AVALIAÇÃO DO USO E FUNCIONAMENTO DO SISTEMA CONDOMINIAL DE
ESGOTOS SANITÁRIOS EM SANTO AMARO E EM GAMELEIRA, BAHIA
Ricardo Macedo Lula SilvaPatrícia Campos Borja
Luiz Roberto Santos Moraes
DEA/UFBA
I CONGRESSO BAIANO DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL
Introdução
Déficit em esgotamento sanitário no Brasil e a necessidade dauniversalização do atendimento da população.Alto custo de implementação de sistemas convencionais.Carência de recursos do Poder Público frente aos desafios dauniversalização.Necessidade do uso de tecnologias mais adequadas àspeculiaridades locais em termos sócio-ambientais e culturais.Disseminação, no Brasil, do uso da tecnologia do SistemaCondominial de Esgotos, como alternativa tecnológica.Após de duas décadas de uso do SCE faz-se necessário umaavaliação ampla de sua utilização no Brasil.O presente trabalho visa contribuir no esforço de avaliação doSCE.
Tecnologias Apropriadas
Para Ennes (1989) a TA é
[...] aquela que permite atender às comunidades comserviços de saneamento:
1. em condições sanitárias seguras e eficientes,2. que seja aceita pelas comunidades e3. que contemple aspectos construtivos, operacionais
e de custos compatíveis com as característicassócio-econômicas, ambientais e culturais dasrespectivas comunidades (ibid, p.14).
Tecnologias Apropriadas
Para Azevedo Netto (1992, p. 36) “[...] as novas tecnologiasincluem uma série de mudanças e procedimentos com oobjetivo de simplificar as obras e reduzir os custos. O fimnão é reduzir a eficiência e a segurança ou criar umasolução de ‘segunda classe’.
Presença da população desde o processo da seleção datecnologia, projeto, construção, operação, manutenção eavaliação deve ser assegurada.
O movimento pela utilização das TA inicia-se a partir dadécada de 70, em nível internacional, e se desenvolve com oapoio de instituições como a OMS e BIRD (HELLER, 1983).
Acreditava-se na impossibilidade de se generalizar as opçõestecnológicas até então em uso, passando-se a direcionaresforços em pesquisas de novas soluções tecnológicas,possíveis de serem adotadas nas regiões carentes de países emdesenvolvimento (CAIRNCROSS, 1990).
É nesse contexto que passa a ser disseminada, no Brasil, astecnologias apropriadas de esgotamento sanitário e, nos anos80, o SCE.
Tecnologias Apropriadas
O SCE é aquele que atende às populações comesgotamento sanitário, contemplando aspectostecnológicos e de gestão dos serviços compatíveis com arealidade local, favorecendo a salubridade ambiental e,consequentemente, a saúde pública, com vistas a garantiros princípios da universalidade, da equidade e daparticipação social das políticas públicas de saneamentoambiental.
O Sistema Condominial de Esgoto (SCE)
Do ponto de vista restrito, o SCE é um sistema no qualum grupo de usuários compartilha do mesmo ramal decoleta de esgoto. É mais flexível e pode atravessarfundos de lotes, passeios, a pouca profundidade,passando de casa em casa até chegar à rede coletora.
O Sistema Condominial de Esgoto (SCE)
O Sistema Condominial de Esgoto (SCE)
CONVENCIONAL
RamalJardim
RamalFundode Lote
Ramal Passeio
CONDOMINIAL
Rede PúblicaRamal de LigaçãoPoço de Visita
Rede PúblicaRede CondominialRamal CondominialCaixa de Inspeção
Fonte: Adaptado de Nazareth (1998, p. 15).
Os primeiros registros do SCE são do ano de 1852, compráticas realizadas em Croydon, Inglaterra (MARA, 2000).
No Brasil, em 1903, o engenheiro sanitarista Saturnino deBrito desenvolveu estudos em Santos na busca de soluçõespara os esgotos da cidade, que mais tarde integraria oplano de saneamento da cidade.
Saturnino de Brito, propôs os “quarteirões salubresatravessados por vielas sanitárias e ruas particulares”(ANDRADE, 1991), desenho este utilizado nos SCE.
O Sistema Condominial de Esgoto (SCE)
Histórico
Quarteirões salubres e as vielas sanitárias propostos por Saturnino de Brito (ANDRADE, 1991).
Por volta de 1950, nas cidades de Currais Novos e Santa Cruz, noRGN, “[...] foi desenvolvido um sistema de coleta comum de poucaprofundidade e pequena declividade que passava entre os lotes dosmoradores antes de alcançar a rua – a base técnica essencial dosistema tipo condominial” (WATSON, 1994).
Apesar dos exemplos, só a partir de 1983, com o engenheiro JoséCarlos Rodrigues de Melo e sua equipe, inicia-se no Brasil adisseminação de experiências, em grande escala, com o SCE.
A primeira experiência foi implementada em Natal-RN.
Essa experiência serviu de exemplo para outras cidades nordestinascomo Ilha de Santana em Olinda, Pernambuco (1985); Juazeiro-BA(1987); Camaçari-BA (1987); Itabuna-BA (1994) e Distrito Federal(1991).
O Sistema Condominial de Esgoto (SCE)
CaracterísticasA inovação se dá na forma de implementação e gestão dosserviços, com a introdução da participação da comunidade.A idéia central do SCE é a formação de condomínios comgrupos de usuários, em nível de quadra urbana e não dolote individualmente (NAZARETH, 1997, p. 2).O SCE “[...] se apóia fundamentalmente na combinação daparticipação comunitária, mostrando-se capaz de enfrentaro desafio do atendimento pleno da população” (MELO,1994, p. 231).
O Sistema Condominial de Esgoto (SCE)
A formação do condomínio é feita por meio de “pacto”firmado entre vizinhos e entre estes e as instituições ouorganismos envolvidos com os serviços.
A participação conjunta desses diferentes atores é quepossibilita o assentamento dos ramais condominiais emlotes particulares.
O Sistema Condominial de Esgoto (SCE)
Características
A estrutura do modelo do SCE, se realiza por meio detrês técnicas de sucessivos níveis de abrangência(MELO, 1994, p. 237):
Os condomínios.Os micro-sistemas.O sistema cidade.
Características
O Sistema Condominial de Esgoto (SCE)
Os condomíniosComo nova unidade de coleta, formada pelo ramalcondominial, que é composto de uma rede detubulações internas às quadras que pode serlocalizada nos passeios, nos fundos dos lotes ou nosjardins. Esse ramal coleta os esgotos das unidadesdomiciliares que integram o condomínio, conduzindoos mesmos para a rede básica ou pública, passando poruma caixa de inspeção, onde será feita a manutenção darede de responsabilidade do condomínio
Os micro-sistemasSão pequenas bacias de drenagem compostas de umconjunto de quadras condominiais, onde poderá serconstruída unidade de tratamento de baixo custo eoperação simples, podendo ser tanques sépticosmultifamiliares, lagoas de estabilização etc. Nesse casohá uma desconcentração do processamento final,eliminando as estruturas de transporte na transposiçãode bacias, com utilização de elevatórias, emissários etc.,que têm custos elevados.
O sistema cidadeRefere-se à instância de decisões e resoluções domodelo. Integra o conjunto interdependente devários micro-sistemas e do ponto de vistainstitucional os elementos que compõem asrelações e regulamentações do sistema.
Fonte: MCidades, 2009.
Fonte: MCidades, 2009.
Fonte: MCidades, 2009.
Fonte: MCidades, 2009.
Fonte: MCidades, 2009.
A concepção técnica do SCE, pelas suascaracterísticas de composição, dedescentralização, de redistribuição deresponsabilidade e de menor custo, requer umamaior integração entre as instituiçõesenvolvidas e os usuários do sistema. Nessesentido, a participação passa a ser umcomponente fundamental para viabilização dasações.
Kligerman (1995) US$ 52.61/hab
Azevedo Netto (1992) US$ 85.00/hab
CAESB (2002) R$ 31,00/hab
SCE é, em média, 57,5% mais barato que o convencional
Custo médio com coletores públicos, tratamento e conexões domiciliares
OBJETIVO
Avaliar os SCE implantados em Santo Amaro eGameleira, buscando identificar limites epossibilidades desse sistema.
METODOLOGIA
Áreas de estudo
LocalidadeLocalização
Regional
Distância de Salvador
(km)
População Urbana
Estimada (hab)Área (km2)
Densidade (hab/ha) IDH
PIB per capita
(R$)
Gameleira/ Jaguarari
Semi-árido Baiano 424 2.048 2 10,2 0,647* 5.182,85*
Santo AmaroRecôncavo Baiano 72 60.597 518 1,2 0,684 2.847,67
Áreas de estudo
Gameleira
Vista da via principal e características habitacionais em Gameleira.
Áreas de estudo
Gameleira
Toda gestão e manutenção do SCE é realizada pela própriacomunidade com o apoio da CENTRAL.
A CENTRAL é uma organização não governamental quecoordena os trabalhos de manutenção (preventiva e corretiva) dossistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário nazona rural de municípios do Estado da Bahia.
A CENTRAL funciona como uma instituição de articulaçãoentre os usuários dos sistemas implantados e a CERB/Governodo Estado.
A prestação dos serviços de água e esgotoé feita pela EMBASA, via concessãorealizada pela Prefeitura Municipal quenão exerce seu poder de titular do serviço.
Santo Amaro
Áreas de estudo
Técnicas de pesquisa
Levantamento das Condições Sanitáriasdos Logradouros (LCSL)
Trecho da via
Localidade Bacias coletoras de
esgoto
Amostragem
Gameleira Uma 1 bacia e 41 trechos
Santo Amaro Sete 4 bacias 254 trechos
Amostragem
Resultados e discussão
Estado de conservação do RCE nas áreas de estudo,segundo trechos de vias pesquisados
Descrição
Gameleira Santo Amaro
N % N %Presença de vazamento 0 0 9 3,54Rede aflorando na rua/pavimento 1 2,44 2 0,79Rede parcialmente destruída ou obstruída 1 2,44 2 0,79Rede destruída ou
obstruída 0 0 0 0Em aparente bom estado 39 95,12 241 94,88Não observado 0 0 0 0
TOTAL 41 100 254 100
Condições de funcionamento do RCE nas áreas de estudo, segundo
trechos de vias pesquisados.
DescriçãoGameleira
Santo Amaro
N % N %Em operação 41 100,00 230 90,55Fora de operação por dano/prob técn 0 0 0 0Fora de operação por falta de ligação 0 0 24 9,45Não observado 0 0 0 0
TOTAL 41 100 254 100
Ramal Condominial em Gameleira
52,2% falta de ligaçãopor parte do prestadorde serviço.
16,7% não aceitaçãodos moradores.
Em Santo Amaro, dentre os9,5% das vias que seencontravam com a redefora de operação :
Estado de conservação dos poços de visita nas áreas de estudo,segundo trechos de vias pesquisados.
DescriçãoGameleira Santo Amaro
N % N %Em bom estado 38 92,68 240 94,49Parcialmente obstruído ou danificado 1 2,44 9 3,54Obstruído ou danificado 2 4,88 3 1,18Não observado/Não se aplica 0 0 2 0,79
TOTAL 41 100 254 100
Obstrução no RCE nos últimos seis meses nas áreas de estudo, segundo trechos de vias
pesquisados.
Descrição
Gameleira Santo Amaro
N % N %
Nunca ocorreu 34 82,93 165 64,96
Entre 1 a 2 vezes 7 17,07 53 20,87
Entre 3 a 5 vezes 0 0 25 9,84
Mais de 6 vezes 0 0 11 4,33
Não observado 0 0 0 0
TOTAL 41 100 254 100
Ao analisar a ocorrência de “obstrução da rede” e “lançamento de água de chuva”, pôde-se verificar uma associação estatisticamente significante pelo teste de qui-quadrado de Pearson (p<0,05), o que vem a confirmar a necessidade de orientações técnicas adicionais, a ser dada aos usuários sobre esse assunto.
DescriçãoGameleira Santo Amaro
N % N %Todos os moradores 2 4,88 8 3,15A maioria 0 0 9 3,54A metade 1 2,44 4 1,57A minoria 1 2,44 5 1,97Nenhum 37 90,24 227 89,37Não observado 0 0 1 0,39
TOTAL 41 100 254 100
Lançamento da água de chuva na rede de esgoto nas áreas de estudo, segundo trechos de vias pesquisados.
[...] e outra coisa também: esses tubos queeles botaram de 100mm não vai aguentar;tinha que botar era tubo de 150. [...] É umtubo muito fino, qualquer coisinha estãoentupindo. [...] Eu acho que eles deveriamter mudado o tubo, né? Deveriam ter feitoum projeto melhor. Certo? [...]
Entrevista nº16, micro-área.330 – Camarajipe - Salvador
Adequação do diâmetro da RCE.Santo Amaro Gameleira
Adequado 37 88,6Inadequado 62,2 11,4
Ocorrência de reunião nas áreas de estudo, segundo informações dos
moradores dos trechos de vias pesquisados.
Gameleira Santo Amaro
Não 0 91,2Sim 100 8,8
Satisfação do morador com a reunião realizada antes da implantação do RCE
nas áreas pesquisadas.Gameleira Santo Amaro
Não 5,9 37,8Sim 94,1 62,2
Comunicação/Informação à comunidade. Gameleira
[...] O que poderia ter sido feito éuma articulação melhor; ouvir mais aslideranças comunitárias, que é (sic) aspessoas que têm o conteúdo, todofundamento, positivo, negativo, dacomunidade[...]
Entrevista nº 26, micro-área 672 -Mangabeira - Salvador
Satisfação com o SCE
Gameleira Santo Amaro Ótima 98,2 2,2Boa 2 63,7Regular 0 17,6Péssimo 0,0 16,5
Satisfação com o serviço de manutenção SCEGameleira Santo Amaro
Ótima 100 1,5Boa 0 66,5Regular 0 17,5Péssimo 0 14,5
CONCLUSÃO
Limites
Necessidade de participação comunitária, o queexige estrutura de gestão compatível com estáprática e organização social.
Vulnerabilidade do sistema pelo seu traçado eestrutura e dificuldade do entendimento dapopulação quanto a seu funcionamento, o queexige um programa de Educação Sanitária eAmbiental estruturado, continuado e integrado aoutros setores da administração pública.
É necessário adotar um sistema tarifário diferenciado,compatível com as condições sociais e aos custos deimplantação e operação do sistema.
O traçado de uma rede com fins públicos em espaçoprivado, o que gera conflitos de propriedade, exigindoum esforço maior na construção do pacto social. Essetraçado deve ser evitado.
Execução de ligação domiciliar por parte do usuário,pós-obra. Recomenda-se realizar as ligações durante aobra, cujo custo deve estar embutido na mesma.
Limites
Limites
Não existência de instalações hidráulicasdomiciliares em parcela dos domicílios.Recomenda-se implementar, em paralelo aoSCE, um programa melhorias sanitárias.
Existência de outros sistemas. Realizar estudosda possibilidade de aproveitamento dos mesmos,intensificando as discussões em torno doproblema no Programa de Educação Sanitária.
LimitesInexistência de drenagem das águas pluviais. Estudodos pontos críticos de drenagem e realização de obrasque minimizem a interferência entre o dois sistemas.
Inexistência de coleta de lixo. Realizar a melhoria dacoleta de lixo com vistas a minimizar as obstruções narede de esgoto por resíduos sólidos.
Transferência da responsabilidade da manutenção daRCE para o usuário via síndico, com geração deconflitos na comunidade e problemas trabalhistas.
Possibilidades
A participação permite maior democratização naprestação dos serviços e a definição de estratégias deatendimento mais compatíveis com as demandas dapopulação.Em face do custo de implantação e operação do SCE, omesmo possibilita caminhar para a universalização doatendimento.O traçado flexível e as profundidades utilizadaspermitem redução de custos e mais possibilidades deatender a um maior número de pessoas.
Ligações intra-domiciliares executadas durante aobra permitem maior rapidez na adesão aosistema.O Programa de Educação Sanitária e Ambientalpermite a incorporação por parte da populaçãode novos conhecimentos e a reflexão sobre arealidade vivida, possibilitando um processo deempoderamento, essencial para a promoção detransformações sociais substanciais.
Possibilidades