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Mariana Carrolo
C A D E I A C O M A R C Ã D E S I N T R Aum edifício entre dois tempos
e-sintra # 1
Mariana Carrolo
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C A D E I A C O M A R C Ã D E S I N T R Aum edifício entre dois tempos
como reflectir o objecto
SINTRA2012
Ficha Técnica
Título: Cadeia Comarcã -‐ Um Edi8cio entre Dois TemposAutora: Mariana CarroloDesign gráfico: Maria Teresa CaetanoColecção: e-‐sintra # 1Editor: Câmara Municipal de Sintra (Pelouro da Cultura)ISBN: 978-‐972-‐8875-‐45-‐9
Cadeia Comarcã
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A. INTRODUÇÃO 7 B. MÓDULO I – como reflec4r o objecto? 9C. MÓDULO II – edi;cio entre dois tempos 13D. INVENTÁRIO – do objecto 15E. BIOGRAFIA – do autor 19F. CONTEXTO – fórmula de complexidade 23G. ARQUITECTURA – problemá4ca da modernidade 25H. PROJECTO – premissas de um tempo 29I. OBRA – o objecto 39J. CONCLUSÃO – sen4do e ser 57
ANEXOS 59FONTES E BIBLIOGRAFIA 65
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ÍNDICE
Cadeia Comarcã
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1 e 2. Fotografias das AnTgas Casa da Câmara, Torre do Relógio e Cadeia Comarcã, AHS
Este trabalho visa o estudo da Cadeia Comarcã de Sintra e insere-‐se numa inves4gação sobre Arquitectura Prisional Portuguesa, levada a cabo no âmbito de Doutoramento de História da Arte Contemporânea, da FCSH, enquanto estudo iniciá4co e preliminar, de abordagem à Tese: “Arquitectura prisional portuguesa: forma, experiência e representação do espaço. O Estabelecimento Prisional de Monsanto”.
Assim, este Estudo surge do cruzamento do desenvolvimento de um trabalho académico e da par4cipação e colaboração com o Ins4tuto de História da Arte (IHA), na pessoa do Professor Doutor José Custódio Vieira da Silva e da Professora Doutora Raquel Henriques da Silva, através do Protocolo de Colaboração entre a Câmara Municipal de Sintra e a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa, estabelecido em 2008.
*O trabalho integra dois módulos: O primeiro módulo (I) compreende a definição da problemá4ca de Estudo e procura configurar uma proposta metodológica de abordagem ao tema. O segundo (II), autónomo e complementar do primeiro, pretende a Análise e Compreensão da Cadeia Comarcã enquanto representa4vo objecto histórico e arquitectónico singular, do século XIX e XX.
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A. INTRODUÇÃO
A prisão é objecto de estudo por diversos autores que a u4lizam como observatório de um microcosmos social, que atomiza o indivíduo e o desapropria da sua iden4dade no contexto social e o reorganiza numa outra e supra-‐imposta estrutura disciplinadora.
Estes estudos tendem a surgir em convergência, reconhecendo a importância de J. Bentham na criação da Ins4tuição Prisional, no século XIX e do Panóp4co, “no desenvolvimento de um conceito funcional de espaço em Arquitectura” (PERROT, 2000: 13). O poder dos edi;cios foi “encarado como meio para resolver problemas sociais, e Bentham acreditava que a forma de um edi;cio podia, e até devia, influenciar e modificar os comportamentos humanos” (FREIRE, 2009: 32).
A Tese de Doutoramento sobre o Estabelecimento Prisional de Monsanto visa enquadrar o EPM (de alta-‐segurança), na Arquitectura Prisional Portuguesa, enquanto exemplar Ins4tuição da Contemporaneidade, seguidora do Modelo Panóp4co. Nele procura-‐se compreender como as condicionantes e propósitos inerentes ao Espaço – Forma, Discursos e Prá4cas – de influências recíprocas, se relacionam com a experiência desse Espaço e afectam a sua representação nos intervenientes deste Espaço-‐Limite.
Inserida neste âmbito, a Cadeia Comarcã de Sintra apresenta-‐se-‐nos como estudo compara4vo e como ensaio, para o caso EPM, enquanto Modelo de análise exploratório, transversal e experimental, tanto do ponto de vista metodológico como da inves4gação, pela função e discurso, período aproximado de construção e u4lização.
Em, A Cadeia Comarcã de Sintra, um objecto entre dois tempos par4mos da assunção de que o objecto é e existe em transformação no tempo, ocupando múl4plas vertentes da realidade, enquanto arquitectura, no espaço e no tempo, como a sua existência e implicações no decurso histórico e cultural – produto e produtor de cultura, vivências, prá4cas e valores. Neste sen4do, “é e parece”1.
Como tal, procura-‐se u4lizar, em ar4culação, áreas transdisciplinares do conhecimento – Arquitectura, História da Arte e experiência pessoal em ambiente prisional – combinadas com o modelo gráfico, descri4vo e explica4vo, para melhor conhecer esse objecto. E neste sen4do, se por um lado, se procura o entendimento do objecto específico, enquadrado no universo do edificado prisional nacional, portanto, num contexto histórico-‐cultural, social e polí4co subjacente, por outro, procura-‐se compreender a forma e caracterís4cas do seu corpo, e deste, no processo das suas transformações.
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1 Conf. Kubler. Noção apresentada em “A Forma do Tempo”.
B. MODULO I (como reflecTr esse objecto?)
Tomando em consideração, estas múl4plas vertentes da Cadeia Comarcã, este estudo pretenderá:
(OBJECTIVOS EM COORDENAÇÃO)
I. Alargar o conhecimento e o “mapa” representacional dos estabelecimentos prisionais do país.
II. Abrir a possibilidade de traçar um percurso no tempo, dos objectos arquitectónicos prisionais, enquanto conjunto, parece-‐nos par4cularmente interessante e necessário à História da Arte Portuguesa, do século XIX e XX. Compreender nesse percurso, as par4cularidades de cada um dos objectos edificados, iden4ficando as suas caracterís4cas, a sua arquitectura, as suas premissas funcionais e de escala e o reconhecimento do ‘exercício do poder’, neles expresso.
III. Em simultâneo, permite-‐nos conhecer a Cadeia Comarcã e compreender o seu lugar nesse contexto abrangente.
(OBJECTIVOS TÉCNICOS)
IV. Aceder às fontes documentais e gráficas e correctamente organizar a pesquisa.
(OBJECTIVOS ESPECÍFICOS)
V. Conhecer a biografia, história e influências esté4cas do Arquitecto Adães Bermudes, responsável pelo projecto e obra.
VI. Contextualizar o objecto Arquitectónico do ponto de vista Histórico, a nível nacional.
VII. Contextualizar o objecto Arquitectónico do ponto de vista da implantação e da envolvente da Vila de Sintra, como especificidade projectual.
VIII. Iden4ficar os pressupostos conceptuais e projectuais, enquanto referências singulares do Panóp4co e do Regime Liberal, patentes no edi;cio.
IX. Enquadrar o objecto arquitectónico do ponto de vista esté4co e es4lís4co, no contexto “da casa portuguesa” – tradição e praxis.
X. Iden4ficar e reconhecer os elementos estruturais e arquitectónicos cons4tuintes do edificado – na parte e no todo.
XI. Analisar o percurso e mutações do objecto de estudo nas suas diferentes caracterís4cas formais, funcionais e ;sicas, ao longo do século XX.
XII. Compreender o objecto no tempo: do ponto de vista da vivência, afectos e memória.
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Tendo por base o pressuposto teórico e os objec4vos apresentados, a hipótese a considerar pode ser sinte4zada, nas seguintes formulações:
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Como conhecer e analisar o objecto nas suas propriedades ;sicas e projectuais e as potencialidades da sua espacialidade e capacidade de gerar vivências; e compreender em que medida, o modo que aceitamos, hierarquizamos e adoptamos a informação, tendo em conta os pressupostos epistemológicos e as valorizações pessoais, nos poderá fornecer diferentes leituras do mesmo objecto.
Ou por outras palavras, em que medida é possível que a acção do tempo recoloque um objecto “neo” na história, com valor posi4vo. Serão possíveis novas leituras de um espaço já conhecido?
Assim, neste estudo propomo-‐nos fazer duas leituras – organizado em duas partes, no trabalho, mas também correspondendo a dois pressupostos epistemológicos dis4ntos em História da Arte.
a) A primeira parte do trabalho e, seguindo a tradição historiográfica, coloca o objecto em análise, através da biografia do seu autor, da sua classificação es4lís4ca e linguagem simbólica2 da experiência.
Incidirá, sobre a pesquisa e inves4gação documental e arquivís4ca (da História e Biografia do autor e Historiadores e Crí4cos de Arte). Através de uma estratégia classifica4va, enquanto observador externo, analisando a realidade social, jurídica e polí4ca portuguesa, do século XIX. Analisando a per4nência e jus4ficação para a elaboração e cons4tuição do projecto da Cadeia Comarcã.
b) A segunda parte, procura compreender o objecto enquanto estrutura, integrada num sistema de relações formais e numa praxis, e as suas transformações não só morfológicas, mas da sua integração e par4cipação enquanto objecto na actualidade.
Pretende-‐se uma abordagem de componente subjec4va, a agente enquanto arquitecta – da contemporaneidade – que experiência o espaço e recolhe dele renovada memória descri4va, através da percepção do Espaço, despojando-‐o o mais possível de referências históricas, es4listas, externas a ele e à materialidade do edificado.
Procura-‐se analisar, do ponto de vista teórico, a forma de percepcionar o meio e a forma como é representado o Espaço (agente modelador) e a sua Experiência.
Entende-‐se esse Espaço como molde e contra-‐molde da estrutura ;sica, suporte e limite à acção das relações, rituais e dinâmicas dos sujeitos e do exercício do poder.
É, portanto, opção metodológica, num primeiro momento, par4r para a análise histórica dos fenómenos circunscritos a uma prisão – Cadeia Comarcã de Sintra – “do centro para as periferias”, do macro para o micro, num sen4do descendente. Num segundo momento, de análise arquitectónica inverter o processo anterior.
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2 Conf. Cassirer. Baseia o seu pressuposto de uma História da cultura assente na visão da obra de arte como expressão simbólica.
Tal, jus4fica-‐se, tendo em atenção a especificidade da Ins4tuição – objecto de clausura e interioridade e a necessidade de conciliar “sen4do e ser” (KUBLER, 1998: 171)3.
Afim de melhor aproximar o objecto do leitor serão recons4tuídas e corrigidas plantas e um alçado, ob4das em arquivo4; serão acrescidas ao processo, plantas em falta e será cons4tuído um ‘roteiro de experiência’ fotográfico e descri4vo do percurso.
«Certas alterações fonéTcas na história de línguas aparentadas só podem ser explicadas através da hipótese de uma transformação regular. Assim, o fonema A, surgindo num estádio inicial de uma língua, transforma-‐se no fonema B num estádio posterior, independentemente do senTdo, e unicamente em consequência das regras que determinam a estrutura fonéTca da língua. A regularidade destas transformações é tal que as mudanças fonéTcas podem mesmo ser usadas para medir durações entre amostras da expressão oral registadas mas não datadas. Regularidades similares determinam provavelmente a infra-‐estrutura formal de qualquer arte» (KUBLER, 1998: 10).
Se a língua não for falada, morre. Do mesmo modo a arquitectura se não for vivida/percepcionada na sua verdadeira grandeza perece também. A existência de uma con4nuidade exclui uma ruptura e como tal, no processo temporal desenvolve mutações. Como Historiadores de Arte, cabe-‐nos notá-‐las.
Em síntese, o objec4vo da reflexão metodológica, do ponto de vista do módulo I, não se prende ao desejo de analisar o objecto formal. De igual modo não pretende dedicar-‐se à reconstrução histórica de “complexos simbólicos”5, mas antes procurar uma outra leitura, que faça par4r e confluir os elementos que conceptualizam e materializam a sua experiência – necessariamente única no objecto.
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3 Serão visitados os Estabelecimentos Prisionais do Concelho de Sintra cujo acesso seja permiTdo.4 Ver Fontes e Bibliografia.5 Conf. Kubler.
«A tarefa (…) consiste em construir uma história dos objectos que faça jusTça tanto ao senTdo como ao ser, tanto ao projecto como à integralidade da existência, tanto ao esquema como ao objecto. Este objecTvo levanta o conhecido dilema existencial entre senTdo e ser. A pouco e pouco, vamos redescobrindo que aquilo que o objecto significa não é mais importante do que aquilo que ele é; que a expressão e a forma consTtuem desafios equivalentes para o historiador; e que negligenciar o senTdo ou o ser, a essência ou a existência, deforma a nossa compreensão de ambos os termos do par» (KUBLER, 1998: 171).
A Cadeia Comarcã de Sintra, inaugurada em 1909, projecto do Arquitecto Adães Bermudes, entendida como edi;cio e ideário entre dois tempos, no Portugal de transição do século XIX para o XX.
Neste sen4do, procura-‐se enquadrar o objecto arquitectónico do edi;cio prisional, nesta disciplina, compreendendo e dis4nguindo os elementos que a iden4ficam, mas também compreender o tempo e a sociedade portuguesa e as necessárias premissas subjacentes à elaboração e construção de equipamentos urbanos de detenção para reclusos. Pretende-‐se pois, a análise do edi;cio como ponte e experiência – elemento de ligação – entre realidades e expecta4vas. Produto e revelação de um contexto arquitectónico prisional específico e de transição, no espaço de 30 anos, entre a Casa da Câmara de Sintra, para a Cadeia Comarcã e, desta, para Estabelecimentos Prisionais plenos de Modernidade.
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C. MODULO II (edi8cio entre dois tempos)
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3.. Inauguração dos Paços do Concelho e da Cadeia Comarcã, em 1909 (in Ilustração Portuguesa)
CADEIA COMARCÃ DE SINTRA
Inventário de Património Arquitectónico: Monumento.
Designação: Cadeia Comarcã de Sintra.
Código Tipo: AEBBA/AHAB.
Acesso: Rua João de Deus, nº 2.
Concelho: Sintra.
Freguesia: Santa Maria e São Miguel.
Tipologia: Arquitectura Civil.
Ambiente: Urbano.
ULlização inicial: Cadeia/Presídio, até 1969.
ULlização Actual: Cultural e recrea4va.
Sede do Grupo de Escuteiros de Sintra, iniciado em 24 de Junho de 1970, pelo Grupo 93, com a Direcção de João Henriques Pereira Soares.
Arquitecto/Construtor: I – Arnaldo Redondo Adães Bermudes (1864-‐1948); II – João da Silva Pascoal (1906).
Época de construção: Século XX (1906-‐1909).Afectação: Sem afectação.
DiagnósLco/Conservação: Razoável, mas em acelerada adulteração e degradação.
Proprietários: Câmara Municipal de Sintra -‐ Contrato de Comodato por 50 anos para a Sede de Escoteiros de Sintra.
Protecção: Em estudo.
Enquadramento: Acesso ao edi;cio por escadas em cantaria de calcário.
Descrição
Edi;cio de planta centralizada e volume único de desenho composto.
Com cobertura em terraço, telhado de quatro águas, de telha 4po Marselha e clarabóia de vidro6.
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6 Ver figura 34, 35 e 36.
D. INVENTÁRIO (do objecto)6
Alçado principal com porta7 de verga recta, protegida por portões de ferro, pór4co e colunas. Presença de uma janela com trabalho de cantaria “neomanuelino”8.
Alçados em alvenaria rebocados e pintados, rasgados por vãos 9 com caixilharias de madeira, com uma folha na cela e duas nas dependências da guarda, -‐ as primeiras protegidas por grades de ferro.
O interior apresenta-‐se com coberturas em forro de madeira e abobadilhas, rebocadas e pintadas bem como as paredes.
O pavimento é em soalho nas dependências da guarda e administração; em betonilha de cimento nas demais dependências. A circulação ver4cal do piso terreno para o primeiro piso processa-‐se por escadas de madeira, iluminadas por lanternim com vidros; entre o segundo piso e o terraço, existe uma escada de ferro, em caracol. As dependências possuem portas de madeira. As das celas abrem no sen4do da fuga, bem como as da guarda, arrumos e administração. As de segurança, entre áreas/departamentos abrem no sen4do contrário à fuga.
*Cronologia
1906. Após construção da cadeia, conforme projecto do arquitecto Adães Bermudes, pelo empreiteiro João da Silva Pascoal.
1926, 28 Maio. O Decreto-‐lei nº 26.643 (Organização Prisional) fixa, no interior do Sistema Prisional Português, a definição de Cadeia Comarcã e as bases para a concepção do seu correspondente edificado.
1969, 4 Junho. O Decreto-‐lei nº 49.040, considerava o elevado custo dos novos edi;cios de Cadeias Comarcãs; o número de instalações ainda em falta para completar a Rede Nacional; a dificuldade da gestão par4lhada entre Ministério da Jus4ça e Câmaras Municipais; a insuficiência de pessoal de vigilância; a deficiente economia do serviço e a redução na população prisional (com cadeias vazias) define os princípios orientadores da transformação gradual de alguns edi;cios de Cadeias Comarcãs de construção recente em Estabelecimentos Prisionais Regionais, englobando o serviço de várias comarcas e julgados municipais.
1969. Desac4vação da Cadeia Comarcã.
1971. O Decreto-‐Lei nº 265/71, de 18 de Junho (MJ/MOP), es4pula uma zona de protecção de 50m em redor do edi;cio.
1972. A Portaria nº 374/72, de 7 de Julho (MJ), ex4ngue a Cadeia a par4r de 1 de Outubro.
1974. O edifício, que então albergava um quartel da Legião Portuguesa, é ocupado pelo Par4do Comunista Português.
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7 Ver figura 18.8 Ver figura 18.9 Ver figuras.
1979. Tenta4va por parte da Câmara Municipal de Sintra de transferir os Serviços Municipalizados se Água e Saneamento para as instalações da Cadeia. Projecto do Arquitecto Henrique Chicó e Rui Duarte.
1984, 10 Agosto. O edi;cio da Cadeia, pertencente ao património privado da Câmara Municipal de Sintra, é cedido, a �tulo gracioso e por um prazo de 50 anos, ao Grupo 93 de Sintra da Associação dos Escoteiros de Portugal, para instalação da secretaria, recolha de material de campo e concentração dos filiados.
Os beneficiários ficam com a responsabilidade pela conservação interior e exterior das instalações; construção de novas escadas de madeira interiores;
1990. Nova tenta4va de alteração do edificado e transferência dos SMAS para a Cadeia.
Década de 1990. Instalação de linha telefónica. 2003. A Portaria nº 831/2003, de 13 de Agosto (MOPTH), anula as zonas de protecção e ónus que afectavam o edi;cio da Cadeia.
Tipologia: Arquitectura judicial, ecléc4ca. Edi;cio que concilia elementos ‘neo’ clássicos, medievais e orientalizantes.
Intervenção realizada: Câmara Municipal de Sintra, reconstrução do terraço para obstar as infiltrações.
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ARNALDO REDONDO ADÃES BERMUDES10(Porto, 1 de Outubro de 1864 — Sintra, 18 de Fevereiro de 1948)
Filho de Félix Redondo Adães e de Cesina Romana Bermudes nasce no Porto, na freguesia de Santo Ildefonso, a 1 de Outubro de 1864, com ascendência galega.
Formado em Arquitectura pela Academia Portuense de Belas Artes, foi aluno do mestre José Geraldo da Silva Sardinha, vem a concluir estudos na Escola de Belas-‐Artes de Lisboa, em 1886. Em 1888, fica em primeiro lugar no concurso, promovido pela Academia de Belas Artes de Lisboa, para obtenção de bolsa de estudos no estrangeiro.
Em França, frequenta a École des Beaux-‐Arts de Paris, e faz estágio no atelier de arquitectura de Paul Blondel e expõe trabalhos seus de arquitectura no Salon. Após cinco anos de permanência em França, regressou a Portugal no ano de 1894, iniciando a sua carreira como arquitecto.
Das suas múlLplas acLvidades com cidadão, destacam-‐se:
A. Arquitecto e professor de arquitectura, da Escola de Belas Artes de Lisboa; B. Membro e Presidente da Sociedade dos Arquitectos Portugueses;C. Funcionário e dirigente do Ministério do Reino e posteriormente do Ministério do Comércio e Comunicações;
D. Adjunto encarregue dos projectos de construções escolares, na Direcção-‐Geral de Instrução Pública (1899);
E. Director do serviço de construções escolares da Direcção-‐Geral do Ministério do Reino (1901-‐1906);
F. Secretário da Comissão de Estudo das Construções nas Regiões Sísmicas (1909);
G. Vogal do Conselho de Arte e Arqueologia (1911); H. Vogal do Conselho Superior de Instrução Pública (1911); I. Secretário da Comissão dos Monumentos Nacionais (1911); J. Chefe de repar4ção da Direcção-‐Geral de Belas-‐Artes do Ministério da Instrução Pública (1926);
L. Director do Serviço de Monumentos Nacionais do Ministério do Comércio e Comunicações (1929-‐1933).
Entre 1917 e 1933, lecciona nos cursos da Escola de Belas-‐Artes de Lisboa, exercendo importante influência sobre toda uma geração de arquitectos. Republicano e membro ac4vo da Maçonaria, desenvolve relevante acção polí4ca, tendo sido presidente interino da Câmara Municipal de Lisboa e senador independente (1918-‐1919).
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10 Cfr. Bibliografia Geral.
E. BIOGRAFIA (do autor)
Enquanto projec4sta recebe encomendas para obras públicas e privadas, ao longo de toda a sua vida. Sendo que, logo em 1894 é premiado com a 2ª medalha na Exposição do Grémio Ar�s4co de Lisboa.
Em 1895, obtém o lugar de arquitecto no Ministério do Reino: Arquitecto de 1ª classe daquele Ministério, em 1906. Ao longo da sua carreira como alto funcionário do Estado e dirigente da Administração Pública, Adães Bermudes exerce diversos cargos ligados ao planeamento e controlo das Obras Públicas.
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Do seu trabalho enquanto arquitecto salienta-‐se a concepção de um Bairro de Casas Económicas – o Bairro do Arco do Cego –, segundo modelo da cidade-‐jardim, em 1897 e em 1898, o 1º prémio no concurso de concepção de uma Tipologia de Edi;cio Escolar. Modelo aplicado a todo o território português, que deveria exceder os 300 exemplares. Na realidade foram construídas apenas 184 escolas (1902-‐1912). A 4pologia é ainda hoje designada Adães Bermudes
Ainda no domínio do Ensino é ainda autor dos projectos da Escola Central Primária de Santa Cruz (Coimbra, 1905-‐1907), do Ins4tuto Superior de Agronomia de Lisboa (Tapada da Ajuda, 1910) e da Escola Normal Primária de Lisboa (Quinta de Marrocos, Benfica, 1913). Elabora as Agências do Banco de Portugal e Estabelecimentos Prisionais em diversas cidades.
Da sua autoria são também os Paços do Concelho da Câmara Municipal de Sintra (1908), bem como o Mausoléu dos Benfeitores da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa, no Cemitério do Alto de São João (Lisboa, 1908).
Nestas obras, Adães Bermudes usou um es4lo arquitectónico que combina traços ‘neo’ manuelinos e revivalistas, num es4lo ecléc4co e variado. Como arquitecto cedo evidencia o apreço pelos historicismos, não deixando de conciliar novas tendências. Assim, ainda em 1908 é construído, com influência Art Noveau, o edi;cio em gaveto na Avenida Dona Amélia (actualmente Avenida Almirante Reis, Lisboa), dis4nguido com o Prémio Valmor.
Em 1914 é membro da equipa que concebe o Monumento ao Marquês de Pombal, na Praça Marquês de Pombal, em Lisboa, inaugurado em 1934.
A seu cargo ficam diversas intervenções de conservação e restauro em monumentos nacionais, entre os quais: No Palácio Nacional de Sintra; No Convento de Mafra; No Palácio de Queluz; Na igreja do Mosteiro dos Jerónimos; No Museu Nacional de Arte An4ga e no Museu Nacional de Belas Artes, de Lisboa.
Principais projectos:
1896. Projecto para as Habitações Económicas em Lisboa, Porto e Covilhã;1897. Bairro de Casas Económicas; 1898. Tipologia de Edi;cio Escolar;
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1905-‐1907. Escola Central Primária de Santa Cruz, Coimbra; 1902. Edi;cio do Banco de Portugal em Bragança;1902. Igreja Paroquial de Espinho, Espinho;1903. Cadeia de Anadia;1905. Matadouro de Sintra, Sintra;1907. Escola Primária de Santa Cruz, Coimbra;1908-‐1909. Paços do Concelho de Sintra, Sintra;1908-‐1909. Cadeia Comarcã, Sintra;1908. Mausoléu dos Benfeitores da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa;1908. Edi;cio na Avenida Almirante Reis, n.º 2 -‐ Prémio Valmor;1909. Palácio do Conde de Agrolongo, Lisboa;1910. Escola Secundária Avelar Brotero, Coimbra;1910. Estação Postal da Anadia, Anadia;1910. Instalações do Ins4tuto Superior de Agronomia (ISA), Tapada da Ajuda, Lisboa;1912. Colónia Penal Agrícola de António Macieira, Sintra. Hoje Estabelecimento
Prisional de Sintra;1912-‐1918. Ampliação do Museu de Belas Artes, Lisboa;1914. Monumento ao Marquês de Pombal, Lisboa;1914-‐191. Escola Normal Primária de Lisboa, na Quinta de Marrocos (Benfica), Lisboa;1915. Hospital da Covilhã, Covilhã;1916. Hospital de Oleiros, Oleiros;1916. Escola Primária Doutor Leitão, Ansião;1916-‐1926. Edi;cio do Banco de Portugal em Faro, Faro;1919. Bairro do Arco do Cego, Lisboa;1932.Escola Primária de Santa Leocádia, Baião;1934. Monumento ao Marquês de Pombal, Lisboa (em colaboração com António de
Couto Abreu e com o escultor Francisco Santos);1935. Edi;cio do Banco de Portugal em Ponta Delgada, Açores;1935. Igreja Paroquial de Espinho.
Prémios atribuídos:
2ª Medalha na Exposição do Grémio Ar�s4co, em 1894;
Medalhas de ouro e prata na Exposição Universal de Paris, em 1900;
Prémio Valmor, em 1909;
18ª medalha da Sociedade Nacional de Belas Artes, em 1911;
Medalhas de honra e ouro na Exposição Internacional do Panamá-‐Pacífico, em 1915.
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«Toda a dinâmica do movimento liberal português encerra um apelo à esperança salvadora da “pátria agonizante”. À crise generalizada do “AnTgo Regime”, respondem os liberais com a “Regeneração”. Sonho catalisador de uma desejada unidade social empenhada na consolidação de um regime monárquico consTtucional. Consumar a liberdade, consolidar a glória nacional, conquistar a felicidade humana e social são valores que a regeneração liberal, herdeira do ideário das Luzes, procurou realizar» (T. RIBEIRO, 1994:14).
O século XIX português é marcado por uma grande instabilidade polí4ca. Após as primeiras décadas de 1800, era facilmente compreensível o atraso que afastava Portugal da Revolução Industrial, nascida em Inglaterra em meados de 1700. Em 1851, com advento do liberalismo, e a queda do regime de Costa Cabral, assis4mos ao designado período da “Regeneração”, cujo personagem destacado é Fontes Pereira de Melo (1819-‐1887).
A “Regeneração” foi caracterizada pelo esforço de desenvolvimento económico e de modernização de Portugal, a que se associaram pesadas medidas fiscais e apresentava como ponto fulcral do seu programa polí4co a renovação do próprio sistema polí4co e a criação das infra-‐estruturas básicas necessária ao desenvolvimento do país. O movimento 4nha como objec4vo central estabelecer de forma defini4va o liberalismo em Portugal e, para tal, adoptou os princípios estabelecidos na Carta Cons4tucional de 1826, introduzindo-‐lhe as necessárias reformas pelo Acto Adicional de 1852.
Procurou-‐se, portanto, durante este período o incremento da modernidade no país, relegando ao passado as Guerras Liberais, não sem sequelas. Da revolução de 1820 resultou um sen4mento enraizado de decadência e alimentou-‐se de um desejo indizível de regeneração. Assim, Portugal entra numa fase de progresso material, com a implementação de infra-‐estruturas viárias, estradas e caminhos-‐de-‐ferro, a criação da rede telegráfica e a modernização da indústria, da agricultura e do comércio, recuperando lentamente do atraso em que se encontrava, tendo ainda de refazer-‐se da recente perda do Brasil. Essa perda, a recessão económica e a incapacidade governamental inviabilizaram mudanças estruturais.
Embora algumas das medidas tomadas digam respeito à criação do ensino industrial e promoção de uma polí4ca de obras públicas, que revitalizariam o tecido económico, a desagregação do “An4go Regime” e a desfeudalização económica e social não se efec4vou rapidamente. O arcaísmo da estrutura social, a debilidade da burguesia, o atraso a nível económico, tecnológico e mental bloquearam o processo de transformação. A estrutura específica da sociedade portuguesa, conjugada às dificuldades conjunturais, determinou, pois, que o liberalismo oscilasse sempre entre propostas de pendor conservador da ordem tradicional e a inadiável necessidade de desenvolver o país. O percurso de Portugal de oitocentos prendeu-‐se sempre à problemá4ca dicotómica – Decadência/Regeneração – em função do mito do Progresso.
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F. CONTEXTO (fórmula de complexidade)
Do ponto de vista social, e paralelamente, após a abolição da escravatura no Brasil, dá-‐se o regresso à Pátria dos negreiros e outros, trazendo consigo fortunas, cons4tuíam um contributo importante para o reforço da economia nacional. Assiste-‐se a um desenvolvimento económico, industrial e demográficos, sen4do sobretudo nos meios urbanos, não obstante a grande agitação polí4ca. Em simultâneo, tornava-‐se, visível a crescente degradação da monarquia, emergindo lutas e facções rivais, o que gerava um descontentamento geral. Por um lado, a ascendente e aspirante burguesia urbana prosperava com o desenvolvimento da indústria e do comércio, procurando o poder e um clima polí4co estável; por outro, o proletariado tomava consciência de classe, organizando-‐se na defesa de melhores condições de vida, onde 4nham especial relevo o trabalho e a habitação.
No ano de 1890, o “Ul4mato inglês” dava, por úl4mo, o abalo à credibilidade monárquica, colocando em cheque o orgulho e a soberania nacional. É neste contexto que surge o Par4do Republicano, cuja primeira manifestação violenta surgirá, precisamente, na sequência do “Ul4mato” – a revolta portuense de 31 de Janeiro de 1891 – levando ao deflagrar de uma crise económica e à suspensão de inicia4vas.
Neste seguimento, em 1908, a contestação à monarquia e ao seu governo radicaliza-‐se, culminando na revolução de 5 de Outubro de 1910, que conduzirá à implantação da República. Nela, na República, projectara o povo, a resolução dos seus problemas e o avanço do país.
Pode-‐se então dizer que, o clima de instabilidade, acabou por ser, independentemente dos mo4vos, uma constante que atravessou o século XIX e que perdurou, atravessando toda a I República, a ditadura militar de 1917 de Sidónio Pais, só terminando em 1932, com a polí4ca do Estado Novo.
«As interferências, os mimeTsmos e as resistências entrecruzam-‐se no interior da evolução do fenómeno cultural. É que a dimensão nacional não é, por si só, culturalmente abrangente ou globalizante. A fidelidade aos nacionalismos culturais não exclui a emergência de um desejável cosmopoliTsmo. Assimilação e resistência, reacção e fascínio dos meios intelectuais e populares são comportamentos da História da Cultura» (T. RIBEIRO, 1994: 16).
Para levar a transformação a todo o país, tornou-‐se cada vez mais necessário, não só recursos financeiros e planos polí4cos adequados, como um desenvolvimento industrial e tecnológico. Procuraram-‐se processos constru4vos de execução mais rápida e eficaz, nas respostas às novas solicitações programá4cas. A Modernidade exigia, de forma pragmá4ca, novas polí4cas e consensos entre públicos e privados; novos 4pos arquitectónicos, aplicados e adequados a novas funcionalidades (com o nascimento das Ins4tuições da Modernidade); e novas materialidades, que
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G. ARQUITECTURA (problemáTcas de modernidade)
permi4ssem avançar a engrenagem do progresso. Porém, a estruturação de uma sociedade liberal exigia, para lá da nova regulação jurídica da ac4vidade polí4ca e da ac4vidade económica, a formação do cidadão.
Construir a “civilização” liberal supunha a criação de novas prá4cas sociais, materiais e simbólicas, de novos quadros de valores, de novas formas de sociabilização. A estruturação de uma nova cultura inquietava os liberais e preocupava os intelectuais portugueses. Inquietude que alentava a incessante busca da iden4dade nacional.
Do ponto de vista da Arquitectura e da construção, o facto dos edificados passarem a obedecer a novos requisitos de discurso e de função, adoptando cada vez mais os materiais em voga: o ferro, o vidro e o cimento armado, levam também, de forma gradual, mas evidente, à reformulação do entendimento de Projecto e irá acicatar relações entre Arquitectos e Engenheiros.
Na verdade, os novos espaços das ac4vidades modernas necessitavam de grandes vãos. Vencer estas distâncias, suportando a cobertura de vastos espaços ou resis4ndo a grandes cargas com um número reduzido de apoios, implicava o uso de um material resistente a esforços de tracção. É assim que, a par4r de meados de 1800, se assiste à crescente aplicação do ferro nas estruturas de novas construções, sobretudo naquelas em que o carácter u4litário é dominante. Assim se, por um lado, a complexidades crescentes das estruturas tornavam o cálculo necessário levando à separação ní4da entre os campos da engenharia e da arquitectura e à sua clivagem, também a complexidade da vida moderna obriga a uma redefinição, no caso dos Arquitectos, de escala, de programa e de uso.
O arquitecto, vocacionado à resolução desses novos programas, embrenha-‐se na busca da linguagem que melhor os sirva – afirmando-‐se como ar4sta – e buscando no passado as referências e valores, entendidos como perenes da arquitectura, na falta de “uma esté4ca que resultasse dos novos materiais e das novas tecnologias”. A falta de um ensino e inves4gação constantemente ‘em contacto’ com o exterior, a dificuldade de ruptura com o passado e uma curta noção corpora4va da classe ajuda ao facto de, muitos edi;cios reflec4ram a dicotomia entre Arquitecto, de linguagem Beaux-‐ar4ana, e o pragma4smo dos Engenheiros. Uns exibindo partes funcionais sem grandes preocupações esté4cas, e uma outra, retórica e simbólica, construída com materiais tradicionais e u4lizando linguagens que reu4lizavam os es4los históricos de forma ecléc4ca, com recurso à decoração.
Aos poucos, o contributo dos novos materiais será assimilado, o papel da estrutura de suporte ;sico ganhará lugar como elemento ac4vo da composição, tornando-‐se cada vez mais coincidente a estrutura de suporte ;sico e a estrutura de suporte da ar4culação formal.
Porém, em Portugal, o atraso anteriormente manifesto nas diferentes etapas do seu desenvolvimento, irá também revelar-‐se neste domínio. As hesitações, ensaios e experiências avulsas, em busca de uma linguagem moderna própria irão atravessar o século XIX e persis4r até aos anos 20 do século XX, de forma concomitante.
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A “moda das arquitecturas ‘neo’” – historicismos e revivalismos – é rela4vamente tardio no nosso país, face à restante Europa. Assim, em inícios do século XX, a sua presença ainda é muito evidente. Diz Adães Bermudes, em 1904: «Os mil recursos que as indústrias e os novos elementos oferecem aos arquitectos estrangeiros são letra morta para nós (…), limitados quase à pedra de lancil e perpianho, à tábua de três fios, ao 4jolo barro e à barrinha de meia polegada». Seis anos depois ainda «(...) poucos técnicos experimentavam relutância pelo processo (do cimento armado)», segundo uma revista da especialidade (FRANÇA, 1990:132).
IdenLficam-‐se alguns dos moLvos para que esse historicismo tardio perdure em território português
A. De natureza polí4ca: os discursos ar�s4cos revivalistas ancorados no passado e de teor nacionalista.
As arquitecturas neomedievais construídas em Portugal alicerçaram-‐se na ideia românTca do ressurgimento nacional, a parTr de 1840, que se prolongam até ao 1º quartel do século XX. Fundamentam-‐se em correntes ideológicas específicas, conducentes a um problema de individualismo nacional -‐ que confluíram na 'casa portuguesa' (programa de dúbio) e que, longe da mera cópia, funcionaram como produto que evidenciava, através da gramáTca 'moderna', uma representação de realidade adaptada.
B. Encomendas públicas e privadas que preferem a “imagem do passado” como fonte de afirmação pessoal e simbólica.
O neomanuelino encontraria contudo, algumas limitações ao seu uso: por um lado, apesar de ligado aos descobrimentos, poderia ser conotado com a época de decadência que imediatamente se seguiu; por outro, não servia todos os programas, sendo, sobretudo, aplicado a monumentos religiosos e militares.
C. A ausência de uma cultura arqueológica e de história da arquitectura, tanto ao nível do ensino quanto da inves4gação. E a ausência de um movimento de «restauro»/«conservação» forte.
«Desde os anos 80 do século XIX, que Portugal procurava classificar os seus monumentos, mas na passagem do século ainda não era assunto resolvido. «Em 80, (…) Rangel de Lima e Alfredo de Andrade, que, como restaurador de monumentos históricos, (…) elaboraram um relatório dirigido ao inspector da Academia de Belas-‐Artes, pedindo que se adverTssem os possuidores parTculares de monumentos para que cuidassem deles e os não desfigurassem com restauros abusivos» (FRANÇA, 1990: 74). Era recorrente a má inventariação de monumentos, a par de uma ineficácia oficial resultado de «um ponto de vista ao mesmo tempo tecnocráTco e empírico» (FRANÇA, 1990: 75). A prova disso vamos encontrá-‐la, nas emblemáTcas obras dos Jerónimos, mas também patente na Sé de Lisboa e em tantos outros monumentos românTcos que passavam a merecer nova atenção da parte dos estudiosos. «O movimento historiográfico, que, animado por Joaquim Vasconcelos, naturalmente acompanhou este processo, garanTu o significado cultural da nova situação (…)» (FRANÇA, 1990: 174).
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Porém, propõe-‐se salvaguardar a ideia de que, os arquitectos deste período não estavam restringidos à u4lização de uma gramá4ca inspirada apenas no passado e na maior parte dos casos limitaram-‐se a assinar, dentro desse ‘gosto’, um ou dois projectos.
Deveria portanto, em simultâneo, a alguma crí4ca à esté4ca e decoração dos edificados juntar-‐se a valorizam-‐se de alguns aspectos desta arquitectura de transição: a racionalidade das plantas e cortes (em detrimento dos alçados); a eficácia e a u4lidade de algumas soluções formais e do uso dos materiais, que já se encontravam presentes como critérios de aferição da qualidade arquitectónica.
Embora per4nente, esta problemá4ca em torno da arquitectura historicista colocou sistema4camente o enfoque nas questões do es4lo; de qualificação e apreciação da arquitectura, ‘como imagem’ e não do objecto.
Ainda assim, nunca antes do século XIX, a arquitectura se pode expandir enquanto disciplina de programa complexo. A vida contemporânea obrigou a pensar o Espaço, a Forma e a Função das infra-‐estruturas, que associadas a um discurso polí4co e a uma prá4ca social permitem, efec4vamente, o quo4diano numa realidade moderna. Nasce a reflexão sobre a Tipologia Arquitectónica (ideário/projecto/materialidade) e o nascimento das novas Ins4tuições Modernas: da escola, do hospital, do museu, da biblioteca ou da prisão.
A incompreensão deste problema, específico à disciplina e novo em Portugal, dificilmente permi4ria ir além de soluções empíricas – ou fora de um contexto de praxis tradicional. A expansão e libertação da disciplina será gradual. No panorama português, temos em 1900, a discussão e projectos em torno Programas Habitacionais e a Tipologia Escolar (Adães Bermudes). Soluções que surgiam, na tenta4va de minimizar, do ponto de vista social, as desigualdades, mas não sem aproveitamento polí4co para a caracterização nacional, e da sua iden4dade.
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ENQUADRAMENTO LEGAL
«Vão de longe, na velha legislação portuguesa, disposições de vária ordem contra a vagabundagem do crime, ou simplesmente ociosa (…).
O Código Penal de 1886, que nesta parte copiava o de 1852 e posteriormente, a lei de 3 de Abril de 1896 e o decreto de 23 de Março de 1899 fixavam as condições em que determinados indivíduos deveriam ser classificados como vadios e aquelas em que outros lhes deveriam ser equiparados para o efeito de, uns e outros, serem postos à disposição do Governo, o qual lhes daria trabalho pelo tempo e em locais que lhe parecessem convenientes, ou poderia deportar para as possessões ultramarinas.
Na lei de 3 de Abril de 1896, aparece já porém, a referência, no seu Art.º 7º, de que o trabalho a que o Governo poderia compelir os delinquentes que a jusTça pusesse à sua disposição, seria feito em algum estabelecimento público adequado, quando o houvesse, sem, aliás, definir qual ele havia de ser. Tudo o que estava legislado Tnha, pois, deficiências a que era preciso pôr termo, dando novo rumo às possibilidades criadoras de trabalho de vadios e reincidentes e fixando as modalidades dos estabelecimentos apropriados, aos quais vagamente a lei de Abril de 1896 se referia e pelos quais se procurasse, tanto quanto possível, transformar o trabalho dos presos, acompanhado de meios de disciplina e de educação especiais, em instrumento de uTlidade e de produção, ao mesmo tempo que da sua melhoria 8sica e moral»11.
O Decreto-‐lei nº 26.643, de 28 Maio 193612, refere-‐se à Organização Prisional e fixa, no interior do Sistema Prisional Português, a definição de Cadeia Comarcã e as bases para a concepção do seu correspondente edificado. Des4nada ao cumprimento da pena de prisão até 3 meses, na qual se actua por in4midação, para prevenção geral e "sa4sfação do sen4mento de jus4ça", com isolamento celular con�nuo. Salvo para os presos com boa conduta ao fim de 1 mês, aos quais é permi4do o trabalho em comum. E de prisão preven4va ou "detenção", à ordem da autoridade administra4va ou policial e aguardando julgamento, com isolamento con�nuo nos primeiros 30 dias, e sempre com isolamento nocturno.
A construção de edi;cios próprios para as Cadeias Comarcãs foi jus4ficada por ser considerado inú4l e caro o transporte dos presos às Cadeias Centrais e injusto e inú4l o afastamento dos de4dos do local de residência e julgamento – prevê duas secções
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Conf. SANTOS, Eurico Pereira dos, Separata do 2º Volume do BoleTm da Administração Penitenciária e dos InsTtutos de Criminologia: “Apontamentos sobre a Colónia Penal de Sintra” (s.d.).12 Conf. Inventário do Património Arquitectónico. Ficha IPA 031111110106. Ver Bibliografia.
H. PROJECTO (premissas de um tempo)
absolutamente dis4ntas, para adultos de ambos os sexos, sem qualquer possibilidade de comunicação (mesmo visual).
A sua capacidade não deve exceder a média dos presos preven4vos e condenados até 3 meses dos 5 anos anteriores, acrescida de 1/3, -‐ e deve, "sobretudo nas terras de provável desenvolvimento", suportar ampliação12.
A localização ideal será junto ou no mesmo edi;cio do tribunal – por de tratarem de Cadeias Preven4vas – ou em lugar isolado, "devendo igualmente o exterior ser construído de maneira a não aparentar o aspecto de prisão".
A aquisição de terrenos e a construção, reparação, conservação e instalação de Cadeias Comarcãs ficam a cargo dos respec4vos municípios, podendo ser-‐lhes concedidos subsídios pelo Estado, para tal fim. Todavia, não pode ser feito senão conforme o plano a estabelecer pela Comissão das Construções Prisionais, que funciona junto do MOP (decreto-‐lei nº 26.643). Cons4tuem uma Cadeia Comarcã, além das celas individuais e disciplinares, a secretaria, o parlatório e o gabinete de magistrados, a habitação do carcereiro e, em cada secção de homens e mulheres, as casas de trabalho – que podem ser recurso para alojamento de de4dos ou de condenados, em caso de necessidade, ou u4lizadas como capela – as instalações sanitárias e os espaços para recreio e exercícios, cobertos e descobertos. A direcção é exercida pelo Magistrado do Ministério Público, sendo o serviço quo4diano assegurado pelo carcereiro.
A alimentação é fornecida por en4dades externas, privadas ou públicas.
O serviço de saúde fica a cargo do médico municipal.
O serviço de assistência é entregue ao pároco da freguesia e a grupos locais de visitadores.
*
O Decreto-‐lei nº 49.040, de 4 de Junho de 196913 considera, por seu turno, o elevado custo dos novos edi;cios de Cadeias Comarcãs. Pondera o número de instalações ainda em falta para completar a Rede Nacional e a dificuldade da gestão par4lhada entre Ministério da Jus4ça e Câmaras Municipais.
Refere ainda o insuficiente pessoal de vigilância; a deficiente economia do serviço e a redução na população prisional (com algumas cadeias vazias). Neste sen4do, define os princípios orientadores da transformação gradual de alguns edi;cios de Cadeias Comarcãs de construção recente, em Estabelecimentos Prisionais Regionais, englobando o serviço de várias comarcas e julgados municipais.
Cada Estabelecimento, deste novo 4po, des4nava-‐se ao cumprimento de prisão preven4va e/ou penas curtas (até 6 meses), por um mínimo de 25 reclusos, permi4ndo
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13 Conf. Inventário do Património Arquitectónico. Ficha IPA 031111110106. Ver Bibliografia.
limitar a necessidade de novos edi;cios e pessoal de vigilância e potenciando uma observação dos reclusos, tendente à melhor individualização da reacção penal.
Os condenados e simples de4dos são instalados em secções dis4ntas, caso o Estabelecimento sirva os 2 fins, bem como os menores de 21 anos. Nas Comarcas desprovidas de Estabelecimento Prisional, prevê-‐se a criação ou adaptação de postos de detenção. Para estudar o agrupamento das comarcas e julgados municipais a servir por Estabelecimentos Prisionais Regionais, é criada uma comissão, a nomear pelos ministros da Jus4ça e das Obras Públicas, aos quais cabe ainda a aprovação do plano de construções das Cadeias Regionais. A construção e a adaptação de novas Cadeias Comarcãs no con4nente (excepto as de Lisboa, Porto e Coimbra) são suspensas durante a elaboração do estudo, sendo a realização dos novos estabelecimentos prisionais regionais confiada à Comissão das Construções Prisionais. A ex4nção efec4va de cada Cadeia Comarcã e Julgado Municipal, dependente das conclusões do estudo, será progressiva, por portarias a publicar especificamente para cada caso.
A punição14, enquanto método e meio de coerção e elemento fundamental cons4tuinte da organização social é parte da evolução histórica recente. A criação das leis penais que a regulam, a sua efec4vação como prá4ca – repressiva e disciplinar – bem como, o nascimento das ins4tuições carcerárias e correccionais surge em meados do final do século XVIII, quando a pena de prisão se começou a assumir como relevante na reabilitação dos condenados. Até lá, as formas de cas4go e a sua aplicação obedeciam a valores de outra ordem, patentes no suplício do corpo e deste modo, o cumprimento de uma pena por parte de um delinquente, não obedecia à regulação de uma Ins4tuição, nem obrigava ao mesmo 4po de acomodações.
Para a transformação desta ordem de prá4cas e valores, foi necessária a par4cipação de arquitectos e teóricos juristas para a concepção de edi;cios que respondessem às novas doutrinas criminais. Tanto o programa do edi;cio, como o modelo definidor da sua espacialidade é criação integral da modernidade e cons4tui-‐se uma das Ins4tuições mais representa4vas.
Com a divulgação e consolidação do racionalismo filosófico inerente ao Iluminismo, começaram a tomar corpo e a desenvolver-‐se, do ponto de vista urbano, edi;cios representa4vos da unificação e codificação norma4va, fortalecido no contexto de uma sociedade burguesa. O crescimento do conceito de edi;cio público, associado à ideia de progresso fizeram surgir e definir arquitecturas 4po.
Adequações específicas às funções e seus propósitos
Estas construções encerravam um programa cada vez mais complexo e específico, que, a par4r de determinado momento, se consubstanciou numa repe4ção, tanto devido, ao nascimento de um modelo – que encerra em si, todas as necessidades – como devido ao facto do consenso entre: polí4cos, higienistas, criminalistas, pedagogos e museólogos, durante o século XIX, limitarem as soluções.
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14 Conf. Foucault.
Algumas destas questões estão expressas já em 1791, no PanopLcom, de Bentham. Nele surgem, desde logo, enunciadas as possibilidade – que criaram um paradigma – de aplicar no mesmo edi;cio, e através da sua materialidade/espacialidade, forma e discurso. Tudo “através de uma simples ideia de arquitectura”. Esta utopia levaria a uma reforma completa, que se pensava capaz de assegurar aos presos a regeneração e uma conduta correcta, não descurando a saúde, higiene, disciplina e trabalho.
Centralizado e em unicidade entre forma e discurso, o plano panóp4co possibilitava efec4vo controlo, com máxima economia de meios. Como disposi4vo permi4a uma vigilância global do complexo a par4r desse ponto – torre com persianas –, de onde um só guarda, sem ser visto e sem u4lizar qualquer meio repressivo/coercivo ;sico tradicional, podia controlar a totalidade do edi;cio e dos seus ocupantes.
Com este modelo, a punição sustentava-‐se sobre a ideia de vigilância – transparente – e obstava a qualquer tenta4va de evasão, dispensando qualquer contacto ;sico. Além do mais, a assunção de uma vigilância constante pelos reclusos, desobrigava à permanência ;sica constante do controlador.
Do ponto de vista dos edificados concretos, o modelo panóp4co quase nunca foi aplicado integralmente. Deles encontramos testemunhos em todo o mundo ocidental.
Como seria de esperar, as dúvidas e hesitações funcionais/esté4cas deste seu tempo ocorrem também na arquitectura prisional. Ocorre muitas vezes em projecto, os edi;cios terem uma “imagem maciça”, “esmagadora” e imponente. Essa imagem de poder auxilia-‐se recorrentemente na ideia histórica da fortaleza como segurança e neste sen4do não causa estranheza, que se reproduzam materialmente objectos que nos ‘cer4ficam’ desse sen4mento. Os historicismos parecem pois assegurar a ideia de es4lo, de função (segurança) e de representação do poder.
Neste enquadramento, o Estabelecimento Prisional Sintrense, projectado nos primeiros anos de Novecentos, encontra-‐se ainda filiado no modelo panóp4co -‐ já então, a nível internacional, desfasado e subs4tuído, pelo modelo da 'Colónia Penal Agrícola' (com os seus pavilhões paralelos unidos através de passagens).
Dentro deste novo entendimento, o conceito de prisão veio dar lugar ao de colónia e tanto o edi;cio como a noção se mostraram es4mulantes. Adães Bermudes, Arquitecto da Cadeia Comarcã de Sintra, projecto de 1905, seria o mesmo que, em 1903, havia desenhado em Anadia, um estabelecimento prisional obedecendo aos mesmo princípios e volumetria.
Estes estabelecimentos prisionais projectados por Adães Bermudes influenciarão, num primeiro momento o Modelo nacional de Cadeia Comarcã (exemplo disso, a Cadeia Comarcã de Vila do Conde de autor desconhecido). E caber-‐lhe-‐á também a ele enquanto projec4sta, em 1912, colaboração para a Colónia Penal de António Macieira, Sintra, actualmente Estabelecimento Prisional de Sintra.
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PROJECTOS QUE ANTECEDEM A CADEIA COMARCÃ
Em Setembro de 1894, a Câmara reuniu15 o Conselho dos Quarenta Maiores Contribuintes de Sintra para solicitar a necessária autorização para se contrair um emprés4mo bancário. Des4nava-‐se à execução de um plano de melhoramentos na Vila. A população havia aumentado e as suas necessidades também.
Os edi;cios que serviam de suporte às repar4ções públicas -‐ na maior parte dos casos adaptações degradadas -‐ careciam de reforma. Assim, o Visconde da Idanha então a presidir à edilidade, propôs encomendar ao engenheiro Artur Alberto Falcão Rodrigues os projectos do novo edi;cio dos Paços do Concelho, da Cadeia Civil e do Matadouro Municipal.
O primeiro albergaria, simultaneamente, todos os departamentos Públicos do Concelho e da comarca e subs4tuiria, com vantagem, as deterioradas instalações camarárias, que funcionavam no actual (2010) Museu do Brinquedo.
Nesse mesmo discurso reforçou a importância da construção dessa nova Cadeia Civil, expondo o duplo problema de instalações e localização das mesmas. «Sobre o edi;cio que actualmente serve de cadeia civil há pouco a dizer. Localiza-‐se no ponto central da vila e ninguém a desconhece. Reúne péssimas condições higiénicas e tem pouca capacidade, e como se isso não bastasse, é suficiente o local impróprio onde o recluso se encontra, de onde é forçoso removê-‐lo. Há cenas indecorosas das grades para o exterior, a que os que ali passam assistem. A capacidade é de quinze vinte pessoas e leva o dobro e aglomeram-‐se nos mesmos compar4mentos reclusos com crimes di ferentes (e mesmo cr ianças) , sendo impossível qualquer 4po de regeneração» (MONTOITO, 1996: 14). Era considerado então impossível tornar salubre a instalação da An4ga Cadeia Sintra, actual edi;cio dos CTT (1907), onde eram acomodadas indivíduos em excesso, por mo4vos dis4ntos, que em conjunto se degradavam.
A An4ga Cadeia da Vila ficava no centro e no ‘coração circulatório’ da vila velha, em frente ao mercado e anexa à Torre do Relógio. O seu ambiente era descrito assim, na Revista Occidente 16: «Na Praça, por defronte das lojas vazias e silenciosas, cães vadios dormiam ao sol: através das grades da cadeia, os presos pediam esmola (…)». Os presos implicavam com os transeuntes na via pública, pedinchavam e insultavam, tudo num ambiente promíscuo e insalubre. Este edificado acanhado para as Modernas funções não dis4nguia sexos, idades ou mo4vo de detenção. A todos colocava conjuntamente, excedendo a sua capacidade. Embora servisse como lugar de detenção, o exercício penal não se exercia na forma de disciplina, com o rigor do trabalho, dos horários e da normalização. Era pois, ‘algo’ temporário, que afectava sobretudo os pobres e os indigentes e que, por esse facto ser muitas vezes um problema de ordem social e não criminal os levaria de novo, mais tarde, àquele lugar. Face à moral e à é4ca do século XIX a esta concupiscência e promiscuidade devia ser
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15 Conf. [AHS. Livro de actas da Câmara Municipal, nº 16, [893.04.19-‐1896.04.08, p. 99-‐102 v.]16 Ver Occidente, Ano 30º, Vol. XXX, nº1024, 10 de Junho de 1907, p.128.
posto cobro, orientada no sen4do de regenerar os indivíduos dos vícios que ali os levaram.
A proposta para o novo imóvel consis4a em construir-‐se em terreno pertencente ao Conde de Valenças. Com projectos já elaborados, calculados em quarenta contos de réis, sem excessos ou luxo, face à escassez de recursos, embora com dignidade. Ficava definido que o edi;cio da Cadeia seria anexo aos Paços do Concelho. Nem todos os membros da assembleia concordaram com a proposta, pelo que esta apenas foi aprovada por maioria, segundo Livro de Actas da Câmara Municipal. Devido a forte contestação, aqueles que presidiam aos trabalhos da Câmara viram-‐se afastados desse cargo e, por esse mo4vo, a proposta não se viabilizou, mas tornou-‐se recorrente. Surgiu de novo no ano de 1898, sendo apontado um outro local, mais afastado do centro da vila.
O PROJECTO DE ADÃES BERMUDES
Na sessão de 25 de Novembro de 1903, o Dr. Vergílio Horta, como presidente da câmara, retoma as negociações para a execução do plano respeitante às três construções. A construção da Cadeia Comarcã e dos Paços do Concelho mostravam-‐se, cada vez mais, parte integrante e necessária ao progresso geral de Sintra, ao nível dos edi;cios públicos, embora a escassez de recursos. Ainda nessa reunião, o presidente informou a existência de projectos para os três edi;cios e o respec4vo orçamento para as obras: trinta e um contos de réis.
O processo de adjudicação da obra a Adães Bermudes não é absolutamente claro. Por um lado, a entrega dos projectos só se efectua a 15 de Março de 1905, quando lhe foi solicitado, através de o;cio, a entrega dos respec4vos projectos. Por outro, logo em 1903, saber-‐se o valor da obra. E ainda, a inexistência de qualquer concurso público para o apuramento do projecto.
Ainda assim, o processo avançou. A 21 de Novembro de 1906, a empreitada para a construção dos Paços do Concelho e Cadeia Civil foi entregue ao único concorrente, Liberato Tolen4no da Costa. Embora sem qualquer registo camarário verifica-‐se que, a 15 de Maio de 1907, as responsabilidades da empreitada recaem sobre João da Silva Pascoal, que acabará por concluir as obras. O contracto rela4vo à Cadeia Civil orçava oito contos cento e seis mil réis.
Para a construção dos edi;cios procurou-‐se um lugar acessível, de modo à vila ‘se poder espraiar’ e crescer, adoptando novas infra-‐estruturas. Todavia, a escolha do local não foi pacífica. Enquanto uns pretendiam a Quinta do Conde de Valenças, outros preferiam os terrenos em S. Sebas4ão, entre a Vila Velha e a Estefânia, paredes meias com o parque do palacete Palmela. O local escolhido acabaria por ser o velho cemitério de São Sebas4ão, onde se procederam a trabalhos de terraplanagem, dificultados pela necessidade de se transladarem as campas e jazigos para o cemitério de São Marçal.
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6.. Alçado principal visível à cota da rua7 e 8. Alçado lateral oeste. Sobreposição de elementos9 e 10. Cobertura e corpo rectangular. Cobertura e corpo hexagonal
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Com a chegada dos caminhos-‐de-‐ferro Lisboa-‐Sintra, Sintra sofre importantes transformações no seu tecido urbano, sobretudo na impossibilidade de a própria vila vir a ganhar mais terreno à Serra. Tal conduziu à edificação de um novo bairro, rela4vamente afastado e denominado de Estefânia – em homenagem à princesa Estefânia de Hohenzollern, mulher de D. Pedro V. Desta feita, a vila nova moderniza-‐se, acompanhando os tempos, as suas necessidades, e possibilidades das “zonas baixas”. Mas também, consegue manter a sua integridade intacta, à imagem de um “centro histórico”. No início do século XX, assis4u-‐se assim, à deslocação do centro económico-‐social e civil, do centro da vila velha, mais acima, para a gradual planície da vila nova –, e com isso a transferência das principais en4dades administra4vas.
A inauguração oficial dos edi;cios deu-‐se a 13 de Junho de 1909, nas Festas da Chegada da Primavera. Deste acontecimento quase não há registos sendo que, até as actas camarárias omitem o facto. Nesse seguimento, Adães Bermudes foi convocado a deslocar-‐se a Sintra, a fim de avalizar os trabalhos.
Para a edificação dos Paços do Concelho e Cadeia Civil, a Câmara acabaria por contrair avultado emprés4mo, e face às con4ngências orçamentais, Adães Bermudes teve de submeter-‐se a essa exiguidade, bem como à prévia escolha do terreno. Estas limitações fizeram sen4r-‐se em obra, com a alteração de materiais.
O LUGAR
Ao longo das diferentes épocas históricas, um dos factores mais interessantes de Sintra é a sua fidelidade aos valores de eclec4smo naturalista. Sucessivamente o território foi modelado sob a mesma insígnia, criando e recriando o seu significado, representação idílica de um paraíso terrestre, que se projecta – através da mís4ca – no produto e na produção do lugar.
O projecto da Cadeia Comarcã de Sintra, edi;cio anexo aos Paços do Concelho teve a sua implantação num local desnivelado e ermo – onde uma pequena e degradada Capela Manuelina devota a São Sebas4ão e com o cemitério desac4vado exis4ram.
Do ponto de vista do lugar, este convoca intencionalmente a memória ao colocar os Paços do Concelho na direcção do Paço Real. Da mesma forma, a Cadeia Comarcã “brota” na sombra e no sopé Castelo.
Ao elaborar o edi;cio Adães Bermudes, confrontado com parcos recursos financeiros, com irregularidades do terreno, e condicionantes 4pológicas conseguiu uma solução para o problema, com recurso à esté4ca român4ca e manuelina e a uma ambiência cenográfica inserida na paisagem natural e arquitectónica de Sintra.
Certamente que o arquitecto conhecia modelos que lhe permi4ram par4r para aquela solução, sendo capaz de apresentar uma proposta coerente dentro do panorama arquitectónico prisional português.
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14 e 15. A Cadeia Comarcã vista do exterior. Edi8cio e muro com guarita
11, 12 e 13. Limites murados do terreno
Tipo “fortaleza” usa dessa imagem ancestral de segurança e robustez perene, conciliada a uma modesta al4vez e escala exígua. Embora o “aligeirado sumptuoso” das formas decora4vas pensa-‐se que as razões da escolha do manuelino, em 1905, devem já procurar-‐se fora do contexto român4co. Relacionava-‐se mais com a dignidade que o colégio idílico procurou incu4r ao imóvel e com a sua plena inserção dentro do contexto arquitectónico vigente na vila.
Tratava-‐se de um edi;cio público e, certamente, nada mais apropriado à consciência patrió4ca de uma câmara, do que a u4lização do es4lo evoca4vo dos tempos heróicos das descobertas ou o desejo de reac4var alguns aspectos simbólicos ou técnicos, considerados como válidos. E através desta “imagem” obedece à premissa de que as prisões não deveriam aparentar sê-‐lo. Tem pois, uma imagem de “estranheza” e convoca-‐nos no sen4do de um olhar de expressão original.
Embora esta explicação, é facto que Adães Bermudes foi dos arquitectos que maior número de medievalismos desenhou e viu concre4zados. Ainda assim, a sua escolha como projec4sta não se prendeu tanto à “imagem” das suas obras – enquanto es4lo – mas antes à sua capacidade de adaptação enquanto arquitecto, ao seu interesse por 4pologias modernas, ao conhecimento da legislação que soube interpretar e às suas soluções arquitectónicas com acordo entre o “novo” e o “velho”, na justa medida daqueles que encomendavam.
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16 e 17. Composição de partes do alçado do
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O encerramento da Cadeia Comarcã dá-‐se em 1969, ao abrigo do Decreto-‐Lei n.º 49.040, de 4 de Junho17. Desde aí, tem transitado entre funções sem qualquer adaptação à sua estrutura e tem vindo a ser paula4namente alterado e danificado. Necessita de um estudo de reabilitação e obras de fundo, que permitam a salvaguarda deste património emblemá4co das Ins4tuições da Modernidade e de como elas evoluíram no tempo. Ao mesmo tempo, salienta-‐se a necessidade desse estudo e preservação ocorrer de forma dis4nta aquela que, por duas vezes foi tentada, em 1979 e 1990. Na verdade, é com enorme regozijo que o projecto do Arquitecto Henrique Chicó e Rui Duarte não foi avante. A proposta consis4a, na manutenção da fachada principal do edi;cio, sendo o seu corpo demolido/ampliado por um plano vidrado (arquitectura pós-‐moderna, anos 80), para albergar os serviços municipalizados (SMAS). Neste contexto, parecemos manter a tendência intrincada, do século XIX, de votar ao esquecimento os monumentos sem classificação e pior, privando-‐nos da sua u4lização.
A OBRA E A EXPERIÊNCIA DO ESPAÇO
Na Cadeia Comarcã de Sintra, Adães Bermudes conseguiu conciliar o equilíbrio da obra com a função carcerária. Nas suas dimensões, o estabelecimento é considerado “muito pequeno” face aos da actualidade. Ainda assim, face ao tempo – isto é, uma prisão projectada no período da monarquia e u4lizada durante a República e Estado Novo – deverá ter as dimensões ditas aconselhadas, pois foi modelo “exportado” para todo o país.
Representava um salto qualita4vo muito expressivo face às condições precedentes, autonomizando as funções e conferindo-‐lhes dignidade. Neste sen4do, a ideia de escala parece diluir-‐se.
Conseguia obedecer a uma certa ideia “hermé4ca”, de isolar o recluso, sem para isso erguer grandes muros ou limitar a existência de vãos. E neste sen4do, essa mesma escala é perfeitamente humanizada e rigorosa. A decoração da arquitectura, com as torrelas, guaritas, ameias e merlões e a janela manuelina tentam, à luz do tempo, é vista como uma forma de colocar o edi;cio em comunicação com a restante vila. De o tornar visível, reconhecível, mas não “bruto”. Constrói uma imagem de “fortaleza empá4ca”. E de algum modo sui generis.
Assim, dispôs “dez” celas (por piso) em torno de um pá4o central hexagonal coberto (como um zimbório), com grande dignidade cenográfica, onde os presos se reuniam para trabalhar durante o dia. A ele, sobrepôs um outro andar simétrico, ao plano térreo. Esta planta hexagonal já havia sido u4lizada, pelo menos em França, embora num contexto mais grandioso.
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17 Já apresentado neste trabalho, no capítulo precedente.
I. OBRA (o objecto)
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18 e 19. Composição em arTculação. Entrada para o edi8cio e seus pormenores; Área de acolhimento anexa, a sua distribuição e pormenores.
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Procurou respeitar as necessárias medidas higienistas e de salubridade, dotando o espaço de luz natural e ven4lação (janelas e pés direitos elevados) em todos os compar4mentos. U4lizou (tendencialmente) materiais resistentes ao fogo – exceptuam-‐se as madeiras dos pavimentos e vãos, embora as limitações de materiais à época. Acomodou também as celas individuais providas de sanita e chuveiro que funcionavam à noite. As celas do rés-‐do-‐chão des4navam-‐se aos homens, enquanto as mulheres ocupavam, no segundo piso, as celas correspondentes. No que respeita especificamente ao programa prisional, o arquitecto salvaguardou o projecto através de um jogo arquitectónico adequado, de modo a facilitar o cumprimento das normas disciplinares e de segurança – embora com lacunas evidentes, face à actualidade, a construção obedece aos princípios gerais necessários. Localiza-‐se em sí4o sobrelevado. Apresenta acesso único pelo alçado frontal – inviabilizando a evasão. As portas de segurança abrem em sen4do contrário à fuga.
Os vãos na área prisional são pequenos, a alvenaria densa e com gradeamentos em todos os locais necessários. As áreas estão claramente demarcadas e não apresentam grandes situações de conflito, embora a área de circulação não permita grande segurança.
Algumas coisas podemos supor da vivência deste ambiente:
1. Ao contrário de tantos outros sí4os, os odores deviam ser rela4vamente limitados.2. A presença de entre 20 e 50 pessoas nas instalações deveria causar enorme ruído.3. A falta de separação entre áreas de permanência e circulação deveria causar perturbações de fluxo e de segurança.4. Embora as melhorias e seguimento das normas, a prisão não 4nha áreas suficientemente específicas.5. Não exis4a pá4o/recreio dis4nto da área de trabalho.6. Do mesmo modo não existe uma zona específica de refeitório ou des4nada à alimentação (sabemos que esta vinha de fora).
Há alguma dificuldade em compreender:
1. Como se efectuava a limpeza dos recintos.2. Como se estabelecia a ocupação feminina no primeiro piso. 3. Como é que era garan4do o isolamento e impedimento visual.4. Como e onde eram efectuados os ‘cas4gos’.5. Como eram efectuadas e distribuídas as tarefas da prisão.6. Como era feita a gestão dos reclusos entre guardas/carcereiro e a proporção de uns para os outros.
A história do edifico, é pois mais do que a narra4va que as suas paredes escondem.
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MEMÓRIA DESCRITIVA
Objecto de composição geométrica rigorosa, simétrico num dos seus eixos, apresenta alternância de al4metrias. No plano horizontal, de nível, encontramos dois corpos paralelepipédicos paralelos (1 e 2), um principal maior e outro de transição e ligação com um corpo ‘hexagonal composto’ (ver desenho 34-‐36).
Encontra-‐se no recorte da Serra, em terreno terraplanado, a cota superior da rua. É resguardado por um alto muro (+-‐3.5m) de cimento com pedra aparente (num aparente rus4cado) cujo topo, 4po pla4banda, apresenta uma ‘bainha’ em alvenaria recortada, com ameias e merlões chanfrados.
Nos seus vér4ces apresenta guaritas cilíndricas, marcadas por pequenos vãos terminadas por elementos cónicos, trabalhados sobre a forma de recortes e sobreposições de formas.
Ao centro do muro rasga-‐se um pequeno vão, com cantaria e porta em grade. Dele nasce uma escadaria (+-‐1.2m largura) até à cota do alçado do edi;cio (que definimos como cota 0), de onde o muro se sobreleva somente, 40 a 50cm.
O terreno de implantação do edi;cio é rela4vamente con�guo. Não apresenta jardim, na actualidade, nem marcas desse passado. Não se encontram canteiros, nem zonas relvadas. Há a marcação de árvores e sobretudo uma envolvente arbórea.
As próprias dimensões do terreno parecem ter limitado a implantação da estrutura que, a Sul encosta pra4camente ao muro de contenção do terreno. Deste modo, não é possível percorrer todo o terreno ou circular em torno de todo o edificado.
O muro, também ele com altura superior a 2.2m e pela curta distância ao alçado tardoz não permite, com o relevo do terreno, qualquer incidência de luz directa nas celas.
Parece-‐nos assim que a escolha do terreno obrigou ao sacri;cio de algumas qualidades requeridas num edi;cio de ‘clausura’, como seja uma boa orientação e exposição solar, coisa que não se verifica.
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20. Área de confecção de alimentos21. 2ª Porta. Acesso à zona prisional Escadaria de acesso ao piso 122. 2,ª Porta. Acesso à zona prisional – óculo e fecho exterior23. PáTo hexagonal e portas de celas
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No plano ver4cal, o objecto mostra todos os elementos da sua composição sem ocultação, sendo apreendido na sua totalidade.
O corpo central paralelepipédico tripar4do – da manifestação do poder simbólico – A,I, A,II, A,III tem 3 pisos acessíveis, sem acesso à cobertura plana. Este plano, mais avançado, é o de maior destaque, proeminência e decoração. Do ponto de vista funcional comporta as áreas de acolhimento e administra4vas. Do ponto de vista simbólico manifesta o léxico e ideário do poder de forma bastante afirma4va na decoração, através de uma linguagem histórica – clássica e neomanuelina.
A,I. Três degraus facultam o seu acesso. Não há qualquer piso subterrâneo – no An4go Regime, zona privilegiada aos cas4gos e punições.
A entrada por4cada, marca a axialidade do edi;cio e é acesso único ao interior deste. O pór4co é composto por duas colunas, sobre um embasamento simples com capitéis decorados com mo4vos animalistas (leões) (ver figura 21). O seu frontão triangular é simples e ostenta o brasão da vila. A porta tem duas folhas em madeira interiores e no exterior, duas em ferro forjado, pouco trabalhado.
Arquitectura ecléc4ca, todavia associa maioritariamente elementos de cariz clássico numa composição contemporânea. Denota o sen4do de poder, laico e civil. O plano I não é visível da rua. A curta distância que separa a escadaria principal, não permite, à entrada contemplar todo o alçado e a falta de perspec4va fá-‐lo digno, embora próximo e sumariamente funcional -‐ de carácter civil.
A,II. Plano rasgado por um vão tripar4do com bandeira e balcão decorado. Cantaria com tratamento neomanuelino com elementos vegetalistas e cogulhos. Ricamente trabalhado e elegante é o ‘rosto’ principal do edificado, que convoca a memória de singeleza e ‘encantamento’, certa perenidade histórica e sumptuosidade das formas, aligeirando a estrutura ‘acastelada’ e ‘for4ficada’.
Corresponde à zona mais nobre do edificado e tal corresponde a função da Administração e as suas salas de chefia.
A.III. A este elemento corresponde o coroamento da estrutura. Apresenta igualmente um vão de dimensões assinaláveis, e igualmente tripar4do, realçando a importância do local e a sua afirmação no corpo do edi;cio, todavia com traços menos decorados e que a neomanuelina. Neste plano, como no térreo, encontramos os elementos de uma arquitectura historicista, que se refugia em elementos do passado, como a ideia de ‘fortaleza’ ou ‘castelo’, mas consegue, pela simplicidade e alguma ‘al4vez’, fazer-‐nos sen4r a ‘missão’ do objecto, como edi;cio com ‘dignidade’ pública.
A presença dos elementos neo-‐manuelinos parece ‘adoçar’ a estrutura, aproximando-‐a do observador, e como num jogo de ilusão de óp4ca, alterar-‐nos a percepção do espaço e da sua escala – limitada.
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24 e 25. Sala da Administração, piso 126 e 27. Escadas de acesso ao piso 3. Cubículo de acesso à cobertura, piso 3
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Este coroamento apresenta um friso com ameias e merlões – como uma pla4banda – e duas guaritas – não acessíveis – octogonais, também elas coroadas em recorte, como um facho.
A função desta zona é bastante reduzida, sendo exclusivamente de acesso à cobertura, pelo que, a imponência da arquitectura não tem qualquer correlação à sua aplicação de des4no.
B,I e B,II. Embora configurem este plano, acompanham a ‘desmaterialização’, através da simétrica do eixo central – eixo do poder – para os limites externos da estrutura. Assim, B,I e B,II, têm somente dois pisos e são, nesse processo de ‘desmaterialização’,
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28. Esquema de composição e arTculação com o volume em planta. Ver alçado e Planta 1/100. A e B – I, II e III.
bastante mais simples que o eixo central do conjunto. Apresentam um vão, que é igual em ambos, com janela única e cantaria simplificada.
C,I e CII e D,I e D,II. A importância destes planos na composição da fachada deve-‐se sobretudo ao ritmo e movimento que provocam. Não têm elementos marcantes, senão no 1º e 2º piso de C a presença de um óculo – 4po seteira – sem cantaria ou moldura, como que perfurado na matéria, ‘tornando-‐a’ densa e aumentando a corporalidade telúrica do objecto. No fundo, ambos os planos correspondem à projecção das arestas do corpo hexagonal e são estes elementos que cerzem num corpo único os dis4ntos elementos. D,II apresenta no seu vér4ce uma guarita de remate.
B,III e C,III. Plano ver4cal ao alçado, corresponde às arestas visíveis do prima hexagonal, adjacentes à de frente. Muito simplificadas, têm dois vãos simples por plano e iluminam o pá4o interior funcionando exclusivamente como uma membrana. Apresentam o friso com merlões e ameias sem qualquer decoração acrescida.
E,I e II. Correspondem à parte prisional. Cada um dos vãos, também sem cantaria ou moldura corresponde ao óculo da cela dos reclusos, têm os ângulos boleados e reentrantes ou em bisel e são maiores e mais largas do exterior que no seu interior. São também coroadas por guaritas.
IV. Toda a zona IV corresponde à cobertura. Esta tem uma parte coberta com telha e seis águas e outra, de menores dimensões correspondente à clarabóia, esta um pouco sobrelevada sobre a primeira estrutura. É uma marca clara da contemporaneidade e da adopção de novos materiais e soluções arquitectónicas para as 4pologias arquitectónicas. A associação do vidro e do ferro permite uma solução mais leve, extensa – do ponto de vista da distância vencida pelo vão – e económica. Permite igualmente op4mizar a u4lização da luz directa e melhorar a ven4lação do equipamento.
Na verdade, a forma como em desenho e nessa perspec4va é apresentado o projecto, faz dele algo diferente do que é, aos olhos, na maioria dos ângulos em que podemos visioná-‐lo no terreno e à cota da rua. Tal acontece devido aos desníveis e declives desta, bem como devido à cota de inserção do edificado. Assim, enquanto em alçado compreendemos o ‘peso’ de cada parte no todo do corpo, o seu jogo e ritmo, no local, como já referido, só conseguimos percepcionar o corpo frontal principal (mais acastelado) e numa ar4culação – entende-‐se mais pobre – e sobranceira sobre a rua. Só com devida distância do objecto – aquando da chegada de comboio, ou percorrendo a via que lhe é perpendicular, conseguimos visionar o seu todo.
Em todos as plantas recolhidas, para a inves4gação, o alçado principal surge tratado a pedra aparente, tal qual o muro, com estereotomia simples e “espontânea”. Por este mo4vo, foi opção mantê-‐la em desenho [por eventualmente constar nos desenhos de Adães Bermudes, e poder ter sido alterado por falta de verbas (?)], porém fazendo a ressalva de que, mesmo nas fotografias da inauguração, a 13 de Junho de 1909, o edificado surge sempre em reboco caiado.
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PLANTA PISO 1. DESCRIÇÃO
A entrada, com a área de acolhimento é muito simples. De planta rectangular, subdivide-‐se em três partes. A central tem um tecto plano, ao contrário de edi;cios similares que apresentam uma cobertura abobadada. Também o pavimento é em cimento, simulando a cerâmica. A porta, em frente, de acesso à prisão não tem também ela grandes adornos, com cantaria simples, e uma pequena “ilusão de majestade” a encima-‐la, tornando-‐a mais relevante.
Os outros dois espaços dizem respeito ao ves�bulo e guardaria. São limitados, no interior, por uma estrutura de madeira, com porta, que separa os espaços. É uma zona mais trabalhada, com colunas em pedra vegetalistas.
Esses espaços encontram-‐se actualmente fechados e sem qualquer marca do mobiliário anterior, que nos indique a forma de ocupação do espaço.
O hall é um momento de circulação simples. À esquerda de quem entra, a este portanto, deparamo-‐nos com uma área muito rudimentar de confecção de alimentos com uma chaminé e vários compar4mentos anexos de arrumos. Existem vários óculos a iluminar o espaço, mas ainda assim a intensidade lumínica é sempre reduzida. À direita, encontramos de novo arrumos que ocupam também o vão de escadas. Ao fundo do corredor temos a escadaria para o piso 1 e uma porta, que abre no sen4do da fuga, com um óculo, fechadura e ferrolho.
O pá4o coberto sextavado está no centro das 8 celas do piso térreo e das 7 celas do piso 1. Piso 1 com pé direito semelhante ao Piso terreno nas celas. A zona hexagonal corresponde ao um zimbório. Este apresenta janelas e a cobertura vidrada da zona, recria uma cúpula, de pendente acentuada.
Luz directa e ven4lação no corpo central.
No zimbório, dois vãos por aresta do hexágono.
Com pavimento em cimento não apresenta qualquer marca de escoamento de águas ou caleira. Recebe luz directa e apresenta-‐se um espaço rela4vamente con�guo para a permanência de pessoas – durante um longo período de tempo – e para a circulação ou exercitação das mesmas – visto o espaço da cela ser consideravelmente diminuto.
Encontramos dois 4pos dis4ntos de cela, a inteira e a dividida em dois. A maior rondará os 24m2 e a outra, aproximadamente metade. Ambas têm o pé direito superior a 2.5m de altura e a janela/óculo para o exterior apresenta-‐se igualmente elevado. Não encontramos registo de iluminação. Cada cela teria uma enxerga. A referida instalação sanitária revela-‐se muito incipiente. Embora existam documentos que indicam a possibilidade do uso de chuveiro, também aqui não se detectam caleiras de recolha de águas. Não existem loiças, somente uma tábua de acento, sobre um grande vaso para a efectuação das necessidades fisiológicas dos reclusos. Todas as instalações sanitárias têm ven4lação directa (ver figura 33 e 34).
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Existe, em termos de planta algum conflito entre o número de celas e de instalações sanitárias. Nos documentos encontrados não é explícito o número de celas e o seu 4po de uso, se individual se colec4vo – bem como não foi encontrado qualquer documento que indique a capacidade máxima de reclusos da prisão e a que efec4vamente 4nha.
Actualmente as celas possuem uma espécie de “mezzanine” para rentabilização desse espaço, bem como é detectável na figura 31, da cela azul a colocação de porta com vidro, na janela, posterior.
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PLANTA PISO 2. DESCRIÇÃO
Subindo a escadaria, estamos na área de distribuição do piso 1. Todo este piso, à excepção das celas tem pavimento em madeira.
Logo em frente à saída das escadas temos um espaço, que segundo documentação deverá ser parte da habitação do carcereiro, tendo inclusivamente uma instalação sanitária.
No extremo norte do corredor de distribuição temos a sala da administração, também ela, como no piso terreno tripar4da. Largamente iluminada, com vários vãos é não só o espaço mais soalheiro, como também o mais agradável no que toda aos materiais – quase exclusivamente madeiras – bem como às cores adoptadas. A um canto do espaço central encontra-‐se uma silenciosa e estreita escada em caracol, de ferro forjado trabalho.
No extremo sul passamos de novo para a zona prisional. Ar4cula-‐se igualmente em torno do pá4o sextavado, através de um balcão com guarda simples. Esse balcão em madeira e ferro tem 1m de largura, e pressupõe-‐se di;cil a circulação de vários reclusos em simultâneo.
O espaço das celas parece não ter sido ocupado exclusivamente por reclusos havendo indicações de ocupação por parte do carcereiro e de um compar4mento para a secretária.
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PLANTA PISO 2 E PISO 3. DESCRIÇÃO
Através da escada em caracol na Sala da Administração ascende-‐se ao piso 3. Espaço exíguo, não parece ter 4do outra função senão a de aceder à cobertura em terraço. Com larga janela mostra-‐se claramente subaproveitado. Tem uma porta, abrindo para o anterior a par4r da qual alcançamos o terraço.
A cobertura plana é limitada pelo friso com merlões e ameias. Como já referido, o zimbório tem vãos, acessíveis a esta cota e cobertura em telha e clarabóia de vidro.
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29 e 30. Duas celas respecTvamente. Porta de acesso à cela – óculo31 e 32. ‘Instalação sanitária’. Óculo e ‘sanitário’
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33 .‘Torre Lanterna’ do páTo hexagonal. Cobertura em telha e clarabóia em vidro34 e 35. Balcão do 1º piso com guarda metálica. Pormenor da sustentação do balcão36. Vista do piso térreo e do 1º piso
Diz Kubler que é possível conciliar “sen4do e ser” se observarmos a forma como estes marcam o tempo à sua passagem, e nele. Se observarmos e registarmos a forma como estes enchem o tempo de formas.
Parece seguro afirmar que a “família dos objectos” começa efec4vamente a parecer mais pequena do que outrora se poderá ter pensado. Mas, nem por isso parece esgotar-‐se… Se de algum modo essa inspiração “primeira”, “virgem” parece ter uma ocorrência mais intermitente, o futuro tem-‐se cada vez mais pautado, sob a forma dos imaginários sonhados e reproduzidos – que dançam.
Parece-‐me rela4vamente claro, que como um outro qualquer paradigma – forjado no tempo das utopias – o retorno das formas é e figurará entre nós. A ideia de que: a cada tempo a sua imagem, primeiramente apanágio de libertação, consubstancia-‐se numa limitação grosseira que impossibilita o objecto de ser.
Diz Augusto-‐França sobre a Cadeia Comarcã: «Sintra, de resto, era propensa ao manuelino, com o seu paço real (a que Raul Lino tanto se dedicaria) e a Pena Român4ca – e uma afli4va Câmara Municipal, traçada por Adães Bermudes e inaugurada em 1909, acordava-‐se bem com o palácio de Manini. Bermudes, como sabemos, fora premiado no restauro dos Jerónimos – e mais uma vez este fa�dico monumento nos surge no horizonte, como explicação do gosto ou do hábito. A cadeia da vila, contemporânea da Câmara, foi também mais ou menos manuelina, além de imitar uma fortaleza (…)» (FRANÇA, 1990: 176).
Opomo-‐nos claramente a este discurso reducionista em História da Arte. Na forma e até do seu próprio significado. Designar um objecto pelo nome, não sinte4za a sua natureza vasta ou as suas propriedades ;sicas e formais, coloca-‐o somente num horizonte de classificações, que por vezes, de tanto serem ditas esvaziam-‐se de conteúdo.
Walter Benjamin iden4ficou a existência de uma conjuntura ideológica como sistema de contrastes, associando-‐se «progresso» e «passado». Um complexo de imagens-‐desejo, que inter-‐relacionam a crí4ca e a representação social através do potencial icónico de um passado mí4co, acentuando o efeito de contemporaneidade e modernidade.
Esta teoria poderá aplicar-‐se tanto às expecta4vas de Augusto-‐França rela4vamente à arquitectura revivalista na passagem do século, como é ví4ma dessas mesmas expecta4vas.
Urge recolocar as arquitecturas ‘neo’ no tempo. Compreendendo o seu sen4do e significado face à história, mas renovando o nosso olhar sobre elas. «Tudo varia tanto com o tempo como com o lugar, e não podemos atribuir a nada uma qualidade invariante, como a que a ideia de es4lo pressupõe (…)» (KUBLER, 1998: 173).
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J. CONCLUSÃO (senTdo e ser)
Precisamos olhar Arquitectura como Espaço, salvaguardando-‐lhe o lugar como objecto ar�s4co. Precisamos olhar os objectos contemporâneos através de processos metodológicos das Ciências Sociais.
Sabemos não ser possível definir objectos arquitectónicos pela sua fachada. E que projectar é necessariamente a invenção e a exaltação do imaginário e ideário, dos valores, es4los e modas. Não há arquitectura natural, é uma criação – memórias projectadas no futuro. Nesse sen4do, não basta “conhecer o objecto” pela aparência ou como degenerescência de algo, porque as definições fazem-‐se em posi4vo, pelo que é. Em si.
Se a nossa percepção muda e se se adapta melhor a alterações lentas no tempo, porque havemos de impor a ruptura às con4nuidades históricas e cristalizar o objecto no tempo?
O objecto existe enquanto observado (como o fonema falado). O sujeito muda enquanto observa. Com ele muda o objecto e o seu significado. A história faz-‐se dessas revisitações.
Estas ‘despres4giadas arquitecturas’ embora com carácter cenográfico não são cenário, mas o palco da acção da modernidade. Nelas jaz o conflito entre forma e função e a inquietação.
São Espaço, lugar de vivências específicas contemporâneas. Classificá-‐las como ‘mascaradas’ segundo um es4lo não retracta espaço e tempo. Não são imitações, antes metamorfoses no tempo de elementos já conhecidos, revisitados. Limita-‐las a parece-‐lo é amputar a forma de um corpo e privar o seu corpo ao direito pleno de exis4r. Sem conflito. “Olhar de novo” implica trazer os significados “eruditos” para o quo4diano e auscultar das pessoas os sussurros das vivências, das memórias, dos afectos, que fazem o Lugar no tempo. Hoje, a Cadeia Comarcã de Sintra significa algo diferente, pelo que se tornou no tempo, pela forma como vive em simbiose com o Lugar.
O Lugar é, por excelência, em arquitectura, o sí4o do encontro. A dimensão desse encontro é soberba. Só existe, quando observado e consequentemente lembrado, cons4tuindo-‐se representação.
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ANEXO DOCUMENTAL
1903, Novembro, 25, Sintra – O presidente da câmara refere os moLvos que tornaram imperiosa a necessidade de construir os paços do concelho, a cadeia civil e o matadouro municipal e pede o parecer da vereação acerca da melhor forma de fazer face às despesas daí decorrentes[AHS. Livro de actas da Câmara Municipal, nº 19, 1903.03.18-‐ 1905.09.13. Excerto transp. 104-‐107. Excerto de Acta: p. 100-‐107]
[p. 104, décima quarta linha:] / – Empres4mo para melhoramentos – / Pelo senhor presidente foi dito: Que a villa de / Cintra necessita de obras importantes; que cons / 4tuem melhoramentos de ha muito reclamados, / alguns dos quaes são exigidos não só pelo crescente / desenvolvimento da villa, mas ainda por sen4 / mentos de humanidade que não devem ser esque / cidos. Está n' estas condições a cadeia: acanha / dissima para o movimento actual da Comarca, / não possue nenhuma das condicções hygienicas modernamente exigidas, e o seu mal aggrava-‐se / com a agglomeração de presos, deshumanamente / encerrados em casas cuja capacidade não é sufficien / te nem para metade do numero que ordinàriamen / te ahi permanece. Collocada como está num / dos pontos mais concorridos da villa, todos co / nhecem este mal, e todos reclamam a sua elimi / nação, subs4tuindo-‐se a actual cadeia por / um novo edificio em boas condições. […]
[p. 105] É / pois necessaria e urgente a sua ampliação e re / construcção. As repar4ções publicas estão dispersas / por varios edificios, com visivel encommodo e / prejuizo para os que tem de as frequentar; e algu / mas sobrecarregam o cofre do municipio, com o / pagamento das respec4vas rendas, estando quasi / todas pessimamente instaladas. Convem aos inte / resses de todos a sua concentração n'um só edi / ficio que se torna necessario construir, reunindo / as condicções necessarias para tal fim. Para taes / obras possue já a Camara os respec4vos projectos, / orçados em trinta e um contos de reis; e como / se torna impossivel executal-‐os nos limites dos / rendimentos ordinarios do municipio, tem / a Camara para conseguir esse fim, ape / nas tres meios: o augmento de impostos, a / alienação de bens, ou o empres4mo. O / primeiro, entendo não o dever propôr por / que o contribuinte não pode ser mais sobre / carregado do que já está; para segundo / possue o municipio apenas trinta e seis con / tos de reis nominaes, em inscripções, que / poderão produzir pouco mais ou menos / quatorze contos de reis, quan4a insuffici / ente para a execução d'aquelles projectos; res // [p. 106] resta portanto o terceiro, o empres4mo, que po / de conseguir-‐se sem sacrificio do municipio, / e sem novas exigencias ao contribuinte. De / monstra, á vista das respec4vas contas an / nuaes, como dos seus saldos se pode pagar / a annuidade de amor4sação e juros de / um empres4mo superior a trinta e um / contos de reis, e está convencido que, con / 4nuando a haver uma administração es / crupulosa e economica, esses saldos se poderão / manter, sem deixar de acudir às necessida / des do resto do concelho, já em grande parte / sa4sfeitas com as recentes construcções de / caminhos, estradas e fontes, que apenas / se torna necessario conservar. Propõe por / isso que a Camara contrate um empres / 4mo de trinta e um contos de reis, amor / 4savel em trinta annos, caucionando-‐o com / o rendimento da contribuição directa, de doze / por cento sobre as contribuições do Estado, / predial, industrial, renda de casas e sumptua / ria […].
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[…] O senhor presidente / declara concordar com a ampliação da sua / proposta que o senhor vereador Jose Simões aca / ba de apresentar, e pondo-‐a assim modifica / da á votação da Camara, esta a approvou por // [p. I07] por unanimidade, deliberando ouvir sobre es / te assumpto o parecer dos quarenta maiores con / tribuintes, nos termos do ar4go cincoenta e sete, / do Codigo Administra4vo, convocando-‐os para / reunirem no dia dois de dezembro proximo, / pelas onze horas da manhã. [a acta conLnua-‐se com outras deliberações]
1905 -‐ 1910, Sintra – Excertos de actas de sessões da câmara relacionados com a feitura dos paços municipais e menção à cadeia civil:
Sessão de 15 de Março de 1905
/ – Novos edificios – / Por proposta do Sr. vereador Antonio Jacintho, / foi deliberado que se officiasse ao architecto / senhor Adães Bermudes, para até ao fim do cor / rente mez fazer entrega do projecto de que / se incumbiu do novo edificio dos Paços / do Concelho, afim de se não protelar mais / a execução de tão importante melhora / mento, subme�endo-‐se á approvação su / perior não só esse projecto, como o da ca / deia e matadouro municipal, que, segun / do informação do Sr. presidente, o mesmo / architecto já concluiu.[AHS. Livro de actas da Câmara Municipal, nº 19, 1903.03.18-‐ 1905.09.13, p. 293]
Sessão de 5 de Abril de 1905
/ -‐ Novos edificios -‐ / Apresentos pelo senhor presidente da Ca / mara, os projectos para os novos edificios, orga / nisados pelo architecto Adães Bermudes sendo / o dos Paços do Concelho, orçado em dezasseis con / tos quarenta e cinco mil e quinhentos reis; o / do Matadouro Central, orçado em nove con / tos duzentos e tres mil e cem reis; e o da Cadeia / Civil na importancia de oito contos cento e dez / mil reis, projectos que depois de de4damente / examinados foram approvados, deliberando-‐se / que se pedisse a sua approvação supperior.[AHS. Livro de actas da Câmara Municipal, n.º 19, 1903.03.28-‐1905.09.13, p. 304]
Sessão de 12 de Setembro de 1906
/ Novos edificios / Foi por unanimidade deliberado annunciar-‐se para / o dia vinte e quatro de Outubro proximo futuro, pe / la uma hora da tarde, nos Paços do Concelho, a ar / rematação por propostas em carta fechada, e / nos termos do programma e condições que fi / cam approvadas, a construcção de um edifi / cio des4nado a Paços do Concelho, e repar4ções / publicas, conforme o projecto superiormente / approvado, e no local onde exis4u a Capella de / S. Sebas4ão, sendo a base de lecitação quinze contos / dozentos setenta e cinco mil e trezentos reis; e a construc / ção de um edificio des4nado a Cadeia, conforme / o projecto tambem superiormente approvado, e no / terreno do ex4ncto cemitério de S. Sebas4ão, sendo / a base de lecitação sete contos setecentos e vinte / mil e setecentos reis.[AHS. Livro de actas da Câmara Municipal, n.º 20, 1905.09.27-‐1908.02.27, p. 146]
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Sessão de 21 de Novembro de 1906/ Novos edificios / Sendo o dia designado para a apresenta / ção de propostas para a construcção dos edificios / des4nados a Paços do Concelho e repar4ções / publicas, tomou-‐se conhecimento da unica / proposta apresentada de Liberato Tolen4no da Costa, / constructor civil, residente em Lisboa, pro /pondo fazer a construcção do edificio para Paços / do Concelho, pela quan4a de dezasseis contos trinta / e nove mil reis (16:039$000 reis) e do edificio / para cadeia, pela quan4a de oito contos cento e / seis mil reis (8: 106$000 reis) proposta que a / deliberou acceitar, fazendo a adjudica / cação dos trabalhos ao referido concorrente Libe / rato Tolen4no da Costa, que sendo presente foi / avisado para no praso de dez dias assignar os / respec4vos autos. [AHS. Livro de actas da Câmara Municipal, nº 20, 1905.09.27-‐1908.02.27, p. 167]
Sessão de 6 de Julho de 1910/ Edificio dos Paços do Concelho e Cadeia / Foi appresentado um officio, com data de / cinco do corrente, de João da Silva Paschoal, emprei / teiro da construcção dos edificios de Paços do Concelho / e Cadeia, propondo fazer a entrega difini4va d'a / quelles edificios, e pedindo a liquidação do debito das / mesmas construcções, visto ter terminado o praso / da sua responsabilidade; tomou-‐se d'elle conhecimento / resolvendo-‐se que ficasse para ser apreciado n'outra sessão.[AHS. Livro de actas da Câmara Municipal, nº 22, 1909.11.17-‐1911.03.15, p. 178]
1906-‐1908, Sintra – Excertos de actas de sessões da câmara relacionados com o cemitério de São SebasLão, local onde se iria construir a cadeia civil:
Sessão de 12 de Setembro de 1906
/ Ex4ncto cemiterio de S. / Sebastião / Foi por unanimidade deliberado que por / meio de editaes e anuncios se avisassem to / das as pessoas interessadas para no praso de trin / ta dias, a contar da publicação do anuncio / no "Diario do Governo" fazerem trasladar do ex / 4ncto cemiterio de S. Sebas4ão, em Cintra para / qualquer outro, os restos mortaes ali sepultados / ou depositados em jazigos, dos quaes no mesmo / praso se deve fazer a remoção para outro lo / cal.[AHS. Livro de actas da Câmara Municipal, nº 20, 1905.09.27-‐1908.02.27, p. 146]
Sessão de 18 de Março de 1908
/ Edificio para / Cadeia / Apresentada uma carta com a data d'ho / je, de João da Silva Paschoal, empreiteiro dos tra / balhos de construcção do novo edificio para a / cadeia, communicando não estar ainda con / cluida a terraplenagem do terreno para a cons / trucção d'esse edificio, que segundo o contracto, per / tence á Camara; e que ainda ali existem dois / jazigos que impedem a construcção, o que lhe cau / sa demora prejudicial na execução dos trabalhos; / e pedindo por isso que a Camara resolva o mais / breve possivel sobre o assumpto; foi por unani / midade deliberado encarregar o fiscal da Cama / ra de promover a immediata remoção dos jazi / gos, e fazer concluir a terraplenagem para dar co / meço á construcção.[AHS. Livro de actas da Câmara Municipal, nº 21, 1908.03.06-‐1909.11.10, p. 16]
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Sessão de 10 de Junho de 1908
/ Novos edificios / (...) Apresentado um officio com data de tres do / corrente mez, do empreiteiro das obras de construcção / do novo edificio da cadeia, communicando que por não / lhe ter sido entregue ha mais tempo, completamente de / sobstruido, o terreno para essa construcção, só n'essa / data foram pelo respec4vo architecto traçadas as fun / dações, dando n'ella inicio á referida construcção, / para que desde então se principia contando o praso / marcado no respec4vo caderno de encargos, para / a conclusão dos trabalhos de construcção, tomou -‐ / se d' elle conhecimento, e mandou-‐se archivar pa / ra os devidos effeitos.[AHS. Livro de actas da Câmara Municipal, nº 21, 1908.03.06-‐1909.11.10, p. 48]
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A. FONTES DOCUMENTAIS
1.1 Documentação Manuscrita e DacLlografada
INSTITUTO DA HABITAÇÃO E DA REABILITAÇÃO URBANA Inventário do Património Arquitectónico. Ficha IPA 031111110106. Cadeia da Vila de Sintra/ Edi;cio dos Correios, Telégrafos e Telefones, CTT, de Sintra.
Inventário do Património Arquitectónico. Ficha IPA 031111110205. Torre da An4ga Cadeia da Vila/ Torre do relógio/Torre da Vila de Sintra.
Inventário do Património Arquitectónico. Ficha IPA 031111090234. Cadeia Comarcã de Sintra.
ARQUIVO MUNICIPAL/ARQUIVO INTERMÉDIO DA CÂMARA MUNICIPAL DE SINTRAClassificações como Imóveis de Interesse Municipal – Cadeia comarcã e Paços do Concelho: Adães Bermudes e o Revivalismo Sintrense, Sintra 2005.
ARQUIVO HISTÓRICO DE SINTRALivro de Actas de sessões da Câmara Municipal de Sintra relacionados com a construção da cadeia civil, 1906-‐1908.N.º20, 1905.09.27 – 1908.02.27, p.146. Sessão de 12 de Setembro de 1906.N.º 21, 1908.03.06 – 1909.11.10, p.16. Sessão de 18 de Março de 1908.N.º 21, 1908.03.06 – 1909.11.10, p.48. Sessão de 10 de Junho de 1908.
Livro de autos de arrematação de contractos da Câmara Municipal de Sintra entre … e 1908, p. 14 v. – 15 v.
1.2 Documentação Gráfica
ARQUIVO MUNICIPAL/ARQUIVO INTERMÉDIO DA CÂMARA MUNICIPAL DE SINTRALevantamento da An4ga Cadeia de Sintra, de 24/03/1977, CMS. Planta dos Pisos:Terraço; Rés-‐do-‐chão; 1º andar.
Alçado da fachada da Cadeia Civil Sintrense -‐ Reprodução de A Construção Moderna, Lisboa, 1987. 1906.03.10, p. 241.
83/22-‐11(2), Edi;cio da Cadeia Comarcã de Sintra, Esc. 1/2000.
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FONTES E BIBLIOGRAFIA
1.3 Documentação Fotográfica
ARQUIVO HISTÓRICO DE SINTRAFotografias da Cadeia Comarcã e Vila20107 cx 247; 20106 cx 247; 15348 cx 191; 16557 cx 206; 16681 cx 208; 4357 cx 54; 6386 cx 79; 8706 cx 108.Fotografias da Cadeia Comarcã de Sintra, Sede dos Escoteiros de Portugal, 20.02.2010.
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(?), Ainda em Janeiro Comendador deu sinal…, “Sintra Ilustrado”, 79, pag.11, 1990.03.21.
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(?), Câmara de Sintra suspende obras na An4ga Cadeia, “Sintra Ilustrado”, 79, pag.11, 1990.03.21.
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Cadeia Comarcã
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Sintra abre os Paços do Concelho à população no centenário da obra de Adães Bermudesh�p://www.aps-‐pt.com/docs/Cultura_e_lazer/Sintra.pdf
Adães Bermudes.h�p://pt.wikipedia.org/wiki/Arnaldo_Redondo_Ad%C3%A3es_Bermudes h�p://www.infopedia.pt/$adaes-‐bermudes
Escola Normal Primária de Lisboa, (1916-‐1918).h�p://pt.wikipedia.org/wiki/Escola_Normal_Prim%C3%A1ria_de_Lisboa
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MARIANA CARROLO é Licenciada em Arquitectura pela Fundação Minerva, da Universidade Lusíada de Lisboa; licenciou-‐se, também, em História da Arte, na Faculdade de Ciências sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. É Doutoranda na mesma Faculdade, em História da Arte Contemporânea, sob a orientação do Doutor Manuel Morais Villaverde Cabral e da Professora Doutora Raquel Henriques da Silva. É Bolseira da Fundação para a Ciência e Tecnologia e membro do Insituto de História da Arte daquela Faculdade.