BERNARDO PIMENTEL SOUZA
DAS AÇÕES
CONSTITUCIONAIS
2012
BERNARDO PIMENTEL SOUZA
Professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Viçosa
Advogado inscrito na OAB/MG e na OAB/DF
DAS AÇÕES
CONSTITUCIONAIS
PIMENTEL SOUZA, Bernardo. Das ações
constitucionais. 2012.
OUTRAS OBRAS DO AUTOR PUBLICADAS PELA EDITORA SARAIVA:
INTRODUÇÃO AOS RECURSOS CÍVEIS E À AÇÃO RESCISÓRIA
PROCESSO CIVIL: EXECUÇÕES, CAUTELARES E EMBARGOS
MANUAL DE PROCESSO EMPRESARIAL
DOS RECURSOS CONSTITUCIONAIS
Ao Eminente Ministro ADHEMAR MACIEL,
Emérito Professor de Direito Constitucional,
com quem tive a honra de aprender
preciosas lições – teóricas e práticas –
sobre as ações constitucionais.
T E M Á R I O
TOMO I – AÇÕES DE CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE
CAPÍTULO I – TEORIA GERAL DO CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE
CAPÍTULO II – AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE
CAPÍTULO III – AÇÃO DECLARATÓRIA DE
CONSTITUCIONALIDADE
CAPÍTULO IV – ARGUIÇÃO DE
DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO
FUNDAMENTAL
CAPÍTULO V – AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO
CAPÍTULO VI – REPRESENTAÇÃO INTERVENTIVA
OU AÇÃO DIRETA INTERVENTIVA
CAPÍTULO VII – RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL
TOMO II – REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS
CAPÍTULO I – HABEAS CORPUS
CAPÍTULO II – HABEAS DATA
CAPÍTULO III – MANDADO DE SEGURANÇA
CAPÍTULO IV – MANDADO DE INJUNÇÃO
CAPÍTULO V – AÇÃO POPULAR
CAPÍTULO VI – AÇÃO CIVIL PÚBLICA
NOTA DO AUTOR
O presente compêndio reúne os apontamentos escritos para as aulas da
disciplina "Direito Constitucional III – Controle de Constitucionalidade e Ações
Constitucionais", lecionada no Curso de Direito da Fundação Universidade
Federal de Viçosa – UFV.
Além da exposição teórica das diversas ações constitucionais, também
foram lançadas observações práticas provenientes da experiência adquirida na
qualidade de assessor de ministros do Superior Tribunal de Justiça e do
Supremo Tribunal Federal, de 1995 a 1999, e no posterior exercício da
advocacia por mais de dois lustros.
No tocante à distribuição dos capítulos, foram inseridos em dois tomos,
tendo em vista a pertinência temática de cada um. O primeiro tomo versa sobre
as ações relacionadas ao controle de constitucionalidade: a ação direta de
inconstitucionalidade, a ação declaratória de constitucionalidade, a arguição de
descumprimento de preceito fundamental, a ação de inconstitucionalidade por
omissão, a representação interventiva e a reclamação constitucional.
Já o segundo tomo dispõe sobre dispõe sobre os remédios
constitucionais, também denominados writs constitucionais, quais sejam:
habeas corpus, mandado de segurança, habeas data, mandado de injunção e
ação popular. Em virtude da importância do instituto e da pertinência temática
com os remédios constitucionais, foi acrescentado ao final do segundo tomo
um capítulo específico destinado ao estudo da ação civil pública.
Por fim, as inovações da Lei nº 12.562 foram expostas no capítulo
específico destinado ao estudo da representação interventiva ou ação direta
interventiva.
Agosto de 2012.
Bernardo Pimentel Souza
TOMO I
AÇÕES DE CONTROLE
DE CONSTITUCIONALIDADE
CAPÍTULO I
TEORIA GERAL DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
1. CONCEITO E PRINCÍPIOS NORTEADORES
Os artigos 60, § 2º, e 97 da Constituição Federal consagram os
princípios da rigidez constitucional e da supremacia da Constituição como os
dois alicerces interdependentes que sustentam, justificam e explicam o controle
de constitucionalidade das normas jurídicas, desde as emendas
constitucionais, as leis em geral, até os atos normativos do poder público, como
as medidas provisórias presidenciais e os regimentos internos em geral.
Em virtude do princípio da supremacia, a Constituição está no ápice do
ordenamento jurídico e é o fundamento de validade de todas as normas
jurídicas, as quais só podem subsistir e integrar o ordenamento jurídico se
compatíveis com a Constituição. A incompatibilidade de emenda, de lei ou de
ato normativo do poder público implica nulidade da norma jurídica e a
consequente exclusão do ordenamento jurídico, desde o respectivo ingresso
(da emenda, da lei ou do ato normativo no ordenamento jurídico)1.
Já o princípio da rigidez constitucional significa que a Constituição só
pode ser modificada mediante processo legislativo complexo, formalista e
rigoroso, marcado pela necessidade de iniciativa qualificada e da aprovação da
mudança do texto constitucional por decisão de pelo menos três quintos dos
parlamentares, em dois turnos distintos de votação em cada uma das Casas do
Congresso Nacional.
Em suma, o controle de constitucionalidade é a verificação de
compatibilidade das normas jurídicas à vista da Constituição, sob pena de
insubsistência no ordenamento jurídico, em razão da supremacia da
Constituição e da rigidez constitucional.
2. OBJETO DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: EMENDAS À
CONSTITUIÇÃO, LEIS EM GERAL E ATOS NORMATIVOS DO PODER
PÚBLICO
À luz do artigo 97 da Constituição Federal, o controle de
constitucionalidade pode ter como objeto ―lei ou ato normativo do Poder
Público‖. A cláusula constitucional sub examine alcança as emendas à
Constituição, as leis complementares, as leis ordinárias, as leis delegadas, as
medidas provisórias, os decretos legislativos, as resoluções, os regimentos
1 Não obstante, a regra do efeito ex tunc ou retroativo não é absoluta; em hipóteses excepcionais, o
reconhecimento da inconstitucionalidade pode ter efeito ex nunc, a partir de então (do reconhecimento da inconstitucionalidade), como autoriza o artigo 27 da Lei nº 9.868, de 1999.
internos e os demais atos normativos – genéricos e abstratos – provenientes
do poder público2.
Sob outro prisma, o controle de constitucionalidade alcança toda e
qualquer ―lei‖, e não apenas a lei federal; as leis estaduais, municipais e
distritais também podem, portanto, ser objeto de controle de
constitucionalidade. Aliás, até mesmo as Constituições estaduais podem ser
objeto de controle em relação à Constituição Federal. Enfim, as diferentes
normas jurídicas estaduais, distritais e municipais são passíveis de controle de
constitucionalidade.
Ademais, o controle de constitucionalidade não se dá apenas em relação
à Constituição Federal; também há controle de constitucionalidade à vista das
Constituições estaduais e até mesmo à luz da Lei Orgânica do Distrito Federal,
no que tange às leis estaduais, municipais e distritais, conforme o caso. Sem
dúvida, há lugar para o controle das normas jurídicas locais em face da
Constituição Federal, das Constituições estaduais e da Lei Orgânica do Distrito
Federal, conforme o caso.
É amplíssimo, portanto, o objeto de controle de constitucionalidade, mas
variável conforme o sistema de controle (concentrado ou difuso) e a espécie de
ação ajuizada (ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de
constitucionalidade, ação de arguição de descumprimento de preceito
fundamental etc.). Não obstante, o controle de constitucionalidade não chega
ao exagero de contemplar a incompatibilidade dos atos normativos à luz das
leis, de medida provisória e de normas equiparadas às leis. Assim, por
exemplo, se o decreto regulamentador expedido pelo Presidente da República
contrariar primeiro a lei federal ensejadora do ato normativo, não há controle de
constitucionalidade, porquanto o vício é de ilegalidade, e não de
inconstitucionalidade; só há controle de constitucionalidade se o decreto
presidencial contrariar diretamente a Constituição Federal.
3. ESPÉCIES DE INCONSTITUCIONALIDADE: FORMAL E MATERIAL
O controle de constitucionalidade pode ter lugar em razão de duas
espécies de vícios de inconstitucionalidade: a inconstitucionalidade formal e a
inconstitucionalidade material.
A inconstitucionalidade formal está relacionada ao desrespeito às
exigências previstas na Constituição para a produção legislativa. É a
desconsideração das formalidades que compõem o processo legislativo, quer
em relação à iniciativa, à discussão, à votação, à sanção, à promulgação ou à
publicação da norma jurídica3. Por exemplo, uma lei complementar é
2 Por exemplo, os decretos regulamentadores expedidos pelo Presidente da República, quando
diretamente contrários à Constituição Federal. 3 Em abono, merece ser prestigiada autorizada lição da melhor doutrina: ―A inconstitucionalidade formal
implica na desobediência aos requisitos, ao processo, enfim, de elaboração. Se a lei não resultou da observância dos ditames traçados pela Constituição para a sua feitura, não merece ser aplicada pelo
sancionada, promulgada e publicada após a aprovação por maioria simples em
uma das Casas do Congresso, sem a observância, portanto, da formalidade
estampada no artigo 69 da Constituição. Outro exemplo: uma emenda
constitucional aprovada, promulgada e publicada à vista de projeto subscrito
por apenas um senador, sem a observância, portanto, da formalidade arrolada
no inciso I do artigo 60 da Constituição Federal4. Em suma, a
inconstitucionalidade formal diz respeito ao vício que contamina o processo
legislativo.
Já a inconstitucionalidade material está relacionada ao próprio conteúdo
da Constituição: o disposto no bojo, no fundo, no interior de preceito
constitucional não é observado, com o consequente conflito entre a norma
jurídica e o dispositivo constitucional sob o aspecto substancial. Com efeito, a
inconstitucionalidade material se dá em razão do descompasso do próprio teor
da norma jurídica com o texto constitucional, no que tange à matéria tratada
pelo constituinte. Por exemplo, uma emenda constitucional que restabelece a
forma unitária de Estado consagrada na Carta de 1824, com a consequente
extinção da forma federativa de Estado, em desrespeito ao disposto no artigo
60, § 4º, inciso I, da Constituição de 1988. Outro exemplo: uma lei passa a
permitir a aquisição de imóvel público mediante usucapião, em afronta ao
disposto nos artigos 183, § 3º, e 191, parágrafo único, ambos da Constituição5.
Tanto a inconstitucionalidade formal quanto a inconstitucionalidade
material ou substancial ensejam o controle de constitucionalidade e a posterior
exclusão da norma jurídica incompatível do ordenamento jurídico.
4. ESPÉCIES DE CONTROLE DE CONSTITUCINALIDADE:
PREVENTIVO E REPRESSIVO
O controle de constitucionalidade pode ser preventivo e repressivo. Há
duas espécies de controle, portanto, no direito brasileiro: o controle durante o
magistrado, por não constituir verdadeiramente uma lei.‖ (CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA. Instituições de direito civil. Volume I, 12ª ed., 1991, p. 148). 4 Eis alguns exemplos colhidos na jurisprudência: ―Provimento de Tribunal de Justiça que proíbe os juízes
de se ausentarem das comarcas, sob pena de perda dos subsídios: matéria reservada à Lei Complementar. Procedência da ação direta para declarar a inconstitucionalidade formal do provimento impugnado‖ (ADI nº 3.053/PA, Pleno do STF, Diário da Justiça de 17 de dezembro de 2004, p. 32). ―— O desrespeito à cláusula de iniciativa reservada das leis, em qualquer das hipóteses taxativamente previstas no texto da Carta Política, traduz situação configuradora de inconstitucionalidade formal, insuscetível de produzir qualquer conseqüência válida de ordem jurídica. A usurpação da prerrogativa de iniciar o processo legislativo qualifica-se como ato destituído de qualquer eficácia jurídica, contaminando, por efeito de repercussão causal prospectiva, a própria validade constitucional da lei que dele resulte‖ (ADI nº 2.364/AL – MC, Pleno do STF, Diário da Justiça de 14 de dezembro de 2001, p. 23). 5 Eis alguns exemplos colhidos na jurisprudência: ―— Por outro lado, procede, também, a argüição de
inconstitucionalidade material do artigo 3º da mesma Lei Distrital, porquanto ele determina que, nos novos cargos de fiscal tributário, haja o aproveitamento dos servidores dos cargos extintos de técnico tributário, sem, portanto, a prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos como exige, para a investidura, que não mais se limita à primeira, de cargo ou emprego público, o disposto no inciso II do artigo 37 da Constituição‖ (ADI nº 1.677/DF, Pleno do STF, Diário da Justiça de 28 de março de 2003, p. 61). ―Há, porém, vício de inconstitucionalidade material, pois o inciso III do § 3º artigo 18 da lei contém requisito relativo a limites mínimo e máximo de idade, para nomeação de Advogado a cargo de Magistrado de Tribunal Estadual, não prevista no inciso IV do artigo 144 da Constituição Federal‖ (RP nº 1.202/MG, Pleno do STF, Diário da Justiça de 5 de dezembro de 1986, p. 24.079).
processo legislativo, antes do ingresso da norma jurídica no ordenamento,
denominado ―controle preventivo‖; e o controle após o ingresso da norma no
ordenamento jurídico, depois da promulgação e da publicação da norma
jurídica, denominado ―controle repressivo‖.
O controle preventivo pode ser realizado pelo Poder Legislativo, por
meio das Comissões de Constituição e Justiça da Câmara e do Senado,
durante a tramitação dos projetos nas respectivas Casas, pelo Poder
Executivo, porquanto o Presidente da República pode opor veto jurídico aos
projetos de lei em razão de inconstitucionalidade, e também pelo Poder
Judiciário, quando acionado por congressista na defesa de direitos subjetivos
provenientes do processo legislativo disciplinado na Constituição6. Nas três
hipóteses, portanto, há controle de constitucionalidade preventivo, já que
realizado durante o processo legislativo, vale dizer, antes do ingresso da norma
jurídica no ordenamento.
Já o controle repressivo tem lugar depois do ingresso da norma no
ordenamento jurídico. Em regra, o controle de constitucionalidade repressivo é
realizado pelo Poder Judiciário, tanto de forma difusa quanto de forma
concentrada. No controle difuso todos os juízes e tribunais têm competência
para a análise de compatibilidade das normas jurídicas à luz das Constituições
Federal e Estaduais, nos julgamentos dos casos concretos, em processos que
versam sobre direitos subjetivos. Já o controle concentrado tem lugar apenas
no Supremo Tribunal Federal e nos Tribunais de Justiça, para a aferição de
compatibilidade das normas jurídicas à luz das Constituições Federal e
Estaduais em sede de ações originárias da competência da Corte Suprema e
dos Tribunais de Justiça, conforme o caso.
A despeito de a regra ser o controle de constitucionalidade repressivo
realizado pelo Poder Judiciário, de forma difusa e concentrada, também há o
controle de constitucionalidade repressivo exercido pelo Poder Legislativo. Por
exemplo, as medidas provisórias podem ser rejeitadas no Congresso em razão
6 ―CONSTITUCIONAL. MESA DO CONGRESSO NACIONAL. SUBSTITUIÇÃO DO PRESIDENTE.
MANDADO DE SEGURANÇA. LEGITIMIDADE ATIVA DE MEMBRO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS EM FACE DA GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO. HISTÓRIA CONSTITUCIONAL DO PODER LEGISLATIVO DESDE A ASSEMBLÉIA GERAL DO IMPÉRIO. ANÁLISE DO SISTEMA BRASILEIRO BICAMERALISMO. CONSTITUIÇÃO DE 1988. INOVAÇÃO - ART. 57 §5º. COMPOSIÇÃO. PRESIDÊNCIA DO SENADO E PREENCHIMENTO DOS DEMAIS CARGOS PELOS EQUIVALENTES EM AMBAS AS CASAS, OBSERVADA A ALTERNÂNCIA. MATÉRIA DE ESTRITA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DESTE TRIBUNAL. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAR NORMA INTERNA - REGIMENTO DO SENADO FEDERAL - PARA INTERPRETAR A CONSTITUIÇÃO. SEGURANÇA CONCEDIDA.‖ (MS nº 24.041/DF, Pleno do STF, Diário da Justiça de 11 de abril de 2003, p. 28). ―CONSTITUCIONAL. PODER LEGISLATIVO: ATOS: CONTROLE JUDICIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. PARLAMENTARES. I. - O Supremo Tribunal Federal admite a legitimidade do parlamentar - e somente do parlamentar - para impetrar mandado de segurança com a finalidade de coibir atos praticados no processo de aprovação de lei ou emenda constitucional incompatíveis com disposições constitucionais que disciplinam o processo legislativo. II. - Precedentes do STF: MS 20.257/DF, Ministro Moreira Alves (leading case) (RTJ 99/1031); MS 20.452/DF, Ministro Aldir Passarinho (RTJ 116/47); MS 21.642/DF, Ministro Celso de Mello (RDA 191/200); MS 24.645/DF, Ministro Celso de Mello, ‗D.J.‘ de 15.9.2003; MS 24.593/DF, Ministro Maurício Corrêa, ‗D.J.‘ de 08.8.2003; MS 24.576/DF, Ministra Ellen Gracie, "D.J." de 12.9.2003; MS 24.356/DF, Ministro Carlos Velloso, ‗D.J.‘ de 12.9.2003.‖ (MS nº 24.667/DF – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça de 23 de abril de 2004, p. 8).
de inconstitucionalidade formal e material. Outro exemplo: à vista do artigo 49,
inciso V, da Constituição, as leis delegadas podem ser sustadas pelo
Congresso em razão de inconstitucionalidade formal e material.
Enfim, embora o controle de constitucional repressivo resida na
competência do Poder Judiciário, não o é de forma exclusiva, já que o Poder
Legislativo também tem competência para rejeitar e sustar algumas normas
jurídicas contaminadas por inconstitucionalidade.
5. CONTROLE REPRESSIVO DE CONSTITUCIONALIDADE
JURISDICIONAL: CONTROLE DIFUSO E CONTROLE CONCENTRADO
5.1. INTRODUÇÃO
Em linhas gerais, há dois tipos de controle jurisdicional de
constitucionalidade das leis e dos atos normativos do poder público no Brasil: o
controle difuso e o controle concentrado. Com efeito, o sistema de controle de
constitucionalidade brasileiro é eclético, misto, híbrido, por conter dois
diferentes métodos de controle de constitucionalidade7. Vale ressaltar que os
dois sistemas foram introduzidos no direito brasileiro em momentos distintos:
primeiro foi consagrado o modelo ―estadunidense‖ de controle difuso, com a
promulgação da Constituição de 1891; mais de meio século depois, com a
promulgação da Emenda nº 16, de 1965, à Constituição de 1946, houve a
introdução do modelo denominado ―austríaco-kelseniano‖ de controle
concentrado, a partir do julgamento em abstrato da compatibilidade das leis e
dos atos normativos à luz da Constituição. Desde a Emenda nº 16, de 1965,
portanto, ambos os modelos coexistem no direito brasileiro.
O ―controle difuso‖ também é denominado ―controle por via de defesa‖ e
―controle por via de exceção‖, porquanto tem lugar em processos que versam
sobre a defesa de direitos subjetivos e é exercido por todos os juízes e
tribunais, sem distinção.
O controle difuso de constitucionalidade é realizado incidentalmente8,
como verdadeira questão prejudicial, inserida no bojo de causa que é o objeto
principal de processo em tramitação perante juízo de primeiro ou algum
7 No mesmo sentido, na doutrina: ADHEMAR MACIEL. Observações sobre o controle de
constitucionalidade. O Direito. 1998, p.180; BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 33; CELSO BASTOS. Comentários. Volume IV, tomo III, 1997, p. 18; ERNANE FIDÉLIS. O controle. Revista dos Tribunais, volume 661, p. 30; JOSÉ AFONSO DA SILVA. Curso. 16ª ed., 1999, p. 555 e 556; PAULO BONAVIDES. Curso. 8ª ed., 1999, p. 293; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 376 e 377. A propósito, merece ser prestigiado o pronunciamento do Ministro CARLOS VELLOSO: ―Temos, pois, os dois tipos de controle de constitucionalidade, o que possibilita ao Supremo Tribunal Federal realizar o equilíbrio entre ambos, explorando as vantagens e minimizando as desvantagens de um e de outro, o que faz do sistema misto brasileiro um dos mais avançados e democráticos do mundo.‖ (Supremo Tribunal Federal. Revista Del Rey, número 12, p. 18) (grifos aditados). 8 Vale dizer, incidenter tantum.
tribunal, para o julgamento de caso concreto9. É o que se dá nos processos de
mandado de segurança, de ação civil pública, de habeas corpus, quando o
julgamento do pedido depende da análise de compatibilidade de alguma norma
jurídica em relação à Constituição. Um exemplo pode facilitar a compreensão
da teoria exposta: imagine-se um processo de mandado de segurança
impetrado por contribuinte, para o efeito de se ver livre de tributo cuja
legislação de regência é considerada inconstitucional (pelo impetrante), a
despeito da expedição do boleto de cobrança pela autoridade tributária
municipal e depois enviado ao endereço do impetrante. Antes de julgar o
pedido de segurança procedente, para dispensar o contribuinte do
recolhimento da exação e determinar que autoridade municipal não cobre o
tributo em relação ao impetrante no exercício fiscal sob julgamento, o juiz
primeiro precisa resolver a questão prejudicial relativa à alegada
inconstitucionalidade da lei de regência do tributo. Só então, à vista da solução
da questão prejudicial, poderá (o juiz) julgar se o pedido de segurança é
procedente ou improcedente, conforme a lei seja inconstitucional ou
constitucional, respectivamente10. Outro exemplo: imagine-se a impetração de
9 A propósito, autorizadas doutrina e jurisprudência sustentam que o juiz de primeiro grau não chega a
declarar a inconstitucionalidade da lei, como ocorre nos diversos tribunais, em razão da competência exclusiva conferida pelo artigo 97 da Constituição de 1988; o juiz de primeiro grau apenas afasta a aplicação da lei que considerar inconstitucional: ―A diferença é que o magistrado de primeiro grau não declara nenhuma inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, apenas afasta a sua aplicação e decide a causa segundo o seu convencimento‖ (JOÃO BATISTA DE ALMEIDA. A proteção jurídica. 2000, p. 246; não há o grifo no original). Assim, na jurisprudência: ―Somente aos Tribunais (órgãos judiciários colegiados) compete a declaração incidental de inconstitucionalidade de lei (total ou parcial)‖. ―Somente os Tribunais podem declarar incidentalmente a inconstitucionalidade de lei ou dispositivo de lei. Ao Juízo de 1º Grau, não. Se se entender que a lei ofende a Constituição ele apenas deixa de aplicá-la.‖ (Apelação n. 1999.01.00.048552-4/MG, 1ª Turma do TRF da 1ª Região; não há o grifo no original). Não obstante, há precedente da Corte Suprema em prol da tese segundo a qual o próprio juiz de primeiro grau também tem competência para a efetiva declaração da inconstitucionalidade da lei: ―— O controle de constitucionalidade por via incidental se impõe toda vez que a decisão da causa o reclame, não podendo o juiz julgá-la com base em lei que tenha por inconstitucional, senão declará-la em prejudicial, para ir ao objeto do pedido.‖ (RE n. 89.553/GO, 1ª Turma do STF; sem os grifos no original). Reforça o voto do Ministro RAFAEL MAYER: ―De qualquer modo, o controle de constitucionalidade, por via incidental, se impõe toda vez que a decisão da causa reclame, necessariamente, o equacionamento dessa premissa, não podendo o Juiz julgar com base em lei que tem por inconstitucional, senão tem o dever de assim declará-la em prejudicial para ir ao objeto do pedido, sob pena de denegar a prestação jurisdicional.‖ (não há o grifo no original). Ainda que muito interessante a discussão acerca da competência do juiz de primeiro grau para declarar efetivamente a inconstitucionalidade da lei ou apenas negar a sua aplicação ao caso concreto, a vexata quaestio está restrita ao plano acadêmico, sem nenhuma implicação sob o enfoque pragmático, já que ambas as correntes reconhecem que o próprio juiz a quo tem competência
para afastar desde logo a lei considerada inconstitucional no julgamento do caso concreto em primeira instância, sem necessidade da instauração de incidente, muito menos qualquer outra atuação prévia do tribunal. Por mais interessante que seja, trata-se de debate puramente acadêmico, porquanto os resultados práticos de ambas as correntes são exatamente os mesmos. Feita a ressalva da ausência de consequência de ordem pragmática, já é possível concluir que, do ponto de vista acadêmico, a primeira tese parece ser a melhor: tudo indica que o artigo 97 da Constituição e os artigos 480 e 481 do Código de Processo Civil permitem a conclusão de que apenas os tribunais têm competência para a declaração formal da inconstitucionalidade das leis e atos normativos; ao juiz de primeiro grau cabe apenas o afastamento no caso concreto, quando deixa de aplicar a lei ou o ato normativo à espécie, mas sem a declaração formal da inconstitucionalidade. 10
Colhe-se exemplo semelhante na jurisprudência: ―RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE EM SEDE DE MANDAMUS. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LIVRE INICIATIVA E INCENTIVO À CULTURA. ARTS. 170 E 216 DA CF/88. INTERPRETAÇÃO. PROPORCIONALIDADE. OCORRÊNCIA. EXIGÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO. ART. 4° DA LEI Nº 2.519/96. REVOGAÇÃO. LEI ESTADUAL Nº 4.161/03. COISA JULGADA. IDENTIDADE DE AÇÕES. INEXISTÊNCIA. 1. Para apreciar o writ, o magistrado
habeas corpus, para o fim de relaxamento de prisão, ao fundamento de que a
lei de regência do crime é inconstitucional, em razão de vício formal. Para o
julgamento do writ e a concessão da ordem de soltura, primeiro é preciso saber
se a lei de tipificação do crime é inconstitucional, ou não. Trata-se de questão
prejudicial necessária para o desate da causa.
A suscitação da inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo pode ser
dar até mesmo de ofício por qualquer juiz, desembargador ou ministro
competente para julgar a causa, quando for necessário o exame da
compatibilidade da lei ou do ato normativo de regência do caso concreto, para
decidir a espécie sub iudice.
No mais das vezes, portanto, os julgamentos proferidos em controle
difuso só têm efeitos ex tunc e inter partes. Não obstante, o Supremo Tribunal
Federal pode, em grau de recurso extraordinário, de recurso ordinário ou em
julgamento de outra via processual de controle difuso, modular o efeito do
reconhecimento da inconstitucionalidade, para que seja ex nunc ou a partir de
determinado momento que garanta maior segurança jurídica11. Ademais, o
Senado também pode, com fundamento no artigo 52, inciso X, da Constituição,
aprovar resolução para ampliar o alcance subjetivo de julgamento definitivo
proferido pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle difuso, a fim de
que terceiros também sejam alcançados, com a produção, portanto, de efeito
erga omnes.
Vale ressaltar, todavia, que a resolução do Senado retira a eficácia da
norma jurídica, mas não a revoga nem a exclui do ordenamento jurídico; a
norma subsiste no ordenamento jurídico, mas sem eficácia alguma, até mesmo
em relação a terceiros. Só o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle
concentrado, pode reconhecer a nulidade de norma jurídica proveniente da
inconstitucionalidade, com o condão de excluir desde logo a lei ou o ato
normativo inconstitucional do ordenamento jurídico. A competência do Senado
prevista no inciso X do artigo 52 da Constituição autoriza apenas a suspensão
da eficácia de norma jurídica julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal
Federal em sede de controle difuso. Para a revogação de alguma lei ou ato
normativo e a exclusão, em definitivo, da respectiva norma do ordenamento
jurídico, os Senadores precisam instaurar o processo legislativo adequado, à
vista dos artigos 59 a 69 da Constituição, conforme a espécie da norma
necessariamente examina o embase jurídico do ato praticado pela Administração Pública, a fim de, posteriormente, julgar a ocorrência ou não de violação do direito líquido e certo do particular. Em conseqüência, inexiste óbice para a declaração incidental de inconstitucionalidade da lei analisada, ainda que em ação mandamental. Precedentes.‖ (RMS nº 19.524/RJ, 2ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 26 de setembro de 2005, p. 272). 11
Cf. artigo 27 da Lei nº 9.868, de 1999: ―Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado‖. À vista do preceito, também aplicável ao controle difuso por força da interpretação analógica, o Supremo Tribunal Federal pode afastar a regra do efeito ex tunc e determinar a produção do efeito ex nunc ou, ainda, a partir de outro momento (cf. RE nº 500.171/GO – EDcl, Pleno do STF, Diário da Justiça Eletrônico de 2 de junho de 2011).
jurídica. A hipótese prevista no artigo 52, inciso X, portanto, não implica
revogação de norma jurídica nem exclusão do ordenamento jurídico, mas
apenas ineficácia erga omnes, a partir da resolução senatorial.
Em suma, o controle difuso se dá em processos que versam sobre litígios
concretos submetidos à jurisdição dos juízes de primeiro grau e dos tribunais
em geral, a fim de que possam realizar, até mesmo de ofício, o exame da
compatibilidade das leis e dos atos normativos à luz das Constituições Federal
e do respectivo Estado-membro12, de forma incidental, para o julgamento das
causas relativas a direitos subjetivos, com efeitos ex tunc e inter partes13.
Em contraposição, o ―controle concentrado‖ só tem lugar no Supremo
Tribunal Federal e nos Tribunais de Justiça, mediante julgamento de ações de
competência originária daquelas Cortes, motivo pelo qual também é
denominado ―controle por via de ação‖. Com efeito, à vista dos artigos 102,
inciso I, alínea ―a‖, 103 e 125, § 2º, da Constituição Federal, reforçados pela Lei
nº 9.868, de 1999, o controle concentrado é exercido ―por via de ação‖ perante
o Supremo Tribunal Federal e os Tribunais de Justiça, respectivamente.
No que tange às características do controle concentrado, a questão
constitucional é a questão principal da ação e do respectivo pedido:
principaliter. No mais das vezes, os julgamentos proferidos em controle
concentrado têm efeitos ex tunc, erga omnes e vinculante. Em outros termos,
os julgamentos realizados em controle concentrado geralmente têm efeito
retroativo, desde o ingresso da norma no ordenamento jurídico, alcança as
pessoas em geral, até mesmo os terceiros em relação ao processo, e é
obrigatório para todas as pessoas jurídicas e órgãos do Poder Executivo, tanto
da administração direta quanto da indireta, bem como para todos os juízes e
tribunais do país. São, em suma, as características do controle concentrado e
das respectivas ações, quais sejam: ação direta de inconstitucionalidade, ação
declaratória de constitucionalidade, ação de arguição de descumprimento de
preceito fundamental, ação de inconstitucionalidade por omissão e ação de
representação interventiva.
5.2. RESERVA DE PLENÁRIO
Ainda em relação ao controle repressivo de constitucionalidade
jurisdicional, há dois aspectos que merecem destaque: a reserva de plenário e
o reconhecimento da inconstitucionalidade condicionado à votação por maioria
absoluta.
12
No Distrito Federal, a Lei Orgânica do Distrito Federal. 13
De acordo, na doutrina: ADA GRINOVER. Controle de constitucionalidade. Revista de Processo, volume 90, p. 11 e 14; BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 31, 33 e 34; CELSO BASTOS. Comentários. Volume IV, tomo III, 1997, p. 82; ERNANE FIDÉLIS. O controle. Revista dos Tribunais, volume 661, p. 29; JOSÉ AFONSO DA SILVA. Curso. 16ª ed., 1999, p. 556 e 559; MANUEL ALCEU AFFONSO FERREIRA. Do processo nos tribunais. 1974, p. 158 e 159; PAULO BONAVIDES. Curso. 8ª ed., 1999, p. 279, nota 19; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 377 e 378.
No que tange à reserva de plenário, a exigência só tem lugar nos
julgamentos realizados nos tribunais, tanto no controle difuso quanto no
controle concentrado. Em contraposição, no controle de constitucionalidade
efetuado por juiz de primeiro grau –, de natureza difusa, portanto –, não há a
incidência da regra da reserva de plenário, porquanto o julgamento da questão
prejudicial referente à inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo objeto da
demanda é da competência do próprio juiz de primeiro grau14. Em suma, a
regra da reserva de plenário só é aplicável aos julgamentos proferidos nos
tribunais, tanto difuso quanto concentrado.
A reserva de plenário é a regra consagrada no artigo 97 da Constituição
Federal, por força da qual apenas os Plenários e os Órgãos Especiais dos
Tribunais podem declarar a inconstitucionalidade das leis e dos atos
normativos, em caráter definitivo, nos julgamentos proferidos tanto em controle
difuso quanto em controle concentrado. Com efeito, à vista da combinação dos
artigos 93, inciso XI, e 97 da Constituição Federal, além dos Plenários dos
Tribunais, os respectivos Órgãos Especiais também têm competência para a
declaração de inconstitucionalidade das leis e dos atos normativos em caráter
definitivo, nos Tribunais com mais de vinte e cinco Juízes, Desembargadores
ou Ministros, conforme a composição e a natureza de cada Corte Judiciária.
14
A propósito, autorizadas doutrina e jurisprudência sustentam que o juiz de primeiro grau não chega a declarar a inconstitucionalidade da lei, como ocorre nos diversos tribunais, em razão da competência exclusiva conferida pelo artigo 97 da Constituição de 1988; o juiz de primeiro grau apenas afasta a aplicação da lei que considerar inconstitucional: ―A diferença é que o magistrado de primeiro grau não declara nenhuma inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, apenas afasta a sua aplicação e decide a causa segundo o seu convencimento‖ (JOÃO BATISTA DE ALMEIDA. A proteção jurídica. 2000, p. 246; não há o grifo no original). No mesmo sentido, na jurisprudência: ―Somente aos Tribunais (órgãos judiciários colegiados) compete a declaração incidental de inconstitucionalidade de lei (total ou parcial)‖. ―Somente os Tribunais podem declarar incidentalmente a inconstitucionalidade de lei ou dispositivo de lei. Ao Juízo de 1º Grau, não. Se se entender que a lei ofende a Constituição ele apenas deixa de aplicá-la.‖ (Apelação n. 1999.01.00.048552-4/MG, 1ª Turma do TRF da 1ª Região; não há o grifo no original). Não obstante, há precedente da Corte Suprema em prol da tese segundo a qual o próprio juiz de primeiro grau também tem competência para a efetiva declaração da inconstitucionalidade da lei: ―— O controle de constitucionalidade por via incidental se impõe toda vez que a decisão da causa o reclame, não podendo o juiz julgá-la com base em lei que tenha por inconstitucional, senão declará-la em prejudicial, para ir ao objeto do pedido.‖ (RE n. 89.553/GO, 1ª Turma do STF; sem os grifos no original). Reforça o voto do Ministro RAFAEL MAYER: ―De qualquer modo, o controle de constitucionalidade, por via incidental, se impõe toda vez que a decisão da causa reclame, necessariamente, o equacionamento dessa premissa, não podendo o Juiz julgar com base em lei que tem por inconstitucional, senão tem o dever de assim declará-la em prejudicial para ir ao objeto do pedido, sob pena de denegar a prestação jurisdicional.‖ (não há o grifo no original). Ainda que muito interessante a discussão acerca da competência do juiz de primeiro grau para declarar efetivamente a inconstitucionalidade da lei ou apenas negar a sua aplicação ao caso concreto, a vexata quaestio está restrita ao plano acadêmico, sem nenhuma implicação sob o enfoque pragmático, já que ambas as correntes reconhecem que o próprio juiz a quo tem competência para afastar desde logo a lei considerada inconstitucional no julgamento do caso concreto em primeira instância, sem necessidade da instauração de incidente, muito menos qualquer outra atuação prévia do tribunal. Por mais interessante que seja, trata-se de debate puramente acadêmico, porquanto os resultados práticos de ambas as correntes são exatamente os mesmos. Feita a ressalva da ausência de consequência de ordem pragmática, já é possível concluir que, do ponto de vista acadêmico, a primeira tese parece ser a melhor: tudo indica que o artigo 97 da Constituição e os artigos 480 e 481 do Código de Processo Civil permitem a conclusão de que apenas os tribunais têm competência para a declaração formal da inconstitucionalidade das leis e atos normativos; ao juiz de primeiro grau cabe apenas o afastamento no caso concreto, quando deixa de aplicar a lei ou o ato normativo à espécie, mas sem a declaração formal da inconstitucionalidade.
Além da previsão no artigo 97 da Constituição Federal, o princípio da
reserva de plenário também está consagrado no enunciado vinculante nº 10 da
Súmula do Supremo Tribunal Federal, de forma a impedir a declaração da
inconstitucionalidade e o afastamento da incidência das leis e dos atos
normativos em geral pelas próprias Turmas, Câmaras e Seções dos diversos
Tribunais, com usurpação da competência constitucional conferida ao Plenário
ou ao Órgão Especial, ainda que de forma indireta ou transversa. Por oportuno,
vale conferir o teor do preciso enunciado sumular vinculante nº 10: ―Viola a
cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário
de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de
lei ou ato normativo do poder público, afasta a sua incidência, no todo ou em
parte‖.
Sem dúvida, órgãos fracionários como Turmas, Câmaras, Seções e
Grupos de Câmaras dos Tribunais não têm competência para a declaração de
inconstitucionalidade propriamente dita nem para o afastamento da incidência
das leis e os atos normativos considerados inconstitucionais, sem o prévio
julgamento da questão no Plenário ou no Órgão Especial dos respectivos
Tribunais. Reconhecida a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo em
controle difuso exercido nos órgãos fracionários dos Tribunais, o julgamento
deve ser suspenso na Turma, Câmara, Seção ou Grupo de Câmaras, com a
instauração do ―incidente de inconstitucionalidade‖ previsto nos artigos 480,
481, caput, in fine, e 482, caput e parágrafos, todos do Código de Processo
Civil, a fim de que a questão constitucional seja submetida ao Plenário ou ao
Órgão Especial do respectivo Tribunal, tendo em vista a regra estampada no
artigo 97 da Constituição Federal15.
Não obstante, a regra – consubstanciada na necessidade da submissão
da arguição da inconstitucionalidade ao Plenário ou ao Órgão Especial dos
Tribunais – comporta exceção, conforme revela o parágrafo único do artigo 481
do Código de Processo Civil, aplicável quando já há precedente específico do
Plenário da Corte Suprema ou do Pleno ou Órgão Especial do próprio Tribunal
sobre a mesma questão constitucional. Na excepcional hipótese do parágrafo
único do artigo 481 do Código de Processo Civil, as Turmas, Câmaras, Seções
e Grupos dos Tribunais têm competência para o julgamento imediato, com a
declaração de inconstitucionalidade desde logo, sem necessidade da
transferência da questão para o Plenário ou Órgão Especial do respectivo
Tribunal. Com efeito, só é possível o julgamento imediato e definitivo no órgão
fracionário, com a declaração da inconstitucionalidade ou o afastamento da
incidência da lei ou do ato normativo, quando já existe precedente do Plenário
do Supremo Tribunal Federal ou do Pleno ou Órgão Especial do próprio
Tribunal, a ser evocado como fundamento no posterior julgamento realizado na
15
Daí a conclusão: o denominado ―incidente de inconstitucionalidade‖ é o incidente processual que tem lugar no curso dos julgamentos realizados em controle difuso de constitucionalidade nos órgãos fracionários dos Tribunais, cujo escopo é a transferência da questão constitucional das Turmas, Câmaras, Seções ou Câmaras Reunidas rumo ao Plenário ou Órgão Especial.
Turma, na Câmara, na Seção ou no Grupo de Câmaras, conforme o caso.
Trata-se de importante exemplo de aplicação dos princípios constitucionais da
economia e da celeridade processuais, em homenagem ao artigo 5º, inciso
LXXXIV, sem desrespeito nem prejuízo ao artigo 97 da Constituição.
5.3. MAIORIA ABSOLUTA
Ainda à vista do artigo 97 da Constituição Federal, a
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo só pode ser declarada pelo voto
da maioria absoluta dos magistrados que integram o órgão jurisdicional máximo
do Tribunal16, vale dizer, do Plenário ou do Órgão Especial, conforme o artigo
93, inciso XI, da Constituição. Trata-se de formalidade que é comum aos
controles difuso e concentrado: pouco importa a natureza do controle em
julgamento; a inconstitucionalidade só pode ser declarada após deliberação da
maioria absoluta17.
Maioria absoluta é o primeiro número inteiro logo após a metade dos
componentes do Pleno ou do Órgão Especial do Tribunal18 — e não metade
mais um. No Supremo Tribunal Federal, por exemplo, Corte composta por onze
Ministros, tem-se a maioria absoluta pelo voto de seis Ministros no mesmo
rumo, com igual opinião sobre a questão constitucional em julgamento. É o que
bem estabelece o artigo 173 do Regimento Interno da Corte Suprema.
Vale ressaltar que a exigência da maioria absoluta para a declaração de
inconstitucionalidade não se confunde com a exigência do ―quorum
constitutivo‖, isto é, o quorum mínimo indispensável para a simples realização
do julgamento. Um exemplo pode facilitar a compreensão da teoria: no
Supremo Tribunal Federal, o quorum constitutivo de julgamento no Plenário
acerca de matéria constitucional é de oito Ministros. Basta, todavia, a maioria
absoluta para a declaração de inconstitucionalidade. Por conseguinte, a
16
De acordo, na doutrina: JOSÉ CRETELLA JÚNIOR. Comentários à Constituição. 3ª ed., 1992, p. 3.040: ―Determina a regra jurídica constitucional que, do mesmo modo que a lei, poderá todo ato normativo do poder público ser declarado inconstitucional pelo voto da maioria absoluta dos membros (não dos presentes) integrantes do colegiado julgador do anátema argüido.‖ (não há o grifo no original). 17
Não é demais ressaltar que o raciocínio exposto no texto não é aplicável na hipótese de controle difuso exercido em juízo de primeiro grau de jurisdição, porquanto o julgamento se dá de forma monocrática, o que afasta, à evidência, a regra consagrada no artigo 97 da Constituição. 18
Com igual opinião, na doutrina: BARBOSA MOREIRA. Comentários ao Código. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 45; CELSO RIBEIRO BASTOS. Comentários à Constituição. Volume IV, tomo III, 1997, p. 81; e MÁRIO GUIMARÃES. O juiz e a função jurisdicional. 1958, p. 374: ―Maioria absoluta, ensina-se geralmente, é a metade mais um. A definição falha, porém, quando o número de votantes fôr ímpar — 11, por exemplo. Qual, então, a maioria absoluta? Seis ou sete? Viu-se o Supremo Tribunal Federal, várias vêzes, em face dessa dificuldade e decidiu que maioria absoluta de 11 é seis. Exigir que fôsse sete, seria fazer prevalecer, sôbre o voto dos seis juízes que votaram num sentido, a opinião dos cinco, que ficaram derrotados. Maioria absoluta é, pois, mais rigorosamente definido, a representada pelo número imediatamente superior à metade‖. Ainda no mesmo sentido, na jurisprudência: RE nº 68.419/MA, Pleno do STF, Diário da Justiça de 15 de maio de 1970, p. 1.981: ―Maioria absoluta. Sua definição, como significando metade mais um, serve perfeitamente quando o total é número par. Fora daí, temos que recorrer à verdadeira definição, a qual, como advertem SCIALOJA e outros, deve ser esta, que serve, seja par ou ímpar o total: maioria absoluta é o número imediatamente superior à metade. Assim, maioria absoluta de quinze são oito, do mesmo modo que, de onze (número de juízes do Supremo Tribunal), são seis, e sobre isso não se questiona, nem se duvida aqui.‖ (não há o grifo no original).
declaração de inconstitucionalidade depende do voto de seis Ministros19. É o
que se infere do disposto nos artigos 143, parágrafo único, e 173 do Regimento
Interno da Corte Suprema.
Outro exemplo: à vista do parágrafo único do artigo 172 do Regimento
Interno do Superior Tribunal de Justiça, para a realização do julgamento pela
Corte Especial há necessidade da presença de dois terços dos respectivos
membros. Como a Corte Especial é composta por quinze Ministros20, o quorum
constitutivo é de dez Ministros. Não obstante, a inconstitucionalidade pode ser
declarada pelo voto da maioria absoluta dos componentes da Corte Especial.
Por conseguinte, o quorum deliberativo para a declaração da
inconstitucionalidade é de oito Ministros, vale dizer, primeiro número inteiro
após a metade dos quinze Ministros integrantes da Corte Especial. Sem
dúvida, para a declaração da inconstitucionalidade, entretanto, basta a maioria
absoluta: oito Ministros contrários à lei ou ao ato normativo do poder público.
Por fim, vale ressaltar que a maioria absoluta é exigência constitucional
apenas para a declaração da inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo
do poder público. A declaração da constitucionalidade dispensa a formação da
maioria absoluta, em virtude da presunção da constitucionalidade das leis e
dos atos normativos. Só a quebra da presunção da constitucionalidade é que
depende da formação da maioria absoluta do Plenário ou do Órgão Especial do
Tribunal, conforme o caso. A declaração da constitucionalidade, todavia, pode
se dar pela maioria simples ou relativa; não há desrespeito algum ao artigo 97
da Constituição, portanto, na eventualidade de um julgamento declaratório de
constitucionalidade ser tomado por maioria simples ou relativa.
5.4. CONTROLE REPRESSIVO DE CONSTITUCIONALIDADE
JURISDICIONAL: CONTROLE CONCENTRADO
A competência originária prevista no inciso I do artigo 102 da Constituição
Federal significa que o Supremo Tribunal Federal julga em primeiro e único
grau de jurisdição, porquanto o julgamento ocorre apenas e diretamente no
âmbito da Corte Suprema, sem que a causa tenha sido antes decidida por
nenhum outro tribunal, nem por juízo de primeiro grau.
A principal competência originária do Supremo Tribunal Federal diz
respeito ao processamento e julgamento das cinco ações de controle
concentrado de constitucionalidade, quais sejam: – a ação direta de
inconstitucionalidade (de lei ou ato normativo federal ou estadual)21; – a ação
19
Assim, na doutrina: SYDNEY SANCHES. Aspectos processuais do controle de constitucionalidade. 1996, p. 69: ―No Supremo Tribunal Federal, integrado por onze ministros, o julgamento se realiza com quorum (mínimo) de oito e a constitucionalidade ou inconstitucionalidade somente se declara se num ou noutro sentido se tiverem manifestado seis Ministros (art. 173 do RISTF)‖ (não há o grifo no original). ―É de seis, a maioria absoluta dos juízes do Supremo Tribunal para declarar a invalidade de leis atentatórias da Constituição‖ (RP nº 106/GO, Pleno do STF, Diário da Justiça de 27 de setembro de 1951, p. 2.989; não há o grifo no original). 20
Cf. Emenda Regimental nº 9, de 2008. 21
Cf. artigo 102, inciso I, letra ―a‖, e artigo 103, caput, ambos da Constituição.
declaratória de constitucionalidade (de lei ou ato normativo federal)22; – a ação
de arguição de descumprimento de preceito fundamental (de leis e atos
normativos federais, estaduais, municipais anteriores à Constituição de 1988 e
de leis e atos normativos municipais incompatíveis com a Constituição
vigente)23; – a ação direta de inconstitucionalidade por omissão24; – a ação
direta de inconstitucionalidade interventiva, também denominada ―ação de
intervenção‖ e ―representação interventiva‖25.
Com efeito, são cinco as ações que integram o controle concentrado de
constitucionalidade da competência originária do Supremo Tribunal Federal.
Não obstante, além do controle concentrado de constitucionalidade exercido
em virtude das citadas ações arroladas na competência originária do Supremo
Tribunal Federal, vale ressaltar que a Corte Suprema também exerce controle
difuso, em julgamento de recursos ordinário e extraordinário, previstos nos
incisos II e III do mesmo artigo 102 da Constituição, respectivamente26.
Por fim, além do concreto concentrado de constitucionalidade da
competência do Supremo Tribunal Federal, vale ressaltar que também há o
controle concentrado de constitucionalidade da competência dos Tribunais de
Justiça dos Estados e do Distrito Federal27. Daí a conclusão: o controle
concentrado de constitucionalidade não está restrito ao Supremo Tribunal
Federal; e o Supremo Tribunal Federal não exerce apenas controle
concentrado, mas também realiza controle difuso de constitucionalidade.
22
Cf. artigo 102, inciso I, letra ―a‖, e artigo 103, caput, ambos da Constituição. 23
Cf. artigo 102, § 1º, da Constituição. 24
Cf. artigo 103, § 2º, da Constituição. 25
Cf. artigo 36, inciso III, primeira parte, combinado com o artigo 34, inciso VII, e artigo 127, inciso IV, também da Constituição Federal. 26
Nos que tange aos recursos ordinário e extraordinário, foram estudados em obra específica: cf. BERNARDO PIMENTEL SOUZA. Dos recursos constitucionais. 2ª ed., Saraiva, 2013. 27
Cf. artigo 35, inciso IV, e 125, § 2º, ambos da Constituição Federal.
CAPÍTULO II
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
1. PRECEITOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS DE REGÊNCIA
A ação direta de inconstitucionalidade está consagrada no artigo 102,
inciso I, alíneas ―a‖ e ―p‖, § 2º, e no artigo 103 da Constituição Federal, bem
como na Lei nº 9.868, de 1999, diploma que dispõe sobre o processo e o
procedimento no Supremo Tribunal Federal. São, em suma, os preceitos
constitucionais e legais de regência da ação direta de inconstitucionalidade,
também denominada ―ação direta de inconstitucionalidade genérica‖ ou
―representação de inconstitucionalidade‖.
2. ESCOPO E ADMISSIBILIDADE
A ação direta de inconstitucionalidade integra o controle concentrado de
constitucionalidade. Trata-se de ação de competência do Supremo Tribunal
Federal, adequada para a impugnação de leis e atos normativos federais e
estaduais considerados incompatíveis com a Constituição Federal, conforme se
infere do artigo 102, inciso I, alínea ―a‖. Há, portanto, julgamento in abstracto na
Corte Suprema, para a verificação da compatibilidade em tese de lei ou ato
normativo federal ou estadual à luz da Constituição Federal, sem estar
relacionado a caso concreto algum28.
Em contraposição, a ação direta de inconstitucionalidade não é
admissível para impugnar leis e atos normativos municipais incompatíveis com
a Constituição Federal, como bem revela o enunciado nº 10 da Súmula do
Tribunal de Justiça da Paraíba: ―No ordenamento jurídico nacional, é
inadmissível Ação Direta de Inconstitucionalidade de Lei Municipal em conflito
com a Constituição Federal‖. Na mesma esteira, a ação direta de
inconstitucionalidade também não é admissível para impugnar leis e atos
normativos distritais provenientes da competência legiferante de índole
municipal29, quando contestadas à luz da Constituição Federal, como bem
assentou o Supremo Tribunal Federal por meio do enunciado sumular nº 642:
―Não cabe ação direta de inconstitucionalidade de lei do Distrito Federal
derivada da sua competência legislativa municipal‖. Em ambas as hipóteses, a
via processual adequada é a ação de arguição de descumprimento de preceito
fundamental, na qual há lugar para impugnação de leis e atos normativos
municipais e distritais de natureza municipal, quando contestados à luz da
Constituição Federal. Daí a asserção: apenas as leis e atos normativos
28
Não obstante, após o julgamento definitivo realizado no Plenário do Supremo Tribunal Federal, todos os casos concretos pendentes nas diversas instâncias administrativas e judiciais são alcançados pela deliberação proferida no controle abstrato. 29
Com efeito, em razão da natureza híbrida do Distrito Federal, o § 1º do artigo 32 da Constituição Federal revela a coexistência de competências legislativas estaduais e municipais.
federais, estaduais e distritais de natureza estadual podem ser discutidos em
sede de ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal.
Por fim, a admissibilidade da ação direta de inconstitucionalidade
pressupõe que as leis e os atos normativos federais, estaduais e distritais de
natureza estadual estejam em vigor. Na eventualidade da revogação da lei ou
do ato normativo objeto da ação direta de inconstitucionalidade, o respectivo
processo deve ser extinto, com fundamento no artigo 267, inciso VI, do Código
de Processo Civil, em razão da superveniente ausência de interesse
processual ou, na linguagem forense, por ―perda de objeto‖. Sem dúvida, na
eventualidade de revogação superveniente, as leis e os atos normativos saem
do ordenamento jurídico, motivo pelo qual não há interesse processual para a
discussão em tese, em controle concentrado de constitucionalidade, de
natureza abstrata. Daí o acerto do enunciado sumular nº 7 aprovado pela Corte
Superior do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: ―Julga-se prejudicada a ação
direta de inconstitucionalidade que tem por objeto a inconstitucionalidade de
norma que é revogada supervenientemente à representação‖. Eventuais
repercussões individuais anteriores à revogação das leis e dos atos normativos
podem ser objeto de processos subjetivos, com o controle in concreto, no juízo
de origem ou no tribunal competente, mas não em sede de ação direta de
inconstitucionalidade.
3. PRAZO PARA A PROPOSITURA: INEXISTÊNCIA
A ação direta de inconstitucional não está sujeita a prazo, como bem
assentou o Plenário do Supremo Tribunal Federal em 1963, ao aprovar o
enunciado sumular nº 360: ―Não há prazo decadencial para a representação de
inconstitucionalidade prevista no art. 8º, parágrafo único, da Constituição
Federal‖.
Ad argumentandum tantum, embora tenha sido aprovada em 1963, a
orientação jurisprudencial sumulada subsiste à luz da Constituição de 1988,
como também já decidiu com acerto o Plenário da Corte Suprema30.
4. LEGITIMIDADE ATIVA
A ação direta de inconstitucionalidade somente pode ser ajuizada por
legitimado ativo autorizado à vista do artigo 103 da Constituição Federal: o
Presidente da República; a Mesa do Senado; a Mesa da Câmara dos
Deputados; as Mesas das Assembleias Legislativas dos Estados e a Mesa da
Câmara Legislativa do Distrito Federal; os Governadores dos Estados e do
30
Sem dúvida, o Supremo Tribunal Federal prestigia o enunciado sumular nº 360 mesmo à luz da Constituição de 1988, como bem revela a ementa do seguinte precedente do Plenário da Corte ―O ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade não esta sujeito a observância de qualquer prazo de natureza prescricional ou de caráter decadencial, eis que atos inconstitucionais jamais se convalidam pelo mero decurso do tempo. Súmula 360. Precedentes do STF.‖ (ADI nº 1.247 – MC, Pleno do STF, Diário da Justiça de 8 de setembro de 1995, p. 28.354).
Distrito Federal; o Procurador-Geral da República; o Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil; partido político com representação no
Congresso Nacional; e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito
nacional.
Não obstante, as Mesas das Assembleias Legislativas dos Estados e da
Câmara Legislativa do Distrito Federal, os Governadores dos Estados e do
Distrito Federal, as confederações sindicais e as entidades de classe nacionais
só têm legitimidade ativa para ajuizar ações diretas de inconstitucionalidade
que versem sobre os respectivos direitos e atribuições institucionais, com a
demonstração da pertinência temática.
Em contraposição, o Presidente da República, as Mesas do Senado e da
Câmara dos Deputados, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal
da Ordem dos Advogados do Brasil e os partidos políticos com representação
no Congresso Nacional têm legitimidade ativa ampla, independentemente da
pertinência temática das ações que propõem com os respectivos direitos e
atribuições institucionais.
5. DESISTÊNCIA DA AÇÃO PROPOSTA: IMPOSSIBILIDADE
A ação direta de inconstitucionalidade não é passível de desistência. A
propósito, vale conferir o artigo 5º da Lei nº 9.868, de 1999: ―Art. 5º Proposta a
ação direta, não se admitirá desistência‖. Por conseguinte, ainda que o autor
da ação veicule pedido de desistência, o processo subsiste e é julgado na
Corte Suprema, porquanto versa sobre questão de ordem pública: a
problemática da inconstitucionalidade de leis ou de ato normativo federal ou
estadual à luz da Constituição Federal.
6. FUNGIBILIDADE DAS VIAS DE CONTROLE CONCENTRADO DE
CONSTITUCIONALIDADE: POSSIBILIDADE
Ao contrário do que pode parecer à vista da Lei nº 9.868, de 1999, a
ação direta de inconstitucionalidade, a ação de arguição de descumprimento de
preceito fundamental, a ação de inconstitucionalidade por omissão e as outras
espécies que integram o controle concentrado de constitucionalidade da
competência originária do Supremo Tribunal Federal podem ser convertidas na
via adequada. Não obstante, a fungibilidade depende da existência na via eleita
de todos os requisitos de admissibilidade da via adequada, como a legitimidade
ativa, por exemplo31.
31
De acordo, na jurisprudência: ―1. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Impropriedade da ação. Conversão em Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF. Admissibilidade. Satisfação de todos os requisitos exigidos à sua propositura. Pedido conhecido como tal. Aplicação do princípio da fungibilidade. Precedentes. É lícito conhecer de ação direta de inconstitucionalidade como argüição de descumprimento de preceito fundamental, quando coexistentes todos os requisitos de admissibilidade desta, em caso de inadmissibilidade daquela.‖ (ADI nº 4.180/DF – MC – REF, Pleno do STF, Diário da Justiça eletrônico de 15 de abril de 2010). ―Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI n.° 875/DF, ADI n.° 1.987/DF, ADI n.° 2.727/DF e ADI n.° 3.243/DF). Fungibilidade entre as ações diretas de
7. PETIÇÃO INICIAL
A petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade deve seguir o
disposto no artigo 3º da Lei nº 9.868, de 1999, e na Resolução nº 421, de 2009,
cujo artigo 18 torna obrigatória a propositura de forma eletrônica32.
A petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade deve ser
endereçada ao Supremo Tribunal Federal, mais especificamente, ao Ministro-
Presidente da Corte, competente para a distribuição ao Ministro-Relator que
conduzirá o processo até o julgamento final pelo Plenário e será o primeiro a
votar.
À vista do artigo 3º, inciso I, da Lei nº 9.868, de 1999, a petição inicial da
ação direta de inconstitucionalidade deve conter a precisa indicação ―do
dispositivo da lei ou do ato normativo impugnado e os fundamentos jurídica do
pedido em relação a cada uma das impugnações‖.
A petição inicial também deve conter ―o pedido, com suas
especificações‖, tendo em vista o disposto no artigo 3º, inciso II, da Lei nº
9.868, de 1999. Deve o autor, portanto, indicar, com precisão, os artigos,
incisos, alíneas e parágrafos da lei ou do ato normativo em relação aos quais
formula pedido de declaração de inconstitucionalidade.
Ainda em relação aos pedidos que podem ser formulados na petição
inicial, na eventualidade de risco de dano irreparável ou de difícil reparação em
razão da aplicação da norma impugnada, o autor também pode requerer a
concessão de medida cautelar in limine litis, para suspender a lei ou ato
normativo tachado de inconstitucional, até o julgamento definitivo do processo
da ação direta de inconstitucionalidade.
A despeito da exigência estampada no artigo 258 do Código de
Processo Civil, prevalece a orientação jurisprudencial segundo a qual não há
indicação de valor da causa na petição inicial da ação direta de
inconstitucionalidade33.
No que tange aos documentos eletrônicos que devem instruir a petição
inicial, o inteiro teor da lei ou do ato normativo impugnado deve ser
apresentado desde logo com a petição inicial, conforme se infere do parágrafo
inconstitucionalidade por ação e por omissão.‖ (ADI nº 875/DF, Pleno do STF, Diário da Justiça eletrônico de 29 de abril de 2010). 32
―Art. 18. As classes processuais Reclamação (RCL), Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e Proposta de Súmula Vinculante (PSV) passam a ser processadas, exclusivamente, no sistema eletrônico do STF (e-STF ).‖ (sem os grifos no original). 33
―Aliás, o Pleno do Tribunal de Justiça Gaúcho já decidiu, à unanimidade, ser irrelevante a não-indicação do valor da causa em ação direta de inconstitucionalidade, por não se tratar de processo com ‗valor patrimonial‘ (ADIn nº 596001057, rel. Des. Eliseu Gomes Torres, julgada em 04.11.96).‖ (trecho extraído do parecer do Procurador-Geral de Justiça ANTONIO CARLOS DE AVELAR BASTOS, referente ao processo nº 70004911012, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul).
único do artigo 3º da Lei nº 9.868, de 1999, combinado com os artigos 18 e 19
da Resolução nº 421, de 200934.
Ainda em relação aos documentos eletrônicos que devem instruir a
petição, a inicial deve estar ―acompanhada de instrumento de procuração‖ em
prol do advogado constituído para a causa. Na verdade, predomina a
orientação jurisprudencial ex vi da qual a procuração deve ser específica para a
causa, com a outorga de poder especial para a propositura da ação direta de
inconstitucionalidade35. E mais, também prevalece a jurisprudência contrária à
aplicação do artigo 284 do Código de Processo Civil em relação ao processo
da ação direta de inconstitucionalidade36.
Se a petição inicial for inepta, sem fundamentação ou revelar a
manifesta inadequação da via eleita, compete ao próprio Ministro-Relator
proferir decisão monocrática de indeferimento liminar da petição, com
fundamento no artigo 4º da Lei nº 9.868, de 1999. O indeferimento liminar da
petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade se dá mediante decisão
monocrática, e não por sentença. Daí o cabimento do recurso de agravo
interno ou regimental, no prazo de cinco dias.
Em contraposição, se a petição inicial estiver ―em termos‖, ou seja, apta,
há a admissão pelo Ministro-Relator, o qual determina o processamento
segundo algum dos três ritos existentes na Lei nº 9.868, de 1999, quais sejam:
– o procedimento abreviado do artigo 12, quando há veiculação de pedido de
medida cautelar na petição inicial e há conveniência do julgamento definitivo do
próprio mérito desde logo; – o procedimento cautelar dos artigos 10 e 11,
quando há veiculação de pedido de medida cautelar na petição inicial, mas não
é conveniente o julgamento definitivo de forma sumária; – o procedimento
ordinário dos artigos 6º, 7º, 8º e 9º, quando não há veiculação de pedido de
medida cautelar na petição inicial.
8. PROCEDIMENTO ABREVIADO
O artigo 12 da Lei nº 9.868 dispõe sobre o procedimento abreviado
destinado ao julgamento sumário do próprio mérito de forma definitiva.
Com efeito, formulado pedido acautelatório na petição inicial, o Ministro-
Relator, à vista da relevância da matéria e da importância do julgamento para a
34
―Art. 18. As classes processuais Reclamação (RCL), Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e Proposta de Súmula Vinculante (PSV) passam a ser processadas, exclusivamente, no sistema eletrônico do STF (e-STF ). Parágrafo único. Os processos das classes citadas no caput terão suas informações disponibilizadas no sítio do STF. Art. 19. Cabe a todos os proponentes e autores das classes processuais citadas nesta Resolução, preencherem dados dos campos marcados como obrigatórios, inclusive o assunto, utilizando a tabela unificada de assuntos do Poder Judiciário.‖ (sem os grifos no original). 35
―É de exigir-se, em ação direta de inconstitucionalidade, a apresentação, pelo proponente, de instrumento de procuração ao advogado subscritor da inicial, com poderes específicos para atacar a norma impugnada.‖ (ADI nº 2.187/BA – QO, Pleno do STF, Diário da Justiça de 12 de dezembro de 2003, p. 62). 36
Cf. ADI nº 259/DF, Pleno do STF, Diário da Justiça de 19 de fevereiro de 1993.
ordem social e a segurança jurídica, pode, após a prestação das informações,
no prazo de dez dias, pelas autoridades públicas responsáveis pela iniciativa,
aprovação, sanção, promulgação e publicação da lei ou do ato normativo
impugnado, e a manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-
Geral da República, sucessivamente, no prazo de cinco dias, submeter o
processo diretamente ao Plenário do Supremo Tribunal Federal, ―que terá a
faculdade de julgar definitivamente a ação‖.
Veiculado pedido acautelatório na petição inicial e adotado o
procedimento abreviado pelo Ministro-Relator, portanto, os Ministros da Corte
Suprema têm a faculdade de proferirem imediato julgamento definitivo sobre o
mérito da causa, desde que presentes na sessão plenária pelo menos oito
Ministros e que ao menos seis votem no mesmo diapasão, com a formação da
necessária maioria absoluta, porquanto o julgamento sob o rito abreviado está
submetido às regras estampadas nos artigos 22 e 23 da Lei nº 9.868, de 1999.
9. PROCEDIMENTO CAUTELAR
Se o autor da ação direta de inconstitucionalidade formular pedido de
medida cautelar e o Ministro-Relator não julgar conveniente o processamento
pelo rito abreviado, deve adotar o procedimento previsto nos artigos 10 e 11 da
Lei nº 9.868, de 1999, após admitir a petição inicial.
À vista do artigo 10, admitida a petição inicial, o Ministro-Relator
determina a expedição de ofício às autoridades públicas responsáveis pela
iniciativa, aprovação, sanção, promulgação e publicação da lei ou do ato
normativo objeto da ação, para que possam prestar informações em cinco dias.
Em ―caso excepcional de urgência‖, entretanto, o Ministro-Relator pode até
mesmo dispensar a oitiva das autoridades públicas e submeter o pedido de
medida cautelar desde logo ao Plenário da Corte.
No que tange ao Advogado-Geral da União e ao Procurador-Geral da
República, não há necessidade de citação e de intimação para que o pedido de
medida cautelar seja submetido ao Plenário da Corte. Não obstante, se julgar
indispensável a citação do Advogado-Geral da União e a intervenção do
Procurador-Geral da República antes de submeter o pedido acautelatório ao
Plenário, o Ministro-Relator pode conceder prazo de três dias para que possam
apresentar a contestação e o parecer, respectivamente.
Dispensadas as oitivas pelo Ministro-Relator ou decorridos os prazos,
com ou sem a apresentação das informações, da contestação e do parecer, o
pedido acautelatório é submetido ao Plenário da Suprema Corte, desde que
―presentes na sessão pelo menos oito Ministros‖. É o quorum constitutivo
previsto nos artigos 10 e 22 da Lei nº 9.868, de 1999, para o início e a
realização do julgamento. Em seguida, há a deliberação sobre o pedido
acautelatório, com a concessão da medida se assim votarem pelo menos seis
Ministros, porquanto o artigo 10 também estabelece o quorum deliberativo: ―a
medida cautelar na ação direta será concedida por decisão da maioria absoluta
dos membros do Tribunal‖. O quorum constitutivo (de pelo menos oito Ministros
presentes na sessão plenária) não se confunde com o quorum deliberativo (de
pelo menos seis Ministros com igual conclusão)37.
Para evitar dano irreparável ou de difícil reparação, portanto, os
Ministros da Suprema Corte podem conceder medida cautelar para suspender
lei ou ato normativo tachado de inconstitucional, até o julgamento definitivo do
processo da ação direta de inconstitucionalidade.
Concedida a medida cautelar, a parte dispositiva do julgamento deve ser
publicada em seção especial do Diário Oficial da União e do Diário da Justiça
da União, no prazo de dez dias, com a posterior adoção do procedimento
ordinário dos artigos 6º a 9º da Lei nº 9.868, de 1999, tudo nos termos do caput
do artigo 11 do mesmo diploma: ―Art. 11. Concedida a medida cautelar, o
Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário Oficial da
União e do Diário da Justiça da União a parte dispositiva da decisão, no prazo
de dez dias, devendo solicitar as informações à autoridade da qual tiver
emanado o ato, observando-se, no que couber, o procedimento estabelecido
na Seção I deste Capítulo‖.
Como o julgamento tem natureza temporária, a medida acautelatória
suspensiva da lei ou do ato normativo impugnado tem efeito ex nunc, a partir
da publicação da ata do julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal38,
sem atingir, por enquanto, as relações jurídicas constituídas antes do
julgamento concessivo da medida cautelar, em homenagem ao princípio da
segurança jurídica. É a regra (ex nunc) estampada no § 1º do artigo 11 da Lei
nº 9.868, de 1999, mas que comporta exceção (ex tunc): ―§ 1º A medida
cautelar, dotada de eficácia contra todos, será concedida com efeito ex nunc,
salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia retroativa‖.
Em virtude da suspensão da lei ou do ato normativo por força da medida
acautelatória concedida, passa a ser ―aplicável a legislação anterior acaso
existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário‖39.
37
A propósito da distinção entre o quorum constitutivo e o quorum deliberativo, há precisa lição na literatura jurídica portuguesa: FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA. Manual dos recursos em processo civil. Coimbra, Editora Almedina, 2000, p. 214. 38
De acordo, na jurisprudência: ―TERCEIRA QUESTÃO DE ORDEM - AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE - PROVIMENTO CAUTELAR - PRORROGAÇÃO DE SUA EFICÁCIA POR MAIS 180 (CENTO E OITENTA) DIAS - OUTORGA DA MEDIDA CAUTELAR COM EFEITO ‗EX NUNC‘ (REGRA GERAL) - A QUESTÃO DO INÍCIO DA EFICÁCIA DO PROVIMENTO CAUTELAR EM SEDE DE FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE - EFEITOS QUE SE PRODUZEM, ORDINARIAMENTE, A PARTIR DA PUBLICAÇÃO, NO DJe, DA ATA DO JULGAMENTO QUE DEFERIU (OU PRORROGOU) REFERIDA MEDIDA CAUTELAR, RESSALVADAS SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS EXPRESSAMENTE RECONHECIDAS PELO PRÓPRIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - PRECEDENTES (RCL 3.309-MC/ES, REL. MIN. CELSO DE MELLO, v.g.) - COFINS E PIS/PASEP - FATURAMENTO (CF, ART. 195, I, "B") - BASE DE CÁLCULO - EXCLUSÃO DO VALOR PERTINENTE AO ICMS - LEI Nº 9.718/98, ART. 3º, § 2º, INCISO I - PRORROGAÇÃO DEFERIDA.‖ (ADC nº 18/DF – MC – QO 3, Pleno do STF, Diário da Justiça Eletrônico de 17 de junho de 2010, sem o grifo no original) 39
Cf. artigo 11, § 2º, da Lei nº 9.868, de 1999.
Por fim, no que tange ao alcance do julgamento, o § 1º do artigo 11 da
Lei nº 9.868 também revela que a deliberação plenária é ―dotada de eficácia
contra todos‖, vale dizer, erga omnes.
10. PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
Em regra, o processo da ação direta de inconstitucionalidade segue o
rito previsto nos artigos 6º a 9º da Lei nº 9.868, de 1999, com a admissão da
petição inicial, a expedição de ofício para a prestação de informações pelas
autoridades públicas das quais emanou a norma impugnada, o deferimento e o
indeferimento de pessoas como amicus curiae, a citação do Advogado-Geral
da União, a intimação do Procurador-Geral da República, o lançamento de
relatório e o pedido de dia pelo Ministro-Relator.
10.1. ADMISSÃO DA PETIÇÃO INICIAL E INFORMAÇÕES
Admitida a petição inicial pelo Ministro-Relator, há a expedição de ofício
dirigido ―às autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado‖,
a fim de que possam prestar informações no prazo de trinta dias, tudo nos
termos do artigo 6º da Lei nº 9.868, de 1999.
10.2. INGRESSO DE AMICUS CURIAE
O artigo 7º da Lei nº 9.868 veda o ingresso de terceiros no processo da
ação direta de inconstitucionalidade. Daí a impossibilidade de assistência,
oposição, chamamento ao processo, denunciação da lide, nomeação à autoria,
institutos jurídicos incompatíveis com o processo da ação direta de
inconstitucionalidade.
Não obstante, o § 2º do artigo 7º da Lei nº 9.868 autoriza o Ministro-
Relator a abrir vista e colher manifestações de entidades e pessoas, a fim de a
questão constitucional a ser submetida ao Plenário seja examinada sob todos
os prismas. Daí a possibilidade da manifestação do denominado amicus curiae.
Em suma, amicus curiae é a entidade ou pessoa autorizada a ingressar
no processo com a finalidade de auxiliar o Tribunal, tendo em vista
conhecimentos específicos úteis para a correta prestação jurisdicional, como
bem revela o artigo 7º, § 2º, da Lei nº 9.868, de 1999. Não é, portanto, o
amicus curiae, real terceiro com interesse jurídico no desate da causa, mas
simples ―amigo da corte‖, como ―colaborador informal da Corte‖.
10.3. CITAÇÃO DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
Além da requisição de informações às autoridades públicas
responsáveis pela iniciativa, aprovação, sanção, promulgação e publicação da
lei ou do ato normativo impugnado na petição inicial, o Ministro-Relator também
determina a citação do Advogado-Geral da União, a fim de defender a norma
tachada de inconstitucional.
À vista do § 3º do artigo 103 da Constituição Federal, do artigo 4º, inciso
IV, da Lei Complementar nº 73, de 1993, e do artigo 8º da Lei nº 9.868, de
1999, portanto, o Advogado-Geral da União deve ser citado para defender as
leis e os atos normativos impugnados nas ações diretas de
inconstitucionalidade, no prazo de quinze dias40.
10.4. INTERVENÇÃO DO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
Além da legitimidade ativa para a propositura da ação direta de
inconstitucionalidade, o Procurador-Geral da República também deve intervir
nos demais processos instaurados por força de ações diretas de
inconstitucionalidade ajuizadas por outros legitimados ativos, na qualidade de
custos legis, em cumprimento ao disposto no § 1º do artigo 103 da Constituição
Federal e do artigo 8º da Lei nº 9.868, de 1999.
Em suma, quando não for o autor da ação direta de
inconstitucionalidade, o Procurador-Geral da República deve ser intimado
pessoalmente, a fim de que possa emitir parecer no prazo de quinze dias.
10.5. LANÇAMENTO DO RELATÓRIO, PEDIDO DE DIA E
JULGAMENTO EM SESSÃO PLENÁRIA
Decorridos todos os prazos previstos nos artigos 6º, 7º e 8º da Lei nº
9.868, de 1999, o Ministro-Relator deve elaborar o relatório, com a exposição
das informações, das manifestações, da contestação, do parecer ministerial,
dos pontos controvertidos e, ao final, pedir dia para julgamento ao Ministro-
Presidente da Corte Suprema, tudo nos termos do artigo 9º daquele diploma.
Com efeito, o pedido de dia para julgamento cabe ao Ministro-Relator,
porquanto não há a figura de Ministro-Revisor no processo da ação direta de
inconstitucionalidade.
40
Assim, na jurisprudência: ―FUNÇÃO CONSTITUCIONAL DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO - A função processual do Advogado-Geral da União, nos processos de controle de constitucionalidade por via de ação, é eminentemente defensiva. Ocupa, dentro da estrutura formal desse processo objetivo, a posição de órgão agente, posto que lhe não compete opinar e nem exercer a função fiscalizadora já atribuída ao Procurador-Geral da República. Atuando como verdadeiro curador (defensor legis) das
normas infraconstitucionais, inclusive daquelas de origem estadual, e velando pela preservação de sua presunção de constitucionalidade e de sua integridade e validez jurídicas no âmbito do sistema de direito, positivo, não cabe ao Advogado-Geral da União, em sede de controle normativo abstrato, ostentar posição processual contrária ao ato estatal impugnado, sob pena de frontal descumprimento do ‗munus‘ indisponível que lhe foi imposto pela própria Constituição da República. Precedentes.‖ (ADI nº 1.254/RJ – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça de 19 de setembro de 1997, p. 45.530, sem o grifo no original). ―AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – ATUAÇÃO DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO. Consoante dispõe o § 3º do artigo 103 da Constituição Federal, cumpre ao Advogado-Geral da União o papel de curador da lei atacada, não lhe sendo dado, sob pena de inobservância do múnus público, adotar posição diametralmente oposta, como se atuasse como fiscal da lei, qualidade reservada, no controle concentrado de constitucionalidade perante o Supremo, ao Procurador-Geral da República.‖ (ADI nº 2.906/RJ, Pleno do STF, Diário da Justiça Eletrônico de 28 de junho de 2011, sem o grifo no original).
Após a inclusão em pauta, há o julgamento em sessão plenária do
Supremo Tribunal Federal, desde que presentes ―pelo menos oito Ministros‖,
em cumprimento ao disposto no artigo 22 da Lei nº 9.868, de 1999. É o quorum
constitutivo para o início e a realização do julgamento.
Em seguida, há a prolação dos votos pelos Ministros presentes na
sessão plenária. O resultado depende da formação da maioria absoluta em prol
da inconstitucionalidade ou da constitucionalidade de cada preceito impugnado.
O quorum deliberativo, portanto, corresponde a seis Ministros.
Não obstante, se não for alcançada a maioria absoluta em razão da
ausência de um ou mais Ministros, o julgamento deve ser suspenso pelo
Ministro-Presidente, para aguardar o comparecimento do(s) Ministro(s)
ausente(s), tudo nos termos do artigo 23 da Lei nº 9.868, de 1999.
Findo o julgamento, o Ministro-Presidente proclamará a
constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo
conforme os votos de ―pelo menos seis Ministros‖.
11. EFEITOS DO JULGAMENTO DEFINITIVO
11.1. EX TUNC, ERGA OMNES E VINCULANTE
Em regra, os julgamentos definitivos proferidos nas ações diretas de
inconstitucionalidade têm efeitos ex tunc, erga omnes e vinculante, tendo em
vista o disposto no artigo 102, § 2º, da Constituição Federal.
O efeito ex tunc significa que a decisão retroage para atingir a lei ou o
ato normativo ab ovo, ou seja, desde o início41. Há, todavia, a exceção prevista
no artigo 27 da Lei nº 9.868, de 1999, quando o Supremo Tribunal Federal,
pelo voto de dois terços (vale dizer, ―oito Ministros‖), pode ―restringir os efeitos
daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito
em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado‖.
Já o efeito erga omnes significa que a decisão alcança a todos, tanto as
partes quanto os terceiros.
Por fim, o efeito vinculante diz respeito à obrigatoriedade da decisão, a
qual deve ser obedecida tanto pelos demais órgãos do Poder Judiciário quanto
pelos órgãos e entidades das administrações direta e indireta42, em todas as
esferas: federal, estadual, distrital e municipal. Eventual descumprimento ou
desrespeito enseja ação de reclamação constitucional perante o Supremo
Tribunal Federal, ação também da competência originária da Corte Suprema,
adequada para preservar a competência e garantir a autoridade das
41
De acordo, na jurisprudência: ―- A declaração de inconstitucionalidade, no entanto, que se reveste de caráter definitivo, sempre retroage ao momento em que surgiu, no sistema de direito positivo, o ato estatal atingido pelo pronunciamento judicial (nulidade ab initio). É que atos inconstitucionais são nulos e
desprovidos de qualquer carga de eficácia jurídica (RTJ 146/461).‖ (ADI nº 1.434/SP – MC, Pleno do STF, Diário da Justiça de 22 de novembro de 1996, p. 45.684, sem o grifo no original). 42
Vale dizer, autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista.
respectivas decisões, conforme o disposto nos artigos 102, inciso I, letra ―l‖, e
103-A, § 3º, da Constituição Federal. Vale ressaltar, todavia, que o efeito
vinculante não alcança nenhuma das Casas do Poder Legislativo, as quais
preservam o poder legiferante de forma integral, motivo pelo qual há lugar para
a aprovação de emenda constitucional para modificar o texto objeto do
julgamento no Supremo Tribunal Federal.
11.2. REPRISTINAÇÃO
Em regra, a revogação de uma norma revogadora de norma pretérita
não revigora a primeira lei revogada, salvo disposição em contrário na norma
ulterior que implicou a revogação da norma revogadora da norma primitiva. No
mais das vezes, portanto, não há repristinação.
O problema surge quando a lei ou ato normativo julgado inconstitucional
implica revogação de lei ou ato normativo anterior. Daí o questionamento: há
repristinação na eventualidade da revogação de lei ou ato normativo por lei ou
ato normativo superveniente julgado inconstitucional?
A questão enseja resposta positiva, como bem assentou o Tribunal de
Justiça de Santa Catarina ao aprovar o enunciado sumular nº 17: ―A decisão
que declara a inconstitucionalidade de uma norma porque nula ex tunc, alcança
todos os atributos que uma lei constitucional seria capaz de congregar,
inclusive torna ineficaz a cláusula expressa ou implícita de revogação da
disposição aparentemente substituída, mantendo vigente, como se alteração
não tivesse havido, a legislação anterior, à qual se confere efeitos
repristinatórios‖43-44.
12. RECORRIBILIDADE DO JULGAMENTO DEFINITIVO
12.1. RECURSO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO: CABIMENTO
À vista do artigo 26 da Lei nº 9.868, de 1999, o acórdão prolatado em
ação direta de inconstitucionalidade só pode ser impugnado mediante
embargos declaração, único recurso cabível para questionar eventual erronia
no julgamento proferido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal. Não
43
Cf. Uniformização de Jurisprudência na Apelação nº. 2005.030499-6, Diário da Justiça Eletrônico nº 116, de 18 de dezembro de 2006, p. 1. 44
De acordo, na jurisprudência da Corte Suprema: ―- A declaração de inconstitucionalidade ‗in abstracto‘, considerado o efeito repristinatório que lhe é inerente (RTJ 120/64 - RTJ 194/504-505 - ADI 2.867/ES, v.g.), importa em restauração das normas estatais revogadas pelo diploma objeto do processo de controle normativo abstrato. É que a lei declarada inconstitucional, por incidir em absoluta desvalia jurídica (RTJ 146/461-462), não pode gerar quaisquer efeitos no plano do direito, nem mesmo o de provocar a própria revogação dos diplomas normativos a ela anteriores. Lei inconstitucional, porque inválida (RTJ 102/671), sequer possui eficácia derrogatória. A decisão do Supremo Tribunal Federal que declara, em sede de fiscalização abstrata, a inconstitucionalidade de determinado diploma normativo tem o condão de provocar a repristinação dos atos estatais anteriores que foram revogados pela lei proclamada inconstitucional. Doutrina. Precedentes (ADI 2.215-MC/PE, Rel. Min. CELSO DE MELLO, ‗Informativo/STF‘ nº 224, v.g.).‖ (ADI nº 3.148/TO, Pleno do STF, Diário da Justiça Eletrônico de 27 de setembro de 2007 e Revista Tribunal de Jurisprudência, volume 202, p. 1.048).
obstante, os embargos declaratórios somente são cabíveis para questionar
omissão, contradição e obscuridade no julgamento, conforme revelam os
incisos I e II do artigo 535 do Código de Processo Civil.
12.2. RECURSO DE EMBARGOS INFRINGENTES: INADEQUAÇÃO
Os embargos infringentes são tradicional espécie recursal adequada
para a impugnação de acórdão majoritário proferido nos tribunais pátrios.
No que tange ao cabimento contra acórdão prolatado em ação direta de
inconstitucionalidade, o artigo 6º da Lei nº 4.337, de 1964, autorizava a
interposição do recurso de embargos infringentes contra acórdão proferido em
―representação de inconstitucionalidade‖45, com, no mínimo, três votos
divergentes.
Com o advento da Emenda Constitucional nº 7, de 1977, o Supremo
Tribunal Federal passou a ter competência para legislar sobre direito
processual. É o que se infere do § 3º, alínea ―c‖, do artigo 119 da Carta de
1967, com a redação dada pela Emenda nº 7: ―O regimento interno
estabelecerá: omissis; c) o processo e o julgamento dos feitos de sua
competência originária ou recursal e da arguição de relevância da questão
federal‖.
Em 1980, o Supremo Tribunal Federal elaborou e aprovou o respectivo
Regimento Interno. O artigo 333, inciso IV, do Regimento, cuidava do
cabimento do recurso de embargos infringentes contra acórdão proferido em
ação direta de inconstitucionalidade, in verbis: ―Cabem embargos infringentes à
decisão não unânime do Plenário ou da Turma: omissis; IV — que julgar a
representação de inconstitucionalidade‖.
Por força da Emenda Regimental nº 2, de 1985, o parágrafo único do
artigo 333 passou a ter a seguinte redação: ―O cabimento dos embargos, em
decisão do Plenário, depende da existência, no mínimo, de quatro votos
divergentes, salvo nos casos de julgamento criminal em sessão secreta‖.
Com o advento da Constituição de 1988, o Regimento Interno do
Supremo Tribunal Federal foi recepcionado, quando passou a ter força de lei
federal46. Com efeito, ao contrário do que pode parecer à primeira vista, o fato
45
Vale ressaltar que a atual ―ação direta de inconstitucionalidade‖ nada mais é do que a antiga ―representação de inconstitucionalidade‖, com nova denominação, porquanto a Constituição de 1988 conferiu novo título ao instituto jurídico em estudo, embora tenha preservado o tradicional nomen iuris no artigo 125, quando tratou da ―representação de inconstitucionalidade‖ da competência originária dos Tribunais de Justiça. 46
Assim, na jurisprudência: ADIN n 29/RS — EI, Pleno do STF, RTJ, volume 133, p. 959; e ADIN nº 171/MG — EI, Pleno do STF, RTJ, volume 160, p. 31. Como bem concluiu o eminente Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE no julgamento do MS nº 21.290/BA – EDcl, ―é óbvio que o Regimento tem hierarquia de lei, enquanto não revogado por outra lei‖. Em sentido semelhante, na doutrina: VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 391, nota 45: ―O Supremo Tribunal Federal perdeu a competência anômala de legislar sobre os processos de sua competência, mas permanece o Regimento Interno em vigor, com natureza de lei federal até que outra norma desse nível o derrogue ou modifique‖. Ainda em sentido semelhante, também na doutrina: ANDRÉ RAMOS TAVARES. Curso de direito
de o artigo 96, inciso I, alínea ―a‖, da Constituição de 1988 ter limitado a
competência legislativa dos tribunais, não revogou os artigos do Regimento de
1980 de índole processual47, porquanto o instituto da recepção confere
sustentação jurídica às normas infraconstitucionais em vigor antes do advento
da nova Constituição, compatíveis com a ordem constitucional posterior.
Como o Supremo Tribunal Federal tinha competência para legislar sobre
direito processual quando elaborou o Regimento de 1980, os preceitos
regimentais de cunho processual não foram revogados pela Constituição de
1988. Assim, além de vigentes, os dispositivos passaram a ter força de lei
federal, atual via legislativa idônea para tratar de direito processual, nos termos
do artigo 22, inciso I, da Constituição Federal.
Vale ressaltar, por oportuno, que não há revogação por suposta
incompatibilidade formal48. Nem poderia ser diferente, porquanto o legislador
pretérito não tem como prever qual via legislativa será adotada na Constituição
futura. Além do mais, o instituto da recepção tem como escopo exatamente
efetuar a acomodação, no seio da nova ordem constitucional, das normas
pretéritas editadas por vias legislativas extirpadas pela Constituição
superveniente.
Na verdade, apenas os dispositivos regimentais incompatíveis sob o
ângulo material com a nova Constituição Federal foram revogados. Os que
subsistiram ficaram sujeitos à regra inserta no § 1º do artigo 2º da Lei de
Introdução das normas do Direito Brasileiro. Diante da ausência de lei federal
que revogasse de forma expressa ou tácita o inciso IV do artigo 333 do
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, subsistiu o cabimento dos
embargos infringentes contra acórdão proferido por maioria de votos em
julgamento de ação direta de inconstitucionalidade, mesmo após a vigência da
Constituição de 198849.
constitucional. 3ª ed., 2006, p. 985: ―Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (atualmente recepcionado como lei ordinária)‖. 47
Em sentido semelhante: AO nº 32/DF — AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça de 28 de setembro de 1990: ―1. REGIMENTO INTERNO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL — NORMAS PROCESSUAIS. As normas processuais contidas no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal foram recepcionadas pela atual Carta, no que com ela se revelam compatíveis. O fato de não se ter mais a outorga constitucional para edição das citadas normas mediante ato regimental apenas obstaculiza novas inserções no Regimento Interno, ficando aquém da derrogação quanto às existentes à época da promulgação da Carta‖. 48
Com efeito, ―não há inconstitucionalidade formal superveniente‖ (ADIN nº 438/DF, Pleno do STF, Diário da Justiça de 27 de março de 1992). 49
De acordo, na doutrina: BARBOSA MOREIRA. O novo processo civil. 20ª ed., 1999, p. 167: ―A esse rol — sempre limitadamente ao campo civil — devem acrescentar-se os embargos (também infringentes) previstos no art. 333, nº IV, do Regimento Interno, cabíveis contra a decisão não unânime do Plenário que julgar a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual‖. No mesmo sentido, na jurisprudência: RCL nº 377/PR — EI, Pleno do STF, Diário da Justiça de 27 de outubro de 1994, p. 29164: ―— Esta Corte já firmou o entendimento de que as normas processuais — e as relativas aos embargos infringentes em seu âmbito o são — contidas no seu Regimento Interno foram objeto de recepção pela atual Constituição no que com esta se mostrarem compatíveis‖. No julgamento dos Embargos Infringentes na ADI nº 171/MG, o Pleno do STF prestigiou o preciso voto proferido pelo Ministro MOREIRA ALVES: ―Tendo sido objeto de recepção os dispositivos do Regimento Interno da Corte que, por causa da competência legislativa que lhe fora outorgada pela ordem constitucional anterior, dizem respeito à matéria processual, eles persistem com força de lei até serem revogados por legislação posterior, o que não ocorreu pela circunstância de a Lei nº 8.038, de 28-5-90, que não é exauriente sobre
Com o advento da Lei nº 9.868, de 1999, entretanto, não há mais lugar
para discussão, tendo em vista a vedação imposta ex vi do artigo 26: ―A
decisão que declara a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou
do ato normativo em ação direta ou em ação declaratória é irrecorrível,
ressalvada a interposição de embargos declaratórios, não podendo,
igualmente, ser objeto de ação rescisória‖.
Com efeito, se o acórdão proferido em ação direta de
inconstitucionalidade agora é irrecorrível, ressalvado apenas o cabimento do
recurso de embargos declaratórios, é possível concluir que o inciso IV do artigo
333 do Regimento Interno de 1980 foi revogado em 1999, consoante o disposto
na segunda parte do § 1º do artigo 2º da Lei de Introdução das normas do
Direito Brasileiro. Sem dúvida, se o julgamento prolatado em ação direta de
inconstitucionalidade só pode ser impugnado por meio de embargos de
declaração, é lícito concluir que já não são cabíveis embargos infringentes
contra o aludido julgado, porquanto o inciso IV do artigo 333 do Regimento
Interno do Supremo Tribunal Federal foi revogado pelo artigo 26 da Lei nº
9.868, de 199950.
13. AÇÃO RESCISÓRIA: IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA
A rescisória é a ação de competência originária de tribunal idônea para a
impugnação das decisões judiciais transitadas em julgado, quando há grave
erro judiciário, como nos casos arrolados no artigo 485 do Código de Processo
Civil.
Por força do artigo 26 da Lei nº 9.868, de 1999, entretanto, o acórdão
proferido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em ação direta de
inconstitucionalidade não é passível de impugnação mediante ação rescisória.
Na verdade, a ação rescisória não é admissível para impugnar julgamentos
proferidos em controle concentrado de constitucionalidade, independentemente
da espécie de ação ajuizada.
14. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE EM TRIBUNAL DE
JUSTIÇA
14.1. PRECEITOS DE REGÊNCIA E ADMISSIBILIDADE
as ações e os recursos no âmbito deste Supremo Tribunal Federal, ter sido omissa quanto a tais embargos‖ (RTJ, volume 160, p. 31). 50
De acordo, na jurisprudência: ―I. Ação direta de inconstitucionalidade: irrecorribilidade da decisão definitiva declaratória da inconstitucionalidade ou constitucionalidade de normas, por força do art. 26 da L. 9868/99, que implicou abolição dos embargos infringentes previstos no art. 333, IV, RISTF: inaplicabilidade, porém, da lei nova que abole recurso aos casos em que o acórdão, então recorrível, seja proferido em data anterior ao do início da sua vigência: análise e aplicação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.‖ (ADI nº 1.591/RS - EI, Pleno do STF, Diário da Justiça de 12 de setembro de 2003, p. 29, sem o grifo no original).
Além da ação direta de inconstitucionalidade da competência do
Supremo Tribunal Federal, o constituinte de 1987 e 1988 também tratou da
―representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais
ou municipais em face da Constituição Estadual‖. O instituto previsto no § 2º do
artigo 125 da Constituição Federal é verdadeira ação direta de
inconstitucionalidade, mas da competência dos Tribunais de Justiça dos
Estados, para o controle abstrato de constitucionalidade das leis e normas
estaduais e municipais à luz da Constituição Estadual.
Na verdade, a ação direta de inconstitucionalidade também é admissível
para o controle das leis e dos atos normativos distritais à luz da Lei Orgânica
do Distrito Federal, quando o processamento e julgamento da ação direta são
da competência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, tudo nos termos do
artigo 30 da Lei nº 9.868, de 1999.
Em suma, além da ação direta de inconstitucionalidade da competência
do Supremo Tribunal Federal, para o controle abstrato da constitucionalidade
das leis e demais normas federais e estaduais à luz da Constituição Federal,
também há a ação direta de inconstitucionalidade da competência dos
Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, destinada ao controle
abstrato de constitucionalidade das leis estaduais, municipais e distritais à luz
das Constituições dos Estados e da Lei Orgânica do Distrito Federal,
respectivamente.
14.2. LEGITIMIDADE ATIVA
Ao contrário do que se dá no artigo 103 da Constituição Federal, o artigo
125 não estampa rol de legitimados para ajuizar a ação direta de
inconstitucionalidade perante Tribunal de Justiça. O constituinte de 1987 e
1988 somente proibiu a restrição da legitimidade ativa a apenas um órgão,
conforme se infere da parte final do § 2º do artigo 125. No mais, deixou a
elaboração do rol de legitimados ativos a cargo dos constituintes estaduais. Daí
a necessidade da conferência dos textos das Constituições dos diversos
Estados.
No que tange ao Distrito Federal, o artigo 30 da Lei nº 9.868 já arrola os
legitimados ativos para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade no
Tribunal de Justiça do Distrito Federal: – o Governador do Distrito Federal; – a
Mesa da Câmara Legislativa; – o Procurador-Geral de Justiça; – a Ordem dos
Advogados do Distrito Federal; – as entidades sindicais e de classe em
atuação no Distrito Federal, em defesa dos objetivos institucionais; – os
partidos políticos com representação na Câmara Legislativa. Mutatis mutandis,
as Constituições estaduais contêm rol similar de legitimados ativos para o
ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade perante Tribunal de Justiça
estadual.
14.3. PROCESSOS COM IGUAL OBJETO PENDENTES EM TRIBUNAL
DE JUSTIÇA E NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Diante da constante reprodução ipsis litteris de preceitos da Constituição
Federal nas Constituições dos Estados e na Lei Orgânica do Distrito Federal, é
comum a coexistência de processos no Supremo Tribunal Federal e nos
Tribunal de Justiça, tendo em mira a mesma lei estadual ou distrital (de índole
estadual).
Constatada a coexistência de processos com a mesma norma
impugnada, o processo da ação direta de inconstitucionalidade em tramitação
no Tribunal de Justiça deve ser suspenso até o julgamento do processo da
ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal. Em abono,
vale conferir o preciso enunciado sumular nº 5 aprovado na Corte Superior do
Tribunal de Justiça de Minas Gerais: ―Quando tramitam paralelamente duas
ações diretas de inconstitucionalidade, uma no Tribunal de Justiça e outra no
Supremo Tribunal Federal, contra a mesma lei estadual impugnada em face de
preceitos constitucionais estaduais que são reprodução de preceitos da
Constituição Federal, suspende-se o curso da ação direta proposta perante o
Tribunal estadual até o julgamento final da ação direta proposta perante o
Supremo Tribunal Federal‖.
Como bem assentado no enunciado sumular nº 5, a hipótese é de
suspensão, e não de extinção do processo da competência do Tribunal de
Justiça, porquanto o resultado do julgamento no Supremo Tribunal Federal
pode não prejudicar o julgamento no Tribunal de Justiça, como se dá quando o
processo é extinto sem julgamento do mérito, em razão, por exemplo, de
ilegitimidade ativa, quando subsiste o interesse processual no julgamento da
ação direta de inconstitucionalidade da competência do Tribunal de Justiça.
Não obstante, se a norma objeto dos dois processos for declarada
inconstitucional no Supremo Tribunal Federal, o processo da competência do
Tribunal de Justiça deve ser extinto, sem resolução do mérito, por falta de
interesse processual, em razão da exclusão da norma impugnada do
ordenamento jurídico, ex vi do julgamento proferido na Corte Suprema.
14.4. RECORRIBILIDADE DO JULGAMENTO PROFERIDO NO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA MEDIANTE RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Proferido o julgamento do Tribunal de Justiça no exercício da
competência originária consagrada no artigo 125, § 2º, da Constituição Federal,
cabe recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, com fundamento
no artigo 102, inciso III, da mesma Constituição.
Sem dúvida, se a questão objeto do controle concentrado de
constitucionalidade exercido pelo Tribunal de Justiça também é encontrada na
Constituição Federal, o recurso extraordinário é cabível. Vale ressaltar, por
oportuno, que o prequestionamento não diz respeito ao preceito constitucional
em si, sob o prisma numérico, mas, sim, à questão constitucional. Por
conseguinte, se o Tribunal de Justiça julgou a questão constitucional que
também reside na Constituição Federal, cabe recurso extraordinário para a
Corte Suprema51.
Não obstante, o Supremo Tribunal Federal impõe sérias restrições à
legitimidade recursal. Com efeito, segundo entendimento predominante na
Corte Suprema, apenas os órgãos e os entes legitimados para a instauração
do controle concentrado de constitucionalidade no âmbito do Tribunal de
Justiça têm legitimidade para recorrer do respectivo acórdão52.
Outra restrição jurisprudencial que merece destaque diz respeito ao
artigo 188 do Código de Processo Civil, cuja aplicação tem sido denegada pelo
Supremo Tribunal Federal em relação aos recursos extraordinários interpostos
contra acórdãos proferidos em Tribunais de Justiça, em processos de ação
direta de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos locais53.
Em suma, é admissível recurso extraordinário contra acórdão proferido
por Tribunal de Justiça em processo de ação direta de inconstitucionalidade,
desde que interposto por algum dos legitimados ativos e no prazo singelo de
quinze dias.
14.5. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA LEI Nº 9.868, DE 1999
À vista do artigo 4º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro,
do artigo 126 do Código de Processo Civil e do artigo 30 da Lei nº 9.868, de
1999, na falta de norma específica, as regras gerais de regência do processo
da ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal também
podem ser aplicadas aos processos de competência dos Tribunais de Justiça.
51
Assim, na jurisprudência: ―1. Controle concentrado de constitucionalidade de lei estadual ou municipal que reproduz norma da Constituição Federal de observância obrigatória pelos entes da Federação. Competência do Tribunal de Justiça, com possibilidade de interposição de recurso extraordinário se a interpretação conferida à legislação contrariar o sentido e o alcance de dispositivo da Carta Federal. Precedentes.‖ (SL nº 10 – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça de 16 de abril de 2004, p. 53, sem o grifo no original). 52
Cf. ADI nº 2.130/SC – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça de 14 de dezembro de 2001, p. 31: ―- O Estado-membro não dispõe de legitimidade para interpor recurso em sede de controle normativo abstrato, ainda que a ação direta de inconstitucionalidade tenha sido ajuizada pelo respectivo Governador, a quem assiste a prerrogativa legal de recorrer contra as decisões proferidas pelo Relator da causa (Lei nº 9.868/99, art. 4º, parágrafo único) ou, excepcionalmente, contra aquelas emanadas do próprio Plenário do Supremo Tribunal Federal (Lei nº 9.868/99, art. 26)‖. 53
Cf. RE nº 579.760/RS – EDcl, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça Eletrônico nº 218, de 19 de novembro de 2009: ―RECURSO. Embargos de declaração. Caráter infringente. Embargos recebidos como agravo. Controle abstrato de constitucionalidade de lei local em face de Constituição estadual. Processo de cunho objetivo. Prazo recursal em dobro. Inaplicabilidade. Recurso extraordinário não conhecido. Agravo regimental improvido. Precedentes. São singulares os prazos recursais das ações de controle abstrato de constitucionalidade, em razão de seu reconhecido caráter objetivo.‖ (sem os grifos no original). No mesmo diapasão, ainda na jurisprudência da Corte Suprema: ―NÃO HÁ PRAZO RECURSAL EM DOBRO NO PROCESSO DE CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE. - Não se aplica, ao processo objetivo de controle abstrato de constitucionalidade, a norma inscrita no art. 188 do CPC, cuja incidência restringe-se, unicamente, ao domínio dos processos subjetivos, que se caracterizam pelo fato de admitirem, em seu âmbito, a discussão de situações concretas e individuais. Precedente. Inexiste, desse modo, em sede de controle normativo abstrato, a possibilidade de o prazo recursal ser computado em dobro, ainda que a parte recorrente disponha dessa prerrogativa especial nos processos de índole subjetiva.‖ (ADI nº 2.130/SC – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça de 14 de dezembro de 2001, p. 31 ).
CAPÍTULO III
AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE
1. PRECEITOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS DE REGÊNCIA
A ação declaratória de constitucionalidade está prevista nos artigos 102,
inciso I, alínea ―a‖, in fine, e § 2º, e 103, ambos da Constituição Federal, e
regulamentada nos artigos 13 a 28 da Lei nº 9.868, de 1999.
Por oportuno, vale ressaltar que a ação declaratória de
constitucionalidade não foi consagrada durante a Assembleia Constituinte que
ensejou a Constituição de 1988. Na verdade, a ação declaratória de
constitucionalidade só foi instituída em 1993, com o advento da Emenda
Constitucional nº 3, por força da qual a alínea ―a‖ do inciso I do artigo 102
recebeu nova redação e o § 2º foi acrescentado ao final do artigo 102, com a
consagração do instituto.
2. CONCEITO, NATUREZA JURÍDICA E ADMISSIBILIDADE
A ação declaratória de constitucionalidade integra o controle
concentrado de constitucionalidade realizado pelo Supremo Tribunal Federal,
ao lado da ação direta de inconstitucionalidade. Não obstante, enquanto a ação
direta de inconstitucionalidade alcança as leis e os atos normativos federais e
estaduais – e até distritais54 –, a ação declaratória de constitucionalidade atinge
apenas as leis e atos normativos federais, porquanto as normas locais não
constam da parte final da alínea ―a‖ do inciso I do artigo 102: ―ação declaratória
de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal‖. Com efeito, a ação
declaratória de constitucionalidade é ação de competência originária do
Supremo Tribunal Federal admissível para a declaração da constitucionalidade
de leis e atos normativos federais, mas não de leis e atos normativos
estaduais, distritais e municipais.
Não obstante, a ação declaratória de constitucionalidade só é admissível
quando leis ou atos normativos federais são alvo de questionamentos judiciais
e de decisões de inconstitucionalidade proferidas em processos de controle
difuso, de forma a abalar a presunção relativa da constitucionalidade da norma
jurídica federal. Aliás, o inciso III do artigo 14 da Lei nº 9.868 é explícito acerca
da necessidade da demonstração da ―existência de controvérsia judicial
relevante sobre a aplicação da disposição objeto da ação declaratória‖, a fim de
que seja admissível (a ação declaratória de constitucionalidade).
Constatada a divergência judicial capaz de abalar a presunção relativa
da constitucionalidade que a norma jurídica goza, a ação declaratória de
54
Sem dúvida, as ações diretas de inconstitucionalidade atingem até mesmo leis e atos normativos distritais, desde que provenientes da competência equiparada à estadual.
constitucionalidade é admissível e merece ser processada e julgada no
Supremo Tribunal Federal, para que a presunção relativa possa ser declarada
absoluta, com força vinculante e tenha alcance erga omnes, tudo se assim
votarem – em prol da constitucionalidade – pelo menos seis Ministros da Corte
Suprema55.
Por fim, vale ressaltar que se a maioria absoluta dos votos for pela
inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo federal, os efeitos do
julgamento são os mesmos, vale dizer, a declaração da inconstitucionalidade
tem de forças absoluta, definitiva, vinculante, tem alcance erga omnes, tudo
desde a publicação da norma (ex tunc), em virtude da natureza ―dúplice‖ ou
―ambivalente‖ da ação declaratória de constitucionalidade, tudo nos termos dos
artigos 23, 24 e 26 da Lei nº 9.868, de 1999.
3. LEGITIMIDADE ATIVA
A ação declaração de constitucionalidade somente pode ser ajuizada por
algum dos legitimados ativos arrolados no artigo 103 da Constituição Federal:
Presidente da República; Mesa do Senado; Mesa da Câmara dos Deputados;
Mesa de Assembleia Legislativa de Estados ou Mesa da Câmara Legislativa do
Distrito Federal; Governadores de Estado ou do Distrito Federal; Procurador-
Geral da República; Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
partido político com representação no Congresso Nacional; e confederação
sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. Após o advento da Emenda
Constitucional nº 45, de 2004, portanto, o rol do artigo 103 da Constituição
passou a ser igualmente aplicável à ação declaratória de constitucionalidade,
razão pela qual os legitimados ativos não são apenas os previstos no artigo 13
da Lei nº 9.868, de 199956, mas todos os constantes do artigo 103 da
Constituição emendada.
Ainda à luz do artigo 103 da Constituição Federal, a legitimidade ativa
para a propositura da ação declaratória de constitucionalidade é concorrente,
motivo pelo qual pode ser exercida por todas as pessoas jurídicas e órgãos
públicos arrolados no artigo 103 da Constituição Federal, em conjunto ou
isoladamente. Não obstante, as Mesas das Assembleias Legislativas dos
Estados e da Câmara Legislativa do Distrito Federal, os Governadores dos
Estados e do Distrito Federal, as confederações sindicais e as entidades de
classe nacionais só têm legitimidade ativa para ajuizar ações declaratórias em
favor da constitucionalidade dos respectivos direitos e atribuições institucionais,
com a demonstração da pertinência temática, sob pena de carência da ação.
Já o Presidente da República, as Mesas do Senado e da Câmara dos
Deputados, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem
55
Cf. artigo 23, caput, da Lei nº 9.868, de 1999. 56
―Art. 13. Podem propor a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal: I - o Presidente da República; II - a Mesa da Câmara dos Deputados; III - a Mesa do Senado Federal; IV - o Procurador-Geral da República.‖
dos Advogados do Brasil e os partidos políticos com representação no
Congresso Nacional têm legitimidade ativa ampla, universal,
independentemente da pertinência temática das ações que propõem com os
respectivos direitos e atribuições institucionais.
4. PRAZO PARA A PROPOSITURA: INEXISTÊNCIA
Não há prazo para a propositura da ação declaratória de
constitucionalidade. Aliás, a natureza declaratória da ação não se coaduna com
os institutos da prescrição e da decadência.
5. PETIÇÃO INICIAL
A petição inicial da ação declaratória de constitucionalidade deve
cumprir o disposto no artigo 14 da Lei nº 9.868, de 1999, e na Resolução nº
421, de 2009, cujo artigo 18 torna obrigatória a propositura de forma
eletrônica57.
A petição inicial da ação declaratória de constitucionalidade deve ser
endereçada ao Supremo Tribunal Federal, mais especificamente, ao Ministro-
Presidente, a quem compete distribuir o processo ao Ministro-Relator,
responsável pela prolação do juízo de admissibilidade da petição inicial e, se
admitida, também pelo processamento e instrução até a sessão plenária da
Corte.
À vista do artigo 14 da Lei nº 9.868, de 1999, a petição inicial deve
conter a precisa indicação do dispositivo da lei ou do ato normativo federal
objeto do pedido, bem como os respectivos fundamentos jurídicos.
Com efeito, a petição inicial deve conter ―o pedido, com suas
especificações‖, em cumprimento ao disposto no artigo 14, inciso II, da Lei nº
9.868, de 1999. Deve o autor, portanto, indicar, com precisão, os artigos,
incisos, alíneas e parágrafos da lei ou do ato normativo federal em relação aos
quais formula pedido de declaração de constitucionalidade.
Ainda em relação aos pedidos, o autor também pode requerer a
concessão de medida cautelar in limine litis, com fundamento no artigo 21 da
Lei nº 9.868, de 1999, para suspender os ―processos que envolvam a aplicação
da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo‖.
No que tange aos fundamentos jurídicos, a petição inicial deve conter a
demonstração da existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação
do dispositivo objeto da ação declaratória, de modo a justificar o julgamento no
Plenário do Supremo Tribunal Federal, a fim de pacificar a divergência
jurisprudencial acerca da constitucionalidade do preceito de lei ou ato
57
―Art. 18. As classes processuais Reclamação (RCL), Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e Proposta de Súmula Vinculante (PSV) passam a ser processadas, exclusivamente, no sistema eletrônico do STF (e-STF ).‖ (sem os grifos no original).
normativo federal. Aliás, o parágrafo único do artigo 14 revela que a petição
inicial deve ser instruída com o inteiro teor da lei ou do ato normativo federal
objeto da ação e das decisões judiciais reveladoras da divergência
jurisprudencial necessária para a admissibilidade da petição inicial.
No que tange aos documentos eletrônicos que devem instruir a petição,
além do inteiro teor da lei ou do ato normativo e das decisões judiciais
reveladoras da divergência, a inicial também deve estar ―acompanhada de
instrumento de procuração‖ em prol do advogado constituído para a causa.
Aliás, predomina a orientação jurisprudencial ex vi da qual a procuração deve
ser específica para a causa, com a outorga de poder especial para a
propositura da ação declaratória de constitucionalidade58.
Por fim, cabe ao Ministro-Relator proferir juízo de admissibilidade da
petição inicial da ação declaratória de constitucionalidade. Se constatar a
inadequação da via eleita, a carência de fundamentos, a manifesta
improcedência do pedido ou irregularidades formais na petição inicial, o
Ministro-Relator indefere a petição inicial liminarmente, com fundamento no
artigo 15 da Lei nº 9.868, de 1999, por meio de decisão monocrática, contra a
qual cabe recurso de agravo interno ou regimental, no prazo de cinco, para o
Plenário da Corte Suprema. Em contraposição, se a petição inicial estiver ―em
termos‖, o Ministro-Relator determina o processamento da ação, conforme a
veiculação de pedido de medida cautelar, ou não: formulado pedido pelo autor
da ação direta de constitucionalidade, o Ministro-Relator submete a medida
cautelar ao Plenário, para a deliberação prevista no artigo 21 da Lei nº 9.868,
de 1999; ausente pedido de medida cautelar, o Ministro-Relator determina o
processamento com a abertura de vista ao Procurador-Geral da República, nos
termos do artigo 19 da Lei nº 9.868, de 1999.
6. DESISTÊNCIA DA AÇÃO: IMPOSSIBILIDADE
Proposta a ação declaratória de constitucionalidade, o autor não pode
desistir do acionamento nem renunciar ao direito objeto da ação, tendo em
vista o interesse público em jogo. Daí o acerto do artigo 16 da Lei nº 9.868, de
1999, in verbis: ―Art. 16. Proposta a ação declaratória, não se admitirá
desistência‖.
7. PROVIMENTO JURISDICIONAL IN LIMINE LITIS
À vista do artigo 21 da Lei nº 9.868, de 1999, o Supremo Tribunal
Federal pode, mediante deliberação da maioria absoluta dos Ministros
58
―Ademais, esta Corte adotou entendimento no sentido de que o instrumento de mandato outorgado para propositura de ação do controle concentrado de constitucionalidade deve conter poderes especiais e específicos, indicando a norma objeto da ação [ADIs n.s 2.381/MC, Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 25.5.02; e 2.187/QO, Ministro OCTAVIO GALLOTTI, DJ de 12.12.03]. A procuração outorgada pelo diretório requerente não explicita qual o preceito normativo a que se refere a ação declaratória. Nego seguimento a esta ação declaratória de constitucionalidade, nos termos do artigo 21, § 1º, do RISTF.‖ (ADC nº 25/SP, Relator Ministro EROS GRAU, Diário da Justiça Eletrônico de 16 de dezembro de 2009).
integrantes da Corte, determinar liminarmente a suspensão dos processos
individuais e coletivos relativos à aplicação da lei ou do ato normativo objeto da
ação, até o julgamento definitivo do mérito do processo da ação declaratória.
Concedida a medida cautelar, o processo deve prosseguir e ser objeto
de julgamento definitivo no prazo de cento e oitenta dias, conforme determina o
artigo 21, parágrafo único, in fine, da Lei nº 9.868, de 1999.
Resta saber quais são os efeitos do julgamento cautelar proferido no
processo de ação declaratória de constitucionalidade. A despeito da omissão
do legislador no artigo 21 da Lei nº 9.868, de 1999, os Ministros do Supremo
Tribunal Federal já assentaram que a medida cautelar deferida ―em sede de
ação declaratória de constitucionalidade, além de produzir eficácia erga omnes,
reveste-se de efeito vinculante, relativamente ao Poder Executivo e aos demais
órgãos do Poder Judiciário‖59-60. Por fim, no que tange ao termo inicial da
eficácia do provimento cautelar, incide o § 1º do artigo 11 da Lei nº 9.868, de
1999: ―A medida cautelar, dotada de eficácia contra todos, será concedida com
efeito ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia
retroativa‖61.
8. INTERVENÇÃO DO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
Além da legitimidade ativa para a propositura da ação declaratória de
constitucionalidade, o Procurador-Geral da República também deve intervir nos
demais processos instaurados por força de ações declaratórias ajuizadas por
outros legitimados ativos, quando intervém (o Procurador-Geral da República)
na qualidade de custos legis, em cumprimento ao disposto no § 1º do artigo
103 da Constituição Federal. Por conseguinte, o artigo 19 da Lei nº 9.868
estabelece que o Procurador-Geral da República terá vista pelo prazo de
quinze dias, a fim de emitir pronunciamento acerca do objeto do processo de
ação declaratória de constitucionalidade.
9. INTERVENÇÃO DE TERCEIROS E AMICUS CURIAE
59
Cf. RCL nº 5.831/TO – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça Eletrônico de 29 de abril de 2010. 60
De acordo, ainda na jurisprudência: ―No julgamento da ADC 4 restou assentada que a decisão que concede medida cautelar em sede de ação declaratória de constitucionalidade é investida da mesma eficácia contra todos e efeito vinculante, características da decisão de mérito.‖ (RCL nº 872/SP – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça de 20 de maio de 2005, p. 5, sem o grifo no original). 61
De acordo, na jurisprudência: ―TERCEIRA QUESTÃO DE ORDEM - AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE - PROVIMENTO CAUTELAR - PRORROGAÇÃO DE SUA EFICÁCIA POR MAIS 180 (CENTO E OITENTA) DIAS - OUTORGA DA MEDIDA CAUTELAR COM EFEITO ‗EX NUNC‘ (REGRA GERAL) - A QUESTÃO DO INÍCIO DA EFICÁCIA DO PROVIMENTO CAUTELAR EM SEDE DE FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE - EFEITOS QUE SE PRODUZEM, ORDINARIAMENTE, A PARTIR DA PUBLICAÇÃO, NO DJe, DA ATA DO JULGAMENTO QUE DEFERIU (OU PRORROGOU) REFERIDA MEDIDA CAUTELAR, RESSALVADAS SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS EXPRESSAMENTE RECONHECIDAS PELO PRÓPRIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - PRECEDENTES (RCL 3.309-MC/ES, REL. MIN. CELSO DE MELLO, v.g.) - COFINS E PIS/PASEP -
FATURAMENTO (CF, ART. 195, I, "B") - BASE DE CÁLCULO - EXCLUSÃO DO VALOR PERTINENTE AO ICMS - LEI Nº 9.718/98, ART. 3º, § 2º, INCISO I - PRORROGAÇÃO DEFERIDA.‖ (ADC nº 18/DF – MC – QO 3, Pleno do STF, Diário da Justiça Eletrônico de 17 de junho de 2010, sem os grifos no original).
À vista do artigo 18 da Lei nº 9.868, de 1999, não há lugar para
intervenção de terceiros no processo de ação declaratória de
constitucionalidade. Daí a impossibilidade de oposição, denunciação da lide,
chamamento ao processo, nomeação à autoria nem assistência no processo
de ação declaratória de constitucionalidade.
Não obstante, o Ministro-Relator pode admitir o ingresso de amicus
curiae62, bem como requisitar informações, nomear perito para emitir laudo,
designar audiência para ouvir especialistas, conforme autorizam os §§ 1º, 2º e
3º do artigo 20 da Lei nº 9.868, de 1999.
10. ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
O Advogado-Geral da União não participa do processo de ação
declaratória de constitucionalidade. Com efeito, ao contrário do artigo 8º da Lei
nº 9.868, de 1999, os artigos 18, 19 e 20 revelam que não há citação do
Advogado-Geral da União no processo instaurado por força da ação
declaratória de constitucionalidade.
11. JULGAMENTO
Prestadas as eventuais informações requisitadas, realizadas as
audiências eventualmente designadas e findas as eventuais diligências
determinadas pelo Ministro-Relator, há a concessão de vista ao Procurador-
Geral da República, para apresentação do respectivo parecer sobre o
processo.
Após, o Ministro-Relator elabora o relatório, com a exposição da petição
inicial, das eventuais informações, audiências e diligências, e do parecer do
Procurador-Geral da República, o Ministro-Relator determina a extração de
cópias para os demais Ministros da Corte e pede dia para julgamento ao
Ministro-Presidente63.
Incluído o processo em pauta por ordem do Ministro-Presidente, há a
publicação do dia e do horário da sessão plenária da Corte no Diário da Justiça
eletrônico.
À vista do artigo 22 da Lei nº 9.868, de 1999, presentes pelo menos oito
Ministros no dia e horário designados para a sessão plenária da Corte, o
Ministro-Presidente dá início ao julgamento do processo da ação declaratória
de constitucionalidade.
Proferidos todos os votos, o Ministro-Presidente proclama a resultado do
julgamento, conforme a maioria absoluta tenha se formado em prol da
declaração da constitucionalidade ou da inconstitucionalidade da lei ou do ato
normativo federal. Na primeira hipótese, há a procedência do pedido do autor
da ação declaratória de constitucionalidade; na segunda, o julgamento é de 62
Como ocorreu, por exemplo, no processo da ação declaratória de constitucionalidade nº 12/DF. 63
Cf. artigo 20, caput, da Lei nº 9.868, de 1999.
improcedência, conforme se infere do artigo 24 da Lei nº 9.868, de 1999: ―Art.
24. Proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á improcedente a ação direta
ou procedente eventual ação declaratória; e, proclamada a
inconstitucionalidade, julgar-se-á procedente a ação direta ou improcedente
eventual ação declaratória‖.
Em regra, o julgamento definitivo proferido em processo de ação
declaratória de constitucionalidade tem efeitos ex tunc, erga omnes e
vinculante em relação aos juízos e tribunais do Poder Judiciário e aos órgãos e
entidades integrantes do Poder Executivo, tanto da administração direta quanto
indireta, nas esferas federal, estadual, distrital e municipal, tudo nos termos do
artigo 102, § 2º, da Constituição Federal64-65.
Não obstante, o artigo 27 da Lei nº 9.868 confere aos Ministros da
Suprema Corte a possibilidade da modulação temporal, com o afastamento da
regra consubstanciada no efeito ex tunc, desde que assim votem pelo menos
oito Ministros, seja pela produção de efeito ex nunc, seja por outro momento
temporal para o início da eficácia da declaração da inconstitucionalidade.
Em suma, o resultado do julgamento – pela constitucionalidade ou pela
inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo federal – se dá à vista da
maioria absoluta de seis Ministros; já a modulação temporal que implique
afastamento da regra consubstanciada no efeito ex tunc depende da maioria
qualificada de dois terços, vale dizer, oito Ministros.
12. RECORRIBILIDADE DO JULGAMENTO
Os julgados do Plenário do Supremo Tribunal Federal proferidos nos
processos de ação declaratória de constitucionalidade são recorríveis apenas
mediante embargos de declaração. Não há lugar para nenhuma outra espécie
recursal, nem mesmo para a interposição de embargos infringentes, na
eventualidade de alguma divergência durante a votação na sessão plenária.
Sem dúvida, o único recurso autorizado no artigo 26 da Lei nº 9.868 é o
previsto no artigo 535 do Código de Processo Civil: embargos de declaração.
13. AÇÃO RESCISÓRIA: IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA
Por força do artigo 26 da Lei nº 9.868, de 1999, não é admissível ação
rescisória contra julgado proferido em ação declaratória de constitucionalidade.
Na verdade, nenhum julgamento proferido em controle concentrado de
constitucionalidade é passível de impugnação mediante ação rescisória.
64
Em virtude do efeito vinculante, eventual desrespeito ao julgado pode ensejar reclamação ao Supremo Tribunal Federal, para assegurar a autoridade e o efetivo cumprimento da decisão da Corte. 65
Vale ressaltar, todavia, que o efeito vinculante não alcança nenhuma das Casas do Poder Legislativo, as quais preservam o poder legiferante de forma integral, motivo pelo é juridicamente possível a aprovação de emenda constitucional ulterior para modificar o texto objeto do julgamento no Supremo Tribunal Federal.
14. AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE EM
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A despeito do silêncio do constituinte federal, o princípio da simetria
consagrado no caput do artigo 125 da Constituição de 1988 autoriza a
reprodução da competência dos Tribunais de Justiça, para o processamento e
julgamento de ações declaratórias de constitucionalidade de leis e atos
normativos locais à luz das Constituições dos Estados e da Lei Orgânica do
Distrito Federal, conforme o caso.
O raciocínio também encontra sustentação no artigo 30 da Lei nº 9.868,
de 1999, especialmente no § 4º e o respectivo inciso I, nos quais o legislador
federal prevê ―ações diretas de constitucionalidade‖ ―perante o Tribunal de
Justiça do Distrito Federal e Territórios‖. Na mesma esteira, o artigo 8º, inciso I,
alínea ―o‖, da Lei nº 11.697, de 2008, dispõe sobre a competência do Tribunal
de Justiça para processar e julgar originariamente ―a ação declaratória de
constitucionalidade de lei ou ato normativo do Distrito Federal em face de sua
Lei Orgânica‖.
Sob todos os prismas, portanto, é lícito concluir em prol da competência
dos Tribunais de Justiça para o processamento e julgamento de ações
declaratórias de constitucionalidade de leis e atos normativos locais à luz das
Constituição dos Estados e da Lei Orgânica do Distrito Federal,
respectivamente.
CAPÍTULO IV
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO CONSTITUCIONAL
1. PRECEITOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS DE REGÊNCIA
A arguição de descumprimento de preceito fundamental está prevista no
artigo 102, § 1º, da Constituição Federal, e regulamentada na Lei nº 9.882, de
1999.
Com efeito, a arguição de descumprimento de preceito fundamental é
instituto originário da Constituição de 1988, sem similar nas Constituições e
Cartas anteriores, mas que só foi regulamentado em 1999, por força da Lei nº
9.882.
2. NATUREZA JURÍDICA
A arguição de descumprimento de preceito fundamental tem natureza
jurídica de ação. Trata-se de ação de competência originária do Supremo
Tribunal Federal, de modo a instaurar processo de controle concentrado de
constitucionalidade na Corte Suprema.
Não obstante, trata-se de ação subsidiária, porquanto só é admissível na
falta de outra via processual idônea para impugnar ato inconstitucional
proveniente de ente ou órgão do Poder Público. A propósito da subsidiariedade
que caracteriza a arguição de descumprimento de preceito fundamental, vale
conferir o disposto no § 1º do artigo 4º da Lei nº 9.882, de 1999, in verbis: ―§
1o Não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental
quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade‖.
A arguição de descumprimento de preceito fundamental, portanto, é
ação subsidiária cujo escopo é completar o sistema de controle concentrado de
constitucionalidade dos atos oriundos do Poder Público66.
3. CONCEITO E ADMISSIBILIDADE
À vista da Lei nº 9.882, de 1999, a arguição de descumprimento de
preceito fundamental é ação de competência originária do Supremo Tribunal
Federal cabível para ―evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante
de ato do Poder Público‖, salvo ―quando houver qualquer outro meio eficaz de
sanar a lesividade‖.
Por conseguinte, a ação de arguição de descumprimento de preceito
fundamental é admissível para sustentar a constitucionalidade ou a
66
De acordo, na jurisprudência: ―II - A argüição de descumprimento de preceito fundamental é regida pelo princípio da subsidiariedade a significar que a admissibilidade desta ação constitucional pressupõe a inexistência de qualquer outro meio juridicamente apto a sanar, com efetividade real, o estado de lesividade do ato impugnado.‖ (ADPF nº 134/CE – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça Eletrônico de 6 de agosto de 2009).
inconstitucionalidade das leis e dos atos normativos federais ou locais que
sejam anteriores à Constituição de 1988, e também a constitucionalidade ou a
inconstitucionalidade das leis e dos atos normativos municipais posteriores (a
1988) em relação à Constituição Federal vigente, em razão da inadequação da
ação direta de inconstitucionalidade, da ação declaratória de
constitucionalidade e de outras vias processuais67.
Na mesma esteira, a arguição de descumprimento de preceito
fundamental também é admissível na hipótese prevista no enunciado nº 642 da
súmula do Supremo Tribunal Federal. Com efeito, diante da impossibilidade
jurídica de ação direta de inconstitucionalidade acerca de lei ou ato normativo
distrital de índole municipal objeto de contestação em face da Constituição
Federal, a arguição de descumprimento de preceito fundamental é a via
processual cabível na espécie.
Em contraposição, a arguição de descumprimento de preceito
fundamental não é admissível para impugnar decisões judiciais transitadas em
julgado, as quais são passíveis de impugnação mediante ação rescisória, via
processual específica cabível para desconstituir a coisa julgada. Daí a
incidência do ―princípio da subsidiariedade‖68.
A arguição de descumprimento de preceito fundamental não admissível
quando há desrespeito a enunciado sumular vinculante aprovado na Corte
Suprema, porquanto a via adequada é a reclamação constitucional. Também
não é admissível ação de arguição de descumprimento de preceito
fundamental cujo objeto seja a revisão ou o cancelamento de enunciado de
súmula vinculante, porquanto o procedimento administrativo adequado está
previsto na Lei nº 11.417 e no Regimento Interno do Supremo Tribunal
Federal69.
À vista do exposto, é lícito conceituar a arguição de descumprimento de
preceito fundamental como a ação de natureza subsidiária que integra o
controle concentrado de constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal
Federal, para a impugnação dos atos dos entes e órgãos do Poder Público que
estão fora do alcance de outras vias processuais existentes no ordenamento
jurídico.
67
Cf. artigo 1º, parágrafo único, inciso I, da Lei nº 9.882, de 1999. 68
De acordo, na jurisprudência: ―CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. VINCULAÇÃO DO REAJUSTE DA REMUNERAÇÃO DE SERVIDORES PÚBLICOS AO SALÁRIO MÍNIMO. COISA JULGADA. NORMAS QUE PERDERAM SUA VIGÊNCIA. PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE. AGRAVO IMPROVIDO. I - O presente caso objetiva a desconstituição de decisões judiciais, dentre as quais muitas já transitadas em julgado, que aplicaram índice de reajuste coletivo de trabalho definido pelos Decretos Municipais 7.153/1985, 7.182/1985, 7.183/1985, 7.251/1985, 7.144/1985, 7.809/1988 e 7.853/1988, bem como pela Lei Municipal 6.090/86, todos do Município de Fortaleza/CE. Este instituto de controle concentrado de constitucionalidade não tem como função desconstituir coisa julgada.‖ (ADPF nº 134/CE – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça Eletrônico de 6 de agosto de 2009, sem os grifos no original). 69
De acordo, na jurisprudência: ―2. A arguição de descumprimento de preceito fundamental não é a via adequada para se obter a interpretação, a revisão ou o cancelamento de súmula vinculante.‖ (ADPF nº 147/DF – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça eletrônico de 7 de abril de 2011).
4. LEGITIMIDADE ATIVA
À vista do artigo 2º, inciso I, da Lei nº 9.882, de 1999, a legitimidade para
a propositura da ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental
é equiparada à legitimidade ativa para a ação direta de inconstitucionalidade e
para a ação declaração de constitucionalidade, com a igual aplicação, portanto,
do disposto no artigo 103 da Constituição Federal. Por conseguinte, a ação de
arguição de descumprimento de preceito fundamental só pode ser ajuizada
pelo Presidente da República, pelas Mesas do Senado e da Câmara dos
Deputados, pelas Mesas das Assembleias Legislativas dos Estados e da
Câmara Legislativa do Distrito Federal, pelos Governadores dos Estados e do
Distrito Federal, pelo Procurador-Geral da República, pelo Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil, por partido político com representação no
Congresso Nacional e por confederação sindical ou entidade de classe de
âmbito nacional.
Não obstante, as Mesas das Assembleias Legislativas dos Estados e da
Câmara Legislativa do Distrito Federal, os Governadores dos Estados e do
Distrito Federal, as confederações sindicais e as entidades de classe nacionais
só têm legitimidade ativa para ajuizar ações de arguição de descumprimento de
preceito fundamental que versem sobre os respectivos direitos e atribuições
institucionais, com a demonstração da pertinência temática70. Em
contraposição, o Presidente da República, as Mesas do Senado e da Câmara
dos Deputados, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil e os partidos políticos com representação no
Congresso Nacional têm legitimidade ativa ampla, independentemente da
pertinência temática das ações que propõem com os respectivos direitos e
atribuições institucionais.
Em suma, apenas os legitimados ativos para a ação direta de
inconstitucionalidade – e, por consequência, para a ação declaratória de
constitucionalidade – podem aviar a arguição de descumprimento de preceito
fundamental71.
5. FUNGIBILIDADE DAS VIAS DE CONTROLE CONCENTRADO DE
CONSTITUCIONALIDADE: POSSIBILIDADE
70
Cf. ADPF nº 144/DF, Pleno do STF, Diário da Justiça eletrônico de 25 de fevereiro de 2010. 71
De acordo, na jurisprudência: ―LEGITIMIDADE. Ativa. Inexistência. Ação por descumprimento de preceito fundamental (ADPF). Prefeito municipal. Autor não legitimado para ação direta de inconstitucionalidade. Ilegitimidade reconhecida. Negativa de seguimento ao pedido. Recurso, ademais, impertinente. Agravo improvido. Aplicação do art. 2º, I, da Lei federal nº 9.882/99. Precedentes. Quem não tem legitimidade para propor ação direta de inconstitucionalidade, não a tem para ação de descumprimento de preceito fundamental.‖ (ADPF nº 148/SP – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça Eletrônico de 5 de fevereiro de 2009, sem o grifo no original). ―Agravo regimental em argüição de descumprimento de preceito fundamental. 2. Ação proposta por particular. 3. Ausência de legitimidade. Somente podem propor ADPF os legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade (art. 2º, I, da Lei nº 9.882/99).‖ (ADPF nº 11/SP – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça de 5 de agosto de 2005, p. 6, sem o grifo no original).
Ao contrário do que pode parecer à vista das Leis nºs 9.868 e 9.882, de
1999, a ação direta de inconstitucionalidade, a ação declaratória de
constitucionalidade, a ação de arguição de descumprimento de preceito
fundamental e as outras espécies que integram o controle concentrado de
constitucionalidade da competência originária do Supremo Tribunal Federal
podem ser convertidas na via adequada. Não obstante, a fungibilidade
depende da existência na via eleita de todos os requisitos de admissibilidade
da via adequada, como a legitimidade ativa72.
6. PETIÇÃO INICIAL
A petição inicial da arguição de descumprimento de preceito
fundamental deve ser elaborada à luz do artigo 3º da Lei nº 9.882, de 1999, e
ser veiculada na forma eletrônica prevista no artigo 18 da Resolução nº 421, de
200973.
A petição inicial deve ser endereçada ao Supremo Tribunal Federal,
mais especificamente, ao Ministro-Presidente da Corte Suprema, a quem
compete distribuir o processo ao Ministro-Relator.
À vista do artigo 3º da Lei nº 9.882, de 1999, a petição inicial deve conter
a precisa indicação do ―preceito fundamental que se considera violado‖, do ―ato
questionado‖, da ―prova da violação do preceito fundamental‖, ―o pedido, com
suas especificações‖ e, ―se for o caso, a comprovação da existência de
controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que
se considera violado‖, como em caso de pedido de declaração de
constitucionalidade de lei ou ato normativo estadual, distrital ou municipal à luz
da Constituição Federal.
Ainda em relação aos pedidos que podem ser veiculado na petição
inicial da arguição de descumprimento de preceito fundamental, o autor
também pode requerer a concessão de medida liminar, com fundamento nos
artigos 5º e 6º da Lei nº 9.882, de 1999.
No que tange aos documentos eletrônicos que devem instruir a petição
inicial, deve estar ―acompanhada de instrumento de mandato‖ outorgado em
prol do advogado constituído para a causa74.
72
De acordo, na jurisprudência: ―1. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Impropriedade da ação. Conversão em Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF. Admissibilidade. Satisfação de todos os requisitos exigidos à sua propositura. Pedido conhecido como tal. Aplicação do princípio da fungibilidade. Precedentes. É lícito conhecer de ação direta de inconstitucionalidade como argüição de descumprimento de preceito fundamental, quando coexistentes todos os requisitos de admissibilidade desta, em caso de inadmissibilidade daquela.‖ (ADI nº 4.180/DF – MC – REF, Pleno do STF, Diário da Justiça eletrônico de 15 de abril de 2010). 73
―Art. 18. As classes processuais Reclamação (RCL), Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e Proposta de Súmula Vinculante (PSV) passam a ser processadas, exclusivamente, no sistema eletrônico do STF (e-STF ).‖ (sem os grifos no original). 74
Por óbvio, o requisito não é aplicável quando a ação é ajuizada pelo Procurador-Geral da República, porquanto os promotores e procuradores do Ministério Público são dotados de capacidade postulatória ex vi legis.
Por fim, cabe ao Ministro-Relator proferir juízo de admissibilidade da
petição inicial. Se constatar a manifesta inadequação da via eleita, a carência
de fundamentos, a total improcedência do pedido ou irregularidades formais
insanáveis na petição inicial, o Ministro-Relator indefere a petição inicial
liminarmente, com fundamento no artigo 4º da Lei nº 9.882, de 1999, por meio
de decisão monocrática, contra a qual cabe recurso de agravo interno ou
regimental, no prazo de cinco dias, para o Plenário da Corte Suprema. Em
contraposição, se a petição inicial estiver ―em termos‖, o Ministro-Relator
determina o processamento, conforme a veiculação de pedido de medida
liminar, ou não.
7. MEDIDA CAUTELAR LIMINAR
Como já anotado, há possibilidade de provimento jurisdicional liminar no
processo de arguição de descumprimento de preceito fundamental, até mesmo
para que juízes e tribunais suspendam o andamento de processos em
tramitação, tendo em vista a expressa previsão da medida nos artigos 5º e 6º
da Lei nº 9.882, de 1999.
Antes da deliberação sobre a medida requerida pelo autor, todavia, o
Ministro-Relator ―poderá ouvir os órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato
questionado, bem como o Advogado-Geral da União ou o Procurador-Geral da
República, no prazo comum de cinco dias‖75.
Em regra, a decisão sobre a medida liminar deve ser tomada em sessão
plenária do Supremo Tribunal Federal, à luz dos votos da maioria absoluta dos
Ministros da Corte, conforme o disposto no caput do artigo 5º da Lei nº 9.882,
de 1999: ―Art. 5o O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta
de seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar na argüição de
descumprimento de preceito fundamental‖.
Não obstante, há possibilidade do deferimento da medida liminar
mediante decisão monocrática do Ministro-Relator ou do Ministro-Presidente
nas hipóteses excepcionais previstas no § 1º do artigo 5º da Lei nº 9.882, de
1999, condicionada à posterior ratificação em sessão plenária da Corte, assim
que possível76.
8. PROCEDIMENTO E JULGAMENTO
Admitida a petição inicial, com ou sem deferimento de medida liminar, o
Ministro-Relator deve conduzir e instruir o processo da arguição de
descumprimento de preceito fundamental rumo ao Plenário da Corte.
A despeito das eventuais manifestações, informações e pareceres já
apresentados no quinquídio previsto no § 2º do artigo 5º da Lei nº 9.882, de
75
Artigo 5º, § 2º, da Lei nº 9.882, de 1999. 76
Por exemplo, assim que retomados os trabalhos dos Ministros no Supremo Tribunal Federal, após as férias forenses.
1999, cabe ao Ministro-Relator solicitar informações às autoridades
responsáveis pela prática do ato questionado, para que possam ser prestadas
em dez dias77.
Apresentadas as informações, o Ministro-Relator deve abrir vista ao
Procurador-Geral da República, pelo prazo de cinco dias. Segundo o parágrafo
único do artigo 7º na Lei nº 9.882, de 1999, a abertura de vista só tem lugar nos
processos nos quais o Procurador-Geral da República atua na qualidade de
custos legis, e não como autor da arguição.
Também cabe ao Ministro-Relator decidir sobre eventuais requerimentos
de interessados no processo, bem como autorizar a juntada de memoriais e a
sustentação oral das respectivas alegações.
O Ministro-Relator também pode nomear perito para emitir laudo e
designar audiência para ouvir pessoas especialistas na matéria sob
julgamento.
Finda a instrução, o Ministro-Relator lança o relatório, determina a
extração de cópias aos demais Ministros e pede a inclusão do processo em
pauta ao Ministro-Presidente.
No dia e no horário previstos na pauta, o Ministro-Presidente dá início ao
julgamento do processo, desde que ―presentes na sessão pelo menos dois
terços dos Ministros‖, vale dizer, oito Ministros. É o quorum constitutivo,
necessário para a realização do julgamento.
Presentes oito ou mais Ministros, o Presidente dá início ao julgamento,
com a leitura do relatório pelo Ministro-Relator. Após, há as sustentações orais,
as discussões e as prolações dos votos.
Colhidos os votos, o Ministro-Presidente deve anunciar o resultado, à luz
da maioria absoluta formada durante o julgamento, com a declaração da
constitucionalidade ou da inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo
impugnado, conforme o caso.
À vista dos artigos 10, § 3º, e 13 da Lei nº 9.882, de 1999, os
julgamentos definitivos proferidos no Supremo Tribunal Federal nos processos
de arguição de descumprimento de preceito fundamental têm efeitos ex tunc,
erga omnes e vinculante, com a consequente possibilidade de reclamação à
Corte, na eventualidade de desrespeito ao que foi julgado.
Não obstante, os efeitos do julgamento podem ser modificados por força
da maioria qualificada de dois terços. Sem dúvida, os efeitos do julgamento
podem ser alterados por ―razões de segurança jurídica ou de excepcional
interesse social‖, se assim votarem pelo menos oito Ministros. A autorização
para a modulação dos efeitos consta do artigo 11 da Lei nº 9.882, in verbis:
―Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no
processo de argüição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em
77
Cf. artigo 6º, caput, da Lei nº 9.882, de 1999: ―Art. 6o Apreciado o pedido de liminar, o relator solicitará
as informações às autoridades responsáveis pela prática do ato questionado, no prazo de dez dias‖.
vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o
Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros,
restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a
partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado‖.
Por fim, o artigo 12 da Lei nº 9.882 consagra a irrecorribilidade e a
imutabilidade dos julgamentos definitivos proferidos no Supremo Tribunal
Federal nos processos de arguição de descumprimento de preceito
fundamental, in verbis: ―Art. 12. A decisão que julgar procedente ou
improcedente o pedido em arguição de descumprimento de preceito
fundamental é irrecorrível, não podendo ser objeto de ação rescisória‖. Não
obstante, sustenta-se, no presente compêndio, o cabimento do recurso de
embargos de declaração, a fim de que os direitos – à publicidade e à
fundamentação – consagrados no inciso IX do artigo 93 da Constituição
Federal também sejam observados nos julgamentos proferidos nos processos
de arguição de descumprimento de preceito fundamental.
CAPÍTULO V
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO
1. PRECEITOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS DE REGÊNCIA
A ação direta de inconstitucionalidade por omissão está prevista no § 2º
do artigo 103 da Constituição Federal e nos artigos 12-A a 12-H da Lei nº
9.868, de 1999, acrescentados pela Lei nº 12.063, de 2009. Trata-se de
inovação do constituinte de 1987 e 1988 em relação às Constituições e Cartas
pretéritas, a fim de conferir ao Supremo Tribunal Federal competência
originária para exercer o controle da constitucionalidade das omissões
legislativas e administrativas dos entes e órgãos públicos no tocante à
regulamentação e disponibilização dos direitos consagrados na Constituição
Federal.
Por fim, vale ressaltar que os artigos 12-E e 12-H, § 3º, ambos da Lei nº
9.868, de 1999, acrescentados por força da Lei nº 12.063, de 2009,
determinam a aplicação das regras gerais do processo da ação direta de
inconstitucionalidade ao processo da ação direta de inconstitucionalidade por
omissão.
2. CONCEITO, ESCOPO E ADMISSIBILIDADE
A ação direta de inconstitucionalidade por omissão é a ação de
competência originária do Supremo Tribunal Federal adequada para a
declaração da mora legislativa proveniente da ausência de regulamentação de
preceitos constitucionais de eficácia limitada, bem como da mora
administrativa, quando a omissão em relação ao cumprimento da Constituição
Federal tem lugar em entes ou órgãos da Administração Pública. É, portanto, a
ação que compõe o sistema de controle concentrado de constitucionalidade
exercido pelo Supremo Tribunal Federal cabível para a declaração da
inconstitucionalidade diante da omissão legislativa ou administrativa de ente ou
órgão público em relação a direitos previstos na Constituição Federal78.
78
Assim, na jurisprudência: ―DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO - MODALIDADES DE COMPORTAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER PÚBLICO. - O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um facere (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação. - Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non facere ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público.‖ (ADI nº 1.439/DF – MC, Pleno do STF, Diário da Justiça de 30 de maio de 2003, p. 28, sem o grifo no original). ―6. Quando o poder público se abstém do dever de cumprir a Constituição, cabe ação direta de inconstitucionalidade por omissão
Em contraposição, se o preceito da Constituição Federal tem eficácia
imediata, sem depender de regulamentação alguma, não há lugar para a ação
direta de inconstitucionalidade por omissão79. Sem dúvida, a eventual omissão
dos entes e órgãos públicos em relação a direitos de eficácia plena previstos
na Constituição pode ensejar mandado de segurança, mas não a ação direta
de inconstitucionalidade por omissão.
A ação direta de inconstitucionalidade por omissão também não é
admissível quando o preceito constitucional já foi objeto de regulamentação80.
Eventual descompasso entre a lei ou o ato normativo de regulamentação e o
preceito constitucional regulamentado pode ensejar ação direta de
inconstitucionalidade, mas nunca a ação de inconstitucionalidade por omissão.
Em síntese, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão é ação
de controle concentrado de constitucionalidade da competência do Supremo
Tribunal Federal cujo escopo é a declaração da inconstitucionalidade da mora
legislativa ou administrativa de ente ou órgão público na regulamentação ou
efetivação de direito previsto na Constituição Federal.
3. LEGITIMIDADE ATIVA
A ação direta de inconstitucionalidade por omissão pode ser ajuizada
pelos legitimados arrolados no artigo 103 da Constituição Federal. Na mesma
esteira, o artigo 12-A da Lei nº 9.868 estabelece que os legitimados ativos são
os mesmos que podem ajuizar a ação direta de inconstitucionalidade e a ação
declaratória de constitucionalidade. Por conseguinte, a ação direta de
inconstitucionalidade por omissão pode ser proposta pelo Presidente da
República, pelas Mesas do Senado e da Câmara dos Deputados, pelas Mesas
das Assembleias Legislativas dos Estados e da Câmara Legislativa do Distrito
Federal, pelos Governadores dos Estados e do Distrito Federal, pelo
Procurador-Geral da República, pelo Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil, por partido político com representação no Congresso
Nacional e por confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
Por oportuno, vale ressaltar a importante diferença que existe entre a
ação direta de inconstitucionalidade por omissão e o mandado de injunção em
relação à legitimidade ativa: a ação direta de inconstitucionalidade por omissão
só pode ser ajuizada por algum dos legitimados ativos arrolados no artigo 103
da Constituição Federal, enquanto o mandado de injunção pode ser impetrado
(CF, artigo 103, § 2º).‖ (MS nº 23.914/DF – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça de 24 de agosto de 2001, p. 48). 79
Assim, na jurisprudência: ―- Ação direta de inconstitucionalidade por omissão, de que não se conhece, por ser auto-aplicável o dispositivo constitucional (art. 20 do ADCT), cuja possibilidade de cumprimento pretende o Requerente ver suprida.‖ (ADI nº 297/DF, Pleno do STF, Diário da Justiça de 8 de novembro de 1996, p. 43.199). 80
De acordo, na jurisprudência: ―AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSAO. ARTS. 203, V, E 204, DA CF/88. Dispositivos que já se acham regulamentados pela superveniente Lei n. 8.745/93. Pedido prejudicado.‖ (ADI nº 877/DF, Pleno do STF, Diário da Justiça de 27 de outubro de 1995, p. 36.331).
por qualquer pessoa – física ou jurídica – cujo direito subjetivo previsto na
Constituição Federal depende de regulamentação legislativa para ser exercido.
4. DESISTÊNCIA DA AÇÃO PROPOSTA: IMPOSSIBILIDADE
A ação direta de inconstitucionalidade por omissão não é passível de
desistência. A propósito, vale conferir o artigo 12-D da Lei nº 9.868, de 1999,
acrescentado pela Lei nº 12.063, de 2009: ―Art. 12-D. Proposta a ação direta de
inconstitucionalidade por omissão, não se admitirá desistência‖.
5. FUNGIBILIDADE DAS VIAS DE CONTROLE CONCENTRADO DE
CONSTITUCIONALIDADE: POSSIBILIDADE
A despeito da omissão das Leis nºs 9.868, de 1999, e 12.063, de 2009,
o princípio da fungibilidade é aplicável em relação às ações que formam o
sistema de controle concentrado de constitucionalidade de competência do
Supremo Tribunal Federal. Sem dúvida, satisfeitos os requisitos de
admissibilidade, como a legitimidade ativa, a ação de controle concentrado de
constitucionalidade inadequada à espécie merece ser convertida e processada
de forma regular. Daí a perfeita conversibilidade de ação direta de
inconstitucionalidade em ação de inconstitucionalidade por omissão e vice-
versa81.
6. PETIÇÃO INICIAL
A petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade por omissão
deve ser elaborada de acordo com o disposto no artigo 12-B da Lei nº 9.868,
de 1999, acrescentado pela Lei nº 12.063, de 2009.
À vista do inciso I do artigo 12-B, o autor deve indicar na petição inicial
―a omissão inconstitucional total ou parcial quanto ao cumprimento de dever
constitucional de legislar ou quanto à adoção de providência de índole
administrativa‖, sob pena de indeferimento liminar.
O autor também deve formular os pedidos, com as especificações
cabíveis82. Ainda em relação aos pedidos, o autor pode requerer a concessão
de medida cautelar in limine litis, a qual ―poderá consistir na suspensão da
aplicação da lei ou do ato normativo questionado, no caso de omissão parcial,
bem como na suspensão de processos judiciais ou de procedimentos
administrativos, ou ainda em outra providência a ser fixada pelo Tribunal‖83.
A petição inicial deve ser endereçada ao Ministro-Presidente do
Supremo Tribunal Federal e protocolizada de forma eletrônica, conforme o
81
De acordo, na jurisprudência: ―Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI n.° 875/DF, ADI n.° 1.987/DF, ADI n.° 2.727/DF e ADI n.° 3.243/DF). Fungibilidade entre as ações diretas de inconstitucionalidade por ação e por omissão.‖ (ADI nº 875/DF, Pleno do STF, Diário da Justiça eletrônico de 29 de abril de 2010). 82
Cf. artigo 12-B, inciso II, da Lei nº 9.868, de 1999, acrescentado pela Lei nº 12.063, de 2009. 83
Artigo 12-F, § 1º, da Lei nº 9.868, de 1999, acrescentado pela Lei nº 12.063, de 2009.
disposto no artigo 18 da Resolução nº 421, de 200984, já com os documentos
eletrônicos ―necessários para comprovar a alegação de omissão‖ e
―acompanhada do instrumento de procuração, se for o caso‖, em cumprimento
ao artigo 12-B, parágrafo único, da Lei nº 9.868, de 1999, acrescentado pela
Lei nº 12.063, de 2009.
Distribuída a petição inicial pelo Ministro-Presidente, há a conclusão ao
Ministro-Relator designado, a quem compete proferir o juízo de admissibilidade
previsto no artigo 12-C da Lei nº 9.868, de 1999, acrescentado pela Lei nº
12.063, de 2009. Assim, na eventualidade de inépcia da petição inicial,
ausência de fundamentação ou manifesta improcedência, cabe ao Ministro-
Relator indeferir desde logo a petição inicial e extinguir o processo mediante
decisão monocrática.
Não obstante, o autor pode recorrer mediante agravo interno ou
regimental, no prazo de cinco dias, com fundamento no artigo 12-C, parágrafo
único, da Lei nº 9.868, de 1999, a fim de que o Plenário decida sobre a
admissibilidade da ação.
Por fim, se a petição inicial estiver ―em termos‖, o Ministro-Relator a
admite e determina o processamento da ação à vista do artigo 12-F ou do
artigo 12-E, ambos da Lei nº 9.868, de 1999, conforme o autor tenha formulado
pedido cautelar, ou não, respectivamente.
7. MEDIDA CAUTELAR LIMINAR
Até o advento da Lei nº 12.063, de 2009, subsistiu a orientação
jurisprudencial da Corte Suprema proibitória de medida cautelar liminar em
processo de ação direta de inconstitucionalidade por omissão85. Em 2009,
entretanto, com a superveniência da Lei nº 12.063, houve um giro de cento e
oitenta graus, porquanto os artigos 12-F e 12-G foram incluídos no bojo da Lei
nº 9.868, para permitir a concessão de medida cautelar liminar em processo de
ação de inconstitucionalidade por omissão, para a suspensão da aplicação da
lei ou do ato normativo questionado, para a suspensão de processos judiciais e
procedimentos administrativos ou para a fixação de outra providência
determinada pela maioria absoluta dos Ministros que integram o Supremo
Tribunal Federal.
84
―Art. 18. As classes processuais Reclamação (RCL), Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e Proposta de Súmula Vinculante (PSV) passam a ser processadas, exclusivamente, no sistema eletrônico do STF (e-STF ).‖ (sem os grifos no original). 85
Cf. ADI nº 1.458/DF – MC, Pleno do STF, Diário da Justiça de 20 de setembro de 1996, p. 34.531: ―INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO - DESCABIMENTO DE MEDIDA CAUTELAR. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de proclamar incabível a medida liminar nos casos de ação direta de inconstitucionalidade por omissão (RTJ 133/569, Rel. Min. MARCO AURÉLIO; ADIn 267-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO), eis que não se pode pretender que mero provimento cautelar antecipe efeitos positivos inalcançáveis pela própria decisão final emanada do STF.‖ (sem os grifos no original).
Por fim, vale ressaltar que a superveniência da Lei nº 12.063 gerou mais
uma diferença em relação ao mandado de injunção, cujo processo não
comporta medida cautelar liminar.
8. PROCEDIMENTO E JULGAMENTO
Admitida a petição inicial, cabe ao Ministro-Relator submeter o eventual
pedido de medida cautelar liminar ao Plenário da Corte, mas antes pode
determinar a intimação pessoal e abrir vista ao Procurador-Geral da República,
pelo prazo de três dias, se julgar indispensável a prévia oitiva do Chefe do
Ministério Público86.
Também cabe ao Ministro-Relator conduzir e instruir o processo da ação
direta de inconstitucionalidade por omissão até o julgamento definitivo pelo
Plenário da Corte. Para tanto, o Ministro-Relator pode deferir a manifestação
de outros legitimados ativos interessados no processo, admitir o ingresso de
terceiro na qualidade de amicus curiae, nomear perito, designar audiência para
a oitiva de pessoas e especialistas, bem como ―solicitar a manifestação do
Advogado-Geral da União, que deverá ser encaminhada no prazo de 15
(quinze) dias‖87. Vale ressaltar que o Advogado-Geral da União não é citado
para oferecer defesa, mas pode ser intimado para apresentar manifestação, se
assim o Ministro-Relator julgar conveniente.
Finda a instrução, o Ministro-Relator deve abrir vista ao Procurador-
Geral da República, pelo prazo de quinze dias. À vista do parecer, o Ministro-
Relator lança o relatório, determina a extração de cópias aos demais Ministros
e pede a inclusão do processo em pauta ao Ministro-Presidente.
No dia e no horário previstos na pauta, o Ministro-Presidente dá início ao
julgamento do processo, desde que ―presentes na sessão pelo menos dois
terços dos Ministros‖, vale dizer, oito Ministros. É o quorum constitutivo,
necessário para a realização do julgamento88.
Presentes oito ou mais Ministros, o Presidente dá início ao julgamento,
com a leitura do relatório pelo Ministro-Relator. Após, há as sustentações orais,
as discussões e as prolações dos votos.
Colhidos os votos, o Ministro-Presidente deve anunciar o resultado, à luz
da maioria absoluta formada durante o julgamento.
Declarada a inconstitucionalidade por omissão legislativa, as autoridades
públicas inertes devem ser cientificadas da decisão, para a adoção das
providências necessárias, mas sem imposição de prazo muito menos
condenação em obrigação de fazer, porquanto o § 2º do artigo 103 da
Constituição e o artigo 12-H da Lei nº 9.868, de 1999, acrescido pela Lei nº
86
Artigo 12-F, § 2º, da Lei nº 9.868, de 1999, acrescentado pela Lei nº 12.063, de 2009. 87
Artigo 12-E, § 2º, da Lei nº 9.868, de 1999, acrescentado pela Lei nº 12.063, de 2009. 88
Com efeito, o disposto no artigo 22 da Lei nº 9.868 é igualmente aplicável ao processo da ação direta de inconstitucionalidade por omissão em razão tanto do genérico e amplo caput do artigo 12-F quanto do específico caput do artigo 12-H, expresso em relação ao artigo 22.
12.063, de 2009, não fixam nenhum prazo nem autorizam condenação alguma,
razão pela qual os Ministros do Supremo Tribunal Federal só podem declarar a
inconstitucionalidade por omissão legislativa e dar ciência às autoridades
públicas inadimplentes.
Já na hipótese de declaração de inconstitucionalidade por omissão
administrativa, as autoridades públicas inertes devem ser cientificadas para a
adoção das providências necessárias ―em trintas dias‖, conforme consta do
artigo 103, § 2º, in fine, da Constituição Federal, com o reforço do artigo 12-H,
§ 1º, da Lei nº 9.868, de 1999, acrescentado pela Lei nº 12.063, de 2009. A
subsistência da mora administrativa pode implicar crime de responsabilidade, a
ser apurado em posterior processo específico, nos termos do artigo 85, caput e
inciso VII, da Constituição, dos artigos 4º, caput e inciso VIII, 13, inciso I, e 74
da Lei nº 1.079, de 1950, e do artigo 1º, caput e inciso XIV, do Decreto-lei nº
201, de 1967.
Em suma, as consequências jurídicas do julgamento da ação direta de
inconstitucionalidade por omissão diferem conforme a origem da inércia.
Constatada a inércia das autoridades legiferantes, os Ministros do Supremo
Tribunal declaram a inconstitucionalidade resultante da omissão e dão ciência
às autoridades públicas inadimplentes, mas não sanam a mora legislativa
mediante aprovação de norma jurídica concreta89. Aqui reside a mais
importante diferença entre a ação direta de inconstitucionalidade por omissão e
o mandado de injunção, em cujo julgamento os Ministros do Supremo Tribunal
vão além da declaração da mora legislativa e decidem desde logo sobre a
norma jurídica aplicável ao caso concreto até o advento da regulamentação da
Constituição Federal por parte das autoridades públicas dotadas de iniciativa e
competências legislativas90.
9. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO
VERSUS MANDADO DE INJUNÇÃO
A despeito da semelhança dos institutos sob o prisma da finalidade
remota, qual seja, a declaração da mora na regulamentação de preceito
constitucional, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão não se
confunde com o mandado de injunção.
A primeira diferença digna de nota diz respeito à legitimação para a
causa. Enquanto toda e qualquer pessoa pode impetrar mandado de injunção,
89
De acordo, na jurisprudência: ―- A procedência da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, importando em reconhecimento judicial do estado de inércia do Poder Público, confere ao Supremo Tribunal Federal, unicamente, o poder de cientificar o legislador inadimplente, para que este adote as medidas necessárias à concretização do texto constitucional. - Não assiste ao Supremo Tribunal Federal, contudo, em face dos próprios limites fixados pela Carta Política em tema de inconstitucionalidade por omissão (CF, art. 103, § 2º), a prerrogativa de expedir provimentos normativos com o objetivo de suprir a inatividade do órgão legislativo inadimplente.‖ (ADI nº 1.458/DF – MC, Pleno do STF, Diário da Justiça de 20 de setembro de 1996, p. 34.531). 90
A propósito do mandado de injunção, o instituto é objeto de posterior capítulo específico.
a ação direta de inconstitucionalidade por omissão só pode ser ajuizada pelos
legitimados ativos arrolados no artigo 103 da Constituição Federal.
Em segundo lugar, o mandado de injunção e a ação direta de
inconstitucionalidade por omissão são espécies de diferentes classes de
controle de constitucionalidade. Enquanto a ação direta de
inconstitucionalidade por omissão é espécie de controle concentrado de
constitucionalidade, o mandado de injunção integra o controle difuso de
constitucionalidade.
Sob outro prisma, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão é
admissível à vista de mora legislativa na regulamentação de todo e qualquer
preceito constitucional de eficácia limitada. Já o mandado de injunção só é
admissível quando a inércia legislativa impede ―o exercício dos direitos e
liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à
soberania e à cidadania‖, conforme se infere da restrição constante do inciso
LXXI do artigo 5º da Constituição Federal.
Por fim, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão tem natureza
apenas declaratória, tanto de mora legislativa quanto de inércia administrativa,
mas não há o suprimento da omissão por parte do Supremo Tribunal Federal,
em virtude do disposto no § 2º do artigo 103 da Constituição Federal. Já o
mandado de injunção só é admissível para a declaração da mora legislativa na
regulamentação de preceito constitucional, mas há o suprimento da omissão
mediante a prolação de comando judiciário normativo específico para o caso
concreto, com eficácia até o advento da legislação geral e abstrata.
CAPÍTULO VI
REPRESENTAÇÃO INTERVENTIVA OU AÇÃO DIRETA INTERVENTIVA
1. INTERVENÇÃO E REPRESENTAÇÃO INTERVENTIVA:
CONCEITOS ELEMENTARES E DISTINÇÃO DOS INSTITUTOS
A intervenção é ato político-administrativo excepcional por meio do qual
um ente federativo perde temporariamente a respectiva autonomia, a fim de
que sejam restabelecidas a ordem constitucional e a normalidade institucional.
Com efeito, a regra reside na autonomia; a intervenção só tem lugar nas
hipóteses taxativas arroladas nos artigos 34 e 35 da Constituição Federal. A
intervenção, portanto, é excepcional no sistema federativo, marcado pela
autonomia dos entes componentes da Federação, como bem revelam o
proêmio tanto do artigo 34 quanto do artigo 35 da Constituição Federal.
No que tange à natureza, a intervenção é instituto jurídico material e
constitucional, por ser direito previsto na Constituição Federal em prol da
União, em relação aos Estados e ao Distrito Federal, e também dos Estados,
em relação aos respectivos Municípios, para a preservação do pacto federativo
e dos princípios institucionais consagrados na própria Constituição.
Já a representação interventiva é instituto de natureza processual e
constitucional, por ser a via prevista na Constituição Federal para a instauração
de processo cujo objeto é a intervenção, após e conforme a decisão judiciária a
ser proferida em cada caso. A representação interventiva, portanto, é ação. Daí
a justificativa para a outra denominação do instituto: ―ação direta interventiva‖.
2. INTERVENÇÃO: PRECEITOS DE REGÊNCIA E ESPÉCIES
Os artigos 34 e 35 da Constituição Federal cuidam das espécies de
intervenção. A primeira é a intervenção federal, da União em Estado ou no
Distrito Federal, consoante o disposto no artigo 34 da Constituição. A segunda
espécie é a intervenção estadual, de Estado em Município, conforme consta do
artigo 35 da Constituição.
Em razão da falta de previsão constitucional, não há possibilidade de
intervenção direta da União em Município situado em Estado: a intervenção em
Município situado em Estado só é admissível pelo próprio Estado, e nunca pela
União91. Na ausência da intervenção estadual, a União pode intervir no Estado
91
De acordo, na jurisprudência: STF, IF n. 590/CE – QO, Diário da Justiça de 9 de outubro de 1998, p. 5: ―IMPOSSIBILIDADE DE DECRETAÇÃO DE INTERVENÇÃO FEDERAL EM MUNICÍPIO LOCALIZADO EM ESTADO-MEMBRO. - Os Municípios situados no âmbito dos Estados-membros não se expõem à possibilidade constitucional de sofrerem intervenção decretada pela União Federal, eis que, relativamente a esses entes municipais, a única pessoa política ativamente legitimada a neles intervir é o Estado-membro. Magistério da doutrina. Por isso mesmo, no sistema constitucional brasileiro, falece legitimidade ativa à União Federal para intervir em quaisquer Município, ressalvados, unicamente, os Municípios ‗localizados em Território Federal...‘ (CF, art. 35, caput)‖. Como bem fundamentou o Ministro CELSO DE MELLO, ―no sistema constitucional brasileiro, não há possibilidade de a União intervir em quaisquer
omisso no qual está localizado o Município no qual se deu a quebra da
normalidade institucional. Não obstante, não há intervenção direta da União em
Município situado em Estado.
Também não existe intervenção distrital, efetuada pelo Distrito Federal,
em razão da impossibilidade da respectiva divisão em Municípios, ex vi do
proêmio do caput do artigo 32 da Constituição: ―O Distrito Federal, vedada sua
divisão em Municípios‖. Por conseguinte, o Distrito Federal pode sofrer
intervenção federal, mas jamais realizar a intervenção.
Em suma, há duas espécies de intervenção: – a intervenção federal, da
União em Estado ou no Distrito Federal, cuja iniciativa da representação
interventiva da competência do Supremo Tribunal Federal cabe ao Procurador-
Geral da República; – a intervenção estadual, de Estado em Município nele
situado, da competência do Tribunal de Justiça do respectivo Estado, por meio
de representação interventiva de iniciativa do Procurador-Geral de Justiça do
Estado92.
3. REPRESENTAÇÃO INTERVENTIVA: PRECEITOS DE REGÊNCIA E
ESPÉCIES
A representação interventiva está prevista tanto no artigo 36, inciso III,
quanto no artigo 35, inciso IV, ambos da Constituição Federal, como ação de
competência originária do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal de Justiça,
conforme a intervenção seja federal ou estadual, respectivamente. Há,
portanto, na Constituição Federal, a representação interventiva federal, da
competência do Supremo Tribunal Federal, constante do inciso III do artigo 36,
e a representação interventiva estadual, da competência de Tribunal de
Justiça, estampada no inciso IV do artigo 35.
Além da previsão constitucional, a representação interventiva também
está disciplinada na Lei nº 12.562, de 2011, diploma que regulamentou o inciso
III do artigo 36 da Constituição Federal, relativo à representação interventiva
federal, mas que também pode ser aplicado por analogia à representação
interventiva estadual prevista no inciso IV do artigo 35 da Constituição93.
Municípios, ressalvados, unicamente, os Municípios ‗localizados em Território Federal...‘ (CF, art. 35, caput). Desse modo, os Municípios situados no âmbito dos Estados-membros não se expõem à possibilidade constitucional de sofrerem intervenção decretada pela União Federal, eis que, relativamente a esses entes municipais, a única pessoa política ativamente legitimada a neles intervir é o Estado-membro‖. 92
Ad argumentandum tantum, vale ressaltar que o artigo 35 também dispõe sobre a intervenção da União em Município situado em Territórios Federais, consoante o disposto no proêmio do § 1º do artigo 33 da Constituição: ―Os Territórios poderão ser divididos em Municípios‖. Não obstante, apesar de ser possível a criação de Território à luz da Constituição de 1988, não há Território algum desde o advento da Constituição de 1988. Daí a precisa conclusão do Professor MANOEL JORGE E SILVA NETO: ―Contudo, tal regramento constitucional se apresenta bastante esvaziado, porquanto já se sabe que os antigos Territórios de Roraima e do Amapá foram transformados em Estados pela Constituição de 1988, enquanto o Território de Fernando de Noronha foi reincorporado ao Estado de Pernambuco (arts. 14 e 15 do ADCT).‖ (Curso de direito constitucional. 2006, p. 259). 93
Vale ressaltar que a interpretação analógica está expressamente autorizada no artigo 4º da denominada ―Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro‖.
4. REPRESENTAÇÃO INTERVENTIVA: NATUREZA JURÍDICA,
COMPETÊNCIA E TIPOS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
A representação interventiva tem natureza jurídica de ação, com a
consequente instauração de processo de competência originária de tribunal:
Supremo Tribunal Federal ou Tribunal de Justiça, conforme o pedido de
intervenção seja federal ou estadual.
Sob outro prisma, trata-se de ação que integra o sistema de controle
concentrado de constitucionalidade exercido tanto pelo Supremo Tribunal
Federal quanto pelos Tribunais de Justiça, para a aferição da
constitucionalidade de pedido de intervenção federal ou estadual,
respectivamente.
Embora seja concentrado no Supremo Tribunal Federal ou em Tribunal
de Justiça, conforme a espécie de intervenção, o controle de
constitucionalidade realizado por meio da ação direta interventiva não se limita
ao controle abstrato94. Sem dúvida, a representação interventiva autoriza tanto
o controle abstrato quanto o controle concreto, conforme se infere do inciso II
do artigo 3º da Lei nº 12.562, de 2011, in verbis: ―a indicação do ato normativo,
do ato administrativo, do ato concreto ou da omissão questionados‖.
Por oportuno, vale ressaltar que o disposto no inciso II do artigo 3º da
Lei nº 12.562 confirma importante asserção da teoria geral do controle de
constitucionalidade: nem todo controle concentrado é abstrato. Controle
concentrado significa limitação de competência a um ou alguns poucos órgãos
judiciários, como se dá na representação interventiva, ação de competência
originária apenas do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal de Justiça,
conforme a intervenção seja federal ou estadual. Em contraposição, o controle
difuso implica ampla distribuição de competência em prol de muitos órgãos
judiciários, de diferentes graus de jurisdição95. Sob outro prisma, controle
abstrato significa controle teórico, em tese, cujo objeto é o ato geral e
impessoal, como as leis por excelência; é o contrário, portanto, de controle
concreto, no qual há julgamento de um caso concreto, proveniente de ato
específico e pessoal. Em regra, o controle concentrado é abstrato e o controle
difuso é concreto. Não obstante, as regras comportam exceções, como ocorre
na representação interventiva, na qual o controle de constitucionalidade pode
ser, a um só tempo, concentrado e concreto96.
94
Diferente, portanto, da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade, nas quais o controle de constitucionalidade é sempre concentrado e abstrato. 95
Por exemplo, as ações de mandado de segurança e de habeas corpus podem ser da competência de juízo de primeiro grau, de tribunal de segundo grau, do Superior Tribunal de Justiça e até mesmo do Supremo Tribunal Federal, conforme a autoridade coatora e o paciente. Daí a conclusão: são ações que integram o controle difuso de constitucionalidade. 96
Não é só. Na arguição de descumprimento de preceito fundamental também há possibilidade de o controle concentrado ser concreto, a despeito de a regra ser a realização de controle abstrato, conforme se infere do artigo 1º, parágrafo único, inciso I, da Lei nº 9.882, de 1999, in verbis: ―Art. 1
o A argüição
prevista no § 1o do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e
terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público.
5. REPRESENTAÇÃO INTERVENTIVA: LEGITIMIDADE ATIVA
No que tange à legitimidade ativa, cabe apenas ao respectivo Chefe do
Ministério Público a iniciativa perante o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal
de Justiça competente, a fim de que o pedido de intervenção federal ou
estadual seja processado e julgado.
Com efeito, ao contrário das demais ações de controle concentrado de
constitucionalidade, as quais podem ser ajuizadas por qualquer um dos muitos
legitimados ativos do artigo 103 da Constituição Federal, a representação
interventiva só pode ser acionada pelo respectivo Chefe do Ministério Público,
porquanto o inciso IV do artigo 35 e o inciso III do artigo 36 da mesma
Constituição revelam a legitimidade ativa exclusiva do Procurador-Geral de
Justiça, para o acionamento do respectivo Tribunal de Justiça, na busca da
intervenção de Estado em Município, e do Procurador-Geral da República, para
o acionamento do Supremo Tribunal Federal, na busca de intervenção federal
da União em Estado ou no Distrito Federal, conforme o caso.
Em suma, trata-se de legitimidade ativa exclusiva, e não concorrente,
porquanto apenas o Procurador-Geral da República pode acionar o Supremo
Tribunal Federal, na busca da intervenção federal, e somente o Procurador-
Geral de Justiça pode aviar a representação estadual no Tribunal de Justiça.
6. REPRESENTAÇÃO INTERVENTIVA: CAUSAS DE PEDIR OU
HIPÓTESES DE CABIMENTO
A representação interventiva pode ter como alvo atos normativos, atos
concretos e atos omissivos, e pode ser fundada em diferentes causas de pedir.
O inciso III do artigo 36 da Constituição Federal e o artigo 2º da Lei nº 12.562
revelam as causas de pedir da representação interventiva da competência do
Supremo Tribunal Federal, para a intervenção federal da União em Estado ou
no Distrito Federal: – a recusa ao cumprimento da legislação federal em geral;
– a ofensa a princípio constitucional sensível constante do rol do inciso VII do
artigo 34 da Constituição Federal: a) forma republicana, sistema representativo,
regime democrático; b) direitos humanos; c) autonomia municipal; d)
fiscalização das contas públicas; e) aplicação de recursos públicos na saúde e
no ensino, conforme os percentuais mínimos previstos nos artigos 198, § 2º, e
212 da Constituição Federal.
Com efeito, o inciso III do artigo 36 da Constituição estabelece que a
intervenção federal depende de provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de
representação interventiva proposta pelo Procurador-Geral da República, para
assegurar a observância dos princípios constitucionais sensíveis arrolados no
Parágrafo único. Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental: I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição;‖.
inciso VII do artigo 34 e o cumprimento das leis federais. São, em suma, as
causas de pedir que autorizam o acionamento da Suprema Corte mediante
representação interventiva, por parte do Procurador-Geral da República.
A propósito, vale ressaltar que o texto original da Constituição de 1988
conferia competência ao Superior Tribunal de Justiça, na hipótese de recusa à
execução de lei federal, para processar e julgar representação interventiva
federal. O inciso IV do artigo 36, todavia, foi expressamente revogado pela
Emenda nº 45, de 2004, razão pela qual a competência retornou, na esteira
das Constituições e Cartas pretéritas, ao Supremo Tribunal Federal, consoante
o disposto na atual redação do inciso III do artigo 36 da Constituição vigente97.
Por fim, as causas de pedir para a representação interventiva estadual
da competência de Tribunal de Justiça residem no inciso IV do artigo 35 da
Constituição Federal: – ―assegurar a observância dos princípios indicados na
Constituição estadual‖; – ―prover a execução de lei, de ordem ou de decisão
judicial‖.
7. REPRESENTAÇÃO INTERVENTIVA: PROCEDIMENTO E
JULGAMENTO
A representação interventiva com pedido de intervenção federal só pode
ser acionada pelo Procurador-Geral da República, mediante petição inicial
endereçada ao Ministro-Presidente do Supremo Tribunal Federal.
À vista do artigo 3º da Lei nº 12.562, de 2011, a petição inicial deve
conter ―a indicação do princípio constitucional que se considera violado ou, se
for o caso de recusa à aplicação de lei federal, das disposições questionadas‖,
―a indicação do ato normativo, do ato administrativo, do ato concreto ou da
omissão questionados‖, ―a prova da violação do princípio constitucional ou da
recusa de execução de lei federal‖ e ―o pedido, com suas especificações‖.
Ainda em relação aos pedidos, o Procurador-Geral da República pode
formular ―pedido de medida liminar na representação interventiva‖, com
fundamento no artigo 5º, caput, da Lei nº 12.562, de 2011. Trata-se de
importante inovação legal.
A petição inicial também deve ser instruída com ―cópia do ato
questionado e dos documentos necessários para comprovar a impugnação‖.
Distribuída a petição inicial pelo Ministro-Presidente, cabe ao Ministro-
Relator proferido o juízo de admissibilidade. Com efeito, se não for caso de
representação interventiva, faltar algum dos requisitos legais ou for inepta a
petição inicial, há o indeferimento liminar por parte do Ministro-Relator, com
fundamento no caput do artigo 4º da Lei nº 12.562, de 2011. Não obstante, a
97
De acordo, na doutrina: ―Note-se que a EC-45/2004 modificou a redação do inc. III do art. 36 para submeter ao controle do STF a hipótese de recusa à execução de lei federal que constava como de competência do STJ no inc. IV do mesmo artigo, inciso esse que ficou expressamente revogado pela mesma emenda constitucional.‖ (JOSÉ AFONSO DA SILVA. Curso de direito constitucional positivo. 26ª ed., 2006, p. 487; sem os grifos no original).
decisão monocrática exarada pelo Ministro-Relator é passível de impugnação
mediante agravo interno ou regimental, a ser interposto em cinco dias, para o
Plenário do Supremo Tribunal.
Em contraposição, se a petição inicial estiver ―em termos‖, vale dizer,
apta, é recebida pelo Ministro-Relator. Após a admissão, o rito a ser adotado
pelo Ministro-Relator depende da existência de pedido de medida cautelar
liminar, ou não.
Caso tenha sido formulado pedido de medida cautelar liminar, o Ministro-
Relator ―poderá ouvir os órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato
questionado, bem como o Advogado-Geral da União ou o Procurador-Geral da
República, no prazo comum de 5 (cinco) dias‖, tudo nos termos do § 1º do
artigo 5º da Lei nº 12.562, de 2011.
Após as eventuais manifestações, o Ministro-Relator submete o pleito ao
Plenário da Corte, porquanto o artigo 5º da Lei nº 12.562 estabelece que a
medida cautelar liminar só pode ser concedida ―por decisão da maioria
absoluta de seus membros‖, vale dizer, seis Ministros.
À vista do artigo 5º, § 2º, da Lei nº 12.562, de 2011, a concessão da
medida cautelar liminar pode ―consistir na determinação de que se suspenda o
andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais ou administrativas
ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da
representação interventiva‖.
Apreciado o pedido de medida cautelar liminar no Plenário da Corte ou
assim que recebida a petição inicial, caso o Procurador-Geral da República não
tenha formulado pedido acautelatório, cabe ao Ministro-Relator solicitar as
informações às autoridades responsáveis pela prática do ato questionado, que
as prestarão em até dez dias98.
O Ministro-Relator também deve ―tentar dirimir o conflito que dá causa
ao pedido, utilizando-se dos meios que julgar necessários, na forma do
regimento interno‖, em cumprimento ao disposto no artigo 6º, § 2º, da Lei nº
12.562, de 2011.
Prestadas as informações e frustrada a tentativa de conciliação, o
Ministro-Relator deve determinar a intimação pessoal tanto do Advogado-Geral
da União quanto do Procurador-Geral da República.
À vista do artigo 6º, § 1º, da Lei nº 12.562, de 2011, o Advogado-Geral
da União deve ser intimado em primeiro lugar, para apresentar a respectiva
manifestação em dez dias. Vale ressaltar que a hipótese é de mera intimação,
e não de citação, como há na ação direta de inconstitucionalidade
propriamente dita.
Após, há a intimação pessoal do Procurador-Geral da República, o qual
deve apresentar a respectiva manifestação em dez dias.
98
Cf. artigo 6º, caput, da Lei nº 12.562, de 2011.
Além das intimações e manifestações obrigatórias por força do § 1º do
artigo 6º da Lei nº 12.562, de 2011, o artigo 7º confere ao Ministro-Relator a
possibilidade de ―requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão
de peritos‖ e designar audiência pública para ouvir pessoas com experiência e
autoridade na matéria objeto da representação interventiva. Daí a conclusão:
há possibilidade de ingresso de amicus curiae no processo da ação direta
interventiva.
Finda a instrução, o Ministro-Relator lança o relatório , com a exposição
dos pontos controvertidos, determina a extração de cópias para todos os
Ministros e pede dia para julgamento ao Ministro-Presidente da Corte.
Após, o Ministro-Presidente determina a inclusão da representação
interventiva em pauta, para julgamento em sessão plenária, e a publicação da
pauta no Diário da Justiça eletrônico.
No dia e no horário designados, o Ministro-Presidente dá início ao
julgamento da representação interventiva, desde que estejam ―presentes na
sessão pelo menos 8 (oito) Ministros‖99.
Após a leitura do relatório, as sustentações orais e proferidos todos os
votos, o Ministro-Presidente proclama o resultado, conforme a maioria absoluta
formada durante o julgamento. A propósito, vale conferir o disposto no artigo 10
da Lei nº 12.562, de 2011: ―Art. 10. Realizado o julgamento, proclamar-se-á a
procedência ou improcedência do pedido formulado na representação
interventiva se num ou noutro sentido se tiverem manifestado pelo menos 6
(seis) Ministros‖.
No que tange à recorribilidade do julgamento de mérito proferido no
processo de representação interventiva, o artigo 12 da Lei nº 12.562 consagra
tanto a irrecorribilidade quanto a imutabilidade do julgado: ―Art. 12. A decisão
que julgar procedente ou improcedente o pedido da representação interventiva
é irrecorrível, sendo insuscetível de impugnação por ação rescisória‖. Não
obstante, sustenta-se, no presente compêndio, o cabimento do recurso de
embargos de declaração, a fim de que os direitos – à publicidade e à
fundamentação – consagrados no inciso IX do artigo 93 da Constituição
Federal sejam respeitados em todos os julgamentos judiciários.
Na eventualidade de procedência da representação interventiva, o
Ministro-Presidente do Supremo Tribunal Federal deve levar o respectivo
acórdão ―ao conhecimento do Presidente da República para, no prazo
improrrogável de até 15 (quinze) dias, dar cumprimento aos §§ 1º e 3º do artigo
36 da Constituição Federal‖, tudo nos termos do artigo 11 da Lei nº 12. 562, de
2011, à vista do qual é lícito afirmar que a atuação presidencial é vinculada100.
99
Cf. artigo 9º da Lei nº 12.562, de 2011. 100
Autorizada doutrina também sustenta a tese da vinculação: ―De fato, ela é uma competência vinculada, cabendo ao Presidente a mera formalização de uma decisão tomada por órgão judiciário, sempre que a intervenção se destinar a ‗prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judiciária‘ (art. 34, VI) ou a ‗assegurar o livre exercício‘ do Judiciário estadual (art. 34, IV).‖ (MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO. Curso de direito constitucional. 31ª ed., 2005, p. 64 e 65; não há o grifo no original). Ainda no
Com efeito, julgada procedente a representação, o Presidente da
República deve decretar e executar a intervenção federal, em cumprimento ao
disposto no artigo 84, inciso X, da Constituição Federal: ―decretar e executar a
intervenção federal‖.
O decreto presidencial, também denominado ―decreto interventivo‖, deve
versar sobre a amplitude, o prazo, as condições de execução e a nomeação do
interventor, se determinado o afastamento da autoridade estadual ou distrital
por ordem da maioria absoluta dos Ministros da Corte Suprema, tudo nos
termos do artigo 36, § 1º, da Constituição Federal.
Ao contrário do que pode parecer à primeira leitura do § 1º do artigo 36
da Constituição Federal, o § 3º revela que não há apreciação pelo Congresso
Nacional da intervenção decretada pelo Presidente da República após
requisição do Supremo Tribunal Federal.
Por ser sempre provisória, a intervenção subsiste somente durante o
prazo fixado no decreto interventivo, para que seja restabelecida a normalidade
institucional do ente federativo, tendo em vista o disposto no § 4º do artigo 36
da Constituição Federal.
Por fim, o procedimento estudado é aplicável por analogia ao processo
de representação interventiva da competência dos Tribunais de Justiça, com o
julgamento pelos Desembargadores integrantes do Pleno, da Corte Superior ou
do Conselho Especial, conforme o caso, sem igual possibilidade de recurso101,
salvo embargos de declaração para o próprio Tribunal, e a posterior decretação
da intervenção pelo Governador do Estado.
mesmo diapasão, há a respeitável lição do Professor PAULO NAPOLEÃO NOGUEIRA DA SILVA: Breves comentários à Constituição do Brasil. Volume I, 2002, p. 422, 423 e 424. Não obstante, trata-se de vexata quaestio: ―Discute-se sobre o grau de vinculação do Presidente à decisão emanada da Corte Suprema. Para determinada corrente, o Chefe do Executivo é obrigado a decretar a intervenção. Outros autores adotam essa corrente com certos temperamentos, admitindo que o Presidente possa controlar a regularidade formal da decisão. Por fim, há quem entenda que o ato é político, dependente do Chefe do Executivo, que poderá averiguar da oportunidade e conveniência em decretar a intervenção.‖ (ANDRÉ RAMOS TAVARES. Curso de direito constitucional. 3ª ed., 2006, p. 985). 101
Cf. enunciado nº 637 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
CAPÍTULO VII
RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL
1. NOMEN IURIS E PRECEITOS DE REGÊNCIA DO INSTITUTO
A reclamação também é denominada ―reclamação constitucional‖, em
virtude da previsão do instituto na Constituição Federal, nos artigos 102, inciso
I, letra ―l‖, 103-A, § 3º, e 105, inciso I, alínea ―f‖.
Além da previsão constitucional, a reclamação também consta dos artigos
13 usque 18 da Lei nº 8.038, de 1990, do artigo 13 da Lei nº 9.882, de 1999, do
artigo 7º, caput e §§ 1º e 2º, da Lei nº 11.417, de 2006, dos artigos 6º, inciso I,
alínea ―g‖, 9º, inciso I, letra ―c‖, 149, inciso III, 156 até 162, todos do Regimento
Interno do Supremo Tribunal Federal, assim como dos artigos 11, inciso X, 12,
inciso III, 187 usque 192, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.
Por fim, a Resolução nº 12, expedida pelo Ministro-Presidente do Superior
Tribunal de Justiça em 2009, dispõe sobre a admissibilidade de reclamação,
para dirimir divergência entre acórdão de turma recursal de juizado especial
cível à luz da jurisprudência daquela Corte Superior.
2. NATUREZA JURÍDICA: AÇÃO AUTÔNOMA
Há séria controvérsia acerca da natureza jurídica da reclamação. Ainda
que muito respeitáveis todas as diferentes correntes existentes na doutrina e
na jurisprudência, a reclamação não é recurso nem mero incidente processual,
mas, sim, processo independente, instaurado por força do exercício de ação
autônoma de impugnação de estatura constitucional.
Se fosse recurso, a reclamação estaria prevista nos incisos II ou III dos
artigos 102 e 105 da Constituição Federal, ao lado dos recursos ordinário,
extraordinário e especial. Não obstante, tanto no artigo 102 quanto no artigo
105, a reclamação consta do rol do inciso I, ao lado das ações constitucionais.
Sob outro prisma, tanto o recurso quanto o incidente processual
pressupõem a existência de processo em curso. A reclamação, entretanto, não
depende da existência de processo em curso. Com efeito, a reclamação pode
ter lugar depois do término do processo originário, a fim de que o respectivo
julgamento seja respeitado. Aliás, a reclamação pode ter lugar até mesmo sem
a existência de anterior processo.
Ademais, a reclamação pode ter como alvo ato administrativo, como bem
revela o § 3º do artigo 103-A da Constituição Federal. Não obstante, tanto o
recurso processual quanto o incidente processual estão relacionados a ato
processual proveniente de algum processo judicial. Como a reclamação
constitucional pode ter como em mira ato administrativo a ser julgado por
tribunal judiciário, é lícito concluir que o instituto tem natureza jurídica de ação
autônoma, tal como o mandado de segurança, do qual derivou até alcançar a
autonomia como instituto jurídico, em 1957, quando foi reconhecida por meio
de emenda ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal então
vigente102.
Por tudo, a reclamação tem natureza jurídica de ação autônoma de
estatura constitucional103.
3. CONCEITO
A reclamação constitucional é a ação de competência originária de
tribunal admissível quando o respectivo julgado não é respeitado por juiz, por
outro tribunal ou por autoridade administrativa responsável pelo cumprimento
da decisão ou pela prática do ato omitido, e também cabível para preservar a
competência de tribunal que foi usurpada por juiz ou outro tribunal104-105-106.
102
Em abono, na doutrina: GISELE SANTOS FERNANDES GÓES. A reclamação constitucional. 2005, p. 133: ―A reclamação é uma ação constitucional, cuja cognição é exauriente e de natureza mandamental, porque seu objetivo final é determinar o cumprimento da decisão pela autoridade coatora.‖ (sem os grifos no original). 103
A propósito da natureza jurídica da reclamação constitucional, vale conferir o trecho colhido da ementa do seguinte acórdão: ―1. A Ação de Reclamação, em razão de sua natureza incidental e excepcional, destina-se à preservação da competência e garantia da autoridade dos julgados somente quando objetivamente violados, não podendo servir como sucedâneo recursal para discutir o teor da decisão hostilizada.‖ (RCL nº 4.192/RJ – AgRg, 3ª Seção do STJ, Diário da Justiça Eletrônico de 26 de abril de 2011, sem o grifo no original). 104
A propósito do conceito da reclamação constitucional, vale conferir o trecho colhido da ementa do seguinte acórdão: ―1. A ação reclamatória, que situa-se no âmbito do direito constitucional de petição (artigo 5.º, inciso XXXIV, da CF/1988), constitui o meio adequado para assegurar a garantia da autoridade das decisões desta Corte Superior em face de ato de autoridade administrativa ou judicial, à luz do disposto no artigo 105, inciso II, alínea f, da Carta Magna. (Precedentes: Rcl 2.559/ES, Rel. Ministro Barros Monteiro, Corte Especial, julgado em 02/04/2008, Dje 05/05/2008; Rcl 502/GO, Rel. Ministro Adhemar Maciel, Primeira Seção, julgado em 14/10/1998, DJ 22/03/1999 p. 35).‖ (RCL nº 4.421/DF, 1ª Seção do STJ, Diário da Justiça Eletrônico de 15 de abril de 2011, sem os grifos no original). 105
No que tange à outra hipótese de admissibilidade de reclamação, para preservar a competência de tribunal, vale conferir a ementa do seguinte acórdão: ―RECLAMAÇÃO. AÇÕES RESCISÓRIAS PROCESSADAS PERANTE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ, COM ALEGADA USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, JÁ QUE DIRIGIDAS CONTRA ACÓRDÃOS QUE HAVIAM SIDO APRECIADOS POR ESSA CORTE, EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO, CONQUANTO DESTE NÃO TENHA CONHECIDO. Evidenciado que, ao julgar o recurso, decidiu o STF questão federal nele suscitada, é fora de dúvida a incompetência da Corte Estadual para as ações rescisórias que, conquanto houvessem impugnado apenas a decisão local, na verdade investem contra os efeitos do acórdão do STF que a confirmou e que, conseqüentemente, a substituiu (art. 512 do CPC). O Supremo Tribunal Federal é competente para a ação rescisória quando, embora não tendo conhecido do recurso extraordinário, tiver apreciado a questão controvertida (Súmula nº 249). Competência que se afirma, independentemente da natureza da questão federal apreciada. Reclamação acolhida, para o fim de tornar sem efeito as decisões impugnadas e julgar extintas as rescisórias, por impossibilidade jurídica do pedido.‖ (RCL nº 377/PR, Pleno do STF, Diário da Justiça de 30 de abril de 1993, sem os grifos no original). 106
Na mesma esteira do precedente evocado na nota anterior, também na jurisprudência: ―RECLAMAÇÃO - RECEBIMENTO, POR MAGISTRADO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA, DE DENÚNCIA OFERECIDA CONTRA TRINTA E DOIS INDICIADOS, DENTRE OS QUAIS FIGURA UM DEPUTADO FEDERAL, NO PLENO EXERCÍCIO DE SEU MANDATO - USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA PENAL ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - NULIDADE - RECLAMAÇÃO QUE SE JULGA PROCEDENTE. O RESPEITO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL - QUE SE IMPÕE À OBSERVÂNCIA DOS ÓRGÃOS DO PODER JUDICIÁRIO - TRADUZ INDISPONÍVEL GARANTIA CONSTITUCIONAL OUTORGADA A QUALQUER ACUSADO, EM SEDE PENAL. - O Supremo Tribunal Federal qualifica-se como juiz natural dos membros do Congresso Nacional (RTJ 137/570 - RTJ 151/402), quaisquer que sejam as infrações penais a eles imputadas (RTJ 33/590), mesmo que se cuide de simples ilícitos contravencionais (RTJ 91/423) ou se trate de crimes sujeitos à competência dos ramos especializados da Justiça da União (RTJ 63/1 - RTJ 166/785-786). Precedentes. SOMENTE O
4. AÇÃO DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DE TRIBUNAL
A Constituição Federal é explícita acerca da admissibilidade da
reclamação perante o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de
Justiça, como bem revelam os artigos 102, inciso I, letra ―l‖, 103-A, § 3º, e 105,
inciso I, alínea ―f‖.
No que tange aos Tribunais de Justiça, o artigo 125 da Constituição de
1988 consagrou o princípio da simetria, razão pela qual o constituinte estadual
deve ter em vista as disposições gerais da Constituição Federal aplicáveis por
analogia aos Estados-membros. Com efeito, como os Tribunais de Justiça
ocupam, no plano estadual, papel similar ao do Supremo Tribunal Federal,
como bem revela o cotejo dos artigos 102, inciso I, alínea ―a‖, e 125, § 1º,
ambos da Constituição Federal, a reclamação é até necessária para que os
Tribunais de Justiça possam garantir a autoridade dos respectivos julgamentos,
em especial dos acórdãos proferidos no controle concentrado de
constitucionalidade previsto no artigo 125, § 1º, da Constituição de 1988. Daí a
perfeita admissibilidade da reclamação perante os Tribunais de Justiça, como
bem assentou o Plenário da Suprema Corte107.
No que tange aos Tribunais Regionais Federais, entretanto, não há lugar
para a reclamação constitucional, porquanto a competência dos mesmos está
arrolada no artigo 108 da Constituição Federal, sem previsão alguma da
reclamação. Como a competência constitucional dos tribunais é taxativa, não
há como inserir a ação de reclamação na competência dos Tribunais Regionais
Federais, nem há como aplicar o artigo 125 à hipótese. Por fim, os Tribunais
Regionais Federais não exercem controle concentrado de constitucionalidade
como os Tribunais de Justiça dos Estados, mas apenas controle difuso, sem
efeitos erga onmes e vinculante, o que explica a falta de previsão da
reclamação no rol do artigo 108 da Constituição Federal. Sob todos os prismas,
não é admissível reclamação para Tribunal Regional Federal108.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, EM SUA CONDIÇÃO DE JUIZ NATURAL DOS MEMBROS DO CONGRESSO NACIONAL, PODE RECEBER DENÚNCIAS CONTRA ESTES FORMULADAS. - A decisão emanada de qualquer outro Tribunal judiciário, que implique recebimento de denúncia formulada contra membro do Congresso Nacional, configura hipótese caracterizadora de usurpação da competência penal originária desta Suprema Corte, revestindo-se, em conseqüência, de nulidade, pois, no sistema jurídico brasileiro, somente o Supremo Tribunal Federal dispõe dessa especial competência, considerada a sua qualificação constitucional como juiz natural de Deputados Federais e Senadores da República, nas hipóteses de ilícitos penais comuns. Precedentes.‖ (RCL nº 1.861/MA, Pleno do STF, Diário da Justiça de 21 de junho de 2002, p. 99). 107
De acordo, na jurisprudência: ADI nº 2.480/PB, Pleno do STF, Diário da Justiça de 15 de junho de 2007, p. 20: ―Ação direta de inconstitucionalidade: dispositivo do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba (art. 357), que admite e disciplina o processo e julgamento de reclamação para preservação da sua competência ou da autoridade de seus julgados: ausência de violação dos artigos 125, caput e § 1º e 22, I, da Constituição Federal‖. 108
Assim, na jurisprudência: ―1. O instituto da reclamação, criado com a finalidade de preservar a autoridade das decisões judiciais, está previsto somente na competência do Supremo Tribunal Federal (CF/88, art. 102, I, "l") e do Superior Tribunal de Justiça (Lei 8.038/90, art. 13), não cabendo o processamento desse tipo de procedimento no âmbito dos Tribunais Regionais Federais por absoluta falta de amparo legal.‖ (Reclamação nº 2009.01.00.051439-5/MA, 3ª Seção do TRF da 1ª Região, Diário da Justiça eletrônico de 5 de julho de 2010, p. 17).
Em suma, a reclamação é admissível no Supremo Tribunal Federal, no
Superior Tribunal de Justiça, nos Tribunais de Justiça, mas não o é nos
Tribunais Regionais Federais.
5. CAUSAS DE PEDIR DA RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL
5.1. CAUSAS DE PEDIR EXPLÍCITAS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
À vista dos artigos 102, inciso I, letra ―l‖, 103-A, § 3º, e 105, inciso I, alínea
―f‖, todos da Constituição Federal, é lícito afirmar que a reclamação pode ser
ajuizada com fundamento em duas causas de pedir: usurpação de
competência e desrespeito aos pronunciamentos de tribunal.
As causas de pedir da reclamação constitucional são autônomas e
independentes entre si, razão pela qual a reclamação é admissível com esteio
em apenas uma delas.
A título de exemplificação, a reclamação é adequada para garantir a
autoridade de enunciado vinculante da Súmula do Supremo Tribunal
Federal109.
Outro exemplo: é admissível reclamação na eventualidade de
ajuizamento e processamento de ação direta de inconstitucionalidade perante
de Tribunal de Justiça em hipótese de competência de controle concentrado do
Supremo Tribunal Federal, por exemplo, em sede ação direta de
inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade, ação de
arguição de descumprimento de preceito fundamental110.
109
Assim, na jurisprudência: ―RECLAMAÇÃO. NECESSIDADE DE PRÉVIO PAGAMENTO DE MULTAS DE TRÂNSITO PARA A EXPEDIÇÃO DE CERTIFICADO DE LICENCIAMENTO ANUAL DE VEÍCULOS. AFASTAMENTO DO ART. 131, § 2º, DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO POR ÓRGÃO FRACIONÁRIO DE TRIBUNAL. SÚMULA VINCULANTE Nº 10. DESCUMPRIMENTO CONFIGURADO. 1. A expedição de certificado de licenciamento anual de veículos está condicionada à quitação de eventuais multas de trânsito, nos termos do art. 131, § 2º, do Código de Trânsito Brasileiro. O afastamento dessa regra, sem prévia sujeição ao procedimento estabelecido no art. 97 da Constituição da República, descumpre a Sumula Vinculante 10. 2. Reclamação julgada procedente.‖ (RCL nº 7.856/MG, Pleno do STF). ―RECLAMAÇÃO. DESCUMPRIMENTO DA SÚMULA VINCULANTE 10 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOBSERVÂNCIA DO ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. EXCLUSÃO DE PESSOA JURÍDICA DO PROGRAMA DE RECUPERAÇÃO FISCAL. LEI 9.964/2000 E RESOLUÇÃO CG/REFIS nº 20/2001. ALEGADA OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE, PREJUDICADO O AGRAVO REGIMENTAL. 1. A exclusão da ora Interessada do Programa de Recuperação Fiscal foi feita em conformidade com o que dispõe o art. 5º, § 1º, da Resolução CG/REFIS nº 20/2001. 2. A Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no entanto, decidiu que a intimação feita pelo Diário Oficial da União, na forma prescrita naquela Resolução, ofenderia os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa e determinou a reinclusão da pessoa jurídica no Programa de Recuperação Fiscal. 3. O Supremo Tribunal Federal considera declaratório de inconstitucionalidade o acórdão que – embora sem o explicitar – afasta a incidência da norma ordinária pertinente à lide, para decidi-la sob critérios diversos alegadamente extraídos da Constituição. Precedentes. 4. Configurado o descumprimento da Súmula Vinculante 10 do Supremo Tribunal Federal. 5. Reclamação julgada procedente, prejudicado o agravo regimental.‖ (RCL nº 7.322/DF, Pleno do STF). 110
Em abono, na jurisprudência: ―- DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI MUNICIPAL, EM CURSO NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SERGIPE, COM LIMINAR DEFERIDA. RECLAMAÇÃO PARA O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PROCEDÊNCIA. 1. Dispõe o art. 106, I, ‗c‘, da Constituição do Estado de Sergipe: ‗Art. 106. compete, ainda, ao Tribunal de Justiça: I - processar e julgar originariamente: ... ‗c‘ – a ação
Mais um exemplo: a reclamação é admissível para preservar a
competência do tribunal ad quem para processar e julgar ação rescisória dos
respectivos julgados111.
Por fim, no que tange aos atos e omissões das autoridades
administrativas, embora seja admissível a reclamação constitucional, a
propositura da ação só é admissível após o esgotamento das eventuais vias
administrativas disponíveis, ex vi do artigo 7º, caput e § 1º, da Lei nº 11.417, de
2006.
5.2. CAUSA DE PEDIR PREVISTA NA RESOLUÇÃO Nº 12, DO S.T.J.
Além das tradicionais hipóteses de admissibilidade previstas nos artigos
102, inciso I, letra ―l‖, 103-A, § 3º, e 105, inciso I, alínea ―f‖, todos da
Constituição Federal, há outra causa que também autoriza reclamação: a
divergência entre acórdão de turma recursal de juizado especial cível e
enunciado sumular ou precedente jurisprudencial do Superior Tribunal de
Justiça proferido com fundamento no artigo 543-C do Código de Processo Civil,
desde que a divergência verse sobre direito material. É a hipótese de
admissibilidade prevista na Resolução nº 12, de 2009, expedida pelo Ministro-
Presidente do Superior Tribunal de Justiça112.
direta de inconstitucionalidade de lei ou atos normativos estaduais em face da Constituição Estadual e de lei ou de ato normativo municipal em face da Constituição Federal ou da Estadual‘. 2. Com base nessa norma, o Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe tem julgado Ações Diretas de Inconstitucionalidade de leis municipais, mesmo em face da Constituição Federal. 3. Sucede que esta Corte, a 13 de março de 2002, tratando de norma constitucional semelhante do Estado do Rio Grande do Sul, no julgamento da ADI nº 409, Relator Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE (DJ de 26.04.2002, Ementário nº 2066-1), decidiu: ‗Controle abstrato de constitucionalidade de leis locais (CF, art. 125, § 2º): cabimento restrito à fiscalização da validade de leis ou atos normativos locais - sejam estaduais ou municipais - , em face da Constituição estadual: invalidade da disposição constitucional estadual que outorga competência ao respectivo Tribunal de Justiça para processar e julgar ação direta de inconstitucionalidade de normas municipais em face também da Constituição Federal: precedentes‘. 4. Adotados o fundamentos apresentados nesse aresto unânime do Plenário e em cada um dos precedentes neles referidos, a presente reclamação é julgada procedente, para se extinguir, sem exame do mérito, o processo da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 02/96, proposta perante o Tribunal de Justiça do Estado Sergipe, por falta de possibilidade jurídica do pedido, cassada definitivamente a medida liminar nele concedida. 5. Incidentalmente, o S.T.F. declara a inconstitucionalidade das expressões ‗Federal ou da‘, constantes da alínea ‗c‘ do inciso I do art. 106 da Constituição do Estado de Sergipe. 6. A esse respeito, será feita comunicação ao Senado Federal, para os fins do art. 52, X, da Constituição Federal. E também ao Tribunal de Justiça de Sergipe.‖ (RCL nº 595/SE, Pleno do STF, Diário da Justiça de 23 de maio de 2003, p. 31, sem os grifos no original). 111
Assim, na jurisprudência: ―RECLAMAÇÃO. AÇÕES RESCISÓRIAS PROCESSADAS PERANTE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ, COM ALEGADA USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, JÁ QUE DIRIGIDAS CONTRA ACÓRDÃOS QUE HAVIAM SIDO APRECIADOS POR ESSA CORTE, EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO, CONQUANTO DESTE NÃO TENHA CONHECIDO. Evidenciado que, ao julgar o recurso, decidiu o STF questão federal nele suscitada, é fora de dúvida a incompetência da Corte Estadual para as ações rescisórias que, conquanto houvessem impugnado apenas a decisão local, na verdade investem contra os efeitos do acórdão do STF que a confirmou e que, conseqüentemente, a substituiu (art. 512 do CPC). O Supremo Tribunal Federal é competente para a ação rescisória quando, embora não tendo conhecido do recurso extraordinário, tiver apreciado a questão controvertida (Súmula nº 249). Competência que se afirma, independentemente da natureza da questão federal apreciada. Reclamação acolhida, para o fim de tornar sem efeito as decisões impugnadas e julgar extintas as rescisórias, por impossibilidade jurídica do pedido.‖ (RCL nº 377/PR, Pleno do STF, Diário da Justiça de 30 de abril de 1993). 112
―Em deliberação quanto à admissibilidade da reclamação disciplinada pela Resolução nº 12, a Segunda Seção decidiu o seguinte: - é necessário que se demonstre a contrariedade à jurisprudência consolidada desta Corte quanto à matéria, entendendo-se por jurisprudência consolidada: (I) precedentes
Na hipótese da Resolução nº 12, a petição inicial da reclamação deve ser
protocolizada no Superior Tribunal de Justiça no prazo de quinze dias,
contados da intimação do acórdão proferido pela turma recursal113.
5.3. RECLAMAÇÃO E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
A ação de reclamação pode ter causa de pedir tanto no controle difuso
quanto no controle concentrado de constitucionalidade. É certo que a relação
com o controle concentrado é mais nítida, por ser a reclamação a ação
adequada para assegurar o cumprimento de julgado do Supremo Tribunal
Federal dotado de efeitos vinculante e erga omnes. Daí a estreita relação
existente entre a reclamação e o controle concentrado, porquanto aquele é a
via processual idônea para que os julgamentos proferidos nas ações diretas
sejam respeitados e cumpridos pelas autoridades judiciárias e administrativas.
Não obstante, a reclamação é igualmente admissível no controle difuso,
quando o Supremo Tribunal Federal profere julgamento subjetivo em
determinada causa. Na eventualidade de o julgado não ser observado quando
da liquidação ou da execução, há lugar para reclamação constitucional por
parte das pessoas alcançadas pela coisa julgada produzida no caso concreto.
Além da autoridade dos julgados proferidos nos controles difuso e
concentrado, a reclamação também é adequada para preservar a competência
constitucional estabelecida para a realização de ambos os controles. Na
eventualidade do processamento de alguma das ações diretas previstas na
alínea ―a‖ do inciso I do artigo 102 da Constituição em algum tribunal que não
seja a Corte Suprema, há lugar para a reclamação. Mutatis mutandis, igual
raciocínio é aplicável ao controle difuso, caso algum recurso ordinário ou
extraordinário da competência do Supremo Tribunal Federal não seja
devidamente processado rumo à Corte Suprema114.
Em suma, a reclamação não é instituto exclusivo de apenas um dos
métodos de controle de constitucionalidade, porquanto a ação pode ter lugar à
exarados no julgamento de recursos especiais em controvérsias repetitivas (art. 543-C, do CPC); (II) enunciados de súmula da jurisprudência da Corte. – Não se admite, com isso, a propositura de reclamações com base apenas em precedentes exarados no julgamento de recursos especiais. – Para que seja admissível a reclamação é necessário também que a divergência se dê quanto a regras de direito material, não se admitindo a reclamação que discuta regras de processo civil, à medida que o processo, nos Juizados Especiais, orienta-se pelos critérios da Lei nº 9.099/95.‖ (Rcl nº 3.812/ES – AgRg, 2ª Seção do STJ, Informativo STJ, nº 487, de novembro de 2011). 113
Cf. artigo 1º, caput e § 1º, da Resolução nº 12, de 2009. 114
Em abono, na jurisprudência: ―Mandado de segurança. Ato do relator do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais Cíveis de Vitória que negou seguimento a agravo de instrumento de decisão que inadmitiu recurso extraordinário. 2. Garantia constitucional aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, do contraditório e da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. 3. Direito inequívoco do impetrante de ver apreciado pelo STF o agravo de instrumento interposto contra decisão do Juiz Presidente do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais Cíveis de Vitória, aforado tempestivamente, em ordem a, nele, esta Corte decidir sobre a admissibilidade do apelo extremo, que se fundamenta em alegação de ofensa ao art. 5º, LV, da CF, matéria prequestionada no Juízo a quo. 4. Mandado de segurança conhecido como reclamação e julgado procedente.‖ (MS nº 23.393/ES, Pleno do STF, Diário da Justiça de 1º de agosto de 2003, p. 105, sem os grifos no original).
vista de causas de pedir provenientes das competências constitucionais e de
julgados de ambos os sistemas.
6. RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL, CORREIÇÃO PARCIAL, AÇÃO
RESCISÓRIA E MANDADO DE SEGURANÇA: ANÁLISE COMPARATIVA
Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a reclamação
constitucional não pode ser confundida com a correição parcial. Aquela
(reclamação) é o processo constitucional cuja admissibilidade encontra
sustentação em alguma das duas causas de pedir: a) preservação da
competência do tribunal; e b) garantia da autoridade das decisões do tribunal.
Já a correição parcial ou reclamação correicional tem outras duas funções: a)
como remédio administrativo-disciplinar, a correição tem como alvo ato de
magistrado na qualidade de servidor público, para a apuração de falta perante
a corregedoria do respectivo tribunal, porquanto a função precípua do instituto
reside no controle previsto no artigo 96, inciso I, alínea ―b‖, in fine, da
Constituição Federal; b) como sucedâneo recursal, a correição é apta à
impugnação de decisão judicial irrecorrível contaminada por error in
procedendo, consoante revela a combinação do artigo 8º, inciso I, alínea ―l‖, da
Lei nº 11.697, de 2008, com o artigo 709, inciso II, da Consolidação das Leis do
Trabalho, com o artigo 498, alínea ―a‖, do Código de Processo Penal Militar,
com o reforço do artigo 184 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do
Distrito Federal e do artigo 265 do Regimento Interno do Tribunal Regional
Federal da 1ª Região. Em suma, a despeito da semelhança terminológica, a
reclamação constitucional não se confunde com a reclamação correicional ou
correição parcial, porquanto têm previsões e finalidades constitucionais, legais
e regimentais distintas.
A reclamação também não pode ser confundida com a ação rescisória,
nem proposta no lugar da última (rescisória), conforme revela o enunciado nº
734 da Súmula da Corte Suprema: ―Não cabe reclamação quando já houver
transitado em julgado o ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão
do Supremo Tribunal Federal‖.
Quanto ao mandado de segurança, a despeito de ser uma das fontes da
reclamação constitucional, não há lugar para dúvida acerca da adequação de
cada via processual constitucional. Diante da incidência de hipótese específica
de reclamação constitucional, é inadmissível mandado de segurança, até
mesmo por força dos enunciados nºs 330 e 624 da Súmula do Supremo
Tribunal Federal. Não obstante, em virtude da proximidade dos institutos, é
lícita a fungibilidade das vias, como já restou assentado no Plenário da Corte
Suprema115.
115
Cf. MS nº 23.393/ES, Pleno do STF, Diário da Justiça de 1º de agosto de 2003, p. 105: ―Mandado de segurança. Ato do relator do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais Cíveis de Vitória que negou seguimento a agravo de instrumento de decisão que inadmitiu recurso extraordinário. 2. Garantia constitucional aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, do contraditório e da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. 3. Direito inequívoco do impetrante de ver apreciado pelo STF o
Por tudo, a admissibilidade da reclamação constitucional é bem específica
à vista da Constituição Federal e não se confunde com os campos de
incidência da correição parcial, da ação rescisória e do mandado de segurança.
Não obstante, além da propositura da ação de reclamação, é admissível a
interposição prévia, simultânea ou posterior do recurso processual cabível
contra a mesma decisão judicial reclamada, em virtude do artigo 7º, caput, da
Lei nº 11.417, de 2006.
7. LEGITIMIDADE ATIVA E PETIÇÃO INICIAL
À vista do artigo 13 da Lei nº 8.038, de 1990, a reclamação constitucional
pode ser ajuizada pelo Ministério Público, bem como pelo litigante prejudicado
em razão da usurpação da competência ou do desrespeito ao julgado proferido
no processo primitivo, do qual era parte.
Além das partes que ocuparam os polos ativo e passivo no processo
primitivo, terceiro juridicamente prejudicado também tem legitimidade ativa para
ajuizar a reclamação, ainda mais em virtude da moderna orientação
jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal em prol da admissão da
reclamação até mesmo para garantir a autoridade dos julgamentos proferidos
em controle concentrado, a despeito de o autor da reclamação não ter
participado do processo objetivo116.
Em decorrência da natureza jurídica de ação, a reclamação constitucional
deve ser proposta mediante petição inicial, com a completa observância dos
artigos 282 e 283 do Código de Processo Civil117. Por conseguinte, a petição
inicial já deve ser instruída com a prova documental disponível para demonstrar
os fatos narrados pelo reclamante. O reclamante também deve comprovar o
respectivo recolhimento das custas iniciais eventualmente devidas, conforme o
disposto no artigo 59, inciso II, do Regimento Interno do Supremo Tribunal
Federal, no artigo 2º da Lei nº 11.636, de 2007, no inciso VI da Tabela ―A‖ da
agravo de instrumento interposto contra decisão do Juiz Presidente do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais Cíveis de Vitória, aforado tempestivamente, em ordem a, nele, esta Corte decidir sobre a admissibilidade do apelo extremo, que se fundamenta em alegação de ofensa ao art. 5º, LV, da CF, matéria prequestionada no Juízo a quo. 4. Mandado de segurança conhecido como reclamação e julgado procedente.‖ (sem o grifo no original). 116
―LEGITIMIDADE ATIVA PARA A RECLAMAÇÃO NA HIPÓTESE DE INOBSERVÂNCIA DO EFEITO VINCULANTE. - Assiste plena legitimidade ativa, em sede de reclamação, àquele - particular ou não - que venha a ser afetado, em sua esfera jurídica, por decisões de outros magistrados ou Tribunais que se revelem contrárias ao entendimento fixado, em caráter vinculante, pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos processos objetivos de controle normativo abstrato instaurados mediante ajuizamento, quer de ação direta de inconstitucionalidade, quer de ação declaratória de constitucionalidade. Precedente.‖ (RCL nº 2.143/SP - AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça de 6 de junho de 2003, p. 30). ―4. Reclamação. Reconhecimento de legitimidade ativa ad causam de todos que comprovem prejuízo oriundo de decisões dos órgãos do Poder Judiciário, bem como da Administração Pública de todos os níveis, contrárias ao julgado do Tribunal. Ampliação do conceito de parte interessada (Lei 8038/90, artigo 13).‖ (RCL nº 1.880/SP – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça de19 de março de 2004, p. 17). 117
No que tange à reclamação da competência do Supremo Tribunal Federal, a petição inicial também deve cumprir o disposto na Resolução nº 421, de 2009, cujo artigo 18 exige a forma eletrônica ―Art. 18. As classes processuais Reclamação (RCL), Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e Proposta de Súmula Vinculante (PSV) passam a ser processadas, exclusivamente, no sistema eletrônico do STF (e-STF ).‖ (sem os grifos no original).
Resolução de Custas do Supremo Tribunal Federal, e no inciso XVI da Tabela
―A‖ da Resolução de Custas do Superior Tribunal de Justiça.
Por fim, a reclamação é registrada no tribunal no qual a petição inicial foi
protocolizada, com a distribuição da reclamação pelo respectivo presidente.
8. DISTRIBUIÇÃO, PROCEDIMENTO E JULGAMENTO
Quando possível, a reclamação é distribuída ao mesmo relator do
processo primitivo, nos termos do artigo 70 do Regimento Interno do Supremo
Tribunal Federal.
Após a distribuição, a reclamação sobe à conclusão do respectivo relator.
Se manifestamente inadmissível a reclamação constitucional, compete ao
próprio relator proferir decisão monocrática de indeferimento da petição inicial,
a qual, todavia, é impugnável mediante agravo interno ou regimental, com
fundamento no artigo 39 da Lei nº 8.038, de 1990.
Em contraposição, satisfeitas as condições da ação e os pressupostos
processuais, o relator admite a petição inicial e dá seguimento ao processo. Ao
admitir a reclamação, o relator pode proferir decisão monocrática liminar de
suspensão do processo anterior ou do ato impugnado, conforme o disposto no
artigo 14 da Lei nº 8.038, de 1990. Também cabe ao relator requisitar
informações da autoridade reclamada, na mesma oportunidade.
À vista do artigo 15 da Lei nº 8.038, de 1990, qualquer interessado pode
impugnar a reclamação constitucional, especialmente a parte contrária no
processo primitivo.
Por força do artigo 16 da Lei nº 8.038, de 1990, é obrigatória a
intervenção do Ministério Público como custos legis, salvo se for o próprio autor
da reclamação constitucional.
Após o oferecimento do parecer ministerial, compete ao relator pedir dia
para julgamento ao presidente do colegiado competente. Incidem, por analogia,
os artigos 552 e 554 do Código de Processo Civil.
A reclamação é julgada pelo órgão coletivo indicado no regimento interno.
No que tange ao Superior Tribunal de Justiça, tanto a corte especial quanto as
seções têm as respectivas competências fixadas nos artigos 11, inciso X, e 12,
inciso III, ambos do Regimento Interno de 1989. Já no Supremo Tribunal
Federal, além do plenário, também as turmas e até mesmo os relatores têm
competências próprias, conforme o disposto nos artigos 6º, inciso I, alínea ―g‖,
9º, inciso I, letra ―c‖, 10, 149, inciso III, e 161, caput e parágrafo único, todos do
Regimento Interno de 1980, com as redações alteradas pelas Emendas
Regimentais n°s 9 e 13, de 2001 e 2004, respectivamente.
Se procedente a reclamação constitucional, o tribunal cassa a decisão
exorbitante do seu julgado ou determina a providência necessária à
preservação da respectiva competência. Aliás, cabe ao presidente do colegiado
determinar o imediato cumprimento da decisão, com a posterior redação do
acórdão, tendo em vista o disposto nos artigos 17 e 18 da Lei nº 8.038, de
1990.
9. RECORRIBILIDADE NO PROCESSO DE RECLAMAÇÃO
As decisões monocráticas proferidas pelos relatores – e também as
prolatadas pelos presidentes, vice-presidentes ou substitutos regimentais, nas
férias, nas licenças e nos eventuais afastamentos dos relatores – são
impugnáveis por meio de agravo interno ou regimental, em cinco dias, à vista
do artigo 39 da Lei nº 8.038, de 1990.
Já os acórdãos proferidos no processo de reclamação desafiam recurso
extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, salvo quando prolatados na
própria Corte Suprema. Sem dúvida, os acórdãos proferidos pelo Superior
Tribunal de Justiça e pelos Tribunais de Justiça em processo de reclamação
são passíveis de recurso extraordinário, nas hipóteses do artigo 102, inciso III,
alíneas ―a‖, ―b‖, ―c‖ ou ―d‖, da Constituição Federal.
Ainda em relação aos acórdãos prolatados pelos Tribunais de Justiça,
também há o cabimento de recurso especial para o Superior Tribunal de
Justiça, nas hipóteses do artigo 105, inciso III, letras ―a‖, ―b‖ e ―c‖, da
Constituição Federal.
Em contraposição, não cabem embargos infringentes contra acórdão em
processo de reclamação, ainda que proferido por maioria de votos, porquanto
não há previsão da reclamação no artigo 530 do Código de Processo Civil. A
propósito, vale conferir o preciso enunciado nº 368 da Súmula do Supremo
Tribunal Federal: ―Não há embargos infringentes no processo de reclamação‖.
Também não são admissíveis embargos de divergência contra acórdão
prolatado em julgamento de reclamação, pela igual falta de previsão no artigo
546 do Código de Processo Civil118.
Por fim, os acórdãos proferidos no processo de reclamação são passíveis
de embargos declaratórios. Na verdade, sustenta-se no presente compêndio
que até mesmo as decisões monocráticas exaradas – por relator, presidente ou
vice-presidente – em processo de reclamação são impugnáveis mediante
embargos de declaração.
10. AÇÃO RESCISÓRIA CONTRA JULGAMENTO PROFERIDO EM
RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL
Além dos recursos cabíveis, também é admissível ação rescisória de
julgado proferido em processo de reclamação, desde que proposta com a
observância do artigo 485 do Código de Processo Civil.
118
Assim, na jurisprudência: PET nº 1.292 - AgRg, Corte Especial do STJ, Diário da Justiça de 25 de março de 2002, p. 157.
Sem dúvida, a reclamação constitucional ocasiona a instauração de
processo judicial de jurisdição contenciosa, em razão do real litígio existente
entre as partes. Daí a formação de coisa julgada material119 passível de
desconstituição mediante ação rescisória, desde que ajuizada dentro do prazo
previsto no artigo 495 do Código de Processo Civil.
119
De acordo, na doutrina: GISELE SANTOS FERNANDES GÓES. A reclamação constitucional. 2005, p. 133: ―Por estar enquadrada como jurisdição contenciosa, produz coisa julgada formal e material‖.
TOMO II
REMÉDIOS
CONSTITUCIONAIS
INTRODUÇÃO
Os remédios constitucionais ou writs são as ações constitucionais de
garantia de direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal, como,
por exemplo, o direito de locomoção, de ir e vir, garantido pela ação de habeas
corpus, e o direito de acesso às informações pessoais existentes em bancos de
dados públicos, protegido por meio da ação de habeas data. São, portanto, os
remédios constitucionais ações constitucionais de garantia de direitos
fundamentais previstos na Constituição.
Os principais remédios constitucionais estão arrolados nos incisos
LXVIII, LXIX, LXX, LXXI, LXXII e LXXIII do artigo 5º da Constituição Federal,
quais sejam, o habeas corpus, o mandado de segurança, o mandado de
injunção, o habeas data e a ação popular, respectivamente.
Além dos cinco remédios constitucionais previstos no artigo 5º da
Constituição Federal, a ação civil pública também protege direitos
constitucionais fundamentais, razão pela qual merece igual atenção em
compêndio destinado ao estudo das ações constitucionais de garantia.
CAPÍTULO I
HABEAS CORPUS
1. PRECEITOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS DE REGÊNCIA
A garantia do habeas corpus está consagrada nos incisos LXVIII e
LXXVII do artigo 5º da Constituição de 1988, para a proteção do direito de
liberdade de locomoção das pessoas. O amplo alcance da garantia sofre
apenas a exceção estampada no § 2º do artigo 142 da mesma Constituição.
No que tange à competência constitucional para o processamento e o
julgamento do habeas corpus, consta dos artigos 102, inciso I, alíneas ―d‖ e ―i‖,
105, inciso I, letra ―c‖, 108, inciso I, alínea ―d‖, 109, inciso VII, e 114, inciso IV,
todos da Constituição Federal.
Além da previsão constitucional, o instituto também consta dos artigos
574, inciso I, 581, inciso X, 647 a 667, todos do Código de Processo Penal,
diploma legal de regência da admissibilidade, do processamento e do
julgamento do habeas corpus.
Por fim, há os regimentos internos dos tribunais, aprovados com
fundamento no artigo 96, inciso I, alínea ―a‖, da Constituição Federal, e nos
artigos 666 e 667 do Código de Processo Penal. Merece destaque o
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, cujos artigos 188 a 199
versam sobre a admissibilidade, o processamento e o julgamento do habeas
corpus.
2. ETMOLOGIA, CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA
A expressão constitucional habeas corpus provém dos termos latinos
―habeo‖120 e ―corpus‖121, cujo significado é ―trazer o corpo‖.
Sob o prisma jurídico, o habeas corpus é a ação constitucional
adequada para a proteção do direito de liberdade de locomoção das pessoas.
Tem lugar, portanto, sempre que alguém sofrer restrição ou ameaça ilegal ou
abusiva em prejuízo do direito de ir e vir. A propósito do conceito, vale conferir
o disposto no inciso LXVIII do artigo 5º da Constituição Federal: ―LXVIII -
conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar
ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por
ilegalidade ou abuso de poder‖. Ainda em relação ao conceito de habeas
corpus, o artigo 647 do Código de Processo Penal também merece destaque:
―Art. 647. Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na
120
Cf. FRANCISCO TORRINHA. Dicionário latino português. 2ª ed., Porto, 1942, p. 371. 121
Cf. FRANCISCO TORRINHA. Dicionário latino português. 2ª ed., Porto, 1942, p. 207.
iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo
nos casos de punição disciplinar‖122.
No que tange à natureza jurídica, trata-se de ação cognitiva que instaura
processo judicial idôneo para afastar ato lesivo ou ameaçador ao direito de
locomoção de pessoa, em virtude de ordem judicial consubstanciada em
condenação de obrigação de fazer ou de não fazer.
Com efeito, o habeas corpus não é espécie de recurso processual, como
pode parecer à primeira vista, em razão da inclusão do instituto nos artigos 647
e seguintes do Código de Processo Penal, no título destinado aos recursos.
Basta lembrar que nem sempre o habeas corpus tem lugar em um processo já
instaurado: o habeas corpus impetrado contra ato de delegado de polícia ou de
promotor de justiça tem lugar sem a prévia existência de processo; e não há
lugar para recurso processual sem a prévia existência de processo. Em boa
hora, portanto, o constituinte de 1987 e 1988 esclareceu a verdadeira natureza
jurídica do habeas corpus, conforme se infere do proêmio do inciso LXXVII do
artigo 5º da Constituição Federal: ―LXXVII – são gratuitas as ações de habeas
corpus e habeas data‖. Daí a conclusão: o habeas corpus tem natureza jurídica
de ação cognitiva que instaura processo judicial.
Por fim, é preciso ressaltar que o habeas corpus é ação de estatura
constitucional, destinada à proteção de direito fundamental, motivo pelo qual é
espécie de writ ou remédio constitucional, ao lado, por exemplo, do habeas
data, do mandado de segurança e da ação popular.
3. PROCESSO GRATUITO
À vista do inciso LXXVII do artigo 5º da Constituição de 1988, é gratuito
o processo de habeas corpus. Não há necessidade, portanto, de recolhimento
de custas judiciais para a admissibilidade, o processamento e o julgamento do
habeas corpus.
4. ADEQUAÇÃO
4.1. GENERALIDADES
A ação de habeas corpus tem lugar para afastar todo e qualquer ato
ilegal ou abusivo que ameace ou prejudique o direito de liberdade de
locomoção das pessoas.
Há duas espécies de habeas corpus: preventivo e liberatório. O habeas
corpus é preventivo quando há ameaça ilegal ou abusiva ao direito de ir e vir,
hipótese na qual a impetração visa à expedição de salvo-conduto, nos termos
do § 4º artigo 660 do Código de Processo Penal: ―§ 4º Se a ordem de habeas
122
No que tange à parte final do artigo 647 do Código de Processo Penal, foi recepcionada pela Constituição de 1988, tendo em vista a igual exceção constante do § 2º do artigo 142: ―Não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares‖.
corpus for concedida para evitar ameaça de violência ou coação ilegal, dar-se-
á ao paciente salvo-conduto assinado pelo juiz‖. Já na hipótese de
concretização de prisão ilegal ou abusiva, o habeas corpus é repressivo ou
liberatório, porquanto visa à expedição de alvará de soltura para reprimir a
prisão ilegal ou abusiva.
Como já anotado, o habeas corpus é admissível tanto no caso de
ilegalidade quanto na hipótese de abuso de poder. É o que se infere do artigo
5º, inciso LXVIII, in fine, da Constituição Federal: ―por ilegalidade ou abuso de
poder‖123.
A ilegalidade é a desconsideração da norma jurídica de forma direta,
frontal: a norma de regência só apresenta uma opção juridicamente possível e
há o desrespeito por alguém, seja autoridade pública, seja particular Vale
ressaltar que a ilegalidade alcança tanto o desrespeito à lei propriamente dita
quanto a ofensa à Constituição. Há ilegalidade, por exemplo, quando o juiz
determina a imediata prisão do condenado, para o cumprimento desde logo da
pena, a despeito de a decisão condenatória não ter transitado em julgado, em
afronta direta ao disposto no inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal124.
Já o abuso de poder se dá quando, a despeito da aparente
compatibilidade com o disposto na norma jurídica, a autoridade pública pratica
ato omissivo ou comissivo desproporcional, desprovido de razoabilidade. O
abuso de poder implica, portanto, ofensa indireta à norma jurídica, apesar da
aparente compatibilidade com o texto normativo. Por exemplo, o inciso LXVII
do artigo 5º da Constituição e o artigo 733 do Código de Processo Civil
autorizam a prisão do devedor de alimentos, sem previsão alguma em relação
ao período da inadimplência que enseja a prisão civil. Não obstante, a despeito
de os textos constitucional e legal não fixarem o período de inadimplência que
autoriza a prisão, há abuso de poder quando o juiz decreta a prisão do devedor
de prestações alimentícias anteriores aos últimos três meses contados do
ajuizamento da ação de execução dos alimentos. Daí a justificativa para a
aprovação do enunciado nº 309 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: ―O
débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende
as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se
vencerem no curso do processo‖.
Por fim, o habeas corpus pode ser utilizado para prevenir e reprimir toda
espécie de ameaça e prisão, em processo penal, eleitoral, trabalhista e até
123
Reforça o artigo 188 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, in verbis: ―Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder‖. 124
De acordo, na jurisprudência: ―Habeas Corpus. 2. Execução provisória da pena. Impossibilidade. Ofensa aos princípios constitucionais da presunção de inocência e da dignidade da pessoa humana. Precedente firmado no HC 84.078/MG de relatoria do Min. Eros Grau. 3. Superação da Súmula 691. 4. Ordem concedida.‖ (HC nº 107.547/SP, 2ª Turma do STF, Diário da Justiça eletrônico de 30 de maio de 2011).
mesmo civil125. A única exceção prevista na Constituição em relação à
admissibilidade do habeas corpus ocorre em relação às punições disciplinares
militares. Com efeito, o § 2º do artigo 142 da Constituição proíbe habeas
corpus em relação às punições disciplinares militares. Não obstante, à vista
das interpretações histórica, sistemática e teleológica, o Supremo Tribunal
Federal também mitiga a vedação constitucional, para admitir o habeas corpus
em algumas hipóteses de ilegalidade ou de abusividade de decretação de
prisão de natureza disciplinar-militar126.
4.2. DIREITO LÍQUIDO E CERTO: PROVA DOCUMENTAL PRÉ-
CONSTITUÍDA
A admissibilidade da ação de habeas corpus depende da instrução da
respectiva petição inicial com prova documental suficiente para demonstrar os
fatos narrados pelo impetrante127. Não há lugar, portanto, para dilação
probatória em sede de habeas corpus128. Daí o acerto do enunciado nº 80 da
Súmula do Tribunal de Justiça de Pernambuco: ―A restrita via do habeas
corpus não comporta o revolvimento probatório necessário à aferição da
125
Por exemplo, decretada a prisão civil do devedor de alimentos, há lugar para habeas corpus, a fim de se eventual ilegalidade ou abusividade do juiz, como a decretação da prisão em razão do inadimplemento de prestações alimentares antigas, vale dizer, anteriores aos últimos três meses da execução, como bem revela o enunciado sumular nº 59 aprovado pelos Desembargadores das Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: ―59 - Dívida de alimentos antiga (aquela vencida há mais de três meses antes do início da execução) não pode justificar a decretação da prisão civil‖. Assim, na jurisprudência: ―HABEAS CORPUS (GARANTIA CONSTITUCIONAL) E TUTELA ORDINÁRIA (RECURSO CÍVEL).
PRISÃO CIVIL. A previsão de agravo de instrumento como meio bastante para impedir a prisão civil do devedor de alimentos não lhe suprime o direito ao habeas corpus, que é garantia constitucional, insuscetível à limitações de prazo.‖ (RHC nº 19.521/MG, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 30 de junho de 2006, p. 213). Também de acordo, ainda na jurisprudência: ―HC - PRISÃO CIVIL - DEVEDOR DE ALIMENTOS - WRIT NÃO CONHECIDO PELO TRIBUNAL A QUO ANTE A EXISTÊNCIA DE RECURSO PRÓPRIO - CERCEAMENTO DE DEFESA - NULIDADE DO ACÓRDÃO - ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO PARA QUE SE APRECIE O MÉRITO DO PEDIDO. 1 - Consoante entendimento desta Corte, o fato de ter havido a interposição de Agravo de Instrumento perante a Corte estadual, não impede o conhecimento do remédio heróico ali impetrado, mormente quando a matéria versada no habeas corpus diz respeito ao status libertatis do paciente, ainda que pendente de apreciação recurso próprio. Precedentes. 2 - Ordem concedida determinando a remessa dos autos ao e. Tribunal a quo, para que este examine o mérito do writ.‖ (HC nº 45.898/MG, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de
13 de fevereiro de 2006, p. 801). 126
"- O entendimento relativo ao § 20 do artigo 153 da Emenda Constitucional nº 1/69, segundo o qual o princípio, de que nas transgressões disciplinares não cabia habeas corpus, não impedia que se examinasse, nele, a ocorrência dos quatro pressupostos de legalidade dessas transgressões (a hierarquia, o poder disciplinar, o ato ligado à função e a pena susceptível de ser aplicada disciplinarmente), continua válido para o disposto no § 2º do artigo 142 da atual Constituição que é apenas mais restritivo quanto ao âmbito dessas transgressões disciplinares, pois a limita às de natureza militar. Habeas corpus deferido para que o S.T.J. julgue o writ que foi impetrado perante ele, afastada a preliminar do seu não-cabimento. Manutenção da liminar deferida no presente habeas corpus até que o relator daquele possa apreciá-la, para mantê-la ou não.‖ (HC nº 70.648/RJ, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 4 de março de 1994, p. 3.289). 127
De acordo, na jurisprudência: ―1. O rito do habeas corpus pressupõe prova pré-constituída do direito alegado, devendo a parte demonstrar, de maneira inequívoca, por meio de documentos que evidenciem a pretensão aduzida, a existência do aventado constrangimento ilegal suportado pelo paciente.‖ (HC nº 153.121/SP, 5ª Turma do STJ, Diário da Justiça eletrônico de 1º de setembro de 2011). 128
De acordo, na jurisprudência: ―- O habeas corpus constitui remédio processual inadequado para a análise da prova, para o reexame do material probatório produzido, para a reapreciação da matéria de fato e, também, para a revalorização dos elementos instrutórios coligidos no processo penal de conhecimento.‖ (HC nº 74.420/RJ, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 19 de dezembro de 1996, p. 51.768).
negativa de autoria‖. Em suma, a petição inicial do habeas corpus sempre deve
estar instruída com prova documental idônea ao completo esclarecimento dos
fatos narrados pelo impetrante, sob pena de extinção do processo sem
julgamento do mérito, por carência de ação129.
4.3. DECISÃO JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO:
ADMISSIBILIDADE DO HABEAS CORPUS
A despeito da existência do instituto da revisão criminal, admissível para
impugnar decisões judiciais condenatórias transitadas em julgado, o Supremo
Tribunal Federal também autoriza a impetração de habeas corpus, tendo em
vista a ausência de restrição no inciso LXVIII do artigo 5º da Constituição130.
4.4. PROTEÇÃO DE OUTROS DIREITOS ALHEIOS À LIBERDADE DE
LOCOMOÇÃO: INADEQUAÇÃO DO HABEAS CORPUS
O habeas corpus só é adequado para a defesa do direito de ir e vir
lesado ou ameaçado, e não para proteger outros direitos alheios à liberdade de
locomoção das pessoas. Por conseguinte, não é admissível habeas corpus se
o paciente beneficiário da impetração já está livre, por ter cumprido a pena
privativa de liberdade131, ou foi libertado em razão da extinção da pena por
outro fundamento132. Daí o acerto do enunciado nº 695 da Súmula do Supremo
Tribunal Federal: ―Não cabe habeas corpus quando já extinta a pena privativa
de liberdade‖.
Na mesma esteira, não é admissível habeas corpus se o paciente
beneficiário da impetração não sofreu pena privativa de liberdade, mas, sim,
pena de outra natureza, sem repercussão alguma no direito de ir e vir. Em
129
De acordo, na jurisprudência: ―- O habeas corpus, ação constitucional destinada a assegurar o direito
de locomoção em face de ilegalidade ou abuso de poder, não se presta para desconstituir decisão condenatória fundada em judicioso exame de provas, pois o estudo do fato não se compadece com o rito especial do remédio heróico.‖ (HC nº 21.200/SP, 6ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 2 de setembro de 2002, p. 249). 130
―Habeas corpus. Penal. Decisão transitada em julgado. Possibilidade de impetração de habeas corpus. Precedentes. Crime de furto qualificado. Artigo 155, § 4º, inciso IV, do Código Penal. Aplicação do privilégio (ibidem § 2º) ao furto qualificado. Possibilidade. Precedentes. Ordem concedida. 1. A jurisprudência desta Suprema Corte consolidou-se no sentido de que ‗a coisa julgada estabelecida no processo condenatório não é empecilho, por si só, à concessão de habeas corpus por órgão jurisdicional de gradação superior, de modo a desconstituir a decisão coberta pela preclusão máxima‘ (RHC nº 82.045/SP, Primeira Turma, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 25/10/02).‖ (HC nº 101.256/RS, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça eletrônico de 13 de setembro de 2011). 131
De acordo, na jurisprudência: ―Sem se achar em causa o direito de locomoção do paciente, não cabe habeas corpus para atacar condenação, já se achando cumprida e a pena nela cominada.‖ (HC nº 77.540/CE, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 16 de abril de 1999). ―– Habeas Corpus. – Seu fim precípuo é prevenir ou remediar a liberdade de locomoção da paciente. II. Se esta já não existe porque extinta a pena, incabível é o uso do writ, nos termos da Constituição, art. 153, § 20, e segundo jurisprudência pacífica do S.T.F. III. Pedido de habeas corpus não conhecido.‖ (HC nº 52.534/SP, 2ª Turma do STF, Diário da Justiça de 8 de novembro de 1974). 132
De acordo, na jurisprudência: ―– HABEAS CORPUS. Prescrição. Não cabimento do writ, porque o paciente não está preso, nem ameaçado de prisão. Seu direito de ir e vir não se acha comprometido por qualquer ato emanado de autoridade. Embora condenado, a prescrição, que lhe favoreceu (art. 110 do Código Penal), importou a renúncia do Estado à pretensão executiva da pena.‖ (HC nº 57.753/SP, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 16 de maio de 1980).
abono, vale conferir o enunciado nº 694 da Súmula do Supremo Tribunal
Federal: ―Não cabe habeas corpus contra a imposição de pena de exclusão de
militar ou de perda de patente ou de função pública‖. As hipóteses previstas no
enunciado sumular autorizam a impetração de mandado de segurança, mas
nunca de habeas corpus, porquanto não está em jogo o direito de liberdade de
locomoção133.
Por fim, também não é admissível habeas corpus para discutir a erronia
da aplicação de simples pena de multa. A propósito, merece ser prestigiado o
correto enunciado nº 693 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: ―Não cabe
habeas corpus contra decisão condenatória a pena de multa, ou relativo a
processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única
cominada‖. Sem dúvida, não há lugar para habeas corpus se não existe lesão
nem ameaça ao direito de liberdade de locomoção.
5. PROCEDIMENTO ESPECIAL E SUJEITOS DO PROCESSO DE
HABEAS CORPUS
O processo de habeas corpus segue procedimento especial marcado
pela celeridade, em razão do bem jurídico objeto do writ: o direito de liberdade
de locomoção do ser humano. Daí a possibilidade da prestação de tutela
jurisdicional liminar pelo juiz ou tribunal competente, para a imediata soltura
daquele que se encontra preso de forma ilegal ou abusiva, ou para a
concessão de salvo-conduto em prol da pessoa que sofre risco de prisão ilegal
ou abusiva.
Além do juiz ou tribunal competente, há outras sujeitos no processo de
habeas corpus: – o impetrante, peticionário do writ; – o paciente, beneficiário
da impetração; – e o coator, autoridade pública ou até mesmo particular que
ameaça ou lesa direito de liberdade de locomoção de outrem.
5.1. IMPETRANTE
A ação de habeas corpus pode ser impetrada por qualquer pessoa, em
seu favor ou em prol de outrem, bem assim pelo Ministério Público, como bem
autoriza o artigo 654 do Código de Processo Penal: ―O habeas corpus poderá
ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo
Ministério Público‖. Nada impede, portanto, que o impetrante seja o próprio
paciente, vale dizer, o beneficiário da impetração.
Ainda em relação ao impetrante, a capacidade postulatória não depende
de formação jurídica, motivo pelo qual a impetração pode se dar
independentemente do patrocínio da causa por advogado. É o que se infere do
§ 1º do artigo 1º da Lei nº 8.906, de 1994, in verbis: ―§ 1º Não se inclui na
133
De acordo, na jurisprudência: ―Não está em causa a liberdade de locomoção do oficial, na decisão do Tribunal de Justiça que decreta a perda de sua patente na Polícia Militar, sem caber, portanto, impugná-la pela via do habeas corpus.‖ (HC nº 77.505/ RN, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 4 de dezembro de 1998).
atividade privativa de advocacia a impetração de habeas corpus em qualquer
instância ou tribunal‖.
No habeas corpus, portanto, a legitimidade ativa e a capacidade
postulatória são amplas, em virtude da autorização legal em prol da impetração
por toda e qualquer pessoa, em nome próprio, ainda que em favor de outrem,
independentemente de mandato judicial e de inscrição nos quadros da Ordem
dos Advogados do Brasil.
Por fim, no que tange à impetração do habeas corpus por parte do
Ministério Público, é admissível, mas com ressalva: a impetração só pode ser
favorável ao paciente; o writ não é admissível quando a impetração implica
algum prejuízo, ainda que indireto, ao paciente134.
5.2. PACIENTE
O paciente é o beneficiário da impetração do habeas corpus. É a pessoa
em favor de quem é requerida a ordem de soltura, na impetração liberatória, ou
a expedição de salvo-conduto, na impetração preventiva.
Nada impede que uma pessoa seja, a um só tempo, impetrante e
paciente, porquanto o habeas corpus pode ser impetrado em favor do próprio
peticionário.
A impetração do habeas corpus não depende de prévia autorização do
paciente. Não obstante, se o writ for desautorizado pelo paciente, o processo
deve ser extinto, sem julgamento do mérito, por carência da ação. Sem dúvida,
se o paciente manifestar discordância com a impetração realizada em seu
favor, o processo de habeas corpus deve ser extinto sem julgamento do
mérito135.
Por fim, o paciente só pode ser pessoa natural, tendo em vista o bem
jurídico tutelado pelo writ, qual seja, a liberdade de locomoção das pessoas,
bem jurídico alheio ao universo das pessoas jurídicas. Com efeito, toda e
qualquer pessoa natural pode ser paciente no habeas corpus, tanto os
brasileiros, natos e naturalizados, quanto os estrangeiros residentes no Brasil,
conforme se infere da interpretação sistemática do artigo 5º, caput e inciso
LXVIII, da Constituição Federal136. Aliás, o Supremo Tribunal Federal firmou
correta interpretação extensiva da Constituição, a fim de conferir a garantia
constitucional do habeas corpus até mesmo aos estrangeiros sem residência
134
De acordo, sob ambos os prismas, na jurisprudência: ―1. O Código de Processo Penal (art. 654) e a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (art. 32, I) conferem legitimidade ao Promotor de Justiça para impetrar habeas corpus, desde que, segundo a jurisprudência desta Corte, a impetração não atente contra o interesse do paciente, caracterizando abuso de poder, com o fito de favorecer interesses da acusação.‖ (HC n° 77.017/RS, 2ª Turma do STF, Diário da Justiça de 11 de setembro de 1998, p. 5, sem os grifos no original). 135
É o que dispõe o artigo 192, § 3º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. 136
De acordo, na jurisprudência: ―DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - ESTRANGEIROS - A teor do disposto na cabeça do artigo 5º da Constituição Federal, os estrangeiros residentes no País têm jus aos direitos e garantias fundamentais.‖ (HC nº 74.051/SC, 2ª Turma do STF, Diário da Justiça de 20 de setembro de 1996, p. 34.538).
no país137. Em suma, o habeas corpus pode ter como beneficiária toda e
qualquer pessoa natural, nacional ou estrangeira, mas não pode ser impetrado
em prol de pessoa jurídica, tendo em vista o escopo do writ: a proteção do
direito de liberdade de locomoção.
5.3. COATOR
Coator é a autoridade pública ou o particular que lesa ou ameaça o
direito de liberdade de locomoção de outrem. Sem dúvida, embora a regra seja
a impetração à vista de ato de autoridade pública, nada impede a impetração
quando a lesão ou a ameaça ao direito de ir e vir se dá por particular, como,
por exemplo, quando o diretor de hospital privado que impede a saída de
paciente, por falta de pagamento138, ou o deslocamento do paciente para outro
hospital, em razão da gravidade da enfermidade.
6. HABEAS CORPUS EX OFFICIO
Além da ampla legitimidade ativa consagrada no caput do artigo 654 do
Código de Processo Penal para a impetração de habeas corpus, o § 2º do
mesmo artigo também autoriza a concessão de ofício por juiz ou tribunal, nos
seguintes termos: ―§ 2o Os juízes e os tribunais têm competência para expedir
de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem
que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal‖. Daí a
possibilidade concessão da ordem de ofício tanto por juiz de primeiro grau
quanto por relator, presidente, turma, câmara, grupo, seção, órgão especial ou
plenário de tribunal.
7. COMPETÊNCIA
7.1. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL
A competência para o processamento e o julgamento de habeas corpus
no Supremo Tribunal Federal deve ser aferida à luz do paciente139 e do
coator140, tendo em vista o disposto nas alíneas ―d‖ e ―i‖ do inciso I do artigo
102 da Constituição Federal.
À vista do artigo 102, inciso I, alínea ―d‖, da Constituição Federal, a
distribuição da competência se dá em razão do paciente: cabe ao Supremo
137
Assim, na jurisprudência: ―ESTRANGEIRO NÃO DOMICILIADO NO BRASIL - IRRELEVÂNCIA - CONDIÇÃO JURÍDICA QUE NÃO O DESQUALIFICA COMO SUJEITO DE DIREITOS E TITULAR DE GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS‖ (HC nº 94.016/SP, 2ª Turma do STF, Diário da Justiça eletrônico nº 38). 138
De acordo, na jurisprudência: ―HABEAS CORPUS - Impetração contra particular - Cabimento - Hospital - Saída de internado impedida por não ter feito o pagamento das despesas - Constrangimento ilegal caracterizado - Ordem concedida.‖ (TJMS, Revista dos Tribunais, volume 574, página 400). 139
Vale dizer, pessoa beneficiária da impetração. 140
Vale dizer, autor da ilegalidade ou da ameaça objeto do writ.
Tribunal Federal processar e julgar originariamente as ações de habeas corpus
impetradas em favor do Presidente da República, do Vice-Presidente, de
Senador da República, de Deputado Federal, do Procurador-Geral da
República, de Ministro da Corte Suprema ou de algum dos Tribunais
Superiores141, de Ministro de Estado, de Ministro do Tribunal de Contas da
União, de Comandante das Forças Armadas142 ou de Chefe de Missão
Diplomática brasileira de caráter permanente.
Já a alínea ―i‖ do inciso I do artigo 102 da Constituição versa sobre a
competência à vista do coator: cabe ao Supremo Tribunal Federal processar e
julgar originariamente as ações de habeas corpus impetradas em face de
Tribunais Superiores ou de autoridades sujeitas à jurisdição da Corte Suprema.
Em primeiro lugar, é importante aferir o alcance da expressão
constitucional ―quando o coator for Tribunal Superior‖, inserta na alínea ―i‖ do
inciso I do artigo 102 da Constituição, a fim de se saber se a impetração é
admissível à vista de ato monocrático de Ministro-Relator ou se o writ só tem
lugar quando há ato colegiado de Turma, de Seção, da Corte Especial ou do
Plenário de Tribunal Superior.
Ao examinarem a vexata quaestio na sessão plenária de 23 de setembro
de 2003, os Ministros da Corte Suprema aprovaram o enunciado nº 691,
contrário à impetração em face de ato monocrático de Ministro-Relator de
Tribunal Superior: ―Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de
habeas corpus impetrado contra decisão do relator que, em habeas corpus
requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar‖. Não obstante, a orientação
jurisprudencial estampada no enunciado nº 691 não é absoluta, como também
já decidiram os Ministros da Corte Suprema em mais de uma oportunidade143.
Aliás, já é possível encontrar recentes precedentes jurisprudenciais com a
declaração explícita da superação do enunciado sumular144.
141
Quais sejam: Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior do Trabalho, Tribunal Superior Eleitoral e Superior Tribunal Militar. 142
Quais sejam, Marinha, Exército e Aeronáutica. 143
―1. COMPETÊNCIA CRIMINAL. Habeas corpus. Impetração contra decisão de ministro relator do Superior Tribunal de Justiça. Indeferimento de liminar em habeas corpus. Rejeição de proposta de cancelamento da súmula 691 do Supremo. Conhecimento admitido no caso, com atenuação do alcance do enunciado da súmula. O enunciado da súmula 691 do Supremo não o impede de, tal seja a hipótese, conhecer de habeas corpus contra decisão de relator que, em habeas corpus requerido ao Superior Tribunal de Justiça, indefere liminar.‖ (HC nº 85.185/SP, Plenário do STF, Diário da Justiça de 1º de setembro de 2006). ―PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ARTS. 288 E 344 DO CÓDIGO
PENAL, COMBINADO COM O ART. 10, § 2º DA LEI 9.437/97. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECOLHIMENTO À PRISÃO PARA APELAR. NECESSIDADE DE GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. DECISÃO ENUNCIADA GENERICAMENTE. SÚMULA 691 DO STF. CONSTRANGIMENTO ILEGAL QUE PERMITE A SUPERAÇÃO DESTA. I – Na hipótese de evidente constrangimento ilegal, admite-se a superação da Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal.‖ (HC nº 90.746/SP, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 11 de maio de 2007). 144
De acordo, na jurisprudência: ―Habeas Corpus. 2. Execução provisória da pena. Impossibilidade. Ofensa aos princípios constitucionais da presunção de inocência e da dignidade da pessoa humana. Precedente firmado no HC 84.078/MG de relatoria do Min. Eros Grau. 3. Superação da Súmula 691. 4. Ordem concedida.‖ (HC nº 107.547/SP, 2ª Turma do STF, Diário da Justiça eletrônico de 30 de maio de 2011, sem o grifo no original).
Ainda em relação à interpretação da alínea ―i‖ do inciso I do artigo 102
da Constituição, também é preciso voltar os olhos para a expressão ―ou
quando o coator ou o paciente for autoridade ou funcionário cujos atos estejam
sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal‖. À vista da
expressão constitucional sub examine, os Ministros da Corte Suprema
aprovaram o enunciado nº 690: ―Compete originariamente ao Supremo Tribunal
Federal o julgamento de habeas corpus contra decisão de turma recursal dos
juizados especiais criminais‖. Não obstante, hoje a maioria dos Ministros da
Corte Suprema marcha em rumo oposto, com a defesa da tese da
incompetência do Supremo Tribunal em relação às ações de habeas corpus
provenientes das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Criminais145.
Por fim, a interpretação das alíneas ―d‖ e ―i‖ do inciso I do artigo 102 da
Constituição Federal também autoriza a conclusão segundo a qual não
compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar habeas corpus
impetrado em face de ato de Ministro da própria Corte Suprema, muito menos
contra julgamentos colegiados das Turmas ou do Plenário do Tribunal. É o que
se infere do enunciado nº 606 da Súmula da Corte Suprema: ―Não cabe
habeas corpus originário para o Tribunal Pleno de decisão de Turma, ou do
Plenário, proferida em habeas corpus ou no respectivo recurso‖. Sem dúvida,
não compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar as ações de
habeas corpus que tenham em mira julgamentos monocráticos e colegiados
proferidos na própria Corte Suprema, pelo Ministro-Presidente, por Ministro-
Relator, em Turma ou no Plenário146.
145
―COMPETÊNCIA – HABEAS CORPUS – ATO DE TURMA RECURSAL. Estando os integrantes das turmas recursais dos juizados especiais submetidos, nos crimes comuns e nos de responsabilidade, à jurisdição do tribunal de justiça ou do tribunal regional federal, incumbe a cada qual, conforme o caso, julgar os habeas impetrados contra ato que tenham praticado.‖ (HC nº 86.834/SP, Plenário do STF, Diário da Justiça de 9 de março de 2007). ―II. Habeas corpus: conforme o entendimento firmado a partir do julgamento do HC 86.834 (Pl, 23.6.06. Marco Aurélio, Inf., 437), que implicou o cancelamento da Súmula 690, compete ao Tribunal de Justiça julgar habeas corpus contra ato de Turma Recursal dos Juizados Especiais do Estado.‖ (HC nº 90.905/SP – AgRg, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 11 de maio de 2007). 146
―HABEAS CORPUS. NÃO CABIMENTO CONTRA ATO DE MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. O Supremo Tribunal Federal firmou, no julgamento do HC nº 86.548, entendimento no sentido do não cabimento de habeas corpus originário para o Pleno contra ato de seus ministros. Aplicou-se, por analogia, a Súmula 606/STF. Habeas corpus não conhecido.‖ (HC nº 91.207/RJ, Plenário do STF, Diário da Justiça eletrônico de 4 de março de 2010). ―Habeas corpus. Impetração contra ato da Segunda Turma que negou seguimento a agravo de instrumento. Inadmissibilidade. Súmula nº 606/STF. Habeas corpus não conhecido. 1. O habeas corpus não tem passagem quando impugna ato emanado por órgão
fracionário deste Supremo Tribunal. Incidência do enunciado da Súmula nº 606 desta Suprema Corte. 2. Writ não conhecido.‖ (HC nº 96.851/BA, Plenário do STF, Diário da Justiça eletrônico de 10 de junho de 2010). ―2. De mais a mais, este Excelso Pretório firmou a orientação do não-cabimento da impetração de habeas corpus contra ato de Ministro Relator ou contra decisão colegiada de Turma ou do Plenário do próprio Tribunal, independentemente de tal decisão haver sido proferida em sede de habeas corpus ou
proferida em sede de recursos em geral. (Cf. Súmula 606; HC 100.738/RJ, Tribunal Pleno, redatora para o acórdão a ministra Cármen Lúcia, DJ 01/07/2010; HC 101.432/MG, Tribunal Pleno, redator para o acórdão o ministro Dias Toffoli, DJ 16/04/2010; HC 88.247-AgR-AgR/RJ, Tribunal Pleno, da relatoria do ministro Celso de Mello, DJ 20/11/2009; HC 91.020-AgR/MG, Tribunal Pleno, da relatoria do ministro Celso de Mello, DJ 03/04/2009; HC 86.548/SP, Tribunal Pleno, da relatoria do ministro Cezar Peluso, DJ 19/12/2008.)‖ (HC nº 96.954/SP – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça eletrônico de 7 de junho de 2011).
7.2. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA
Tal como estudado em relação à competência originária do Supremo
Tribunal Federal, a competência para o processamento e o julgamento de
habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça também deve ser aferida à luz
do paciente147 e do coator148, tendo em vista o disposto nas alíneas ―a‖ e ―c‖ do
inciso I do artigo 105 da Constituição.
Em primeiro lugar, compete ao Superior Tribunal de Justiça processar e
julgar originariamente as ações de habeas corpus quando o paciente ou o
coator for Governador de Estado ou do Distrito Federal, Desembargador de
Tribunal de Justiça de Estado ou do Distrito Federal, Juiz de Tribunal Regional
Federal149, Juiz de Tribunal Regional do Trabalho, Juiz de Tribunal Regional
Eleitoral, Conselheiro de Tribunal de Contas de Estado, do Distrito Federal ou
de Município, Procurador da República ou Subprocurador-Geral do Ministério
Público da União que oficie perante algum dos tribunais acima apontados.
Ainda à vista do disposto na alínea ―c‖ do inciso I do artigo 105 da
Constituição Federal, também compete ao Superior Tribunal de Justiça
processar e julgar originariamente as ações de habeas corpus quando o coator
for Tribunal de Justiça, Tribunal Regional Federal, Ministro de Estado ou
Comandante das Forças Armadas.
7.3. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DOS TRIBUNAIS REGIONAIS
FEDERAIS
À vista do artigo 108, inciso I, alínea ―d‖, da Constituição Federal,
compete aos Tribunais Regionais Federais processar e julgar originariamente
as ações de habeas corpus quando o coator for Juiz Federal.
7.4. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA
A Constituição Federal não dispõe sobre a competência originária dos
Tribunais de Justiça para o processamento e julgamento de habeas corpus. O
caput e o § 1º do artigo 125 da Constituição Federal apenas revelam que a
Constituição do Estado versará sobre a competência do respectivo Tribunal de
Justiça. Daí a necessidade da conferência das Constituições de cada Estado
da Federação, bem como da Lei de Organização Judiciária150 e da Lei
Orgânica do Distrito Federal151.
147
Vale dizer, pessoa beneficiária da impetração. 148
Vale dizer, autor da ilegalidade ou da ameaça objeto do writ. 149
A despeito do termo estampado no caput do artigo 107 da Constituição Federal, qual seja, ―juízes‖, há preceitos regimentais de Tribunais Regionais Federais que adotam a expressão ―desembargadores federais‖, a qual, todavia, não tem previsão na Constituição. 150
Cf. artigo 21, inciso XIII, e 22, inciso XVII, ambos da Constituição Federal. 151
Ao contrário dos Estados-membros, o Distrito Federal não é regido por diploma denominado ―Constituição‖, mas, sim, pela ―lei orgânica‖ prevista no artigo 32 da Constituição Federal.
7.5. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL
Segundo o artigo 109, inciso VII, da Constituição, aos Juízes Federais
compete processar e julgar as ações de habeas corpus em matéria criminal da
competência da Justiça Federal, bem como as impetrações quando o
constrangimento provier de autoridade federal cujos atos não estejam
diretamente submetidos à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, do Superior
Tribunal de Justiça nem dos Tribunais Regionais Federais.
7.6. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA LOCAL
Na falta de previsão de competência constitucional do Supremo Tribunal
Federal, do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal Regional Federal, do
Tribunal de Justiça ou da Justiça Federal, o habeas corpus é da competência
de Juiz de Direito. Trata-se, à evidência, de competência residual, vale dizer,
só tem lugar quando o paciente e o coator não afetam a competência de outra
Justiça ou de algum Tribunal, à vista da Constituição Federal ou da
Constituição do Estado. Sob outro prisma, trata-se de competência de primeiro
grau de jurisdição, tal como se dá em relação ao habeas corpus da
competência da Justiça Federal, julgado por Juiz Federal em primeiro grau de
jurisdição.
8. PROCESSAMENTO E RECORRIBILIDADE
8.1. PROCESSAMENTO E RECORRIBILIDADE EM HABEAS CORPUS
EM PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO
O habeas corpus é ação de natureza cognitiva que instaura processo
judicial marcado pela celeridade máxima, com possibilidade de prestação
jurisdicional in limine litis, tanto pelo juiz quanto pelo tribunal competente, para
a expedição de alvará de soltura ou de salvo-conduto, conforme o paciente já
esteja preso ou apenas ameaçado.
A petição inicial de habeas corpus deve ser elaborada à luz do artigo
654, § 1º, do Código de Processo Penal, com a indicação do nome do
impetrante, do paciente e do coator, a exposição dos fatos constitutivos do
pedido de soltura ou de salvo-conduto, e a assinatura do impetrante. A petição
de habeas corpus também deve ser instruída com toda prova documental
disponível no momento da impetração, para a demonstração dos fatos
narrados. Por fim, o impetrante pode requerer a concessão liminar da ordem,
para a soltura imediata do paciente ou a expedição de salvo-conduto, em razão
de manifesta ilegalidade ou abuso de poder do coator.
Com efeito, distribuído o writ, o juiz pode proferir decisão in limine litis,
para fazer cessar a ilegalidade ou o abuso de poder desde logo. Trata-se de
competência que encontra sustentação nas interpretações sistemática e
teleológica do artigo 656 do Código de Processo Penal.
Em seguida, o juiz determina as diligências que julgar necessárias à
instrução do processo, como a requisição de informações a serem prestadas
pelo coator e a realização de interrogatório do paciente.
Ainda em relação às diligências no processo de habeas corpus da
competência de juízo de primeiro grau, vale ressaltar que não há intervenção
ministerial na qualidade de fiscal da lei. Com efeito, à vista do Decreto-lei nº
552, de 1969, não há abertura de vista ao representante do Ministério Público
no processo de habeas corpus em tramitação em primeiro grau de jurisdição152.
Findas as diligências determinadas pelo juiz, a sentença deve ser
proferida ―dentro de 24 (vinte e quatro) horas‖153.
Proferida sentença concessiva do habeas corpus, há a imediata
expedição de alvará de soltura ou de salvo-conduto, conforme a impetração
seja liberatória ou preventiva. Com efeito, a sentença concessiva deve ser
cumprida desde logo, a despeito da necessidade de reexame pelo tribunal, por
força do artigo 574, inciso I, do Código de Processo Penal154. Sem dúvida, a
necessidade de reexame pelo tribunal não impede o cumprimento imediato da
ordem de soltura ou de expedição de salvo-conduto.
Por fim, a sentença proferida em processo de habeas corpus enseja
recurso em sentido estrito, com fundamento no artigo 581, inciso X, do Código
de Processo Penal. Sem dúvida, quando a impetração tem lugar em juízo de
primeiro grau de jurisdição, seja federal, estadual ou distrital, tanto a sentença
concessiva quanto a denegatória de habeas corpus são impugnáveis mediante
152
De acordo, na jurisprudência: ―PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO. HABEAS CORPUS. PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO. JULGAMENTO DO MÉRITO. ORDEM DENEGADA. AUSÊNCIA PRÉVIA DE INTIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE DA SENTENÇA. PREJUÍZO NÃO RECONHECIDO. DECRETO-LEI 552/69. 1. A intimação do Ministério Público Federal para manifestar-se em sede de habeas corpus é necessária tão-somente nos tribunais federais e estaduais, a teor do Decreto-Lei nº 552/69, não sendo obrigatória a intervenção ministerial nas ações em trâmite no primeiro grau de jurisdição, salvo se o Parquet for o autor da ação ou a autoridade coatora.‖
(RES n° 0034818-17.2008.4.01.3400/DF, 3ª Turma do TRF da 1ª Região, Diário da Justiça Eletrônico de 7 de junho de 2010, p. 174, sem os grifos no original). ―HABEAS CORPUS. PUNIÇÃO DISCIPLINAR MILITAR. LEGALIDADE. DISCUSSÃO. CF/1988, ART. 142, § 2º. CABIMENTO. ORDEM CONCEDIDA. REMESSA OFICIAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. UNIÃO FEDERAL. LEGITIMIDADE PARA RECORRER. MINISTÉRIO PÚBLICO. NÃO INTERVENÇÃO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO. AMEAÇA IMINENTE. 1. Carece a União Federal de legitimidade ad causam para recorrer de decisão que concede ordem de habeas corpus. 2. A não intervenção do Ministério Público Federal na primeira instância não é motivo para a anulação da sentença.‖ (RSE n° 0020457-76.2009.4.01.3200/AM, 4ª Turma do TRF da 1ª Região, Diário da Justiça Eletrônico de 11 de março de 2011, p. 378, sem os grifos no original). Colhe-se do voto-vencedor proferido pelo Desembargador-Relator: ―Inicialmente, rejeito a arguição de nulidade da sentença por falta de intervenção no processo do Ministério Público, em primeiro grau de jurisdição. É que a abertura de vista ao Ministério Público Federal após prestadas as informações pela autoridade coatora, é obrigatória apenas nos habeas corpus originários ou em grau de recurso nos Tribunais, por força de previsão legal consubstanciada no Decreto-lei n. 552/69. ‗Na primeira instância‘, consoante anota Damásio Evangelista de Jesus, ‗o Ministério Público não intervém. Nesse sentido: STJ, HC 1484, 6ª Turma, DJU 26.10.92, p. 19.072)‘ (in Código de Processo Penal Anotado – 23ª ed. – Saraiva – p. 541). De concluir que a não intervenção do Parquet federal, no
caso, não é motivo para a anulação da sentença." (sem os grifos no original). Contra, entretanto, há o enunciado nº 3 da 2ª Câmara do Ministério Público Federal, aprovado em 31 de maio de 2004, na 268ª sessão, nos seguintes termos: ―O Procurador da República deve obrigatoriamente atuar em habeas corpus que tramite no 1° grau de jurisdição, oficiando como custos legis.‖ 153
Artigo 660, caput, in fine, do Código de Processo Penal. 154
É o denominado ―recurso de ofício‖ do juiz, apesar de o instituto jurídico do inciso I do artigo 574 do Código de Processo Penal não ter natureza jurídica de recurso.
recurso em sentido estrito. Trata-se de recurso com prazo de interposição de
cinco dias, com prazo adicional de dois dias para a apresentação das razões
recursais, conforme se infere dos artigos 586, caput, e 588, caput, ambos do
Código de Processo Penal.
8.2. PROCESSAMENTO E RECORRIBILIDADE EM HABEAS CORPUS
ORIGINÁRIO DE TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DE TRIBUNAL REGIONAL
FEDERAL
Nas hipóteses constitucionais e legais de competência originária, o
habeas corpus deve ser impetrado diretamente no tribunal competente, por
meio de petição endereçada ao respectivo presidente.
Como já anotado, a petição do habeas corpus deve ser elaborada com a
observância do disposto no artigo 654, § 1º, do Código de Processo Penal,
igualmente aplicável às impetrações originárias de tribunal. Por conseguinte, a
petição de habeas corpus deve conter as qualificações do impetrante, do
paciente e do coator, a exposição dos fatos constitutivos do pedido de soltura
ou de salvo-conduto, e a assinatura do impetrante na petição. A petição
também deve ser instruída com toda prova documental disponível no momento
da impetração, para a demonstração dos fatos narrados. Por fim, o impetrante
pode requerer a concessão liminar da ordem, para a soltura imediata do
paciente ou a expedição de salvo-conduto, em razão de manifesta ilegalidade
ou abuso de poder do coator.
Após o protocolo da petição no tribunal, o habeas corpus é distribuído
pelo presidente a um relator, o qual passa a ser o competente para a instrução
do processo no tribunal. Cabe ao relator dar processamento ao habeas corpus
e proferir as decisões urgentes, como no caso de réu preso. Com efeito, o
relator no tribunal pode proferir decisão monocrática liminar, quer para
conceder a ordem, quer para denegá-la, até o julgamento final pelo colegiado
competente. Durante as férias e no recesso forense, cabe ao presidente do
tribunal proferir as decisões in limine litis.
À vista do artigo 39 da Lei nº 8.038, de 1990, tanto a decisão
monocrática de autoria de relator quanto a decisão monocrática presidencial
são passíveis de impugnação mediante agravo interno ou regimental, no prazo
de cinco dias. Não obstante, a orientação jurisprudencial predominante é
contrária ao cabimento de agravo na hipótese de decisão monocrática liminar
proferida em processo originário de habeas corpus, como revela o enunciado
nº 6 da Súmula do Tribunal de Justiça da Paraíba: ―Não cabe recurso contra
decisão do Relator que concede ou nega liminar em habeas corpus‖. É o que
também se infere do enunciado nº 52 aprovado nas Câmaras Criminais do
Tribunal de Justiça de Minas Gerais: ―Não cabe agravo regimental de decisão
monocrática de relator que indefere liminar em processo de habeas corpus‖155-156.
Proferida a decisão concessiva ou denegatória da ordem liminar, o
relator pode requisitar informações ao coator, se julgar conveniente. Com
efeito, o § 2º do artigo 1º do Decreto-lei nº 552 revela que o relator pode
requisitar informações ou dispensá-las, se julgar que são desnecessárias à
instrução do processo.
Prestadas as informações pelo coator ou dispensadas pelo relator, há a
abertura de vista ao Procurador do Ministério Público que oficia no tribunal,
pelo prazo de dois dias, para apresentação de parecer, ex vi do artigo 1º do
Decreto-lei nº 552, de 1969. Findo o prazo, com ou sem parecer ministerial,
cabe ao relator levar o habeas corpus ―para julgamento, independentemente de
pauta‖157.
Sem dúvida, concedida ou denegada a ordem liminarmente, colhidas ou
dispensadas as informações, oferecido o parecer ou não apresentada a
manifestação ministerial a tempo e modo, cabe ao relator submeter o habeas
corpus ao órgão colegiado indicado no regimento interno do tribunal,
independentemente de inclusão em pauta. Com efeito, em razão da celeridade
que marca o procedimento especial do habeas corpus, não há prévia inclusão
nem publicação de pauta, mas, sim, o imediato julgamento, na primeira sessão
do colegiado competente: turma, câmara, grupo, seção, órgão especial ou
plenário.
Como já anotado, o julgamento definitivo de habeas corpus tem lugar no
órgão colegiado indicado no regimento interno do tribunal, com a apuração do
resultado à vista da maioria dos votos proferidos na turma, na câmara, no
grupo de câmaras, na seção especializada, no órgão especial ou no plenário.
Na eventualidade de empate no julgamento realizado no tribunal, o presidente
do colegiado profere voto de desempate. Caso no presidente do colegiado já
tenha participado da votação cujo resultado foi o empate, há a concessão da
ordem em favor do paciente, tendo em vista o disposto no parágrafo único do
artigo 664 do Código de Processo Penal, in verbis: ―Parágrafo único. A decisão
será tomada por maioria de votos. Havendo empate, se o presidente não tiver
tomado parte na votação, proferirá voto de desempate; no caso contrário,
prevalecerá a decisão mais favorável ao paciente‖.
Denegado o habeas corpus pelo colegiado competente do Tribunal de
Justiça ou do Tribunal Regional Federal, cabe recurso ordinário para o Superior
Tribunal de Justiça, no prazo de cinco dias, já com as razões recursais, à vista
155
Assim também já assentou o Plenário da Corte Suprema: ―- Não se revela suscetível de conhecimento, por incabível, recurso de agravo (‗agravo regimental‘) contra decisão do Relator, que, motivadamente, defere ou indefere pedido de medida liminar formulado em sede de ‗habeas corpus‘ originariamente impetrado perante o Supremo Tribunal Federal.‖ (HC nº 94.993/RR – AgRg, Plenário do STF, Diário da Justiça eletrônico de 12 de fevereiro de 2009). 156
Na falta de recurso cabível para o próprio Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal, tem-se admitido a excepcional impetração de ação de habeas corpus para o Superior Tribunal de Justiça. 157
Cf. artigo1º, § 1º, do Decreto-lei nº 552, de 1969.
do artigo 105, inciso II, alínea ―a‖, da Constituição Federal, combinado com o
artigo 30 da Lei nº 8.038, de 1990. Na verdade, o recurso ordinário em habeas
corpus para o Superior Tribunal de Justiça é cabível tanto na hipótese de
denegação de habeas corpus originário de Tribunal de Justiça ou de Tribunal
Regional Federal, quanto na hipótese de denegação de habeas corpus em
última instância, em sede de recurso em sentido estrito ou de reexame
necessário, porquanto a alínea ―a‖ do inciso II do artigo 105 da Constituição
Federal autoriza a interposição de recurso ordinário contra os julgados
proferidos em única e em última instância pelos Tribunais de Justiça e
Regionais Federais.
8.3. PROCESSAMENTO E RECORRIBILIDADE EM HABEAS CORPUS
ORIGINÁRIO DE TRIBUNAL SUPERIOR
A Constituição Federal, a legislação federal e os regimentos internos
dispõem sobre a competência originária para o processamento e julgamento de
habeas corpus nos Tribunais Superiores, quais sejam: Superior Tribunal de
Justiça, Tribunal Superior do Trabalho, Tribunal Superior Eleitoral e Superior
Tribunal Militar.
Distribuído o habeas corpus no Tribunal Superior, cabe ao Ministro-
Relator decidir acerca do pleito liminar. Discute-se se a decisão monocrática
concessiva ou denegatória da ordem provisória desafia recurso de agravo
regimental, ou não. Tudo indica que sim, à vista do artigo 39 da Lei nº 8.038,
de 1990. Não obstante, como já anotado no tópico anterior, prevalece a
orientação jurisprudencial contrária ao cabimento de recurso de agravo.
Conforme já estudado, é firme a jurisprudência dos tribunais acerca da
irrecorribilidade da decisão monocrática de relator proferida in limine litis em
processo originário de habeas corpus, tanto para conceder quanto para
denegar a ordem provisória158.
Também há séria controvérsia acerca da possibilidade da impetração de
habeas corpus no Supremo Tribunal Federal, a fim de impugnar decisão
monocrática de autoria de Ministro-Relator de Tribunal Superior. Ao
examinarem a vexata quaestio, os Ministros da Corte Suprema aprovaram o
enunciado nº 691: ―Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de
habeas corpus impetrado contra decisão do relator que, em habeas corpus
requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar‖. Não obstante, a orientação
jurisprudencial estampada no enunciado nº 691 não é absoluta, como também
já decidiram os Ministros da Corte Suprema em mais de uma oportunidade159.
158
Assim também já assentou o Plenário da Corte Suprema: ―- Não se revela suscetível de conhecimento, por incabível, recurso de agravo (‗agravo regimental‘) contra decisão do Relator, que, motivadamente, defere ou indefere pedido de medida liminar formulado em sede de ‗habeas corpus‘ originariamente impetrado perante o Supremo Tribunal Federal.‖ (HC nº 94.993/RR – AgRg, Plenário do STF, Diário da Justiça eletrônico de 12 de fevereiro de 2009). 159
―1. COMPETÊNCIA CRIMINAL. Habeas corpus. Impetração contra decisão de ministro relator do Superior Tribunal de Justiça. Indeferimento de liminar em habeas corpus. Rejeição de proposta de cancelamento da súmula 691 do Supremo. Conhecimento admitido no caso, com atenuação do alcance
Aliás, há recentes precedentes jurisprudenciais com explícita declaração de
superação do enunciado nº 691160. Em síntese, a despeito da vedação
estampada no enunciado nº 691, é possível a impetração de habeas corpus
diretamente no Supremo Tribunal Federal, para impugnar decisão monocrática
de Ministro-Relator, proferida em Tribunal Superior.
De volta ao processamento do habeas corpus no Tribunal Superior, após
a prolação da decisão monocrática in limine litis, também cabe ao Ministro-
Relator requisitar informações ao coator, se julgar conveniente à instrução do
processo161.
Em seguida, há a abertura de vista ao Ministério Público, quando o
Subprocurador-Geral da República que oficia no Tribunal Superior é intimado
para que possa oferecer parecer em dois dias.
Apresentado o parecer ou decorrido o prazo legal sem intervenção
ministerial, o Ministro-Relator leva o habeas corpus a julgamento perante o
órgão colegiado competente à luz do regimento interno: turma, seção, órgão
especial ou plenário. Em razão da celeridade que marca o procedimento, não
há inclusão de pauta, mas, sim, a imediata apresentação do writ em mesa,
para julgamento colegiado.
Por fim, denegado o habeas corpus originário pelo colegiado competente
do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal Superior do Trabalho, do Tribunal
Superior Eleitoral ou do Superior Tribunal Militar, cabe recurso ordinário para o
Supremo Tribunal Federal, no prazo de cinco dias, já com as razões recursais,
à vista do artigo 102, inciso II, alínea ―a‖, da Constituição Federal, combinado
com o artigo 310 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal162.
do enunciado da súmula. O enunciado da súmula 691 do Supremo não o impede de, tal seja a hipótese, conhecer de habeas corpus contra decisão de relator que, em habeas corpus requerido ao Superior Tribunal de Justiça, indefere liminar.‖ (HC nº 85.185/SP, Plenário do STF, Diário da Justiça de 1º de setembro de 2006). ―PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ARTS. 288 E 344 DO CÓDIGO
PENAL, COMBINADO COM O ART. 10, § 2º DA LEI 9.437/97. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECOLHIMENTO À PRISÃO PARA APELAR. NECESSIDADE DE GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. DECISÃO ENUNCIADA GENERICAMENTE. SÚMULA 691 DO STF. CONSTRANGIMENTO ILEGAL QUE PERMITE A SUPERAÇÃO DESTA. I – Na hipótese de evidente constrangimento ilegal, admite-se a superação da Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal.‖ (HC nº 90.746/SP, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 11 de maio de 2007). 160
De acordo, na jurisprudência: ―Habeas Corpus. 2. Execução provisória da pena. Impossibilidade.
Ofensa aos princípios constitucionais da presunção de inocência e da dignidade da pessoa humana. Precedente firmado no HC 84.078/MG de relatoria do Min. Eros Grau. 3. Superação da Súmula 691. 4. Ordem concedida.‖ (HC nº 107.547/SP, 2ª Turma do STF, Diário da Justiça eletrônico de 30 de maio de 2011, sem o grifo no original). 161
Cf. artigo 1º, § 2º, do Decreto-lei nº 552, de 1969. 162
Na verdade, a despeito da vedação estampada no artigo 6º, inciso III, alíneas ―a‖ e ―b‖, e parágrafo único, e no artigo 9º, inciso II, letra ―a‖, e parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, houve a consagração jurisprudencial do habeas corpus substitutivo de recurso ordinário: ―Habeas corpus recebido como substitutivo de recurso ordinário.‖ (HC nº 83.560/MG, 2ª Turma do STF,
Diário da Justiça de 12 de março de 2004). Não obstante, após o ingresso do Ministro Luiz Fux na Corte, passou-se a observar o disposto no artigo 6º, inciso III, alíneas ―a‖ e ―b‖, e parágrafo único, e no artigo 9º, inciso II, letra ―a‖, e parágrafo único, do Regimento Interno, com a consequente vedação do habeas corpus como substitutivo do recurso ordinário e a exigência da interposição, a tempo e modo, do recurso cabível: ―1. A utilização promíscua do habeas corpus como substitutivo de recurso ordinário deve ser combatida, sob pena de banalização da garantia constitucional, tanto mais quando não há teratologia a eliminar, como no caso sub judice, em que a fundamentação do decreto de prisão se fez hígida e
8.4. PROCESSAMENTO DE HABEAS CORPUS ORIGINÁRIO NO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
O habeas corpus é processado e julgado no Supremo Tribunal Federal à
luz dos artigos 188 a 199 do Regimento Interno da Corte Suprema.
À vista do artigo 190 do Regimento Interno, a petição inicial do habeas
corpus deve conter os nomes do impetrante, do paciente e do coator, os
motivos do pedido, a assinatura do impetrante e a prova documental disponível
em relação aos fatos narrados.
Distribuído o habeas corpus, cabe ao Ministro-Relator requisitar
informações do coator e a remessa dos autos originais, se julgar conveniente à
instrução do processo, bem como proferir decisão monocrática liminar, apenas
para determinar a expedição de alvará de soltura ou de salvo-conduto
enquanto há o processamento do writ na Suprema Corte163.
Se existir jurisprudência consolidada da Corte acerca do objeto do
habeas corpus, o Ministro-Relator também pode julgar desde logo o writ, quer
para conceder a ordem, quer denegá-la, por meio de decisão monocrática
definitiva, com fundamento no artigo 192 do Regimento Interno. Da decisão do
Ministro-Relator cabe agravo regimental, em cinco dias, com fundamento no
artigo 317, caput, do Regimento Interno.
Na falta de jurisprudência consolidada acerca do objeto do writ, o
Ministro-Relator deve abrir vista ao Procurador-Geral da República, por dois
dias, para o oferecimento de parecer164.
Apresentado o parecer ministerial ou decorrido in albis do prazo de dois
dias, há a conclusão ao Ministro-Relator. Cabe ao Ministro-Relator apresentar o
habeas corpus em mesa165, para julgamento do writ pelo colegiado
competente: Turma ou Plenário, conforme o disposto no artigo 192, § 1º, do
Regimento Interno.
O resultado do julgamento do habeas corpus é extraído pela maioria de
votos proferidos na Turma ou no Plenário, conforme a competência prevista no
Regimento Interno. Na eventualidade de empate na votação, o resultado é
extraído dos votos favoráveis ao paciente, nos termos dos artigos 146,
parágrafo único, 150, § 3º, e 192, § 1º, do Regimento Interno.
Concedido o habeas corpus pelo Ministro-Relator, pela Turma ou pelo
Plenário, conforme o caso, a decisão deve ser imediatamente comunicada à
autoridade pública a quem couber cumprir a ordem preventiva ou liberatória,
harmônica com a jurisprudência desta Corte.‖ (HC nº 101.248/CE, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça eletrônico de 8 de agosto de 2011). 163
Cf. artigos 21, incisos IV, V, V-A e VII, e 191, ambos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. 164
Cf. artigo 1º do Decreto-lei nº 552, de 1969, e artigo 192, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. 165
Vale dizer, não há inclusão em pauta, conforme também revela o artigo 83, § 1º, inciso III, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
por meio de ofício, telegrama ou radiograma, tudo nos termos do artigo 194,
caput e parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
CAPÍTULO II
HABEAS DATA
1. PRECEITOS DE REGÊNCIA
A garantia do habeas data está consagrada nos incisos LXXII e LXXVII
do artigo 5º da Constituição de 1988.
No que tange à competência constitucional para o processamento e o
julgamento do habeas data, consta dos artigos 102, inciso I, alínea ―d‖, 105,
inciso I, letra ―b‖, 108, inciso I, alínea ―c‖, 109, inciso VIII, e 114, inciso IV, todos
da Constituição Federal.
Além da previsão constitucional, o instituto consta da Lei nº 9.507, de
1997, a qual é o diploma de regência do processo de habeas data.
2. ETMOLOGIA, CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA
A expressão constitucional habeas data provém dos termos latinos
―habeo‖166 e ―datus‖167, cujo significado é ―trazer o dado‖.
No que tange ao conceito, o habeas data é a ação constitucional
adequada para a obtenção de informações pessoais existentes nos arquivos
públicos ou disponíveis ao público em geral, bem assim para a retificação e
para a complementação dos dados pessoais existentes nos registros168.
Aliás, no que tange à natureza jurídica de ação, vale conferir o proêmio
do inciso LXXVII do artigo 5º da Constituição Federal: ―LXXVII – são gratuitas
as ações de habeas corpus e habeas data,‖. Exercido o direito de ação,
portanto, há a instauração de processo para o julgamento do habeas data, na
busca de ordem judicial destinada ao acesso, à retificação ou à
complementação das informações relativas ao impetrante existentes em
arquivos públicos.
Por fim, é preciso ressaltar que o habeas data é ação de estatura
constitucional, destinada à proteção de direito fundamental, motivo pelo qual é
espécie de writ ou remédio constitucional, ao lado, por exemplo, do habeas
corpus, do mandado de segurança e da ação popular.
166
Cf. FRANCISCO TORRINHA. Dicionário latino português. 2ª ed., Porto, 1942, p. 371. 167
Cf. FRANCISCO TORRINHA. Dicionário latino português. 2ª ed., Porto, 1942, p. 226. 168
De acordo, na jurisprudência: ―- O habeas data configura remédio jurídico-processual, de natureza
constitucional, que se destina a garantir, em favor da pessoa interessada, o exercício de pretensão jurídica discernível em seu tríplice aspecto: (a) direito de acesso aos registros; (b) direito de retificação dos registros e (c) direito de complementação dos registros. - Trata-se de relevante instrumento de ativação da jurisdição constitucional das liberdades, a qual representa, no plano institucional, a mais expressiva reação jurídica do Estado às situações que lesem, efetiva ou potencialmente, os direitos fundamentais da pessoa, quaisquer que sejam as dimensões em que estes se projetem.‖ (RHD nº 22/DF, Pleno do STF, Diário da Justiça de 1º de setembro de 1995, p. 27.378).
3. LEGITIMIDADE ATIVA
Qualquer pessoa pode impetrar a ação de habeas data. Com efeito,
tanto o nacional quanto o estrangeiro têm legitimidade ativa para impetrar
habeas data. Aliás, o nacional nem precisa ser cidadão, isto é, brasileiro eleitor.
Sob outro prisma, o habeas data é ação personalíssima, razão pela qual
só pode versar sobre dados relativos ao impetrado169. À vista do caráter
personalíssimo do writ, não é admissível habeas data para obter informações
acerca de terceira pessoa170. Sem dúvida, a ação de habeas data não é
admissível para a obtenção de informações acerca de terceiros, motivo pelo o
eventual processo deve ser extinto, sem julgamento de mérito, por ilegitimidade
ativa.
Por fim, vale ressaltar que a impetração do habeas data deve se dar por
intermédio de advogado devidamente habilitado. Com efeito, ao contrário do
habeas corpus, cuja impetração dispensa advogado, à vista do § 1º do artigo 1º
da Lei nº 8.906, de 1994, o mesmo não ocorre em relação ao habeas data,
porquanto instaura processo de natureza cível sujeito às exigências dos artigos
36, 37 e 38 do Código de Processo Civil, motivo pelo qual é indispensável o
patrocínio do writ por advogado titular de mandato judicial conferido pelo
impetrante171.
4. LEGITIMIDADE PASSIVA
O habeas data pode ser impetrado contra pessoas jurídicas portadoras
de arquivos públicos ou, ao menos, disponíveis ao público. Pouco importa se
os dados estão em entidades públicas ou privadas; o importante é que os
dados estejam disponíveis ao público em geral. Daí a admissibilidade da
impetração em relação às pessoas jurídicas de direito privado que armazenam
169
Vale ressaltar que prevalece o entendimento jurisprudencial segundo o qual o caráter personalíssimo do habeas data é absoluto, de forma a impedir a impetração até mesmo por parente da pessoa cujo acesso aos dados é pleiteado: ―I – Sendo o habeas data um direito personalíssimo, não pode o terceiro, mesmo que parente, dele fazer uso, para obter informações junto à SAE sobre cidadão desaparecido.‖ (Apelação nº 91.01.02148-6, 2ª Turma do TRF da 1ª Região, Diário da Justiça de 24 de novembro de 1994, p. 67.984). 170
De acordo, na doutrina: JOSÉ DA SILVA PACHECO. Mandado de segurança e outras ações constitucionais típicas. 4ª edição, 2002, p. 361. Assim, na jurisprudência: ―2. O habeas data não se presta para solicitar informações relativas a terceiros, pois, nos termos do inciso LXXII do art. 5º da Constituição da República, sua impetração deve ter por objetivo ‗assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante‘.‖ (HD nº 87/DF – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça eletrônico de 4 de fevereiro de 2010). 171
De acordo, na jurisprudência: ―HABEAS DATA. NECESSIDADE DE ADVOGADO PARA IMPETRAR. AUSÊNCIA. NÃO CONHECIMENTO. 1 - Capacidade postulatória é a aptidão técnica para postular em juízo exclusiva de membros do Ministério Público, quando a lei expressamente autoriza e advogados, inscritos nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil. 2 - A lei só excepciona a necessidade de advogado para postular quando se trata de Juizado Especial, em causas menores de vinte salários mínimos; empregado, em causa própria na Justiça do Trabalho e para impetração de Habeas Corpus. 3 - Para impetrar Habeas Data é necessário o patrocínio por advogado devidamente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil. 4 - Habeas Data não conhecido.‖ (Habeas Data nº 1.0000.06.446764-0/000, 2ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 11 de maio de 2007).
e administram dados pessoais para finalidades públicos, como os denominados
―SPC – Serviço de Proteção ao Crédito‖ e ―SERASA‖172.
Em contraposição, o habeas data não é admissível quando tem em mira
pessoa jurídica de direito privado cujos arquivos de dados são para uso apenas
interno, doméstico, conforme se infere da interpretação a contrario sensu da
parte final do parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 9.507, de 1997: ―Parágrafo
único. Considera-se de caráter público todo registro ou banco de dados
contendo informações que sejam ou que possam ser transmitidas a terceiros
ou que não sejam de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou
depositária das informações‖173.
5. INTERESSE DE AGIR DO IMPETRANTE E RECUSA DO
IMPETRADO
A falta da prévia recusa da autoridade impetrada impede a
admissibilidade do habeas data, por carência de ação. Trata-se, aliás, de
jurisprudência consolidada à vista do enunciado nº 2 da Súmula do Superior
Tribunal de Justiça: ―Não cabe habeas data (CF, art. 5º, LXXII, ‗a‘) se não
houve recusa de informações por parte da autoridade administrativa‖174.
Por conseguinte, antes da impetração do habeas data, é necessário o
prévio requerimento administrativo fundado no artigo 2º da Lei nº 9.507, de
1997. Protocolizado o requerimento, deve ser objeto de apreciação e
deliberação no prazo máximo de quarenta e oito horas, com a posterior
comunicação ao requerente nas vinte e quatro horas seguintes. Deferido o
172
De acordo, na jurisprudência: ―HABEAS DATA - ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO - CARÁTER PÚBLICO - LEGITIMIDADE PASSIVA - INFORMAÇÃO INCOMPLETA - INTERESSE PROCESSUAL. 1. Os órgãos de proteção ao crédito, tais como SPC e SERASA, são considerados de caráter público, nos termos do parágrafo único do art. 1° da Lei 9.507, de 12 de novembro de 1997, devendo submeter-se às disposições atinentes ao habeas data, no tocante aos registros e informações cadastrais mantidos em seus bancos de dados. 2. Negada, pela entidade de proteção ao crédito, a informação solicitada, ou sendo esta prestada de maneira incompleta, legítimo é o interesse da pessoa em servir-se do habeas data para obtê-la.‖ (Apelação nº 1.0702.06.283404-0/000, 18ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça
de 31 de outubro de 2007). 173
Assim, na jurisprudência: ―Habeas Data. Ilegitimidade passiva do Banco do Brasil S.A para a revelação, à ex-empregada, do conteúdo da ficha de pessoal, por não se tratar, no caso, de registro de caráter público, nem atuar o impetrado na condição de entidade Governamental (Constituição, art. 5º, LXXII, a e art. 173, § 1º, texto original).‖ (RE nº 165.304/MG, Pleno do STF, Diário da Justiça de 15 de dezembro de 2000, p. 105). 174
De acordo, na jurisprudência: ―RECURSO DE HABEAS DATA. CARÊNCIA DE AÇÃO: INTERESSE DE AGIR. 1. A lei nº 9.507, de 12.11.97, que regula o direito de acesso a informações e disciplina o rito processual do habeas data, acolheu os princípios gerais já proclamados por construção pretoriana. 2. É princípio axiomático do nosso direito que só pode postular em juízo quem tem interesse de agir (CPC, arts. 3º e 267, VI), traduzido pela exigência de que só se pode invocar a prestação da tutela jurisdicional diante de uma pretensão resistida, salvo as exceções expressamente previstas. 3. Recurso de habeas-data não provido.‖ (RHD nº 24/DF, 2ª Turma do STF, Diário da Justiça de 13 de fevereiro de 1998, p. 31). ―- O acesso ao habeas data pressupõe, dentre outras condições de admissibilidade, a existência do interesse de agir. Ausente o interesse legitimador da ação, torna-se inviável o exercício desse remédio constitucional. - A prova do anterior indeferimento do pedido de informação de dados pessoais, ou da omissão em atendê-lo, constitui requisito indispensável para que se concretize o interesse de agir no habeas data. Sem que se configure situação prévia de pretensão resistida, há carência da ação constitucional do habeas data.‖ (RHD nº 22/DF, Pleno do STF, Diário da Justiça de 1º de setembro de 1995, p. 27.378).
pedido, o depositário do registro ou do banco de dados deve designar dia e
hora para que o requerente tenha acesso às informações.
6. DIREITO LÍQUIDO E CERTO: PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA
À vista do artigo 8º da Lei nº 9.507, de 1997, é lícito afirmar que o
habeas data é processo de natureza documental175. Por conseguinte, a petição
inicial deve ser instruída com todos os documentos disponíveis no momento da
impetração. Em suma, não há lugar para dilação probatória no processo de
habeas data, o qual exige prova pré-constituída176.
7. CAUSAS DE PEDIR E PEDIDOS NO HABEAS DATA
A combinação do artigo 5º, inciso LXXII, da Constituição Federal, com os
artigos 7º e 8º da Lei nº 9.507, de 1997, revela que o habeas data pode ser
impetrado com fundamento em três diferentes causas de pedir: – recusa ao
acesso às informações; – recusa em fazer a retificação dos dados; – recusa em
fazer a anotação de dados complementares ou explicações.
À vista das três causas de pedir, há lugar para a veiculação de três
diferentes pedidos por meio do habeas data: – o conhecimento de informações
relativas à pessoa do impetrante; – a retificação de dados referentes ao
impetrante; – a anotação de dados complementares ou explicações do
impetrante.
Resta saber se há lugar para a cumulação de duas ou mais causas de
pedir e dos correspondentes pedidos em um mesmo processo de habeas data.
Há importante precedente jurisprudencial contrário à cumulação de causas de
pedir e de pedidos em habeas data177.
8. INADEQUAÇÃO DO HABEAS DATA PARA A OBTENÇÃO DE
CERTIDÕES
175
―Art. 8° A petição inicial, que deverá preencher os requisitos dos arts. 282 a 285 do Código de Processo Civil, será apresentada em duas vias, e os documentos que instruírem a primeira serão reproduzidos por cópia na segunda. Parágrafo único. A petição inicial deverá ser instruída com prova: I - da recusa ao acesso às informações ou do decurso de mais de dez dias sem decisão; II - da recusa em fazer-se a retificação ou do decurso de mais de quinze dias, sem decisão; ou III - da recusa em fazer-se a anotação a que se refere o § 2° do art. 4° ou do decurso de mais de quinze dias sem decisão.‖ (não há os grifos no original). 176
De acordo, na jurisprudência: ―1. A Lei 9.507/97, ao regulamentar o art. 5º, LXXII, da Constituição Federal, adotou procedimento semelhante ao do mandado de segurança, exigindo, para o cabimento do habeas data, prova pré-constituída do direito do impetrante. Não cabe, portanto, dilação probatória.‖ (HD nº 160/DF, 1ª Seção do STJ, Diário da Justiça Eletrônico de 22 de setembro de 2008). 177
De acordo, na jurisprudência: ―2. Em razão da necessidade de comprovação de plano do direito do demandante, mostra-se inviável a pretensão de que, em um mesmo habeas data, se assegure o conhecimento de informações e se determine a sua retificação. É logicamente impossível que o impetrante tenha, no momento da propositura da ação, demonstrado a incorreção desses dados se nem ao menos sabia o seu teor. Por isso, não há como conhecer do habeas data no tocante ao pedido de retificação de eventual incorreção existente na base de dados do Banco Central do Brasil.‖ (HD nº 160/DF, 1ª Seção do STJ, Diário da Justiça Eletrônico de 22 de setembro de 2008).
Os incisos XIV, XXXIII e XXXIV do artigo 5º da Constituição Federal
consagram a regra178 do acesso às informações de ―seu interesse particular, ou
de interesse coletivo ou geral‖, e o consequente direito à obtenção de certidão
nas repartições públicas em geral, no prazo legal179, ―independentemente do
pagamento de taxas‖180, para a posterior defesa de direitos pessoais e da
sociedade em geral181.
Resta saber qual é a via processual adequada na eventualidade de
recusa ou omissão intempestiva em relação à expedição de certidão, bem
como na hipótese de recusa ou omissão intempestiva acerca da prestação de
informações de interesse coletivo ou geral.
Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a via processual
adequada não é o habeas data, porquanto o writ tem como escopo apenas o
acesso, retificação e complementação das informações de natureza pessoal
existentes nos arquivos e bancos de dados públicos ou disponíveis ao público
em geral. Não serve, portanto, o habeas data, para a obtenção de certidões,
ainda que destinadas a assuntos de interesse particular, muito menos para a
prestação de informações e a expedição de certidões de interesse coletivo. Por
exemplo, diante de recusa ou de omissão intempestiva, o discente que
conhece o respectivo histórico escolar e deseja a extração de certidão de
inteiro teor subscrita pela autoridade competente da faculdade ou universidade
na qual está matriculado não dispõe de habeas data, mas, sim, de mandado de
segurança, tendo em vista a combinação dos incisos LXIX e LXXII do artigo 5º
da Constituição Federal182.
Em suma, os direitos consagrados nos incisos XIV, XXXIII e XXXIV do
artigo 5º da Constituição Federal são assegurados mediante mandado de
178
Não obstante, a regra não é absoluta: o direito à informação não subsiste quando há risco à segurança da sociedade e do Estado. Cf. Lei n. 11.111, de 2005. 179
A propósito, vale conferir o artigo 1º da Lei n. 9.051, de 1995: ―Art. 1º As certidões para a defesa de direitos e esclarecimentos de situações, requeridas aos órgãos da administração centralizada ou autárquica, às empresas públicas, às sociedades de economia mista e às fundações públicas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, deverão ser expedidas no prazo improrrogável de quinze dias, contado do registro do pedido no órgão expedidor‖. 180
Cf. artigo 5º, inciso XXXIV, caput, in fine, da Constituição Federal. 181
Como, por exemplo, ajuizar ação popular, com fundamento no artigo 5º, inciso LXIV, da Constituição Federal, em defesa do patrimônio público lesado diante de improbidade administrativa praticada por autoridade pública. 182
Outros exemplos colhidos na jurisprudência: ―HABEAS DATA – REQUERIMENTO DE CERTIDÃO DE CONTAGEM DE TEMPO PARA FINS DE APOSENTADORIA – IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA – CABIMENTO DE MANDADO DE SEGURANÇA – FEITO EXTINTO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. – Na hipótese específica dos autos não busca a impetrante o acesso às informações relativas à sua própria pessoa, mas o acesso a informações de seu interesse particular, com a emissão de certidão de contagem de tempo, para fins de envio ao INSS para a sua aposentadoria. – Incabível, portanto, a via do habeas data, pois o direito de informações de interesse particular, art. 5º, XXXIII, CR/88, se negado pela Administração, deve ser pleiteado nas vias ordinárias ou através da impetração de mandado de segurança.‖ (Habeas Data nº 1.0000.10.045923-9/000, 1º Grupo de Câmaras Cíveis do TJMG, Diário da Justiça Eletrônico de 15 de abril de 2011). ―2) O não fornecimento de certidão funcional do impetrante junto ao Poder Público Municipal enseja a impetração de mandado de segurança, e não de habeas data.‖ (Apelação nº 1.0009.09.015322-3/001, 2ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça Eletrônico de 2 de junho de 2010). ―HABEAS DATA – Impetração de servidor a forçar órgão público a fornecer certidão de tempo de serviço – Meio inidôneo – Cabimento de mandado de segurança.‖ (TJGO, Revista dos Tribunais, volume 724, página 396).
segurança, writ cabível nas hipóteses que extrapolam o angusto campo de
incidência do habeas data183.
9. COMPETÊNCIA PARA PROCESSAR E JULGAR HABEAS DATA
À vista do artigo 102, inciso I, alínea ―d‖, da Constituição de 1988,
compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originariamente, o
habeas data impetrado contra ato do Presidente da República, das Mesas da
Câmara dos Deputados e do Senado da República, do Tribunal de Contas da
União, do Procurador-Geral da República e da própria Suprema Corte.
Já o habeas data impetrado contra o Superior Tribunal de Justiça,
Ministro de Estado, Comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica,
deve ser processado e julgado originariamente pelo Superior Tribunal de
Justiça, tendo em vista o disposto no artigo 105, inciso I, alínea ―b‖, da
Constituição Federal184. Na eventualidade de denegação do writ pelo Superior
Tribunal de Justiça, cabe recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal,
no prazo de quinze dias, com fundamento no artigo 102, inciso II, alínea ―a‖, da
Constituição, combinado com os artigos 508 e 539, inciso I, do Código de
Processo Civil.
À vista do artigo 108, inciso I, alínea ―c‖, da Constituição Federal,
compete aos Tribunais Regionais Federais processar e julgar originariamente
as ações de habeas data impetrado contra ato de Juiz Federal ou do próprio
Tribunal.
No que tange aos Tribunais de Justiça, a Constituição Federal não é
explícita sobre a competência originária para o processamento e julgamento de
habeas data. Na verdade, o caput e o § 1º do artigo 125 da Constituição
Federal apenas revelam que a Constituição do Estado versará sobre a
competência do respectivo Tribunal de Justiça. Daí a necessidade da
conferência das Constituições de cada Estado da Federação, bem como da Lei
de Organização Judiciária185 e da Lei Orgânica do Distrito Federal186.
183
Assim, na jurisprudência: ―HABEAS DATA – DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO DEMONSTRADO – OBTENÇÃO DE CERTIDÃO – VIA PRÓPRIA – MANDADO DE SEGURANÇA. Necessária demonstração de direito líquido e certo pelo impetrante do habeas data, sob pena de extinção do feito sem análise do mérito, cabendo registrar, ainda, que a negativa de obtenção de certidão por órgão da administração direta ou indireta desafia mandado de segurança.‖ (Apelação nº 1.0024.10.310944-3/001, 16ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça Eletrônico de 9 de março de 2012). 184
De acordo, na jurisprudência: ―HABEAS DATA REQUERIDO CONTRA MINISTRO DE ESTADO. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. TENDO EM VISTA O DISPOSTO NO ART. 105, I, LETRA 'B', DA NOVA CARTA POLÍTICA, A COMPETÊNCIA PARA JULGAR 'HABEAS DATA' REQUERIDO CONTRA O SERVIÇO NACIONAL DE INFORMAÇÕES, CUJO TITULAR POSSUI O 'STATUS' DE MINISTRO DE ESTADO E CONTRA O MINISTRO DA MARINHA É DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA. QUESTÃO DE ORDEM QUE SE RESOLVE, DANDO-SE PELA COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARA APRECIAR E JULGAR O 'HABEAS DATA', COMO FOR DE DIREITO, SENDO-LHE, EM CONSEQÜÊNCIA, ENCAMINHADOS OS AUTOS.‖ (HD nº 18/RJ – QO, Pleno do STF, Diário da Justiça de 9 de junho de 1989, p. 10.095). 185
Cf. artigo 21, inciso XIII, e 22, inciso XVII, ambos da Constituição Federal. 186
Ao contrário dos Estados-membros, o Distrito Federal não é regido por diploma denominado ―Constituição‖, mas, sim, pela ―lei orgânica‖ prevista no artigo 32 da Constituição Federal.
Aos Juízes Federais compete processar e julgar as ações de habeas
data contra ato de autoridade federal cujos atos não estejam diretamente
submetidos à jurisdição de tribunal algum187.
Por fim, na falta de previsão de competência constitucional do Supremo
Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, de Tribunal Regional Federal,
de Tribunal de Justiça ou da Justiça Federal, o habeas data é da competência
de Juiz de Direito. Trata-se, à evidência, de competência residual, vale dizer,
só tem lugar quando a impetração não afeta a competência de outra Justiça ou
de algum Tribunal, à vista da Constituição Federal ou da Constituição do
Estado. Sob outro prisma, trata-se de competência de primeiro grau de
jurisdição, tal como se dá em relação ao habeas data da competência da
Justiça Federal, julgado por Juiz Federal em primeiro grau de jurisdição.
10. PROCESSO GRATUITO
À vista do inciso LXXVII do artigo 5º da Constituição, é gratuito o
processo de habeas data. Daí a evidente impossibilidade de exigência de
custas judiciais para a admissibilidade, o processamento e julgamento do
habeas data.
No que tange à condenação em honorários advocatícios, todavia, não há
unanimidade. Prevalece, entretanto, a tese da igual impossibilidade da
condenação em verba honorária, a qual é prestigiada no presente compêndio,
em homenagem ao princípio de hermenêutica constitucional da máxima
efetividade188.
11. PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DO HABEAS DATA
O habeas data deve ser ajuizado mediante petição inicial elaborada à luz
do artigo 8º da Lei nº 9.507, de 1997, combinado com os artigos 282 e 283 do
187
Cf. artigo 109, inciso VIII, da Constituição. 188
De acordo, na doutrina: HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, habeas data. 16ª ed., 1995, p. 191: ―Como a Constituição tornou gratuita a ação do habeas data, não haverá qualquer execução para pagamento de custas ou recebimento de honorários de advogado (art. 5º, LXXVII)‖. Assim, na jurisprudência: ―HABEAS DATA – HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. Diante da finalidade precípua de facilitar o acesso à justiça, são inexigíveis honorários de sucumbência em habeas data.‖ (Apelação nº 1.0702.06.280612-1/001, 13ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 1º de dezembro de 2007). ―CONSTITUCIONAL - HABEAS DATA - INTERESSE PROCESSUAL - INFORMAÇÕES PRESTADAS APÓS A NOTIFICAÇÃO DA AUTORIDADE IMPETRADA - OCORRÊNCIA - INTELIGÊNCIA DO ART. 8º, INC. I, DA LEI Nº 9.507/97 - GRATUIDADE - HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA - NÃO-CABIMENTO - INTELIGÊNCIA DO ART. 5º, INC. LXXVII. 1 - Tem interesse processual, nos termos do art. 8º, inc. I, da Lei nº 9.507/97, o impetrante de habeas data que não vê atendido seu requerimento administrativo no prazo de 10 dias contados do protocolo junto à Administração Pública, guardiã das informações. 2 - Não cabe condenação em honorários de sucumbência na ação de habeas data, uma vez que o acesso ao Poder Judiciário por meio daquele
remédio constitucional é franqueado nos termos do art. 5º, inc. LXXVII, da CR/88 e obedece ao disposto nas Súmulas nºs 105 do STJ e 512 do STF. 3 - Preliminar rejeitada e recurso parcialmente provido.‖ (Apelação nº 1.0024.03.091539-1/001, 8ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 5 de agosto de 2005). Contra, entretanto, há autorizada doutrina: ―O habeas data também é isento de custas (art. 5º, LXXVII, da CF), mas não de honorários advocatícios, já que se trata de ônus de sucumbência.‖ (ERNANE FIDÉLIS DOS SANTOS. Manual de direito processual civil. Volume III, 10ª ed., 2006, p. 250).
Código de Processo Civil. Daí a necessidade da instrução da inicial com os
documentos disponíveis no momento da impetração, especialmente da prova
da recusa do acesso aos dados, da retificação dos dados ou da anotação dos
dados pessoais do impetrante. Trata-se de processo documental, isto é, que
não enseja dilação probatória.
Admitida a petição inicial pelo juiz, há a notificação do coator para que
preste as informações que desejar no prazo de dez dias.
Prestadas as informações, é abertura vista ao representante do
Ministério Público, para emissão de parecer, em cinco dias.
Após, o juiz profere sentença. Se concessiva do writ, o juiz condena a
parte passiva a cumprir obrigação de fazer prevista no artigo 13 da Lei nº
9.507, de 1997189, bem como determina a imediata comunicação do coator pelo
correio, por telegrama, por radiograma ou até mesmo telefonema, conforme o
disposto no artigo 14 da Lei nº 9.507, de 1997.
Tanto a sentença concessiva quanto a sentença denegatória ensejam
recurso de apelação, em quinze dias, para o Tribunal de Justiça ou para o
Tribunal Regional Federal, conforme tenha sido proferida por Juiz de Direito ou
Juiz Federal, conforme o caso.
Por fim, no que tange ao processamento do habeas data de
competência originária de tribunal, cabe ao relator dar seguimento ao processo
rumo ao julgamento pelo colegiado competente à vista do disposto no
regimento interno do tribunal, com a igual aplicação, mutatis mutandis, dos
artigos 8º, 9º, 11 e 12 da Lei nº 9.507, de 1997.
12. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS DATA
À vista do artigo 102, inciso II, alínea ―a‖, da Constituição de 1988,
combinado com os artigos 508 e 539, inciso I, do Código de Processo Civil, o
recurso ordinário em habeas data é cabível apenas para o Supremo Tribunal
Federal, no prazo de quinze dias.
Em contraposição, não há no texto constitucional – nem na legislação
ordinária – previsão de recurso ordinário em habeas data para o Superior
Tribunal de Justiça. Sem dúvida, a exegese do artigo 105, inciso II, da
Constituição Federal revela a inexistência de recurso ordinário em habeas data
para o Superior Tribunal de Justiça190. A propósito, ao contrário do que pode
parecer à primeira vista, nem mesmo o artigo 20, inciso II, alínea ―b‖, da Lei nº
9.507, de 1997, instituiu recurso ordinário em habeas data para o Superior
189
―Art. 13. Na decisão, se julgar procedente o pedido, o juiz marcará data e horário para que o coator: I - apresente ao impetrante as informações a seu respeito, constantes de registros ou bancos de dadas; ou II - apresente em juízo a prova da retificação ou da anotação feita nos assentamentos do impetrante‖. 190
De acordo, na jurisprudência: ―1. O artigo 105, inciso II, da Constituição Federal não prevê a competência do Superior Tribunal de Justiça para o julgamento de recurso ordinário constitucional interposto contra decisão de última instância oriunda de Tribunal de Justiça do Estado denegatória de habeas data.‖ (PET nº 5.428/RS – AgRg, 2ª Turma do STJ, Diário da Justiça Eletrônico de 2 de março de 2009).
Tribunal de Justiça. Aliás, nem poderia fazê-lo. À luz do princípio da
indisponibilidade de competências e do princípio da tipicidade de
competências, é lícito concluir que a competência recursal constitucional é
taxativa, razão pela qual mera lei ordinária não tem o condão de ampliar a
competência fixada no texto constitucional.
Na verdade, diante da pouca clareza do artigo 20 da Lei nº 9.507, de
1997, nem há necessidade de declaração de inconstitucionalidade do
dispositivo legal. Basta lançar mão da técnica da interpretação conforme,
consagrada no parágrafo único do artigo 28 da Lei nº 9.868, de 1999: quando a
lei apresentar duas ou mais interpretações razoáveis, aceitáveis, possíveis,
mas apenas uma delas em perfeita conformidade com a Constituição, ao invés
da declaração da inconstitucionalidade sic et simpliciter, deve-se prestigiar a
interpretação compatível com a Constituição.
À vista da técnica da interpretação conforme, encontra-se a exegese que
deve ser conferida ao artigo 20, inciso II, alínea ―b‖, da Lei nº 9.507, de 1997: o
preceito legal não versa sobre o cabimento de recurso ordinário, mas, sim, de
apenas uma hipótese na qual é cabível recurso especial para o Superior
Tribunal de Justiça, sem prejuízo das inúmeras outras. É a única interpretação
que torna o dispositivo compatível com o texto constitucional e com os
princípios da indisponibilidade e da tipicidade de competências.
Em suma, denegado o habeas data originário em ―Tribunal Superior‖, vale
dizer, no Superior Tribunal de Justiça, no Tribunal Superior Eleitoral, no
Tribunal Superior do Trabalho ou no Superior Tribunal Militar, cabe recurso
ordinário para o Supremo Tribunal Federal, com fundamento no artigo 102,
inciso II, alínea ―a‖, da Constituição Federal. Denegado, entretanto, o habeas
data originário em Tribunal de Justiça ou em Tribunal Regional Federal, não
cabe recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça, mas, sim, recurso
extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, na eventualidade de
contrariedade à Constituição Federal, e recurso especial para o Superior
Tribunal de Justiça, na eventualidade de contrariedade à legislação federal,
como, por exemplo, aos preceitos da Lei nº 9.507, de 1996. Não há lugar para
recurso ordinário em sede de habeas data, portanto, para o Superior Tribunal
de Justiça191.
191
De acordo, na jurisprudência: ―1. O artigo 105, inciso II, da Constituição Federal não prevê a competência do Superior Tribunal de Justiça para o julgamento de recurso ordinário constitucional interposto contra decisão de última instância oriunda de Tribunal de Justiça do Estado denegatória de habeas data.‖ (PET nº 5.428/RS – AgRg, 2ª Turma do STJ, Diário da Justiça Eletrônico de 2 de março de 2009).
CAPÍTULO III
MANDADO DE SEGURANÇA
1. PRECEITOS DE REGÊNCIA DO MANDADO DE SEGURANÇA
A Constituição Federal contém muitos dispositivos específicos sobre o
mandado de segurança: artigo 5º, incisos LXIX e LXX; artigo 102, inciso I,
alínea ―d‖, e inciso II, alínea ―a‖; artigo 105, inciso I, alínea ―b‖, e inciso II, alínea
―b‖; artigo 108, inciso I, alínea ―c‖; artigo 109, inciso VIII.
Além dos preceitos constitucionais, o mandado de segurança também é
regido por diploma legal especial, qual seja, a Lei nº 12.016, de 2009, por força
da qual houve a revogação tanto da Lei nº 1.533, de 1951, quanto da Lei nº
4.348, de 1964, principais diplomas de regência do instituto ao longo da
segunda metade do Século XX e também na primeira década do presente
Século XXI. Revogadas ambas as leis, hoje o principal diploma de regência do
mandado de segurança é a Lei nº 12.016, de 2009.
2. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DO MANDADO DE
SEGURANÇA
O mandado de segurança é o processo judicial de estatura
constitucional192 que pode ser movido por qualquer pessoa física ou jurídica, no
prazo decadencial de cento e vinte dias, para a impugnação de atos comissivos
e omissivos ilegais ou abusivos das autoridades públicas em geral e até
mesmo de particulares no exercício de atribuições públicas193, mediante
procedimento especial marcado pela celeridade e pela produção apenas de
prova apenas documental, sempre que a omissão e o ato comissivo
contaminados por ilegalidade ou abuso de poder não puderem ser impugnados
por outra via processual específica194.
3. ADMISSIBILIDADE DO MANDADO DE SEGURANÇA
O mandado de segurança foi inicialmente idealizado contra os atos da
Administração Pública, para que o particular tivesse uma via processual
expedita para impugnar os atos do Poder Executivo.
Não obstante, como não há restrição alguma na Constituição Federal e
na legislação de regência acerca da natureza da autoridade pública, não há
dúvida de que, além dos atos provenientes do Poder Executivo, os atos dos
Poderes Judiciário e Legislativo também podem ser impugnados mediante
192
Cf. artigo 5º, incisos LXIX e LXX, da Constituição Federal. 193
Cf. enunciado nº 510 da Súmula do Supremo Tribunal Federal e enunciado nº 15 da Súmula do antigo Tribunal Federal de Recursos. 194
Cf. enunciados n°s 101, 266, 267, 268 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
mandado de segurança, desde que não exista via processual específica no
ordenamento jurídico.
Com efeito, o mandado de segurança tem como alvo atos comissivo e
omissivo das autoridades públicas e delegadas, lesivos a direito subjetivo ou
que coloquem em risco o mesmo, sem proteção por outra via processual
específica. Se o ato lesivo ou intimidador puder ser impugnado por outra via
processual195, não há a admissibilidade do mandado de segurança.
Sem dúvida, à vista do inciso LXIX do artigo 5º da Constituição Federal,
com o reforço dos artigos 1º e 5º, incisos II e III, da Lei nº 12.016, de 2009, é
lícito concluir que o mandado de segurança só é admissível contra atos – de
autoridades públicas e delegadas – que não sejam impugnáveis por outra via
processual, mas geram lesão ou ameaça a direito subjetivo, em razão de
ilegalidade ou de abuso de poder.
Por outro lado, não há a necessidade do esgotamento dos recursos
administrativos para a impetração do mandado de segurança. Com efeito, à
vista do artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, e do artigo 5º, inciso I,
da Lei nº 12.016, de 2009, o impetrante não está obrigado a esgotar os
recursos administrativos para só então acionar o writ196; basta a existência de
ato administrativo lesivo ou abusivo em prejuízo do impetrante para que possa
acionar o mandado de segurança. Não obstante, se o impetrante optou pela
completa utilização da via administrativa, com a interposição de recurso
administrativo dotado de efeito suspensivo à luz da legislação de regência, do
estatuto ou do regimento interno da entidade administrativa, não tem interesse
de agir para impetrar mandado de segurança antes da deliberação
administrativa final197. Se o fizer, será carecedor da ação, com a consequente
extinção do processo de mandado de segurança.
195
Por exemplo, habeas data, habeas corpus, ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade, ação rescisória, recursos processuais específicos, como o agravo de instrumento e o agravo interno ou regimental. 196
De acordo, na jurisprudência: ―MANDADO DE SEGURANÇA - PENSÃO POR MORTE - PRELIMINAR - FALTA DE INTERESSE DE AGIR - DESNECESSIDADE DE ESGOTAMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA - MÉRITO - PROVENTOS INTEGRAIS - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 40, § 7º, CF/88 - CONCESSÃO DA ORDERM - SENTENÇA CONFIRMADA EM REEXAME NECESSÁRIO.‖ (Reexame necessário nº 1.0024.06.218149-0/001, 8ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 28 de fevereiro de 2008). ―1. A exigência de esgotamento da esfera administrativa para que nasça o direito de ação não encontra, atualmente, respaldo em nosso ordenamento jurídico. Assim sendo, não mais se pode pretender que a parte esgote a instância administrativa para que, só então, possa acessar o Judiciário. 2. É perfeitamente admissível a impetração de mandado de segurança contra ato administrativo apto a gerar efeitos concretos na esfera patrimonial do impetrante.‖ (Apelação nº 1.0400.05.016654-7/001, 4ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 27 de junho de 2006). ―Improcede a exigência de esgotamento da via administrativa, para, a posteriori, o suposto lesado vir ao socorro do Judiciário, pois é do escólio constitucional o mandamento segundo o qual ‗a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito‘.‖ (Apelação nº 000.326.138-5/00, 5ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 20 de maio de 2003). 197
De acordo, na jurisprudência: ―MANDADO DE SEGURANÇA - CONCURSO PÚBLICO - AGENTE DE SEGURANÇA SOCIOEDUCATIVO - EXAME PSICOTÉCNICO - CONTRAINDICAÇÃO - INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ADMINISTRATIVO - PENDÊNCIA DE APRECIAÇÃO - IMPETRAÇÃO - NÃO CABIMENTO. Não cabe impetração de mandado de segurança contra ato que ainda não possui exequibilidade, ou seja, quando o recurso administrativo interposto, dotado de efeito suspensivo, encontra-se pendente de apreciação. Acolhida a preliminar, extingue-se o processo, denegando a
4. MANDADO DE SEGURANÇA COMO SUCEDÂNEO DE AÇÃO
POPULAR: INADEQUAÇÃO
Como já estudado no tópico anterior, a adequação do mandado de
segurança é obtida por exclusão, vale dizer, não é admissível mandado de
segurança quando há via processual específica no ordenamento jurídico para a
impugnação do ato administrativo, legislativo ou judicial, conforme o caso.
Na qualidade de via processual específica do cidadão contra os atos
administrativos lesivos ao patrimônio público ou contrários à moralidade
administrativa, a denominada ―ação popular‖ prevalece em relação ao
mandado de segurança, cujo campo de incidência é obtido por exclusão, à
vista do artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal. Daí a inadequação do
mandado de segurança diante de hipótese própria de ação popular, como bem
assentou o Supremo Tribunal Federal no enunciado nº 101: ―O mandado de
segurança não substitui a ação popular‖198.
Ademais, os processos têm ritos distintos, porquanto a denominada
―ação popular‖ segue o procedimento ordinário e enseja dilação probatória, até
mesmo a produção de provas testemunhal e pericial199, as quais não podem
ser produzidas no mandado de segurança, cuja celeridade do procedimento
pressupõe prévia prova documental produzida desde logo, já com a petição
inicial.
Sob outro prisma, enquanto o mandado de segurança é apto à defesa
de direitos individuais e coletivos, a denominada ―ação popular‖ só tem como
escopo a defesa de direitos transindividuais, coletivos.
Por tudo, o mandado de segurança não pode ser confundido nem pode
ser utilizado em hipótese passível de ação popular, tal como assentou o
Supremo Tribunal Federal ao aprovar o enunciado sumular nº 101: ―O
mandado de segurança não substitui a ação popular‖200.
segurança.‖ (MS nº 1.0000.09.490093-3/000, 2º Grupo de Câmaras Cíveis do TJMG, Diário da Justiça eletrônico de 25 de setembro de 2009). 198
No mesmo sentido, na jurisprudência: MS nº 25.609/DF – AGR – ED, Pleno do STF, Diário da Justiça de 22 de setembro de 2006, p. 29; e MS nº 23.182/PI, Pleno do STF, Diário da Justiça de 3 de março de 2000, p. 63: ―Com isso, está pretendendo converter a ação de Mandado de Segurança em autêntica Ação Popular, o que não é tolerado pela Súmula 101 desta Corte.‖. 199
Cf. artigo 7º, inciso V, da Lei nº 4.717, de 1965. 200
De acordo, na doutrina: ―Realmente, os pressupostos do mandado de segurança são diversos dos da ação popular e o rito processual daquele não se coaduna com a maior amplitude das discussões e provas necessárias ao julgamento da ação popular.‖ (CELSO AGRÍCOLA BARBI. Do mandado de segurança. 7ª ed., 1993, p. 89, nº 96). ―Por fim, lembramos que a ação popular é inconfundível com o mandado de segurança e colima fins diversos, razão pela qual tais remédios judiciais não podem ser usados indistintamente (STF, Súmula 101). Cada um tem objetivo próprio e específico: o mandado de segurança presta-se a invalidar atos de autoridade ofensivos de direito individual ou coletivo, líquido e certo; a ação popular destina-se à anulação de atos ilegítimos e lesivos do patrimônio público. Por aquele se defende direito próprio; por esta se protege o interesse da comunidade, ou, como modernamente se diz, os interesses difusos da sociedade.‖ (HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e habeas data. 16ª ed., 1995, p. 95 e 96).
5. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA LEI EM TESE:
INADEQUAÇÃO
Na esteira da premissa firmada nos tópicos anteriores, o mandado de
segurança não é admissível contra lei em tese, como bem revela o enunciado
nº 266 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: ―Não cabe mandado de
segurança contra lei em tese‖. Pouco importa se o mandado de segurança é
individual ou coletivo; não é admissível mandado de segurança para impugnar
norma geral e abstrata, porquanto há outras vias processuais específicas no
ordenamento jurídico brasileiro, com destaque para a denominada ―ação direta
de inconstitucionalidade‖ e a arguição de descumprimento de preceito
fundamental201.
Sem dúvida, o mandado de segurança jamais enseja controle abstrato
de constitucionalidade, nem mesmo quando a ação é da competência originária
do Supremo Tribunal Federal. O mandado de segurança só enseja controle
concreto de constitucionalidade, admissível no julgamento de causa cujo
desate exige o prévio enfrentamento da compatibilidade de lei ou de ato
normativo. Daí o acerto do enunciado nº 266 da Súmula do Supremo Tribunal
Federal.
6. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA RECUSA OU OMISSÃO
INTEMPESTIVA DE EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO: ADEQUAÇÃO
Os incisos XIV, XXXIII e XXXIV do artigo 5º da Constituição Federal
consagram a regra202 do acesso às informações de ―seu interesse particular, ou
de interesse coletivo ou geral‖, e o consequente direito à obtenção de certidão
nas repartições públicas em geral, no prazo legal203, ―independentemente do
pagamento de taxas‖204, para a posterior defesa de direitos pessoais e da
sociedade em geral.
Resta saber se as hipóteses previstas nos incisos XIV, XXXIII e XXXIV
do artigo 5º ensejam a impetração de habeas data, à vista do inciso LXXII do
mesmo artigo 5º, de forma a afastar a via do mandado de segurança, nos
termos da segunda parte do inciso LXIX: ―conceder-se-á mandado de
segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas-
corpus ou habeas-data".
201
Daí a justificativa para a aprovação do enunciado sumular nº 15 pela Corte Superior do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: ―O mandado de segurança não cabe contra autoridade que edita norma geral e abstrata, ainda que seus eventuais destinatários sejam determináveis‖. 202
Não obstante, a regra não é absoluta: o direito à informação não subsiste quando há risco à segurança da sociedade e do Estado. Cf. Lei n. 11.111, de 2005. 203
A propósito, vale conferir o artigo 1º da Lei n. 9.051, de 1995: ―Art. 1º As certidões para a defesa de direitos e esclarecimentos de situações, requeridas aos órgãos da administração centralizada ou autárquica, às empresas públicas, às sociedades de economia mista e às fundações públicas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, deverão ser expedidas no prazo improrrogável de quinze dias, contado do registro do pedido no órgão expedidor‖. 204
Cf. artigo 5º, inciso XXXIV, caput, in fine, da Constituição Federal.
A resposta reside no escopo peculiar e restrito do habeas data: acesso,
retificação e complementação das informações de natureza pessoal existentes
nos arquivos e bancos de dados públicos ou disponíveis ao público em geral.
Por conseguinte, na eventualidade de recusa ou omissão intempestiva em
relação à expedição de certidão, ou de recusa ou omissão intempestiva acerca
da prestação de informações de interesse coletivo ou geral, a via processual
adequada não é o habeas data, mas, sim, o mandado de segurança, porquanto
aquele writ (habeas data) não se destina à obtenção de certidões, ainda que
relativas a assuntos de interesse particular, muito menos à prestação de
informações e à expedição de certidões de interesse coletivo. Por exemplo,
diante de recusa ou de omissão intempestiva, o discente que conhece o
respectivo histórico escolar e deseja a extração de certidão de inteiro teor
subscrita pela autoridade competente da faculdade ou universidade na qual
está matriculado não dispõe de habeas data, mas, sim, de mandado de
segurança, tendo em vista a combinação dos incisos LXIX e LXXII do artigo 5º
da Constituição Federal205.
Em suma, os direitos consagrados nos incisos XIV, XXXIII e XXXIV do
artigo 5º da Constituição Federal são assegurados mediante mandado de
segurança, writ cabível nas hipóteses que extrapolam o angusto campo de
incidência do habeas data206.
7. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA DECISÃO JUDICIAL:
REGRA DA INADEQUAÇÃO E EXCEÇÃO DA ADMISSIBILIDADE
Em primeiro lugar, a impetração de mandado de segurança contra
decisão judicial não modifica a natureza jurídica do instituto: trata-se de ação,
até mesmo quando o writ tem mira decisão judicial207.
205
Outros exemplos colhidos na jurisprudência: ―HABEAS DATA – REQUERIMENTO DE CERTIDÃO DE
CONTAGEM DE TEMPO PARA FINS DE APOSENTADORIA – IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA – CABIMENTO DE MANDADO DE SEGURANÇA – FEITO EXTINTO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. – Na hipótese específica dos autos não busca a impetrante o acesso às informações relativas à sua própria pessoa, mas o acesso a informações de seu interesse particular, com a emissão de certidão de contagem de tempo, para fins de envio ao INSS para a sua aposentadoria. – Incabível, portanto, a via do habeas data, pois o direito de informações de interesse particular, art. 5º, XXXIII, CR/88, se negado pela Administração, deve ser pleiteado nas vias ordinárias ou através da impetração de mandado de segurança.‖ (Habeas Data nº 1.0000.10.045923-9/000, 1º Grupo de Câmaras Cíveis do TJMG, Diário da
Justiça Eletrônico de 15 de abril de 2011). ―2) O não fornecimento de certidão funcional do impetrante junto ao Poder Público Municipal enseja a impetração de mandado de segurança, e não de habeas data.‖ (Apelação nº 1.0009.09.015322-3/001, 2ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça Eletrônico de 2 de junho de 2010). ―HABEAS DATA – Impetração de servidor a forçar órgão público a fornecer certidão de
tempo de serviço – Meio inidôneo – Cabimento de mandado de segurança.‖ (TJGO, Revista dos Tribunais, volume 724, página 396). 206
Assim, na jurisprudência: ―HABEAS DATA – DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO DEMONSTRADO – OBTENÇÃO DE CERTIDÃO – VIA PRÓPRIA – MANDADO DE SEGURANÇA. Necessária demonstração de direito líquido e certo pelo impetrante do habeas data, sob pena de extinção do feito sem análise do
mérito, cabendo registrar, ainda, que a negativa de obtenção de certidão por órgão da administração direta ou indireta desafia mandado de segurança.‖ (Apelação nº 1.0024.10.310944-3/001, 16ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça Eletrônico de 9 de março de 2012). 207
De acordo, na doutrina: PONTES DE MIRANDA. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo VIII, 2ª ed., atualizada por SERGIO BERMUDES, 2000, p. 258: ―O recurso extraordinário é recurso. A reclamação não no é. Nem no é o mandado de segurança contra decisão judicial.‖ ―Omissis; aqui, propõe-se ação de mandado de segurança‖ (não há os grifos no original).
No que tange à admissibilidade do mandado de segurança contra
decisão judicial, a interpretação do artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição
Federal, reforçado pelos artigos 1º e 5º, incisos II e III, da Lei nº 12.016, de
2009, revela que o alcance do mandado de segurança é obtido por exclusão.
Não é admissível mandado de segurança, portanto, quando há outro tipo de
processo específico para a impugnação da decisão jurisdicional, como a ação
rescisória, por exemplo. Na mesma esteira, também não é admissível mandado
de segurança quando cabe algum recurso processual específico contra a
decisão jurisdicional, como bem revela o enunciado nº 4 do Primeiro Colégio
Recursal de São Paulo: ―Não cabe mandado de segurança contra ato judicial
passível de recurso‖208. A propósito, reforça o preciso enunciado nº 102 da
Súmula do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: ―Descabe a impetração de
mandado de segurança perante o Órgão Especial contra as decisões das
Câmaras isoladas, nos casos em que a lei prevê recursos para os Tribunais
Superiores‖209. É o que também dispõe o enunciado nº 22 da Súmula do
Tribunal de Justiça de Minas Gerais: ―O Mandado de Segurança contra decisão
de Câmara isolada não é cabível perante a Corte Superior quando lei facultar
recurso para o Superior Tribunal de Justiça ou para o Supremo Tribunal
Federal‖. Em suma, a regra reside na inadmissibilidade de segurança contra
decisão judicial, tendo em vista o disposto no artigo 5º, inciso II, da Lei nº
12.016, de 2009.
Não obstante, se a decisão judicial não comportar recurso processual
específico, é admissível o mandado de segurança, consoante a interpretação a
contrario sensu do próprio inciso II do artigo 5º da Lei nº 12.016, de 2009.
Um exemplo muito frequente na prática forense pode facilitar a
compreensão tanto da regra (da inadmissibilidade do mandado de segurança)
quanto da exceção (da admissibilidade do writ). Imagine-se a prolação de
decisão monocrática por relator ou por presidente de turma de tribunal. Em
regra, as decisões monocráticas podem ser impugnadas por meio do recurso
de agravo interno ou regimental; é a regra consagrada no artigo 39 da Lei nº
8.038, de 1990, e no § 1º do artigo 557 do Código de Processo Civil. Diante da
existência de recurso processual específico (qual seja, o agravo interno ou
regimental), não há lugar para mandado de segurança, conforme revela o
enunciado nº 121 da Súmula do antigo Tribunal Federal de Recursos: ―Não
cabe mandado de segurança contra ato ou decisão, de natureza jurisdicional,
emanado de relator ou presidente de turma‖.
Em contraposição, quando não há recurso específico para impugnar a
decisão judicial, como nas hipóteses dos incisos II e III do artigo 527 do Código
208
Aprovado por votação unânime e publicado no Diário Oficial da Justiça de 12 de junho de 2006. 209
Cf. Aviso nº 17, Diário de 30 de maio de 2005, p. 1. Eis a precisa justificativa: ―A legislação processual prevê recursos específicos contra as decisões proferidas em apelações, agravos e embargos infringentes, que são os especial e extraordinário. O Regimento Interno da Corte também não prevê o writ. Não pode ele, portanto, ser utilizado pela parte como substituto desses recursos‖.
de Processo Civil, é admissível mandado de segurança210. Com efeito, diante
da irrecorribilidade das decisões monocráticas arroladas nos incisos II e III do
artigo 527 mediante agravo interno ou regimental, é admissível mandado de
segurança211 para o colegiado competente do próprio tribunal: pleno, órgão
especial, turma especial, conforme o disposto no regimento interno. Por
oportuno, vale ressaltar que a possibilidade da formulação do pedido de
reconsideração previsto no parágrafo único do mesmo artigo 527 não impede a
impetração da segurança, porquanto o pedido de reconsideração não tem
natureza recursal, nem aciona órgão colegiado, mas apenas a competência do
mesmo relator que proferiu a decisão monocrática causadora do
inconformismo212. Daí a conclusão: a regra da inadmissibilidade de mandado
de segurança contra decisão monocrática comporta exceções, como nas
hipóteses dos incisos II e III do artigo 527, nas quais a impetração do mandado
de segurança encontra sustentação no artigo 5º, LXIX, da Constituição Federal 210
De acordo, na jurisprudência: ―PROCESSO CIVIL. CONVERSÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO EM AGRAVO RETIDO. ATO JUDICIAL IRRECORRÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. CABIMENTO. 1. É cabível o mandado de segurança contra ato judicial que determina a conversão de agravo de instrumento em agravo retido. 2. A transformação em retido somente se admite em agravo que ainda poderá ter utilidade quando do julgamento da apelação. Hipótese em que o agravo de instrumento voltou-se contra decisão que deferiu liminar em ação civil pública para, dentre outras providências, proibir prática que se alega inerente à operação do produto ‗cartão de crédito‘, a saber, o financiamento do saldo devedor no caso de a fatura mensal não ser paga em sua integralidade. Manifesto o prejuízo e a prejudicialidade do agravo com a postergação do exame da liminar para o momento do julgamento de eventual apelação pela Turma competente. 3. Recurso provido. Segurança concedida para invalidar o ato que converteu o agravo de instrumento em agravo retido.‖ (RMS nº 32.204/BA, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça Eletrônico de 17 de maio de 2011). Na mesma esteira, também na jurisprudência: RMS nº 24.654/PA, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 19 de dezembro de 2007. Colhe-se da didática ementa do precedente jurisprudencial: ―- Por ser garantia constitucional, não é possível restringir o cabimento de mandado de segurança. Sendo irrecorrível, por disposição expressa de lei, a decisão que determina a conversão de agravo de instrumento em agravo retido, ela somente é impugnável pela via do remédio heróico‖. ―- Já com a retenção do agravo pode haver violação a direito líquido e certo do impetrante. Com a violação, nasce para o impetrante a pretensão de obter segurança para afastar o ato coator‖. 211
Assim, na jurisprudência: Mandado de Segurança nº 2002.01.00.025040-9/DF — AgRg, Turma Recursal de Férias do TRF da 1ª Região: ―CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO DE RELATOR. INDEFERIMENTO DE EFEITO SUSPENSIVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO RECURSAL. CABIMENTO, EM TESE, DO MANDADO DE SEGURANÇA. INDEFERIMENTO DA INICIAL. REFORMA DA DECISÃO. 1. Nos termos do artigo 5º, II, da Lei nº 1.533/51, não se dará mandado de segurança contra ‗despacho ou decisão judicial, quando haja recurso previsto nos leis processuais ou possa ser modificado por via de correição‘. 2. Da decisão de relator sobre efeito suspensivo em agravo de instrumento não cabe agravo regimental (art. 293, § 1º, do Regimento Interno), logo, a contrario sensu do citado dispositivo, é cabível, em tese, mandado de segurança.‖ (não há o grifo no original). Também em sentido semelhante: Mandado de Segurança nº 2001.01.00.044260-1/MG — AgRg, Corte Especial do TRF da 1ª Região, Revista do Tribunal Regional Federal 1ª Região, número 12, ano 14, dezembro de 2002, p. 71: ―Processual Civil. Agravo Regimental. Mandado de Segurança contra ato judicial. Indeferimento liminar da inicial de Mandado de Segurança interposto contra decisão de relator, que atribuiu efeito suspensivo em agravo. Iminência de prejuízos irreparáveis. Provimento do regimental. 1. A teor do art. 5º, II, da Lei 1.533/51, não cabe mandado de segurança contra despacho ou decisão judicial quando haja recurso previsível nas leis processuais ou possa ser modificado por via de correição. 2. De acordo com o § 1º do art. 293 do Regimento Interno deste Tribunal Regional Federal, não cabe qualquer recurso contra decisão de Relator que confere ou denega efeito suspensivo em agravo de instrumento, sendo, pois, tal decisão impugnável por via de mandado de segurança, em casos teratológicos, ou de manifesta ilegalidade, ou na iminência de prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação dela decorrentes.‖ (não há o grifo no original). 212
Em sentido conforme, na jurisprudência: RMS nº 24.654/PA, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 19 de dezembro de 2007. Colhe-se da precisa ementa do precedente jurisprudencial: ―- O pedido de reconsideração não tem, na hipótese do art. 527, parágrafo único, CPC, natureza recursal. A possibilidade de haver retratação pelo relator indica apenas que a legislação afastou a preclusão pro judicato. Assim, o pedido de reconsideração é simples decorrência lógica do sistema de preclusões processuais‖ (não há o grifo no original).
e no artigo 5º, inciso II, da Lei nº 12.016, de 2009, em razão da inadequação do
agravo interno ou regimental.
Outro caso de admissibilidade de mandado de segurança contra decisão
judicial reside no § 1º do artigo 557 do Código de Processo Civil: imagine-se a
hipótese de o relator do agravo interno deixar de submeter o recurso ao
colegiado competente, mesmo sem reconsideração da decisão monocrática
agravada. Sem dúvida, se o relator negar ―seguimento‖ ao agravo regimental,
resta ao agravante a impetração de mandado de segurança, admissível à vista
do artigo 5º, inciso II, da Lei nº 12.016, de 2009213.
Outro exemplo reside na impossibilidade jurídica de recurso no processo
de justificação judicial, ex vi do artigo 865 do Código de Processo Civil. Por
conseguinte, é admissível a impetração de mandado de segurança contra
sentença proferida em justificação judicial: diante da restrição contida no artigo
865 do Código de Processo Civil, abre-se a via excepcional do mandado de
segurança como sucedâneo recursal, a fim de afastar eventual ilegalidade. Por
exemplo, é admissível mandado de segurança contra sentença que dispõe
sobre o mérito das provas produzidas na justificação judicial, em desacordo
com o disposto no artigo 866 do Código de Processo Civil214.
À vista do enunciado nº 637 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, não
cabe recurso processual algum contra acórdão proferido por Tribunal de
Justiça, no exercício da competência do artigo 35, inciso IV, da Constituição
Federal, tendo em vista a natureza político-administrativa da decisão
interventiva. Daí a admissibilidade de mandado de segurança215.
À vista do exposto, surge a primeira conclusão: se for cabível algum
recurso processual específico, tem-se a impossibilidade jurídica do mandado
213
De acordo, na jurisprudência: ―MANDADO DE SEGURANÇA - ATO JUDICIAL - DECISÃO MONOCRÁTICA PROFERIDA PELO RELATOR DE APELAÇÃO CÍVEL - INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO REGIMENTAL - REJEIÇÃO MONOCRÁTICA COM A DETERMINAÇÃO DE REMESSA DOS AUTOS AO REVISOR - ART. 221, §§ 1º, 3º E 4º, DO RITJDFT - VIOLAÇÃO - ORDEM CONCEDIDA. 1. Interposto agravo regimental contra decisão monocrática, cumpre ao relator elevar o inconformismo ao órgão colegiado competente, salvo no caso de retratação. Essa é a redação literal do art. 221 e seus §§, do Regimento Interno desta egrégia Corte de Justiça. 2. O agravo regimental não pode ser trancado pelo relator. É da natureza do recurso que, mantida a decisão, o órgão colegiado se pronuncie a respeito dela. Precedentes. 3. Ordem concedida.― (MS nº 2010.00.2.003901-5, 3ª Câmara Cível do TJDF, Diário da Justiça eletrônico de 25 de maio de 2010, p. 37). 214
Em abono ao raciocínio sustentado no texto, na jurisprudência: ―PROCESSO CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA SENTENÇA PROFERIDA EM JUSTIFICAÇÃO JUDICIAL. CABIMENTO. ATO IRRECORRÍVEL. SÚMULA 267/STF. NÃO INCIDÊNCIA. 1. É possível o manejo de mandado de segurança contra sentença proferida em justificação judicial, procedimento de jurisdição voluntária destinado, quase sempre, a produzir princípio de prova quanto à existência e veracidade de um fato ou de uma relação jurídica, pois se trata de decisão irrecorrível, não incidindo, assim, enunciado de nº 267 da Súmula do Supremo Tribunal Federal. 2. Recurso provido.‖ (RMS nº 19.247/CE, 6ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 7 de novembro de 2005; grifos aditados). 215
De acordo, na jurisprudência: ―CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INTERVENÇÃO ESTADUAL EM MUNICÍPIO. PRECATÓRIO DE NATUREZA ALIMENTAR. INADIMPLÊNCIA. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. AUTARQUIA MUNICIPAL. LEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO. INADEQUAÇÃO DA MEDIDA INTERVENTIVA. REQUISITOS. PRECEDENTES DO STF E STJ. RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO. 1. O mandado de segurança é adequado para a impugnação de decreto interventivo, em razão da inexistência de recurso aplicável à hipótese, em razão da natureza política-administrativa da decisão interventiva.‖ (RMS nº 30.663/SP, 2ª Turma do STJ, Diário da Justiça Eletrônico de 25 de novembro de 2010).
de segurança; em contraposição, se a decisão não for — nem em tese —
impugnável por recurso específico, o mandado de segurança é admissível, em
virtude da interpretação a contrario sensu do inciso II do artigo 5º da Lei nº
12.016, de 2009.
Não obstante, não é toda decisão irrecorrível que enseja mandado de
segurança. É o que ocorre com sentença de mérito sob o manto da coisa
julgada. Há outra via processual de impugnação específica: ação rescisória. Se
existe outra via própria, é inadmissível o mandado de segurança, tendo em
vista o disposto no artigo 5º, inciso III, da Lei nº 12.016, de 2009. É o que
também se infere do preciso verbete nº 268 da Súmula do Supremo Tribunal
Federal: ―Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial com trânsito
em julgado‖. Com efeito, como a rescisória é a via processual apropriada para
desconstituir julgado protegido pela res iudicata, não há lugar para o mandado
de segurança, em razão da inadmissibilidade — e da consequente carência —
da ação de segurança216.
Por tudo, o campo de incidência do mandado de segurança é residual. A
ação de segurança é admissível apenas quando não for cabível recurso
processual específico e também não for adequada outra ação específica. Daí a
asserção de que só excepcionalmente o mandado de segurança tem em mira
decisão judicial.
8. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO JUDICIAL EM
PROCESSO PENAL
Como já estudado no tópico anterior, é admissível mandado de segurança
contra decisão judicial quando não há previsão de recurso processual
específico na legislação de regência. O mesmo raciocínio tem lugar quando a
decisão judicial irrecorrível é proferida em processo penal. Pouco importa,
portanto, se a decisão judicial irrecorrível foi exarada em processo civil ou
criminal. Tanto é admissível a impetração para impugnar decisão judicial
irrecorrível prolatada em processo penal que os Ministros do Supremo Tribunal
Federal aprovaram o enunciado nº 701: ―No mandado de segurança impetrado
pelo Ministério Público contra decisão proferida em processo penal, é
obrigatória a citação do réu como litisconsorte passivo‖.
Um exemplo de impetração de mandado de segurança contra decisão
judicial irrecorrível prolatada em processo penal é encontrado no artigo 273 do
Código de Processo Penal217: diante da ausência de recurso processual próprio
para impugnar decisão de juiz de primeiro grau que versa sobre o ingresso de 216
De acordo, na jurisprudência: MS nº 23.975/DF — AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça de 5 de outubro de 2001, p. 41: ―A AÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA NÃO CONSTITUI SUCEDÂNEO DA AÇÃO RESCISÓRIA. — A ação de mandado de segurança — que se qualifica como ação autônoma de impugnação (RTJ 168/174-175, Rel. Min. CELSO DE MELLO) — não constitui sucedâneo de ação rescisória, não podendo ser utilizada como meio de desconstituição de decisões já transitadas em julgado. Precedentes‖. 217
―Art. 273. Do despacho que admitir, ou não, o assistente, não caberá recurso, devendo, entretanto, constar dos autos o pedido e a decisão‖.
assistente de acusação, é admissível a impetração de mandado de
segurança218-219.
9. ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER
A ilegalidade consiste na prática de ato ou omissão contra texto de lei,
vale dizer, a despeito da natureza vinculada do ato, a autoridade pública é
omissa ou pratica o ato contra o disposto na lei. Com maior razão, a
inconstitucionalidade do ato comissivo ou omissivo também autoriza a
impetração220. Daí a conclusão: o vocábulo ―ilegalidade‖ deve ser interpretado
em sentido amplo, porquanto a inconstitucionalidade do ato também pode ser
impugnada mediante mandado de segurança.
A propósito, é comum a confusão entre duas hipóteses bem distintas sob
o ponto de vista jurídico: 1ª) mandado de segurança para a declaração de
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo; 2ª) declaração de
inconstitucionalidade de ato administrativo em mandado de segurança. Tanto
quanto sutil, a diferença é muito relevante. Na esteira do enunciado nº 266 da
Súmula do Supremo Tribunal Federal, o mandado de segurança não é
admissível na primeira hipótese, por não ser a ação adequada para a
declaração de inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo em tese221. Já
218
Assim, na jurisprudência: MS nº 89.01.20274-3, 2ª Seção do TRF da 1ª Região, Diário da Justiça de 21 de agosto de 1989; e AG nº 166.762/RJ – AgRg, 5ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 26 de abril de 1999, p. 115: ―3. Razoável a tese que admitiu mandado de segurança contra decisão que admitiu assistente de acusação, à míngua de recurso cabível‖. De acordo, na doutrina: ―Pensemos no exemplo do ofendido que busque a habilitação como assistente de acusação e tenha indeferido o seu pleito pelo Juiz. Conforme o art. 273 do CPP, contra esta decisão não cabe recurso. Nestas condições, poderá fazer uso do mandado de segurança, para garantir seu ingresso na lide.‖ (Lúcio Santoro de Constantino. Recursos criminais, sucedâneos recursais criminais e ações impugnativas autônomas criminais. 2ª ed., 2006, p. 321). 219
Outro exemplo de impetração de mandado de segurança em processo penal, na jurisprudência: ―MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO DE JUIZ DE DIREITO INVESTIDO NA JURISDIÇÃO CRIMINAL - CABIMENTO - TRANSAÇÃO PENAL, PROPOSTA DE OFÍCIO, DO JUÍZO - INADMISSIBILIDADE - PRERROGATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NÃO OBSERVADA - ORDEM CONCEDIDA. 1. Diante da interligação dos princípios gerais de direito, possível o entendimento de que a ausência justificada de membro do Ministério Público em audiência criminal onde poderia ser apresentada proposta de transação penal ou suspensão processual, de iniciativa do MP, constitui motivo de adiamento, ainda mais, que o próprio Magistrado reconheceu, naquela oportunidade, "ausência justificada pelo ofício número 018/2001" e constante do termo de audiência. 2. Se não cabe correição parcial ou recurso em sentido estrito contra ato judicial que não observa prerrogativa do Ministério Público, então, a ação constitucional do mandado de segurança constitui meio idôneo.‖ (Mandado de Segurança nº 1.0000.11.024872-1/000, 6ª Câmara Criminal do TJMG, Diário da Justiça eletrônico de 13 de setembro de 2011). 220
Frise-se, é admissível a impetração contra ato comissivo ou omissivo com vício de inconstitucionalidade, mas não contra lei em tese (cf. enunciado nº 266 da Súmula do Supremo Tribunal Federal). 221
Assim: ―PROCESSUAL CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA – LEI EM TESE – IMPOSSIBILIDADE – DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. Norma de caráter geral e abstrato não é atacável por Mandado de Segurança. Mandado de segurança não é meio próprio para se obter a declaração de inconstitucionalidade de lei.‖ (RMS nº 10.122/RJ, 1ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 25 de outubro de 1999, p. 47). ―PROCESSO CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA: IMPROPRIEDADE. 1. Não é o mandado de segurança via própria para atacar lei em tese e assim obter-se a declaração de inconstitucionalidade da mesma.‖ (RMS nº 12.883/AL, 2ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 9 de setembro de 2002, p. 180). ―2. O mandado de segurança não é via própria para atacar a lei em tese e, assim, obter-se a declaração de inconstitucionalidade da norma vergastada. 3. Aplicação da Súmula n° 266 do STF. Precedentes do STJ.‖ (RMS nº 6.181/SP, 2ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 4 de novembro de 2002, p. 175).
na segunda hipótese, o alvo do mandado de segurança é o ato administrativo,
cuja norma geral e abstrata na qual está fundamentado pode ser declarada
inconstitucional incidenter tantum. Com efeito, é admissível a declaração da
inconstitucionalidade incidental da lei ou do ato normativo na qual reside a
sustentação jurídica do ato administrativo, com a posterior concessão da
segurança222. Daí a perfeita possibilidade de impetração de mandado de
segurança contra ato concreto ou ato omissivo fundado em lei ou ato normativo
inconstitucional. Trata-se, à evidência, de controle concreto de
constitucionalidade, o qual tem lugar quando o julgamento da causa depende
do prévio exame de compatibilidade da lei ou ato normativo à luz da
Constituição.
Além da ilegalidade, incluída a inconstitucionalidade, o mandado de
segurança também é admissível para a impugnação do ato e da omissão
contaminados por abuso de poder, como bem revela o artigo 5º, inciso LXIX,
da Constituição Federal. Há o abuso de poder quando a autoridade pública
conta com margem de discricionariedade, mas não pratica o ato dentro dos
parâmetros nos quais pode exercer o livre juízo de conveniência e
oportunidade. Há abuso de poder, por exemplo, quando o Chefe do Poder
Executivo223 recebe a lista tríplice com as indicações do tribunal e deixa
transcorrer in albis o prazo de vinte dias para a respectiva escolha prevista no
parágrafo único do artigo 94 da Constituição Federal. Não há dúvida de que o
Chefe do Executivo pode escolher qualquer um dos três nomes eleitos no
tribunal; só não pode deixar de fazê-lo (ato omissivo) ou indicar um nome que
não conste da lista (ato comissivo)224.
222
De acordo: ―RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE EM SEDE DE MANDAMUS. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LIVRE INICIATIVA E INCENTIVO À CULTURA. ARTS. 170 E 216 DA CF/88. INTERPRETAÇÃO. PROPORCIONALIDADE. OCORRÊNCIA. EXIGÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO. ART. 4° DA LEI Nº 2.519/96. REVOGAÇÃO. LEI ESTADUAL Nº 4.161/03. COISA JULGADA. IDENTIDADE DE AÇÕES. INEXISTÊNCIA. 1. Para apreciar o writ, o magistrado necessariamente examina o embase jurídico do ato praticado pela Administração Pública, a fim de, posteriormente, julgar a ocorrência ou não de violação do direito líquido e certo do particular. Em conseqüência, inexiste óbice para a declaração incidental de inconstitucionalidade da lei analisada, ainda que em ação mandamental. Precedentes.‖ (RMS nº 19.524/RJ, 2ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 26 de setembro de 2005, p. 272). 223
Presidente da República ou Governador de Estado, conforme o caso. 224
Exemplo de abuso de poder foi noticiado pela imprensa da Argentina, em razão da omissão do Presidente em indicar dois ministros para a Suprema Corte, a fim de dificultar a existência de maioria absoluta indispensável para eventuais julgamentos contrários aos interesses do Chefe do Poder Executivo. A hipótese, com similar no Brasil durante o período denominado República Velha, é um exemplo de abuso de poder impugnável por meio do mandado de segurança brasileiro. Eis alguns trechos que demonstram o abuso de poder: ―Al mismo tiempo, em medio de um intenso debate sobre las dos vacantes em el máximo tribunal de justicia que Néstor Kirchner se niega a cubrir, el Gobierno, al responder una presentación judicial sobre el caso, desconoció el decreto que el proprio presidente había firmado para autorregular sus facultades sobre las designaciones de los ministros de la Corte (El artículo cuarto del decreto 222 dice textualmente: „Establécese que, producida una vacante em la Corte Suprema de Justicia de la Nación, en un plazo máximo de 30 días se publicará em el Boletín Oficial y en por lo menos dos diarios de alcance nacional, durante tres días, el nombre y los antecedentes curriculares de la o las personas que se encuentren en consideración para la cobertura de la vacancia‟.)”. “El Presidente se ha negado a tratar personalmente las consecuencias de su demora em nombrar las vacantes de la Corte o en enviar um proyecto de ley al Congreso por el cual se reduce a siete el número de miembros del tribunal. Esa reticencia del mandatario es lo que sustenta la sospecha de algunos jueces de la Corte de que la estrategia del gobierno consiste, precisamente, en paralizar al tribunal sometiéndolo a mayorías
10. PROCEDIMENTO ESPECIAL
No que tange ao procedimento, o rito do processo de mandado de
segurança é especial, marcado pela celeridade, por ser permitida apenas a
produção de prova documental.
Com efeito, ressalvada a hipótese prevista no § 1º do artigo 6º da Lei nº
12.016, de 2009, a prova documental comprobatória dos fatos deve
acompanhar a petição inicial225, o que explica a celeridade do procedimento,
especialmente se comparado o rito do mandado de segurança com o
procedimento comum do Código de Processo Civil.
Ainda a respeito da petição inicial do mandado de segurança, incidem os
artigos 39, inciso I, 258, 282 e 283, todos do Código de Processo Civil226, razão
pela qual o autor-impetrante deve declarar o endereço do respectivo advogado,
atribuir valor à causa, indicar a documentação que acompanha a exordial e
acostar os documentos desde logo.
Ainda à vista do caput do artigo 6º da Lei nº 12.016, de 2009, o autor-
impetrante também deve indicar na petição inicial tanto a autoridade coatora
quanto a pessoa jurídica da qual aquela é órgão. Por exemplo, se o mandado
de segurança tem em mira ato administrativo praticado por reitor de
universidade pública: a autoridade coatora é o reitor, a pessoa jurídica é a
Fundação Universidade Federal, e ambas devem ser identificadas na petição
inicial do writ. Além de indicar a autoridade coatora e a pessoa jurídica, o autor-
impetrante também deve requerer a notificação pessoal da primeira (autoridade
coatora) e a citação da segunda (pessoa jurídica), por intermédio do respectivo
procurador, para que possam responder em dez dias.
Na eventualidade de litisconsórcio passivo necessário entre a parte ré e
outra pessoa, o autor-impetrante também deve requerer a citação do
litisconsorte227.
Por fim, a petição inicial deve ser instruída com a guia de recolhimento
das custas iniciais, previstas nos artigos 19 e 257 do Código de Processo Civil.
11. DIREITO LÍQUIDO E CERTO
Da proibição de dilação probatória no mandado de segurança nasceu da
interpretação conferida pela jurisprudência e pela doutrina à expressão ―direito
líquido e certo‖. Tal cláusula indica que os fatos narrados na petição inicial não
podem ser duvidosos. Ademais, devem ser comprovados de plano. O que pode
muy dificiles de alcanzar: Actualmente, la Corte debe reunir cinco votos, sobre siete designados, para poder adoptar uma resolución‖. (trechos extraídos das páginas 1 e 9, da edição do Jornal La Nacion, de 8 de setembro de 2006). 225
Cf. artigo 6º, caput, da Lei nº 12.016, de 2009. 226
A propósito, o caput do artigo 6º da Lei nº 12.016 é explícito acerca da necessidade da elaboração da petição inicial à luz da legislação processual. 227
Cf. enunciado nº 631 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
ser confusa, complexa e intrincada no mandado de segurança é a matéria de
direito, mas nunca a de fato228. A respeito da exegese da cláusula ―direito
líquido e certo‖, vale conferir o correto enunciado nº 625 da Súmula do
Supremo Tribunal Federal: ―Controvérsia sobre matéria de direito não impede a
concessão de mandado de segurança‖. Em suma, o que impede a
admissibilidade do mandado de segurança é a controvérsia sobre a matéria de
fato narrada na petição inicial. Tanto quanto sutil, a diferença é relevantíssima.
12. PRAZO DECADENCIAL
O direito ao rito especial do mandado de segurança deve ser exercido
dentro dos cento e vinte dias posteriores à data em que o prejudicado atingido
pelo ato tomou ciência do mesmo, ainda que de forma ficta, em razão da
publicação no órgão oficial. A propósito, o Plenário do Supremo Tribunal
Federal já assentou que o mandado de segurança está sujeito a prazo
decadencial, nos termos do enunciado nº 632: ―É constitucional lei que fixa o
prazo de decadência para a impetração de mandado de segurança‖.
Não obstante, o prazo decadencial não diz respeito ao eventual direito
material sustentado pelo autor-impetrante. O decurso in albis do prazo previsto
no artigo 23 da Lei nº 12.016 apenas fecha a via especial do writ. Nada
impede, no entanto, que o jurisdicionado proponha demanda sob procedimento
comum para impugnar o ato tido por coativo, à vista dos mesmos fatos e
fundamentos jurídicos229.
Na verdade, o § 6º do artigo 6º da Lei nº 12.016 autoriza até mesmo a
impetração de novo mandado de segurança dentro do prazo decadencial de
cento e vinte dias, se o respectivo processo foi extinto sem julgamento do
mérito da causa, vale dizer, sem a resolução do objeto do writ.
Por fim, é preciso examinar a problemática do prazo decadencial de cento
e vinte dias nas relações jurídicas de trato sucessivo, quando há novos atos
lesivos mês a mês. Na hipótese sub examine, o direito à impetração é
igualmente ressurge mês a mês, o que afasta a decadência prevista no artigo
23 da Lei nº 12.016, como bem revela o enunciado nº 24 da Súmula do
Tribunal de Justiça de Pernambuco: ―O direito à impetração de mandado de
segurança, cujo objeto verse sobre relação jurídica de trato sucessivo, não é
atingido pela decadência‖230. Vale ressaltar, entretanto, que o raciocínio acima
228
Assim, na jurisprudência: RMS nº 8.143/CE, 6ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 4 de agosto de 1997, p. 34.894; e MS nº 4.822/DF, 1ª Seção do STJ, Diário da Justiça de 25 de agosto de 1997: ―A condição da ação de segurança do direito líqüido e certo consiste na exigência de que a matéria fática seja incontroversa, certa, induvidosa, já que na angusta via do writ não se admite dilação probatória‖. 229
De acordo, na doutrina: ATHOS CARNEIRO. O mandado de segurança. Revista Forense, volume 316, p. 42. 230
De acordo, na jurisprudência: ―RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PRAZO DECADENCIAL PARA IMPETRAÇÃO. INOCORÊNCIA. PRESTAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. PROVIMENTO DO RECURSO. O prazo de impetração do mandado de segurança é de 120 dias, contados da data da ciência do ato impugnado (art. 18 da Lei 1.533/1951). Contudo, em se tratando de prestações de trato sucessivo, o prazo renova-se a cada ato. Precedentes. Recurso a que se dá
exposto não é aplicável aos casos nos quais há ato concreto específico de
autoridade pública, mas com efeitos permanentes. Se há ato lesivo pontual,
ainda que dotado de efeitos futuros, há o início da fluência o prazo decadencial
a partir da comunicação da pessoa lesada, ainda que por meio do órgão oficial.
Tanto quanto sutil, a diferença é relevantíssima231.
13. MANDADOS DE SEGURANÇA REPRESSIVO E PREVENTIVO
Além da forma tradicional de impetração repressiva, pela qual se combate
ato ou omissão já perpetrados, o mandado de segurança também pode ser
preventivo, quando impetrado com o fito de impedir a concretização de ato ou
omissão ofensivos a direito do impetrante.
Ao contrário do mandado de segurança repressivo, a impetração
preventiva exige apenas a existência de ameaça, a qual já é suficiente para a
admissibilidade do writ, em virtude da combinação dos incisos XXXV e LXIX,
ambos do artigo 5º da Constituição Federal. Não basta, entretanto, o mero
receio, o simples medo do impetrante de que o ato e a omissão sejam
perpetrados. É imprescindível que haja ameaça real e atual de o ato comissivo
ou omissivo vir a ser realizado por parte da autoridade pública ou delegada.
Por fim, o mandado de segurança preventivo não está sujeito ao prazo
decadencial previsto no artigo 23 da Lei nº 12.016, porquanto na impetração
preventiva não existe ato coator já concretizado a ser impugnado, mas apenas
indícios de que o ato será perpetrado.
14. LEGITIMIDADE ATIVA
O sujeito ativo no processo de mandado de segurança é a pessoa física
ou jurídica ameaçada ou lesada pelo ato comissivo ou omissivo, de autoria da
autoridade pública ou delegada.
À vista do § 3º do artigo 1º da Lei nº 12.016, de 2009, quando o direito
ameaçado ou violado couber a duas ou mais pessoas, cada uma tem
legitimidade ativa autônoma para, por si só, impetrar o mandado de segurança.
Por conseguinte, o segundo classificado em concurso público pode impetrar
mandado de segurança na eventualidade da nomeação antecipada do terceiro
classificado, independentemente da anuência do primeiro colocado; a inércia
do primeiro não impede que o segundo acione o mandado de segurança. Na
mesma esteira, vale conferir o exemplo extraído do preciso enunciado nº 628
provimento.‖ (RMS nº 24.736/DF, 2ª Turma do STF, Diário da Justiça de 5 de agosto de 2005, p. 119, sem o grifo no original). 231
De acordo, na jurisprudência: ―MANDADO DE SEGURANÇA. Prazo para ajuizamento. Decadência. Não consumação. Impetração contra ato concernente a vencimentos de servidor público. Prestações de trato sucessivo. Inexistência de indeferimento expresso da pretensão pela autoridade administrativa. Renovação mensal da pretensão. Preclusão afastada. Provimento ao recurso para esse fim. Precedentes. O prazo decadencial para ajuizamento de mandado de segurança renova-se mês a mês, quando o ato impugnado respeite a pagamento de prestações de trato sucessivo, sem que tenha havido indeferimento expresso da pretensão pela autoridade.‖ (RMS nº 24.250/DF, 2ª Turma do STF, Diário da Justiça Eletrônico de 4 de março de 2010, sem o grifo no original).
da Súmula do Supremo Tribunal Federal: ―Integrante da lista de candidatos a
determinada vaga da composição de tribunal é parte legítima para impugnar a
validade da nomeação concorrente‖.
Se o ato, a omissão ou a ameaça atingir um grupo de pessoas, pode ser
impetrado mandado de segurança coletivo por organização sindical, entidade
de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo
menos um ano, assim como por partido político com representação no
Congresso Nacional. À vista do artigo 21 da Lei nº 12.016, de 2009, o mandado
de segurança coletivo pode ser impetrado até mesmo em favor apenas de uma
parcela da coletividade. A propósito, merece ser prestigiado o enunciado nº
630 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: ―A entidade de classe tem
legitimação para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada
interesse apenas a uma parte da respectiva categoria‖.
Ainda em relação ao sujeito ativo e ao mandado de segurança coletivo, a
organização, a entidade, a associação e o partido figuram no polo ativo da
relação processual como substitutos processuais das pessoas integrantes da
coletividade lesada ou ameaçada. Daí a justificativa para a desnecessidade de
autorização específica dos associados e filiados, dispensada por força do artigo
21 da Lei nº 12.016, de 2009. Em abono, vale conferir o preciso enunciado nº
629 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: ―A impetração do mandado de
segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe
de autorização destes‖.
Também em consequência da substituição processual prevista no artigo
5º, inciso LXX, da Constituição Federal, o mandado de segurança coletivo pode
ser impetrado sem que a petição inicial esteja acompanhada com a relação
nominal dos substituídos, ou seja, dos associados e filiados substituídos. Sem
dúvida, como o polo ativo do mandado de segurança coletivo é ocupado pela
organização, pela entidade, pela associação ou pelo partido político, em virtude
da substituição processual, só haverá a necessidade da identificação dos
substituídos no momento do cumprimento da decisão concessiva da
segurança. Só então, após a concessão da segurança, pode ser necessária a
apresentação da relação nominal dos associados e filiados, a fim de que a
ordem concedida seja efetivamente cumprida.
Por fim, vale ressaltar a construção jurisprudencial em prol da legitimidade
ativa dos denominados ―órgãos públicos despersonalizados‖, com o
reconhecimento da admissibilidade de mandado de segurança impetrado para
a proteção específica das atribuições e dos direitos institucionais232.
232
Assim, na jurisprudência: ―Mandado de segurança impetrado pela Presidência do Tribunal de Contas contra atos do Governador e da Assembléia Legislativa, ditos ofensivos da competência daquele Tribunal. Legitimidade ativa. Órgão público despersonalizado e parte formal. Defesa do exercício da função constitucionalmente deferida ao Tribunal de Contas. Poder jurídico, abrangido no conceito de direito público subjetivo. Mandado de Segurança cabível.‖ (RE nº 74.836/CE, Pleno do STF, Diário da Justiça de 7 de junho de 1973). ―I – A legitimidade do Ministério Público para interpor mandado de segurança na qualidade de órgão público despersonalizado, deve ser restrito à defesa de sua atuação funcional e de
15. AUTORIDADE COATORA
A petição inicial do mandado de segurança deve conter a indicação da
autoridade coatora com precisão, tendo em vista o disposto no caput do artigo
6º da Lei nº 12.016, de 2009. Aliás, o veto presidencial ao § 4º do artigo 6º da
Lei nº 12.016 reforça a ideia de que a petição inicial deve conter precisa
indicação da autoridade coatora, sob pena até mesmo de indeferimento liminar
da petição inicial do mandado de segurança.
À vista § 3º do artigo 6º da Lei nº 12.016, de 2009, autoridade coatora é a
autoridade pública – ou o particular que exerce atribuição pública – que tenha
praticado o ato impugnado ou da qual emane a ordem para a efetivação.
A correta indicação da autoridade coatora é essencial para a fixação do
órgão judiciário com competência para processar e julgar o mandado de
segurança233. Por conseguinte, o erro na indicação da autoridade coatora pode
ocasionar a incompetência absoluta do juízo ou tribunal, conforme o caso.
Resta saber se o erro na indicação da autoridade coatora implica extinção
do processo de mandado de segurança, com o indeferimento liminar da
respectiva petição inicial. Trata-se de vexata quaestio, conforme se infere da
vacilação da jurisprudência dos tribunais pátrios. Em 2003, por exemplo, o
Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal chegou a aprovar
o enunciado nº 21, com a determinação de extinção do processo, in verbis: ―A
indicação errônea da autoridade coatora importa na extinção do processo‖. Não
obstante, em 2005, o enunciado sumular nº 21 foi cancelado pelo mesmo
Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Em 2004, o
Plenário do Tribunal de Justiça do Ceará aprovou o enunciado sumular nº 19,
com a consagração da orientação jurisprudencial em prol da extinção do
processo de mandado de segurança, nos seguintes termos: ―Extingue-se o
mandado de segurança, sem julgamento do mérito, quanto o ato tido por ilegal
ou abusivo não tenha sido praticado pela autoridade coatora apontada na
petição inicial‖. Mais recentemente, o Tribunal de Justiça do Paraná também
assentou orientação jurisprudencial acerca da questão, conforme dispõe o
preciso enunciado nº 25, in verbis: "A indicação errônea da autoridade coatora
não conduz à extinção do mandado de segurança por ilegitimidade passiva ad
causam, devendo ser possibilitada a emenda da petição inicial em prestígio ao
princípio da instrumentalidade das formas; ocorrendo a correção e surgindo a
incompetência absoluta os autos deverão ser remetidos ao órgão julgador
competente". É a opinião também sustentada no presente ensaio, em
homenagem aos artigos 113, § 2º, e 284, caput, ambos do Código de Processo
Civil, igualmente aplicáveis ao processo de mandado de segurança.
suas atribuições institucionais. Precedentes.‖ (MS nº 30.717/DF – AgRg, 2ª Turma do STF, Diário da Justiça Eletrônico de 10 de outubro de 2011). 233
De acordo, na jurisprudência: ―1. A competência para processar e julgar mandado de segurança é determinada pela natureza e hierarquia funcional da autoridade coatora.‖ (MS nº 15.774/DF – AGrG, 1ª Seção do STJ, Diário da Justiça Eletrônico de 7 de abril de 2011).
Ainda em relação à autoridade coatora indicada pelo autor-impetrante na
petição inicial, o juiz deve determinar a expedição de notificação acompanhada
da segunda via daquela (petição inicial) e dos respectivos documentos, para a
prestação de informações, no prazo de dez dias234. Ainda que a autoridade não
preste as informações requisitadas pelo juiz, não há confissão ficta, não há
presunção da veracidade dos fatos veiculados na petição inicial, porquanto o
ônus processual de comprovar os fatos narrados mediante documentos é do
autor-impetrante235. Em outros termos, a regra estampada no artigo 319 do
Código de Processo Civil não é aplicável ao processo de mandado de
segurança.
16. LEGITIMIDADE PASSIVA
A parte passiva no processo de mandado de segurança é a pessoa
jurídica da qual a autoridade coatora é órgão. Em abono, vale conferir o preciso
enunciado nº 114 da Súmula do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
―Legitimado passivo do mandado de segurança é o ente público a que está
vinculada a autoridade coatora‖. Nem poderia ser diferente, já que é a pessoa
jurídica quem sofre as consequências jurídicas da sucumbência no mandado
de segurança, da coisa julgada, da litispendência, e não a autoridade coatora.
Ademais, simples órgão de pessoa jurídica não pode ser parte, porquanto não
é dotado de personalidade jurídica.
Por ser a parte passiva no processo de mandado de segurança, a pessoa
jurídica deve ser indicada na petição inicial, tal como a autoridade coatora, em
cumprimento ao artigo 6º da Lei nº 12.016, de 2009: ―Art. 6º A petição inicial,
que deverá preencher os requisitos estabelecidos pela lei processual, será
apresentada em duas vias com os documentos que instruírem a primeira
reproduzidos na segunda e indicará, além da autoridade coatora, a pessoa
jurídica que esta integra, à qual se acha vinculada ou da qual exerce
atribuições‖.
Fixada a premissa de que o polo passivo da relação jurídica processual é
ocupado pela pessoa jurídica da qual a autoridade coatora é órgão, resta saber
quem pode recorrer da decisão judicial concessiva do provimento liminar e da
sentença concessiva da segurança: a pessoa jurídica, a autoridade coatora ou
ambas?
Em primeiro lugar, a pessoa jurídica tem legitimidade para recorrer na
qualidade de parte. Com efeito, a legitimidade para recorrer em mandado de
segurança é da pessoa jurídica, parte passiva no processo.
234
Cf. artigo 7°, inciso I, da Lei n° 12.016, de 2009. 235
De acordo, na jurisprudência: ―- Em se tratando de mandado de segurança, não há sequer que pretender-se a ocorrência de confissão ficta por falta de contestação, dada a intempestividade das informações. Com efeito, em mandado de segurança quem tem de fazer prova da liquidez e certeza do direito, mediante prova documental pré-constituída, é o impetrante, o que afasta, conseqüentemente, a aplicação da confissão ficta por não contestação se aquela prova, cujo ônus é do impetrante, não for feita.‖ (RMS n° 21.300/DF, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 14 de agosto de 1992, p. 12.225).
À vista do § 2º do artigo 14 da Lei nº 12.016, de 2009, a autoridade
coatora também tem legitimidade recursal, de natureza extraordinária: ―§ 2º
Estende-se à autoridade coatora o direito de recorrer‖.
Por fim, a pessoa física cujo ato ou omissão foi alvo da impetração
também pode interpor recurso em nome próprio, na qualidade de terceiro
prejudicado, com fundamento no artigo 499, § 1º, do Código de Processo Civil.
O interesse jurídico que permite a interposição de recurso está
consubstanciado na possibilidade de a pessoa física poder ser acionada de
forma regressiva, nos termos do § 6º do artigo 37 da Constituição Federal236.
17. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO
Na eventualidade de litisconsórcio passivo necessário entre a pessoa
jurídica da qual a autoridade coatora é órgão e outra pessoa, o autor-
impetrante também deve requerer a citação do litisconsorte desde logo, na
própria petição inicial. É o que se dá, por exemplo, na hipótese objeto do
enunciado nº 701 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: ―No mandado de
segurança impetrado pelo Ministério Público contra decisão proferida em
processo penal, é obrigatória a citação do réu como litisconsorte passivo‖.
Se não o fizer, incide o parágrafo único do artigo 47 do Código de
Processo Civil, razão pela qual o advogado do autor-impetrante deve ser
intimado, a fim de que promova a citação, isto é, requeira especificamente a
citação do litisconsorte, com a qualificação do mesmo e o fornecimento do
respectivo endereço, além do recolhimento das eventuais custas processuais
da citação.
Se o autor-impetrante não cumprir o disposto no parágrafo único do artigo
47 do Código de Processo Civil, a petição inicial do mandado de segurança
deve ser indeferida, com a extinção do processo. Assim dispõe o enunciado nº
631 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: ―Extingue-se o processo de
mandado de segurança se o impetrante não promove, no prazo assinado, a
citação do litisconsorte passivo necessário‖237.
18. COMPETÊNCIA
A competência do juízo ou tribunal para o processamento e o julgamento
do mandado de segurança está diretamente relacionada à autoridade coatora,
consoante o disposto nos artigos 102, inciso I, alínea ―d‖, 105, inciso I, letra ―b‖,
108, inciso I, alínea ―c‖, todos da Constituição Federal. Por conseguinte, o
236
É o didático exemplo indicado pelo Professor EDUARDO RIBEIRO (Recursos em mandado de segurança. 1990, p. 290) e pelo Professor SÉRGIO FERRAZ (Mandado de segurança. 3ª ed., p. 186). 237
Vale ressaltar que o enunciado sumular nº 631 consagra o disposto no enunciado nº 145 da Súmula do antigo Tribunal Federal de Recursos: ―Extingue-se o processo de mandado de segurança, se o autor não promover, no prazo assinado, a citação do litisconsorte necessário‖.
mandado de segurança pode ser da competência originária de tribunal238, mas
também pode ser da competência de juízo de primeiro grau239, tudo à vista da
autoridade coatora indicada na petição inicial.
A competência é originária do Supremo Tribunal Federal quando a
impetração tem como alvo ato ou omissão do Presidente da República, da
Mesa do Senado Federal, da Mesa da Câmara dos Deputados Federais, do
Procurador-Geral da República, do Tribunal de Contas da União e do próprio
Supremo Tribunal Federal. Com efeito, nas hipóteses previstas no artigo 102,
inciso I, letra ―d‖, da Constituição Federal, o mandado de segurança deve ser
impetrado desde logo no Supremo Tribunal Federal, como bem exemplifica o
enunciado nº 248 da Súmula da Corte Suprema: ―É competente,
originariamente, o Supremo Tribunal Federal, para mandado de segurança
contra ato do Tribunal de Contas da União‖. Em contraposição, não compete
ao Supremo Tribunal Federal processar nem julgar os mandados de segurança
contra atos unipessoais e coletivos de outros tribunais, ainda que judiciários.
Trata-se de orientação jurisprudencial clássica, conforme revela o enunciado nº
330 da Súmula da Corte Suprema: ―O Supremo Tribunal Federal não é
competente para conhecer de mandado de segurança contra atos dos
Tribunais de Justiça dos Estados‖. Reforça o enunciado nº 624: ―Não compete
ao Supremo Tribunal Federal conhecer originariamente de mandado de
segurança contra atos de outros tribunais‖.
À luz do artigo 105, inciso I, alínea ―b‖, da Constituição Federal, compete
ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar os mandados de segurança
contra ato e omissão de Ministro de Estado, dos Comandantes da Marinha, do
Exército e da Aeronáutica, bem assim do próprio Superior Tribunal de Justiça.
Por conseguinte, não compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar mandado
de segurança contra ato unipessoal ou colegiado proveniente de tribunal local,
de tribunal regional federal ou de outro tribunal. Sem dúvida, à vista do artigo
105, inciso I, letra ―b‖, da Constituição Federal, o Superior Tribunal de Justiça
tem competência para processar e julgar originariamente mandado de
segurança contra ato do ―próprio Tribunal‖; quanto aos demais tribunais, o writ
refoge à competência da Corte, como bem revela o enunciado nº 41: ―O
Superior Tribunal de Justiça não tem competência para processar e julgar,
originariamente, mandado de segurança contra ato de outros tribunais ou dos
respectivos órgãos‖.
No que tange aos Tribunais Regionais Federais e aos Tribunais de
Justiça, incidem os artigos 108, inciso I, letra ―c‖, e 125, caput, ambos da
Constituição Federal. No que tange à alínea ―c‖ do inciso I do artigo 108, o
238
A propósito do mandado de segurança de competência originária de tribunal, vale conferir o artigo 16 da Lei nº 12.016, de 2009: ―Art. 16 Nos casos de competência originária dos tribunais, caberá ao relator a instrução do processo, sendo assegurada a defesa oral na sessão de julgamento‖. 239
Cf. artigo 109, inciso VIII, da Constituição Federal. A propósito do mandado de segurança de competência de juiz de primeiro grau, vale conferir os artigos 7º, 10, 12 e 13, todos da Lei nº 12.016, de 2009
preceito versa sobre a competência originária dos Tribunais Regionais Federais
para o processamento e o julgamento dos mandados de segurança contra atos
do próprio tribunal e dos juízes federais de primeiro grau. Igual raciocínio
alcança os Tribunais de Justiça, por força do princípio da simetria consagrado
no caput do artigo 125 da Constituição Federal. Sem dúvida, os Tribunais de
Justiça têm competência originária para o processamento e o julgamento dos
mandados de segurança impetrados contra atos do próprio tribunal e dos juízes
de direito, além de outras competências previstas na respectiva Constituição do
Estado240.
Por fim, há a competência dos juízes de primeiro grau. Como a fixação da
competência deve ser aferida à luz da autoridade coatora, é preciso examinar
se o ato impugnado foi praticado por autoridade federal, estadual, distrital ou
municipal. À vista do artigo 2º da Lei nº 12.016, de 2009, considerar-se-á
federal a autoridade coatora se as consequências patrimoniais provenientes do
ato impugnado ―houverem de ser suportadas pela União ou entidade por ela
controlada‖. Mutatis mutandis, igual raciocínio deve ser empregado para a
identificação das autoridades estaduais, distritais e municipais. Identificada a
autoridade coatora, a competência é revelada: se a autoridade for federal, a
competência é de juiz federal de primeiro grau, à vista do artigo 109, inciso VIII,
da Constituição Federal241; se a autoridade for distrital, a competência é de juiz
de direito do Distrito Federal; e se a autoridade for estadual ou municipal, a
competência é de juiz de direito do respectivo Estado-membro, conforme o
caso.
19. PETIÇÃO INICIAL
A petição inicial deve ser elaborada à luz dos artigos 282 e 283 do Código
de Processo Civil, aplicáveis ao mandado de segurança por força do artigo 6º
da Lei nº 12.016, de 2009. Por conseguinte, a petição inicial do mandado de
segurança deve conter a indicação do valor da causa, bem como deve estar
instruída com toda a documentação disponível no momento da impetração.
À vista do artigo 6º da Lei nº 12.016, de 2009, a petição inicial deve conter
a precisa indicação da autoridade coatora e também da pessoa jurídica que
ocupa o polo passivo da relação processual. O autor-impetrante deve, ainda,
requerer a notificação da autoridade coatora e também do representante
judicial da pessoa jurídica. Sem dúvida, a interpretação sistemática dos artigos
6º, caput, 7º e 11, todos da Lei nº 12.016, de 2009, revela que devem ser
240
À vista do artigo 106, inciso I, alínea ―c‖, da Constituição do Estado de Minas Gerais, por exemplo, compete ao Tribunal de Justiça processar e julgar originariamente os mandados de segurança impetrados contra atos do Governador do Estado, dos Secretários de Estado, do Procurador-Geral de Justiça, do Advogado-Geral do Estado, do próprio Tribunal de Justiça e dos Juízes de Direito, da Presidência e da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa, da Presidência do Tribunal de Contas do Estado e, no caso de perda de mandato de Prefeito, da Presidência e das Comissões das Câmaras Municipais. 241
―Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: omissis; VIII – os mandados de segurança e os habeas data contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais;‖.
―feitas as notificações‖ da autoridade coatora e do representante judicial da
pessoa jurídica que ocupa o polo passivo. A autoridade coatora é notificada
para prestar informações no prazo de dez dias242. Já o representante judicial da
pessoa jurídica é notificado para que também possa responder à impetração243.
Ainda a respeito da petição inicial, o autor-impetrante também pode
requerer a prolação de provimento jurisdicional liminar, para ―que se suspenda
o ato que deu motivo‖ à impetração. Se a competência para processar e julgar
o mandado de segurança for de juízo de primeiro grau, o juiz profere decisão
interlocutória, passível de agravo de instrumento, em dez dias, nos termos do
artigo 7º, § 1º, da Lei nº 12.016, de 2009, combinado com o artigo 522 do
Código de Processo Civil. Se a competência for de tribunal, o relator profere
decisão monocrática, passível de agravo interno ou regimental, em cinco dias,
nos termos do artigo 16, caput e parágrafo único, combinado com o artigo 39
da Lei nº 8.038, de 1990.
20. CONTROLE DA ADMISSIBILIDADE DA PETIÇÃO INICIAL
Distribuída a petição inicial, cabe ao juiz efetuar o controle da
admissibilidade da mesma, à vista dos pressupostos processuais, das
condições da ação do mandado de segurança e do prazo decadencial para a
impetração.
Na eventualidade de carência da ação ou de decadência, por exemplo, a
petição inicial do mandado de segurança deve ser indeferida liminarmente, por
meio de sentença, contra a qual, entretanto, cabe recurso de apelação, em
quinze dias, por parte do autor-impetrante. Igual juízo de admissibilidade da
petição inicial deve ser proferido pelo relator no tribunal, no caso de mandado
de segurança de competência originária, com a prolação de decisão
monocrática, contra a qual cabe recurso de agravo interno ou regimental, no
prazo de cinco dias, para o colegiado competente previsto no regimento interno
do tribunal: câmara, grupo de câmaras, seção, órgão especial ou plenário.
Em contraposição, se a petição inicial estiver ―em termos‖, vale dizer,
apta, o juiz admite o mandado de segurança e determina o processamento do
mesmo, nos termos do artigo 7º da Lei nº 12.016, de 2009. Na mesma
oportunidade, o juiz deve apreciar o eventual pedido de concessão provisória
da segurança liminar, por meio de decisão interlocutória. Igual competência
cabe ao relator, por meio de decisão monocrática, no caso de mandado de
segurança originário de tribunal.
Resta saber se o juiz de primeiro grau e o relator no tribunal podem
evocar o artigo 284 do Código de Processo Civil na eventualidade de a petição
inicial do mandado de segurança apresentar defeito sanável, como, por
242
Cf. artigo 7º, inciso I, da Lei nº 12.016, de 2009. 243
Cf. artigo 7º, inciso II, da Lei nº 12.016, de 2009.
exemplo, a ausência de indicação do valor da causa ou a falta de juntada de
documento indispensável.
Trata-se de vexata quaestio. O Tribunal Superior do Trabalho decidiu de
forma negativa ao aprovar o enunciado sumular nº 415, contra a aplicação do
artigo 284 do Código de Processo Civil ao mandado de segurança, in verbis:
―Exigindo o mandado de segurança prova documental pré-constituída,
inaplicável se torna o art. 284 do CPC, quando verificada, na petição inicial do
mandamus, a ausência de documento indispensável ou de sua autenticação‖.
Em contraposição, o Tribunal de Justiça do Paraná aprovou o enunciado nº 25,
calcado na incidência do artigo 284 ao processo de mandado de segurança: "A
indicação errônea da autoridade coatora não conduz à extinção do mandado
de segurança por ilegitimidade passiva ad causam, devendo ser possibilitada a
emenda da petição inicial em prestígio ao princípio da instrumentalidade das
formas; ocorrendo a correção e surgindo a incompetência absoluta os autos
deverão ser remetidos ao órgão julgador competente".
Expostas as duas correntes jurisprudenciais antagônicas, prestigia-se a
interpretação consagrada no enunciado nº 25 aprovado no Tribunal de Justiça
do Paraná, em prol da aplicabilidade do artigo 284 do Código de Processo Civil
também em relação ao processo de mandado de segurança.
21. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA PROFERIDA IN LIMINE LITIS POR
JUIZ DE PRIMEIRO GRAU
À vista do artigo 7º, § 1º, da Lei nº 12.016, de 2009, cabe recurso de
agravo de instrumento contra decisão interlocutória prolatada por juiz de
primeiro grau em processo de mandado de segurança. Pouco importa se a
decisão proferida in limine litis foi concessiva ou denegatória: ambas são
passíveis de impugnação mediante agravo de instrumento244, como bem
assentou o antigo Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, nos termos
244
Assim, com maior autoridade: ARNALDO ESTEVES LIMA. Agravo e suspensão de liminar ou de sentença. IV; BARBOSA MOREIRA. Mandado de segurança. 1996, p. 85; e Recorribilidade. p. 215; EDUARDO RIBEIRO. Recursos em mandado de segurança. 1989, p. 283, 284 e 287; HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança. 16ª ed., 1995, p. 73 e 82; e NERY JUNIOR. Princípios fundamentais. 5ª ed., 2000, p. 250. Ainda no mesmo sentido do texto, na jurisprudência: RMS nº 8.516/RS, 2ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 8 de setembro de 1997, p. 42.435; e REsp nº 139.276/ES, 1ª Turma do STJ, julgado em 5 de abril de 2001, noticiado no Informativo de jurisprudência STJ, nº 91: ―É cabível o agravo de instrumento em mandado de segurança, certo que as normas do CPC aplicam-se a todas as ações, inclusive às de ritos especiais, salvo quando elas tiverem específicas regras contrários, hipótese inocorrente‖. Por oportuno, confira-se a didática ementa de outro precedente: ―PROCESSO CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA – LIMINAR: ATAQUE VIA AGRAVO DE INSTRUMENTO – LEGITIMIDADE PARA RECORRER. Superada a posição jurisprudencial que, ortodoxamente, rejeita recurso contra decisão concessiva, só atacável via suspensão de segurança. A liminar, negando ou concedendo a antecipação é decisão interlocutória que desafia agravo de instrumento.‖ (REsp nº 264.555, 2ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 19 de fevereiro de 2001, p. 159). Na mesma linha: ―1. Esta Corte adota entendimento majoritário no sentido de admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão de magistrado de primeira instância que indefere ou concede liminar em mandado de segurança.‖ (REsp nº 714.215/MG, 2ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 3 de outubro de 2005, p. 214). Por fim, vale a pena conferir a conclusão do eminente Ministro EDUARDO RIBEIRO: ―Concluo tendo como certo que é possível o uso do agravo de instrumento para impugnar a decisão que conceda ou negue a liminar‖ (p. 287).
do enunciado nº 48, in verbis: ―Das decisões interlocutórias proferidas em
mandado de segurança caberá agravo de instrumento‖245.
22. MINISTÉRIO PÚBLICO
À vista do artigo 12 da Lei nº 12.016, de 2009, findo o prazo de dez dias
referente às informações, o representante do Ministério Público deve ser
intimado pessoalmente, quando terá oportunidade de apresentar o respectivo
parecer, também em dez dias.
23. SENTENÇA
Decorrido o prazo de dez dias, com ou sem parecer do Ministério Público,
os autos são conclusos ao juiz de primeiro grau, para a prolação da sentença
monocrática.
Concessiva ou denegatória, da sentença cabe apelação, no prazo de
quinze dias. Sem prejuízo da recorribilidade, a sentença concessiva também
está sujeita ao reexame necessário, razão pela qual o juiz deve determinar a
remessa dos autos ao tribunal competente, com ou sem interposição de
apelação246.
Vale ressaltar, por oportuno, que a prolação de sentença e a
recorribilidade mediante recurso de apelação só têm lugar em processo de
mandado de segurança de competência de juízo de primeiro grau de jurisdição.
No que tange aos mandados de segurança de competências originárias de
tribunais, tanto os julgamentos quanto os recursos cabíveis são outros247.
24. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS: IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA
Na vigência da antiga Lei nº 1.533, de 1951, surgiu séria controvérsia
acerca da possibilidade jurídica de condenação da parte vencida no mandado
de segurança ao pagamento de honorários advocatícios.
Com efeito, a vexata quaestio foi suscitada e julgada pelo Supremo
Tribunal Federal nos anos de 1968 e 1969, tendo em vista a discussão acerca
da aplicação subsidiária do artigo 64 do Código de Processo Civil de 1939, com
a redação conferida pela Lei nº 4.632, de 1965, in verbis: ―A sentença final na
causa condenará a parte vencida ao pagamento de honorários do advogado da
parte vencedora, observado, no que fôr aplicável, o disposto no art. 55‖.
245
Uniformização de jurisprudência nº 1.148.413-4/01, Órgão Especial, Diário da Justiça de 4 de julho de 2003. No mesmo sentido: EREsp nº 471.513/MG, Corte Especial do STJ, Diário da Justiça de 7 de agosto de 2006: ―A decisão liminar em mandado de segurança é de natureza interlocutória. O seu indeferimento acarreta evidente gravame ao impetrante, da mesma forma que a sua concessão gera gravame para a pessoa jurídica a que está vinculada a autoridade indicada como coatora. Assim, há a possibilidade de interposição de agravo de instrumento, ainda que não exista previsão expressa na Lei do Mandado de Segurança‖. 246
Cf. artigo 14 da Lei nº 12.016, de 2009. 247
Cf. tópicos 26, 27 e 28 do presente capítulo.
Após quatro julgamentos248 contrários à aplicação do artigo 64 do Código
anterior ao processo de mandado de segurança, o Plenário da Corte Suprema
aprovou o enunciado nº 512, nos seguintes termos: ―Não cabe condenação em
honorários de advogado na ação de mandado de segurança‖.
Não obstante, a aprovação do enunciado nº 512 não pacificou a
divergência, a qual foi ressuscita em 1994, perante o Superior Tribunal de
Justiça, com fundamento no artigo 20 do Código de Processo Civil de 1973.
Na esteira do Supremo Tribunal Federal, entretanto, a Corte Especial do
Superior Tribunal de Justiça prestigiou o enunciado nº 512, com a aprovação
do enunciado nº 105, in verbis: ―Na ação de mandado de segurança não se
admite condenação em honorários advocatícios‖.
À vista dos dois verbetes sumulares contrários à condenação da parte
vencida ao pagamento de honorários advocatícios, o legislador consagrou a
orientação jurisprudencial no artigo 25 da Lei nº 12.016, de 2009: ―Art. 25. Não
cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos
infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem
prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé‖.
Por tudo, não há possibilidade jurídica de condenação em verba honorária
em processo de mandado de segurança, independentemente de a sentença ter
sido concessiva ou denegatória, sem prejuízo, entretanto, da condenação ao
pagamento das custas processuais e das eventuais multas por litigância de
má-fé.
25. COISA JULGADA EM PROCESSO DE MANDADO DE SEGURANÇA
25.1. COISA JULGADA EM PROCESSO DE MANDADO DE
SEGURANÇA INDIVIDUAL
Como as sentenças em geral, os julgamentos de mérito proferidos em
processos de mandado de segurança também adquirem a auctoritas rei
iudicatae e são passíveis de impugnação mediante ação rescisória.
Em contraposição, os julgamentos apenas terminativos (ou processuais)
não produzem coisa julgada. Daí a possibilidade jurídica de nova impetração
dentro do prazo decadencial de cento e vinte dias, como autoriza o § 6º do
artigo 6º da Lei nº 12.016, de 2009, além da possibilidade da propositura de
demanda sob procedimento comum, com fundamento no artigo 19 da Lei nº
12.016, de 2009: ―Art. 19. A sentença ou o acórdão que denegar mandado de
segurança, sem decidir o mérito, não impedirá que o requerente, por ação
própria, pleiteie os seus direitos e os respectivos efeitos patrimoniais‖.
248
Cf. RE nº 61.097, MS nº 19.071, RE nº 66.843 e RE nº 65.572.
Sem dúvida, na esteira do enunciado nº 304 da Súmula do Supremo
Tribunal Federal249, o artigo 19 da Lei nº 12.016 dispõe – com melhor
redação250 – sobre a possibilidade jurídica da propositura de demanda sob
procedimento comum, caso o julgamento proferido no processo de mandado
de segurança não tenha versado sobre o mérito da causa. Se o fez, o decisum
— concessivo ou denegatório da ordem — fica protegido pelo manto da coisa
julgada após o decurso in albis do prazo recursal e só pode ser desconstituído
por meio de ação rescisória.
25.2. COISA JULGADA EM PROCESSO DE MANDADO DE
SEGURANÇA COLETIVO
No que tange aos processos de mandado de segurança coletivo
impetrado com fundamento no artigo 5º, inciso LXX, da Constituição Federal, e
nos artigos 21 e 22 da Lei nº 12.016, de 2009, referentes a direitos difusos251,
coletivos252 ou homogêneos253, prevalece a interpretação segundo a qual todas
as sentenças de mérito (tanto as concessivas quanto as denegatórias254)
alcançam os indivíduos substituídos, desde que formulem requerimento de
desistência255 nos respectivos processos individuais no prazo de trinta dias a
partir da eventual intimação realizada no processo de mandado de segurança
coletivo.
26. EMBARGOS INFRINGENTES E APELAÇÃO EM MANDADO DE
SEGURANÇA
Durante muitos anos houve séria divergência quanto ao cabimento de
embargos infringentes contra acórdão proferido por maioria de votos em
249
―Decisão denegatória de mandado de segurança, não fazendo coisa julgada contra o impetrante, não impede o uso da ação própria‖. 250
A redação do artigo 19 da Lei nº 12.016 é muito superior ao texto do enunciado nº 304, aprovado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em 1963. O preceito legal revela, à evidência, o que está implícito no enunciado sumular: só há possibilidade jurídica de nova demanda sob procedimento comum se o julgamento proferido no processo não versou sobre o mérito do mandado de segurança. Daí o elogio ao legislador de 2009, pela clareza do teor do artigo 19 da Lei nº 12.016. 251
Difusos são os direitos e os interesses indivisíveis e de pessoas indeterminadas. 252
Coletivos são os direitos e os interesses indivisíveis de pessoas indeterminadas, mas que são passíveis de identificação. 253
Homogêneos são os direitos e interesses individuais divisíveis de várias pessoas determinadas. É a homogeneidade dos direitos e interesses comuns de muitos indivíduos que explica a admissibilidade do mandado de segurança coletivo. 254
―2. A incompatibilidade do regime de substituição processual de pessoa de direito público por entidade privada se mostra particularmente evidente no atual regime do mandado de segurança coletivo, previsto nos artigos 21 e 22 da Lei 12.016/09, que prevê um sistema automático de vinculação tácita dos substituídos processuais ao processo coletivo, podendo sujeitá-los inclusive aos efeitos de coisa julgada material em caso de denegação da ordem.‖ (RMS nº 34.270/MG, 1ª Turma do STJ, Diário da Justiça eletrônico de 28 de outubro de 2011, sem o grifo no original). 255
Desistência, e não de simples suspensão, como prevê o artigo 104 do Código do Consumidor, regra aplicável aos processos coletivos em geral, mas não ao mandado de segurança coletivo, regido por norma especial (artigo 22 da Lei nº 12.016, de 2009) que prevalece em relação à regra geral.
julgamento de apelação interposta contra sentença prolatada em ação de
mandado de segurança da competência de juiz de primeiro grau256.
Após sucessivos julgamentos, todavia, os tribunais assentaram que não
há lugar para embargos infringentes de acórdão proferido em apelação
interposta de sentença prolatada em ação de mandado de segurança, ainda
que o julgamento da apelação tenha sido tomado por maioria de votos. A
propósito, vale conferir o enunciado nº 597 da Súmula do Supremo Tribunal
Federal, in verbis: ―Não cabem embargos infringentes de acórdão que, em
mandado de segurança, decidiu, por maioria de votos, a apelação‖.
Na esteira do enunciado nº 597 da Súmula do Supremo Tribunal Federal,
o artigo 25 da Lei nº 12.016, de 2009, proibiu a interposição do recurso de
embargos infringentes nos processos de mandado de segurança em geral,
tanto os de competência originária dos tribunais quanto os que chegam aos
mesmos em grau de apelação, com julgamento por maioria de votos.
Sem dúvida, à vista da literalidade do artigo 25 da Lei nº 12.016, de 2009,
preceito que ratificou a tese consagrada no enunciado nº 597 da Súmula do
Supremo Tribunal Federal, não há mais lugar para discussão: não cabem
embargos infringentes contra acórdão majoritário proferido em grau de
apelação proveniente de sentença prolatada em ação de mandado de
segurança. Enfim, não há lugar para embargos infringentes em nenhuma
hipótese de julgamento de mandado de segurança, seja originário, seja em
grau de recurso.
27. AGRAVO INTERNO E DECISÃO MONOCRÁTICA DENEGATÓRIA
OU CONCESSIVA DE PROVIMENTO LIMINAR EM AÇÃO ORIGINÁRIA DE
MANDADO DE SEGURANÇA
Antes do advento da Lei nº 12.016, de 2009, também prevalecia a
orientação jurisprudencial contrária ao cabimento de agravo interno ou
regimental contra decisão monocrática referente ao provimento liminar em
mandado de segurança de competência originária de tribunal. Foi o que
assentou o Supremo Tribunal Federal, cujo Plenário aprovou o enunciado nº
622: ―Não cabe Agravo Regimental contra decisão de relator que concede ou
indefere liminar em Mandado de Segurança‖.
Não obstante, com a superveniência da Lei nº 12.016, de 2009, cujo
artigo 16 é explícito acerca do cabimento de agravo interno ou regimental
contra decisão monocrática concessiva ou denegatória, não há mais dúvida
acerca da adequação do agravo em ambas das hipóteses. Por conseguinte, o
enunciado nº 622 não subsistiu ao advento da Lei nº 12.016, de 2009, em
256
A favor do cabimento do recurso, vale lembrar a conclusão nº 43 do Simpósio de Curitiba, de 1975: ―Cabem embargos infringentes do acórdão, não unânime, que julga apelação em processo de mandado de segurança.‖ (Revista Forense, volume 252, p. 26). Foi a opinião também defendida pelo autor do presente compêndio até o advento da Lei nº 12.016, de 2009, cujo artigo 25 vedou a interposição dos embargos infringentes e pôs fim à discussão.
especial do respectivo parágrafo único do artigo 16, in verbis: ―Da decisão do
relator que conceder ou denegar a medida liminar caberá agravo ao órgão
competente do tribunal que integre‖.
Como já anotado, trata-se do agravo interno ou regimental cabível contra
decisão monocrática, cujo prazo de interposição é de cinco dias, ex vi do artigo
39 da Lei nº 8.038, de 1990. Sem dúvida, o agravo previsto no artigo 16 da Lei
nº 12.016 segue o disposto no artigo 39 da Lei nº 8.038, e não o artigo 522 do
Código de Processo Civil, referente a outra espécie de agravo.
28. RECURSO ORDINÁRIO CONTRA ACÓRDÃO DENEGATÓRIO DE
MANDADO DE SEGURANÇA ORIGINÁRIO DE TRIBUNAL
28.1. RECURSO ORDINÁRIO PARA O SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA
À luz do artigo 105, inciso II, alínea ―b‖, da Constituição de 1988,
reforçado pelo artigo 539, inciso II, letra ―a‖, do Código de Processo Civil, cabe
recurso ordinário em mandado de segurança para o Superior Tribunal de
Justiça contra acórdão proferido por Tribunal Regional Federal ou por Tribunal
de Justiça, denegatório de mandado de segurança originário, no prazo de
quinze dias257.
A expressão ―denegatória a decisão‖, inserta na alínea ―b‖ do inciso II do
artigo 105 da Constituição Federal e na letra ―a‖ do inciso II do artigo 539 do
Código de Processo Civil deve ser interpretada em sentido amplo, abarcando o
acórdão denegatório da ordem após o julgamento do mérito do writ, bem como
o acórdão extintivo do processo de segurança sem julgamento do mérito. A
cláusula ―denegatória a decisão‖ abrange o julgado denegatório próprio,
marcado pelo julgamento do mérito contra o impetrante, mas também a
decisão denegatória imprópria, meramente terminativa. Os textos constitucional
e legal não impõem óbice interpretativo, razão pela qual é vedado ao intérprete
fazê-lo: ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus.
Ademais, as normas constitucionais devem ser interpretadas em sentido
amplo, a fim de que tenham a maior efetividade possível. Sem dúvida, o artigo
105, inciso II, alínea ―b‖, da Constituição de 1988, e o artigo 539, inciso II, letra
―a‖, do Código de Processo Civil devem ser interpretados à luz do princípio da
máxima efetividade, segundo o qual o hermeneuta deve sempre buscar a
interpretação geradora da maior eficácia da norma constitucional.
Há outro argumento que justifica a interpretação ampla. A expressão
―denegatória a decisão‖ é equívoca, alcançando duas hipóteses distintas em
nosso direito. A primeira é encontrada nos artigo 6º, § 5º, e 19, ambos da Lei nº
12.016, de 2009. Os preceitos revelam que há ―decisão denegatória‖ sem que
tenha sido ―apreciado o mérito‖. Além da mencionada decisão denegatória 257
Cf. artigo 508 do Código de Processo Civil.
imprópria, existe a própria. É com maior razão denegatória a decisão em
mandado de segurança quando o próprio pedido do impetrante é julgado
improcedente, nos termos do inciso I do artigo 269 do Código de Processo
Civil. Com efeito, se julgamento do mérito contra o impetrante, tem-se decisão
denegatória própria.
Por tudo, é lícito concluir que a cláusula ―denegatória a decisão‖ alcança
tanto o julgado de improcedência quanto o de extinção do processo de
segurança sem julgamento do mérito. Por conseguinte, todo acórdão não
concessivo da segurança pleiteada originariamente em Tribunal Regional
Federal ou em Tribunal de Justiça deve ser considerado denegatório, com o
cabimento do recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça.
Concedida a ordem, entretanto, não cabe recurso ordinário em mandado
de segurança. Nem poderia ser diferente, diante da clareza dos textos
constitucional e codificado, segundo os quais o recurso ordinário é cabível
―quando denegatória a decisão‖. Não obstante, o acórdão concessivo do writ
pode ser impugnado por meio de recursos extraordinário e especial, desde que
preenchidas as exigências insertas nos artigos 102, inciso III, e 105, inciso III,
da Constituição Federal, respectivamente.
Como o julgamento proferido por corte regional ou local em mandado de
segurança originário pode ocasionar sucumbência recíproca, o capítulo do
acórdão concessiva da ordem pode ser combatido por meio de recursos
extraordinário e especial — desde que atendidas as exigências previstas nos
artigos 102, inciso III, e 105, inciso III, da Constituição de 1988. Já a parte do
aresto na qual houve denegação da segurança só pode ser impugnada
mediante recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça.
O recurso ordinário em mandado de segurança só cabe contra acórdão
proferido por tribunal regional ou local em ―única instância‖, ou seja, em
processo de segurança de competência originária. Já os arestos proferidos
pelas cortes regionais e locais no exercício da competência recursal não
podem ser atacados por meio de recurso ordinário para o Superior Tribunal de
Justiça — ainda que haja denegação da segurança. Pelo mesmo motivo, não
cabe recurso ordinário contra acórdão proferido em reexame obrigatório.
Também não cabe recurso ordinário contra acórdão proferido por plenário
ou por órgão especial de tribunal a quo em julgamento de incidente de
inconstitucionalidade. É que o interesse recursal que possibilita a interposição
do recurso ordinário surge apenas com o julgamento do mandado de
segurança originário. Não há sucumbência antes do pronunciamento final do
órgão fracionário. Por tal razão, só o acórdão que aplica ao caso concreto a
tese fixada pelo órgão jurisdicional máximo do tribunal a quo pode ser
impugnado por meio de recurso ordinário. Aliás, só há denegação da
segurança quando o colegiado fracionário julga a ação originária. Antes, o
recurso ordinário nem sequer é cabível, tendo em vista a inexistência de
decisão denegatória da segurança. Por oportuno, merece ser prestigiado o
enunciado nº 513 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: ―A decisão que
enseja a interposição de recurso ordinário ou extraordinário não é a do
plenário, que resolve o incidente de inconstitucionalidade, mas a do órgão
(Câmaras, Grupos ou Turmas) que completa o julgamento do feito‖. Em
contraposição, o acórdão denegatório do pleno ou do órgão especial de tribunal
regional ou local com o imediato julgamento do próprio mandado de segurança
originário, o recurso ordinário é cabível desde logo. Tanto quanto sutil, a
diferença é relevante.
Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, não cabe recurso
ordinário em mandado de segurança para o Superior Tribunal de Justiça contra
decisão monocrática proferida por magistrado de corte regional ou local. O
próprio preceito constitucional estabelece que tal modalidade de recurso serve
para combater pronunciamentos de ―Tribunais‖. Daí a incidência do artigo 163
do Código de Processo Civil, com o cabimento do recurso ordinário apenas
contra acórdãos. Além do mais, contra decisão monocrática há recurso
específico para órgão colegiado da própria corte de origem, o que impede o
imediato acesso a tribunal ad quem, consoante o princípio do esgotamento das
vias recursais.
Na esteira do artigo 39 da Lei nº 8.038, as decisões monocráticas
proferidas em processos de segurança de competência originária dos tribunais
regionais e locais podem ser impugnadas por meio de agravo interno ou
regimental. Cabível recurso de agravo da competência da própria corte de
origem, é inadmissível a interposição imediata de recurso ordinário para o
tribunal ad quem. Já o acórdão denegatório proferido no julgamento do agravo
interposto contra decisão monocrática denegatória da segurança pode ser
combatido mediante recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça. O
recurso ordinário só é cabível quando o legitimado interpôs o adequado recurso
processual pretérito na corte de origem, com a consequente denegação do
mandado de segurança originário por meio de acórdão proferido pelo órgão
colegiado competente do tribunal regional ou local.
No entanto, quando a decisão monocrática agravada não ocasiona o
julgamento da segurança, mas apenas a denegação de provimento liminar
pleiteado pelo impetrante, o acórdão proveniente do agravo interno não pode
ser atacado por meio de recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça.
À luz do artigo 105, inciso II, letra ―b‖, da Constituição de 1988, só os acórdãos
com a denegação da própria segurança são passíveis de impugnação por meio
de recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça. Já os demais arestos
podem, em tese, ser impugnados por meio de embargos de declaração,
recurso especial e recurso extraordinário — mas não por recurso ordinário.
O recurso previsto na alínea ―b‖ do inciso II do artigo 105 da Constituição
só serve para impugnar arestos proferidos ―pelos Tribunais Regionais Federais
ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios‖. Não é meio
idôneo, por conseguinte, para impugnar acórdão prolatado por Turma Recursal
dos Juizados Especiais, até mesmo julgado denegatório de mandado de
segurança originário. Foi o entendimento também assentado no Fórum
Nacional dos Juizados Especiais, conforme revela o enunciado nº 124: ―Das
decisões proferidas Turmas Recursais em mandado de segurança não cabe
recurso ordinário‖.
Ainda à vista da letra ―b‖ do inciso II do artigo 105 da Constituição, não
cabe recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça contra acórdão
proferido por Tribunal Regional do Trabalho ou por Tribunal Regional Eleitoral.
Contra os julgamentos dos últimos só são cabíveis recursos para o Tribunal
Superior do Trabalho e do Tribunal Superior Eleitoral, respectivamente.
É importante salientar que o recurso ordinário é cabível contra acórdão
proferido em ação originária de mandado de segurança. É irrelevante se o
julgamento foi unânime ou por maioria de votos, pois não há exigência no texto
constitucional e no codificado acerca da unanimidade, ou não. Aliás, o artigo
530 do Código também revela a inadequação de embargos infringentes contra
acórdão não unânime proferido em ação originária de mandado de segurança,
o que reforça o cabimento do recurso ordinário, desde que denegatório o
aresto. Em suma, sob todos os prismas, tanto o acórdão unânime quanto o
proferido por maioria ensejam recurso ordinário.
Resta examinar se cabe recurso ordinário para o Superior Tribunal de
Justiça contra acórdão proferido por corte regional ou estadual, que denega o
writ à luz de preceitos constitucionais.
Diante da premissa de que o recurso ordinário em mandado de segurança
é dotado de efeito devolutivo amplo, tem-se que é cabível tal modalidade de
recurso contra aresto proferido por tribunal regional federal ou por tribunal
estadual, que denega writ com esteio em fundamento de índole constitucional.
É que, ao contrário do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal, o inciso
II não impõe restrições no que se refere à matéria a ser submetida à
apreciação do Superior Tribunal de Justiça. Por conseguinte, cabe recurso
ordinário para o Superior Tribunal de Justiça contra aresto proferido por corte
regional ou local, que, apoiando-se apenas em fundamento constitucional,
denega mandado de segurança originário. Por exclusão, não é pertinente a
interposição de recurso extraordinário. A propósito, merece ser prestigiado o
correto enunciado nº 281 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: ―É
inadmissível o recurso extraordinário, quando couber, na Justiça de origem,
recurso ordinário da decisão impugnada‖. Em suma, ainda que a questão
decidida pela corte regional ou local em julgamento de mandado de segurança
originário seja de índole constitucional, o recurso adequado para impugnar o
acórdão é o ordinário. Aliás, a interposição do recurso extraordinário na
hipótese é erro grosseiro que impede a fungibilidade recursal, como bem revela
o enunciado nº 272 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: ―Não se admite
como ordinário recurso extraordinário de decisão denegatória de mandado de
segurança‖.
28.2. RECURSO ORDINÁRIO PARA O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Feitas as considerações gerais sobre o recurso ordinário, e estudado o
recurso ordinário em mandado de segurança para o Superior Tribunal de
Justiça, resta tratar de assunto específico referente ao recurso em mandado de
segurança para o Supremo Tribunal Federal.
Consoante o artigo 102, inciso II, alínea ―a‖, da Constituição de 1988, o
recurso ordinário para Supremo Tribunal Federal tem como alvo apenas
acórdãos proferidos ―pelos Tribunais Superiores‖ — em única instância, em
denegação da segurança. Por tal razão, o recurso ordinário em mandado de
segurança para a Corte Suprema somente é cabível contra acórdãos
prolatados pelo Superior Tribunal de Justiça, pelo Tribunal Superior Eleitoral,
pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelo Superior Tribunal Militar.
No mais, o que foi dito no anterior tópico destinado ao recurso ordinário
em mandado de segurança para o Superior Tribunal de Justiça tem total
aplicação ao recurso ordinário em mandado de segurança para o Supremo
Tribunal Federal. Por conseguinte, também é de quinze dias o prazo para a
interposição de recurso ordinário destinado ao Supremo Tribunal Federal258.
29. INCIDENTE DE SUSPENSÃO
29.1. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA
Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, o instituto previsto no
artigo 15 da Lei nº 12.016 não é recurso processual. Com efeito, a suspensão
não tem natureza recursal259. Na verdade, trata-se de incidente processual260
258
Cf. artigos 508 e 539, inciso I, ambos do Código de Processo Civil. 259
Com igual opinião, na doutrina: ARNALDO ESTEVES LIMA. Agravo e suspensão de liminar ou de sentença. III: ―Convém observar que o procedimento em foco não constitui recurso, na acepção processual, pois não visa a reforma da decisão, mas, apenas, à suspensão, si et in quantum, de sua execução‖. Em sentido conforme, também na doutrina: BARBOSA MOREIRA. Recorribilidade. p. 222: ―A suspensão por ato do presidente não tem a natureza de recurso, nem é sucedâneo de recurso‖. Em sentido conforme, ainda na doutrina: EDUARDO RIBEIRO. Recursos em mandado de segurança. 1989, p. 286: ―Vê-se que se trata de medida especialíssima que não há de ser confundida ou equiparada a recurso‖. Também com igual opinião, na doutrina: FREDIE DIDIER JR. e LEONARDO JOSÉ CARNEIRO DA CUNHA: ―O pedido de suspensão não detém natureza recursal, por não estar previsto em lei como recurso e, igualmente, por não gerar a reforma, anulação nem desconstituição da decisão liminar ou antecipatória. Desse modo, o requerimento de suspensão não contém o efeito substitutivo a que alude o art. 512 do CPC.‖ (Curso de direito processual civil. Volume III, 3ª ed., 2007, p. 404 e 405). Assim, também na doutrina: NELSON NERY JUNIOR e ROSA NERY. Código de Processo Civil. 4ª ed., 1999, p. 2443, comentário 1: ―Não se trata de recurso‖. ‖Esta medida, entretanto, não é recurso autêntico, porque ajuizada diretamente no tribunal ad quem, caracterizando incidente autônomo‖ (NERY JUNIOR. Princípios fundamentais. 5ª ed., 2000, p. 250). Contra, também na doutrina: JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO. Ação civil pública. 1995, p. 280: ―Ocorre que o atendimento do pedido, determinando a suspensão da execução da liminar, constitui o reconhecimento de que ao ato impugnado não merece ter inteira eficácia. Se o Presidente do Tribunal não chega a cassar o ato, não é menos certo que sua decisão o atinge frontalmente, pois que lhe retira a idoneidade de produzir efeitos jurídicos. Há, por conseguinte, um interesse revisional do postulante, com o que a medida passa a guardar semelhança com os recursos em geral. Em fase desse óbvio hibridismo, parece-nos cabível caracterizar a medida como sendo requerimento de natureza recursal, pois que assim voltados para os dois aspectos que nela estão presentes: o requerimento e o recurso.‖ (grifos aditados).
de competência exclusiva de tribunal, mais especificamente, do respectivo
presidente, sem prejuízo, entretanto, da interposição do recurso propriamente
dito cabível contra o decisum cuja eficácia se pretende suspender261.
Vários são os motivos que impedem a inserção do pedido de suspensão
no rol taxativo dos recursos processuais. Em primeiro lugar, o instituto
recursório é marcado pela existência de prazo peremptório para o exercício do
direito de recorrer262. Em contraposição, não há na legislação de regência
prazo peremptório para a veiculação do pedido de suspensão263. Com efeito,
ao contrário dos recursos, não há no instituto da suspensão o requisito da
tempestividade, em razão da inexistência de previsão legal de prazo
peremptório para a respectiva veiculação.
Sob outro prisma, o recurso pode ensejar a reforma, a cassação ou a
integração da decisão jurisdicional impugnada. Em contraposição, o instituto da
suspensão tem como finalidade específica ―suspender‖ ―a execução‖ do
decisum concessivo do provimento liminar ou final, conforme o caso. A rigor,
não é possível reformar ou cassar a própria decisão jurisdicional na angusta via
da suspensão264. Conclusão oposta configuraria verdadeira contradictio in
adiecto; como o próprio nome do instituto revela, a suspensão não enseja a
cassação, muito menos a reforma da decisão, porquanto não há a substituição
da decisão, consequências jurídicas próprios dos verdadeiros recursos, à vista
do artigo 512 do Código de Processo Civil.
No que tange ao objeto, os recursos podem veicular qualquer error in
procedendo e error in iudicando, até mesmo os cometidos contra os interesses
dos entes públicos, sem restrição. No incidente de suspensão, entretanto, só é
possível alegar a ocorrência de grave lesão aos bens jurídicos
Ainda contra, também há respeitável precedente jurisprudencial: AGR no MSG nº 2001.00.2.000398-8, Conselho Especial do TJDF, acórdão registrado sob o nº 137.316, Diário da Justiça de 2 de maio de 2001, p. 31: ―PROCESSUAL CIVIL — AGRAVO INTERNO CONTRA DESPACHO CONCESSIVO DE LIMINAR EM MS — LEI Nº 8.038/90 — REGIMENTO INTERNO — IMPOSSIBILIDADE — NÃO CONHECIMENTO. O Agravo Regimental dito interno, interposto com fulcro no art. 39 da Lei nº 8.038/90 não se presta a atacar decisão concessiva de liminar em mandado de segurança, eis que o Regimento Interno desta Corte preconiza, para a presente hipótese, o recurso denominado Suspensão de Segurança. Não conhecido. Unânime‖ (não há o grifo no original). 260
Com maior autoridade, os Professores FREDIE DIDIER JR. e LEONARDO JOSÉ CARNEIRO DA CUNHA também sustentam a tese de que ―não restam dúvidas de que o pedido de suspensão constitui incidente processual‖ (Curso de direito processual civil. Volume III, 2007, p. 406; não há o grifo no original). 261
Cf. artigo 15, § 3º, da Lei nº 12.016, de 2009. 262
Assim, na doutrina: LINO ENRIQUE PALACIO. Manual. 11ª ed., 1995, p. 569: ―Constituyen requisitos comunes a todos los recursos: omissis; 3º) Su interposición dentro de un plano perentorio‖. 263
Com igual opinião, na doutrina ARNALDO ESTEVES LIMA. Agravo e suspensão de liminar ou de sentença. p. 3: ―Não há contraditório e nem mesmo prazo, legalmente fixado, para fazê-lo‖. Também com entendimento semelhante, ainda na doutrina: MARCELO ABELHA RODRIGUES. Suspensão de segurança. 2002, conclusão 33, p. 237. 264
De acordo, na doutrina: ARNALDO ESTEVES LIMA. Agravo e suspensão de liminar ou de sentença. p. 3; BARBOSA MOREIRA. Recorribilidade. p. 222; MARCELO ABELHA RODRIGUES. Suspensão de segurança. 2002, conclusão 61, p. 241; e NERY JUNIOR. Código. 4ª ed., 1999, p. 2443, comentário 1. Em sentido conforme, na jurisprudência: REsp nº 160.217/SC, 2ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 28 de setembro de 1998, p. 39.
consubstanciados na ordem pública, economia pública, segurança pública e
saúde pública265.
Em relação à legitimidade, não há como negar a existência de diferença
entre o disposto no artigo 499 do Código de Processo Civil e o que
estabelecem o artigo 25, caput, da Lei nº 8.038, de 1990, e o artigo 15, caput,
da Lei nº 12.016, de 2009. À vista do artigo 499 do Código de Processo Civil, a
legitimidade recursal tem alcance superior. Já a legitimidade para requerer a
suspensão não é tão ampla: enquanto o recurso pode ser interposto por
qualquer uma das partes, pelo Ministério Público e até por terceiro prejudicado,
a suspensão é exclusiva da parte que seja pessoa jurídica de direito público e
pelo Ministério Público, conforme se infere da combinação do artigo 15, caput,
da Lei nº 12.016, de 2009, com o artigo 12, § 1º, da Lei nº 7.347, de 1985, com
o artigo 25 da Lei nº 8.038, de 1990, e com o artigo 4º da Lei nº 8.437, de 1992.
A legislação de regência da suspensão ainda fornece outros argumentos
que demonstram a ausência da natureza recursal do instituto. O artigo 12, § 1º,
da Lei nº 7.347, o artigo 25 da Lei nº 8.038, o artigo 4º da Lei nº 8.437 e o
artigo 15 da Lei nº 12.016 utilizam o vocábulo ―requerimento‖ de suspensão.
Em contraposição, o recurso é ―interposto‖, conforme revelam os artigos 506,
507, 508, 509, 511, 541 e 559, todos do Código de Processo Civil. Ademais, a
expressão ―respectivo recurso‖ inserta no artigo 12, § 1º, da Lei nº 7.347, no
artigo 4º da Lei nº 8.437 e no artigo 15 da Lei nº 12.016 também reforça a
conclusão de que o instituto da suspensão não pode ser confundido com o
recurso próprio. O proêmio do § 3º do artigo 25 da Lei nº 8.038 conduz ao
mesmo raciocínio: ―A suspensão de segurança vigorará enquanto pender o
recurso‖. Como é perceptível primo ictu oculi, os preceitos legais revelam que a
suspensão não dispensa o julgamento do posterior recurso interposto contra a
decisão suspensa. Ora, se há o respectivo recurso contra a mesma decisão, a
única conclusão lógica é a de que a suspensão não tem natureza recursal.
Aliás, além de não ter natureza recursal, a suspensão não substitui nem
impede a interposição do recurso processual cabível contra o decisum
concessivo do provimento liminar ou final, conforme o caso266.
265
Cf. artigo 12, § 1º, da Lei nº 7.347, artigo 4º da Lei nº 8.437 e artigo 15, caput, da Lei nº 12.016, in verbis: ―Art. 15. Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição.‖ (sem o grifo no original). 266
Cf. artigo 15, § 3º, da Lei nº 12.016, de 2009: ―§ 3º A interposição de agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o poder público e seus agentes não prejudica nem condiciona o julgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo‖. Com opinião similar, na doutrina: EDUARDO RIBEIRO. Recursos em mandado de segurança. 1989, p. 286: ―Ademais, presta-se a finalidades estritas que não se confundem com as que podem ser buscadas com o agravo‖. Também com entendimento semelhante, na doutrina: MARCELO ABELHA RODRIGUES. Suspensão de segurança. 2002, conclusão 63, p. 241. Com orientação similar, na jurisprudência: REsp nº 160.217/SC, 2ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 28 de setembro de 1998, p. 39. A propósito, vale a pena conferir o preciso pronunciamento da Ministra ELLEN GRACIE NORTHFLEET: ―Para que a preclusão não ocorra, é indispensável, que ademais do requerimento de suspensão seja aviado o recurso cabível na espécie, seja
Por tudo, é lícito concluir que o instituto da suspensão não tem natureza
jurídica de recurso, mas, sim, de incidente processual de competência
exclusiva dos tribunais, mais especificamente, dos respectivos presidentes.
29.2. RECORRIBILIDADE DA DECISÃO MONOCRÁTICA
PRESIDENCIAL PROFERIDA NO INCIDENTE DE SUSPENSÃO
Durante muitos anos prevaleceu a tese da inadequação do agravo interno
ou regimental contra a decisão monocrática presidencial denegatória da
suspensão. Aliás, o Plenário do Supremo Tribunal Federal chegou até mesmo
a consagrar a vedação do agravo interno ou regimental contra a decisão
presidencial denegatória, nos termos do enunciado nº 506 da Súmula da Corte:
―O agravo a que se refere o art. 4º, da Lei nº 4.348, de 26.6.1964, cabe,
somente do despacho do Presidente do Supremo Tribunal Federal que defere
a suspensão da liminar, em mandado de segurança; não do que denega‖. Na
esteira do verbete nº 506, o Superior Tribunal de Justiça editou o enunciado nº
217, com igual vedação: ―Não cabe agravo de decisão que indefere o pedido
de suspensão da execução da liminar, ou da sentença em mandado de
segurança‖.
Não obstante, o artigo 4º da Lei nº 8.437 assegura o cabimento do agravo
interno ou regimental em ambas as hipóteses, já que da decisão do presidente
―que conceder ou negar a suspensão, caberá agravo, no prazo de 5 (cinco
dias)‖. Na esteira do artigo 4º da Lei nº 8.437, o artigo 15 da Lei nº 12.016
também autoriza a interposição do agravo interno ou regimental, no mesmo
prazo de cinco dias.
Em suma, além da decisão monocrática presidencial de deferimento,
também cabe agravo interno contra decisão monocrática denegatória de
requerimento de suspensão, como bem reconheceu o Pleno do Supremo
Tribunal Federal, ao cancelar o verbete nº 506 da Súmula da Corte
Suprema267, com o igual posterior cancelamento do enunciado nº 217 pelo
Superior Tribunal de Justiça268.
o agravo contra a liminar ou a apelação contra a sentença de mérito.‖ (Suspensão de sentença e de liminar. Revista de Processo, volume 97, p. 188). 267
―O Tribunal, por maioria, resolvendo questão de ordem suscitada pelo Min. Gilmar Mendes, decidiu pelo cabimento de agravo regimental contra despacho do Presidente do Supremo Tribunal Federal que indefere o pedido de suspensão de segurança, cancelando, portanto, o Verbete 506 da Súmula do STF‖ (SS nº 1.945/AL — AgRg — AgRg — AgRg, Pleno do STF, julgado em 19 de dezembro de 2002, noticiado no Informativo nº 295). 268
Conferir: ―A Corte Especial, apreciando o AgRg na SS, entendeu, preliminarmente, por maioria, ser cabível agravo regimental tanto no caso de concessão, como no de denegação de suspensão da segurança (vide Súm. nº 217-STJ).‖ (SS nº 1.166/SP — AgRg, julgado em 16 de junho de 2003, noticiado no Informativo nº 177). Em seguida, no dia 23 de outubro de 2003, a Corte Especial cancelou o enunciado nº 217 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.
CAPÍTULO IV
MANDADO DE INJUNÇÃO
1. PRECEITOS DE REGÊNCIA DO MANDADO DE INJUNÇÃO
A Constituição Federal de 1988 inovou ao instituir o mandado de
injunção no inciso LXXI do artigo 5º, como garantia para assegurar a
concretização de preceitos constitucionais carentes de regulamentação
infraconstitucional que impedem o exercício de direitos subjetivos consagrados
na Constituição.
O instituto também consta do artigo 102, inciso I, alínea ―q‖, da
Constituição Federal, referente à competência originária do Supremo Tribunal
Federal para processar e julgar mandado de injunção.
Além dos preceitos constitucionais, o mandado de injunção também é
regido pelo parágrafo único do artigo 24 da Lei nº 8.038, de 1990, preceito que
consagrou a aplicação subsidiária das normas referentes ao mandado de
segurança também em relação ao mandado de injunção.
2. CONCEITO, NATUREZA JURÍDICA E ESCOPO DO MANDADO DE
INJUNÇÃO
O mandado de injunção é a ação de estatura constitucional disponível a
toda e qualquer pessoa titular de direito subjetivo consagrado na Constituição,
mas cuja eficácia depende de regulamentação por meio de lei ou outro ato
normativo do Poder Legislativo, Executivo ou Judiciário. Trata-se, portanto, de
writ constitucional, tal como os estudados habeas corpus, habeas data e
mandado de segurança.
O mandado de injunção tem como escopo a declaração da inércia na
regulamentação de preceito constitucional cuja eficácia depende da atuação do
Poder Legislativo, Executivo ou Judiciário, bem como estabelecer a norma
concreta para a espécie, até ulterior elaboração de norma geral e abstrata pelo
Poder Legislativo competente.
Com efeito, mais do que declarar a mora legislativa na regulamentação
de preceito constitucional de eficácia limitada, o mandado de injunção confere
ao Poder Judiciário o poder-dever de emitir o comando concreto de regência
para a espécie sub iudice269.
269
De acordo, na jurisprudência: ―MANDADO DE INJUNÇÃO - NATUREZA. Conforme disposto no inciso LXXI do artigo 5º da Constituição Federal, conceder-se-á mandado de injunção quando necessário ao exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Há ação mandamental e não simplesmente declaratória de omissão. A carga de declaração não é objeto da impetração, mas premissa da ordem a ser formalizada.‖ (MI nº 1.083/DF, Pleno do STF, Diário da Justiça Eletrônico de 2 de setembro de 2010). ―II - A jurisprudência desta Corte, após o julgamento dos Mandados de Injunção 721/DF e 758/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, passou a adotar a tese de que o mandado de injunção destina-se à concretização, caso a caso, do direito constitucional
3. CAMPO DE INCIDÊNCIA DO MANDADO DE INJUNÇÃO:
PRECEITOS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA LIMITADA
No que tange ao campo de incidência do mandado de injunção, o writ
tem lugar para suprir a inércia legislativa, executiva ou judiciária na iniciativa ou
aprovação de norma regulamentadora de preceitos constitucionais de eficácia
reduzida ou limitada270. Por exemplo, o inciso XI do artigo 7º da Constituição
Federal é norma constitucional de eficácia limitada, porquanto a participação
dos empregados nos lucros das sociedades empresárias empregadoras
depende de regulamentação do respectivo direito mediante lei. Outro exemplo:
o inciso VII do artigo 37 da Constituição é outra norma constitucional de
eficácia limitada, porquanto o direito de greve pelos servidores públicos
depende de regulamentação mediante lei. Enfim, a Constituição de 1988 está
repleta de preceitos de eficácia limitada.
Não obstante, todas as normas constitucionais têm alguma eficácia,
ainda que reduzida. Por exemplo, as normas constitucionais de eficácia
limitada têm o condão de revogar as leis pretéritas contrárias ou incompatíveis.
Ademais, podem ensejar a impetração de mandado de injunção, a fim de que a
mora legislativa, executiva ou judiciária na regulamentação do preceito
constitucional seja suprida mediante a prestação jurisdicional no caso concreto,
até o advento da lei ou de outro ato normativo geral e abstrato.
Por fim, vale ressaltar que a garantia do mandado de injunção tem lugar
para impugnar a inércia legislativa, executiva ou judiciária na regulamentação
de preceitos constitucionais federais ou estaduais. Sem dúvida, os preceitos
das Constituições dos Estados-membros com eficácia reduzida ou limitada
também ensejam a impetração de mandado de injunção, por força do princípio
da simetria consagrado no caput do artigo 125 da Constituição Federal271.
4. LEGITIMIDADE ATIVA
O mandado de injunção pode ser impetrado por toda e qualquer pessoa
titular de direito subjetivo constitucional cuja eficácia depende de
regulamentação de preceito constitucional.
não regulamentado, assentando, ainda, que com ele não se objetiva apenas declarar a omissão legislativa, dada a sua natureza nitidamente mandamental.‖ (MI nº 1.231/DF – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça Eletrônico de 30 de novembro de 2011). 270
Em reforço, na jurisprudência: ―norma constitucional de eficácia limitada – constitui preceito de integração que reclama, em caráter necessário, para efeito de sua plena incidência, a mediação legislativa concretizadora do comando nela positivado.‖ (RE nº 244.935/RS – AgRg, 2ª Turma do STF, Diário da Justiça de 5 de maio de 2000, p. 33). 271
A propósito, merece ser prestigiado o acórdão proferido no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro por ocasião do julgamento do mandado de injunção nº 6/90, de relatoria do eminente Desembargador BARBOSA MOREIRA, emérito professor titular da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Colhe-se da ementa do didático acórdão: ―– É admissível mandado de injunção seja qual for o texto constitucional, federal ou estadual, que preveja o direito cujo exercício depende de norma regulamentadora ainda não editada.‖ (BARBOSA MOREIRA. Direito aplicado I. 2ª ed., 2001, p. 351).
Além da impetração individual, também é admissível a impetração
coletiva, com fundamento no artigo 24, parágrafo único, da Lei nº 8.038, de
1990, combinado com o artigo 5º, inciso LXXI, da Constituição Federal. Daí a
admissibilidade de mandado de injunção coletivo, ação que pode ser impetrada
pelos legitimados e sob as condições constantes do inciso LXXI do artigo 5º da
Constituição272.
5. COMPETÊNCIA
A competência para o processamento e julgamento do mandado de
injunção depende da autoridade inerte acerca da iniciativa do processo
legislativo ou da aprovação da norma regulamentadora.
A principal competência para processamento e julgamento de mandado
de injunção é a prevista no artigo 102, inciso I, alínea ―q‖, da Constituição
Federal, em prol do Supremo Tribunal Federal: compete à Corte Suprema
processar e julgar, originariamente, os mandados de injunção quando a
elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da
República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado,
das Mesas de alguma das Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União,
de algum dos Tribunais Superiores ou do próprio Supremo Tribunal Federal.
À vista do artigo 105, inciso I, alínea ―h‖, da Constituição Federal, o
Superior Tribunal de Justiça também tem competência originária para
processar e julgar mandado de injunção, ―quando a elaboração da norma
regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da
administração direta ou indireta, excetuados os casos de competência do
Supremo Tribunal Federal‖. Na eventualidade de denegação do mandado de
injunção de competência originária do Superior Tribunal de Justiça, cabe
recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal, com fundamento no artigo
102, inciso II, alínea ―a‖, da Constituição Federal, no prazo de quinze dias.
Os Tribunais de Justiça também têm competência para processar e
julgar mandado de injunção originário, quando a mora legislativa estiver
relacionada à Constituição do Estado273-274. Não obstante, ainda que denegado
272
De acordo, na jurisprudência: ―1. O acesso de entidades de classe à via do mandado de injunção coletivo é processualmente admissível, desde que legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano.‖ (MI nº 712/PA, Pleno do STF, Diário da Justiça Eletrônico de 30 de outubro de 2008). 273
De acordo, na jurisprudência: ―MANDADO DE INJUNÇÃO - CABIMENTO - ART. 5º, LXXI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - APOSENTADORIA ESPECIAL - AUSÊNCIA DE NORMA REGULAMENTADORA - MORA LEGISLATIVA QUANTO À REGULAMENTAÇÃO DO ART. 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - APLICAÇÃO DO PREVISTO NO ART. 57, DA LEI 8.213/91 - PRECEDENTES DO STF - GARANTIA DA EFICÁCIA DO DIREITO CONSTITUCIONAL À APOSENTADORIA - ORDEM CONCEDIDA.‖ (MI nº 1.0000.09.504024-2/000, Corte Superior do TJMG, Diário da Justiça Eletrônico de 20 de agosto de 2010). Em abono, merece ser prestigiado o acórdão proferido no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro por ocasião do julgamento do mandado de injunção nº 6/90, de relatoria do eminente Desembargador BARBOSA MOREIRA, emérito professor titular da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Colhe-se da ementa do didático acórdão: ―– É admissível mandado de injunção seja qual for o texto constitucional, federal ou estadual, que preveja o direito cujo exercício depende de norma regulamentadora ainda não editada.‖ (BARBOSA MOREIRA. Direito aplicado I. 2ª ed., 2001, p. 351).
o writ, não cabe recurso ordinário275, mas apenas recursos extraordinário e
especial, conforme a contrariedade tenha se dado em relação à Constituição
Federal ou à legislação federal, respectivamente.
6. PROCEDIMENTO: APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DAS NORMAS DE
REGÊNCIA DO MANDADO DE SEGURANÇA
Como já anotado, não há diploma legal específico referente ao
procedimento do processo de mandado de injunção, motivo pelo qual incidem
as normas gerais de regência do mandado de segurança. Não obstante, há
preceitos legais relativos ao mandado de segurança que não são compatíveis
com o mandado de injunção. Por exemplo, não há lugar para a prolação de
provimento de antecipação liminar da tutela jurisdicional no processo de
mandado de injunção276. Outro exemplo: o prazo decadencial previsto no artigo
23 da Lei nº 12.016 também não é aplicável ao mandado de injunção,
porquanto a omissão é renovada a cada dia de mora legislativa, executiva ou
judiciária na iniciativa ou aprovação da norma regulamentadora do preceito
constitucional de eficácia limitada. Em suma, ressalvadas as normas
incompatíveis com o instituto do mandado de injunção, a regra é a
aplicabilidade subsidiária dos preceitos de regência do mandado de segurança
também em relação ao mandado de injunção.
À vista da regra da incidência subsidiária das normas relativas ao
mandado de segurança, o mandado de injunção também deve ser impetrado
por meio de petição inicial, com a observância do disposto no artigo 6º da Lei
nº 12.016, de 2009, e na ―lei processual‖, especialmente nos artigos 37, 39,
inciso I, 258277, 282 e 283, todos do Código de Processo Civil.
Recebida a petição inicial e admitida a ação, há a notificação da
autoridade impetrada para prestar informações, em dez dias. Autoridade
impetrada é o órgão legislativo, executivo ou judiciário omisso na iniciativa do
processo legislativo ou inerte na deliberação e aprovação do projeto de lei já
apresentado, conforme o caso.
274
Igual raciocínio é aplicável à ―lei orgânica‖ do Distrito Federal, correspondente, mutatis mutandis, às Constituições dos Estados. 275
De acordo, na jurisprudência: ―PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. MANDADO DE INJUNÇÃO. RECURSO ORDINÁRIO. ERRO GROSSEIRO. NÃO CONHECIMENTO. 1. A decisão denegatória de Mandado de Injunção, proferida por Tribunal Estadual, é recorrível através dos Recursos Extraordinário e Especial. 2. A interposição de Recurso Ordinário, nesta hipótese, constitui erro grosseiro, impossibilitando a análise do mérito recursal. 3. Precedente. 4. Recurso não conhecido.‖ (PET nº 983/SP, 5ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 21 de setembro de 1998, p. 215). 276
De acordo, na jurisprudência: ―MANDADO DE INJUNÇÃO - LIMINAR. Os pronunciamentos da Corte são reiterados sobre a impossibilidade de se implementar liminar em mandado de injunção - Mandados de Injunção nºs 283, 542, 631, 636, 652 e 694, relatados pelos ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Ilmar Galvão, Maurício Corrêa, Ellen Gracie e por mim, respectivamente. AÇÃO CAUTELAR - LIMINAR. Descabe o ajuizamento de ação cautelar para ter-se, relativamente a mandado de injunção, a concessão de medida acauteladora.‖ (AC nº 124/PR – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça de 12 de novembro de 2004, p. 6). 277
Como toda e qualquer causa, ao mandado de injunção também deve ser atribuído valor, como bem determinou o eminente Desembargador BARBOSA MOREIRA, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, na qualidade de relator do mandado de injunção nº 6/90.
Tal como se dá no processo de mandado de segurança, também é
necessária a intimação pessoal do representante do Ministério Público, na
qualidade de custos legis, a fim de que possa apresentar o parecer ministerial
em dez dias.
No que tange aos mandados de injunção de competência originária de
tribunal, cabe ao relator a instrução do processo, nos termos do artigo 16,
caput, da Lei nº 12.016, de 2009. Também cabe ao relator pedir dia para
julgamento do mandado de injunção, ao presidente do colegiado do tribunal
competente.
7. JULGAMENTO DO MANDADO DE INJUNÇÃO E COISA JULGADA
Em virtude da consagração da teoria concretista no Plenário do
Supremo Tribunal Federal, não há mais dúvida de que o Poder Judiciário deve
emitir pronunciamento jurisdicional consubstanciado na regulamentação de
preceito constitucional de eficácia limitada para o caso concreto278-279. Não
obstante, o julgamento proferido no mandado de injunção tem efeito apenas
entre as partes do processo. É certo que pode ser utilizado em outros casos
como precedente jurisprudencial, mas o comando jurisdicional é restrito às
partes do processo instaurado280.
Por fim, no mandado de injunção coletivo o comando jurisdicional tem
serventia em favor de todos os substituídos, vale dizer, os associados ou
filiados da associação, da entidade de classe ou do partido político, conforme o
impetrante.
8. MANDADO DE INJUNÇÃO VERSUS AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO
A despeito da semelhança dos institutos sob o prisma da finalidade
remota, qual seja, a declaração da mora na regulamentação de preceito
constitucional, o mandado de injunção não se confunde com a ação direta de
inconstitucionalidade por omissão.
A primeira diferença digna de nota diz respeito à legitimação para a
causa. Enquanto toda e qualquer pessoa pode impetrar mandado de injunção,
278
De acordo, na jurisprudência: ―14. O Poder Judiciário está vinculado pelo dever-poder de, no mandado de injunção, formular supletivamente a norma regulamentadora de que carece o ordenamento jurídico. 15. No mandado de injunção o Poder Judiciário não define norma de decisão, mas enuncia o texto normativo que faltava para, no caso, tornar viável o exercício do direito de greve dos servidores públicos.‖ (MI nº 712/PA, Pleno do STF, Diário da Justiça Eletrônico de 30 de outubro de 2008). 279
Antes mesmo de a tese ser consagrada no Plenário da Corte Suprema (cf. nota anterior), assim já sustentavam os doutos Professores BARBOSA MOREIRA (Direito aplicado I. 2ª ed., 2001, p. 351) e RODRIGO MAZZEI (cf. Mandado de injunção. In Ações constitucionais. Coordenação de Fredie Didier Jr., Salvador, Editora JusPodivm, 2006). 280
Em abono, merece ser prestigiado o acórdão proferido no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro por ocasião do julgamento do mandado de injunção nº 6/90, de relatoria do eminente Desembargador BARBOSA MOREIRA, emérito professor titular da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (cf. BARBOSA MOREIRA. Direito aplicado I. 2ª ed., 2001, p. 351).
a ação direta de inconstitucionalidade por omissão só pode ser ajuizada pelos
legitimados ativos arrolados no artigo 103 da Constituição Federal.
Em segundo lugar, é preciso ter em mente que o mandado de injunção e
a ação direta de inconstitucionalidade por omissão são espécies de diferentes
classes de controle de constitucionalidade. Enquanto a ação direta de
inconstitucionalidade por omissão é espécie de controle concentrado de
constitucionalidade, o mandado de injunção integra o controle difuso.
Sob outro prisma, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão é
admissível à vista de mora legislativa na regulamentação de todo e qualquer
preceito constitucional de eficácia limitada. Já a ação de mandado de injunção
só é admissível quando a inércia legislativa impede ―o exercício dos direitos e
liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à
soberania e à cidadania‖, conforme se infere da restrição constante do inciso
LXXI do artigo 5º da Constituição Federal.
Por fim, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão tem natureza
apenas declaratória, tanto de mora legislativa quanto de inércia administrativa,
mas não há o suprimento da omissão por parte do Supremo Tribunal Federal,
em virtude do disposto no § 2º do artigo 103 da Constituição Federal. Já o
mandado de injunção só é admissível para a declaração da mora legislativa na
regulamentação de preceito constitucional, mas há o suprimento da omissão
mediante a prolação de comando judiciário normativo específico para o caso
concreto, com eficácia até o advento da legislação geral e abstrata
CAPÍTULO V
AÇÃO POPULAR
1. PRECEITO CONSTITUCIONAL DE REGÊNCIA
A ação popular está consagrada no artigo 5º, inciso LXXIII, da
Constituição Federal de 1988. Além das linhas mestras consagradas no
preceito constitucional de regência, a ação popular também segue o disposto
na Lei nº 4.717, de 1965, com as modificações provenientes das Leis nºs 6.014
e 6.513, de 1973 e 1977, respectivamente, bem como na Lei nº 8.437, de 1992.
2. CONCEITO DE AÇÃO POPULAR
A ação popular é a ação constitucional conferida a todos os cidadãos
para a impugnação e a anulação dos atos administrativos comissivos e
omissivos que sejam lesivos ao patrimônio público em geral, à moralidade
administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, com a
imediata condenação dos administradores, dos agentes administrativos e
também dos beneficiados pelos atos lesivos, ao ressarcimento dos cofres
públicos, em prol da pessoa jurídica lesada281.
3. PATRIMÔNIO PÚBLICO
É amplo o significado da expressão constitucional ―patrimônio público‖.
Em primeiro lugar, a ação popular é admissível não só quando os atos
administrativos são lesivos às pessoas jurídicas de direito público interno, mas
também quando a lesão atinge as entidades da administração indireta (como
as empresas públicas e as sociedades de economia mista) e até mesmo outras
pessoas jurídicas, desde que subvencionadas pelos cofres públicos (artigo 5º,
inciso LXXIII, da Constituição Federal, e artigo 1º da Lei nº 4.717, de 1965).
Por outro lado, o conceito de ―patrimônio público‖ alcança não só o
patrimônio econômico, os cofres públicos, mas também os patrimônios
histórico, cultural, artístico, turístico, estético, paisagístico, ambiental, natural e
moral, bens caros à coletividade, passíveis de proteção mediante ação popular
(artigo 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal, e artigo 1º, § 1º, da Lei nº
4.717, de 1965, com a redação determinada pela Lei nº 6.513, de 1977)282.
281
Ainda a respeito do conceito, merece ser prestigiada a lição da Professora MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO: ―Ação popular é a ação civil pela qual qualquer cidadão pode pleitear a invalidação de atos praticados pelo poder público ou entidades de que participe, lesivos ao patrimônio público, ao meio ambiente, à moralidade administrativa ou ao patrimônio histórico e cultural, bem como a condenação por perdas e danos dos responsáveis pela lesão.‖ (Direito administrativo. 7ª ed., 1996, p. 525). 282
De acordo, na doutrina: ―Na defesa do patrimônio público, que não é apenas o econômico, mas também o artístico, o estético, o histórico, o turístico e o paisagístico, cabe a suspensão liminar do ato impugnado.‖ (VICENTE GRECO FILHO. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 325).
4. ATO LESIVO
A expressão ―ato lesivo‖ é encontrada no artigo 5º, inciso LXXIII, da
Constituição Federal. Na verdade, a expressão já constava do artigo 1º, caput,
da Lei nº 4.717, de 1965, ainda que no plural (―atos lesivos‖).
No que tange ao conceito de ―ato lesivo‖, há séria controvérsia tanto na
doutrina quanto na jurisprudência. O estudo comparativo da doutrina e da
jurisprudência revela a existência de três correntes acerca do significado da
expressão ―ato lesivo‖. A primeira corrente sustenta que a lesão por si só
autoriza a ação popular283. A segunda corrente defende que a lesão já contém
a ilegalidade de forma implícita284. Já a terceira corrente assevera que a
simples lesão não é suficiente para a ação popular, porquanto é indispensável
que a lesão seja proveniente da ilegalidade, ou seja, que a lesão seja efeito da
ilegalidade do ato administrativo, com a existência de uma relação de causa e
efeito entre a ilegalidade e a lesão285.
No que tange à corrente predominante, prevalece a terceira tese,
fundada no binômio ilegalidade-lesividade286. Não obstante, à vista do disposto
no inciso LXXIII do artigo 5º da Constituição de 1988 e do princípio de
hermenêutica jurídica segundo o qual as normas constitucionais devem ser
interpretadas na busca da maior efetividade possível287, prestigia-se a primeira
283
―A questão fica ainda presa quanto ao saber se a ação popular continuará a depender dos dois requisitos que sempre a nortearam: lesividade e ilegalidade do ato impugnado. Na medida em que a Constituição amplia o âmbito da ação popular, a tendência é a de erigir a lesão, em si, à condição de motivo autônomo de nulidade do ato.‖ (JOSÉ AFONSO DA SILVA. Curso de direito constitucional positivo. 26ª ed., 2006, p. 463 e 464). 284
―A doutrina e a jurisprudência têm enfrentado o problema de saber se basta a lesividade para autorizar a demanda popular ou se é indispensável a configuração da ilegalidade. A questão pode ser solucionada pela compreensão de que é impossível a existência de um ato lesivo, mas ‗legal‘. É que a lesividade traz em si a ilegalidade.‖ (MICHEL TEMER. Elementos de direito constitucional. 20ª ed., 2005, p. 204). 285
De acordo, na doutrina: ―O que o constituinte de 1988 deixou claro é que a ação popular destina-se a invalidar atos praticados com ilegalidade de que resultou lesão ao patrimônio público.‖ ―O pronunciamento do Judiciário, nessa ação, fica limitado unicamente à legalidade do ato e à sua lesividade ao patrimônio público. Sem a ocorrência desses dois vícios no ato impugnado não procede a ação.‖ ―O objeto da ação popular é o ato ilegal e lesivo ao patrimônio público.‖ (HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e habeas data. 16ª ed., 1995, p. 90, 92 e 97). ―Assim, exige-se o binômio ilegalidade-lesividade para a propositura da ação, dando-se tão-somente sentido mais amplo à lesividade, que pode não importar prejuízo patrimonial, mas lesão a outros valores, protegidos pela Constituição.‖ (ARNOLD WALD. In HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e habeas data. 16ª ed., 1995, p. 93, à vista da explicação que consta da nota de rodapé da página 8). ―Finalmente, considera-se lesivo ao patrimônio das entidades protegidas o ato que, além de ilegal, tenha também lesividade.‖ (VICENTE GRECO FILHO. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 325). 286
Cf. MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO. Direito administrativo. 7ª ed., 1996, p. 526: ―a tese que acabou predominando foi a da necessidade de conjugação dos dois fundamentos – ilegalidade e lesividade – como requisito para propositura da ação popular‖. 287
No mesmo sentido, na doutrina: ―A interpretação constitucional colhe a característica da necessidade de concretização da norma jurídica, maximizando-a, porém, justamente por se tratar de norma constitucional.‖ (ANDRÉ RAMOS TAVARES. Curso de direito constitucional. 5ª ed., 2007, p. 84 e 85). ―Por isso ao invés de se ater a uma técnica interpretativa exigente e estreita, procura-se atingir um sentido que torna efetivos e eficientes os grandes princípios de governo, e não o que os contrarie ou reduza a inocuidade.‖ (CARLOS MAXIMILIANO PEREIRA DOS SANTOS. Hermenêutica e aplicação do direito. 16ª ed., 1996, p. 306, nº 364).
tese: a ação popular pode ser proposta diante da só lesividade do ato
administrativo, independentemente da ilegalidade288.
5. ATO ADMINISTRATIVO
A lesão que enseja a ação popular diz respeito aos atos administrativos,
manifestações de efeitos concretos oriundas da administração da coisa pública.
Em contraposição, atos legislativos e judiciais não ensejam ação popular. Com
efeito, as leis e os atos normativos gerais e abstratos são impugnáveis
mediante ações próprias (por exemplo, ação direta de inconstitucionalidade,
ação de argüição de descumprimento de preceito fundamental), e não por meio
da ação popular. Da mesma forma, os atos judiciais são passíveis de recursos
processuais e de ações próprias (por exemplo, ação rescisória, reclamação
constitucional). Em suma, o ato lesivo passível de impugnação mediante ação
popular é o ato administrativo289.
6. ATOS COMISSIVOS E OMISSIVOS
A expressão constitucional ―ato lesivo‖ não distingue entre o ato
comissivo, ou seja, o ato propriamente dito, e o omissivo, proveniente da
inércia da autoridade que deveria praticar algum ato em defesa do patrimônio
público. Daí a admissibilidade da ação popular contra atos comissivos e
omissivos lesivos ao patrimônio público290.
7. ESCOPO DA AÇÃO POPULAR: DEFESA DA COLETIVIDADE
Embora possa ser proposta por um só cidadão, a ação popular tem
como escopo a defesa da coletividade291, porquanto são coletivos os bens
288
Em sentido conforme ao texto do parágrafo, na doutrina: ―Há as seguintes posições doutrinárias sobre o tema: a) necessidade de conjugação lesividade e ilegalidade; b) basta a lesividade; c) a lesividade contém a ilegalidade. Na jurisprudência o entendimento prevalecente é de que não basta a lesividade do ato impugnado se não contém também sua ilegalidade, embora a atual dicção da CF enfatize a lesividade.‖ (GEISA DE ASSIS RODRIGUES. Da ação popular. In Ações constitucionais. Coordenação de
FREDIE DIDIER JR., 2006, p. 224). 289
Assim, na doutrina: ―Na ampla acepção administrativa, ato é a lei, o decreto, a resolução, a portaria, o contrato e demais manifestações gerais ou especiais, de efeitos concretos, do Poder Público e dos entes com funções públicas delegadas ou equiparadas. Ato lesivo, portanto, é toda manifestação de vontade da Administração danosa aos bens e interesses da comunidade.‖ (HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e habeas data. 16ª ed., 1995, p. 94). 290
No mesmo sentido, na doutrina: ―Outro aspecto que merece assinalado é que a ação popular pode ter finalidade corretiva da atividade administrativa ou supletiva da inatividade do Poder Público nos casos em que devia agir por expressa imposição legal. Arma-se, assim, o cidadão para corrigir a atividade omissiva da Administração como para obrigá-la a atuar, quando sua omissão também redunde em lesão ao patrimônio público.‖ (HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e habeas data. 16ª ed., 1995, p. 95). ―A lesão ou ameaça de lesão pode resultar de ato ou omissão, desde que produza efeitos concretos;‖ (MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO. Direito administrativo. 7ª ed., 1996, p. 528). ―Entendemos que se da omissão administrativa, que ocorre quando a Administração Pública devia agir e não o faz, resulta lesão ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente, ao patrimônio histórico e cultural há possibilidade da propositura da ação.‖ (GEISA DE ASSIS RODRIGUES. Da ação popular. In Ações constitucionais. Coordenação de
FREDIE DIDIER JR., 2006, p. 224). 291
De acordo, na doutrina: JOSÉ AFONSO DA SILVA. Curso de direito constitucional positivo. 26ª ed., 2006, p. 462 e 463: ―O que lhe dá conotação essencial é a natureza impessoal do interesse defendido por
tutelados pela ação: patrimônio público econômico, moral, ambiental, natural,
histórico, cultural, turístico, estético e paisagístico. Por conseguinte, ainda que
o autor possa ter algum interesse individual subjacente, a ação popular é só
admissível quando busca a proteção do patrimônio público em geral292.
8. NATUREZA JURÍDICA DA AÇÃO POPULAR
Como bem revela o artigo 22 da Lei nº 4.717, de 1965, a ação popular
tem ―natureza específica‖.
Em primeiro lugar, a ação popular reside no rol das ações
constitucionais, porquanto está prevista no artigo 5º, inciso LXXIII, da
Constituição Federal, ou seja, ao lado das principais ações constitucionais
(habeas corpus, mandado de segurança, habeas data, mandado de injunção).
Sob outro prisma, trata-se de ação civil de natureza constitutiva,
porquanto enseja a anulação dos atos administrativos lesivos ao patrimônio
público. Ademais, a ação popular também tem natureza condenatória, em
virtude da possibilidade da imediata condenação dos administradores, dos
agentes administrativos e de terceiros citados como réus na ação, os quais são
condenados desde logo, ou seja, no mesmo processo, ao ressarcimento dos
cofres públicos293. Trata-se, portanto, de ação com natureza eclética, mista, em
razão das naturezas constitutiva e condenatória294.
9. AÇÃO POPULAR E AÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA
Como ação específica do cidadão contra os atos administrativos lesivos
ao patrimônio público ou contrários à moralidade administrativa, a ação popular
meio dela: interesse da coletividade. Ela há de visar a defesa de direito ou interesse público. O qualificativo popular prende-se a isto: defesa da coisa pública, coisa do povo (publicum, de populicum, de populum)‖. ―Contudo, ela se manifesta como uma garantia coletiva na medida em que o autor popular
invoca a atividade jurisdicional, por meio dela, na defesa da coisa pública, visando a tutela de interesses coletivos, não de interesse pessoal‖. Também no mesmo sentido, ainda na doutrina: ―É um instrumento de defesa dos interesses da coletividade, utilizável por qualquer de seus membros. Por ela não se amparam direitos individuais próprios, mas sim interesses da comunidade. O beneficiário direto e imediato desta ação não é o autor; é o povo, titular do direito subjetivo ao governo honesto. O cidadão a promove em nome da coletividade, no uso de uma prerrogativa cívica que a Constituição da República lhe outorga.‖ (HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e habeas data. 16ª ed., 1995, p. 88). ―No entanto, prevalecem as duas características
básicas: o fato de que sua titularidade cabe a qualquer cidadão e o de que este age na defesa do interesse público e não de interesse individual.‖ (MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO. Direito administrativo. 7ª ed., 1996, p. 524). 292
De acordo, na jurisprudência: RE nº 74.151/PR, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 25 de agosto de 1972: ―– Ação popular. Legitimidade ad causam de qualquer cidadão, ainda que ele possa ter algum interesse de ordem particular, desde que tenha em mira, não proteger qualquer direito seu, mas apenas resguardar o patrimônio público. Recurso extraordinário conhecido e provido‖. 293
Em abono, na doutrina: ―O ato lesivo não é praticado contra o indivíduo, mas contra o patrimônio da entidade pública de que o agente administrativo participa, objetivando a ação de reparação do dano, em favor da entidade, responsabilizando todos aqueles que, administradores ou não, a ele concorreram.‖ (VICENTE GRECO FILHO. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 323). 294
De acordo, na doutrina: ―Pela ação popular, o que se pleiteia do órgão jurisdicional é: 1. a anulação do ato lesivo; 2. a condenação dos responsáveis ao pagamento de perdas e danos ou à restituição de bens ou valores, conforme artigo 14, § 4º, da Lei nº 4.717. Daí a dupla natureza da ação, que é, ao mesmo tempo, constitutiva e condenatória.‖ (MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO. Direito administrativo. 7ª ed., 1996, p. 531).
prevalece em relação ao mandado de segurança, ação cujo campo de
incidência é obtido por exclusão, à vista do artigo 5º, inciso LXIX, da
Constituição Federal. Daí a inadequação do mandado de segurança diante de
hipótese própria de ação popular, como bem assentou o Supremo Tribunal
Federal no enunciado nº 101: ―O mandado de segurança não substitui a ação
popular‖295. Ademais, as ações têm ritos distintos, porquanto a ação popular
segue o procedimento ordinário e enseja dilação probatória, até mesmo a
produção de provas testemunhal e pericial296, as quais não podem ser
produzidas no mandado de segurança, cuja celeridade do procedimento
pressupõe prévia prova documental juntada já com a petição inicial. Por fim,
enquanto o mandado de segurança é apto à defesa de direitos individuais, a
ação popular só tem como escopo a defesa de direitos transindividuais,
coletivos297.
10. AÇÃO POPULAR E AÇÃO CIVIL PÚBLICA
O cotejo analítico dos preceitos constitucionais e das leis de regência da
ação popular e da ação civil pública revela a existência de grande semelhança
em relação ao objeto da proteção de ambas as ações constitucionais. Na
verdade, as principais diferenças residem na legitimidade ativa e na
legitimidade passiva. Enquanto a ação popular é exclusiva do cidadão, a ação
civil pública pode ser movida pelo Ministério Público, pela Defensoria
Pública298, por pessoa jurídica de direito público, por entidade da administração
indireta e até mesmo por associação civil constituída há pelo menos um ano,
cujas finalidades institucionais sejam transindividuais. Quanto ao polo passivo,
a ação popular é movida contra a pessoa jurídica lesada, os respectivos
administradores e agentes administrativos, bem assim contra os beneficiados
pela lesão ao patrimônio público. Em contraposição, a ação civil pública tem
como alvo qualquer pessoa, natural ou jurídica, de direito público ou privado.
295
Assim, na jurisprudência: MS nº 25.609/DF – AGR – ED, Pleno do STF, Diário da Justiça de 22 de setembro de 2006, p. 29; e MS nº 23.182/PI, Pleno do STF, Diário da Justiça de 3 de março de 2000, p. 63: ―Com isso, está pretendendo converter a ação de Mandado de Segurança em autêntica Ação Popular, o que não é tolerado pela Súmula 101 desta Corte.‖. 296
Cf. artigo 7º, inciso V, da Lei nº 4.717, de 1965. 297
De acordo, na doutrina: ―Realmente, os pressupostos do mandado de segurança são diversos dos da ação popular e o rito processual daquele não se coaduna com a maior amplitude das discussões e provas necessárias ao julgamento da ação popular.‖ (CELSO AGRÍCOLA BARBI. Do mandado de segurança. 7ª ed., 1993, p. 89, nº 96). ―Por fim, lembramos que a ação popular é inconfundível com o mandado de segurança e colima fins diversos, razão pela qual tais remédios judiciais não podem ser usados indistintamente (STF, Súmula 101). Cada um tem objetivo próprio e específico: o mandado de segurança presta-se a invalidar atos de autoridade ofensivos de direito individual ou coletivo, líquido e certo; a ação popular destina-se à anulação de atos ilegítimos e lesivos do patrimônio público. Por aquele se defende direito próprio; por esta se protege o interesse da comunidade, ou, como modernamente se diz, os interesses difusos da sociedade.‖ (HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e habeas data. 16ª ed., 1995, p. 95 e 96). 298
Assim, na doutrina: ―Por meio da alteração introduzida pela Lei Federal 11.448, de 15.01.2007, foi atribuída, expressamente, legitimidade ativa para o ajuizamento de ação civil pública à Defensoria Pública (art. 1º, II, da Lei nº 7.347/85).‖ (LUIZ MANOEL GOMES JUNIOR. Ação Civil Pública – Legitimidade Ativa da Defensoria Pública – Lei 11.448/2007. In Direito Civil e Processo: Estudos em homenagem ao Professor ARRUDA ALVIM. 2008, p. 689).
Por fim, ao contrário do que ocorre com o mandado de segurança, o
qual é inadmissível quando for cabível ação popular, o mesmo não ocorre com
a ação civil pública, a qual pode ser movida na pendência de ação popular299,
como bem autoriza o artigo 1º da Lei nº 7.347, de 1985, observada a
prevenção prevista no § 3º do artigo 5º da Lei nº 4.717, de 1965.
11. AÇÃO POPULAR CORRETIVA E PREVENTIVA
Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a ação popular pode
ser corretiva (ou seja, repressiva) de atos administrativos lesivos já praticados,
mas também pode ser preventiva, a fim de evitar futura lesão ao patrimônio
público300. Aliás, a autorização legal (cf. artigo 5º, § 4º, da Lei nº 4.717, de
1965) de suspensão liminar do ato lesivo impugnado confirma a existência da
ação popular preventiva.
12. LEGITIMIDADE ATIVA: QUALQUER CIDADÃO
A ação popular pode ser proposta por qualquer cidadão. Considera-se
cidadão o nacional com direitos políticos, ou seja, o brasileiro eleitor. Não
importa se a nacionalidade é originária (brasileiro nato) ou adquirida (brasileiro
naturalizado), porquanto incide a regra do § 2º do artigo 12 da Constituição
Federal. Não basta, entretanto, que seja nacional, porquanto o inciso LXXIII do
artigo 5º da Constituição de 1988 exige mais do que a nacionalidade, ou seja, a
cidadania, a qual é alcançada quando o nacional realiza o alistamento eleitoral
e passa a ser cidadão301. Daí a necessidade de a petição inicial da ação
299
De acordo, na doutrina: ―Com relação ao uso da ação popular para proteção do patrimônio público e para defesa do meio ambiente, há uma superposição de medidas, já que a ação civil pública serve à mesma finalidade, consoante decorre do artigo 129, III, da Constituição, e da Lei nº 7.347, de 24-7-85. A diferença básica está na legitimidade ativa e passiva: na ação popular, sujeito ativo é o cidadão e passivo a entidade pública ou privada detentora do patrimônio público tal como definido no artigo 1º da Lei nº 4.717; na ação civil pública, sujeito ativo é o poder público (eventualmente associação particular) e, passivo, qualquer pessoa, física ou jurídica, pública ou privada, que cause lesão ao interesse difuso protegido. Poderá até ocorrer a hipótese de cabimento das duas ações, quando o ato lesivo for praticado por uma das pessoas definidas no artigo 1º da Lei nº 4.717.‖ (MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO. Direito administrativo. 7ª ed., 1996, p. 527 e 528). 300
Assim, na doutrina: ―A ação popular tem fins preventivos e repressivos da atividade administrativa ilegal e lesiva ao patrimônio público, pelo quê sempre propugnamos pela suspensão liminar do ato impugnado, visando à preservação dos superiores interesses da coletividade. Como meio preventivo de lesão ao patrimônio público, a ação popular poderá ser ajuizada antes da consumação dos efeitos lesivos do ato; como meio repressivo, poderá ser proposta depois da lesão, para reparação do dano. Esse entendimento deflui do próprio texto constitucional, que a torna cabível contra atos lesivos do patrimônio público, sem indicar o momento de sua propositura.‖ (HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e habeas data. 16ª ed., 1995, p. 94). Também em favor da ação popular preventiva, na doutrina: MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO. Direito administrativo. 7ª ed., 1996, p. 528. 301
Em abono, na doutrina: ―Quanto à legitimidade ativa, é ela ampla ou coletiva, de qualquer cidadão. Cidadão é a pessoa no gozo de direitos políticos. Distingue-se do nacional, que é a pessoa com determinada nacionalidade. A cidadania é um atributo a mais, que é a possibilidade do exercício de direitos políticos. Para a ação popular basta a cidadania mínima, que é o direito de votar, e não é necessária a plena, que é a possibilidade de ser votado para todos os cargos eletivos e que se alcança aos 35 anos de idade.‖ (VICENTE GRECO FILHO. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 324). Também de acordo, ainda na doutrina: ―Será cidadão aquele alistado eleitor, o que significa que se trata de pessoa maior de 16 anos, civilmente capaz, e no exercício de direitos políticos. É o eleitor, como conceituado no art. 14, § 1º, do Texto Constitucional (combinado com o art. 15).‖ (MICHEL TEMER.
popular ser instruída com prova documental atinente ao regular alistamento
perante a Justiça Eleitoral, mediante o título eleitoral ou a respectiva certidão.
Comprovada a cidadania por meio do título eleitoral ou da respectiva certidão
proveniente da Justiça Eleitoral302, está demonstrada a legitimidade ativa do
autor da ação popular.
Em contraposição, os estrangeiros, os brasileiros que não são eleitores
e as pessoas jurídicas – de direito público e de direito privado – não têm
legitimidade ativa para a ação popular303. No que tange à vedação às pessoas
jurídicas em geral, merece ser prestigiado o verbete nº 365 da Súmula do
Supremo Tribunal Federal: ―Pessoa jurídica não tem legitimidade para propor
ação popular‖304. Por ser pessoa jurídica305, partido político306 não tem
legitimidade ativa para ajuizar ação popular307.
Estudada a legitimidade ativa ad causam em prol de todos os cidadãos,
é preciso examinar a capacidade processual e a capacidade postulatória. No
tocante à última, o advogado tem capacidade postulatória308, razão pela qual o
cidadão-autor deve ser representado em juízo por advogado legalmente
habilitado309, salvo quando o próprio cidadão-autor também for advogado,
quando pode postular em causa própria.
Por fim, apesar de o eleitor relativamente incapaz310 devidamente
alistado perante a Justiça Eleitoral ter legitimidade ativa ad causam para, na
qualidade de cidadão, ajuizar ação popular, carece o mesmo da capacidade
processual, conforme se extrai dos artigos 7º e 8º do Código de Processo Civil,
combinados com o artigo 4º, inciso I, do Código Civil. Com efeito, por força do
artigo 22 da Lei nº 4.717, de 1965, os artigos 7º e 8º do Código de Processo
Civil também alcançam a ação popular. Daí a conclusão: o cidadão menor de
Elementos de direito constitucional. 20ª ed., 2005, p. 203). ―Sujeito ativo, já se viu que é o cidadão, assim considerado, para fins de ação popular, o eleitor.‖ (MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO. Direito administrativo. 7ª ed., 1996, p. 528). 302
Cf. artigo 1º, § 3º, da Lei nº 4.717, de 1965. 303
De acordo, na doutrina: ―Assim, o menor de 16 anos, os demais incapazes ou os que não estão no gozo dos direitos políticos não podem propor a ação‖. ―Em síntese: é legitimado para propor a ação popular o titular da cidadania; não são legitimados os estrangeiros, os apátridas, os que não exercem seus direitos políticos (seja porque os perderam ou porque não os adquiriram) e as pessoas jurídicas.‖ (MICHEL TEMER. Elementos de direito constitucional. 20ª ed., 2005, p. 203). ―Quando a Constituição diz que qualquer cidadão pode propor ação popular, está restringindo a legitimidade para a ação apenas ao nacional no gozo dos direitos políticos, ao mesmo tempo em que a recusa aos estrangeiros e às pessoas jurídicas, entre elas os partidos políticos.‖ (JOSÉ AFONSO DA SILVA. Curso de direito constitucional positivo. 26ª ed., 2006, p. 463). 304
Assim, na jurisprudência: RE nº 52.398/BA, 2ª turma do STF, Diário da Justiça de 25 de julho de 1963, p. 407. 305
Com efeito, à luz do § 2º do artigo 17 da Constituição Federal e do inciso V do artigo 44 do Código Civil, os partidos políticos têm natureza de pessoa jurídica de direito privado. 306
Assim, na jurisprudência: RE nº 18.741/SP, 2ª Turma do STF, Diário da Justiça de 10 de novembro de 1955, p. 3.603. 307
No mesmo sentido, na doutrina: ―Os inalistáveis ou inalistados, bem como os partidos políticos, entidades de classe ou qualquer outra pessoa jurídica, não têm qualidade para propor ação popular (STF, Súmula 365).‖ (HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e habeas data. 16ª ed., 1995, p. 90). 308
Cf. artigo 36 do Código de Processo Civil. 309
Cf. artigo 22 da Lei nº 4.717, de 1965. 310
Com mais de dezesseis anos e menos de dezoito anos.
dezoito anos tem legitimidade ativa ad causam, mas não a capacidade
processual, razão pela qual necessita da assistência de algum dos pais para
ingressar com a ação popular311.
13. LITISCONSÓRCIO E ASSISTÊNCIA
A ação popular pode ser ajuizada por um ou mais cidadãos. Quando
proposta por dois ou mais cidadãos, há litisconsórcio ativo inicial, inaugural. À
vista do § 5º do artigo 6º da Lei nº 4.717, de 1965, também há lugar para
posterior ingresso de outros cidadãos no curso do processo, em virtude da
possibilidade de intervenção de assistentes litisconsorciais do autor originário,
quando há a formação de verdadeiro litisconsórcio ulterior. Aliás, é possível o
ingresso de outros cidadãos até mesmo na fase recursal, como bem autoriza o
artigo 19, § 2º, da Lei nº 4.717, de 1965.
14. PRAZO: CINCO ANOS
Por força do artigo 21 da Lei nº 4.717, de 1965, a ação popular está
sujeita a prazo de cinco anos312. Em virtude da natureza predominante da ação
(qual seja, a condenatória), é possível afirmar que o prazo é prescricional313,
raciocínio que é confirmado pela literalidade do artigo 21: ―A ação prevista
nesta Lei prescreve em 5 (cinco) anos‖.
15. LEGITIMIDADE PASSIVA
A ação popular deve ser proposta contra todos os administradores,
agentes administrativos, terceiros beneficiados pela lesão, bem assim contra as
pessoas jurídicas envolvidas com os atos administrativos lesivos impugnados
pelo autor da ação popular314.
Embora sejam citadas, as pessoas jurídicas prejudicadas pelos atos
administrativos lesivos podem deixar de contestar a ação popular e passar a
311
Em sentido contrário, entretanto, há autorizada doutrina: ―Grassa viva controvérsia na doutrina quanto à necessidade de assistência ao cidadão menor de 18 anos para propositura da ação popular. Uma corrente postula a plena capacidade de fato do eleitor de 16 ou 18 anos, pois se este pode exercer, sozinho, o seu direito de voto, sendo a ação popular uma manifestação da cidadania, prescindiria de assistência. Outra corrente entende que embora a capacidade eleitoral possa ocorrer aos 16 ou 18 anos, esta é distinta e autônoma da capacidade civil e processual, devendo o eleitor menor de 18 anos ser assistido ao propor a ação popular. ‗A exigência da assistência para o relativamente incapaz, na ação popular, não implica restrição ao direito constitucional, nem contraria as disposições da Lei 4717/65‘ (Bol. AASP 1597/180). A interpretação mais adequada é, no nosso sentir, a que dispensa a necessidade da assistência.‖ (GEISA DE ASSIS RODRIGUES. Da ação popular. In Ações constitucionais. 2006, p. 216 e nota 12). ―Do mesmo modo, um cidadão-eleitor com dezesseis anos, embora relativamente incapaz no âmbito civil, tem plena capacidade processual para o ajuizamento de uma ação popular.‖ (FREDIE DIDIER JR. Curso de direito processual civil. Volume I, 9ª ed., 2008, p. 215). 312
De acordo, na jurisprudência: 78.250/PR, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 3 de setembro de 1982, p. 8.501. 313
Com igual opinião, na doutrina: MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO. Direito administrativo. 7ª ed., 1996, p. 533. 314
Cf. artigo 6º da Lei nº 4.717, de 1965.
atuar ao lado do cidadão-autor315, na busca da condenação dos
administradores, agentes administrativos e terceiros beneficiados pelos atos
administrativos lesivos ao patrimônio público316. Com efeito, constatada a lesão
ao patrimônio público, a pessoa jurídica lesada pode passar a atuar em prol da
ação popular, a fim de que seja ressarcida, à vista do artigo 14 da Lei nº 4.717,
de 1965.
16. COMPETÊNCIA: JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU
À vista do artigo 5º da Lei nº 4.717, de 1965, tem-se que a ação popular
é da competência de juízo de primeiro grau de jurisdição, e não da
competência originária de tribunal317. A competência do juízo de primeiro grau
subsiste até mesmo quando a ação popular tem como ré autoridade pública
com foro privilegiado, como o Presidente da República318. Com efeito, ainda
que a ação popular seja movida contra autoridade pública com foro
privilegiado, subsiste a competência do juízo de primeiro grau319. Em suma, o
juiz natural da ação popular é o juiz de primeiro grau de jurisdição, regra que só
é afastada diante de exceção explícita consagrada na Constituição Federal320.
315
Cf. artigo 6º, § 3º, da Lei nº 4.717, de 1965. 316
De acordo, na doutrina: ―No polo passivo, instaura-se um litisconsórcio necessário especial: ação será proposta contra as autoridades, funcionários ou administradores das entidades públicas que autorizaram o ato lesivo ou que, por omissão, permitiram a prática do ato e ainda contra todos os beneficiários do ato. A pessoa jurídica de direito público ou privado equiparada será, também, citada e poderá abster-se de contestar o pedido ou atuar ao lado do autor, se isso for de conveniência para o interesse público. A sentença que julgar procedente a ação condenará solidariamente os que praticaram o ato e os beneficiários.‖ (VICENTE GRECO FILHO. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 325). ―A pessoa jurídica de Direito Público ou Privado chamada na ação poderá contestá-la ou não, como poderá, até mesmo, encampar o pedido do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo exclusivo do representante legal da entidade ou da empresa (art. 6º, § 3º). A inovação processual é das mais relevantes, pois permite que o réu confesse tacitamente a ação, pela revelia, ou a confesse expressamente, passando a atuar em prol do pedido na inicial, em defesa do patrimônio público.‖ (HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e habeas data. 16ª ed., 1995, p. 100). 317
De acordo, na jurisprudência: ―Não compete ao Supremo Tribunal conhecer originariamente de ação popular (CF, art. 102 e incisos).‖ (PET nº 3.451/MG – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça de 18 de novembro de 2005, p. 2). 318
Assim, na jurisprudência: PET nº 96/RJ – AGR, Pleno do STF, Diário da Justiça de 21 de maio de 1982, p. 4.869; e PET nº 3.152/PA – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça de 20 de agosto de 2004, p. 37: ―Não é da competência originária do STF conhecer de ações populares, ainda que o réu seja autoridade que tenha na Corte o seu foro por prerrogativa de função para os processos previstos na Constituição‖. 319
No mesmo sentido, na doutrina: ―Esclareça-se que a ação popular, ainda que ajuizada contra o Presidente da República, o Presidente do Senado, o Presidente da Câmara dos Deputados, o Governador ou o Prefeito, será processada e julgada perante a Justiça de primeiro grau (Federal ou Comum).‖ (HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e habeas data. 16ª ed., 1995, p. 103). 320
Assim, na jurisprudência: ―CONSTITUCIONAL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA: C.F., art. 102, I, nº AÇÃO POPULAR. I. - A simples alegação de que os Juízes de 1º grau estariam impedidos de julgar a causa - ação popular cujo juiz natural é o juiz de 1º grau - não é suficiente para deslocar a competência para o Supremo Tribunal Federal, na forma do disposto no art. 102, I, n, da C.F. Somente a incompatibilidade de todos os magistrados de 1ª instância, desde que comprovada nos autos, é que justificaria o deslocamento. Enquanto houver um Juiz capaz de decidir a causa, em 1º grau, não será lícito deslocar a competência para o STF. Precedentes do STF: AO 520-AgR/AM, Ministro Marco Aurélio; AO 465-AgR/RS, Ministro Celso de Mello; AO 263-QO/SC, Ministro Sepúlveda Pertence; AO 378/SC, Ministro Maurício Corrêa; AO 859-QO/AP, Ministro Maurício Corrêa para o acórdão, "DJ" de 1º.8.2003. II. - Agravo não provido.‖ (AO nº 1.031/RN – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça de 19 de março de 2004, p. 16, sem os grifos no original). ―AÇÃO ORIGINÁRIA. QUESTÃO DE ORDEM. AÇÃO
Em regra, a ação popular é da competência do juízo local de primeiro
grau. Não obstante, compete ao juízo federal processar e julgar a ação popular
movida contra alguma das pessoas arroladas no artigo 109, inciso I, da
Constituição Federal.
Por fim, a distribuição da ação popular ocasiona a prevenção do juízo
para todas as demais ações populares contra as mesmas partes e sob a
mesma causa de pedir321.
17. PROCEDIMENTO: ORDINÁRIO, COM ADAPTAÇÕES
À vista do artigo 7º da Lei nº 4.717, de 1965, a ação popular segue o
procedimento ordinário consagrado no Código de Processo Civil, com as
adaptações previstas na Lei nº 4.717, de 1965.
Com efeito, embora o procedimento ordinário seja a regra a ser seguida
na ação popular, não é utilizado de forma integral. Em primeiro lugar, não
incide o artigo 257 do Código de Processo Civil, segundo o qual o autor deve
recolher as custas judiciais iniciais, sob pena de cancelamento da distribuição
da ação não preparada. Na ação popular, as custas judiciais e os preparos são
pagos, quando devidos, somente no final do processo, consoante o disposto na
sentença322.
Outra importante diferença reside no prazo da contestação. No
procedimento ordinário, a contestação deve ser apresentada no prazo de
quinze dias323. Quando os litisconsortes passivos têm procuradores diferentes,
incide o artigo 191 do Código de Processo Civil, com a duplicação do prazo
para trinta dias. Em contraposição, os réus da ação popular dispõem de prazo
comum de vinte dias para apresentarem as respectivas contestações, mas o
juiz pode conceder prazo adicional de vinte dias, independentemente de os
POPULAR. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: NÃO-OCORRÊNCIA. PRECEDENTES. 1. A competência para julgar ação popular contra ato de qualquer autoridade, até mesmo do Presidente da República, é, via de regra, do juízo competente de primeiro grau. Precedentes. 2. Julgado o feito na primeira instância, se ficar configurado o impedimento de mais da metade dos desembargadores para apreciar o recurso voluntário ou a remessa obrigatória, ocorrerá a competência do Supremo Tribunal Federal, com base na letra n do inciso I, segunda parte, do artigo 102 da Constituição Federal. 3. Resolvida a Questão de Ordem para estabelecer a competência de um dos juízes de primeiro grau da Justiça do Estado do Amapá.‖ (AO nº 859/AP – QO, Pleno do STF, Diário da Justiça de 1º de agosto de 2003, p. 102, sem os grifos no original). ―Competência originária do Supremo Tribunal para as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra o Conselho Nacional do Ministério Público (CF, art. 102, I, r, com a redação da EC 45/04): inteligência: não inclusão da ação popular, ainda quando nela se vise à declaração de nulidade do ato de qualquer um dos conselhos nela referidos. 1. Tratando-se de ação popular, o Supremo Tribunal Federal - com as únicas ressalvas da incidência da alínea ‗n‘ do art. 102, I, da Constituição ou de a lide substantivar conflito entre a União e Estado-membro -, jamais admitiu a própria competência originária: ao contrário, a incompetência do Tribunal para processar e julgar a ação popular tem sido invariavelmente reafirmada, ainda quando se irrogue a responsabilidade pelo ato questionado a dignitário individual - a exemplo do Presidente da República - ou a membro ou membros de órgão colegiado de qualquer dos poderes do Estado cujos atos, na esfera cível - como sucede no mandado de segurança - ou na esfera penal - como ocorre na ação penal originária ou no habeas corpus - estejam sujeitos diretamente à sua jurisdição.‖ (PET nº 3.674/DF – QO, Pleno do STF, Diário da Justiça de 19 de dezembro de 2006, p. 37). 321
Cf. artigo 5º, § 3º, da Lei nº 4.717, de 1965. 322
Cf. artigos 10, 12 e 13 da Lei nº 4.717, de 1965. 323
Cf. artigo 297 do Código de Processo Civil.
réus serem patrocinados pelo mesmo advogado ou por advogados
diferentes324.
18. PETIÇÃO INICIAL
A petição inicial deve ser elaborada à luz dos artigos 39, inciso I, 258,
282 e 283 do Código de Processo Civil. Por conseguinte, a petição inicial deve
ser instruída com a procuração outorgada ao advogado, bem assim com
fotocópia do título eleitoral do autor ou a certidão expedida pela Justiça
Eleitoral.
19. SUSPENSÃO LIMINAR DO ATO LESIVO IMPUGNADO:
POSSIBILIDADE
Ex vi do § 4º do artigo 5º da Lei nº 4.717, de 1965, acrescentado pela Lei
nº 6.513, de 1977, há lugar para a suspensão in limine litis do ato lesivo
impugnado na ação popular. Trata-se, à evidência, de decisão interlocutória,
razão pela qual cabe agravo de instrumento, em dez dias325.
A despeito do cabimento do recurso próprio (agravo de instrumento),
também há lugar para requerimento de suspensão da decisão concessiva da
liminar, endereçado ao presidente do tribunal competente para o julgamento
daquele (recurso). Não obstante, o requerimento de suspensão só pode ser
veiculado pelo Ministério Público e pela pessoa jurídica de direito público, tudo
nos termos do artigo 4º da Lei nº 8.437, de 1992, aplicável às ações
populares326.
20. CONTESTAÇÃO
Citados, os réus podem contestar a ação popular. O prazo, entretanto,
não é o previsto no artigo 297 do Código de Processo Civil, mas, sim, o prazo
de vinte dias do artigo 7º, inciso IV, da Lei nº 4.717, de 1965, o qual, entretanto,
pode ser prorrogado por mais vinte dias, mediante requerimento de algum dos
réus. Por conseguinte, também não incide o artigo 191 daquele Código, em
virtude da existência de preceito específico: artigo 7º, inciso IV, da Lei nº 4.717,
de 1965.
324
Cf. artigo 7º, inciso IV, da Lei nº 4.717, de 1965. De acordo, na doutrina: ―O prazo para contestação é de vinte dias, prorrogável por mais vinte, a requerimento dos interessados, se difícil a obtenção da prova documental. Esse prazo é comum a todos os contestantes (art. 7º, IV)‖ (HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e habeas data. 16ª ed., 1995, p. 105). 325
Cf. artigo 522 do Código de Processo Civil, combinado com os artigos 19, § 1º, e 22, ambos da Lei nº 4.717, de 1965. De acordo, na doutrina: ―Da decisão que concede a liminar cabe, então, agravo de instrumento.‖ (VICENTE GRECO FILHO. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 325). ―Não há qualquer norma relativa a prazo ou a recursos cabíveis em caso de concessão ou indeferimento, o que não impede o agravo de instrumento;‖ (MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO. 7ª ed., 1996, p. 533). 326
Assim, na jurisprudência: SS nº 1.945/AL – AgRg – AgRg – AgRg - QO, Pleno do STF, Diário da Justiça de 1º de agosto de 2003, p. 102, com destaque para o voto proferido pelo Ministro-Relator, explícito acerca da aplicação do artigo 4º da Lei nº 8.437 às ações populares.
21. RECONVENÇÃO: INADMISSIBILIDADE
Não é admissível reconvenção na ação popular, em razão das
peculiaridades que marcam a legitimidade das partes e o objeto da ação
popular327.
22. MINISTÉRIO PÚBLICO
À vista dos artigos 6º, § 4º, e 7º, inciso I, alínea ―a‖, ambos da Lei nº
4.717, de 1965, é obrigatória a intimação do Ministério Público nas ações
populares, para a intervenção do respectivo representante na qualidade de
fiscal da lei, sob pena de nulidade do processo.
Não obstante, a atuação ministerial não fica restrita à fiscalização em
prol da correta aplicação do direito objetivo ao caso concreto. Além da atuação
como fiscal da lei, o Ministério Público também pode atuar como parte ativa em
duas hipóteses: 1ª) se o autor originário abandonar ou desistir da ação, o
representante do Ministério Público é intimado e pode promover o
prosseguimento da ação popular328; 2ª) se a pessoa jurídica lesada, o autor
originário e nenhum outro cidadão promoverem a execução civil da decisão
judicial condenatória dos réus dentro do prazo de sessenta dias do trânsito em
julgado, o representante do Ministério Público deverá promover a execução da
decisão proferida na ação popular, nos trinta dias seguintes329-330.
23. POSSIBILIDADE DE DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE
INCONSTITUCIONALIDADE
A ação popular tem em mira ato administrativo lesivo ao patrimônio
público e contrário à moralidade administrativa. O fato de o ato administrativo
impugnado estar sustentado em lei não impede a procedência da demanda
popular, porquanto a ação popular também enseja a declaração incidental da
inconstitucionalidade da lei que dá sustentação ao ato administrativo lesivo.
Com efeito, se o ato administrativo e a respectiva lei na qual aquele encontra
sustentação contrariam preceito constitucional, há lugar para a declaração da
inconstitucionalidade incidental, em virtude do controle difuso exercido nos
processos subjetivos em geral, em cujo rol reside a ação popular331.
327
Por oportuno, merece ser prestigiado o ensinamento do Professor HELY LOPES MEIRELLES, com a sustentação da tese de que é ―inadmissível reconvenção, porque o autor não pleiteia direito próprio contra o réu.‖ (Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e habeas data. 16ª ed., 1995, p. 90). 328
Cf. artigo 9º da Lei nº 4.717, de 1965, combinado com o artigo 267, incisos II, III e VIII, do Código de Processo Civil. 329
Cf. artigos 16 e 17 da Lei nº 4.717, de 1965, e artigo 566, inciso II, do Código de Processo Civil. 330
De acordo, na doutrina: ―Na execução, o Ministério Público tem legitimidade extraordinária subsidiária: deve promovê-la se, decorridos sessenta dias da sentença condenatória em segundo grau, o autor popular ou terceiro não providenciar a execução da sentença.‖ (VICENTE GRECO FILHO. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 324). 331
Assim, na jurisprudência: RE nº 100.354/SC, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 1º de fevereiro de 1985, p. 2.098; RE nº 82.482/RJ, Pleno do STF, Diário da Justiça de 13 de fevereiro de 1976, p. 902; e
24. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA
Julgado procedente o pedido, o juiz profere sentença à luz dos artigos
11 e 12 da Lei nº 4.717, de 1965, com a desconstituição do ato administrativo
impugnado e a condenação dos administradores, agentes administrativos,
demais responsáveis e dos beneficiários do ato lesivo, os quais são
condenados pelas perdas e danos causados à pessoa jurídica de direito
público interno, à entidade da administração indireta ou à pessoa jurídica de
direito privado subvencionada pelos cofres públicos, em razão da lesão332. À
vista do artigo 12, julgado procedente o pedido veiculado na ação popular, os
réus também são condenados a pagar as custas judiciais, os honorários
advocatícios e as outras despesas, verbas que são destinadas ao cidadão
autor da ação.
A sentença de procedência é passível de apelação, em quinze dias, com
efeito suspensivo333.
Transitada em julgado a sentença de procedência, a respectiva coisa
julgada tem eficácia erga omnes, a fim de alcançar todos, até mesmo os
cidadãos alheios ao processo, tanto que os terceiros também têm legitimidade
ativa para a execução da sentença334.
Ainda em relação aos efeitos da sentença de procedência na ação
popular, a condenação não tem alcance penal, disciplinar nem político. Não
obstante, se o ato administrativo impugnado por meio da ação popular também
tiver repercussão nas esferas penal, administrativa e política, cabe ao juiz
determinar a remessa de fotocópias ao Ministério Público e às demais
autoridades competentes, para as providências cabíveis335-336. Com efeito, a
sentença condenatória não tem o condão de suspender os direitos políticos dos
administradores públicos condenados na ação popular, porquanto a suspensão
depende de sentença condenatória em ação própria, qual seja, a ação de
improbidade administrativa337.
RCL nº 664/RJ, Pleno do STF, Diário da Justiça de 21 de junho de 2002, p. 99: ―Reclamação. Decisão judicial que conheceu de ação popular, cujo objeto era a anulação de resolução legislativa pela qual foram criados cargos no âmbito da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Ação que reputava inconstitucional tal resolução. Possibilidade de eventual desconformidade com a Constituição Federal ser aferida no exercício do controle difuso de constitucionalidade. Ausência de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, tendo em vista não se tratar a resolução legislativa impugnada pela ação popular de ato normativo dotado de generalidade e abstração. Reclamação julgada improcedente.‖ (grifos aditados). 332
Cf. artigos 1º e 11 da Lei nº 4.717, de 1965. 333
Cf. artigos 19, caput, in fine, e 22, ambos da Lei nº 4.717, de 1965, combinados com o artigo 508 do Código de Processo Civil. 334
Cf. artigos 16 e 17 da Lei nº 4.717, de 1965. 335
Cf. artigo 15 da Lei nº 4.717, de 1965. 336
De acordo, na doutrina: ―Além da invalidade do ato ou do contrato e das reposições e indenizações devidas, a sentença em ação popular não poderá impor qualquer outra sanção aos vencidos. Sua natureza civil não comporta condenações políticas, administrativas ou criminais.‖ (HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e habeas data. 16ª ed., 1995, p. 110). 337
Cf. artigos 15, inciso V, e 37, § 4º, ambos da Constituição Federal, e Lei nº 8.429, de 1992.
25. SENTENÇA DE CARÊNCIA DA AÇÃO POPULAR E REEXAME
NECESSÁRIO
Se o juiz reconhecer a impossibilidade jurídica do pedido, a ausência de
interesse de agir ou a ilegitimidade da parte ativa ou da passiva, profere
sentença terminativa, em razão da carência da ação338.
Contra a sentença, não só o autor popular, mas também o Ministério
Público e todos os cidadãos até então alheios ao processo podem recorrer
mediante apelação339.
Além do cabimento do recurso de apelação, a sentença de carência da
ação também fica sujeita à remessa obrigatória ao tribunal de segundo grau de
jurisdição, razão pela qual não tem eficácia alguma até o reexame necessário
do processo pelo tribunal competente340.
Por fim, a combinação do artigo 268 do Código de Processo Civil com o
artigo 22 da Lei nº 4.717 revela que a sentença de carência da ação não
impede a propositura de nova ação popular, até mesmo pelo autor popular da
primeira ação.
26. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA, REEXAME NECESSÁRIO E
DEFICIÊNCIA PROBATÓRIA
Tal como a sentença de carência da ação popular, a sentença de
improcedência também fica sujeita à remessa obrigatória ao tribunal de
segundo grau competente para o reexame necessário do processo341, sem
prejuízo da possibilidade da interposição de recurso de apelação pelo autor
popular, pelo Ministério Público e por qualquer cidadão, na qualidade de
terceiro prejudicado342.
Ainda em relação à sentença de improcedência, é preciso distinguir a
sentença de improcedência por deficiência de prova da sentença de
improcedência do pedido em si, porquanto a ação popular não segue o padrão
previsto no Código de Processo Civil em relação à formação da coisa julgada
material. Com efeito, só a sentença de improcedência do pedido produz coisa
julgada substancial. Em contraposição, a sentença de improcedência por
deficiência de prova não produz coisa julgada material, razão pela qual é
admissível a propositura de outra ação popular por qualquer cidadão que tiver
nova prova, ainda que o pedido e a causa de pedir sejam idênticos343. Aliás, a
338
Cf. artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil. 339
Cf. artigo 19, § 2º, da Lei nº 4.717, de 1965. 340
Cf. artigo 19, caput, da Lei nº 4.717, de 1965. 341
Cf. artigo 19, caput, da Lei nº 4.717, de 1965. 342
Cf. artigo 19, § 2º, da Lei nº 4.717, de 1965. 343
Cf. artigo 18 da Lei nº 4.717, de 1965.
nova ação popular pode ser movida até mesmo pelo autor da anterior ação
popular, desde que apresente nova prova344.
27. CUSTAS JUDICIAIS E ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA: REGRA DA
ISENÇÃO
Em regra, o autor da ação popular está livre do pagamento tanto das
custas judiciais quanto dos ônus da sucumbência, como os honorários
advocatícios. Com efeito, por força do artigo 5º, inciso LXXIII, da Constituição
Federal, mesmo que o julgamento proferido seja contrário ao autor da ação
popular, o cidadão está isento do pagamento das custas judiciais e também
dos ônus da sucumbência.
Não obstante, o mesmo inciso LXXIII do artigo 5º autoriza a condenação
do cidadão vencido na ação popular, ao pagamento das custas judiciais, dos
honorários advocatícios e das demais despesas, quando a ação popular é
temerária, isto é, movida com evidente má-fé345. Aliás, se a ação popular for
manifestamente temerária, o autor popular será condenado a pagar o décuplo
das custas judiciais346.
28. EXECUÇÃO POPULAR
À vista dos artigos 16 e 17 da Lei nº 4.717, de 1965, o autor, qualquer
outro cidadão, a pessoa jurídica lesada e o Ministério Público têm legitimidade
ativa para a execução da sentença condenatória proferida na ação popular.
Não obstante, enquanto o autor popular, os outros cidadãos e a pessoa jurídica
lesada têm legitimidade ativa concorrente, o Ministério Público tem legitimidade
subsidiária, ou seja, só pode promover a execução se os primeiros legitimados
não executarem a sentença condenatória dentro de sessenta dias do trânsito
em julgado. Além do artigo 16 da Lei nº 4.717, de 1965, o artigo 566, inciso II,
do Código de Processo Civil também consagra a legitimidade ativa do
Ministério Público para promover a execução civil.
344
Assim, na doutrina: ―A sentença definitiva produzirá efeitos de coisa julgada oponível erga omnes, exceto quando a improcedência resultar da deficiência da prova, caso em que poderá ser renovada com idêntico fundamento, desde que se indiquem novas provas (art. 18). Essa renovação da ação tanto pode ser feita pelo mesmo autor como por qualquer outro cidadão.‖ (HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e habeas data. 16ª ed., 1995, p. 114). 345
De acordo, na jurisprudência: ―- A não ser quando há comprovação de má-fé do autor da ação popular, não pode ele ser condenado nos ônus das custas e da sucumbência (artigo 5º, LXXIII, da Constituição). Precedentes da Corte. Recurso extraordinário conhecido e provido.‖ (RE nº 221.291/RJ, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 9 de junho de 2000, p. 32). 346
Cf. artigo 13 da Lei nº 4.717, de 1965.
CAPÍTULO VI
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
1. PRECEITO CONSTITUCIONAL E LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA
A ação civil pública está consagrada no artigo 129, inciso III, da
Constituição Federal de 1988. Além das linhas mestras consagradas no
preceito constitucional de regência, a ação civil pública também segue o
disposto na Lei nº 7.347, de 1985, na Lei nº 8.078, de 1990 – Código de Defesa
do Consumidor, na Lei nº 8.437, de 1992, na Lei nº 8.884, de 1994, e na Lei nº
11.448, de 2007.
2. NATUREZA DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA: AÇÃO DE CONHECIMENTO
CONDENATÓRIA
À vista dos artigos 3º e 11 da Lei nº 7.347, de 1985, a ação civil pública
é ação de conhecimento de natureza condenatória. A condenação pode ser em
dinheiro e em obrigação de fazer ou de não fazer.
A eventual condenação em dinheiro deve ser revertida em prol do Fundo
previsto no artigo 13 da Lei nº 7.347, de 1985, com a posterior aplicação dos
recursos para a reconstituição dos bens lesados.
Além da condenação em dinheiro, a ação civil pública enseja a
imposição de obrigação de fazer e de não fazer, com possibilidade de
execução específica e de imposição de multa diária, de ofício pelo juiz (artigo
11). E mais, tanto a execução específica quanto a multa diária podem ser
determinadas liminarmente, mediante decisão interlocutória proferida in limine
litis (artigo 12).
3. AÇÃO CIVIL PÚBLICA REPRESSIVA E PREVENTIVA:
POSSIBILIDADE DE DECISÃO LIMINAR
A combinação dos artigos 11 e 12 da Lei nº 7.437 conduz à conclusão
de que a ação civil pública pode ser repressiva e preventiva, porquanto é
admissível diante de ofensa já perpetrada e também de ameaça ao meio
ambiente, aos consumidores e ao patrimônio público em geral.
Com efeito, à vista dos artigos 11 e 12 da Lei nº 7.347, de 1985, o juiz
pode conceder tutela específica e impor multa diária in limine litis,
independentemente de pedido explícito do autor da ação civil pública.
Trata-se de decisão interlocutória agravável por instrumento, em dez
dias347. Diante da inexistência de efeito suspensivo automático por força de
347
Cf. artigos 12, caput, e 19 da Lei nº 7.347, de 1985, e artigo 522 do Código de Processo Civil.
lei348, o agravante pode requerer a concessão do efeito pelo relator do recurso
no tribunal, tendo em vista o disposto no artigo 558 do Código de Processo
Civil, combinado com o artigo 497, in fine, do mesmo diploma.
Além do recurso de agravo, se a parte ré na ação civil pública for pessoa
jurídica de direito público, também há lugar para a veiculação de requerimento
de suspensão ao presidente do mesmo tribunal competente para julgar o
recurso de agravo349. O requerimento de suspensão é incidente processual que
pode ser veiculado antes, durante ou depois do agravo de instrumento, já que,
ao contrário do recurso (de agravo), o incidente de suspensão não há prazo
legal para a formulação do requerimento350. Não obstante, o incidente de
suspensão é competência do presidente do tribunal. Com efeito, enquanto o
agravo de instrumento é distribuído a um relator no tribunal, escolhido dentre
os membros do tribunal mediante sorteio351, o incidente de suspensão é da
competência do presidente do mesmo tribunal.
Ao contrário do recurso de agravo, de livre fundamentação e que enseja
tanto a reforma quanto a cassação da decisão interlocutória, o incidente
previsto no § 1º do artigo 12 da Lei nº 7.347 só enseja a suspensão da decisão
interlocutória, até o julgamento do recurso. Ademais, a suspensão não pode
ser concedida pelo presidente do tribunal com base em livre fundamentação,
mas apenas diante da ocorrência de risco de lesão grave à ordem, à saúde, à
segurança e à economia públicas.
Da decisão monocrática presidencial cabe agravo interno para o órgão
colegiado competente previsto no regimento interno, no prazo de cinco dias352.
Por fim, tanto o acórdão proferido no agravo interno interposto no
incidente de suspensão quanto o acórdão proferido no agravo de instrumento
interposto da decisão interlocutória liminar são passíveis de suspensão
mediante incidente da competência originária do presidente do tribunal ad
quem competente para o julgamento de eventuais recursos especial e
extraordinário, conforme o caso353.
4. MINISTÉRIO PÚBLICO
Em primeiro lugar, o Ministério Público tem legitimidade ativa para
ajuizar a ação civil pública. É o principal legitimado ativo, à vista do artigo 129,
inciso III, da Constituição Federal, e dos artigos 5º, inciso I, 6º e 7º, todos da
Lei nº 7.347, de 1985.
Não obstante, o Ministério Público não é o único legitimado ativo, como
bem revela o § 1º do artigo 129 da Constituição Federal. Com efeito, além da
348
Cf. artigo 497, segunda parte, do Código de Processo Civil. 349
Cf. artigo 12, § 1º, da Lei nº 7.347, de 1985. 350
Cf. artigo 12, § 1º, da Lei nº 7.347, de 1985. 351
Cf. artigo 548 do Código de Processo Civil. 352
Cf. artigo 12, § 1º, da Lei nº 7.347, de 1985, e artigo 4º, §§ 1º e 3º, da Lei nº 8.437, de 1992. 353
Cf. artigo 4º, §§ 1º, 4º, e 5º, da Lei nº 8.437, de 1992.
legitimidade ativa do Ministério Público, o preceito constitucional assegura a
igual legitimidade ativa em favor daqueles autorizados por força de lei. Daí a
perfeita compatibilidade do artigo 5º da Lei nº 7.347, de 1985, com as
modificações determinadas pelas Leis nºs 8.884, de 1994, e 11.448, de 2007,
com a legitimidade ativa em prol da Defensoria Pública, da União, dos Estados,
dos Municípios, do Distrito Federal, das autarquias, das empresas públicas,
das fundações públicas, das sociedades de economia mista e também das
associações com finalidades institucionais voltadas à proteção do patrimônio
público.
Movida a ação civil pública por algum dos outros legitimados ativos, o
membro do Ministério Público deverá ser intimado pessoalmente, na qualidade
de fiscal da lei. Com efeito, se o Ministério Público não for o autor da ação civil
pública, há a necessidade da intimação destinada à atuação ministerial como
custos legis354.
Na eventualidade de desistência infundada ou abandono da ação civil
pública movida por associação legitimada, o Ministério Público deve patrocinar
a causa, quando deixa de atuar como fiscal da lei e assume a autoria no
processo355.
5. DEFESA DO PATRIMÔNIO PÚBLICO: ENUNCIADO Nº 329
A ação civil pública é cabível para a defesa do patrimônio público sob
todos os prismas, e pode ser proposta pelo Ministério Público, tendo em vista o
disposto no inciso III do artigo 129 da Constituição Federal de 1988, com o
reforço do enunciado nº 329 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça,
aprovado em 2006: ―O Ministério Público tem legitimidade para propor ação
civil pública em defesa do patrimônio público‖.
O conceito legal de patrimônio público é encontrado no § 1º do artigo 1º
da Lei nº 4.717, de 1965, com a redação determinada pela Lei nº 6.513, de
1977. Com efeito, o conceito de patrimônio público é amplo, genérico, de forma
a alcançar os bens jurídicos tutelados por intermédio dos artigos 1º, 4º, 5º,
inciso V, e 21, todos da Lei nº 7.347, de 1985: meio ambiente, consumidor,
patrimônios artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, ordem
econômica e urbanística, e qualquer outro direito ou interesse difuso, coletivo
ou individual homogêneo.
6. PROTEÇÃO DOS DIREITOS E INTERESSES DIFUSOS,
COLETIVOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS: ENUNCIADO Nº 643
À vista do artigo 129, inciso III, da Constituição Federal, dos artigos 1º,
inciso IV, e 21, da Lei nº 7.347, de 1985, e dos artigos 81, parágrafo único,
incisos I, II e III, e 90, da Lei nº 8.078, de 1990, a ação civil pública é cabível
354
Cf. artigo 5º, § 1º, da Lei nº 7.347, de 1985. 355
Cf. artigo 5º, § 3º, da Lei nº 7.347, de 1985.
para a proteção dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais
homogêneos.
Difusos são os direitos e os interesses indivisíveis e de pessoas
indeterminadas. São os direitos e os interesses com maior grau de
indeterminação das pessoas atingidas pela lesão ao patrimônio público em
sentido amplo. Por exemplo, não há como individualizar nem é divisível o dano
ao meio ambiente.
Coletivos são os direitos e os interesses indivisíveis de pessoas
indeterminadas, mas que são passíveis de identificação. Os direitos e os
interesses coletivos são indivisíveis, mas de pessoas determináveis356.
Individuais homogêneos são os direitos e interesses divisíveis de
pessoas determinadas. É a homogeneidade dos direitos e interesses comuns
de vários indivíduos que explica a admissibilidade da ação civil pública, com
legitimidade ativa do Ministério Público357. A respeito do tema, merece ser
prestigiado o enunciado nº 643 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: ―O
Ministério Público tem legitimidade para promover ação civil pública cujo
fundamento seja a ilegalidade de reajuste de mensalidades escolares‖.
Não obstante, não são todos os direitos individuais homogêneos que são
passíveis de defesa mediante ação civil pública. Com efeito, à vista do
parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 7.347, de 2985, acrescentado pela
Medida Provisória nº 2.180-35, de 2001, não é admissível ação civil pública
para a defesa de direitos individuais homogêneos referentes a tributos358,
contribuições previdenciárias e fundos institucionais, como o Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço.
7. LEGITIMIDADE ATIVA
À vista do artigo 5º da Lei nº 7.347, de 1985, a ação civil pública pode
ser proposta pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela União, pelos
Estados-membros, pelo Distrito Federal, pelos Municípios, pelas entidades da
administração indireta359 e até mesmo pelas associações civis constituídas há
pelo menos um ano, para a defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e
356
―(por exemplo: os membros de um consórcio de automóveis que postulam a anulação de um dispositivo do respectivo instrumento contratual; os alunos de uma escola que reclamam contra a qualidade de ensino).‖ (ILMAR GALVÃO. Ação civil pública e o Ministério Público. Apud LUIZ MANOEL GOMES JÚNIOR. Curso de direito processual coletivo. 2005, p. 43 e nota 55). 357
De acordo, na doutrina: ―De qualquer modo, inexiste incompatibilidade entre as funções institucionais previstas na Constituição Federal para o Ministério Público e a defesa dos direitos individuais homogêneos.‖ (LUIZ MANOEL GOMES JÚNIOR. Curso de direito processual coletivo. 2005, p. 37). 358
Em sentido conforme, na jurisprudência: ―1. Nos termos do disposto no artigo 1º, parágrafo único, da Lei nº 7.347/85, não é possível a utilização da ação civil pública com objetivos tributários, escopo visado na demanda com pedido pressuposto de nulificação do TARE.‖ (REsp nº 922.734/SP – AgRg, 1ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 13 de dezembro de 2007, p. 329). 359
Quais sejam: as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas e as sociedades de economia mista.
individuais homogêneos360 relativas à proteção do meio ambiente, do
consumidor, da ordem econômica, da livre concorrência e do patrimônio
público em geral361.
No que tange à pertinência temática, só pode ser exigida na ação civil
pública movida por associações civis, porquanto os demais legitimados ativos
são pessoas jurídicas de direito público interno ou órgãos daquelas pessoas de
direito público, com ampla legitimidade ativa362.
Por fim, a exigência de um ano de constituição cabível em relação às
associações civis pode ser relevada pelo juiz, tendo em vista o interesse
público em jogo363.
8. PENDÊNCIA DE AÇÕES CIVIS PÚBLICAS, AÇÕES POPULARES E
AÇÕES INDIVIDUAIS: POSSIBILIDADE E PREVENÇÃO DO JUÍZO DA
PRIMEIRA PROPOSITURA
À vista do artigo 1º, caput, e 2º, parágrafo único, ambos da Lei nº 7.347,
de 1985, a admissibilidade da ação civil pública em nada prejudica o cabimento
da ação popular e de outras ações, individuais ou coletivas, com a mesma
causa de pedir e o mesmo pedido364.
Com efeito, não há litispendência entre o processo coletivo instaurado
por força de ação civil pública e os processos individuais com igual pedido e a
mesma causa de pedir, porquanto o proêmio do artigo 104 do Código do
Consumidor estabelece que os processos coletivos ―não induzem
litispendência para as ações individuais‖. Em abono, vale conferir o disposto no
enunciado sumular nº 23 do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região: ―A
demanda coletiva não induz litispendência em relação às ações individuais,
com mesma causa de pedir e pedido, ajuizadas pelo próprio detentor do direito
subjetivo material (CDC, art. 104, primeira parte)‖365. Daí a conclusão: não
existência litispendência entre os processos coletivos e individuais366.
360
No mesmo sentido, na jurisprudência: ―- Nos termos de precedentes, associações possuem legitimidade ativa para propositura de ação relativa a direitos individuais homogêneos.‖ (REsp nº 866.636/SP, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 6 de dezembro de 2007, p. 312). 361
Vale dizer, os patrimônios histórico, turístico, artístico, estético, paisagístico. 362
De acordo, na doutrina: ―Assim, temos duas classes de legitimados para a defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos: a) a dos legitimados amplos, que não se sujeitam ao requisito da pertinência temática – Ministério Público e entes de Direito Público, com interesse processual presumido; e b) a dos legitimados restritos que, de ordinário, tenham sido criados visando à defesa de tais interesses, ou que, em sua atuação, tenham um mínimo de correlação com o objeto tutelado.‖ (LUIZ MANOEL GOMES JÚNIOR. Curso de direito processual coletivo. 2005, p. 87). 363
Cf. artigo 5º, § 4º, da Lei nº 7.347, de 1985. 364
De acordo, na jurisprudência: ―- Como o mesmo fato pode ensejar ofensa tanto a direitos difusos, quanto a coletivos e individuais, dependendo apenas da ótica com que se examina a questão, não há qualquer estranheza em se ter uma ação civil pública concomitante com ações individuais, quando perfeitamente delimitadas as matérias cognitivas em cada hipótese.‖ (REsp nº 866.636/SP, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 6 de dezembro de 2007, p. 312). 365
Cf. Resolução Administrativa nº 21, de 2011. 366
Em abono, na jurisprudência: ―PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE COBRANÇA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA E DEMANDA INDIVIDUAL. INOCORRÊNCIA DE LITISPENDÊNCIA. 1. A existência de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público não impede o ajuizamento da ação individual com idêntico objeto. Desta forma, no caso
Sem dúvida, é perfeitamente possível a existência de outras ações sobre
a mesma causa de pedir e o mesmo objeto da ação civil pública. A única
consequência da existência de várias ações pendentes é a prevenção do juízo
da propositura da primeira delas, em homenagem aos princípios da economia
processual e da segurança jurídica367.
9. CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE EM SEDE DE
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Tal como se ocorre no processo de mandado de segurança, também há
lugar para controle judicial de constitucionalidade pelo juiz competente para
processar e julgar ação civil pública, quando o julgamento do pedido depender
de prévia análise de compatibilidade de alguma norma jurídica em relação à
Constituição. Trata-se de controle difuso de constitucionalidade, incidenter
tantum, de alguma causa de pedir veiculada na ação civil pública para o
posterior julgamento do pedido ou objeto. Insista-se, o pedido não pode ser a
declaração da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público,
porquanto a ação civil pública não substitui a ação direta de
inconstitucionalidade nem a ação de arguição de descumprimento de preceito
constitucional. O controle da constitucionalidade em processo de ação civil
pública só pode se dar de forma incidental, como causa de pedir de algum caso
concreto368.
não há ocorrência do fenômeno processual da litispendência, visto que a referida ação coletiva não induz litispendência quanto às ações individuais. Precedentes: REsp 1056439/RS, Relator Ministro Carlos Fernando Mathias (Juiz Federal convocado do TRF 1ª Região), Segunda Turma, DJ de 1º de setembro de 2008; REsp 141.053/SC, Relator Ministro Francisco Peçanha Martins, Segunda Turma, DJ de 13 de maio de 2002; e REsp 192.322/SP, Relator Ministro Garcia Vieira, Primeira Turma, DJ de 29 de março de 1999.‖ (Agravo nº 1.400.928/RS – AgRg, 1ª Turma do STJ, Diário da Justiça eletrônico de 13 de dezembro de 2011, sem o grifo no original). 367
Assim, na jurisprudência: ―2. Dá-se a conexão quando existe identidade parcial de partes e identidade das causas de pedir entre duas ações civis públicas propostas concomitantemente pelo Ministério Público Federal e pela União, devendo ser determinada a reunião de ambas as ações, a fim de se evitar julgamentos conflitantes entre si.‖ (REsp nº 958.561/SC, 2ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 10 de dezembro de 2007, p. 363). No mesmo sentido, na doutrina: ―Resumindo: ainda que haja coincidência entre o objeto de uma Ação Popular e uma Ação Civil Pública, não há lugar para a invocação da litispendência, devendo haver a reunião dos processos, com fundamento na conexão, para tramitação e decisão conjunta, raciocínio que se estende às demais Ações Coletivas.‖ (LUIZ MANOEL GOMES JÚNIOR. Curso de direito processual coletivo. 2005, p. 116). 368
De acordo, na jurisprudência: ―A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reconhecido que se pode pleitear a inconstitucionalidade de determinado ato normativo na ação civil pública, desde que incidenter tantum. Veda-se, no entanto, o uso da ação civil pública para alcançar a declaração de inconstitucionalidade com efeitos erga omnes.‖ (RE nº 424.993/DF, Pleno do STF, Diário da Justiça
Eletrônico de 18 de outubro de 2007, sem o grifo no original). ―2. Ação civil pública que veicula pedido condenatório, em favor de ‗interesses individuais homogêneos‘ de sujeitos indeterminados mas determináveis, quando fundada na invalidez, em face da Constituição, de lei federal não se confunde com ação direta de inconstitucionalidade, sendo, pois, admissível no julgamento da ACP a decisão incidente acerca da constitucionalidade da lei, que constitua questão prejudicial do pedido condenatório.‖ (RCL nº 597/SP, Pleno do STF, Diário da Justiça de 2 de fevereiro de 2007, p. 75, sem o grifo no original). ―2. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROPOSITURA DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. O Supremo Tribunal Federal possui sólida jurisprudência sobre o cabimento da ação civil pública para proteção de interesses difusos e coletivos e a respectiva legitimação do Ministério Público para utilizá-la, nos termos dos arts. 127, caput, e 129, III, da Constituição Federal. No caso, a ação civil pública foi proposta pelo Ministério Público com o objetivo de proteger não apenas os interesses individuais homogêneos dos profissionais do jornalismo que atuam sem diploma, mas também os direitos
Por fim, vale ressaltar que o julgamento só alcança as pessoas insertas
na área territorial da competência do juízo no qual a sentença foi prolatada,
tendo em vista o disposto no artigo 16 da Lei nº 7.347, de 1985, com a redação
conferida pela Lei nº 9.494, de 1997. Sem dúvida, o efeito erga omnes
proveniente da sentença proferida em ação civil pública não se espraia por
todo o território nacional369.
10. CONDENAÇÃO DO AUTOR EM DESPESAS E HONORÁRIOS:
IMPOSSIBILIDADE, SALVO COMPROVADA MÁ-FÉ
À vista do artigo 18 da Lei nº 7.347, de 1985, com a redação
determinada pela Lei nº 8.078, de 1990, o autor da ação civil pública está
isento do pagamento de despesas processuais e de honorários advocatícios,
―salvo comprovada má-fé‖370.
fundamentais de toda a sociedade (interesses difusos) à plena liberdade de expressão e de informação. 3. CABIMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. A não-recepção do Decreto-Lei n° 972/1969 pela Constituição de 1988 constitui a causa de pedir da ação civil pública e não o seu pedido principal, o que está plenamente de acordo com a jurisprudência desta Corte. A controvérsia constitucional, portanto, constitui apenas questão prejudicial indispensável à solução do litígio, e não seu pedido único e principal. Admissibilidade da utilização da ação civil pública como instrumento de fiscalização incidental de constitucionalidade. Precedentes do STF.‖ (RE nº 511.961/SP, Pleno do STF, Diário da Justiça Eletrônico de 12 de novembro de 2009, sem o grifo no original). 369
De acordo, na jurisprudência: ―EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EFICÁCIA. LIMITES. JURISDIÇÃO DO ÓRGÃO PROLATOR. 1 - Consoante entendimento consignado nesta Corte, a sentença proferida em ação civil pública fará coisa julgada erga omnes nos limites da competência do órgão prolator da decisão, nos termos do art. 16 da Lei n. 7.347/85, alterado pela Lei n. 9.494/97. Precedentes. 2 - Embargos de divergência acolhidos.‖ (EREsp nº 411.529/SP, 2ª Seção do STJ, Diário da Justiça Eletrônico de 24 de março de 2010, sem o grifo no original). 370
De acordo, na jurisprudência: ―AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ART. 18 DA LEI Nº 7.347/85. IMPOSSIBILIDADE DE ADIANTAMENTO DE CUSTAS PELO AUTOR. CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO. INVIABILIDADE. 1. Em se tratando de ação civil pública, a parte autora só pode ser condenada ao pagamento de honorários advocatícios e de despesas processuais em caso de comprovada má-fé. 2. Recurso especial parcialmente conhecido e provido.‖ (REsp nº 999.003/RJ, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça eletrônico de 15 de março de 2010).
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