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Mariana Carrolo C A D E I A C O M A R C Ã D E S I N T R A um edifício entre dois tempos e-sintra # 1

C A D E I A C O M A R C Ã D E S I N T R Arevistatritao.cm-sintra.pt/images/ebooks/Cadeia_comarca_de_Sintra.pdf · Abrir* a* possibilidade* de* traçar* um* percurso* no ... através*da*hipótese*de*uma

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Mariana  Carrolo

C A D E I A C O M A R C Ã D E S I N T R Aum edifício entre dois tempos

e-sintra # 1

Cadeia Comarcã

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Mariana Carrolo

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Mariana  Carrolo

C A D E I A C O M A R C Ã D E S I N T R Aum edifício entre dois tempos

como reflectir o objecto

SINTRA2012

Ficha  Técnica

Título:  Cadeia  Comarcã  -­‐  Um  Edi8cio  entre  Dois  TemposAutora:  Mariana  CarroloDesign  gráfico:  Maria  Teresa  CaetanoColecção:  e-­‐sintra  #  1Editor:  Câmara  Municipal  de  Sintra  (Pelouro  da  Cultura)ISBN:  978-­‐972-­‐8875-­‐45-­‐9

Cadeia Comarcã

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A. INTRODUÇÃO    7                      B. MÓDULO  I  –  como  reflec4r  o  objecto?    9C. MÓDULO  II  –  edi;cio  entre  dois  tempos    13D. INVENTÁRIO  –  do  objecto    15E. BIOGRAFIA  –  do  autor    19F. CONTEXTO  –  fórmula  de  complexidade    23G. ARQUITECTURA  –  problemá4ca  da  modernidade    25H. PROJECTO  –  premissas  de  um  tempo    29I. OBRA  –  o  objecto    39J. CONCLUSÃO  –  sen4do  e  ser  57

ANEXOS  59FONTES  E  BIBLIOGRAFIA  65

Mariana Carrolo

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ÍNDICE

Cadeia Comarcã

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1  e  2.  Fotografias  das  AnTgas  Casa  da  Câmara,     Torre  do   Relógio  e  Cadeia  Comarcã,  AHS

Este  trabalho  visa  o  estudo  da  Cadeia  Comarcã  de  Sintra  e  insere-­‐se  numa  inves4gação  sobre  Arquitectura  Prisional  Portuguesa,  levada  a  cabo  no  âmbito  de  Doutoramento  de  História  da  Arte  Contemporânea,  da  FCSH,  enquanto  estudo  iniciá4co  e  preliminar,  de  abordagem   à   Tese:   “Arquitectura   prisional   portuguesa:   forma,   experiência   e  representação  do  espaço.  O  Estabelecimento  Prisional  de  Monsanto”.

Assim,   este   Estudo   surge   do   cruzamento   do   desenvolvimento   de   um   trabalho  académico  e  da  par4cipação  e  colaboração  com  o  Ins4tuto  de  História  da  Arte  (IHA),  na  pessoa  do  Professor  Doutor   José  Custódio  Vieira  da  Silva  e  da  Professora  Doutora  Raquel   Henriques   da   Silva,   através   do   Protocolo   de   Colaboração   entre   a   Câmara  Municipal  de   Sintra  e  a  Faculdade  de  Ciências  Sociais  e  Humanas,   da  Universidade  Nova  de  Lisboa,  estabelecido  em  2008.

*O   trabalho   integra  dois  módulos:   O  primeiro  módulo  (I)   compreende  a  definição  da  problemá4ca   de   Estudo   e   procura   configurar   uma   proposta   metodológica   de  abordagem  ao  tema.  O  segundo  (II),  autónomo  e  complementar  do  primeiro,  pretende  a   Análise   e   Compreensão   da   Cadeia   Comarcã   enquanto   representa4vo   objecto  histórico  e  arquitectónico  singular,  do  século  XIX  e  XX.  

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A.  INTRODUÇÃO

Cadeia Comarcã

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A  prisão  é  objecto  de  estudo  por  diversos  autores  que  a  u4lizam  como  observatório  de  um  microcosmos  social,  que  atomiza  o  indivíduo  e  o  desapropria  da  sua  iden4dade  no  contexto  social  e  o  reorganiza  numa  outra  e  supra-­‐imposta  estrutura  disciplinadora.  

Estes  estudos  tendem  a  surgir   em   convergência,   reconhecendo  a  importância  de   J.  Bentham   na   criação   da   Ins4tuição   Prisional,   no   século   XIX   e   do   Panóp4co,   “no  desenvolvimento   de   um   conceito   funcional   de   espaço   em   Arquitectura”   (PERROT,  2000:   13).   O  poder   dos  edi;cios  foi  “encarado   como  meio   para  resolver   problemas  sociais,   e   Bentham   acreditava   que   a   forma   de   um   edi;cio   podia,   e   até   devia,  influenciar  e  modificar  os  comportamentos  humanos”  (FREIRE,  2009:  32).

A   Tese   de   Doutoramento   sobre   o   Estabelecimento   Prisional   de   Monsanto   visa  enquadrar  o  EPM  (de  alta-­‐segurança),  na  Arquitectura  Prisional  Portuguesa,  enquanto  exemplar   Ins4tuição   da  Contemporaneidade,   seguidora  do  Modelo   Panóp4co.   Nele  procura-­‐se  compreender   como  as  condicionantes  e  propósitos  inerentes  ao  Espaço  –  Forma,   Discursos   e   Prá4cas   –   de   influências   recíprocas,   se   relacionam   com   a  experiência   desse   Espaço   e   afectam   a   sua   representação   nos   intervenientes  deste  Espaço-­‐Limite.  

Inserida   neste   âmbito,   a  Cadeia  Comarcã   de  Sintra  apresenta-­‐se-­‐nos  como  estudo  compara4vo   e   como   ensaio,   para   o   caso   EPM,   enquanto   Modelo   de   análise  exploratório,  transversal  e  experimental,   tanto  do  ponto  de  vista  metodológico  como  da   inves4gação,   pela   função   e   discurso,   período   aproximado   de   construção   e  u4lização.

Em,  A  Cadeia  Comarcã  de  Sintra,  um  objecto  entre  dois  tempos  par4mos  da  assunção  de   que   o   objecto   é   e   existe   em   transformação   no   tempo,   ocupando   múl4plas  vertentes  da  realidade,   enquanto   arquitectura,   no  espaço  e  no  tempo,   como  a  sua  existência   e   implicações   no   decurso   histórico   e   cultural   –   produto   e   produtor   de  cultura,  vivências,  prá4cas  e  valores.  Neste  sen4do,  “é  e  parece”1.

Como  tal,  procura-­‐se  u4lizar,  em  ar4culação,  áreas  transdisciplinares  do  conhecimento  –   Arquitectura,   História   da   Arte   e   experiência   pessoal   em   ambiente   prisional   –  combinadas  com  o  modelo  gráfico,  descri4vo  e  explica4vo,  para  melhor  conhecer  esse  objecto.   E   neste   sen4do,   se  por   um   lado,   se   procura  o   entendimento   do   objecto  específico,   enquadrado   no   universo   do   edificado   prisional  nacional,   portanto,   num  contexto   histórico-­‐cultural,   social   e   polí4co   subjacente,   por   outro,   procura-­‐se  compreender   a  forma  e  caracterís4cas  do  seu  corpo,   e  deste,   no  processo  das  suas  transformações.

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1    Conf.  Kubler.  Noção  apresentada  em  “A  Forma  do  Tempo”.

B.  MODULO  I  (como  reflecTr  esse  objecto?)

Tomando  em  consideração,  estas  múl4plas  vertentes  da  Cadeia  Comarcã,  este  estudo  pretenderá:  

(OBJECTIVOS  EM  COORDENAÇÃO)

I.   Alargar   o   conhecimento  e  o  “mapa”   representacional  dos  estabelecimentos  prisionais  do  país.  

II.   Abrir   a   possibilidade   de   traçar   um   percurso   no   tempo,   dos   objectos  arquitectónicos   prisionais,   enquanto   conjunto,   parece-­‐nos   par4cularmente  interessante  e  necessário  à  História  da  Arte  Portuguesa,  do  século  XIX  e  XX.  Compreender   nesse  percurso,   as  par4cularidades  de  cada  um  dos  objectos  edificados,   iden4ficando   as  suas  caracterís4cas,   a  sua  arquitectura,   as  suas  premissas  funcionais  e  de  escala  e  o  reconhecimento  do  ‘exercício  do  poder’,  neles  expresso.  

III.   Em  simultâneo,   permite-­‐nos  conhecer   a  Cadeia  Comarcã  e  compreender   o  seu  lugar  nesse  contexto  abrangente.

(OBJECTIVOS  TÉCNICOS)

IV.   Aceder   às   fontes   documentais   e   gráficas   e   correctamente   organizar   a  pesquisa.

(OBJECTIVOS  ESPECÍFICOS)

V.   Conhecer   a  biografia,   história  e   influências   esté4cas  do   Arquitecto   Adães  Bermudes,  responsável  pelo  projecto  e  obra.

VI.  Contextualizar   o  objecto  Arquitectónico  do  ponto  de  vista  Histórico,   a  nível  nacional.  

VII.  Contextualizar  o  objecto  Arquitectónico  do  ponto  de  vista  da  implantação  e  da  envolvente  da  Vila  de  Sintra,  como  especificidade  projectual.

VIII.  Iden4ficar  os  pressupostos  conceptuais  e  projectuais,  enquanto  referências  singulares  do  Panóp4co  e  do  Regime  Liberal,  patentes  no  edi;cio.  

IX.  Enquadrar  o  objecto  arquitectónico  do  ponto  de  vista  esté4co  e  es4lís4co,  no  contexto  “da  casa  portuguesa”  –  tradição  e  praxis.

X.   Iden4ficar   e   reconhecer   os   elementos   estruturais   e   arquitectónicos  cons4tuintes  do  edificado  –  na  parte  e  no  todo.

XI.   Analisar   o   percurso   e  mutações  do   objecto  de   estudo  nas  suas  diferentes  caracterís4cas  formais,  funcionais  e  ;sicas,  ao  longo  do  século  XX.

XII.   Compreender   o  objecto  no  tempo:  do  ponto  de  vista  da  vivência,   afectos  e  memória.

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Tendo   por   base   o   pressuposto   teórico   e   os  objec4vos  apresentados,   a   hipótese  a  considerar  pode  ser  sinte4zada,  nas  seguintes  formulações:

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Como  conhecer   e  analisar   o  objecto  nas  suas  propriedades  ;sicas  e  projectuais  e  as  potencialidades  da  sua  espacialidade  e  capacidade  de  gerar  vivências;  e  compreender  em  que  medida,  o  modo  que  aceitamos,  hierarquizamos  e  adoptamos  a  informação,  tendo   em   conta   os   pressupostos   epistemológicos   e   as   valorizações   pessoais,   nos  poderá  fornecer  diferentes  leituras  do  mesmo  objecto.

Ou  por  outras  palavras,  em  que  medida  é  possível  que  a  acção  do  tempo  recoloque  um  objecto  “neo”   na  história,   com   valor   posi4vo.   Serão  possíveis  novas  leituras  de  um  espaço  já  conhecido?    

Assim,  neste  estudo  propomo-­‐nos  fazer  duas  leituras  –  organizado  em  duas  partes,  no  trabalho,  mas  também  correspondendo  a  dois  pressupostos  epistemológicos  dis4ntos  em  História  da  Arte.

a)  A   primeira  parte  do  trabalho  e,   seguindo  a  tradição  historiográfica,  coloca  o  objecto   em   análise,   através   da   biografia   do   seu   autor,   da   sua   classificação  es4lís4ca  e  linguagem  simbólica2    da  experiência.

Incidirá,  sobre  a  pesquisa  e  inves4gação  documental  e  arquivís4ca  (da  História  e  Biografia  do  autor  e  Historiadores  e  Crí4cos  de  Arte).  Através  de  uma  estratégia  classifica4va,   enquanto   observador   externo,   analisando   a   realidade   social,  jurídica   e   polí4ca   portuguesa,   do   século   XIX.   Analisando   a   per4nência   e  jus4ficação  para  a  elaboração  e  cons4tuição  do  projecto  da  Cadeia  Comarcã.  

b)   A   segunda   parte,   procura   compreender   o   objecto   enquanto   estrutura,  integrada   num   sistema   de   relações   formais   e   numa   praxis,   e   as   suas  transformações   não   só   morfológicas,   mas   da   sua   integração   e   par4cipação  enquanto  objecto  na  actualidade.

Pretende-­‐se   uma   abordagem   de   componente   subjec4va,   a   agente   enquanto  arquitecta  –  da  contemporaneidade  –  que  experiência  o  espaço  e  recolhe  dele  renovada  memória  descri4va,  através  da  percepção  do  Espaço,   despojando-­‐o  o  mais  possível  de  referências  históricas,  es4listas,  externas  a  ele  e  à  materialidade  do  edificado.

Procura-­‐se  analisar,   do  ponto  de  vista  teórico,   a  forma  de  percepcionar   o  meio  e  a  forma  como  é  representado  o  Espaço  (agente  modelador)  e  a  sua  Experiência.  

Entende-­‐se  esse   Espaço   como  molde  e  contra-­‐molde  da  estrutura  ;sica,   suporte  e  limite  à  acção  das  relações,  rituais  e  dinâmicas  dos  sujeitos  e  do  exercício  do  poder.  

É,   portanto,   opção   metodológica,   num   primeiro   momento,   par4r   para   a   análise  histórica  dos  fenómenos  circunscritos  a  uma  prisão  –  Cadeia  Comarcã  de  Sintra  –  “do  centro  para  as  periferias”,   do  macro  para  o  micro,   num  sen4do  descendente.  Num  segundo  momento,  de  análise  arquitectónica  inverter  o  processo  anterior.

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2  Conf.  Cassirer.  Baseia  o  seu  pressuposto  de  uma  História  da  cultura  assente  na  visão  da  obra  de  arte  como  expressão  simbólica.

 Tal,  jus4fica-­‐se,  tendo  em  atenção  a  especificidade  da  Ins4tuição  –  objecto  de  clausura  e  interioridade  e  a  necessidade  de  conciliar  “sen4do  e  ser”  (KUBLER,  1998:  171)3.

Afim  de  melhor  aproximar  o  objecto  do  leitor  serão  recons4tuídas  e  corrigidas  plantas  e  um  alçado,  ob4das  em   arquivo4;   serão  acrescidas  ao  processo,   plantas  em  falta  e  será  cons4tuído  um  ‘roteiro  de  experiência’  fotográfico  e  descri4vo  do  percurso.

«Certas  alterações  fonéTcas  na  história  de  línguas  aparentadas  só  podem  ser  explicadas  através  da  hipótese  de  uma  transformação   regular.  Assim,   o  fonema  A,  surgindo  num  estádio   inicial   de   uma   língua,   transforma-­‐se   no   fonema   B   num   estádio   posterior,  independentemente   do   senTdo,   e   unicamente   em   consequência   das   regras   que  determinam  a  estrutura  fonéTca  da  língua.  A   regularidade  destas  transformações  é  tal  que   as   mudanças   fonéTcas   podem   mesmo   ser   usadas   para   medir   durações   entre  amostras   da   expressão   oral   registadas   mas   não   datadas.   Regularidades   similares  determinam  provavelmente  a  infra-­‐estrutura  formal  de  qualquer  arte»  (KUBLER,  1998:  10).

Se  a  língua  não  for  falada,  morre.  Do  mesmo  modo  a  arquitectura  se  não  for  vivida/percepcionada   na   sua   verdadeira   grandeza   perece   também.   A   existência   de   uma  con4nuidade   exclui   uma   ruptura   e   como   tal,   no   processo   temporal   desenvolve  mutações.  Como  Historiadores  de  Arte,  cabe-­‐nos  notá-­‐las.

Em  síntese,  o  objec4vo  da  reflexão  metodológica,  do  ponto  de  vista  do  módulo  I,  não  se   prende   ao   desejo   de   analisar   o   objecto   formal.   De   igual   modo   não   pretende  dedicar-­‐se  à  reconstrução  histórica  de  “complexos  simbólicos”5,   mas  antes  procurar  uma   outra   leitura,   que   faça   par4r   e   confluir   os   elementos  que   conceptualizam   e  materializam  a  sua  experiência  –  necessariamente  única  no  objecto.  

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3 Serão  visitados  os  Estabelecimentos  Prisionais  do  Concelho  de  Sintra  cujo  acesso  seja  permiTdo.4  Ver  Fontes  e  Bibliografia.5  Conf.  Kubler.

«A  tarefa  (…)   consiste  em  construir  uma  história  dos  objectos  que  faça  jusTça  tanto  ao  senTdo   como  ao   ser,   tanto   ao   projecto   como  à  integralidade  da  existência,   tanto   ao  esquema  como  ao  objecto.  Este  objecTvo   levanta  o  conhecido  dilema  existencial  entre  senTdo  e  ser.  A  pouco  e  pouco,  vamos  redescobrindo  que  aquilo  que  o  objecto  significa  não  é  mais  importante  do  que  aquilo  que  ele  é;  que  a  expressão  e  a  forma  consTtuem  desafios   equivalentes   para   o   historiador;   e   que   negligenciar   o   senTdo   ou   o   ser,   a  essência   ou   a   existência,   deforma   a   nossa   compreensão   de   ambos   os   termos   do  par»  (KUBLER,  1998:  171).

A   Cadeia   Comarcã   de   Sintra,   inaugurada  em   1909,   projecto   do   Arquitecto   Adães  Bermudes,   entendida   como   edi;cio   e   ideário   entre   dois   tempos,   no   Portugal   de  transição  do  século  XIX  para  o  XX.  

Neste   sen4do,   procura-­‐se   enquadrar   o   objecto   arquitectónico   do   edi;cio  prisional,  nesta  disciplina,  compreendendo  e  dis4nguindo  os  elementos  que  a  iden4ficam,  mas  também  compreender  o  tempo  e  a  sociedade  portuguesa  e  as  necessárias  premissas  subjacentes  à  elaboração   e  construção  de  equipamentos  urbanos  de  detenção  para  reclusos.  Pretende-­‐se  pois,  a  análise  do  edi;cio  como  ponte  e  experiência  –  elemento  de   ligação   –   entre   realidades  e  expecta4vas.   Produto   e  revelação  de  um   contexto  arquitectónico  prisional  específico  e  de  transição,  no  espaço  de  30  anos,  entre  a  Casa  da  Câmara  de  Sintra,  para  a  Cadeia  Comarcã  e,  desta,  para  Estabelecimentos  Prisionais  plenos  de  Modernidade.

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C.  MODULO  II  (edi8cio  entre  dois  tempos)

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3..  Inauguração   dos  Paços  do  Concelho  e  da  Cadeia  Comarcã,  em  1909  (in   Ilustração  Portuguesa)

CADEIA  COMARCÃ  DE  SINTRA  

Inventário  de  Património  Arquitectónico:  Monumento.

Designação:  Cadeia  Comarcã  de  Sintra.

Código  Tipo:  AEBBA/AHAB.

Acesso:  Rua  João  de  Deus,  nº  2.

Concelho:  Sintra.

Freguesia:  Santa  Maria  e  São  Miguel.

Tipologia:  Arquitectura  Civil.

Ambiente:  Urbano.

ULlização  inicial:  Cadeia/Presídio,  até  1969.

ULlização  Actual:  Cultural  e  recrea4va.  

Sede  do  Grupo  de  Escuteiros  de  Sintra,   iniciado  em  24  de  Junho  de  1970,  pelo  Grupo  93,  com  a  Direcção  de  João  Henriques  Pereira  Soares.

Arquitecto/Construtor:  I  –  Arnaldo  Redondo  Adães  Bermudes  (1864-­‐1948);  II  –  João  da  Silva  Pascoal  (1906).    

Época  de  construção:  Século  XX  (1906-­‐1909).Afectação:  Sem  afectação.

DiagnósLco/Conservação:  Razoável,  mas  em  acelerada  adulteração  e  degradação.

Proprietários:  Câmara  Municipal  de  Sintra  -­‐  Contrato  de  Comodato  por  50  anos  para  a  Sede  de  Escoteiros  de  Sintra.

Protecção:  Em  estudo.

Enquadramento:  Acesso  ao  edi;cio  por  escadas  em  cantaria  de  calcário.

Descrição  

Edi;cio  de  planta  centralizada  e  volume  único  de  desenho  composto.  

Com   cobertura   em   terraço,   telhado   de   quatro   águas,   de   telha   4po   Marselha   e  clarabóia  de  vidro6.  

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6  Ver  figura  34,  35  e  36.

D.  INVENTÁRIO  (do  objecto)6

Alçado  principal  com  porta7  de  verga  recta,  protegida  por  portões  de  ferro,  pór4co  e  colunas.  Presença  de  uma  janela  com  trabalho  de  cantaria  “neomanuelino”8.  

Alçados  em   alvenaria  rebocados  e  pintados,   rasgados  por   vãos 9   com   caixilharias  de  madeira,   com  uma  folha  na  cela  e  duas  nas  dependências  da  guarda,   -­‐  as  primeiras  protegidas  por  grades  de  ferro.  

O  interior  apresenta-­‐se  com  coberturas  em  forro  de  madeira  e  abobadilhas,  rebocadas  e  pintadas  bem  como  as  paredes.  

O  pavimento  é  em  soalho  nas  dependências  da  guarda  e  administração;  em  betonilha  de   cimento   nas  demais  dependências.   A   circulação  ver4cal  do   piso   terreno   para  o  primeiro   piso   processa-­‐se   por   escadas   de  madeira,   iluminadas  por   lanternim   com  vidros;  entre  o  segundo  piso  e  o  terraço,   existe  uma  escada  de  ferro,  em  caracol.   As  dependências  possuem  portas  de  madeira.   As  das  celas  abrem  no  sen4do  da  fuga,  bem   como   as   da  guarda,   arrumos  e   administração.   As  de   segurança,   entre  áreas/departamentos  abrem  no  sen4do  contrário  à  fuga.

*Cronologia  

1906.  Após  construção  da  cadeia,  conforme  projecto  do  arquitecto  Adães  Bermudes,  pelo  empreiteiro  João  da  Silva  Pascoal.  

1926,   28   Maio.   O   Decreto-­‐lei  nº   26.643   (Organização  Prisional)   fixa,   no   interior   do  Sistema   Prisional   Português,   a   definição   de   Cadeia   Comarcã   e   as   bases   para   a  concepção  do  seu  correspondente  edificado.  

1969,   4   Junho.   O   Decreto-­‐lei   nº   49.040,   considerava   o   elevado   custo   dos   novos  edi;cios  de  Cadeias  Comarcãs;  o  número  de  instalações  ainda  em  falta  para  completar  a   Rede   Nacional;   a   dificuldade  da   gestão   par4lhada   entre  Ministério   da   Jus4ça  e  Câmaras  Municipais;  a  insuficiência  de  pessoal  de  vigilância;  a  deficiente  economia  do  serviço  e  a  redução  na  população  prisional  (com  cadeias  vazias)  define  os  princípios  orientadores  da  transformação  gradual  de  alguns  edi;cios  de  Cadeias  Comarcãs  de  construção  recente  em  Estabelecimentos  Prisionais  Regionais,  englobando  o  serviço  de  várias  comarcas  e  julgados  municipais.  

1969.  Desac4vação  da  Cadeia  Comarcã.

1971.   O   Decreto-­‐Lei  nº   265/71,   de   18   de   Junho   (MJ/MOP),   es4pula   uma   zona  de  protecção  de  50m  em  redor  do  edi;cio.  

1972.   A  Portaria  nº   374/72,  de  7   de  Julho   (MJ),   ex4ngue  a  Cadeia  a  par4r   de  1   de  Outubro.  

1974.   O   edifício,   que  então  albergava  um  quartel  da  Legião  Portuguesa,   é  ocupado  pelo  Par4do  Comunista  Português.  

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7 Ver  figura  18.8  Ver  figura  18.9 Ver  figuras.

1979.   Tenta4va   por   parte  da  Câmara  Municipal  de  Sintra  de   transferir   os  Serviços  Municipalizados  se  Água  e   Saneamento   para  as   instalações  da  Cadeia.   Projecto   do  Arquitecto  Henrique  Chicó  e  Rui  Duarte.

1984,  10  Agosto.  O  edi;cio  da  Cadeia,  pertencente  ao  património  privado  da  Câmara  Municipal  de  Sintra,  é  cedido,  a  �tulo  gracioso  e  por  um  prazo  de  50  anos,  ao  Grupo  93  de   Sintra  da  Associação   dos  Escoteiros   de  Portugal,   para   instalação   da   secretaria,  recolha  de  material  de  campo  e  concentração  dos  filiados.  

Os  beneficiários  ficam  com  a  responsabilidade  pela  conservação  interior  e  exterior  das  instalações;  construção  de  novas  escadas  de  madeira  interiores;  

1990.   Nova   tenta4va   de   alteração   do   edificado   e   transferência   dos   SMAS   para  a  Cadeia.

Década  de  1990.  Instalação  de  linha  telefónica.  2003.  A  Portaria  nº  831/2003,  de  13  de  Agosto  (MOPTH),  anula  as  zonas  de  protecção  e  ónus  que  afectavam  o  edi;cio  da  Cadeia.

Tipologia:   Arquitectura   judicial,   ecléc4ca.   Edi;cio   que   concilia   elementos   ‘neo’  clássicos,  medievais  e  orientalizantes.

Intervenção   realizada:   Câmara  Municipal   de   Sintra,   reconstrução   do   terraço   para  obstar  as  infiltrações.

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4.  Adães  Bermudes

ARNALDO  REDONDO  ADÃES  BERMUDES10(Porto,  1  de  Outubro  de  1864  —  Sintra,  18  de  Fevereiro  de  1948)

Filho   de   Félix   Redondo   Adães  e   de  Cesina   Romana  Bermudes  nasce   no   Porto,   na  freguesia  de  Santo  Ildefonso,  a  1  de  Outubro  de  1864,  com  ascendência  galega.

Formado   em   Arquitectura   pela   Academia   Portuense   de   Belas   Artes,   foi   aluno   do  mestre  José  Geraldo  da  Silva  Sardinha,  vem  a  concluir  estudos  na  Escola  de  Belas-­‐Artes  de  Lisboa,   em   1886.   Em  1888,   fica  em  primeiro   lugar   no   concurso,   promovido  pela  Academia  de  Belas  Artes  de  Lisboa,  para  obtenção  de  bolsa  de  estudos  no  estrangeiro.

Em   França,   frequenta  a  École   des  Beaux-­‐Arts  de   Paris,   e   faz   estágio   no  atelier   de  arquitectura  de  Paul  Blondel  e  expõe  trabalhos  seus  de  arquitectura  no  Salon.   Após  cinco  anos  de  permanência  em  França,  regressou  a  Portugal  no  ano  de  1894,  iniciando  a  sua  carreira  como  arquitecto.

Das  suas  múlLplas  acLvidades  com  cidadão,  destacam-­‐se:

A.  Arquitecto  e  professor  de  arquitectura,  da  Escola  de  Belas  Artes  de  Lisboa;  B.  Membro  e  Presidente  da  Sociedade  dos  Arquitectos  Portugueses;C.  Funcionário  e  dirigente  do  Ministério  do  Reino  e  posteriormente  do  Ministério  do  Comércio  e  Comunicações;  

D.  Adjunto  encarregue  dos  projectos  de  construções  escolares,  na  Direcção-­‐Geral  de  Instrução  Pública  (1899);  

E.  Director  do  serviço  de  construções  escolares  da  Direcção-­‐Geral  do  Ministério  do  Reino  (1901-­‐1906);  

F.   Secretário   da   Comissão   de   Estudo   das   Construções   nas   Regiões   Sísmicas  (1909);  

G.  Vogal  do  Conselho  de  Arte  e  Arqueologia  (1911);  H.  Vogal  do  Conselho  Superior  de  Instrução  Pública  (1911);  I.  Secretário  da  Comissão  dos  Monumentos  Nacionais  (1911);  J.   Chefe   de   repar4ção   da   Direcção-­‐Geral   de   Belas-­‐Artes   do   Ministério   da  Instrução  Pública  (1926);  

L.  Director   do  Serviço  de  Monumentos  Nacionais  do  Ministério  do  Comércio  e  Comunicações  (1929-­‐1933).

Entre  1917  e  1933,   lecciona  nos  cursos  da  Escola  de  Belas-­‐Artes  de  Lisboa,  exercendo  importante  influência  sobre  toda  uma  geração  de  arquitectos.  Republicano  e  membro  ac4vo   da   Maçonaria,   desenvolve   relevante   acção   polí4ca,   tendo   sido   presidente  interino  da  Câmara  Municipal  de  Lisboa  e  senador  independente  (1918-­‐1919).  

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10  Cfr.  Bibliografia  Geral.

E.  BIOGRAFIA  (do  autor)

Enquanto  projec4sta  recebe  encomendas  para  obras  públicas  e  privadas,  ao  longo  de  toda  a  sua  vida.  Sendo  que,  logo  em  1894  é  premiado  com  a  2ª  medalha  na  Exposição  do  Grémio  Ar�s4co  de  Lisboa.

Em  1895,  obtém  o  lugar  de  arquitecto  no  Ministério  do  Reino:  Arquitecto  de  1ª  classe  daquele   Ministério,   em   1906.   Ao   longo   da   sua  carreira   como   alto   funcionário   do  Estado  e  dirigente  da  Administração  Pública,  Adães  Bermudes  exerce  diversos  cargos  ligados  ao  planeamento  e  controlo  das  Obras  Públicas.

*

Do  seu  trabalho  enquanto  arquitecto  salienta-­‐se  a  concepção  de  um  Bairro  de  Casas  Económicas  –  o  Bairro  do  Arco  do  Cego  –,  segundo  modelo  da  cidade-­‐jardim,  em  1897  e   em   1898,   o   1º   prémio   no   concurso   de   concepção   de   uma  Tipologia  de   Edi;cio  Escolar.  Modelo  aplicado  a  todo  o   território  português,   que  deveria  exceder   os  300  exemplares.   Na   realidade   foram   construídas   apenas   184   escolas   (1902-­‐1912).   A  4pologia  é  ainda  hoje  designada  Adães  Bermudes

Ainda  no  domínio  do  Ensino  é  ainda  autor  dos  projectos  da  Escola  Central  Primária  de  Santa   Cruz   (Coimbra,   1905-­‐1907),   do   Ins4tuto   Superior   de   Agronomia   de   Lisboa  (Tapada  da  Ajuda,  1910)  e  da  Escola  Normal  Primária  de  Lisboa  (Quinta  de  Marrocos,  Benfica,  1913).  Elabora  as  Agências  do  Banco  de  Portugal  e  Estabelecimentos  Prisionais  em  diversas  cidades.

Da   sua  autoria   são   também  os  Paços  do   Concelho  da  Câmara  Municipal  de   Sintra  (1908),   bem   como   o  Mausoléu   dos   Benfeitores  da  Santa   Casa   de  Misericórdia   de  Lisboa,  no  Cemitério  do  Alto  de  São  João  (Lisboa,  1908).  

Nestas  obras,  Adães  Bermudes  usou  um  es4lo  arquitectónico  que  combina  traços  ‘neo’  manuelinos   e   revivalistas,   num   es4lo   ecléc4co   e   variado.   Como   arquitecto   cedo  evidencia  o  apreço  pelos  historicismos,   não  deixando  de  conciliar   novas  tendências.  Assim,  ainda  em  1908  é  construído,  com  influência  Art  Noveau,  o  edi;cio  em  gaveto  na  Avenida  Dona  Amélia  (actualmente  Avenida  Almirante  Reis,  Lisboa),  dis4nguido  com  o  Prémio  Valmor.

Em  1914  é  membro  da  equipa  que  concebe  o  Monumento  ao  Marquês  de  Pombal,  na  Praça  Marquês  de  Pombal,  em  Lisboa,  inaugurado  em  1934.  

A  seu  cargo  ficam  diversas  intervenções  de  conservação  e  restauro  em  monumentos  nacionais,  entre  os  quais:  No  Palácio  Nacional  de  Sintra;  No  Convento  de  Mafra;   No  Palácio  de  Queluz;  Na  igreja  do  Mosteiro  dos  Jerónimos;   No  Museu  Nacional  de  Arte  An4ga  e  no  Museu  Nacional  de  Belas  Artes,  de  Lisboa.

Principais  projectos:

1896.    Projecto  para  as  Habitações  Económicas  em  Lisboa,  Porto  e  Covilhã;1897.    Bairro  de  Casas  Económicas;  1898.  Tipologia  de  Edi;cio  Escolar;

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1905-­‐1907.  Escola  Central  Primária  de  Santa  Cruz,  Coimbra;  1902.  Edi;cio  do  Banco  de  Portugal  em  Bragança;1902.  Igreja  Paroquial  de  Espinho,  Espinho;1903.  Cadeia  de  Anadia;1905.  Matadouro  de  Sintra,  Sintra;1907.  Escola  Primária  de  Santa  Cruz,  Coimbra;1908-­‐1909.  Paços  do  Concelho  de  Sintra,  Sintra;1908-­‐1909.  Cadeia  Comarcã,  Sintra;1908.  Mausoléu  dos  Benfeitores  da  Santa  Casa  de  Misericórdia  de  Lisboa;1908.  Edi;cio  na  Avenida  Almirante  Reis,  n.º  2  -­‐  Prémio  Valmor;1909.  Palácio  do  Conde  de  Agrolongo,  Lisboa;1910.  Escola  Secundária  Avelar  Brotero,  Coimbra;1910.  Estação  Postal  da  Anadia,  Anadia;1910.  Instalações  do  Ins4tuto  Superior  de  Agronomia  (ISA),  Tapada  da  Ajuda,  Lisboa;1912.   Colónia   Penal   Agrícola   de   António   Macieira,   Sintra.   Hoje   Estabelecimento  

Prisional  de  Sintra;1912-­‐1918.  Ampliação  do  Museu  de  Belas  Artes,  Lisboa;1914.  Monumento  ao  Marquês  de  Pombal,  Lisboa;1914-­‐191.  Escola  Normal  Primária  de  Lisboa,  na  Quinta  de  Marrocos  (Benfica),  Lisboa;1915.  Hospital  da  Covilhã,  Covilhã;1916.  Hospital  de  Oleiros,  Oleiros;1916.  Escola  Primária  Doutor  Leitão,  Ansião;1916-­‐1926.  Edi;cio  do  Banco  de  Portugal  em  Faro,  Faro;1919.  Bairro  do  Arco  do  Cego,  Lisboa;1932.Escola  Primária  de  Santa  Leocádia,  Baião;1934.  Monumento  ao  Marquês  de  Pombal,  Lisboa  (em  colaboração  com  António  de  

Couto  Abreu  e  com  o  escultor  Francisco  Santos);1935.  Edi;cio  do  Banco  de  Portugal  em  Ponta  Delgada,  Açores;1935.  Igreja  Paroquial  de  Espinho.

Prémios  atribuídos:

2ª  Medalha  na  Exposição  do  Grémio  Ar�s4co,  em  1894;  

 Medalhas  de  ouro  e  prata  na  Exposição  Universal  de  Paris,  em  1900;

Prémio  Valmor,  em  1909;  

18ª  medalha  da  Sociedade  Nacional  de  Belas  Artes,  em  1911;

Medalhas  de  honra  e  ouro  na  Exposição  Internacional  do  Panamá-­‐Pacífico,  em  1915.

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5.  Prémio  Valmor,  Lisboa,  em  1909  (in  Ilustração  Portuguesa)

«Toda   a   dinâmica   do   movimento   liberal   português   encerra   um   apelo   à   esperança  salvadora  da  “pátria  agonizante”.  À   crise  generalizada  do  “AnTgo  Regime”,   respondem  os   liberais  com   a   “Regeneração”.   Sonho   catalisador  de  uma   desejada  unidade   social  empenhada   na   consolidação   de   um   regime   monárquico   consTtucional.   Consumar   a  liberdade,   consolidar   a   glória   nacional,   conquistar   a   felicidade   humana   e   social   são  valores  que  a  regeneração  liberal,  herdeira  do  ideário  das  Luzes,  procurou  realizar»  (T.  RIBEIRO,  1994:14).

O   século   XIX   português   é  marcado   por   uma  grande   instabilidade  polí4ca.   Após  as  primeiras   décadas   de   1800,   era   facilmente   compreensível   o   atraso   que   afastava  Portugal  da  Revolução  Industrial,  nascida  em  Inglaterra  em  meados  de  1700.  Em  1851,  com   advento   do   liberalismo,   e   a   queda   do   regime  de   Costa  Cabral,   assis4mos  ao  designado  período  da  “Regeneração”,  cujo  personagem  destacado  é  Fontes  Pereira  de  Melo  (1819-­‐1887).  

A  “Regeneração”   foi  caracterizada  pelo  esforço  de  desenvolvimento  económico  e  de  modernização  de  Portugal,  a  que  se  associaram  pesadas  medidas  fiscais  e  apresentava  como  ponto  fulcral  do  seu  programa  polí4co  a  renovação  do  próprio  sistema  polí4co  e  a   criação   das   infra-­‐estruturas   básicas   necessária   ao   desenvolvimento   do   país.   O  movimento  4nha  como  objec4vo  central  estabelecer  de  forma  defini4va  o  liberalismo  em  Portugal  e,  para  tal,  adoptou  os  princípios  estabelecidos  na  Carta  Cons4tucional  de  1826,  introduzindo-­‐lhe  as  necessárias  reformas  pelo  Acto  Adicional  de  1852.

Procurou-­‐se,   portanto,  durante  este  período  o  incremento  da  modernidade  no  país,  relegando  ao  passado  as  Guerras  Liberais,   não  sem  sequelas.  Da  revolução  de  1820  resultou   um   sen4mento   enraizado   de   decadência   e   alimentou-­‐se   de   um   desejo  indizível  de  regeneração.  Assim,  Portugal  entra  numa  fase  de  progresso  material,  com  a  implementação  de  infra-­‐estruturas  viárias,   estradas  e  caminhos-­‐de-­‐ferro,  a  criação  da   rede   telegráfica  e   a  modernização   da   indústria,   da   agricultura   e   do   comércio,  recuperando  lentamente  do  atraso  em  que  se  encontrava,  tendo  ainda  de  refazer-­‐se  da   recente   perda   do   Brasil.   Essa   perda,   a   recessão   económica   e   a   incapacidade  governamental  inviabilizaram  mudanças  estruturais.  

Embora  algumas  das  medidas  tomadas  digam  respeito  à  criação  do  ensino  industrial  e  promoção  de  uma  polí4ca  de  obras  públicas,  que  revitalizariam  o  tecido  económico,  a  desagregação   do   “An4go   Regime”   e   a   desfeudalização   económica   e   social   não   se  efec4vou  rapidamente.  O   arcaísmo  da  estrutura  social,   a  debilidade  da  burguesia,   o  atraso   a   nível   económico,   tecnológico   e   mental   bloquearam   o   processo   de  transformação.   A   estrutura   específica   da   sociedade   portuguesa,   conjugada   às  dificuldades  conjunturais,  determinou,  pois,  que  o  liberalismo  oscilasse  sempre  entre  propostas  de  pendor   conservador  da  ordem  tradicional  e  a  inadiável  necessidade  de  desenvolver   o   país.   O   percurso   de   Portugal   de   oitocentos   prendeu-­‐se   sempre   à  problemá4ca   dicotómica   –   Decadência/Regeneração   –   em   função   do   mito   do  Progresso.

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F.  CONTEXTO    (fórmula  de  complexidade)

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Do  ponto  de  vista  social,  e  paralelamente,  após  a  abolição  da  escravatura  no  Brasil,  dá-­‐se  o  regresso  à  Pátria  dos  negreiros  e  outros,   trazendo  consigo  fortunas,  cons4tuíam  um   contributo   importante   para   o   reforço   da   economia   nacional.   Assiste-­‐se   a   um  desenvolvimento  económico,  industrial  e  demográficos,  sen4do  sobretudo  nos  meios  urbanos,  não  obstante  a  grande  agitação  polí4ca.    Em  simultâneo,  tornava-­‐se,  visível  a  crescente  degradação  da  monarquia,  emergindo  lutas   e   facções   rivais,   o   que   gerava  um   descontentamento   geral.   Por   um   lado,   a  ascendente   e   aspirante   burguesia   urbana   prosperava   com   o   desenvolvimento   da  indústria  e  do  comércio,  procurando  o  poder  e  um  clima  polí4co  estável;  por  outro,  o  proletariado   tomava   consciência  de  classe,   organizando-­‐se   na   defesa   de  melhores  condições  de  vida,  onde  4nham  especial  relevo  o  trabalho  e  a  habitação.

No   ano   de   1890,   o   “Ul4mato   inglês”   dava,   por   úl4mo,   o   abalo   à   credibilidade  monárquica,  colocando  em  cheque  o  orgulho  e  a  soberania  nacional.  É  neste  contexto  que   surge   o   Par4do   Republicano,   cuja   primeira   manifestação   violenta   surgirá,  precisamente,  na  sequência  do  “Ul4mato”  –  a  revolta  portuense  de  31  de  Janeiro  de  1891  –  levando  ao  deflagrar  de  uma  crise  económica  e  à  suspensão  de  inicia4vas.

Neste  seguimento,  em  1908,  a  contestação  à  monarquia  e  ao  seu  governo  radicaliza-­‐se,  culminando  na  revolução  de  5  de  Outubro  de  1910,  que  conduzirá  à  implantação  da  República.  Nela,  na  República,  projectara  o  povo,  a  resolução  dos  seus  problemas  e  o  avanço  do  país.

Pode-­‐se  então  dizer  que,  o  clima  de  instabilidade,  acabou  por  ser,  independentemente  dos   mo4vos,   uma   constante   que   atravessou   o   século   XIX   e   que   perdurou,  atravessando   toda   a   I   República,   a   ditadura  militar   de   1917   de   Sidónio   Pais,   só  terminando  em  1932,  com  a  polí4ca  do  Estado  Novo.

«As   interferências,   os   mimeTsmos   e   as   resistências   entrecruzam-­‐se   no   interior   da  evolução   do   fenómeno   cultural.   É   que   a   dimensão   nacional   não   é,   por   si   só,  culturalmente  abrangente  ou  globalizante.  A  fidelidade  aos  nacionalismos  culturais  não  exclui  a  emergência  de  um  desejável  cosmopoliTsmo.  Assimilação  e  resistência,  reacção  e   fascínio   dos   meios   intelectuais   e   populares   são   comportamentos   da   História   da  Cultura»  (T.  RIBEIRO,  1994:  16).

Para  levar   a  transformação  a  todo  o  país,  tornou-­‐se  cada  vez  mais  necessário,  não  só  recursos   financeiros   e   planos   polí4cos   adequados,   como   um   desenvolvimento  industrial   e   tecnológico.   Procuraram-­‐se   processos   constru4vos   de   execução   mais  rápida   e   eficaz,   nas  respostas   às  novas  solicitações  programá4cas.   A   Modernidade  exigia,   de  forma  pragmá4ca,   novas  polí4cas  e  consensos  entre  públicos  e  privados;  novos  4pos  arquitectónicos,   aplicados  e  adequados  a  novas  funcionalidades  (com   o  nascimento   das   Ins4tuições   da   Modernidade);   e   novas   materialidades,   que  

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G.  ARQUITECTURA    (problemáTcas  de  modernidade)

permi4ssem   avançar   a   engrenagem   do   progresso.   Porém,   a   estruturação   de   uma  sociedade  liberal  exigia,  para  lá  da  nova  regulação  jurídica  da  ac4vidade  polí4ca  e  da  ac4vidade  económica,  a  formação  do  cidadão.

Construir  a  “civilização”  liberal  supunha  a  criação  de  novas  prá4cas  sociais,  materiais  e  simbólicas,   de   novos   quadros   de   valores,   de   novas   formas   de   sociabilização.   A  estruturação  de  uma  nova  cultura  inquietava  os  liberais  e  preocupava  os  intelectuais  portugueses.  Inquietude  que  alentava  a  incessante  busca  da  iden4dade  nacional.

Do  ponto  de  vista  da  Arquitectura  e  da  construção,  o  facto  dos  edificados  passarem  a  obedecer   a  novos  requisitos  de  discurso   e  de   função,   adoptando  cada  vez  mais  os  materiais  em  voga:   o   ferro,   o  vidro   e  o  cimento   armado,   levam  também,   de  forma  gradual,   mas  evidente,   à   reformulação  do   entendimento   de  Projecto  e   irá  acicatar  relações  entre  Arquitectos  e  Engenheiros.  

Na  verdade,   os  novos   espaços   das   ac4vidades  modernas  necessitavam   de  grandes  vãos.  Vencer  estas  distâncias,  suportando  a  cobertura  de  vastos  espaços  ou  resis4ndo  a  grandes  cargas  com  um  número  reduzido  de  apoios,  implicava  o  uso  de  um  material  resistente  a  esforços  de  tracção.  É  assim  que,  a  par4r  de  meados  de  1800,  se  assiste  à  crescente  aplicação  do  ferro  nas  estruturas  de  novas  construções,  sobretudo  naquelas  em  que  o  carácter   u4litário  é  dominante.   Assim   se,   por   um   lado,   a  complexidades  crescentes  das  estruturas  tornavam  o  cálculo  necessário  levando  à  separação  ní4da  entre   os   campos   da   engenharia   e   da   arquitectura   e   à   sua   clivagem,   também   a  complexidade  da  vida  moderna  obriga  a  uma  redefinição,  no  caso  dos  Arquitectos,  de  escala,  de  programa  e  de  uso.  

O   arquitecto,   vocacionado   à   resolução   desses   novos   programas,   embrenha-­‐se   na  busca  da  linguagem  que  melhor  os  sirva  –  afirmando-­‐se  como  ar4sta  –  e  buscando  no  passado  as  referências  e  valores,   entendidos  como  perenes  da  arquitectura,  na  falta  de  “uma  esté4ca  que  resultasse  dos  novos  materiais  e  das  novas  tecnologias”.  A  falta  de   um   ensino   e   inves4gação   constantemente   ‘em   contacto’   com   o   exterior,   a  dificuldade  de  ruptura  com  o  passado  e  uma  curta  noção  corpora4va  da  classe  ajuda  ao  facto  de,  muitos  edi;cios  reflec4ram  a  dicotomia  entre  Arquitecto,  de  linguagem  Beaux-­‐ar4ana,  e  o  pragma4smo  dos  Engenheiros.  Uns  exibindo  partes  funcionais  sem  grandes  preocupações  esté4cas,   e  uma  outra,   retórica  e  simbólica,   construída  com  materiais  tradicionais  e  u4lizando  linguagens  que  reu4lizavam  os  es4los  históricos  de  forma  ecléc4ca,  com  recurso  à  decoração.  

Aos  poucos,  o  contributo  dos  novos  materiais  será  assimilado,  o  papel  da  estrutura  de  suporte  ;sico  ganhará  lugar  como  elemento  ac4vo  da  composição,  tornando-­‐se  cada  vez   mais   coincidente   a   estrutura   de   suporte   ;sico   e   a   estrutura   de   suporte   da  ar4culação  formal.

Porém,   em  Portugal,  o  atraso  anteriormente  manifesto  nas  diferentes  etapas  do  seu  desenvolvimento,   irá   também   revelar-­‐se   neste   domínio.   As   hesitações,   ensaios   e  experiências  avulsas,  em  busca  de  uma  linguagem  moderna  própria  irão  atravessar  o  século  XIX  e  persis4r  até  aos  anos  20  do  século  XX,  de  forma  concomitante.

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A   “moda  das  arquitecturas  ‘neo’”   –   historicismos  e  revivalismos   –   é   rela4vamente  tardio  no  nosso  país,   face  à  restante  Europa.   Assim,   em   inícios  do   século  XX,   a  sua  presença  ainda  é  muito  evidente.  Diz  Adães  Bermudes,  em  1904:  «Os  mil  recursos  que  as  indústrias  e  os  novos  elementos  oferecem   aos  arquitectos  estrangeiros  são   letra  morta  para  nós  (…),  limitados  quase  à  pedra  de  lancil  e  perpianho,  à  tábua  de  três  fios,  ao  4jolo  barro  e  à  barrinha  de  meia  polegada».   Seis  anos  depois  ainda  «(...)  poucos  técnicos  experimentavam   relutância  pelo  processo   (do   cimento   armado)»,   segundo  uma  revista  da  especialidade  (FRANÇA,  1990:132).

IdenLficam-­‐se   alguns   dos   moLvos   para   que   esse   historicismo   tardio   perdure   em  território  português

A.  De  natureza  polí4ca:  os  discursos  ar�s4cos  revivalistas  ancorados  no  passado    e  de  teor  nacionalista.

As   arquitecturas   neomedievais   construídas   em   Portugal   alicerçaram-­‐se   na   ideia  românTca  do  ressurgimento  nacional,  a  parTr  de  1840,  que  se  prolongam  até  ao  1º  quartel   do   século   XX.   Fundamentam-­‐se   em   correntes   ideológicas   específicas,  conducentes  a   um  problema  de   individualismo  nacional   -­‐   que  confluíram   na   'casa  portuguesa'   (programa  de  dúbio)   e   que,   longe  da  mera   cópia,   funcionaram   como  produto   que  evidenciava,   através   da  gramáTca   'moderna',   uma   representação   de  realidade  adaptada.

B.  Encomendas  públicas  e  privadas  que  preferem  a  “imagem  do  passado”  como  fonte  de  afirmação  pessoal  e  simbólica.

O   neomanuelino  encontraria  contudo,   algumas  limitações  ao  seu  uso:   por   um  lado,   apesar  de  ligado  aos  descobrimentos,   poderia  ser  conotado  com  a  época  de   decadência  que  imediatamente  se   seguiu;   por   outro,   não   servia  todos  os  programas,  sendo,  sobretudo,  aplicado  a  monumentos  religiosos  e  militares.  

C.  A  ausência  de  uma  cultura  arqueológica  e  de  história  da  arquitectura,  tanto  ao  nível  do   ensino   quanto   da   inves4gação.   E   a   ausência   de   um   movimento   de  «restauro»/«conservação»  forte.

«Desde   os   anos   80   do   século   XIX,   que   Portugal   procurava   classificar   os   seus  monumentos,  mas  na  passagem  do  século  ainda  não  era  assunto  resolvido.  «Em  80,  (…)  Rangel   de   Lima   e   Alfredo   de   Andrade,   que,   como   restaurador   de   monumentos  históricos,   (…)   elaboraram  um   relatório   dirigido   ao   inspector   da  Academia  de  Belas-­‐Artes,   pedindo   que  se  adverTssem   os   possuidores   parTculares  de  monumentos  para  que  cuidassem  deles  e  os  não  desfigurassem  com  restauros  abusivos»  (FRANÇA,  1990:  74).  Era  recorrente  a  má  inventariação  de  monumentos,  a  par  de  uma  ineficácia  oficial  resultado  de  «um  ponto  de  vista  ao  mesmo  tempo  tecnocráTco  e  empírico»  (FRANÇA,  1990:  75).  A  prova  disso  vamos  encontrá-­‐la,  nas  emblemáTcas  obras  dos  Jerónimos,  mas  também   patente   na   Sé   de   Lisboa   e   em   tantos   outros   monumentos   românTcos   que  passavam   a   merecer   nova   atenção   da   parte   dos   estudiosos.   «O   movimento  historiográfico,  que,  animado  por  Joaquim  Vasconcelos,  naturalmente  acompanhou  este  processo,  garanTu  o  significado  cultural  da  nova  situação  (…)»  (FRANÇA,  1990:  174).  

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Porém,   propõe-­‐se   salvaguardar   a   ideia   de   que,   os   arquitectos   deste   período   não  estavam  restringidos  à  u4lização  de  uma  gramá4ca  inspirada  apenas  no  passado  e  na  maior   parte   dos   casos   limitaram-­‐se   a   assinar,   dentro   desse   ‘gosto’,   um   ou   dois  projectos.  

Deveria   portanto,   em   simultâneo,   a   alguma   crí4ca   à   esté4ca   e   decoração   dos  edificados  juntar-­‐se  a  valorizam-­‐se  de  alguns  aspectos  desta  arquitectura  de  transição:  a   racionalidade  das   plantas  e   cortes   (em   detrimento   dos  alçados);   a   eficácia   e   a  u4lidade  de  algumas  soluções  formais  e  do  uso  dos  materiais,  que  já  se  encontravam  presentes  como  critérios  de  aferição  da  qualidade  arquitectónica.

Embora  per4nente,   esta  problemá4ca  em  torno  da  arquitectura  historicista  colocou  sistema4camente  o  enfoque  nas  questões  do  es4lo;   de  qualificação  e  apreciação  da  arquitectura,  ‘como  imagem’  e  não  do  objecto.  

Ainda  assim,   nunca  antes  do  século  XIX,   a  arquitectura  se  pode  expandir   enquanto  disciplina  de  programa  complexo.  A  vida  contemporânea  obrigou  a  pensar  o  Espaço,  a  Forma  e  a  Função  das  infra-­‐estruturas,  que  associadas  a  um  discurso  polí4co  e  a  uma  prá4ca  social  permitem,  efec4vamente,  o  quo4diano  numa  realidade  moderna.  Nasce  a   reflexão   sobre   a   Tipologia   Arquitectónica   (ideário/projecto/materialidade)   e   o  nascimento   das  novas  Ins4tuições  Modernas:   da  escola,   do  hospital,   do  museu,   da  biblioteca  ou  da  prisão.

A   incompreensão   deste   problema,   específico   à   disciplina   e   novo   em   Portugal,  dificilmente  permi4ria   ir   além   de  soluções  empíricas  –   ou   fora  de  um   contexto   de  praxis  tradicional.   A   expansão  e  libertação  da  disciplina  será  gradual.  No  panorama  português,  temos  em  1900,  a  discussão  e  projectos  em  torno  Programas  Habitacionais  e   a   Tipologia   Escolar   (Adães   Bermudes).   Soluções   que   surgiam,   na   tenta4va   de  minimizar,   do  ponto  de  vista  social,  as  desigualdades,  mas  não  sem  aproveitamento  polí4co  para  a  caracterização  nacional,  e  da  sua  iden4dade.

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ENQUADRAMENTO  LEGAL

«Vão   de   longe,   na   velha  legislação   portuguesa,   disposições  de   vária  ordem   contra   a  vagabundagem  do  crime,  ou  simplesmente  ociosa  (…).

O  Código  Penal  de  1886,  que  nesta  parte  copiava  o  de  1852  e  posteriormente,  a  lei  de  3  de  Abril  de  1896  e  o   decreto  de  23  de  Março  de  1899   fixavam  as  condições  em  que  determinados   indivíduos   deveriam   ser   classificados   como   vadios   e   aquelas   em   que  outros  lhes  deveriam  ser   equiparados  para  o  efeito  de,  uns  e   outros,   serem  postos  à  disposição   do   Governo,   o   qual   lhes   daria   trabalho   pelo   tempo   e   em   locais   que   lhe  parecessem  convenientes,  ou  poderia  deportar  para  as  possessões  ultramarinas.  

Na  lei  de  3  de  Abril  de  1896,  aparece  já  porém,  a  referência,  no  seu  Art.º  7º,  de  que  o  trabalho  a  que  o  Governo  poderia  compelir  os  delinquentes  que  a  jusTça  pusesse  à  sua  disposição,   seria   feito   em   algum   estabelecimento   público   adequado,   quando   o  houvesse,  sem,  aliás,  definir  qual  ele  havia  de  ser.  Tudo   o  que  estava   legislado  Tnha,  pois,   deficiências   a   que   era   preciso   pôr   termo,   dando   novo   rumo   às   possibilidades  criadoras   de   trabalho   de   vadios   e   reincidentes   e   fixando   as   modalidades   dos  estabelecimentos  apropriados,  aos  quais  vagamente  a  lei  de  Abril  de  1896  se  referia  e  pelos  quais  se   procurasse,   tanto  quanto   possível,   transformar  o   trabalho   dos  presos,  acompanhado   de   meios   de   disciplina   e   de   educação   especiais,   em   instrumento   de  uTlidade  e  de  produção,  ao  mesmo  tempo  que  da  sua  melhoria  8sica  e  moral»11.  

O  Decreto-­‐lei  nº  26.643,  de  28  Maio  193612,  refere-­‐se  à  Organização  Prisional  e  fixa,  no  interior  do  Sistema  Prisional  Português,  a  definição  de  Cadeia  Comarcã  e  as  bases  para  a  concepção  do  seu  correspondente  edificado.  Des4nada  ao  cumprimento  da  pena  de  prisão   até   3   meses,   na   qual   se   actua   por   in4midação,   para   prevenção   geral   e  "sa4sfação  do  sen4mento  de  jus4ça",  com  isolamento  celular  con�nuo.  Salvo  para  os  presos  com  boa  conduta  ao  fim  de  1  mês,  aos  quais  é  permi4do  o  trabalho  em  comum.  E  de  prisão  preven4va  ou  "detenção",  à  ordem  da  autoridade  administra4va  ou  policial  e  aguardando  julgamento,  com  isolamento  con�nuo  nos  primeiros  30  dias,  e  sempre  com  isolamento  nocturno.  

A   construção  de  edi;cios  próprios  para  as  Cadeias  Comarcãs  foi   jus4ficada  por   ser  considerado  inú4l  e  caro  o  transporte  dos  presos  às  Cadeias  Centrais  e  injusto  e  inú4l  o  afastamento  dos  de4dos  do  local  de   residência  e   julgamento   –   prevê  duas  secções  

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 Conf.  SANTOS,  Eurico  Pereira  dos,  Separata  do  2º  Volume  do  BoleTm  da  Administração  Penitenciária  e  dos  InsTtutos  de  Criminologia:  “Apontamentos  sobre  a  Colónia  Penal  de  Sintra”  (s.d.).12  Conf.  Inventário  do  Património  Arquitectónico.  Ficha  IPA  031111110106.  Ver  Bibliografia.

H.  PROJECTO  (premissas  de  um  tempo)

absolutamente  dis4ntas,  para  adultos  de  ambos  os  sexos,  sem  qualquer  possibilidade  de  comunicação  (mesmo  visual).  

A  sua  capacidade  não  deve  exceder  a  média  dos  presos  preven4vos  e  condenados  até  3  meses  dos  5  anos  anteriores,   acrescida  de  1/3,   -­‐  e  deve,  "sobretudo  nas  terras  de  provável  desenvolvimento",  suportar  ampliação12.

A  localização  ideal  será  junto  ou  no  mesmo  edi;cio  do  tribunal  –  por   de  tratarem  de  Cadeias   Preven4vas   –   ou   em   lugar   isolado,   "devendo   igualmente   o   exterior   ser  construído  de  maneira  a  não  aparentar  o  aspecto  de  prisão".  

A   aquisição   de   terrenos   e   a   construção,   reparação,   conservação   e   instalação   de  Cadeias   Comarcãs   ficam   a   cargo   dos   respec4vos   municípios,   podendo   ser-­‐lhes  concedidos   subsídios  pelo  Estado,   para  tal   fim.   Todavia,   não   pode  ser   feito   senão  conforme   o   plano   a   estabelecer   pela   Comissão   das   Construções   Prisionais,   que  funciona  junto  do  MOP  (decreto-­‐lei  nº  26.643).  Cons4tuem  uma  Cadeia  Comarcã,  além  das   celas   individuais   e   disciplinares,   a   secretaria,   o   parlatório   e   o   gabinete   de  magistrados,  a  habitação  do  carcereiro  e,  em  cada  secção  de  homens  e  mulheres,  as  casas   de   trabalho   –   que   podem   ser   recurso   para   alojamento   de   de4dos   ou   de  condenados,   em   caso   de   necessidade,   ou   u4lizadas   como   capela  –   as   instalações  sanitárias  e  os  espaços  para  recreio  e  exercícios,  cobertos  e  descobertos.  A  direcção  é  exercida   pelo   Magistrado   do   Ministério   Público,   sendo   o   serviço   quo4diano  assegurado  pelo  carcereiro.  

A  alimentação  é  fornecida  por  en4dades  externas,  privadas  ou  públicas.  

O  serviço  de  saúde  fica  a  cargo  do  médico  municipal.

O   serviço   de   assistência   é   entregue   ao   pároco   da   freguesia   e   a   grupos   locais   de  visitadores.  

*

O  Decreto-­‐lei  nº  49.040,  de  4  de  Junho  de  196913  considera,  por  seu  turno,  o  elevado  custo   dos   novos  edi;cios   de  Cadeias  Comarcãs.   Pondera   o  número  de   instalações  ainda  em  falta  para  completar   a  Rede  Nacional  e  a  dificuldade  da  gestão  par4lhada  entre  Ministério  da  Jus4ça  e  Câmaras  Municipais.

Refere  ainda  o  insuficiente  pessoal  de  vigilância;  a  deficiente  economia  do  serviço  e  a  redução  na  população  prisional  (com  algumas  cadeias  vazias).  Neste  sen4do,  define  os  princípios   orientadores   da   transformação   gradual   de   alguns   edi;cios   de   Cadeias  Comarcãs   de   construção   recente,   em   Estabelecimentos   Prisionais   Regionais,  englobando  o  serviço  de  várias  comarcas  e  julgados  municipais.  

Cada   Estabelecimento,   deste   novo   4po,   des4nava-­‐se   ao   cumprimento   de   prisão  preven4va  e/ou  penas  curtas  (até  6  meses),  por  um  mínimo  de  25  reclusos,  permi4ndo  

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13  Conf.  Inventário  do  Património  Arquitectónico.  Ficha  IPA  031111110106.  Ver  Bibliografia.

limitar   a  necessidade  de  novos  edi;cios  e  pessoal  de  vigilância  e  potenciando  uma  observação  dos  reclusos,  tendente  à  melhor  individualização  da  reacção  penal.

Os   condenados   e   simples   de4dos   são   instalados   em   secções   dis4ntas,   caso   o  Estabelecimento   sirva  os  2   fins,   bem   como  os  menores  de  21   anos.   Nas  Comarcas  desprovidas  de  Estabelecimento  Prisional,  prevê-­‐se  a  criação  ou  adaptação  de  postos  de  detenção.  Para  estudar  o  agrupamento  das  comarcas  e  julgados  municipais  a  servir  por   Estabelecimentos  Prisionais  Regionais,   é   criada  uma  comissão,   a  nomear   pelos  ministros  da  Jus4ça  e  das  Obras  Públicas,  aos  quais  cabe  ainda  a  aprovação  do  plano  de  construções  das  Cadeias  Regionais.  A  construção  e  a  adaptação  de  novas  Cadeias  Comarcãs   no   con4nente   (excepto   as   de   Lisboa,   Porto   e   Coimbra)   são   suspensas  durante   a   elaboração   do   estudo,   sendo   a   realização   dos   novos   estabelecimentos  prisionais   regionais   confiada   à   Comissão   das   Construções   Prisionais.   A   ex4nção  efec4va  de  cada  Cadeia  Comarcã  e  Julgado  Municipal,  dependente  das  conclusões  do  estudo,  será  progressiva,  por  portarias  a  publicar  especificamente  para  cada  caso.

A   punição14,   enquanto   método   e   meio   de   coerção   e   elemento   fundamental  cons4tuinte  da  organização  social  é  parte  da  evolução  histórica  recente.  A  criação  das  leis  penais  que  a  regulam,  a  sua  efec4vação  como  prá4ca  –   repressiva  e  disciplinar  –  bem  como,  o  nascimento  das  ins4tuições  carcerárias  e  correccionais  surge  em  meados  do   final   do   século   XVIII,   quando   a   pena   de   prisão   se   começou   a   assumir   como  relevante   na   reabilitação   dos   condenados.   Até   lá,   as   formas   de   cas4go   e   a   sua  aplicação  obedeciam  a  valores  de  outra  ordem,  patentes  no  suplício  do  corpo  e  deste  modo,  o   cumprimento  de  uma  pena  por   parte  de  um  delinquente,   não  obedecia  à  regulação  de  uma  Ins4tuição,  nem  obrigava  ao  mesmo  4po  de  acomodações.

Para  a  transformação  desta  ordem  de  prá4cas  e  valores,   foi  necessária  a  par4cipação  de  arquitectos  e  teóricos  juristas  para  a  concepção  de  edi;cios  que  respondessem  às  novas  doutrinas  criminais.  Tanto  o  programa  do  edi;cio,  como  o  modelo  definidor  da  sua   espacialidade   é   criação   integral   da   modernidade   e   cons4tui-­‐se   uma   das  Ins4tuições  mais  representa4vas.

Com  a  divulgação  e  consolidação   do  racionalismo   filosófico   inerente  ao   Iluminismo,  começaram  a   tomar   corpo  e   a  desenvolver-­‐se,   do  ponto   de  vista  urbano,   edi;cios  representa4vos  da  unificação  e  codificação  norma4va,  fortalecido  no  contexto  de  uma  sociedade  burguesa.  O  crescimento  do  conceito  de  edi;cio  público,  associado  à  ideia  de  progresso  fizeram  surgir  e  definir  arquitecturas  4po.  

 Adequações  específicas  às  funções  e  seus  propósitos

Estas  construções  encerravam  um  programa  cada  vez  mais  complexo  e  específico,  que,  a  par4r  de  determinado  momento,   se  consubstanciou  numa  repe4ção,  tanto  devido,  ao  nascimento   de  um  modelo   –   que  encerra  em  si,   todas  as  necessidades  –   como  devido  ao   facto  do  consenso  entre:   polí4cos,   higienistas,   criminalistas,   pedagogos  e  museólogos,  durante  o  século  XIX,  limitarem  as  soluções.

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14  Conf.  Foucault.

Algumas  destas  questões  estão  expressas  já  em  1791,  no  PanopLcom,   de  Bentham.  Nele  surgem,  desde  logo,  enunciadas  as  possibilidade  –  que  criaram  um  paradigma  –  de  aplicar  no  mesmo  edi;cio,  e  através  da  sua  materialidade/espacialidade,   forma  e  discurso.   Tudo  “através  de  uma  simples  ideia  de  arquitectura”.   Esta  utopia  levaria  a  uma  reforma  completa,  que  se  pensava  capaz  de  assegurar  aos  presos  a  regeneração  e  uma  conduta  correcta,  não  descurando  a  saúde,  higiene,  disciplina  e  trabalho.

Centralizado  e  em  unicidade  entre  forma  e  discurso,   o  plano  panóp4co  possibilitava  efec4vo  controlo,   com  máxima  economia  de  meios.   Como  disposi4vo  permi4a  uma  vigilância  global  do  complexo  a  par4r   desse  ponto  –  torre  com  persianas  –,  de  onde  um   só  guarda,   sem  ser   visto  e  sem  u4lizar   qualquer   meio   repressivo/coercivo  ;sico  tradicional,  podia  controlar  a  totalidade  do  edi;cio  e  dos  seus  ocupantes.

Com  este  modelo,  a  punição  sustentava-­‐se  sobre  a  ideia  de  vigilância  –  transparente  –  e  obstava  a  qualquer   tenta4va  de  evasão,  dispensando  qualquer  contacto  ;sico.  Além  do   mais,   a   assunção   de   uma   vigilância   constante   pelos   reclusos,   desobrigava   à  permanência  ;sica  constante  do  controlador.  

Do   ponto   de   vista   dos   edificados   concretos,   o  modelo   panóp4co   quase  nunca   foi  aplicado  integralmente.  Deles  encontramos  testemunhos  em  todo  o  mundo  ocidental.  

Como  seria  de  esperar,  as  dúvidas  e  hesitações  funcionais/esté4cas  deste  seu  tempo  ocorrem   também   na   arquitectura   prisional.   Ocorre   muitas   vezes   em   projecto,   os  edi;cios  terem  uma  “imagem  maciça”,  “esmagadora”  e  imponente.  Essa  imagem  de  poder   auxilia-­‐se  recorrentemente  na   ideia  histórica  da  fortaleza  como   segurança  e  neste  sen4do  não  causa  estranheza,  que  se  reproduzam  materialmente  objectos  que  nos  ‘cer4ficam’  desse  sen4mento.  Os  historicismos  parecem  pois  assegurar  a  ideia  de  es4lo,  de  função  (segurança)  e  de  representação  do  poder.

Neste   enquadramento,   o   Estabelecimento   Prisional   Sintrense,   projectado   nos  primeiros  anos  de  Novecentos,   encontra-­‐se   ainda  filiado   no  modelo   panóp4co   -­‐   já  então,   a  nível  internacional,  desfasado  e  subs4tuído,   pelo  modelo  da  'Colónia  Penal  Agrícola'  (com  os  seus  pavilhões  paralelos  unidos  através  de  passagens).  

Dentro  deste  novo  entendimento,  o  conceito  de  prisão  veio  dar  lugar  ao  de  colónia  e  tanto   o   edi;cio   como   a   noção   se   mostraram   es4mulantes.   Adães   Bermudes,  Arquitecto  da  Cadeia  Comarcã  de  Sintra,   projecto  de  1905,   seria  o  mesmo  que,   em  1903,   havia  desenhado   em   Anadia,   um   estabelecimento   prisional  obedecendo   aos  mesmo  princípios  e  volumetria.  

Estes  estabelecimentos  prisionais  projectados  por  Adães  Bermudes  influenciarão,  num  primeiro  momento  o  Modelo   nacional  de  Cadeia  Comarcã  (exemplo  disso,   a  Cadeia  Comarcã   de   Vila   do   Conde   de   autor   desconhecido).   E   caber-­‐lhe-­‐á   também   a  ele  enquanto  projec4sta,  em  1912,  colaboração  para  a  Colónia  Penal  de  António  Macieira,  Sintra,  actualmente  Estabelecimento  Prisional  de  Sintra.

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PROJECTOS  QUE  ANTECEDEM  A  CADEIA  COMARCÃ

Em   Setembro   de   1894,   a   Câmara   reuniu15   o   Conselho   dos   Quarenta   Maiores  Contribuintes  de  Sintra  para  solicitar   a  necessária   autorização   para  se   contrair   um  emprés4mo  bancário.   Des4nava-­‐se  à  execução  de  um   plano  de  melhoramentos  na  Vila.  A  população  havia  aumentado  e  as  suas  necessidades  também.  

Os  edi;cios  que  serviam  de  suporte  às  repar4ções  públicas  -­‐  na  maior  parte  dos  casos  adaptações  degradadas  -­‐  careciam  de  reforma.  Assim,  o  Visconde  da  Idanha  então  a  presidir  à  edilidade,  propôs  encomendar  ao  engenheiro  Artur  Alberto  Falcão  Rodrigues  os  projectos  do  novo  edi;cio  dos  Paços  do  Concelho,  da  Cadeia  Civil  e  do  Matadouro  Municipal.  

O   primeiro   albergaria,   simultaneamente,   todos   os   departamentos   Públicos   do  Concelho   e   da   comarca  e   subs4tuiria,   com   vantagem,   as  deterioradas   instalações  camarárias,  que  funcionavam  no  actual  (2010)  Museu  do  Brinquedo.  

Nesse  mesmo  discurso  reforçou  a  importância  da  construção  dessa  nova  Cadeia  Civil,  expondo  o  duplo  problema  de  instalações  e  localização  das  mesmas.  «Sobre  o  edi;cio  que  actualmente  serve  de  cadeia  civil  há  pouco  a  dizer.  Localiza-­‐se  no  ponto  central  da  vila   e   ninguém   a   desconhece.   Reúne   péssimas   condições   higiénicas   e   tem   pouca  capacidade,  e  como  se  isso  não  bastasse,  é  suficiente  o  local  impróprio  onde  o  recluso  se  encontra,   de  onde  é  forçoso  removê-­‐lo.   Há  cenas  indecorosas  das  grades  para  o  exterior,  a  que  os  que  ali  passam  assistem.  A  capacidade  é  de  quinze  vinte  pessoas  e  leva   o   dobro   e   aglomeram-­‐se   nos  mesmos   compar4mentos   reclusos   com   crimes  di ferentes   (e   mesmo   cr ianças) ,   sendo   impossível   qualquer   4po   de  regeneração»  (MONTOITO,  1996:  14).  Era  considerado  então  impossível  tornar  salubre  a   instalação   da   An4ga   Cadeia   Sintra,   actual   edi;cio   dos   CTT   (1907),   onde   eram  acomodadas   indivíduos   em   excesso,   por   mo4vos   dis4ntos,   que   em   conjunto   se  degradavam.

A  An4ga  Cadeia  da  Vila  ficava  no  centro  e  no  ‘coração  circulatório’  da  vila  velha,   em  frente  ao  mercado  e  anexa  à  Torre  do  Relógio.  O  seu  ambiente  era  descrito  assim,  na  Revista  Occidente 16:  «Na  Praça,  por  defronte  das  lojas  vazias  e  silenciosas,  cães  vadios  dormiam   ao   sol:   através  das  grades  da  cadeia,   os  presos   pediam   esmola   (…)».   Os  presos  implicavam  com  os  transeuntes  na  via  pública,  pedinchavam  e  insultavam,  tudo  num   ambiente   promíscuo   e   insalubre.   Este  edificado   acanhado   para  as  Modernas  funções   não   dis4nguia   sexos,   idades   ou   mo4vo   de   detenção.   A   todos   colocava  conjuntamente,   excedendo   a   sua   capacidade.   Embora   servisse   como   lugar   de  detenção,   o  exercício   penal  não  se  exercia  na  forma  de   disciplina,   com   o   rigor   do  trabalho,   dos  horários  e  da  normalização.   Era  pois,   ‘algo’   temporário,   que  afectava  sobretudo   os  pobres   e   os   indigentes   e   que,   por   esse   facto   ser   muitas   vezes  um  problema  de  ordem  social  e  não  criminal  os  levaria  de  novo,  mais  tarde,  àquele  lugar.  Face  à  moral  e  à  é4ca  do  século  XIX  a  esta  concupiscência  e  promiscuidade  devia  ser  

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15  Conf.  [AHS.  Livro  de  actas  da  Câmara  Municipal,  nº  16,  [893.04.19-­‐1896.04.08,  p.  99-­‐102  v.]16  Ver  Occidente,  Ano  30º,  Vol.  XXX,  nº1024,  10  de  Junho  de  1907,  p.128.

posto   cobro,   orientada  no   sen4do   de  regenerar   os  indivíduos  dos  vícios  que  ali  os  levaram.

A  proposta  para  o  novo  imóvel  consis4a  em  construir-­‐se  em  terreno  pertencente  ao  Conde  de  Valenças.  Com  projectos  já  elaborados,   calculados  em  quarenta  contos  de  réis,  sem  excessos  ou  luxo,  face  à  escassez  de  recursos,  embora  com  dignidade.  Ficava  definido  que  o  edi;cio  da  Cadeia  seria  anexo  aos  Paços  do  Concelho.   Nem  todos  os  membros   da   assembleia   concordaram   com   a   proposta,   pelo   que   esta   apenas   foi  aprovada  por  maioria,   segundo  Livro  de  Actas  da  Câmara  Municipal.   Devido  a  forte  contestação,  aqueles  que  presidiam  aos  trabalhos  da  Câmara  viram-­‐se  afastados  desse  cargo  e,   por   esse  mo4vo,   a  proposta  não   se   viabilizou,   mas  tornou-­‐se   recorrente.  Surgiu   de  novo  no   ano  de  1898,   sendo  apontado  um  outro   local,  mais  afastado  do  centro  da  vila.  

O  PROJECTO  DE  ADÃES  BERMUDES

Na  sessão   de  25   de  Novembro   de  1903,   o  Dr.   Vergílio  Horta,   como  presidente  da  câmara,   retoma   as   negociações   para   a   execução   do   plano   respeitante   às   três  construções.  A  construção  da  Cadeia  Comarcã  e  dos  Paços  do  Concelho  mostravam-­‐se,  cada  vez  mais,  parte  integrante  e  necessária  ao  progresso  geral  de  Sintra,  ao  nível  dos  edi;cios  públicos,  embora  a  escassez  de  recursos.  Ainda  nessa  reunião,  o  presidente  informou  a  existência  de  projectos  para  os  três  edi;cios  e  o  respec4vo  orçamento  para  as  obras:  trinta  e  um  contos  de  réis.  

O  processo  de  adjudicação  da  obra  a  Adães  Bermudes  não  é  absolutamente  claro.  Por  um  lado,  a  entrega  dos  projectos  só  se  efectua  a  15  de  Março  de  1905,  quando  lhe  foi  solicitado,  através  de  o;cio,  a  entrega  dos  respec4vos  projectos.   Por  outro,   logo  em  1903,   saber-­‐se  o  valor   da  obra.   E   ainda,   a  inexistência  de  qualquer  concurso  público  para  o  apuramento  do  projecto.  

Ainda  assim,  o  processo  avançou.   A  21   de  Novembro  de  1906,  a  empreitada  para  a  construção  dos  Paços  do  Concelho  e  Cadeia  Civil  foi  entregue  ao  único  concorrente,  Liberato  Tolen4no  da  Costa.  Embora  sem  qualquer  registo  camarário  verifica-­‐se  que,  a  15  de  Maio  de  1907,  as  responsabilidades  da  empreitada  recaem  sobre  João  da  Silva  Pascoal,  que  acabará  por  concluir  as  obras.  O  contracto  rela4vo  à  Cadeia  Civil  orçava  oito  contos  cento  e  seis  mil  réis.  

Para  a  construção  dos  edi;cios  procurou-­‐se  um   lugar   acessível,   de  modo  à  vila  ‘se  poder   espraiar’   e   crescer,   adoptando   novas  infra-­‐estruturas.   Todavia,   a   escolha   do  local  não  foi  pacífica.  Enquanto  uns  pretendiam  a  Quinta  do  Conde  de  Valenças,  outros  preferiam  os  terrenos  em  S.  Sebas4ão,  entre  a  Vila  Velha  e  a  Estefânia,  paredes  meias  com   o   parque   do   palacete   Palmela.   O   local   escolhido   acabaria   por   ser   o   velho  cemitério   de   São   Sebas4ão,   onde   se   procederam   a   trabalhos   de   terraplanagem,  dificultados  pela  necessidade  de  se  transladarem  as  campas  e  jazigos  para  o  cemitério  de  São  Marçal.

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6..  Alçado  principal  visível  à  cota  da  rua7   e   8.   Alçado   lateral   oeste.   Sobreposição   de  elementos9   e   10.   Cobertura   e   corpo   rectangular.  Cobertura  e  corpo  hexagonal

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Com   a   chegada   dos   caminhos-­‐de-­‐ferro   Lisboa-­‐Sintra,   Sintra   sofre   importantes  transformações  no  seu  tecido  urbano,  sobretudo  na  impossibilidade  de  a  própria  vila  vir   a   ganhar   mais   terreno   à   Serra.   Tal   conduziu   à   edificação   de   um   novo   bairro,  rela4vamente   afastado   e   denominado   de   Estefânia   –   em   homenagem   à   princesa  Estefânia  de  Hohenzollern,  mulher   de  D.  Pedro  V.  Desta  feita,  a  vila  nova  moderniza-­‐se,   acompanhando   os   tempos,   as   suas   necessidades,   e   possibilidades   das   “zonas  baixas”.  Mas  também,   consegue  manter   a  sua  integridade  intacta,  à  imagem  de  um  “centro  histórico”.  No   início  do  século  XX,   assis4u-­‐se  assim,   à  deslocação  do  centro  económico-­‐social  e  civil,  do  centro  da  vila  velha,  mais  acima,  para  a  gradual  planície  da  vila  nova  –,  e  com  isso  a  transferência  das  principais  en4dades  administra4vas.  

A   inauguração   oficial   dos   edi;cios   deu-­‐se   a   13   de   Junho   de   1909,   nas   Festas   da  Chegada  da  Primavera.  Deste  acontecimento  quase  não  há  registos  sendo  que,  até  as  actas  camarárias  omitem  o  facto.  Nesse  seguimento,  Adães  Bermudes  foi  convocado  a  deslocar-­‐se  a  Sintra,  a  fim  de  avalizar  os  trabalhos.

Para  a  edificação  dos  Paços  do  Concelho  e  Cadeia  Civil,  a  Câmara  acabaria  por  contrair  avultado  emprés4mo,  e  face  às  con4ngências  orçamentais,  Adães  Bermudes  teve  de  submeter-­‐se   a   essa   exiguidade,   bem   como   à   prévia   escolha   do   terreno.   Estas  limitações  fizeram  sen4r-­‐se  em  obra,  com  a  alteração  de  materiais.  

O  LUGAR

Ao   longo   das  diferentes   épocas  históricas,   um   dos   factores  mais   interessantes   de  Sintra   é   a   sua  fidelidade   aos   valores   de   eclec4smo   naturalista.   Sucessivamente   o  território   foi  modelado  sob  a  mesma  insígnia,   criando  e  recriando  o  seu  significado,  representação  idílica  de  um  paraíso  terrestre,  que  se  projecta  –  através  da  mís4ca  –  no  produto  e  na  produção  do  lugar.

O  projecto  da  Cadeia  Comarcã  de  Sintra,  edi;cio  anexo  aos  Paços  do  Concelho  teve  a  sua  implantação  num   local  desnivelado  e  ermo  –   onde  uma  pequena  e  degradada  Capela  Manuelina  devota  a  São  Sebas4ão  e  com  o  cemitério  desac4vado  exis4ram.  

Do  ponto  de  vista  do  lugar,  este  convoca  intencionalmente  a  memória  ao  colocar  os  Paços  do  Concelho   na  direcção   do  Paço  Real.   Da  mesma  forma,   a  Cadeia  Comarcã  “brota”  na  sombra  e  no  sopé  Castelo.    

Ao  elaborar  o  edi;cio  Adães  Bermudes,  confrontado  com  parcos  recursos  financeiros,  com   irregularidades  do  terreno,  e  condicionantes  4pológicas  conseguiu  uma  solução  para  o  problema,  com   recurso  à  esté4ca  român4ca  e  manuelina  e  a  uma  ambiência  cenográfica  inserida  na  paisagem  natural  e  arquitectónica  de  Sintra.

Certamente  que  o  arquitecto  conhecia  modelos  que  lhe  permi4ram  par4r  para  aquela  solução,   sendo   capaz   de   apresentar   uma   proposta   coerente   dentro   do   panorama  arquitectónico  prisional  português.

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14   e   15.   A   Cadeia   Comarcã   vista   do  exterior.  Edi8cio  e  muro  com  guarita

11,  12  e  13.  Limites  murados  do  terreno

Tipo   “fortaleza”   usa   dessa   imagem   ancestral   de   segurança   e   robustez   perene,  conciliada  a  uma  modesta  al4vez  e  escala  exígua.  Embora  o  “aligeirado  sumptuoso”  das  formas  decora4vas  pensa-­‐se  que  as  razões  da  escolha  do  manuelino,   em   1905,  devem   já   procurar-­‐se   fora   do   contexto   român4co.   Relacionava-­‐se   mais   com   a  dignidade  que  o  colégio  idílico  procurou  incu4r  ao  imóvel  e  com  a  sua  plena  inserção  dentro  do  contexto  arquitectónico  vigente  na  vila.  

Tratava-­‐se  de  um  edi;cio  público  e,  certamente,  nada  mais  apropriado  à  consciência  patrió4ca  de  uma  câmara,  do  que  a  u4lização  do  es4lo  evoca4vo  dos  tempos  heróicos  das   descobertas  ou   o   desejo   de   reac4var   alguns   aspectos   simbólicos   ou   técnicos,  considerados  como  válidos.  E  através  desta  “imagem”  obedece  à  premissa  de  que  as  prisões   não   deveriam   aparentar   sê-­‐lo.   Tem   pois,   uma   imagem   de   “estranheza”   e  convoca-­‐nos  no  sen4do  de  um  olhar  de  expressão  original.  

Embora  esta  explicação,   é  facto  que  Adães  Bermudes  foi  dos  arquitectos  que  maior  número  de  medievalismos  desenhou  e  viu  concre4zados.  Ainda  assim,   a  sua  escolha  como  projec4sta  não  se  prendeu  tanto  à  “imagem”  das  suas  obras  –  enquanto  es4lo  –  mas  antes  à  sua  capacidade  de  adaptação  enquanto  arquitecto,  ao  seu  interesse  por  4pologias  modernas,   ao  conhecimento  da  legislação  que  soube  interpretar  e  às  suas  soluções   arquitectónicas  com   acordo   entre  o   “novo”   e  o   “velho”,   na  justa  medida  daqueles  que  encomendavam.

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16  e  17.  Composição  de  partes  do  alçado  do  

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O   encerramento  da   Cadeia  Comarcã  dá-­‐se  em   1969,   ao   abrigo   do   Decreto-­‐Lei   n.º  49.040,   de   4   de   Junho17.   Desde   aí,   tem   transitado   entre   funções   sem   qualquer  adaptação  à  sua  estrutura  e  tem  vindo   a  ser   paula4namente  alterado  e  danificado.  Necessita  de  um  estudo  de  reabilitação  e  obras  de  fundo,  que  permitam  a  salvaguarda  deste   património   emblemá4co   das   Ins4tuições   da   Modernidade   e   de   como   elas  evoluíram   no   tempo.   Ao  mesmo   tempo,   salienta-­‐se  a  necessidade  desse  estudo   e  preservação  ocorrer  de  forma  dis4nta  aquela  que,  por  duas  vezes  foi  tentada,  em  1979  e  1990.  Na  verdade,   é  com  enorme  regozijo  que  o  projecto  do  Arquitecto  Henrique  Chicó  e  Rui  Duarte  não  foi  avante.  A   proposta  consis4a,  na  manutenção  da  fachada  principal   do  edi;cio,   sendo   o   seu   corpo   demolido/ampliado  por   um  plano   vidrado  (arquitectura   pós-­‐moderna,   anos   80),   para   albergar   os   serviços   municipalizados  (SMAS).  Neste  contexto,  parecemos  manter  a  tendência  intrincada,  do  século  XIX,  de  votar  ao  esquecimento  os  monumentos  sem  classificação  e  pior,  privando-­‐nos  da  sua  u4lização.

A  OBRA  E  A  EXPERIÊNCIA  DO  ESPAÇO

Na  Cadeia  Comarcã  de  Sintra,  Adães  Bermudes  conseguiu  conciliar  o  equilíbrio  da  obra  com  a  função  carcerária.  Nas  suas  dimensões,  o  estabelecimento  é  considerado  “muito  pequeno”   face  aos  da  actualidade.  Ainda  assim,   face  ao   tempo  –   isto  é,  uma  prisão  projectada  no  período  da  monarquia  e  u4lizada  durante  a  República  e  Estado  Novo  –  deverá  ter  as  dimensões  ditas  aconselhadas,  pois  foi  modelo  “exportado”  para  todo  o  país.  

Representava  um   salto   qualita4vo  muito  expressivo   face  às  condições  precedentes,  autonomizando   as   funções   e   conferindo-­‐lhes   dignidade.   Neste   sen4do,   a   ideia   de  escala  parece  diluir-­‐se.  

Conseguia  obedecer  a  uma  certa  ideia  “hermé4ca”,  de  isolar  o  recluso,  sem  para  isso  erguer   grandes  muros  ou  limitar   a  existência  de  vãos.   E   neste  sen4do,   essa  mesma  escala  é  perfeitamente  humanizada  e  rigorosa.   A  decoração  da  arquitectura,   com  as  torrelas,  guaritas,   ameias  e  merlões  e  a  janela  manuelina  tentam,  à  luz  do  tempo,  é  vista  como  uma  forma  de  colocar  o  edi;cio  em  comunicação  com  a  restante  vila.  De  o  tornar   visível,   reconhecível,   mas  não   “bruto”.   Constrói  uma   imagem   de   “fortaleza  empá4ca”.  E  de  algum  modo  sui  generis.  

Assim,  dispôs  “dez”  celas  (por  piso)  em  torno  de  um  pá4o  central  hexagonal  coberto  (como  um   zimbório),   com  grande  dignidade  cenográfica,   onde  os  presos  se  reuniam  para   trabalhar   durante  o   dia.   A   ele,   sobrepôs  um  outro   andar   simétrico,   ao   plano  térreo.  Esta  planta  hexagonal  já  havia  sido  u4lizada,  pelo  menos  em  França,  embora  num  contexto  mais  grandioso.

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17  Já  apresentado  neste  trabalho,  no  capítulo  precedente.

I.  OBRA  (o  objecto)

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18  e  19.  Composição  em  arTculação.  Entrada  para   o   edi8cio   e   seus   pormenores;   Área  de  acolhimento   anexa,   a   sua   distribuição   e  pormenores.

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Procurou   respeitar   as  necessárias  medidas  higienistas  e  de  salubridade,   dotando   o  espaço   de   luz   natural   e   ven4lação   (janelas   e   pés   direitos   elevados)   em   todos   os  compar4mentos.   U4lizou   (tendencialmente)   materiais   resistentes   ao   fogo   –  exceptuam-­‐se  as  madeiras  dos  pavimentos  e  vãos,  embora  as  limitações  de  materiais  à  época.   Acomodou   também   as   celas   individuais  providas   de   sanita  e   chuveiro   que  funcionavam  à  noite.  As  celas  do  rés-­‐do-­‐chão  des4navam-­‐se  aos  homens,  enquanto  as  mulheres   ocupavam,   no   segundo   piso,   as   celas   correspondentes.   No   que   respeita  especificamente  ao  programa  prisional,  o  arquitecto  salvaguardou  o  projecto  através  de  um  jogo  arquitectónico  adequado,  de  modo  a  facilitar  o  cumprimento  das  normas  disciplinares  e  de  segurança  –   embora  com   lacunas  evidentes,   face  à  actualidade,   a  construção  obedece  aos  princípios  gerais  necessários.  Localiza-­‐se   em   sí4o   sobrelevado.   Apresenta   acesso   único   pelo   alçado   frontal   –  inviabilizando  a  evasão.  As  portas  de  segurança  abrem  em  sen4do  contrário  à  fuga.  

Os  vãos  na  área  prisional  são  pequenos,   a  alvenaria  densa  e  com  gradeamentos  em  todos  os  locais  necessários.  As  áreas  estão  claramente  demarcadas  e  não  apresentam  grandes   situações   de   conflito,   embora   a   área   de   circulação   não   permita   grande  segurança.  

Algumas  coisas  podemos  supor  da  vivência  deste  ambiente:  

1.   Ao   contrário   de   tantos  outros   sí4os,   os  odores   deviam   ser   rela4vamente  limitados.2.  A  presença  de  entre  20  e  50  pessoas  nas  instalações  deveria  causar   enorme  ruído.3.  A  falta  de  separação  entre  áreas  de  permanência  e  circulação  deveria  causar  perturbações  de  fluxo  e  de  segurança.4.   Embora  as  melhorias   e  seguimento   das  normas,   a   prisão   não   4nha   áreas  suficientemente  específicas.5.  Não  exis4a  pá4o/recreio  dis4nto  da  área  de  trabalho.6.  Do  mesmo  modo  não  existe  uma  zona  específica  de  refeitório  ou  des4nada  à  alimentação  (sabemos  que  esta  vinha  de  fora).

Há  alguma  dificuldade  em  compreender:  

1.  Como  se  efectuava  a  limpeza  dos  recintos.2.  Como  se  estabelecia  a  ocupação  feminina  no  primeiro  piso.  3.  Como  é  que  era  garan4do  o  isolamento  e  impedimento  visual.4.  Como  e  onde  eram  efectuados  os  ‘cas4gos’.5.  Como  eram  efectuadas  e  distribuídas  as  tarefas  da  prisão.6.  Como  era  feita  a  gestão  dos  reclusos  entre  guardas/carcereiro  e  a  proporção  de  uns  para  os  outros.

A  história  do  edifico,  é  pois  mais  do  que  a  narra4va  que  as  suas  paredes  escondem.  

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MEMÓRIA  DESCRITIVA

Objecto  de  composição  geométrica  rigorosa,  simétrico  num  dos  seus  eixos,  apresenta  alternância  de   al4metrias.   No  plano   horizontal,   de   nível,   encontramos  dois  corpos  paralelepipédicos  paralelos  (1  e  2),  um  principal  maior  e  outro  de  transição  e  ligação  com  um  corpo  ‘hexagonal  composto’  (ver  desenho  34-­‐36).

Encontra-­‐se  no  recorte  da  Serra,  em  terreno  terraplanado,   a  cota  superior   da  rua.  É  resguardado   por   um   alto   muro   (+-­‐3.5m)   de   cimento   com   pedra   aparente   (num  aparente  rus4cado)  cujo  topo,  4po  pla4banda,   apresenta  uma  ‘bainha’  em  alvenaria  recortada,  com  ameias  e  merlões  chanfrados.  

Nos   seus   vér4ces   apresenta   guaritas   cilíndricas,   marcadas   por   pequenos   vãos  terminadas   por   elementos   cónicos,   trabalhados   sobre   a   forma   de   recortes   e  sobreposições  de  formas.

Ao  centro  do  muro   rasga-­‐se  um  pequeno  vão,   com   cantaria  e  porta  em  grade.  Dele  nasce  uma  escadaria  (+-­‐1.2m  largura)  até  à  cota  do  alçado  do  edi;cio  (que  definimos  como  cota  0),  de  onde  o  muro  se  sobreleva  somente,  40  a  50cm.  

O  terreno  de  implantação  do  edi;cio  é  rela4vamente  con�guo.  Não  apresenta  jardim,  na  actualidade,  nem  marcas  desse  passado.  Não  se  encontram  canteiros,   nem  zonas  relvadas.  Há  a  marcação  de  árvores  e  sobretudo  uma  envolvente  arbórea.  

As  próprias  dimensões  do  terreno  parecem   ter   limitado  a  implantação  da  estrutura  que,  a  Sul  encosta  pra4camente  ao  muro  de  contenção  do  terreno.  Deste  modo,  não  é  possível  percorrer  todo  o  terreno  ou  circular  em  torno  de  todo  o  edificado.  

O   muro,   também   ele  com   altura  superior   a  2.2m   e  pela  curta   distância  ao  alçado  tardoz  não  permite,  com  o  relevo  do  terreno,  qualquer   incidência  de  luz  directa  nas  celas.

Parece-­‐nos  assim  que  a  escolha  do  terreno  obrigou  ao  sacri;cio  de  algumas  qualidades  requeridas  num   edi;cio   de   ‘clausura’,   como   seja   uma   boa   orientação   e   exposição  solar,  coisa  que  não  se  verifica.  

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20.  Área  de  confecção  de  alimentos21.   2ª   Porta.   Acesso   à   zona   prisional  Escadaria  de  acesso  ao  piso  122.  2,ª  Porta.  Acesso  à  zona  prisional  –  óculo  e  fecho  exterior23.  PáTo  hexagonal  e  portas  de  celas

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No   plano   ver4cal,   o   objecto   mostra   todos  os  elementos   da   sua   composição   sem  ocultação,  sendo  apreendido  na  sua  totalidade.  

O  corpo  central  paralelepipédico  tripar4do  –  da  manifestação  do  poder  simbólico  –  A,I,  A,II,   A,III   tem   3   pisos   acessíveis,   sem   acesso   à   cobertura   plana.   Este   plano,   mais  avançado,   é   o   de   maior   destaque,   proeminência   e   decoração.   Do   ponto   de   vista  funcional   comporta  as  áreas   de   acolhimento   e   administra4vas.   Do   ponto   de   vista  simbólico   manifesta   o   léxico   e   ideário   do   poder   de   forma  bastante   afirma4va   na  decoração,  através  de  uma  linguagem  histórica  –  clássica  e  neomanuelina.

A,I.  Três  degraus  facultam  o  seu  acesso.  Não  há  qualquer  piso  subterrâneo  –  no  An4go  Regime,  zona  privilegiada  aos  cas4gos  e  punições.

A  entrada  por4cada,  marca  a  axialidade  do  edi;cio  e  é  acesso  único  ao  interior  deste.  O  pór4co  é  composto  por  duas  colunas,  sobre  um  embasamento  simples  com  capitéis  decorados  com  mo4vos  animalistas  (leões)  (ver   figura  21).  O  seu  frontão  triangular  é  simples  e  ostenta  o  brasão  da  vila.  A  porta  tem  duas  folhas  em  madeira  interiores  e  no  exterior,  duas  em  ferro  forjado,  pouco  trabalhado.

Arquitectura  ecléc4ca,   todavia  associa  maioritariamente  elementos  de  cariz   clássico  numa  composição  contemporânea.  Denota  o  sen4do  de  poder,  laico  e  civil.  O  plano  I  não  é  visível  da  rua.  A  curta  distância  que  separa  a  escadaria  principal,  não  permite,  à  entrada  contemplar  todo  o  alçado  e  a  falta  de  perspec4va  fá-­‐lo  digno,  embora  próximo  e  sumariamente  funcional  -­‐  de  carácter  civil.

A,II.   Plano  rasgado  por   um  vão  tripar4do  com  bandeira  e  balcão  decorado.  Cantaria  com   tratamento   neomanuelino   com   elementos  vegetalistas  e   cogulhos.   Ricamente  trabalhado  e  elegante  é  o  ‘rosto’   principal  do  edificado,  que  convoca  a  memória  de  singeleza  e  ‘encantamento’,  certa  perenidade  histórica  e  sumptuosidade  das  formas,  aligeirando  a  estrutura  ‘acastelada’  e  ‘for4ficada’.

Corresponde   à   zona   mais   nobre   do   edificado   e   tal   corresponde   a   função   da  Administração  e  as  suas  salas  de  chefia.

A.III.  A  este  elemento  corresponde  o  coroamento  da  estrutura.  Apresenta  igualmente  um  vão  de  dimensões  assinaláveis,  e  igualmente  tripar4do,  realçando  a  importância  do  local  e  a  sua  afirmação  no  corpo  do  edi;cio,  todavia  com  traços  menos  decorados  e  que  a  neomanuelina.  Neste  plano,  como  no  térreo,  encontramos  os  elementos  de  uma  arquitectura  historicista,   que  se  refugia  em  elementos  do  passado,   como  a  ideia  de  ‘fortaleza’   ou  ‘castelo’,  mas  consegue,   pela  simplicidade  e  alguma  ‘al4vez’,  fazer-­‐nos  sen4r  a  ‘missão’  do  objecto,  como  edi;cio  com  ‘dignidade’  pública.  

A  presença  dos  elementos  neo-­‐manuelinos  parece  ‘adoçar’  a  estrutura,  aproximando-­‐a  do   observador,   e  como  num   jogo  de   ilusão   de  óp4ca,   alterar-­‐nos  a  percepção  do  espaço  e  da  sua  escala  –  limitada.

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24  e  25.  Sala  da  Administração,  piso  126  e  27.  Escadas  de  acesso  ao  piso  3.  Cubículo  de  acesso  à  cobertura,  piso  3

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Este  coroamento  apresenta  um  friso  com  ameias  e  merlões  –  como  uma  pla4banda  –  e  duas  guaritas  –  não  acessíveis  –  octogonais,  também  elas  coroadas  em  recorte,  como  um  facho.

A  função  desta  zona  é  bastante  reduzida,  sendo  exclusivamente  de  acesso  à  cobertura,  pelo  que,  a  imponência  da  arquitectura  não  tem  qualquer   correlação  à  sua  aplicação  de  des4no.

B,I  e  B,II.  Embora  configurem  este  plano,  acompanham  a  ‘desmaterialização’,  através  da  simétrica  do  eixo  central  –  eixo  do  poder  –  para  os  limites  externos  da  estrutura.  Assim,  B,I  e  B,II,  têm  somente  dois  pisos  e  são,  nesse  processo  de  ‘desmaterialização’,  

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28.   Esquema   de   composição   e   arTculação   com   o   volume   em   planta.   Ver   alçado   e   Planta  1/100.  A  e  B  –  I,  II  e  III.

bastante  mais  simples  que  o  eixo  central  do  conjunto.  Apresentam  um  vão,  que  é  igual  em  ambos,  com  janela  única  e  cantaria  simplificada.

C,I  e  CII  e  D,I  e  D,II.  A   importância  destes  planos  na  composição  da  fachada  deve-­‐se  sobretudo   ao   ritmo   e  movimento   que   provocam.   Não   têm   elementos  marcantes,  senão  no  1º  e  2º   piso  de  C  a  presença  de  um  óculo  –   4po  seteira  –  sem  cantaria  ou  moldura,   como   que   perfurado   na   matéria,   ‘tornando-­‐a’   densa   e   aumentando   a  corporalidade   telúrica   do   objecto.   No   fundo,   ambos   os   planos   correspondem   à  projecção  das  arestas  do  corpo  hexagonal  e  são  estes  elementos  que   cerzem   num  corpo   único   os   dis4ntos  elementos.   D,II   apresenta  no   seu   vér4ce   uma  guarita   de  remate.

B,III   e   C,III.   Plano   ver4cal   ao   alçado,   corresponde   às   arestas   visíveis   do   prima  hexagonal,   adjacentes  à  de   frente.   Muito   simplificadas,   têm   dois  vãos   simples  por  plano  e  iluminam  o  pá4o  interior  funcionando  exclusivamente  como  uma  membrana.  Apresentam  o  friso  com  merlões  e  ameias  sem  qualquer  decoração  acrescida.

E,I  e  II.   Correspondem  à  parte  prisional.  Cada  um  dos  vãos,   também  sem  cantaria  ou  moldura   corresponde   ao   óculo   da   cela   dos   reclusos,   têm   os   ângulos   boleados   e  reentrantes  ou  em  bisel  e  são  maiores  e  mais  largas  do  exterior   que  no  seu  interior.  São  também  coroadas  por  guaritas.

IV.  Toda  a  zona  IV  corresponde  à  cobertura.  Esta  tem  uma  parte  coberta  com  telha  e  seis  águas  e  outra,  de  menores  dimensões  correspondente  à  clarabóia,  esta  um  pouco  sobrelevada  sobre  a  primeira  estrutura.   É   uma  marca  clara  da  contemporaneidade  e  da   adopção   de   novos   materiais   e   soluções   arquitectónicas   para   as   4pologias  arquitectónicas.   A   associação  do   vidro   e   do   ferro  permite   uma   solução  mais   leve,  extensa  –  do  ponto  de  vista  da  distância  vencida  pelo  vão  –   e  económica.   Permite  igualmente   op4mizar   a   u4lização   da   luz   directa   e   melhorar   a   ven4lação   do  equipamento.

Na  verdade,  a  forma  como  em  desenho  e  nessa  perspec4va  é  apresentado  o  projecto,  faz  dele  algo  diferente  do  que  é,  aos  olhos,  na  maioria  dos  ângulos  em  que  podemos  visioná-­‐lo   no  terreno   e  à  cota  da  rua.   Tal  acontece  devido   aos  desníveis  e  declives  desta,  bem  como  devido  à  cota  de  inserção  do  edificado.  Assim,  enquanto  em  alçado  compreendemos  o  ‘peso’  de  cada  parte  no  todo  do  corpo,  o  seu  jogo  e  ritmo,  no  local,  como   já   referido,   só   conseguimos   percepcionar   o   corpo   frontal   principal   (mais  acastelado)  e  numa  ar4culação  –  entende-­‐se  mais  pobre  –  e  sobranceira  sobre  a  rua.  Só   com   devida   distância   do   objecto   –   aquando   da   chegada   de   comboio,   ou  percorrendo  a  via  que  lhe  é  perpendicular,  conseguimos  visionar  o  seu  todo.

 Em  todos  as  plantas  recolhidas,  para  a  inves4gação,  o  alçado  principal  surge  tratado  a  pedra  aparente,   tal  qual  o  muro,  com  estereotomia  simples  e  “espontânea”.  Por  este  mo4vo,  foi  opção  mantê-­‐la  em  desenho  [por  eventualmente  constar  nos  desenhos  de  Adães  Bermudes,  e  poder   ter   sido  alterado  por   falta  de  verbas  (?)],  porém  fazendo  a  ressalva  de  que,   mesmo  nas  fotografias  da  inauguração,   a  13   de  Junho  de  1909,   o  edificado  surge  sempre  em  reboco  caiado.

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PLANTA  PISO  1.  DESCRIÇÃO

A   entrada,   com   a   área   de   acolhimento   é   muito   simples.   De   planta   rectangular,  subdivide-­‐se  em  três  partes.  A   central  tem  um  tecto  plano,  ao  contrário  de  edi;cios  similares   que   apresentam   uma   cobertura  abobadada.   Também   o   pavimento   é   em  cimento,   simulando   a   cerâmica.   A   porta,   em   frente,   de   acesso   à   prisão   não   tem  também   ela   grandes   adornos,   com   cantaria   simples,   e   uma   pequena   “ilusão   de  majestade”  a  encima-­‐la,  tornando-­‐a  mais  relevante.  

Os  outros  dois  espaços  dizem   respeito   ao  ves�bulo   e  guardaria.   São   limitados,   no  interior,  por  uma  estrutura  de  madeira,  com  porta,  que  separa  os  espaços.  É  uma  zona  mais  trabalhada,  com  colunas  em  pedra  vegetalistas.

Esses   espaços   encontram-­‐se   actualmente   fechados   e   sem   qualquer   marca   do  mobiliário  anterior,  que  nos  indique  a  forma  de  ocupação  do  espaço.

O   hall   é   um   momento   de   circulação   simples.   À   esquerda  de   quem   entra,   a   este  portanto,  deparamo-­‐nos  com  uma  área  muito  rudimentar  de  confecção  de  alimentos  com  uma  chaminé  e  vários  compar4mentos  anexos  de  arrumos.  Existem  vários  óculos  a  iluminar   o  espaço,  mas  ainda  assim  a   intensidade  lumínica  é  sempre  reduzida.   À  direita,   encontramos  de  novo   arrumos  que  ocupam   também   o  vão   de  escadas.   Ao  fundo  do  corredor  temos  a  escadaria  para  o  piso  1  e  uma  porta,  que  abre  no  sen4do  da  fuga,  com  um  óculo,  fechadura  e  ferrolho.

O  pá4o  coberto  sextavado  está  no  centro  das  8  celas  do  piso  térreo  e  das  7  celas  do  piso  1.  Piso  1  com  pé  direito  semelhante  ao  Piso  terreno  nas  celas.  A  zona  hexagonal  corresponde  ao  um  zimbório.   Este  apresenta  janelas  e  a  cobertura  vidrada  da  zona,  recria  uma  cúpula,  de  pendente  acentuada.

Luz  directa  e  ven4lação  no  corpo  central.  

No  zimbório,  dois  vãos  por  aresta  do  hexágono.

Com  pavimento  em  cimento  não  apresenta  qualquer  marca  de  escoamento  de  águas  ou  caleira.  Recebe  luz  directa  e  apresenta-­‐se  um  espaço  rela4vamente  con�guo  para  a  permanência  de  pessoas  –  durante  um  longo  período  de  tempo  –  e  para  a  circulação  ou  exercitação  das  mesmas  –  visto  o  espaço  da  cela  ser  consideravelmente  diminuto.

Encontramos  dois   4pos  dis4ntos   de   cela,   a   inteira   e   a  dividida  em   dois.   A   maior  rondará   os   24m2   e   a   outra,   aproximadamente  metade.   Ambas   têm   o   pé   direito  superior   a  2.5m  de  altura  e  a  janela/óculo   para  o  exterior   apresenta-­‐se   igualmente  elevado.   Não   encontramos   registo   de   iluminação.   Cada   cela   teria   uma   enxerga.   A  referida  instalação  sanitária  revela-­‐se  muito  incipiente.   Embora  existam  documentos  que  indicam  a  possibilidade  do  uso  de  chuveiro,  também  aqui  não  se  detectam  caleiras  de  recolha  de  águas.   Não  existem   loiças,   somente  uma  tábua  de  acento,   sobre  um  grande  vaso  para  a  efectuação  das  necessidades  fisiológicas  dos  reclusos.   Todas  as  instalações  sanitárias  têm  ven4lação  directa  (ver  figura  33  e  34).

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Existe,   em  termos  de  planta  algum  conflito  entre  o  número  de  celas  e  de  instalações  sanitárias.  Nos  documentos  encontrados  não  é  explícito  o  número  de  celas  e  o  seu  4po  de  uso,  se  individual  se  colec4vo  –  bem  como  não  foi  encontrado  qualquer  documento  que  indique  a  capacidade  máxima  de  reclusos  da  prisão  e  a  que  efec4vamente  4nha.

Actualmente  as  celas  possuem  uma  espécie  de  “mezzanine”  para  rentabilização  desse  espaço,  bem  como  é  detectável  na  figura  31,   da  cela  azul  a  colocação  de  porta  com  vidro,  na  janela,  posterior.

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PLANTA  PISO  2.  DESCRIÇÃO

Subindo   a  escadaria,   estamos  na  área  de  distribuição  do   piso   1.   Todo   este  piso,   à  excepção  das  celas  tem  pavimento  em  madeira.  

Logo  em  frente  à  saída  das  escadas  temos  um   espaço,  que  segundo  documentação  deverá  ser   parte  da   habitação   do   carcereiro,   tendo   inclusivamente  uma  instalação  sanitária.  

No  extremo  norte  do  corredor  de  distribuição  temos  a  sala  da  administração,  também  ela,  como  no  piso  terreno  tripar4da.  Largamente  iluminada,  com  vários  vãos  é  não  só  o  espaço  mais  soalheiro,   como  também  o  mais  agradável  no  que  toda  aos  materiais  –  quase   exclusivamente   madeiras   –   bem   como   às  cores  adoptadas.   A   um   canto   do  espaço   central   encontra-­‐se   uma   silenciosa   e   estreita   escada   em   caracol,   de   ferro  forjado  trabalho.

No  extremo   sul  passamos  de  novo  para  a  zona  prisional.   Ar4cula-­‐se   igualmente  em  torno  do  pá4o  sextavado,   através  de  um  balcão  com  guarda  simples.  Esse  balcão  em  madeira  e   ferro   tem   1m   de   largura,   e   pressupõe-­‐se   di;cil   a   circulação   de   vários  reclusos  em  simultâneo.  

O  espaço  das  celas  parece  não  ter  sido  ocupado  exclusivamente  por  reclusos  havendo  indicações   de   ocupação   por   parte   do   carcereiro   e   de   um   compar4mento   para   a  secretária.    

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PLANTA  PISO  2  E  PISO  3.  DESCRIÇÃO

Através  da  escada  em  caracol  na  Sala  da  Administração  ascende-­‐se  ao  piso  3.  Espaço  exíguo,   não  parece  ter  4do  outra  função  senão  a  de  aceder  à  cobertura  em  terraço.  Com  larga  janela  mostra-­‐se  claramente  subaproveitado.  Tem  uma  porta,  abrindo  para  o  anterior  a  par4r  da  qual  alcançamos  o  terraço.

A   cobertura  plana  é  limitada  pelo  friso  com  merlões  e  ameias.  Como   já  referido,   o  zimbório  tem  vãos,  acessíveis  a  esta  cota  e  cobertura  em  telha  e  clarabóia  de  vidro.

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29  e  30.  Duas  celas  respecTvamente.  Porta  de  acesso  à  cela  –  óculo31  e  32.  ‘Instalação  sanitária’.  Óculo  e  ‘sanitário’

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33  .‘Torre  Lanterna’  do  páTo  hexagonal.  Cobertura  em  telha  e  clarabóia  em  vidro34  e    35.  Balcão  do  1º  piso  com  guarda  metálica.  Pormenor  da  sustentação  do  balcão36.  Vista  do  piso  térreo  e  do  1º  piso

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Diz  Kubler  que  é  possível  conciliar  “sen4do  e  ser”  se  observarmos  a  forma  como  estes  marcam  o  tempo  à  sua  passagem,  e  nele.  Se  observarmos  e  registarmos  a  forma  como  estes  enchem  o  tempo  de  formas.

Parece  seguro  afirmar   que  a  “família  dos  objectos”   começa  efec4vamente  a  parecer  mais   pequena  do   que  outrora  se  poderá   ter   pensado.   Mas,   nem   por   isso   parece  esgotar-­‐se…   Se  de  algum  modo  essa  inspiração  “primeira”,  “virgem”  parece  ter   uma  ocorrência  mais  intermitente,  o  futuro  tem-­‐se  cada  vez  mais  pautado,  sob  a  forma  dos  imaginários  sonhados  e  reproduzidos  –  que  dançam.  

Parece-­‐me  rela4vamente  claro,  que  como  um  outro  qualquer  paradigma  –  forjado  no  tempo  das  utopias  –  o  retorno  das  formas  é  e  figurará  entre  nós.  A  ideia  de  que:  a  cada  tempo  a  sua  imagem,  primeiramente  apanágio  de  libertação,  consubstancia-­‐se  numa  limitação  grosseira  que  impossibilita  o  objecto  de  ser.

Diz   Augusto-­‐França   sobre   a   Cadeia   Comarcã:   «Sintra,   de   resto,   era   propensa   ao  manuelino,   com   o   seu   paço   real   (a   que   Raul   Lino   tanto   se   dedicaria)   e   a   Pena  Român4ca   –   e   uma   afli4va   Câmara   Municipal,   traçada   por   Adães   Bermudes   e  inaugurada  em   1909,   acordava-­‐se  bem   com   o  palácio   de  Manini.   Bermudes,   como  sabemos,   fora  premiado   no  restauro  dos  Jerónimos  –   e  mais  uma  vez  este  fa�dico  monumento  nos  surge  no  horizonte,  como  explicação  do  gosto  ou  do  hábito.  A  cadeia  da  vila,   contemporânea  da  Câmara,   foi  também  mais  ou  menos  manuelina,   além  de  imitar  uma  fortaleza  (…)»  (FRANÇA,  1990:  176).

Opomo-­‐nos  claramente  a  este  discurso  reducionista  em  História  da  Arte.  Na  forma  e  até  do  seu  próprio  significado.  Designar   um  objecto  pelo  nome,   não  sinte4za  a  sua  natureza   vasta   ou   as   suas   propriedades   ;sicas   e   formais,   coloca-­‐o   somente   num  horizonte   de   classificações,   que   por   vezes,   de   tanto   serem   ditas   esvaziam-­‐se   de  conteúdo.

Walter  Benjamin  iden4ficou  a  existência  de  uma  conjuntura  ideológica  como  sistema  de   contrastes,   associando-­‐se   «progresso»   e   «passado».   Um   complexo   de   imagens-­‐desejo,   que   inter-­‐relacionam  a  crí4ca  e  a  representação  social  através  do  potencial  icónico   de   um   passado   mí4co,   acentuando   o   efeito   de   contemporaneidade   e  modernidade.  

Esta  teoria  poderá  aplicar-­‐se  tanto  às  expecta4vas  de  Augusto-­‐França  rela4vamente  à  arquitectura   revivalista   na   passagem   do   século,   como   é   ví4ma   dessas   mesmas  expecta4vas.

Urge  recolocar   as  arquitecturas   ‘neo’   no   tempo.   Compreendendo   o   seu   sen4do   e  significado  face  à  história,  mas  renovando  o  nosso  olhar  sobre  elas.  «Tudo  varia  tanto  com   o   tempo   como   com   o   lugar,   e   não   podemos  atribuir   a  nada   uma   qualidade  invariante,  como  a  que  a  ideia  de  es4lo  pressupõe  (…)»  (KUBLER,  1998:  173).

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J.  CONCLUSÃO    (senTdo  e  ser)

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Precisamos  olhar  Arquitectura  como  Espaço,  salvaguardando-­‐lhe  o  lugar  como  objecto  ar�s4co.   Precisamos   olhar   os   objectos   contemporâneos   através   de   processos  metodológicos  das  Ciências  Sociais.  

Sabemos  não   ser   possível  definir   objectos  arquitectónicos  pela  sua  fachada.   E   que  projectar   é  necessariamente   a   invenção   e  a  exaltação   do   imaginário  e  ideário,   dos  valores,   es4los   e   modas.   Não   há  arquitectura  natural,   é  uma  criação   –   memórias  projectadas  no  futuro.  Nesse  sen4do,  não  basta  “conhecer  o  objecto”  pela  aparência  ou   como  degenerescência  de  algo,  porque  as  definições  fazem-­‐se  em  posi4vo,   pelo  que  é.  Em  si.

Se  a  nossa  percepção  muda   e   se   se  adapta  melhor   a  alterações  lentas  no   tempo,  porque  havemos  de  impor  a  ruptura  às  con4nuidades  históricas  e  cristalizar  o  objecto  no  tempo?  

O   objecto   existe   enquanto   observado   (como   o   fonema   falado).   O   sujeito   muda  enquanto  observa.  Com  ele  muda  o  objecto  e  o  seu  significado.  A  história  faz-­‐se  dessas  revisitações.

Estas   ‘despres4giadas   arquitecturas’   embora   com   carácter   cenográfico   não   são  cenário,   mas  o  palco  da  acção   da  modernidade.   Nelas  jaz   o  conflito   entre  forma  e  função  e  a  inquietação.

São   Espaço,   lugar   de   vivências   específicas   contemporâneas.   Classificá-­‐las   como  ‘mascaradas’   segundo   um   es4lo   não   retracta   espaço   e   tempo.   Não   são   imitações,  antes  metamorfoses  no  tempo  de  elementos  já  conhecidos,   revisitados.   Limita-­‐las  a  parece-­‐lo  é  amputar   a  forma  de  um  corpo  e  privar  o  seu  corpo  ao  direito  pleno  de  exis4r.  Sem  conflito.  “Olhar  de  novo”  implica  trazer  os  significados  “eruditos”  para  o  quo4diano  e  auscultar  das  pessoas  os  sussurros  das  vivências,  das  memórias,  dos  afectos,  que  fazem  o  Lugar  no   tempo.   Hoje,   a  Cadeia  Comarcã  de   Sintra   significa  algo   diferente,   pelo   que   se  tornou  no  tempo,  pela  forma  como  vive  em  simbiose  com  o  Lugar.  

O   Lugar   é,   por   excelência,   em   arquitectura,   o   sí4o   do  encontro.   A   dimensão  desse  encontro   é   soberba.   Só   existe,   quando   observado   e   consequentemente   lembrado,  cons4tuindo-­‐se  representação.

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ANEXO  DOCUMENTAL

1903,  Novembro,  25,  Sintra  –  O  presidente  da  câmara  refere  os  moLvos  que  tornaram  imperiosa   a   necessidade   de   construir   os   paços   do   concelho,   a   cadeia   civil   e   o  matadouro  municipal  e  pede  o  parecer  da   vereação  acerca   da  melhor  forma  de  fazer  face  às  despesas  daí  decorrentes[AHS.  Livro   de   actas   da   Câmara   Municipal,  nº   19,   1903.03.18-­‐   1905.09.13.   Excerto   transp.   104-­‐107.  Excerto  de  Acta:  p.  100-­‐107]

[p.   104,  décima  quarta  linha:]  /  –  Empres4mo  para  melhoramentos  –   /   Pelo   senhor  presidente  foi  dito:  Que  a  villa  de  /  Cintra  necessita  de  obras  importantes;  que  cons  /  4tuem  melhoramentos  de  ha  muito  reclamados,  /  alguns  dos  quaes  são  exigidos  não  só   pelo   crescente   /   desenvolvimento   da   villa,   mas   ainda   por   sen4   /   mentos   de  humanidade   que  não   devem   ser   esque   /   cidos.   Está  n'   estas   condições   a   cadeia:  acanha  /  dissima  para  o  movimento  actual  da  Comarca,   /  não  possue  nenhuma  das  condicções   hygienicas   modernamente   exigidas,   e   o   seu   mal   aggrava-­‐se   /   com   a  agglomeração   de  presos,   deshumanamente  /  encerrados  em  casas  cuja  capacidade  não   é   sufficien   /   te   nem   para   metade   do   numero   que   ordinàriamen   /   te   ahi  permanece.   Collocada  como  está  num  /  dos  pontos  mais  concorridos  da  villa,   todos  co  /  nhecem  este  mal,  e  todos  reclamam  a  sua  elimi  /  nação,  subs4tuindo-­‐se  a  actual  cadeia  por  /  um  novo  edificio  em  boas  condições.  […]

[p.   105]   É   /   pois   necessaria   e   urgente   a   sua   ampliação   e   re   /   construcção.   As  repar4ções  publicas  estão  dispersas  /  por  varios  edificios,  com  visivel  encommodo  e  /  prejuizo  para  os  que  tem  de  as  frequentar;   e  algu   /  mas  sobrecarregam  o  cofre  do  municipio,   com   o   /   pagamento   das   respec4vas   rendas,   estando   quasi   /   todas  pessimamente  instaladas.  Convem  aos  inte  /  resses  de  todos  a  sua  concentração  n'um  só  edi  /  ficio  que  se  torna  necessario  construir,   reunindo  /  as  condicções  necessarias  para  tal  fim.  Para  taes  /  obras  possue  já  a  Camara  os  respec4vos  projectos,  /  orçados  em  trinta  e  um  contos  de  reis;   e  como  /  se  torna  impossivel  executal-­‐os  nos  limites  dos  /  rendimentos  ordinarios  do  municipio,   tem  /  a  Camara  para  conseguir  esse  fim,  ape   /   nas   tres   meios:   o   augmento   de   impostos,   a   /   alienação   de   bens,   ou   o  empres4mo.  O  /  primeiro,  entendo  não  o  dever  propôr  por  /  que  o  contribuinte  não  pode  ser  mais  sobre  /  carregado  do  que  já  está;   para  segundo  /  possue  o  municipio  apenas  trinta  e  seis  con  /  tos  de  reis  nominaes,  em  inscripções,  que  /  poderão  produzir  pouco   mais   ou   menos   /   quatorze   contos  de   reis,   quan4a   insuffici   /   ente   para   a  execução  d'aquelles  projectos;  res  //  [p.  106]  resta  portanto  o  terceiro,  o  empres4mo,  que  po  /  de   conseguir-­‐se  sem   sacrificio   do  municipio,   /  e  sem   novas  exigencias  ao  contribuinte.  De  /  monstra,   á  vista  das  respec4vas  contas  an  /  nuaes,   como  dos  seus  saldos  se  pode  pagar   /   a  annuidade  de   amor4sação   e   juros  de   /   um   empres4mo  superior  a  trinta  e  um  /  contos  de  reis,  e  está  convencido  que,  con  /  4nuando  a  haver  uma  administração  es  /  crupulosa  e  economica,  esses  saldos  se  poderão  /  manter,  sem  deixar   de   acudir   às  necessida   /   des   do   resto   do   concelho,   já   em   grande   parte   /  sa4sfeitas   com   as   recentes   construcções   de   /   caminhos,   estradas   e   fontes,   que  apenas  /  se  torna  necessario  conservar.  Propõe  por  /  isso  que  a  Camara  contrate  um  empres   /   4mo   de   trinta   e   um   contos   de   reis,   amor   /   4savel   em   trinta   annos,  caucionando-­‐o  com  /  o  rendimento  da  contribuição  directa,  de  doze  /  por  cento  sobre  as  contribuições  do  Estado,  /  predial,  industrial,  renda  de  casas  e  sumptua  /  ria  […].  

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[…]  O  senhor  presidente  /  declara  concordar  com  a  ampliação  da  sua  /  proposta  que  o  senhor  vereador  Jose  Simões  aca  /  ba  de  apresentar,  e  pondo-­‐a  assim  modifica  /  da  á  votação   da  Camara,   esta  a  approvou  por   //   [p.   I07]   por   unanimidade,   deliberando  ouvir   sobre  es  /   te  assumpto  o  parecer   dos  quarenta  maiores  con  /   tribuintes,   nos  termos  do  ar4go  cincoenta  e  sete,   /  do  Codigo  Administra4vo,  convocando-­‐os  para  /  reunirem  no  dia  dois  de  dezembro  proximo,  /  pelas  onze  horas  da  manhã.  [a  acta  conLnua-­‐se  com  outras  deliberações]

1905   -­‐   1910,   Sintra   –   Excertos   de   actas   de   sessões   da   câmara   relacionados   com   a  feitura  dos  paços  municipais  e  menção  à  cadeia  civil:  

Sessão  de  15  de  Março  de  1905

/  –  Novos  edificios  –  /  Por  proposta  do  Sr.  vereador  Antonio  Jacintho,  /  foi  deliberado  que  se  officiasse  ao  architecto  /  senhor  Adães  Bermudes,  para  até  ao  fim  do  cor  /  rente  mez  fazer   entrega  do  projecto  de  que  /  se  incumbiu  do  novo  edificio  dos  Paços  /  do  Concelho,   afim   de  se  não  protelar   mais  /   a  execução  de   tão   importante  melhora  /  mento,  subme�endo-­‐se  á  approvação  su  /  perior  não  só  esse  projecto,  como  o  da  ca  /  deia  e  matadouro  municipal,  que,  segun  /  do  informação  do  Sr.  presidente,  o  mesmo  /  architecto  já  concluiu.[AHS.  Livro  de  actas  da  Câmara  Municipal,  nº  19,  1903.03.18-­‐  1905.09.13,  p.  293]

Sessão  de  5  de  Abril  de  1905

/  -­‐  Novos  edificios  -­‐   /  Apresentos  pelo  senhor   presidente  da  Ca  /  mara,  os  projectos  para  os  novos  edificios,  orga  /  nisados  pelo  architecto  Adães  Bermudes  sendo  /  o  dos  Paços  do  Concelho,  orçado  em  dezasseis  con  /  tos  quarenta  e  cinco  mil  e  quinhentos  reis;  o  /  do  Matadouro  Central,  orçado  em  nove  con  /  tos  duzentos  e  tres  mil  e  cem  reis;  e  o  da  Cadeia  /  Civil  na  importancia  de  oito  contos  cento  e  dez  /  mil  reis,  projectos  que  depois  de  de4damente  /  examinados  foram  approvados,  deliberando-­‐se  /  que  se  pedisse  a  sua  approvação  supperior.[AHS.  Livro  de  actas  da  Câmara  Municipal,  n.º  19,  1903.03.28-­‐1905.09.13,  p.  304]

Sessão  de  12  de  Setembro  de  1906

 /  Novos  edificios  /  Foi  por   unanimidade  deliberado  annunciar-­‐se  para  /  o  dia  vinte  e  quatro  de  Outubro  proximo  futuro,  pe  /  la  uma  hora  da  tarde,  nos  Paços  do  Concelho,  a  ar   /   rematação  por   propostas  em  carta  fechada,   e  /   nos  termos  do  programma  e  condições  que  fi  /  cam  approvadas,  a  construcção  de  um  edifi  /  cio  des4nado  a  Paços  do   Concelho,   e   repar4ções   /   publicas,   conforme   o   projecto   superiormente   /  approvado,   e   no   local   onde   exis4u   a   Capella   de   /   S.   Sebas4ão,   sendo   a   base   de  lecitação  quinze  contos  /  dozentos  setenta  e  cinco  mil  e  trezentos  reis;   e  a  construc  /  ção  de  um  edificio  des4nado  a  Cadeia,  conforme  /  o  projecto  tambem  superiormente  approvado,  e  no  /   terreno  do  ex4ncto  cemitério  de  S.   Sebas4ão,   sendo  /  a  base  de  lecitação  sete  contos  setecentos  e  vinte  /  mil  e  setecentos  reis.[AHS.  Livro  de  actas  da  Câmara  Municipal,  n.º  20,  1905.09.27-­‐1908.02.27,  p.  146]

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Sessão  de  21  de  Novembro  de  1906/  Novos  edificios  /  Sendo  o  dia  designado  para  a  apresenta  /  ção  de  propostas  para  a  construcção  dos  edificios  /  des4nados  a  Paços  do  Concelho  e  repar4ções  /  publicas,  tomou-­‐se  conhecimento   da  unica  /   proposta  apresentada  de   Liberato   Tolen4no  da  Costa,   /   constructor   civil,   residente  em   Lisboa,   pro   /pondo   fazer   a  construcção  do  edificio  para  Paços  /  do  Concelho,  pela  quan4a  de  dezasseis  contos  trinta  /  e  nove  mil  reis  (16:039$000  reis)  e  do  edificio  /  para  cadeia,  pela  quan4a  de  oito  contos  cento  e  /  seis  mil  reis  (8:  106$000  reis)  proposta  que  a  /  deliberou  acceitar,  fazendo  a  adjudica  /  cação  dos  trabalhos  ao  referido  concorrente  Libe  /  rato  Tolen4no  da  Costa,  que  sendo  presente  foi  /  avisado  para  no  praso  de  dez  dias  assignar  os  /  respec4vos  autos.  [AHS.  Livro  de  actas  da  Câmara  Municipal,  nº  20,  1905.09.27-­‐1908.02.27,  p.  167]

Sessão  de  6  de  Julho  de  1910/  Edificio  dos  Paços  do  Concelho  e  Cadeia  /  Foi  appresentado  um  officio,  com  data  de  /  cinco   do   corrente,   de   João   da   Silva   Paschoal,   emprei   /   teiro   da   construcção   dos  edificios  de  Paços  do  Concelho  /  e  Cadeia,   propondo  fazer   a  entrega  difini4va  d'a  /  quelles  edificios,   e  pedindo  a  liquidação  do  debito  das  /  mesmas  construcções,  visto  ter   terminado   o   praso   /   da   sua   responsabilidade;   tomou-­‐se   d'elle  conhecimento   /  resolvendo-­‐se  que  ficasse  para  ser  apreciado  n'outra  sessão.[AHS.  Livro  de  actas  da  Câmara  Municipal,  nº  22,  1909.11.17-­‐1911.03.15,  p.  178]

1906-­‐1908,   Sintra   –   Excertos   de   actas   de   sessões   da   câmara   relacionados   com   o  cemitério  de  São  SebasLão,  local  onde  se  iria  construir  a  cadeia  civil:  

Sessão  de  12  de  Setembro  de  1906

/  Ex4ncto  cemiterio  de  S.  /  Sebastião  /  Foi  por  unanimidade  deliberado  que  por  /  meio  de  editaes  e  anuncios  se  avisassem  to  /  das  as  pessoas  interessadas  para  no  praso  de  trin  /  ta  dias,  a  contar   da  publicação  do  anuncio  /  no   "Diario  do  Governo"   fazerem  trasladar  do  ex  /  4ncto  cemiterio  de  S.  Sebas4ão,  em  Cintra  para  /  qualquer  outro,  os  restos  mortaes  ali  sepultados  /   ou  depositados  em   jazigos,   dos  quaes  no  mesmo   /  praso  se  deve  fazer  a  remoção  para  outro  lo  /  cal.[AHS.  Livro  de  actas  da  Câmara  Municipal,  nº  20,  1905.09.27-­‐1908.02.27,  p.  146]

Sessão  de  18  de  Março  de  1908

/  Edificio  para  /  Cadeia  /  Apresentada  uma  carta  com  a  data  d'ho  /  je,  de  João  da  Silva  Paschoal,  empreiteiro  dos  tra  /  balhos  de  construcção  do  novo  edificio  para  a  /  cadeia,  communicando  não  estar  ainda  con  /  cluida  a  terraplenagem  do  terreno  para  a  cons  /  trucção  d'esse  edificio,  que  segundo  o  contracto,  per  /  tence  á  Camara;  e  que  ainda  ali  existem   dois   /   jazigos   que   impedem   a   construcção,   o   que   lhe   cau   /   sa   demora  prejudicial  na  execução  dos  trabalhos;   /  e  pedindo  por   isso  que  a  Camara  resolva  o  mais  /  breve  possivel  sobre  o  assumpto;  foi  por  unani  /  midade  deliberado  encarregar  o  fiscal  da  Cama  /  ra  de  promover  a  immediata  remoção  dos  jazi  /  gos,  e  fazer  concluir  a  terraplenagem  para  dar  co  /  meço  á  construcção.[AHS.  Livro  de  actas  da  Câmara  Municipal,  nº  21,  1908.03.06-­‐1909.11.10,  p.  16]

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Sessão  de  10  de  Junho  de  1908

/  Novos  edificios  /  (...)  Apresentado  um  officio  com  data  de  tres  do  /  corrente  mez,  do  empreiteiro  das  obras  de  construcção  /  do  novo  edificio  da  cadeia,  communicando  que  por   não  /   lhe  ter   sido   entregue  ha  mais  tempo,   completamente  de  /   sobstruido,   o  terreno   para   essa   construcção,   só   n'essa   /   data   foram   pelo   respec4vo   architecto  traçadas  as  fun  /  dações,  dando  n'ella  inicio  á  referida  construcção,  /  para  que  desde  então  se  principia  contando  o  praso   /  marcado  no  respec4vo  caderno  de  encargos,  para  /  a  conclusão  dos  trabalhos  de  construcção,  tomou  -­‐  /  se  d'  elle  conhecimento,  e  mandou-­‐se  archivar  pa  /  ra  os  devidos  effeitos.[AHS.  Livro  de  actas  da  Câmara  Municipal,  nº  21,  1908.03.06-­‐1909.11.10,  p.  48]

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A.  FONTES  DOCUMENTAIS

1.1  Documentação  Manuscrita  e  DacLlografada

INSTITUTO  DA  HABITAÇÃO  E  DA  REABILITAÇÃO  URBANA  Inventário  do  Património  Arquitectónico.   Ficha  IPA  031111110106.  Cadeia  da  Vila  de  Sintra/  Edi;cio  dos  Correios,  Telégrafos  e  Telefones,  CTT,  de  Sintra.

Inventário  do   Património  Arquitectónico.   Ficha  IPA   031111110205.   Torre  da  An4ga  Cadeia  da  Vila/  Torre  do  relógio/Torre  da  Vila  de  Sintra.

Inventário  do  Património  Arquitectónico.  Ficha  IPA  031111090234.  Cadeia  Comarcã  de  Sintra.

ARQUIVO  MUNICIPAL/ARQUIVO  INTERMÉDIO  DA  CÂMARA  MUNICIPAL  DE  SINTRAClassificações  como   Imóveis  de   Interesse  Municipal  –   Cadeia  comarcã  e   Paços   do  Concelho:  Adães  Bermudes  e  o  Revivalismo  Sintrense,  Sintra  2005.  

ARQUIVO  HISTÓRICO  DE  SINTRALivro   de   Actas   de   sessões   da   Câmara   Municipal   de   Sintra   relacionados   com   a  construção  da  cadeia  civil,  1906-­‐1908.N.º20,  1905.09.27  –  1908.02.27,  p.146.  Sessão  de  12  de  Setembro  de  1906.N.º  21,  1908.03.06  –  1909.11.10,  p.16.  Sessão  de  18  de  Março  de  1908.N.º  21,  1908.03.06  –  1909.11.10,  p.48.  Sessão  de  10  de  Junho  de  1908.

Livro  de  autos  de  arrematação  de  contractos  da  Câmara  Municipal  de  Sintra  entre  …  e  1908,  p.  14  v.  –  15  v.

1.2  Documentação  Gráfica

ARQUIVO  MUNICIPAL/ARQUIVO  INTERMÉDIO  DA  CÂMARA  MUNICIPAL  DE  SINTRALevantamento  da  An4ga  Cadeia  de  Sintra,  de  24/03/1977,  CMS.  Planta  dos  Pisos:Terraço;  Rés-­‐do-­‐chão;  1º  andar.  

Alçado  da  fachada  da  Cadeia  Civil  Sintrense  -­‐  Reprodução  de  A  Construção  Moderna,  Lisboa,  1987.  1906.03.10,  p.  241.

83/22-­‐11(2),  Edi;cio  da  Cadeia  Comarcã  de  Sintra,  Esc.  1/2000.

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FONTES  E  BIBLIOGRAFIA

1.3  Documentação  Fotográfica

ARQUIVO  HISTÓRICO  DE  SINTRAFotografias  da  Cadeia  Comarcã  e  Vila20107   cx   247;   20106  cx  247;  15348   cx  191;   16557  cx  206;  16681  cx  208;   4357  cx  54;  6386  cx  79;  8706  cx  108.Fotografias  da  Cadeia  Comarcã  de  Sintra,  Sede  dos  Escoteiros  de  Portugal,  20.02.2010.

B.  BIBLIOGRAFIA  

AAVV,   Arquitectura   de  Serviços   Públicos   em   Portugal:   Os   internatos   na  Jus4ça   de  menores,  1871-­‐1978,  Direcção-­‐Geral  de  Reinserção  Social/Ins4tuto  da  Habitação  e  da  Reabilitação  Urbana,  Lisboa,  2009.

AAVV,  História  da  Arte  Portuguesa,  Do  Barroco  à  Contemporaneidade,  Volume  III,  Dir.  Paulo  Pereira,  Barcelona:  Circulo  de  Leitores  e  Autores,  1ª  Edição,  1995,  (pp.  362,  512).

AFONSO,  Manuel  Alves,  Sintra  à  sombra  da  Serra,  Lisboa:  Difel,  1988.

ANACLETO,  Maria  Regina  Dias  Bap4sta  Teixeira,  Arquitectura  Neomedieval  Portuguesa  1780-­‐1924,  Volume  I,  Lisboa:  Fundação  Calouste  Gulbenkian,  1997.

ANACLETO,   Maria   Regina   Dias   Bap4sta   Teixeira,   História   da   Arte   em   Portugal,  Neoclassicismo   e   Roman4smo,   Volume   10,   Lisboa:   Publicações   Alfa,   1986,   (pp.  116-­‐117;  123-­‐127).

AZEVEDO,   José   Alfredo   Costa,   Obras   de   José   Alfredo   Costa,   Recantos   e   Espaços,  Volume  II,  Sintra:  CMS,  1997.

AZEVEDO,  José  Alfredo  Costa,  Sintra,  a  velha  (ronda  pelo  passado),  Sintra:  Publicações  da  C.M.S.,  1978.

CATROGA,  Fernando,  O  republicanismo  em  Portugal.  Da  formação  ao  5  de  Outubro  de  1910,  II  Volume,  Coimbra:  Faculdade  de  Letras,  1991.

ECO,   Umberto,   Como   se   faz   uma   Tese   em   Ciências   Humanas,   Lisboa:   Editorial  Presença,  14ª  Edição,  2008.

FOUCAULT,  Michel,   "Vigiar  e  Punir:  nascimento  da  prisão",  Petrópolis,   RJ:  Vozes,  34°  Edição,  2007.

FRANÇA,   José-­‐Augusto,   A  Arte  em  Portugal  no  século  XIX,   Volume  II,   3ª   e  4ª   parte,  Venda  Nova:  Bertrand  Editora,  3º  Edição,  1990.

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FRANÇA,  José-­‐Augusto,  A  Arte  em  Portugal  no  século  XX,  1911-­‐1961,  Volume  III,  Venda  Nova:  Bertrand  Editora,  2º  Edição  revista,  1984.

FRANÇA,   José-­‐Augusto,   O   Roman4smo   em   Portugal,   6   Volume,   Lisboa:   Livros  horizonte,  s.d.

FREIRE,   Vítor   Albuquerque,   Panóp4co,   vanguardista   e   ignorado,   O   Pavilhão   de  Segurança  do  Hospital  Miguel  Bombarda,  Lisboa:  Livros  Horizonte,  2009.

KUBLER,   George,   A   Forma  do   Tempo,   Observações   sobre   a   História  dos  Objectos,  Lisboa:  Veja,  1998.

PEREIRA,  Paulo,  História  da  arte  Portuguesa,  vol.  2  e  3,  Lisboa:  Bertrand,  1997.

PERROT,  Michele,  O  Inspetor  Bentham,  in  SOUZA,  Tomaz  Tadeu  de  (Org.)  O  panóp4co,  Belo  Horizonte:  Autên4ca,  2000.

QUIVY,   Raymond,   Manual  de   Inves4gação   em   Ciências  Sociais,   Lisboa:   Gravida,   5º  Edição,  2008.

RODOLFO,  João  de  Sousa,  Luís  Cris4no  da  Silva  e  a  Arquitectura  Moderna  em  Portugal,  Lisboa:  Publicações  dom  Quixote,  1ª  Edição,  2002,  (pp.  19-­‐31).

SERRÃO,  Vítor,  Sintra,  Lisboa:  Editorial  Presença,  1989.

C.  ARTIGOS

(?),  A  Cadeia  de  Cintra,  “Jornal  Saloio”,  88.05.01,  1956/57,  p.  15.

(?),   Ainda   em   Janeiro   Comendador   deu   sinal…,   “Sintra   Ilustrado”,   79,   pag.11,  1990.03.21.

(?),  Câmara  Comarcã  a  polémica  vai  longe,  “Sintra  Ilustrado”,  79,  pag.10,  1990.03.21.

(?),  Câmara  de  Sintra  suspende  obras  na  An4ga  Cadeia,  “Sintra  Ilustrado”,  79,  pag.11,  1990.03.21.

(?),   Imagem  da  cadeia  de  Sintra  será  man4da  –   garantem  os  arquitectos  autores  do  projecto,  “Diário  de  No�cias”,  9  de  Fevereiro  de  1990,  p.18.

ANACLETO,  Regina,  A  Cadeia  Comarcã  de  Sintra  do  arquitecto  Adães  Bermudes  (1905),  “Jornal  de  Sintra,  2830,  Sintra,  1989.06.23.

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MENDONÇA,   Helena,   Escuteiros  travaram   demolição   do   edi;cio  e   IPPC   diz   não   ter  força  legal  para  intervir.  Pena  capital  ameaça  cadeia  de  Sintra,   “  Diário  de  No�cias”,  1990.01.15.

MONTOITO,  Eugénio,  Lembranças  e  Memórias  Sintrenses.  A  Cadeia  Comarcã,  “Jornal  de  Sintra”,  24  de  Maio  de  1996,  pág.  14.

RODRIGUES,   F.   Castro,   Sintra   –   Património,   polémica,   mistério,   “Jornal   de   Sintra”,  nº2874,  1990.06.08.

SANTOS,   Eurico   Pereira  dos,   Separata   do   2º   Volume  do   Bole4m   da   Administração  Penitenciária  e  dos  Ins4tutos  de  Criminologia:   “Apontamentos  sobre  a  Colónia  Penal  de  Sintra”,  (s.d.).

SERRÃO,   Vítor,   A   Cadeia  Comarcã  de  Sintra,   uma  jóia  de  arquitectura  revivalista  que  urge  preservar,  “Jornal  de  Sintra”,  2827,  Sintra,  1989.06.02.

SILVA,   Caetano  Alberto   da,   Occidente,   Ano   30º,  Vol.   XXX,   nº   1024,   10   de   Junho  de  1907,  p.128.

SOUSA,  Tude,  Bole4m  dos  Ins4tutos  de  Criminologia:  Colónia  Penal  Agrícola  de  Sintra  de  António  Macieira.  Notas  para  um  Estudo,  Separata  do  nº  1-­‐  1937.  Lisboa:  Oficinas  Gráficas  da  Cadeia  Penitenciária  de  Lisboa,  1936.  

SOUSA,  Tude,  Bole4m  dos  Ins4tutos  de  Criminologia:  Colónia  Penal  Agrícola  de  Sintra  de  António  Macieira.  Notas  rela4vas  à  sua  criação,  abertura  e  funcionamento.  Lisboa:  Oficinas  Gráficas  da  Cadeia  Penitenciária  de  Lisboa,  1938.  

D.  CATÁLOGOS

AA.VV.,   O   Neomanuelino   ou   a   reinvenção   da   Arquitectura   dos   Descobrimentos:  Ins4tuto  Português  do  Património  Arquitectónico  e  arqueológico.   Lisboa:   IPPA,   1994  (Anacleto,   Regina,   Os   protagonistas   das   arquitecturas   neomedievais,   pp.104-­‐113;  Ribeiro,  Maria  Manuela  Tavares  –  O  tempo  do  Manuelino,  cultura  e  representação,  pp.  16-­‐26).

E.  ENDEREÇOS  ONLINE

Da  Charneca  Saloia  ao  Monte  da  Lua,  18-­‐  Cadeia  Comarcã,  2007.02.05.h � p : / / w w w . c m -­‐ s i n t r a . p t / I t e n e r a r i o s P o n t o I n t e r e s s e . a s p x ?IDItenerario=6&ID=79&print=1

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Rede  do  conhecimento  da  Jus4ça,  Património  Cultural/Arquitectura  -­‐  Cadeia  Comarcã  de  Sintra.h�p://91.198.182.97/Category.aspx?id=48  

Sintra   abre   os   Paços   do   Concelho   à   população   no   centenário   da   obra   de   Adães  Bermudesh�p://www.aps-­‐pt.com/docs/Cultura_e_lazer/Sintra.pdf

Adães  Bermudes.h�p://pt.wikipedia.org/wiki/Arnaldo_Redondo_Ad%C3%A3es_Bermudes  h�p://www.infopedia.pt/$adaes-­‐bermudes

Escola  Normal  Primária  de  Lisboa,  (1916-­‐1918).h�p://pt.wikipedia.org/wiki/Escola_Normal_Prim%C3%A1ria_de_Lisboa  

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MARIANA   CARROLO   é   Licenciada   em   Arquitectura   pela  Fundação   Minerva,   da   Universidade   Lusíada   de   Lisboa;  licenciou-­‐se,   também,   em   História   da   Arte,   na   Faculdade   de  Ciências  sociais  e  Humanas  da  Universidade  Nova  de  Lisboa.  É  Doutoranda   na   mesma   Faculdade,   em   História   da   Arte  Contemporânea,   sob   a   orientação   do   Doutor  Manuel   Morais  Villaverde  Cabral  e  da  Professora  Doutora  Raquel  Henriques  da  Silva.   É   Bolseira   da   Fundação   para   a   Ciência   e   Tecnologia   e  membro  do  Insituto  de  História  da  Arte  daquela  Faculdade.