gente fechar esse nexo. Quando é uma coisa visível, saiu pra trabalhar e foi assaltado, ai é fácil, agora quando é aquele transtorno que é cumulativo, pouco a pouco... fica mais difícil (...). É muito difícil o nexo em transtorno mental. Nesse agravo eu tenho muita dificuldade, nós temos o apoio do CAPS que tem psiquiatras, mas a visão deles é a visão da patologia (...), eles não tem essa visão do psicólogo, o psicólogo me auxilia muito pra gente conseguir desmembrar todo aquele transtorno e verificar a relevância do trabalho (...). Talvez por ficar a maior parte do tempo no trabalho, ele tem uma relevância maior, mas nem sempre ele é o fator desencadeador de todo aquele transtorno (Médica do Trabalho1).
117
Por essa razão os profissionais ressaltam que os serviços em saúde mental
demandam uma estrutura maior, uma atenção continuada e aprofundada a longo
prazo, o que, muitas vezes, torna-se inviável posto que o atendimento à demanda
não é uma atribuição própria do CEREST e as redes sentinela das regiões (CAPS
em sua maioria) não tem uma estrutura adequada para receber e acompanhar toda
a demanda.
Qual a dificuldade que eu encontro? (...) pra gente fazer realmente uma relação fundamentada desse nexo causal, ou dessa relação com o adoecimento, eu tenho que escutar a demanda, qualificar essa demanda (...). A primeira coisa é fazer o acolhimento e a anamnese ocupacional e aí eu faço também a anamnese pessoal, porque aí eu pego a historia da família, o genetograma, pego toda a questão da dinâmica familiar e já identifico se tem relação de doença, pais filhos, dependendo da dinâmica da família... aí eu pego também o histórico ocupacional desse sujeito. (...) Então não é um trabalho simples, rápido... Só que a gente aqui tem outras prioridades, tem as ações de vigilância, as capacitações...(Psicóloga3).
A diretora de um dos centros exemplifica a complexidade do estabelecimento
do nexo mesmo em casos explícitos de acidente.
A gente... só mesmo a pesquisa pra saber se tava mesmo relacionado com o trabalho (...). Porque ele tinha bebido quando se acidentou aí eu fiquei na dúvida... será que ele bebeu por causa do trabalho? Aí fica a dúvida, né? Ainda fica a incógnita sabe... porque ele pode ta bebendo por uma comorbidade.. mas aí você tem que realmente ter cautela. Quando eu faço esses relatórios psicológicos eu preciso de, no mínimo, uns três ou quatro atendimento com a pessoa... (Psicólog05).
A fala seguinte ressalta que, por conta das dificuldades de diagnóstico e
estabelecimento de nexo e, ainda, das implicações desse nexo na organização do
trabalho tanto do usuário quanto do profissional, muitos profissionais acabam
optando por não se aprofundar investigações dos casos de transtorno mental.
Nós temos um único caso notificado pelo psiquiatra (...) um caso de assedio moral (...) que esse médico, de posto de PSF, ele identificou e notificou. (...) eu acredito que seja o único caso que nós temos notificado em transtorno mental relacionado ao trabalho (...). A gente não consegue identificar ainda o porquê da resistência tão grande dos profissionais que estão, por exemplo, nos CAPS em associar aquele transtorno mental a uma doença relacionada ao trabalho. Na verdade, (...) eu acredito que os profissionais tem um receio porque eles acham que o transtorno mental relacionado ao trabalho ele só pode ser totalmente ligado ao trabalho, então quando eles identificam ali na anamnese deles que existe um outro fator, (...) problemas em
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casa ou outra dificuldade que não é só a dificuldade ali no meu trabalho, eles automaticamente descartam o problema no trabalho e preferem diagnosticar como qualquer outra coisa. Não sei se por uma questão trabalhista, legal, ter medo de ir pra um processo... existe uma resistência ... (Psicólogo5).
No caso do assédio moral, esse ponto se apresenta de forma mais acentuada
na medida em que envolve questões sutis de violência, abuso de poder e violação
de direitos nas relações interpessoais no trabalho, demandando ações que
ultrapassam o campo da saúde. São frequentemente demandadas intervenções
jurídicas e/ou abandono/mudança do posto de trabalho, o que pressupõe, segundo a
fala dos profissionais, um suporte emocional e um tratamento continuado ao
adoecimento psíquico.
O assédio moral (...) vai ter que mexer com leis, você também vai mexer com o outro, você tem que ir pro embate, você tem que ta preparado pra ir pro embate, porque quando você diz que o seu chefe esta fazendo determinada coisa e você ta se sentindo prejudicado com isso, e q isso for caracterizado como assedio, você vai ter que ir pra outras instâncias e você precisa estar preparado pra o desgaste, porque a gente sabe que as leis estão aí mas a justiça não tem a velocidade que a gente espera q ela tenha. E aí a gente já entra em outro departamento, tudo isso agregado ao adoecimento e ao sofrimento psíquico... (Psicólogo5)
Pela fala seguinte, de um dos profissionais do CEREST, que também foi
vítima de assédio moral, observamos como as sequelas psíquicas dessa violência
podem comprometer a busca de tratamento, assim como as relações de trabalho
futuras.
A pessoa fica com vergonha de conversar sobre isso. Pra você ver, eu nunca fiz entrevista, teve outras entrevistas, eu nunca falei... mas hoje eu vim falar com você, me deu vontade eu vim fazer. Pra mostrar as pessoas que assédio moral ele adoece a alma, o psíquico da pessoa. Ela precisa de ajuda. Ela precisa ir pra justiça? Precisa. Mas se você for ver do seu lado indenizatório, você não vai ta curada. Porque outra empresa que você for trabalhar, a partir do momento que uma pessoa disser, vai ali, você já acha q foi assediada. Porque você já ta adoecida (Enfermeira2).
Os profissionais dos CEREST apontaram a questão do preconceito ou
desconhecimento dos próprios usuários do sistema de saúde com relação à busca
de atendimento psiquiátrico e/ou psicológico.
As pessoas tendem a não identificar seu próprio problema quando é ligado a saúde mental. É sempre deixado de lado. (...) Sempre o
119
palpável é o que é visto. Chegam muitas vezes casos assim aqui, muitos, que chegam com uma dor nas costas, o fisioterapeuta trabalha um dia, a dor já passa pro ombro; trabalha outro dia, passa pra outro lugar... aí vai trabalhado até que chega pra mim e diz: “(...), essa pessoa toda semana ta chegando com uma dor diferente, to tentando trabalhar, encaminhei pra acupuntura, estamos fazendo outros trabalhos e a gente não ta achando... e aí são causas relacionadas a saúde mental, seja burnout, seja outra coisa. E que ta num estado de tão inacessível esse pensamento sobre um problema mental, que é dito: “ah, é besteira, é frescura”. E muitas vezes a própria pessoa rejeita, por defesa (Psicóloga1).
Temos uma demanda digamos assim, reprimida. Na verdade, as pessoas tão adoecendo mentalmente, mas não sabem que... ou se sabem que é do trabalho, não ta sendo evidenciado na rede de atenção (Direção1).
Aqui a gente encaminha pro CAPS, e aí, o que acontece? O próprio paciente não quer ir, pra não se expor. Eu já atendi casos aqui, daqui do município, que vão pra outro município, pra CAPS também, porque não quer se expor... porque fica estereotipado, entendeu?... Pode conhecer uma pessoa... Então, assim, eu já tive casos da pessoa não querer ser vinculada a um transtorno mental porque tem aquele estereótipo de que não tem cura, ou de que é doido. E quando você vai pro trabalho, pode voltar a ter algum... (Psicologa3).
As dificuldades de organização do trabalho e as transições políticas mais uma
vez figuram como obstáculos ao desenvolvimento de ações de promoção e
prevenção, conforme verificamos na fala de uma médica do trabalho.
Nesse período que a gente ta agora, é muito complicado fazer um nexo de transtorno mental porque, por conta de questões políticas, ta uma confusão imensa, pessoas vem sendo discriminadas porque eram diretoras, mas eram concursadas como auxiliares de serviços gerais... e aí, quem era serviços gerais passou a ser coordenadora... tem toda essa questão. (...) aqui a política é muito forte, é de assustar. Se eu sou uma coisa, não posso ser outra, quem tava do lado que perdeu faz questão de não obedecer as regras, de não ser maleável, então ta um momento muito complicado pra gente tocar nesse assunto, ta muito nebuloso pra gente dividir o que é transtorno mental relacionado ao trabalho, o que é transtorno mental relacionado a política.. e o que fazer com isso? Nesse momento, acho que nem vale a pena a gente mexer nisso, porque é uma demanda q a gente não sabe o que fazer. (Medica do Trabalho2).
Destacamos ainda, na fala dos entrevistados, a questão da não priorização de
políticas voltadas à saúde mental. Como se observa na fragmentação das ações e
na inexistência de um protocolo de atuação.
Na verdade a historia é assim, a gente ainda vai ter o protocolo de atuação, o protocolo de transtorno metal, ainda não foi lançado pelo
120
Ministério, ainda ta em consulta publica (..), então a gente não tem uma referência imediata, a gente age através dessas portarias que o Ministério da Saúde lança, a cada dois anos ele tem atualizado... (Direção2).
Transtorno mental é uma história muito difícil. Já começa que não existe o protocolo... todas as nossas notificações tem protocolos estabelecidos, transtorno mental é o único que não foi fechado, não existe um consenso em torno do transtorno mental (Psicólogo5).
Não foi feito o protocolo ainda, então é muito difícil fazer um diagnostico porque se você ficar muito bitolado que tudo é individual, ou tudo é do trabalho, você pode se equivocar, então é importante ter um norte, uma discussão (Psicóloga3).
Bernardo e Garbin (2011) discutem a possibilidade de uma integração entre
Saúde Mental e Saúde do Trabalhador. Para as autoras, embora ambos os campos
tenham sua origem ligada aos movimentos pela Reforma Sanitária e suas ações
sejam fundamentadas nos princípios do SUS, o olhar para as questões trazidas por
eles não foi incorporado por todos os níveis de atenção. Sendo assim, torna-se
ainda mais complexo tratar de temas que se encontram na fronteira entre esses dois
campos.
No Ceará, a Saúde do Trabalhador figura entre os quatro eixos da atenção
especializada, juntamente com o Serviço de Atendimento Médico de Urgência
(SAMU) e os programas e políticas de Saúde Mental e Saúde Bucal.
No que se refere à Saúde Mental, a rede sentinela de atenção ao trabalhador
do estado do Ceará dispunha de 18 (dezoito) Centros de Atenção Psicossocial
(CAPS)22 para “tratamento para pessoas que sofrem com transtornos mentais,
psicoses, neuroses graves e demais quadros, cuja severidade e/ou persistência
justifiquem sua permanência num dispositivo de cuidado intensivo, comunitário,
personalizado e promotor de vida” (Secretaria de Saúde, 2011) – dentre CAPS I, II e
III, CAPS ad e CAPS i – além de 4 (quatro) residências terapêuticas e 87 (oitenta e
sete) leitos em hospitais gerais, até 2011.
Contudo, apesar dos avanços em Saúde Mental, conquistados, sobretudo a
partir da reforma psiquiátrica, manifestados na substituição do modelo manicomial
por uma rede de serviços substitutiva aos asilos; a criação e o funcionamento de
22Resolução Nº. 149/2010 – CIB/CE
121
dispositivos assistenciais visando a autonomia e a reinserção social dos indivíduos
com transtornos mentais, como é o caso dos CAPS, ainda é um desafio para as
políticas públicas na medida em que não existem ações efetivas no campo da
gestão e essas unidades “estão mais focadas na assistência e distantes de questões
gerais da saúde coletiva” (BERNARDO e GARBIN, 2011, p.105).
Não se pode deixar de lado, também, o fato destacado ao longo das
conversas com os profissionais, o peso da organização do trabalho e da
configuração das relações de poder que refletem igualmente sobre os serviços de
atenção a saúde do trabalhador e seus usuários. As exigências impostas pelo
sistema de produção do capital, no sentido do desenvolvimento econômico, que
segue o ritmo da busca por lucro e poder, priorizada em detrimento da qualidade de
vida do trabalhador. Refletem na falta de prioridade nas ações de vigilância,
promoção e prevenção relacionadas à saúde do trabalhador, sobretudo naquelas
relacionadas à saúde mental.
6.2.4. A promoção e a prevenção
As falas até aqui analisadas, permitem compreender que a realização de ações de
prevenção e promoção esbarra nas fragilidades a que a Saúde do Trabalhador está
submetida. Dependem, portanto, de uma atuação integrada do sistema, com a
participação das representações dos trabalhadores e investimentos prioritários.
As falas a seguir desvelam os entraves enfrentados pelas equipes dos
CEREST nas intervenções de prevenção.
Os profissionais criticam a ineficiência da realização repetitiva de ações como
palestras e capacitações. Para eles, essas atividades não são suficientes para suprir
a demanda em saúde do trabalhador. Há que se pensar em atividades que levem
em consideração o amplo contexto da organização de trabalho vivenciado pelos
trabalhadores.
Eu já to com 33 anos de serviço. Eu tenho loucura pra botar as coisas pra funcionar. É muito difícil. A gente ta fazendo os protocolos. Eu pensei que a gente tivesse fazendo os protocolos pra botar pra caminhar a rede, pensei que tivesse uma pessoa lá, pra ser resolvida as coisas, e a mulher disse “não, mulher, isso aqui é só um curso”. Quer dizer, a gente vai fazer mais um curso, mais uma capacitação
122
pra ficar pra gente, porque não vai botar pra funcionar lá na frente (Enfermeira2).
Aí a gente ontem mesmo realizou oficinas pra trabalhar a saúde deles de uma forma prática, dinâmica, levando a cultura, levando a arte, não necessariamente só a palestra. Por que você, pra mudar o comportamento, precisa mudar a organização... Então a gente tenta trabalhar a autoestima do profissional, tenta trabalhar que ele identifique que riscos ele ta trazendo pra vida dele com aquele trabalho. (Direção2).
As parcerias com as regionais de saúde foram apresentadas como
essenciais, pelos entrevistados diante da grande quantidade e diversidade de
municípios de referência.
A gente tem xx municípios, mas ação ainda ta um pouco centralizada. Até porque, pra adentrar os outros municípios, a gente precisa de demanda, prioridade. Então a gente faz reuniões nas regionais, repassa plano de ação, repassa a estratégia do serviço, pede a parceria deles... alguns a gente tem feedback bem positivo. A gente vai lá, capacita, eles notificam, eles mandam fichas, eles aumentam as notificações no sistema... (Direção2).
Contudo, em geral, os municípios não tem essa compreensão da atividade
em rede seja pelo desconhecimento de seu funcionamento, seja por estarem
vulneráveis à flexibilização das condições de trabalho.
Porque é como se fosse o nosso município entrando em um outro município. Eles entendem assim. Eles não entendem muito que a gente é uma regional então, assim, as vezes é um pouco complicado. (Fonoaudióloga2).
Órgãos como o Ministério Público e a Previdência Social também
representam um desafio para as parcerias.
O Ministério Público do Trabalho a gente tem uma parceria só mesmo na área de palestras, a gente entra com eles em questão de capacitações, pra indicar alguém pra falar sobre essa parte da atuação do Ministério na Saúde do Trabalhador. A parceria foi praticamente isso (Direção7).
Eu entro num debate com o INSS, com Ministério do Trabalho. Eles são muito ainda... crus com relação ao serviço dos Centros de Referência (Direção2).
Em um dos CEREST a parceria com os sindicatos foi considerada satisfatória.
A relação com os sindicatos é boa. Por exemplo, taxistas, professores, calçadistas. A gente tinha uma parceria, uma vez por mês ia uma equipe do CEREST no sindicato pra realizar ações de
123
educação em saúde. Chegamos a levar ate o médico do trabalho. Então, a gente tem uma boa relação com os sindicatos, que realmente nos procuram. Dos agentes de endemias, dos servidores municipais de saúde... (Fonoaudiologa1).
O restante dos CEREST, no entanto, ressaltou a pouca significância da
atuação dos sindicatos.
Sindicato aqui é fraquíssimo. A gente que procura eles. Fizemos agora uma ação com os agricultores, então nós fomos ao sindicato... eles não criam demanda... a gente tem que ir (Direção8).
Olha, aqui é muito difícil, porque a proximidade de Fortaleza é grande, então nós não temos sedes de sindicatos aqui, o escritório de seção passa o dia fechado (...). Aí isso dificulta muito a própria organização dos trabalhadores, dificulta a participação deles aqui. A gente já tentou montar conselho gestor, a gente já tentou montar Comissão Interinstitucional de Saúde do trabalhador com representação de trabalhadores, mas é muito difícil (Direção8).
Segundo Ramalho (2002), o movimento sindical enfrenta dificuldades para
agir em um contexto onde “políticas e estratégias de ação sindical parecem
impotentes para deter a destruição de direitos (...)” (2002, p.86). Para ele, os
desafios postos ao movimento sindical brasileiro podem ser compreendidos, por um
lado,pela perspectiva da capacidade de reação e negociação frente ás novas
tecnologias e formas de gestão, e, por outro, pela dificuldade histórica de lidar com o
trabalho precarizado e informal. Dessa forma, Ramalho (2002) aponta a
necessidade de formulação de estratégias alternativas de organização como forma
de enfrentamento a essas novas condições, como a criação das “câmaras
setoriais”23 e grupos comunitários.
Ainda no campo dos problemas da atuação diante nas novas formas de
gestão e da precarização do trabalho, foram citadas a burocracia e a má utilização
dos recursos.
As pessoas só chegam pro Centro de Referência sabe porque? Porque Centro de Referência tem dinheiro. O prefeito quer o dinheiro do centro pra fazer outra coisa, o secretário quer o dinheiro do centro pra fazer outra coisa. As próprias unidades nunca chegam pra mim
23“O termo ‘câmaras setoriais’ vem sendo utilizado desde os anos 80 para definir um mecanismo de negociação tripartite entre trabalhadores, empresários e governos” (RAMALHO, 2002, p.99). Pode-se incluir nessas iniciativas a criação das comissões de fiscalização propostas pela Lei de Prevenção e Combate ao Assédio Moral na Administração Púbica, do estado do Ceará, que se encontra em fase de implementação.
124
“(...), eu vim aqui porque eu vim propor um trabalho”. “Eu queria que vocês fossem lá porque eu tenho trabalhadores que trabalham assim, e tal”. Não vem. Vem assim: “(...), eu queria saber se tu pode me dar um computador”. Ta entendo? (Direção2).
Nós, como CEREST, temos uma verba própria. Então a gente vê, (...) tem uma demanda reprimida, a gente pode ate contratar profissional... só que a gente tem um dificuldade muito grande de tornar o nosso dinheiro de virtual pra real. A gente tem o dinheiro em caixa, um milhão e trinta e nove mil nós temos em caixa... e a gente não consegue acessar. (...) Tem que ter uma licitação especifica. E a licitação vai pra Secretaria de Saúde e a Secretaria de Saúde tem que juntar tudo que é documento... (...) Equipamentos específicos pro CEREST, como pro técnico de segurança, pra medir luz, calor, ruído, a gente não consegue. A gente ta desde 2008 tentando comprar equipamentos e não consegue. Temos o dinheiro, sabemos o que comprar, mas não conseguimos por conta da burocracia. Três anos que a gente tenta fazer o seminário de agrotóxico... nós já temos o contato, já temos os profissionais pra virem, já temos toda a logística pronta, o que falta é a gente conseguir acessar o dinheiro pra pagar (Direção8).
Uma vez a gente foi fazer um curso em Brasília, a prefeita teve que dar o dinheiro, tirar o dinheiro do gabinete dela... a gente com quase um milhão em caixa não podia pagar. Ai você não consegue desenvolver as ações. (Psicologo5).
6.2.5. O problema da saúde do cuidador
Essa categoria aborda os impactos dessas condições de trabalho sobre os próprios
profissionais da saúde que lidam com a saúde do trabalhador que, tal como os
demais trabalhadores, veem-se afetados pelas condições de precarização e
violência.
Os entrevistados relataram que tem dificuldades de acesso à rede púbica de
saúde, em geral, precisando recorrer ao serviço privado. No entanto, em algum
momento, os mesmos acabam utilizando os serviços do SUS.
Eu trabalho numa empresa privada que vão alguns médicos fazer o atendimento. (...) Geralmente eu vou... eu utilizo muito pouco a rede publica... eu to aqui há seis anos, eu uso mais pra essa questão de vacinação (Médica do Trabalho1) Eu procuro o SUS... tem aqui o posto, né? Aí, quando eu preciso eu vou lá... às vezes só pra fazer massagem... Mas, pra mental mesmo eu tenho a minha psicóloga, particular. (psicologo5)
Segundo Merhy e Franco (2005), a reestruturação produtiva repercute no
trabalho em saúde gerando mudanças nos processos de trabalho e nos modos de
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produzir o cuidado. Observa-se que os profissionais de saúde também se encontram
submetidos aos impactos da precarização e flexibilização das condições de trabalho.
Nesse sentido, a maioria dos profissionais relatou já ter sofrido problemas de saúde
relacionados ao desgaste e às pressões sofridas no ambiente de trabalho.
Por exemplo, (...) eu sou pai e mãe de quatro e da minha mãe, eu sustento a minha casa. Pra isso eu tenho que ter dois empregos, onde eu tenho uma carga horária de 64 horas, cadê minha qualidade de vida? cadê meu lazer? e dá? dá não. Só dá pra eu manter meus filhos na escola e comer. Eu não tenho lazer, eu não tenho viagens, eu não tenho férias. (Direção2) Eu tenho uma filha, a minha filha mais nova tem um ano e três meses. Eu tava no auge daqui, há dois anos atrás quando eu engravidei dela eu quase a perdi, eu quase perdi minha vida, eu tive eclampsia grave, quase evolui pra síndrome de Hellp. Porque eu tive estresse associado ao trabalho, aqui. Eu tive ela com trinta e quatro semanas porque eu não consegui mais esperar, não tinha nada que fizesse baixar minha pressão, era 24 por 12, tinha nada no mundo que fizesse baixar, nada. Eu já tava com epigastralgia, perda de função renal... mas eu tive que passar por isso tudo, tive uma história de orientação, mas se você não tem essa base fica muito difícil de você enfrentar isso... como? sozinha? (Enfermeira3) Eu tenho motivos aqui de sobra pra ter jogado essa direção do CEREST pra trás há muito tempo e dizer: “eu não quero mais isso pra minha vida”, tá entendendo? Mas a gente precisa encarar de outra forma, sabe? (Direção7).
Foram mencionados, ainda, casos de assédio moral de caráter coletivo dentro
de dois CEREST apresentado, na fala de um dos entrevistados, como fator de
desestabilidade física e emocional.
Aqui, a gente passou bastante por isso. Muito mesmo. A gente teve até que fazer abaixo-assinado pra botar a administração pra fora, todo mundo sendo assediado. (...) Mas eu não fiquei nervosa de ir pra psiquiatra, não. Antes disso ela saiu. Mas teve menina que tomou remédio tarja preta. Eu fui até no controle social pra tomar uma providencia, que o pessoal tava adoecendo, teve gente que tirou licença... foi sério (Enfermeira1).
As falas a seguir descrevem as vivências de assédio moral de um dos
entrevistados.
Eu não tinha ação nenhuma aqui dentro, eu era descriminada... toda confusão, todo problema era eu, trazia pra mim, mesmo nos dias que eu não tava. Eram pessoas indicadas por ela. Ela queria botar pessoas aqui dentro. Uma vez houve uma confusão muito grande
126
deles aqui, aí ela disse “só podia ser você, tava de férias, já voltou”...(técnico em segurança do trabalho1) Você se acha uma barata, tem q correr pra não ser pisada. A gente se vê assim. Aí eu não me envolvia porque eu já vi casos da pessoa chegar aqui num caso pior por causa do assédio moral que ela sofria, ela teve foi uma LER... Existe casos aqui de uma moça q foi isolada num canto, dentro da empresa, ela não fazia nada, ficou isolada sem água, sem telefone, sem internet... Eu fiquei também sem internet, todo mundo tinha acesso a internet e eu não tinha. Eu perguntava porque eu era a única que não tinha acesso a internet, ela dizia: “Não, isso é coisa sua”. Você se sente inútil. Que tudo aquilo que você conquistou não vale a pena. Você não tendo uma estabilidade emocional forte, você adoece... porque realmente o assédio adoece, você. Por isso eu acho que tem muita gente hoje que adoece no trabalho, não consegue se reerguer, ou é alcoólatra ou é desequilibrada, não consegue ter uma estabilidade emocional em casa, na família, não consegue ter uma estabilidade no trabalho, não consegue arranjar emprego, porque foi abalada pelo problema de assedio que passou.
Verifica-se na sequência dos acontecimentos o desenvolvimento de
sofrimento proveniente da incompatibilidade entre o ser humano e a organização de
poder (DEJOURS, 1998), traduzidas na pressão e nas intimidações impostas ao
trabalhador.
É possível inferir que os métodos inadequados de gestão e o desvio de
função, portanto, sofrimento acompanhado de relações de trabalho agressivas.
Eu só fazia chorar. Eu não tinha força... Eu não podia chegar e dizer porque... eles rotulam a pessoa de ‘confuseira’.
Eu adoeci psicologicamente. Eu sofria, eu emagreci, eu não tinha vontade de pentear meus cabelos... Eu vivia doente, meu marido falava comigo dentro de casa eu era altamente depressiva e agressiva... porque a qualquer hora, eu pensava, a pessoa poderia me transferir daqui sem ter motivo (Técnico em segurança do trabalho1).
Santos (1997) discute a existência de quatro espaços-tempo condicionante da
prática social que se manifestam de forma inter-relacionada. São eles: o espaço-
tempo mundial, o espaço-tempo doméstico, o espaço-tempo da produção e o
espaço tempo da cidadania. Para o autor, o espaço-tempo da produção é o espaço
das relações sociais no processo de trabalho e se caracteriza por uma desigualdade
de poder assentada na exploração do homem pelo homem. No ambiente de
127
trabalho, essa exploração se traduz no cotidiano de coerção e pressão por
resultados, geridos pela organização.
Destaca-se, nesse processo, a crise dos instrumentos de regulação e
emancipação, reforma e evolução, discutida por Santos (2011). Para ele, as novas
configurações sociais trazem uma tensão entre as experiências da sociedade,
desiguais e opressoras, e a expectativa de construção de uma vida melhor. Dessa
forma, na visão de Santos (2011), os problemas modernos requerem soluções
modernas, o que acontece a passos lentos.
A questão da pouca eficiência dos serviços de atenção à Saúde do
Trabalhador no Ceará, particularmente os CEREST, chama atenção para os
diversos desafios que destacam a fragilidade desse campo e perpassam todas as
dimensões da saúde. Diante da flexibilização e da instabilidade do trabalho, de
formas alternativas de contratação, da terceirização, da necessidade de
intervenções rápidas; não há uma prioridade das ações preventivas que necessitam
de todo um suporte a longo prazo. É nesse universo que se expressam as
contradições e os desafios da Saúde do Trabalhador em sua relação com a Saúde
Mental e com a Saúde Pública em geral.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo constituiu uma abordagem inicial acerca dos desafios e
possibilidades de atuação dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador,
com foco no acompanhamento dos casos de assédio moral. Trouxe, ainda, pela
análise, uma série de novos elementos a serem considerados, discutidos e
problematizados no sentido de ter fomentado indícios para uma intervenção prática
mais integrada e eficiente sobre a Saúde Pública.
No que se refere ao assédio moral, objeto inicial da pesquisa, o propósito de
analisar a atuação sobre estes casos não pôde ser concretizada a contento, posto
que a grande maioria dos CEREST não realizava ações concretas relacionadas a
prevenção e/ou combate ao assédio moral, o que encaminhou esta pesquisa a
outros caminhos de análise voltados à atuação dos centros em geral.
128
Por se tratar de um serviço que envolve as relações de trabalho em sua
dimensão social mais ampla, considera-se que a atuação desses órgãos de saúde
do trabalhador não está destacada do contexto das relações sociais como espaço
de manifestação da subjetividade e palco de atuação das políticas públicas.
Nesse sentido, foi utilizada, a título de discussão, a percepção dos próprios
profissionais de saúde dos CEREST sobre como receber e tratar casos de doenças
relacionadas ao assédio moral e demais comorbidades, estabelecendo vínculo
dessas doenças com o cotidiano de trabalho.
Foram consideras, ainda, as fragilidades do Sistema Único de Saúde/SUS,
por eles apontadas, no que tange a investimentos e atuação em rede. Deve-se
atentar, portanto, que é da visão do trabalhador do CEREST que está sendo feita a
análise, com todos os seus componentes de valor.
Nas falas desses profissionais são ressaltados os desafios de uma atuação
integrada das políticas públicas de Saúde Mental, Saúde do Trabalhador e do
Sistema Único de Saúde como um todo. Entende-se que a proposta de criação dos
CEREST pressupõe uma atuação em rede que ainda não foi totalmente assimilada,
nem pela população, nem pelos próprios profissionais de saúde, por não
encontrarem abertura para a realização de ações de prevenção e promoção da
saúde.
Com relação à criação de centros de referência, observa-se que os CEREST
têm traçado o mesmo caminho, com percalços semelhantes aos vivenciados quando
da criação dos Centros de Atenção Psicossocial/CAPS. Ao invés de se tornarem
uma referência em saúde mental, conforme objetivo inicial, constituindo uma rede
multidisciplinar e integrada de atenção à saúde mental, os Centros de Atenção
Psicossocial acabaram concentrado as ações acerca do transtorno mental e do
sofrimento psíquico. As ações que deveriam ser descentralizadas nos diferentes
níveis de atenção passaram a se concentrar nas unidades dos CAPS, da mesma
forma que os CEREST enfrentaram o problema de concentração das ações em
Saúde do Trabalhador. Somam-se a isso os investimentos não prioritários em
prevenção e promoção da saúde (BERNARDO E GABIN, 2011).
129
Essa fragilidade repercute diretamente nas ações. O que se nota nas
entrevistas com as equipes profissionais dos CEREST é que, no caso do Ceará, a
maioria dos centros de referência, em geral, não compreende, na prática, a real
extensão da atuação desses órgãos, bem como seu lugar nas chamadas redes de
atenção à saúde. Dessa forma, no cotidiano de trabalho, os profissionais, em geral,
não conseguem estabelecer prioridades e/ou planos de atuação eficientes e
eficazes, nem conseguir o essencial apoio dos demais órgãos como as
superintendências regionais do trabalho e o INSS.
Acrescido a isto, a atuação dos CEREST no Ceará se mostra, muitas vezes,
condicionada a fatores externos de cunho assistencialista e paternalista,
característicos da formação sócio-histórica do Estado, onde a atenção aos
trabalhadores é considerada um favor, devendo ser oferecida de modo a não se
confrontar com os interesses políticos e econômicos dos municípios. Dessa forma,
os profissionais do CEREST necessitam se submeter a parcerias e acordos que
geram relações de poder e dominação conflitantes com as ações integradas em
saúde sobre acidentes e doenças relacionados ao trabalho.
Considerando o assédio moral, nesse contexto, enquanto relacionado a
fatores econômicos, políticos, sociais, culturais e estruturais, atenta-se para o fato de
que todos os sujeitos pesquisados alegaram a dificuldade de compreender e,
sobretudo, de atuar sobre essa demanda, visto que os encaminhamentos implicam
uma investigação ampla e profunda das condições de trabalho, o que é
impossibilitada pelas contradições políticas e econômicas encontradas nas
empresas, postos de saúde e nos setores administrativos dos municípios em geral,
manifestadas na falta de qualificação da equipe profissional e na intensa rotatividade
desses profissionais; nas dificuldades de realizar ações nas empresas e nas
próprias redes sentinela; na falta de priorização de ações de promoção e prevenção
em Saúde do Trabalhador.
As particularidades do assédio moral, que tornam ainda mais difícil seu
desvelamento, dizem respeito ao fato de que os atos de agressão, humilhação e
perseguição vivenciados, bem como a situação na qual esses atos se manifestaram
no cotidiano das relações de trabalho, atestam que esse tipo de violência
representa, em alguns casos, uma resposta a comportamentos que ferem, de algum
130
modo, a estrutura das relações de poder. Geralmente isso acontece quando os
trabalhadores ameaçam voluntária ou involuntariamente a estabilidade da
organização, alterando o padrão imposto pelas regras cada vez mais fluidas do
mercado. Tanto é que o trabalhador chega a considerar os episódios contínuos de
violência como uma espécie de castigo.
E os profissionais de saúde não se isentam desse risco. Pelo contrário, estão
expostos constantemente a esse ambiente de exploração e instabilidade, conforme
foi possível constatar nos depoimentos de alguns profissionais entrevistados que
relataram situações de assédio moral.
Dentre os usuários do sistema público de saúde, existe ainda o preconceito e
a resistência para se buscar atendimento psicológico ou psiquiátrico, essenciais no
acompanhamento das vítimas de assédio moral.
Vê-se que a prática do assédio moral, por meio de perseguições,
desestabilização, exposição a situações vexatórias, está ligada a questões
socioeconômicas e culturais mais amplas. Muitas vezes, confunde-se também com o
próprio abuso de poder nas organizações, que se reflete nas relações sociais dos
trabalhadores em todas as suas dimensões. A atuação da rede de atenção à Saúde
do Trabalhador, em contrapartida, necessita de um suporte profissional e estrutural
que dê conta de investigar o fenômeno em todas as suas dimensões, não
descuidando da saúde e da segurança dos próprios profissionais de saúde.
Ressalta-se que a estruturação e o funcionamento da rede de saúde são
essenciais para o trabalho dos centros de referência. Nesse sentido, o trabalho dos
profissionais encontra-se prejudicado pela falta de comunicação efetiva entre os
serviços, o que prejudica a obtenção de informações que subsidiem as ações. Os
CEREST dependem dos dados epidemiológicos para o planejamento de suas
atividades. No entanto, existe dificuldade de obtenção desses dados, principalmente
no que se refere aos registros de acidente de trabalho no INSS.
Outro grande empecilho que existe está relacionado à dificuldade de realizar
ações nos ambientes de trabalho, pois falta apoio, mobilização e organização dos
sindicatos.
131
A visita aos campos de pesquisa possibilitou apreender, no que se refere à
estruturação física, que o serviço mostra um avanço. Ainda que a maioria dos
centros esteja sediada em prédios ou casas adaptados, estes têm boas instalações
ou passam por melhoramento. Acrescenta-se ainda o fato de que sua localização
nos municípios é central e, em geral, fica próxima a outras instituições de saúde,
como Vigilância Sanitária, Secretaria de Saúde, CAPS e outras unidades sentinela,
facilitando a comunicação entre os serviços.
Dessa forma, tendo em vista a implantação recente dos centros de referência
no Ceará, há que se considerar os esforços no sentido de incentivar a discussão das
temáticas relacionadas à Saúde do Trabalhador.
Existem inúmeras questões a serem pensadas e discutidas. As entrevistas
com os profissionais, assim como a análise do contexto sócio- -histórico em
comparação com o levantamento bibliográfico, levam a crer que ainda há muito a se
fazer no sentido de uma atuação integrada e eficiente sobre a saúde do trabalhador,
em especial a saúde mental, entendendo a saúde como um bem-estar geral do
individuo. Nos casos de assédio moral, essa atuação eficiente demanda não só
apoio integral dos órgãos competentes, mas de uma organização por parte dos
trabalhadores e suas representações. A longo prazo, o combate ao assédio moral e
às doenças relacionadas ao trabalho pressupõe uma reorganização das relações de
trabalho baseada num comportamento ético que vise ao bem-estar geral, incluindo o
campo dos trabalhadores da saúde.
Com relação à pesquisa aqui desenvolvida, foi detectada a necessidade de
aprofundamento das questões relativas à organização de trabalho e das condições
de trabalho nos âmbitos público e privado como um todo, além das questões
organizacionais que envolvem a atuação dos profissionais de saúde.
Por fim, acrescenta-se aqui a demanda por mais ações de combate e
prevenção contra a violência ao trabalhador, de maneira que venham romper com as
contradições do capital que, se por um lado estimula o bem-estar do trabalhador por
meio da ideologia dos programas de qualidade de vida, por outro cria um ambiente
de trabalho tenso e desprovido de senso ético.
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APÊNDICE
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Nome da pesquisa: ASSÉDIO MORAL NA CONTEMPORANEIDADE: DESAFIOS DA ATENÇÃO AO TRABALHADOR VITIMIZADO O(a) senhor(a) está sendo convidado(a) a participar desta pesquisa e voluntariamente responder as perguntas a ela referentes. As suas informações e respostas serão mantidas em sigilo e sua identidade não será revelada e as informações serão consideradas confidenciais. Desta forma, pedimos a sua colaboração nesta pesquisa sobre o tema acima proposto que poderá ser gravada se o(a) senhor(a) concordar. Vale ressaltar, que sua participação é voluntária e o(a) senhor(a) poderá a qualquer momento deixar de participar desta sem nenhum prejuízo ou dano. Indicamos ainda que não há nenhum risco ou desconforto para o(a) Sr.(a) em participar da pesquisa. Garantimos, portanto, que a pesquisa não trará nenhum prejuízo, dano o transtorno para aqueles que participarem. Este estudo diz respeito a uma pesquisa sobre assédio moral no trabalho, enquanto expressão de sofrimento na dimensão da subjetividade do trabalhador vitimizado, observando a atuação dos profissionais que atendem as demandas de assédio que chegam aos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CERESTs) do estado do Ceará.As informações que o (a) Sr.(a) nos der serão úteis para a compreensão das políticas e da atuação do serviço neste âmbito. Comprometemo-nos a utilizar os dados coletados somente para a pesquisa e os resultados poderão ser veiculados através de artigos científicos e revistas especializadas ou encontros científicos ou Congressos, sempre resguardando sua identificação. Destacamos que são esses os seus direitos ao participar da pesquisa (Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde/Ministério de Saúde/ do Brasil): 1- A garantia de receber resposta a qualquer pergunta, dúvidas, esclarecimentos acerca dos procedimentos, riscos, benefícios e outros relacionados à pesquisa; 2- A liberdade de retirar seu consentimento a qualquer momento e deixar de participar do estudo, sem que isso traga prejuízo à continuação de seu atendimento e tratamento habitual nesse serviço; 3- A segurança de não ser identificado e do caráter confidencial de toda a informação relacionada com sua privacidade; 4- O compromisso de receber informação atualizada durante o estudo, mesmo que este afete sua vontade de continuar participando; 5- A disponibilidade do tratamento médico e indenização a que legalmente tem direito, por parte da instituição de saúde, em caso de danos justificados, causados diretamente pela pesquisa; 6- Se existem gastos adicionais, estes, serão absorvidos pelo orçamento da pesquisa.
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Pesquisadores Responsáveis: Ana Karina Loiola de Oliveira(mestranda) – Endereço: Av. da Universidade, nº 2223, CEP: 60.020-180 - Fortaleza-CE – Brasil, fone : (85) 9600.8116; e meu orientador, Dr.João Bosco Feitosa dos Santos. O Comitê de Ética da UECE encontra-se disponível para esclarecimentos pelo telefone (85) 3101.9890. Endereço: Av. Paranjana, 1700 – Itapery – Fortaleza – Ceará. Este Termo está elaborado em duas vias, sendo uma para o sujeito participante da pesquisa e outro para o arquivo do pesquisador.
TERMO DE CONSENTIMENTO Eu, Sr.(a)_________________________________________________________,abaixo assinado, tendo sido esclarecido a respeito da pesquisa, aceito participar da mesma.
______________________data: ____/_____/2013
_____________________________ _______________________________ Assinatura do sujeito da pesquisa Assinatura do(a) Pesquisador(a) (entrevistado) Digital do sujeito da pesquisa (entrevistado)