UNIVERSIDADE DE BRASÍLIAFACULDADE DE COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
Processo de Seleção 2016Projeto de Pesquisa
Telejornalismo e Relações Internacionais:
Uma análise crítica das narrativas jornalísticas do Jornal Nacional sobre os grandes conflitos internacionais da
atualidade (2015/2016)
Silvana Pena de Sá Rabelo
Trabalho de minha autoria exclusiva apresentado em atendimento ao “Edital de Seleção de Candidatos às vagas do Programa de Pós-Graduação em Comunicação para os Cursos de Mestrado Acadêmico e Doutorado para o primeiro período letivo de 2016”.
Linha de pesquisa: Jornalismo e SociedadeEixo Temático: Jornalismo: Narrativa, discurso e poder
Outubro de 2015
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIAFACULDADE DE COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
Processo de Seleção 2016Projeto de Pesquisa
Telejornalismo e Relações Internacionais:
Uma análise crítica das narrativas jornalísticas do Jornal Nacional sobre os grandes conflitos internacionais da
atualidade (2015/2016)
Linha de pesquisa: Jornalismo e SociedadeEixo Temático: Jornalismo: Narrativa, discurso e poder
Outubro de 2015
1 Delimitação do problema de pesquisa
A narrativa é uma das dimensões mais relevantes da experiência humana. Narrar
é uma prática humana universal e uma necessidade inata do ser humano. Nosso próprio
pensamento se constitui como narrativa. As narrativas sobre ontem, hoje e amanhã,
legitimadas, revisadas, reformuladas e repassadas pelas gerações, são fatores
determinantes para a constituição de culturas, tradições, povos, nações e civilizações. A
vida humana toma sentido a partir de uma teia de narrativas na qual estamos enredados
(MOTTA, 2013).
Dizemos quem somos ou quem não somos por meio das narrativas. No âmbito
das relações internacionais, a mesma construção se repete, pois as narrativas sobre
identidades nacionais são a nossa forma de contar a cultura de nossa nação e diferenciá-
la da cultura das demais. O que é uma identidade nacional senão um senso comum
originado de um conglomerado de narrativas? E o que seria a cultura e os interesses de
uma nação, senão um conglomerado de narrativas de culturas e interesses de grupos
diversos? Como aponta Bhabha (1998, apud MOTA et al, 2012, p. 206), a prática de
construção de identidades se dá na narrativa e não há identidade cultural que não seja
contada. Portanto, narrativas podem ser entendidas como mais do que uma forma de
representar o mundo real. Podem ser entendidas como uma forma de apresentá-lo e de
instituí-lo. Como aponta MOTTA (2013, p. 34):
Alguns autores mais ousados propõem que o homem apreende narrativamente a realidade e que as narrativas imaginárias ou factuais nos ajudam a sondar e testar a realidade, e simultaneamente instituem as identidades, organizações e sociedades. Nessa perspectiva, com a qual concordo, as narrativas forjam indivíduos e nações.
As narrativas têm o poder de forjar a subjetividade dos indivíduos e a
representação das nacionalidades. Mais que isto, as narrativas forjam, ainda, o que se
permite pensar a respeito de outros e indivíduos e nações. Tais narrativas sobre
identidades nacionais são oriundas das experiências de contato entre os povos, mas
também oriundas de narrativas providas pelas mídias:
Se hoje temos acesso à pluralidade das culturas do mundo, pelas narrativas das redes de informação, especialmente pelo noticiário televisivo, e pela mediação realizada pelas imagens produzidas em nível mundial e nacional, umas das consequências desta multinarrativa é a concepção de cidadania (MOTA et al, 2012, p. 206-207).
1
As narrativas, como forma de representação e constituição de realidades, tem
poder de legitimação/deslegitimação e de mobilização/desmobilização (BOURDIEU,
1997). Pensar nestas propriedades no âmbito das relações internacionais nos ajuda a
compreender comportamentos que construíram as histórias das relações internacionais
que se tornaram sabidas até os nossos dias. As narrativas sobre nações, utilizadas por
grupos de interesses diversos, tem poder para unir povos ou colocá-los em guerra uns
contra os outros. Narrativas sobre identidades nacionais podem ser instrumentos de
dominação e até mesmo de extermínio entre nações. Narrativas sobre identidades
nacionais podem ser a forma de indivíduos encontrarem forças coletivamente para
lutarem por um ideal comum.
Certamente, um dos mais significativos exemplos que temos na história a
respeito do poder de mobilização das narrativas sobre identidades nacionais e relações
internacionais, é o holocausto do povo judeu no contexto da Segunda Guerra Mundial.
A narrativa da superioridade da raça ariana e da necessidade de extermínio do inimigo
judeu resultou em uma das maiores catástrofes da história da humanidade praticada por
humanos e nos alerta para o poder da narrativa e o perigo de que uma narrativa de
inimizade e opressão encontre o terreno fértil no imaginário social para gerar
coconstruções1 que despertem e viabilizem mobilizações de violência entre nações.
Todos os conflitos, político-ideológicos ou armados, da atualidade, estão pautados em
narrativas conflitivas entre nações, religiões e ideologias. Da mesma forma, as relações
de cooperação entre nações são legitimadas por discursos de identidade e valores em
comum.
Neste sentido, mostram-se relevantes estudos cujo foco e preocupação se situem
no âmbito das narrativas cujo enredo envolva relações entre nações, sejam elas de
cooperação ou de conflito. Como bem enfatiza Motta:
Vivemos numa época em que as pessoas são cada vez menos testemunhas diretas ou oculares dos fatos. As experiências de vida das pessoas são cada vez mais mediadas, elas tomam cada vez mais contato com o mundo exterior através de representações virtuais e discursivas da realidade (MOTTA, 2013, p. 32).
1 Por coconstruções, tomamos neste trabalho as explicações de MOTTA (et al, 2012) quando argumenta que as narrativas permitem uma cocontrução da realidade, ou seja, soma-se à construção criativa de quem narra as percepções do receptor da narrativa, que imprimirá nela um novo significado. A realidade percebida pelo receptor será como uma intersecção entre a narrativa emitida e a narrativa que ele mesmo constrói, a partir de seus próprios instrumentos e experiências interpretativas que moldarão sua percepção da realidade.
2
Hoje, mais do que nunca, vivenciamos uma globalização ou mundialização das
coisas, das ideias, das relações, das compreensões e percepções sobre a vida humana.
Experimentamos, já há algum tempo, o fluxo da informação a tempo real. Mais do que
em nenhum outro momento da história, tomamos conhecimento sobre acontecimentos
em qualquer lugar do mundo e constituímos narrativas sobre países, culturas, tradições,
regimes políticos e ideológicos, religiões e conflitos, mesmo sem ter tido qualquer
contato direto com o fato, local ou personagem sobre o qual manifestamos nossa
opinião. Além disso, podemos dialogar com indivíduos de qualquer parte do mundo,
sobre temas que afetam a realidade de todos os países. De fato, esta é uma conjuntura na
qual as narrativas sobre temas internacionais e interculturais se multiplicam em nossos
cotidianos. Como enfatiza a professora Célia Mota (et al, 2012, p. 216):
Com a globalização, o enraizamento numa só nação perde força e o sentimento de pertencimento a uma comunidade imaginada se expande. A identificação se dá no espaço mais amplo do globo terrestre. O lugar territorial, onde construímos relações sociais, identidades e a nossa história, cede espaço para um lugar imaginado onde novos laços se formam com novos vizinhos, novos povos.
Estes novos laços entre povos suscitam uma necessidade maior de narrar o
internacional. Portanto, hoje, mais do que nunca, nos sentimos com propriedade para
narrar as relações internacionais. Neste aspecto, o que narramos também nos é narrado,
principalmente pelas mídias, pois, obviamente, a maior parte das relações internacionais
que narramos não vivenciamos diretamente. Especialmente, tomamos conhecimento das
relações entre nações por meio da narrativa jornalística (noticiário de mídia). Nesta
conjuntura, cabe ao jornalismo, como grande espaço público de circulação dos
acontecimentos e dos seus sentidos, um importante papel:
Este novo mundo global é o espaço onde o jornalismo constrói visões contraditórias, imagens de culturas antes ignoradas. Que novas identidades podem emergir das notícias produzidas em âmbito planetário? (MOTA et al, 2012, p. 216)
Neste sentido, mostram-se relevantes estudos que busquem identificar o que
conta a narrativa jornalística sobre as identidades de outros povos, sobre suas opções
políticas, ideológicas e religiosas, sobre suas relações de cooperação ou de conflito com
outras nações, culturas, religiões e ideologias.
3
Em especial, nos interessa saber o que conta a narrativa telejornalística sobre as
relações internacionais, partindo-se do pressuposto de que o telejornal representa uma
das principais fontes de informação do povo brasileiro sobre o que acontece no cenário
internacional, estando, portanto, imbuído de uma responsabilidade significativa na
constituição da opinião pública sobre as temáticas das relações internacionais.
Pierre Bourdieu (1997), em sua obra The Television, apresenta-nos uma
argumentação contundente e ainda atual sobre os perigos de que a televisão se tornasse,
de um instrumento de democracia direta, em um símbolo de opressão simbólica que
colocasse em perigo as diferentes esferas da produção cultural e a democracia.
Sua preocupação com relação a este veículo de comunicação estava respaldada
principalmente na argumentação de que a programação televisiva está sujeita a uma
lógica comercial, encontrando na audiência a sua principal diretriz sobre o que deve ser
exibido ou não aos telespectadores, distanciando-se do potencial papel de prestar um
serviço de interesse público. Mais do que isto, a programação televisiva está sujeita a
forte censura, por seu caráter de instituição privada, que pode utilizar seu poder de
difusão em prol dos seus interesses privados, políticos, ideológicos ou comerciais.
Pela mesma lógica, sendo parte da programação televisiva, a programação
telejornalística apresenta as mesmas limitações de autonomia, que acabam por
corromper a concepção historicamente construída do jornalismo como um serviço de
interesse público.
À prática telejornalística, bem como à prática jornalística como um todo, se
aplicam ainda outras problemáticas. Em especial, destacamos uma tendência à
homogeneização da produção. As explicações desta tendência estão atreladas ao
aprofundamento dos padrões industriais de produção, que têm se intensificado na
velocidade dos avanços tecnológicos e que acabam por demandar, com velocidade
maior do que nunca, uma necessidade de reprodução da notícia. Em um diálogo que a
professora Thaís Mendonça Jorge traça como o professor Mauro Wolf, ela aponta uma
multiplicação dos fenômenos da auto-referencialidade e do midiacentrismo:
(...) tudo passa a girar em torno da mídia e são os veículos que promovem as suas próprias pautas. As informações utilizadas pertencem ao próprio circuito, ou seja (...) O Globo On-line emprega material da Agência Globo (...) “os atuais estudos do newsmaking têm que enfrentar o dever de analisar as razões organizativas e estruturais pelas quais o aumento dos fluxos de informação não vem produzindo uma sociedade mais transparente”, ao contrário: a velocidade da informação só está produzindo uma sociedade “mais opaca” (WOLF, 1997, apud JORGE et al, 2012, p 137).
4
A preocupação que os autores supracitados apontam em seus estudos também é
discutida em Bordieu, quando este aborda o mecanismo de “circulação circular” da
notícia, que em muito se assemelha à questão da tendência à homogeneização da
produção jornalística. Como resultado desta tendência, o autor elenca que neste domínio
(campo do jornalismo) a concorrência, ao invés de gerar originalidade e diversidade,
tem gerado uniformidade da oferta (1997, p. 34; 108).
A homogeneização da notícia pode ser explicada pela face da velocidade com
que se deve produzir informação (produção em escala industrial), que gera uma
precarização das condições intelectuais e físicas de trabalho do jornalista, mas também
pela face da perda de pluralidade das fontes: os veículos autopromovem as suas próprias
pautas e as pautas de outros veículos (concorrentes ou não).
Na questão das fontes, outro questinamento pertinente diz respeito à “como são
informadas as pessoas encarregadas de nos informar”, principalmente quando a questão
em debate são as notícias internacionais. O fato de a maioria das páginas de notícias
brasileiras serem assinantes das agências internacionais (JORGE, 2013, p. 139) é
compreensível, mas gera impactos de uma tendência à reprodução de certa visão de
mundo. Ou seja, a reprodução, pelo noticiário nacional, de notícias veiculadas por
noticiários internacionais (fontes), gera uma reprodução da visão de mundo destes
veículos de comunicação.
TALVEZ AQUI CAIBA FALAR SOBRE AGENDAMENTO.
Neste sentido, vale refletir sobre as observações de Motta (2013): as narrativas
jornalísticas não são neutras nem ingênuas, mesmo com toda a sua performance de
objetividade e outras estratégias de comunicação que tentam dar à mesma o impacto,
sob o receptor, de neutralidade, de exposição dos fatos como são, de compromisso com
a verdade. Narrativas não são neutras porque narradores não são neutros. Há uma
intencionalidade na forma de escolher qual notícia deve ser veiculada, na forma de
constituir a notícia, de atribuir papéis aos personagens, de utilizar recursos linguísticos
que geram certo efeito sobre o estado de espírito das pessoas.
TALVEZ AQUI CAIBA FALAR SOBRE AGENDAMENTO.
Em uma notícia, há uma disputa de poder de vozes que envolvem o informante
ou a fonte da notícia, a empresa jornalística, o próprio jornalista e os personagens
envolvidos na trama, todos, naturalmente, com a pretensão de imprimir sua visão de
mundo no enunciado jornalístico.
5
Sobre as empresas jornalísticas, cabe aqui a argumentação do professor Sérgio
Dayrell Porto, de que jornais não vivem soltos no espaço e no tempo, mas sim possuem
suas políticas editoriais, geralmente, presentes em termos formais em seus manuais de
redação, “uma espécie de cartilha que cada jornalista deve conhecer e seguir para
manter-se alinhado com a política redacional da casa (...)”. Segundo o mesmo autor, por
meio destes manuais, é resguardada a reprodução da paráfrase do jornal, ou seja, é
resguardada uma unidade discursiva que representa políticas, valores, crenças e
ideologias da empresa, as quais os profissionais da redação estão sujeitos (PORTO et al,
2012, p. 190-191).
Sobre o jornalista, Bourdieu (1997, p. 25) elenca o fato de estar este profissional
sujeito a ver o mundo por seus “óculos”, lentes constituídas das percepções advindas da
construção social resultante de suas experiências de vida, a partir das quais veem certas
coisas e não veem outras, ou ainda veem de certa maneira as coisas que veem de acordo
com percepções que lhes são próprias.
À mesma lógica arqueológica está sujeito o informante primário das notícias,
cujas escolhas por relatar ou não algo, de uma forma ou de outra, tendo em vista causar
uma ou outra reação, estão sujeitas a sua própria história das condições históricas de
possibilidades do saber (FOUCAULT, 2008).
Desta forma, percebemos que o processo de produção da notícia está
impregnado de certas limitações próprias de qualquer construção humana. O dilema,
porém, reside na propriedade que a notícia tem de construir realidades, de dar efeito
REAL ao que narra. A narração televisiva, como alerta Bourdieu, implica sempre em
uma construção social por sua capacidade de fazer ver e fazer crer no que se faz ver,
delegando a este veículo a propriedade de exercer efeitos sociais de mobilização e
desmobilização. Porém, na notícia é possível mostrar ocultando. É possível mostrar o
que é preciso de uma maneira que adquira um sentido que não corresponde à absoluta
realidade (1997, p. 24; 28).
Corrobora com a leitura feita por Bordieu a afirmativa de Shudson (1978, apud
Traquina, 2003, p. 30) de que “o poder das mídias não está só (nem principalmente) no
seu poder de declarar as coisas como sendo verdadeiras, mas no seu poder de fornecer
as formas sob as quais as declarações aparecem”.
Estudar as narrativas telejornalísticas sobre relações internacionais de forma
crítica e pragmática é estudar justamente estas formas pelas quais as declarações
aparecerão ou, em outras palavras, é buscar desvendar esses elementos de subjetividade
6
que compõem a notícia e que influenciarão as construções e percepções dos
telespectadores sobre a realidade, no âmbito internacional.
Para iniciar esta empreitada de pesquisas que tem por objetivo analisar as
narrativas jornalísticas sobre relações internacionais, tomaremos por amostra as notícias
veiculadas pelo Jornal Nacional (Globo) nos anos de 2015 e 2016, que abordem os
grandes conflitos internacionais da atualidade. A opção por este veículo se justifica por
ser este o telejornal de maior audiência no Brasil, exibido em horário nobre. A opção
pelas notícias de conflitos se dá pela crença de que neste tipo de reportagem a temática
das identidades nacionais, culturais, políticas, ideológicas e religiosas recebem maior
destaque, e de que neste tipo de notícia, a atribuição de papéis aos personagens e a
linguagem utilizada para descrever a identidade e o comportamento das partes
envolvidas no conflito poderão facilitar a execução de uma análise crítica da narrativa2.
Diante do exposto, temos, portanto, por objeto de estudo deste projeto de
pesquisa, as narrativas jornalísticas sobre relações internacionais no Brasil, sendo nosso
recorte temático e temporal para esta pesquisa, as narrativas telejornalísticas do Jornal
Nacional sobre os grandes conflitos internacionais, veiculadas nos anos de 2015 e 2016.
2 Justificativa
Nossas justificativas pela escolha do objeto de estudo das narrativas
telejornalísticas sobre relações internacionais está atrelada, especialmente, a três
motivações: 1) elas contam a história do presente, no âmbito das relações
internacionais; 2) elas impactam a construção do imaginário social sobre países,
culturas, ideologias e religiões; 3) elas legitimam/ deslegitimam as ações dos países nas
suas relações internacionais.
Sobre a primeira motivação, estudar as narrativas sobre o presente é buscar
compreender a história do presente que está sendo construída e é, também, compreender
o papel e a responsabilidade do jornalismo neste processo:
2 Por análise críticada narrativa, tomamos a metodologia desenvolvida pelo professor Luiz Gonzaga Motta, a qual propõe que os discursos narrativos devem ser analisados em três instâncias: 1) o plano da expressão (ou linguagem) – cujo foco é a retórica escrita, visual ou sonora, ou seja, todos os artifícios da comunicação utilizados como recursos estratégicos para transmitir a mensagem e o efeito desejado sobre o receptor da narrativa –; 2) o plano da estória (ou conteúdo) – cujo foco está no enredo, na intriga que o compõe, nos personagens e seus papéis, na sequencia e encadeamento de ações, etc. – e; 3) o plano da metanarrativa (ou tema de fundo) – que aborda os motivos de fundo ético e moral (fábulas) presentes nas narrativas (MOTTA, 2013, p. 134-139).
7
Formador do acontecimento, o jornalista é o historiador e o antropólogo natural da atualidade. É o jornalismo que faz os acontecimentos do presente inteligíveis, faz os incidentes tomarem a forma de sequencias, faz as novidades adquirirem significação minimamente coerente e consistente, ainda que relativamente provisória. (MOTTA, 2013, p. 105)
O jornalismo, em especial o telejornalismo, cumpre o importante papel social de
informar as pessoas, construindo a história do presente. No Brasil, o Jornal Nacional,
jornal de maior audiência e que é exibido em horário nobre na televisão, tem grandes
responsabilidades neste aspecto. No momento em que o Jornal Nacional veicula uma
notícia sobre relações conflitivas internacionais e atribui papéis às partes envolvidas, ele
media a construção da realidade internacional no imaginário dos telespectadores
brasileiros. Esta história do presente que está sendo cocontruída deve ser estudada,
analisada crítica e pragmaticamente e questionada quando necessário. Da mesma forma,
estudar a qualidade das narrativas jornalísticas como história do presente é também
refletir criticamente sobre o papel, importância e responsabilidade do jornalismo na
sociedade, não no intuito de denunciar culpados, como afirma Bourdieu (1997, p. 117),
mas no sentido de tentar oferecer possibilidades de libertação pela tomada de
consciência e, a partir disto, de uma prática profissional mais conciente de seu papel
social.
Nossa segunda motivação está muito atrelada à nossa terceira motivação. Como
já foi dito, a história contada impacta a formação do imaginário social e, portanto, da
opinião pública, sobre os temas tratados. No caso desta proposta de estudo, a narrativa
telejornalística impacta a opinião pública sobre os grandes conflitos internacionais. No
momento em que as narrativas telejornalísticas influenciam o imaginário social e a
opinião pública a julgamentos e opiniões sobre as ações de outros países, suas culturas,
ideologias e religiões, há de se concordar que a narrativa contada está cooperando por
legitimar certos comportamentos e deslegitimar outros. As narrativas, contadas da forma
que são contadas, com suas estratégias de comunicação, vão influenciar seu público a
tormar parte na discussão, a tentar compreender qual o papel das partes no conflito
(quem são os vilões, quem são as vítimas, quem são os heróis) e quem tem razão por
proceder de uma forma ou de outra. Portanto, identificar estes elementos da estratégia
comunicativa que impactam a leitura e as opiniões dos telespectadores correnponde a
desvelar as intencionalidades e metanarrativas que são o plano de fundo das narrativas
jornalísticas.
8
A questão da legitimação/deslegitimação das ações dos países envolvidos em
conflitos, que é a nossa terceira motivação, é o ponto que mais interessaria a um estudo
da área das Relações Internacionais (R.I.). Para as R.I., o Sistema Internacional é regido
pela anarquia, ou seja, não há um poder supranacional a gerir as nações, que são
soberanas e livres em suas tomadas de decisão. Porém, os comportamentos são regidos
por regras gerais de convivência e convenções estabelecidas em suas relações bilaterais
e multilaterais, e quanto mais interdependentes os países se tornam e maior é o seu
interesse de cooperação, mais estreitas se tornam estas regras e convenções. Em uma
conjuntura de interdependência complexa3, o soft power4 cada vez mais é utilizado
como recurso de poder, inclusive para legitimar o uso do hard power5. Em conflitos
internacionais, os discursos que legitimam ou deslegitimam as ações e motivações das
partes contam com os recursos da mídia para sua difusão (soft power). Portanto,
especialmente para a área de estudo das Relações Internacionais, analisar as narrativas
telejornalísticas sobre relações internacionais e conflitos internacionais é poder
desvendar estratégias que mostram de que forma as ações de certos países são
legitimadas e apoiadas ou não, por outros países.
Ainda sobre a terceira motivação, as histórias contadas sobre as outras nações
também servem para legitimar ou não a própria política externa brasileira (PEB) em
relação aos demais países. Se a narrativa midiática brasileira reproduz uma visão
negativa sobre certo país ou ideologia, pode contribuir para uma rejeição por parte dos
nacionais em relação a atitudes de cooperação com aquele país6. Em uma conjuntura de 3 É um conceito da Teoria Neoliberal das Relações Internacionais que remete à conjuntura da globalização, que possui como desdobramento uma complexificação da interdependência entre os países. 4 Soft Power (poder brando), conceito cunhado por Joseph Nye – um dos teóricos precursores da Teoria Neoliberal das R.I. – diz respeito ao poder que uma nação busca desenvolver a partir da construção de uma reputação positiva que gere uma tendência à legitimação de suas ações em relação às demais.5 Diz respeito ao poder bélico e a outros recursos materiais que delegam poder a uma nação em relação às demais.6 Sobre esta questão, temos um exemplo bastante atual: as relações internacionais entre Brasil e Cuba que, embora tenham envolvido mais um caráter de relações econômicas internacionais, foram veiculadas principalmente como uma questão de afinidade ideológica entre o partido em poder (Partido dos Trabalhadores) e o Regime Comunista Cubano. Na ocasião, o governo brasileiro, via BNDES, financiou para o governo cubano a construção do Porto de Mariel, obra executada pela empreiteira brasileira Odebrecht. Também o BNDES financiou o Programa Mais Alimentos Cuba, fornecendo recursos ao governo Cubano para aprimorar a produção agrícola no país. Tanto a ação como o volume de recursos foi bastante criticada pelas mídias, e se tornaram frequentes, alegações de que recursos brasileiros que deviam ser destinados ao desenvolvimento do próprio país estavam sendo direcionados à “ditadura cubana”. Ainda no âmbito da cooperação Brasil-Cuba, o programa Mais Médicos, que teria trazido grande leva de médicos cubanos para o Brasil, teve ampla repercussão na mídia e suscitou protestos por parte da categoria de profissionais da medicina no Brasil, muitas vezes utilizando de afirmativas e recursos de caráter xenofóbico. Para o discurso da diplomacia brasileira, a aproximação com Cuba seria estratégica pelo momento de abertura que Cuba estaria vivendo e por razões de interesse econômico e geoestratégico. De fato, a reabertura do diálogo entre os EUA e Cuba, celebrada no final de 2014, trouxe para o debate o questionamento a respeito da assertividade da diplomacia brasileira em “chegar primeiro”
9
politização da política externa brasileira e de potencial democratização da construção da
mesma (FARIA, 2012; CASARÕES, 2012), as histórias contadas pela mídia, tanto
sobre outros países como sobre as ações externa brasileiras, tem peso de legitimação ou
não das ações, podendo influenciar as agendas internacionais do país, o que se configura
como elemento novo na história da política externa brasileira, visto que, historicamente,
a construção e implementação desta política esteve sob guarda e monopólio do
Itamaraty, despertando, até então, pouca atenção das mídias e de outros atores no
Brasil7.
Acreditamos que o aprofundamento dos estudos desta interface existente entre
Relações Internacionais e Jornalismo contribui para ambas as áreas de estudo. Por um
lado, o analista das relações internacionais frequentemente se vê realizando análises da
história internacional do presente por meio de enunciados noticiosos, sem, contudo,
contar com os recursos de análise das narrativas jornalísticas, que, a nosso ver, muito
poderiam contribuir para o aprimoramento de sua análise. Por outro lado, o jornalista se
vê frequentemente tendo de contar histórias do presente de forma fragmentada e
objetivada, dificultando que utilize como recurso de seu trabalho um debruçar sobre os
estudos acadêmicos e históricos que poderiam explicar certos acontecimentos
internacionais. Ambos carregam consigo uma responsabilidade por construir a hitória
do presente. Ambos precisam estar cientes das responsabilidades que lhes são
atribuidas. Neste sentido, o recurso da análise pragmática das narrativas pode ser um
instrumento enriquecedor, pois estudar narrativas traz consigo a possibilidade de
aprimorar a nossa própria narrativa.
Por todos estes motivos, concomitantemente, acreditamos ser a Pós-Graduação
em Comunicação da UnB o espaço ideal para amadurecimento desta pesquisa, em
especial a linha de pesquisa Jornalismo e Sociedade, cujo corpo docente, amplamente
citado neste projeto, tem se debruçado há anos sob pesquisas que visam esclarecer o e se estabelecer como parceria estratégica para Cuba num momento de grandes transformações vividas por aquele país.7 O quadro de mudança, que se inicia nos anos 1990, é atribuído à conjuntura de redemocratização e, portanto, de reaproximação da população aos debates sobre as ações dos governos e as políticas públicas e a uma conjuntura de maior ativismo da diplomacia brasileira, em especial, a de caráter presidencialista, que teria chamado maior atenção da mídia brasileira para cobertura das missões internacionais dos presidentes. Como aponta Casarões (2012, p. 6), “quando a Política Externa fica mais associada ao presidente, seus atos no exterior naturalmente recebem mais atenção da mídia e a diplomacia é forçada a responder mais a opinião pública, o que também contribui para a politização nos assuntos internacionais”. Este quadro teria se intensificado ainda mais pela diplomacia do presidente Lula, quando as missões internacionais se multiplicaram, muito em função da implementação de uma política externa mais ativa com vistas a fortalecer a imagem do país como um global player nos grandes debates internacionais da atualidade (FARIA, 2012; CASARÕES, 2012).
10
importante e contraditório papel do jornalista e o impacto de suas narrativas para a
sociedade brasileira.
3 Objetivos
3.2 Objetivo Geral
Identificar quais histórias vem sendo contadas pelo Jornal Nacional aos seus
telespectadores no tema dos grandes conflitos internacionais da atualidade, utilizando
metodologias de análise críticas da narrativa jornalística.
3.2 Objetivos Específicos
Elaborar uma estratégia metodológica para uma análise crítica da narrativa
jornalística sobre conflitos internacionais que seja útil e funcional para esta
análise e que possa servir de referência tanto a jornalistas quanto a analistas de
relações internacionais.
Refletir a respeito dos possíveis impactos das narrativas telejornalísticas na
coconstrução da história do presente sobre as relações internacionais,
especialmente os conflitos internacionais da atualidade, e sobre suas
consequências de legitimação ou deslegitimação de ações e políticas
internacionais dos países envolvidos nas tramas narrativas estudadas. Ainda
neste tópico, trazer para o debate quais os atores envolvidos na construção da
narrativa jornalística e quais as suas possíveis intencionalidades, relacionando
com os interesses e disputas de poder que configuram o cenário internacional.
Refletir a respeito de como as identidades nacionais são abordadas nas notícias,
a partir da atribuição de papéis aos personagens, a fim de pensar as
possibilidades de leituras sobre identidades, culturas, ideologias e religiões que
são proporcionadas aos telespectadores pelas narrativas telejornalísticas do
Jornal Nacional.
4 Metodologia
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Basicamente, a metodologia da pesquisa se resume por revisão bibliográfica,
coleta e classificação de fontes primárias (as notícias) e análise empírica e qualitativa
das mesmas.
Em um primeiro momento, a revisão bibliográfica se dará a respeito de teorias
de análise da narrativa, em relação a qual enfatizamos desde já as contribuições da
Análise Crítica da Narrativa do professor Luiz Gonzaga Motta (2013) e o método das
Seis leituras interpretativas em massa folhada, do professor Sérgio Dayrell Porto (et al,
2013). Esta revisão terá por objetivo contribuir para a elaboração de uma estratégia
metodológica de análise crítica da narrativa jornalística sobre conflitos internacionais, a
qual utilizaremos para executar a pesquisa.
A coleta e classificação das fontes primárias de pesquisa ocorrerá por todo o
primeiro ano do trabalho (2016). As fontes primárias, como já elencado, são as
telenotícias sobre conflitos internacionais veiculadas pelo Jornal Nacional nos anos de
2015 e 2016. Optamos pelo recorte temporal 2015/2016 por duas razões práticas: a
ciência de que estão ou estarão estas notícias disponíveis para os telespectadores e
pesquisadores no site institucional do Jornal Nacional, com conteúdo em vídeo e
transcrito8 e; a consciência da dificuldade de abranger um período maior, em função do
próprio esforço analítico inerente à pesquisa proposta.
Esta definição temporal da pesquisa pode se apresentar, durante a execução do
trabalho, como um fator limitante, pois uma análise crítica das narrativas jornalísticas
demanda a composição de uma serialidade de notícias, através das quais será possível
apreender a estória contada. Pela própria dinâmica de produção de notícias que
caracteriza o cenário da produção jornalística na atualidade, pode ocorrer de fazerem
falta para a análise, notícias anteriores ou posteriores ao recorte temporal sugerido,
ocasiões nas quais pretendemos buscar outras alternativas.
A análise das narrativas será o passo subsequente da coleta a classificação das
notícias por conflito internacional. Nesta etapa será aplicada a estratégia metodológica
desenvolvida para a análise empírica e qualitativa dos enunciados jornalísticos coletados
e classificados.
Feita a análise e identificadas as histórias que estão sendo contadas pelo
telejornal sobre os conflitos internacionais da atualidade, novos estudos bibliográficos
8 As notícias ficam disponíveis na página http://g1.globo.com/jornal-nacional/edicoes/index.html. No dia 19/10/2015, era possível consultar notícias que foram ao ar no referido jornal desde novembro de 2014.
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deverão ser realizados, agora sobre as problemáticas levantadas em nossos objetivos
específicos – as quais poderão envolver teorias da notícia, teorias das relações
internacionais, histórias das relações internacionais, conteúdos acadêmicos sobre mídia
e formação de identidades, etc. – no intuito de munirmo-nos de um instrumental teórico
para analisar possíveis impactos das narrativas telejornalísticas sobre o imaginário
social e sobre a construção da história do presente.
A metodologia proposta certamente estará sujeita a alterações e
aperfeiçoamento, conforme forem amadurecendo as ideias. O próprio tema do projeto
estará sujeito à reconfigurações e recortes temáticos mais específicos, necessidades
estas que poderão ser notadas ao longo da trajetória da pesquisa e dos estudos do
mestrado em comunicação.
5 Cronograma
1/2016 2/2016 1/2017 2/2017
Revisão Bibliográfica de Metodologias de
Análise de Narrativas
X
Pesquisa Documental de notícias de 2015 e 2016
sobre conflitos internacionais, na página
institucional do Jornal Nacional.
X X
Coleta e Classificação das Notícias por conflito. X X
Análise crítica das narrativas, por conflito. X X
Revisão Bibliográfica Geral X X
Construção do Referencial Teórico e dos demais
capítulos da dissertação.
X X
6 Referências Bibliográficas
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