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Cabeça de cavaloA moda surgiu num livro que
sugere um “experimento social”: fazer
turismo vestindo uma cabeça de cavalo. A ideia chegou à rede através de um vídeo de Tom
Green, apresen-tador canadense.
CURTIRINSTAGRAM MEMES
POSTS
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“Mano vamo para de viver uma vida imaginária ai
pq curtida e faminha de FACE nao vai acrescentar
nada pra vc viu .! #pega_visao_rapa !” Assim com-
partilhou seu último status Lucas Lima, o líder
dos rolezinhos morto no início de abril durante
uma briga em um baile funk, em episódio ainda
misterioso. Lucas Lima tinha 56 mil seguidores no
Facebook. Cada comentário — em geral frases de
auto-ajuda, versículos bíblicos ou auto-ostentação
— era curtido em média por 200 pessoas e com-
partilhado dezenas de vezes. Ele não era artista,
empresário, profissional de sucesso, esportista,
modelo de beleza, político. Sua fama advinha jus-
tamente de ser um fã. Tinha 18 anos e fazia bicos
como servente de pedreiro enquanto fechava o
segundo grau. Morador do bairro de Itaquera, na
zona leste de São Paulo, curtia funk ostentação,
carros bacanas, roupas caras e se notabilizou por
ter sido o principal articulador de um rolezinho
— flashmob de adolescentes que se reúnem para
cantar funk, zoar e namorar — que juntou 3 mil
pessoas no shopping Itaquera.
Lucas tornou-se também a face mais conhecida
de outro curioso fenômeno, este planetário: a era
das celebridades instantâneas. Uma época que
cria pessoas famosas apenas por curtir. Lucas
compartilhava seu gosto pelo mundo do funk e,
como vários garotos de sua idade, queria pegar
geral, tomar umas, se vestir na estica e ser famoso.
O que fazia? Ele simplesmente gostava; e outros
mandavam um joinha justamente por causa disso.
Ele também trabalhava loucamente no Facebook
curtindo posts e status e fotos de seguidores.
Quanto mais amigos, mais seguidores, curtidas
e retuitadas, o maior capital social de Lucas. Não
tenho tudo o que quero, poderia dizer ele, mas
curto tudo o que amo. E Lucas viu que era bom.
“Na essência, somos todos seres sociais, vivemos
para os olhos dos outros”, diz Mario Corso, psi-
canalista e autor do livro A Psicanálise na Terra do Nunca. “Todo mundo quer ser querido, quer
ser notado. Ninguém escapa.”
O primeiro like da história do Facebook foi dado
no dia 9 de fevereiro de 2009. Cinco anos de-
pois, os números mostram o “curtir” como um dos
maiores fenômenos culturais da atualidade. São
1,8 milhão por minuto ou 4,5 bilhões diários na re-
de social criada por Mark Zuckerberg. A moda se
espalhou por outros sites. Por trás desse sucesso
está a relação que os jovens desenvolveram com
a ferramenta. Ter uma postagem curtida, assim
como curtir algo postado por outra pessoa, é uma
forma de ganhar reputação, repercussão. Você só
existe se é curtido ou compartilhado. Esse tipo
de sentimento já influencia a vida das pessoas.
Larissa Giampaoli, 25 anos, é paulistana e mora
em Los Angeles. Com mais de 10 mil seguidores
no Instagram, faz previsão de quantos likes vai
A primeira ocorrência do catbearding é
uma foto posta-da pelo tumblr Catsasters em julho de 2011. Dois dias de-
pois, apareceu a rede social
Reddit e alcan-çou sites como
o Buzzfeed e o Huffington
Post.
Barba de gato
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conseguir com uma foto e se preocupa com os
detalhes para fazer mais sucesso nas redes sociais.
“Já levei mais de uma troca de roupa para pontos
turísticos na minha última viagem para não ficar
repetida nas fotos. Penso no meu ‘público’.”
EEsse Campeonato da Curtição, em que se mede
o índice de popularidade de alguém pelo número
de curtidas, seguidores, amigos ou republicações
de seus posts, acaba de ganhar um documentário
nos Estados Unidos. É Generation Like, dirigido
por Douglas Ruschkoff, que afirma: “Você é o que
você curte”. Um trecho chocante do filme ocorre
quando um bando de adolescentes confessa não
saber o que quer dizer o termo “vender-se”. Não
acham que podem ser usados por empresas para
entender seus hábitos de consumo e assim ofere-
cer a eles produtos que consumirão — e mais tarde
fotografarão e compartilharão. O documentário
demonstra como o marketing moderno é indis-
tinguível da cultura da internet. Ok, somos todos
marcas agora, lembra o filme. Nem é preciso pes-
quisa: os próprios consumidores dizem ao mundo
corporativo o que é bacana — a começar por seus
perfis. Algumas pessoas podem assistir ao do-
cumentário como a radiografia de uma moderna
náusea, outros poderão vê-lo como o caminho das
pedras até o sucesso.
Qualificada como “Me Me Me Generation” pela
revista Time, a geração Y, base de tal fenômeno,
foi retratada como acomodada, narcisista, com ex-
pectativas irreais, afundada na cultura de celebri-
dades e crente que é especial. Fica menos tempo
nos empregos do que as anteriores, mais preocu-
pada em obter satisfação e significado do trabalho
do que em fazer carreira. É uma geração que mira
no intangível conceito de felicidade — que pare-
ce antigo, mas segundo o economista Eduardo
Giannetti, em seu livro Felicidade (Companhia
das Letras), é bem recente. Ele demonstra como
o bem-estar pessoal está ligado ao bem-estar so-
cial, mas que as realizações e ambições mudam de
geração para geração. O bem-estar econômico já
foi o grande horizonte da realização da felicidade.
Para Giannetti, hoje a grande realização é amar
e ser amado. “Continuar aumentando a renda e
os padrões de consumo não vai tornar as pessoas
mais felizes com a vida que têm”, diz o economista.
“Somos cada vez mais infelizes porque teimamos
em querer saciar todas as nossas vontades, desejos
e caprichos. (...) A gente não pode tudo, não.”
PÚBLICO X PRIVADOO rótulo da Time parece particularmente feliz se
transposto para sua versão homófona em por-
tuguês: na “geração mimimi”, o que importa é o
quanto você é amado. Se não é, vem o mimimi,
o chororô e a pulsão de morte. Para escapar da
autocomplacência, curtir-se é o primeiro passo
para o sucesso. Estudo de tendência de consumo
realizado pela Ford mostra que 62% dos adultos
têm melhor auto-estima depois de ser curtidos e
compartilhados em redes sociais. “Num mundo
de hiper-auto-expressão, diários públicos crôni-
cos e outras formas de manifestações digitais,
os consumidores estão criando um ‘eu’ público
que talvez precise de mais validação do que o ‘eu’
verdadeiro”, diz um trecho da pesquisa. Com base
no relatório, Tom Gara, colunista do jornal Wall Street Journal, diz que “Criamos uma forte neces-
sidade de revisitar a nossa narrativa, refiná-la e
editá-la para o nosso gosto — e o gosto dos outros.
Mas quando limamos as arestas no nosso ‘eu’ pú-
blico, não escamoteamos o nosso ‘eu’ verdadeiro?”
Curtem-se imagens de bebês fofinhos; crian-
ças; gatos; cães; crepúsculos; frases de auto-ajuda;
jantares sensacionais; paisagens espetaculares;
memes engraçados. Algumas pessoas topam até
se submeter a situações vexatórias/bizarras para
angariar mais likes. Tome como exemplo o desafio
da canela. Nele, uma pessoa enche uma colher
com o pó da especiaria e tenta engolir tudo de
uma só vez enquanto grava para postar o vídeo
na web. Invariavelmente, os desafiantes falham:
o pó irrita as vias nasais, causa tosse e uma série
de outras reações grotescas. A primeira edição do
desafio foi feita offline em 2001, pelo americano
No Sellotape Selfies, as fotos retratam inter-nautas que en-volveram seus
rostos com fita. Tudo começou com a estudan-te Lizzie Durley, que imitou uma cena do ator Jim Carrey no filme
Sim, Senhor!.
Fita adesiva
na cara
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Erik Goodlad, mas ele só viralizou a partir de
2006, quando um metaleiro chamado Pipe pos-
tou um vídeo no YouTube. O desafio da canela é
apenas um entre milhares de memes que surgem
(e desaparecem com a mesma velocidade) na web.
HIPNÓTICO E CONFORTADORO campeão de likes é o selfie, o autorretrato. Até
Barack Obama, o homem mais poderoso do mun-
do, e seu vice-presidente entraram na onda. Assim
como há celebridades do cinema e da TV que au-
mentam sua base de fãs postando selfies — o ator
James Franco, eternamente em lua-de-mel consigo
mesmo, está entre os exemplos mais irritantes —,
há quem tenha ficado famoso justamente por isso.
É o caso do Benny Winfield, um representante de
vendas de produtos hospitalares de Houston. Ele
postou 500 fotos quase iguais no Instagram — e
conquistou 200 mil seguidores. Há algo de hipnó-
tico e confortador em ver o carismático homem de
bigode na mesma posição todo santo dia. Com a
fama, Winfield (que usa o alter ego @mrpimpgood-
game) abriu uma loja de camisetas.
O vício em selfies rendeu um estudo. A Selfie-
City analisou mais de 3,2 mil imagens em cinco
cidades do mundo: Nova York, São Paulo, Ber-
lim, Bangcoc e Moscou. Uma das constatações:
mulheres fazem mais autorretratos do que ho-
mens. Mais do que isso, elas tiram a foto de um
ângulo 15 graus mais alto para conseguir mos-
trar o próprio corpo. Nem todo mundo lida bem
com a dependência. O britânico Danny Bowman,
19 anos, ficou tão obcecado em obter a imagem
perfeita que passava até dez horas por dia tirando
fotos — chegou a postar 200 delas num prazo de
24 horas. Teve de sair da escola por causa disso e
ficou em casa por seis meses em busca do autor-
retrato campeão. Considerado o primeiro viciado
em selfies, e frustrado em não captar a imagem
ideal, tentou o suicídio — felizmente, sua mãe o
salvou de uma overdose de remédios. Entrou em
terapia e abandonou o iPhone. Seu psiquiatra diz
que o problema não era o excesso de vaidade, e
sim o transtorno dismórfico corporal, quando a
pessoa tem uma preocupação com um ou mais
defeitos percebidos em sua aparência.
Essa frustração pode, em último caso, influen-
ciar negativamente o futuro de países. Em janei-
ro, o departamento de Saúde Mental da Tailândia
emitiu um preocupante aviso sobre o vício em
likes entre os jovens adultos do país. “Se eles não
recebem curtidas, postam outras selfies. Se nem
assim conseguem respostas dos seguidores, per-
dem a autoconfiança e se sentem insatisfeitos com
eles mesmos ou com seus corpos. Isso pode afetar
o desenvolvimento do país no futuro, já que deve
cair o número dos líderes da nova geração. Sem
falar na chance de obstruir a criatividade e o po-
der de inovação da Tailândia.” Em menor escala,
isso acontece por aqui. Rodrigo Diório, estudan-
te de nutrição em Volta Redonda, no Rio de Janei-
ro, já teve uma foto curtida 1.975 vezes no Insta-
gram. Agora, fica incomodado quando não ganha
likes suficientes. “Depois de postar entro de cin-
co em cinco minutos para ver o que escreveram,
quem me marcou, quem seguiu, quem curtiu”,
afirma Diório. “Quando a foto não atinge um nú-
mero de likes eu apago.”
PPara saber o que curtir temos de saber o que é
legal, o que é bacana, o que é cool. Na era das
celebridades instantâneas — em que ser famoso
por 15 minutos, como propunha o artista Andy
Warhol, está à disposição de todos — a relação
se inverteu. Você é curtido porque tem segui-
dores, e tem seguidores porque é curtido. É uma
questão de espalhar seu “eu” nas redes sociais.
Não importa o que você faz, tem de fazer inin-
terruptamente. É o ato de alimentar o tamago-
tchi da rede social: dar tuítes aos porcos, dar
de comer tanto a fãs quanto a trolls. Quanto
mais você é curtido, mais é curtido — ensina o
algoritmo do Facebook. Se você para de ser cur-
tido, para de aparecer na timeline de seus se-
guidores — e eles se esquecem de você. Não é
preciso talento para ser conhecido, mas sim a
eficiência dos robozinhos de Zuckerberg.
Em 2008, Spunky McPunk
postou o pri-meiro exemplo conhecido do “moneyface”: ele aparecia
segurando uma nota antiga de 20 libras ester-linas, estampa-da com o rosto do compositor
inglês Sir Edward Elgar.
Cara de dinheiro
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TThainá Santos, uma mineira de 19 anos, tem
90 mil seguidores no Facebook. Ela conseguiu os
fãs pela rede social Ask — e pela decisão de raspar
o cabelo e ficar totalmente careca. Em seguida co-
meçou a patrocinar encontros beneficentes, como
doações de sangue e afins. Por que você é tão pop,
Thainá? “Meu jeito, eu sou muito sincera e espon-
tânea”, ela diz, pelo chat do Facebook. “Adoro dar
conselhos, as pessoas amam isso em mim e curtem
muito!” E o que você curte? “Posts engraçados,
vídeos, frases. Não curto coisas desnecessárias
ou que não me acrescentam em algo, eu gosto de
posts inteligentes!” Mas foram muitos seguidores
em muito pouco tempo, não? Você fica muito tempo
na internet e no Facebook? “Antigamente eu cos-
tumava ficar mais tempo, hoje em dia nem tanto.”
Em média quantas coisas você posta por dia? “Três
frases, por aí... E 1 ou 2 fotos só! Ganho uns 300
seguidores por dia... acabei de chegar aos 90 mil!”
A explicação para essa compulsão por redes
sociais está no cérebro. Mais especificamente
no núcleo accumbens, região localizada na parte
frontal inferior ligada à sensação do prazer. O Ins-
tituto Freie, em Berlim, mediu a atividade cerebral
de voluntários enquanto eles recebiam feedback
sobre si mesmos. Logo perceberam que o núcleo
accumbens ficava mais ativo quando esses retor-
nos eram positivos. Quando relacionaram o núcleo
accumbens com atividade no Facebook, percebe-
ram que quanto maior a atividade nessa região do
cérebro maior a chance de alguém passar mais
tempo online. Já a professora Kristen Lindquist,
da Universidade da Carolina do Norte, mostrou
que as pessoas recebem uma dose de dopamina,
substância liberada pelo cérebro que dá a sensação
de prazer e de recompensa, quando recebem likes
ou têm seus posts retuitados — efeito parecido com
o da cocaína. “Ao longo do tempo você precisa
Encha uma colher de canela
em pó, tente engolir e, cla-ro, filme tudo
para divulgar na web. O pó irrita as vias nasais, causando rea-
ções grotescas. O primeiro
desafio foi feito offline em 2001.
Entre em galileu.globo.com para ler mais entrevistas com especialistas sobre as pessoas que fazem tudo por um like.+
de mais e mais daquela substância para sentir a
mesma coisa”, diz Kristen. Estudos como esses são
os primeiros a retratar o assunto. Nos próximos
meses devem ser divulgados outros. “O vício em
redes sociais ainda não foi incluído no manual de
diagnóstico e estatísticas de doenças psiquiátricas,
mas existem pesquisadores trabalhando nisso”,
diz Dar Meshi, pesquisador do Freie.
GOSTABILIDADEHá centenas de manuais que ajudam a melhorar
sua inteligência social — a ciência da likeability, a
sua gostabilidade (perdoe o horrível neologismo).
Nos Estados Unidos, acabou de sair o livro The Likeability Factor, do guru marqueteiro Tim San-
ders, que ajudará você a angariar joinhas (sem pre-
cisar comprar — sim, é possível adquirir joinhas e
curtidas). “As escolhas que outras pessoas fazem
a seu respeito determinam sua saúde, riqueza e
felicidade”, diz o texto. “E décadas de pesquisas
provam que as pessoas escolhem as coisas de que
gostam. Votam nelas, compram-nas, casam com
elas e gastam tempo precioso com elas. A boa
notícia é que você pode se armar para esse torneio
e vencer suas batalhas pela preferência. Como?
Aumentando seu fator de gostabilidade. Quanto
mais você é curtido, mais feliz sua vida será.”
Além da gostabilidade, é sempre bom lembrar do
inevitável Círculo do Pop. No começo, você é Cult
— aqui e ali alguém te curte. Depois, vira Hype — e
passa a ser curtido cada vez mais. Se você corres-
ponde às demandas, torna-se Pop — ou seja, é um
sucesso. Mas, se você não conseguir manter-se no
Campeonato da Curtição, o terrível Círculo do Pop
pode fazer um giro para a direita — e aí você vira
Trash. Aquilo que já foi bacana, já foi superlegal,
mas ninguém aguenta mais. O pessoal que te curtia
agora acha você brega porque todo mundo curte.
Com sorte, você escapa de Trash e, com o tempo
e a nostalgia inevitável, vira Vintage — e depois,
quem sabe, pode até voltar a ser Cult de novo. De-
pendendo de seu ânimo, pode ser curtido até voltar
ao Hype, Pop... Mas isso vai depender da sua capa-
cidade de fazer malhação social. Quem curte?
O desa-fio da canela