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Boletim do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas

Observatório de DeontologiaNº 7 - Maio 2011 do Jornalismo

CONSELHOS DE REDACÇÃO

Ilustração de Maria Ramos

A edição do “Boletim Observatório da Deontologia do Jornalismo” é toda dedicada ao conselho de redacção, cuja proposta de criação foi formulada no decurso do processo desencadeado em 1969 para intervir no debate sobre a liberdade de imprensa.A Constituição da República reconheceu a realidade que as redacções concretizaram logo em Maio de 1974 e conferiu-lhe estatuto de instância de

Uma conquista, uma trincheira, um mecanismo

participação dos jornalistas na orientação editorial dos órgãos de comunicação social. Adelino Gomes, Diana Andringa, Emília Caetano, Fernando Cascais, Fernando Correia, Joaquim Fidalgo, José António Cerejo, Luís de Barros, Orlando César, Paulo Martins, Serra Pereira, Veiga Pereira e o Conselho de Redacção da Lusa escrevem sobre o processo. As abordagens são diferenciadas. Umas enquadram a questão,

outras dão testemunho da experiência vivida. Os diversos registos testemunham a dinâmica de uma acção que se iniciou em 1969 e cujo percurso não terminou. O conselho de redacção adquire características e qualidades que aqui são expressas a diferentes vozes. Mas todas traduzem a expressão de uma conquista, uma trincheira e um mecanismo que requer a reflexão dos jornalistas e, também, a sua acção.

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Observatório de Deontologia do Jornalismo

O direito de participação e intervenção na orienta-ção editorial dos meios de comunicação social é um património dos jornalistas. Está associado à liberda-de de expressão e à fun-ção social do jornalismo. É uma das componentes susceptível de concretizar a expressão colectiva da responsabilidade social da profissão.

Essa interpretação foi feita pelo grupo de 170 jornalistas que em 1969 to-maram a iniciativa de de-sencadear o processo que culminou na aprovação das Bases Fundamentais de uma Lei de Imprensa, ma-téria a que se referem Luís de Barros e Serra Pereira nesta edição do “Boletim Observatório da Deontolo-gia do Jornalismo”.

A importância que o gru-po de jornalistas atribuiu, em 1969, à criação de con-selhos de redacção resulta da função que conside-ravam caber-lhes, desde logo, na relação dos jor-nalistas com as empresas. Todavia, depreende-se da fundamentação então ex-pressa, que o seu papel de-veria igualmente contem-

UMA PROPOSIÇÃO COM 42 ANOS

A qualificação do jornalismo e o “mecanismo interior”A inacção e o silenciamento dos conselhos de redacção descuidam as defesas que a Constituição da República estatui como um direito dos jornalistas. Urge recuperar esse “mecanismo interior”, como lhe chamou Silva Costa, para assegurar a qualificação do jornalismo, a sua autonomia e a independência editorial.

plar a relação com o siste-ma político, em matéria de liberdades, e a relação do jornal com o leitor.

As Bases Fundamentais de uma Lei de Imprensa foram enunciadas em qua-tro títulos (“Da liberdade de expressão”, “Da auto-nomia dos jornais peran-te as forças económicas”, “Das relações dos jorna-listas com as empresas” e “Da liberdade de informa-ção”), num total de dez mil caracteres.1

O pensamento está ex-presso de forma concisa e clara. Aliás, os jornalistas que aprovaram o documen-to consideravam, tal como o deixaram registado como questão prévia, que para “assegurar a existência da liberdade de imprensa” basta consagrá-la “em di-ploma constitucional e fa-cultar os meios para o seu exercício efectivo”.

A liberdade mais necessária

Silva Costa, no prólogo do livro editado pela Es-tampa, condensa em ape-nas três páginas as ques-tões fundamentais que es-

tavam em causa. Ao aludir à liberdade de expressão do pensamento, defende que a liberdade de imprensa é a mais necessária e respeitá-vel, já que lhe cabe repre-sentar todas as outras. Mas seria indispensável pôr fim ao “pesadelo da Censura prévia”.

Alude aos direitos e de-veres dos jornalistas em dois planos, um que res-peita à independência e à dignidade da profissão e da actividade — e que en-globa também as empresas —, e outro que se refere à natureza específica e à “complexidade técnica da actividade jornalística”, que exigiam o contributo insuprível e especializado do Sindicato.

Num plano inscreviam-se as matérias de relação do sistema dos média com o sistema político e, no ou-tro, as matérias que regem o universo do jornalismo, a sua cosmologia, desde as

relações com as empresas às normas e disciplina res-peitantes ao profissionalis-mo.

É também impressiva a alusão à “função de carác-ter público” exercida pelo jornalismo, a qual pressu-põe a intervenção sindical, formulada com dois propó-sitos que se reforçam. Um, refere-se à “situação, con-dições e necessidades da respectiva profissão e [ao] modo de promover o seu aperfeiçoamento ou suprir as suas insuficiências” e, o outro, respeita à qualidade da informação, à indepen-dência face às forças eco-nómicas e ao pluralismo.

O “mecanismo interior à própria actividade pro-fissional”, como lhe cha-ma Silva Costa, reside no conselho de redacção (CR) que é proposto nas ba-ses aprovadas em assem-bleia geral do Sindicato. O escrutínio da actividade jornalística, pela sua natu-reza, pela “função comu-nitária” que desempenha e pela qualificação dos seus profissionais, deveria ser apreciada por um órgão in-terno, rejeitando o arbítrio do poder político e do po-der económico.

Silva Costa alude aos princípios que conformam a acção do Sindicato desde Março de 1970, os quais remetiam então, e remetem hoje, para a função, res-ponsabilidades, obrigações e direitos dos jornalistas. “A informação livre passa pela revalorização moral e material da profissão de jornalista”.

A “entidade formada pelo conjunto de profissionais de cada redacção” consti-

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O relato do processo que conduziu à aprovação das Bases fundamentais de uma Lei de Imprensa foi fei-to por Luís Rosa Duarte, vogal da Direcção presidida por Silva Costa, no mandato de 1970-1972.1

Em Maio de 1969, um grupo de jornalistas instou a Direcção do Sindicato Nacional dos Jornalistas, pre-sidida por José Manuel Pereira da Costa, a convocar uma assembleia geral extraordinária, onde fossem debatidas as sugestões da classe profissional a apre-sentar ao Governo de Marcelo Caetano no âmbito do anúncio de preparação de uma lei de imprensa.

A década de 60 regista a entrada de uma nova gera-ção no jornalismo, que irá incrementar a participação. No Porto, de acordo com Luís Rosa Duarte, “conside-rou-se do maior interesse a participação da parte mais jovem da classe no estudo e desenvolvimento dos pro-blemas respeitantes às relações dos jornalistas com as empresas”. Formaram-se grupos de estudo para deba-ter os vários aspectos dos temas escolhidos.

A 23 de Junho de 1969, a Direcção do Sindicato in-formou que convocaria oportunamente a assembleia geral para que a classe se pronunciasse acerca da anunciada lei de imprensa. E, em Agosto, anunciou ter convidado alguns jornalistas a formarem uma co-missão, a qual se reuniu pela primeira vez em 12 de Outubro.

Leopoldo Nunes, presidente do Conselho Técnico e de Disciplina do Sindicato, João Maia e José Carlos de Vasconcelos compunham a comissão. Elaboraram um projecto de bases para ser presente à assembleia geral, que se reuniu em 23 de Janeiro de 1970.

“Realizaram-se, ainda, mais duas sessões daquela assembleia geral extraordinária, respectivamente a 28 de Janeiro e a 3 de Fevereiro de 1970, durante as quais o projecto da comissão foi discutido, alterado e vota-do,” segundo Luís Rosa Duarte.

As bases sindicais para uma lei de imprensa foram distribuídas já pela Direcção presidida por Silva Cos-ta. E, a 11 de Abril de 1970, a nova Direcção decidiu constituir uma Comissão da Lei de Imprensa, com vis-ta a elaborar “um programa, a nível nacional, tendente a divulgar, defender e pugnar” pela aplicação dessas bases.

A comissão foi formada pelos jornalistas José Car-los de Vasconcelos, João Maia, Adelino Cardoso, José Manuel Rodrigues da Silva e Manuela Alves. A Direc-ção e a comissão procederam à entrega do documento à Presidência do Conselho de Ministros, à Assembleia Nacional e à Câmara Corporativa.

Luís Rosa Duarte escreveu que, no decurso da pri-meira sessão legislativa da X Legislatura, alguns de-putados defenderam a generalidade dos princípios emitidos pelo Sindicato, assim como os deputados Sá Carneiro, Pinto Leite e Pinto Balsemão assumiram a necessidade de que uma lei substituísse o arbítrio da censura, como preconizava o sindicato.

OC

1 VVAA (1971), A Lei de Imprensa e os Jornalistas, Lisboa, Editorial Estampa.

Bases fundamentais de uma Lei de Imprensa

tui, segundo o Sindicato, o garante da “liberdade da informação e da indepen-dência editorial, perante a ameaça de ingerência es-tatal ou monopolística”. O fim último visava assegu-rar “os meios de fornecer ao público uma informa-ção honesta e completa” e valorizar “a relação jornal-leitor”.

A entidade mais necessária

O conselho de redacção

era concebido como a en-tidade mais necessária e crucial na redacção, para assegurar a liberdade da informação e a indepen-dência editorial. Nas Bases Fundamentais de uma Lei de Imprensa, os jornalistas concebiam o papel do con-selho como coadjuvante do director na “direcção dos órgãos de informação”, em plano de igualdade com a chefia da redacção.

Os deputados Sá Carneiro e Pinto Balsemão apresen-taram um projecto de Lei de Imprensa, alternativo ao

do Governo, no qual aco-lheram parte das propostas formuladas no documento sindical. A assembleia geral do Sindicato Nacional dos Jornalistas, reunida para o efeito em 18 de Dezembro de 1970, aprovou na gene-ralidade aquele projecto, mas formulou críticas na especialidade.

A redução de poderes do CR constitui uma das crí-ticas. No seu projecto, os deputados atribuíam-lhe apenas “funções consul-tivas” e sujeitavam o re-gulamento do conselho à

homologação do director. Além disso, a intervenção dos jornalistas era muito reduzida.

Mais incisiva era a po-sição do deputado José Pedro Pinto Leite. Numa entrevista que concedeu ao “Notícias da Amadora” e que foi publicada na edi-ção de 9 de Maio de 1970,2 afirmou que, “para assegu-rar a autonomia dos jornais perante as forças econó-micas ou políticas, torna-se necessário prever que o controle da informação seja feito por verdadeiros

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O Estatuto Editorial é um documento fundador do órgão de comunicação social que visa assegurar os direitos dos leitores, ouvintes e espectadores. É o tex-to que materializa a orientação editorial do meio, que compromete e responsabiliza a empresa e que reforça direitos dos jornalistas e, simultaneamente, lhes atri-bui deveres.

O projecto de estatuto editorial constitui, desde logo, um requisito do requerimento para inscrição de publi-cações periódicas. Mas a adopção do estatuto editorial constitui um requisito que a Lei de Imprensa (Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro, artº 17º), a Lei da Rádio (Lei nº 4/2001, de 23 de Fevereiro, artº 38º) e a Lei da Televi-são (Lei nº 27/2007, de 30 de Julho, artº 36º) impõem às publicações periódicas informativas e aos serviços de programas de rádio e televisão.

Esse instrumento deve definir claramente a orienta-ção e os objectivos das publicações e dos serviços de programas. Os quais assumem o compromisso de asse-gurar o respeito pelos princípios deontológicos e pela ética profissional dos jornalistas, bem como respeitar os direitos daqueles a que os meios se destinam.

A elaboração do estatuto editorial é da competência dos directores de informação, que o submetem à apro-vação da entidade proprietária do meio, após parecer do conselho de redacção. Embora o parecer seja con-sultivo, os jornalistas têm participação nesta matéria.

Direito que também lhes é conferido para, no âmbi-to do conselho de redacção, pronunciarem-se sobre o exercício da actividade profissional e a conformidade

de escritos ou imagens publicitários com a orientação editorial, tal como estipula a Lei de Imprensa (artº 23º).

O Estatuto do Jornalista (Lei n.º 64/2007, de 6 de Novembro) reconhece que a alteração à linha de orien-tação editorial do meio de comunicação social pode afectar a independência dos jornalistas. No ponto 4 do seu artigo 12º, considera a “alteração profunda na li-nha de orientação” como fundamento para o jornalista “fazer cessar a relação de trabalho com justa causa”.

No ponto 3 do mesmo artigo confere o direito ao jornalista de se “opor à publicação ou divulgação dos seus trabalhos” noutro órgão da mesma empresa ou grupo, “desde que invoquem, de forma fundamentada, desacordo com a respectiva orientação editorial.”

O estatuto editorial é, igualmente, um recurso de leitores, ouvintes e espectadores. Pode servir de norte para a escolha dos meios e para conferirem as práticas profissionais com a proposição editorial.

O jornalismo também requer uma leitura, audição e visionamento activos. A atitude crítica e a exigência de qualidade por parte dos públicos podem ser deter-minantes para a qualificação do trabalho jornalístico.

Mas também é desejável que a ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social escrutine os compromissos assumidos pelos meios com as suas práticas editoriais. Nalguns casos, a desconformidade não pode ser mais flagrante e notória.

OC

Direitos dos leitores, ouvintes e telespectadores

profissionais e não pelos meros detentores do capi-tal.”

E explicitou o seu pensa-mento: “Quer isto dizer que devem ser formados, pelo menos nos jornais diários, conselhos de redacção com poderes e atribuições clara-mente atribuídos dentro do princípio da máxima res-ponsabilização.” Mas esta declaração não chegou ao conhecimento dos leitores. Foi cortada pela censura de Marcelo Caetano.

Pinto Leite era “um ho-mem combativo e que não temia sujar as mãos”, de

acordo com as palavras de Amadeu Lopes Sabino, que escreveu para o “No-tícias da Amadora” uma crónica sobre o deputado, após a sua morte trágica na Guiné-Bissau, em Julho de 1970.3 Mas também as palavras do jornalista não chegaram aos leitores. Fo-ram cortadas pela censura.

Embora não cite o estu-do, Pinto Leite identifica três das “Quatro Teorias de Imprensa”, formuladas em 1956 por Fred S. Sie-bert, Theodore Peterson e Wilbur Schramm.4 Alude, segundo as suas palavras, à

“tese americana da liberda-de absoluta”, à “tese russa do controle praticamente absoluto” e à “tese fran-cesa da liberdade contro-lada”. Este último modelo era o que considerava mais adequado a Portugal. Não citou a teoria autoritária, em que encaixava, de fac-to, o regime português.

O líder da chamada ala li-beral do regime era o mais frontal e directo de todos. Questionado pelo jornalis-ta sobre o efeito que a Lei de Imprensa poderia impri-mir no processo da mono-polização da imprensa por

grupos de carácter políti-co e económico, tal como ocorria no âmbito interna-cional, o deputado disse não acreditar que a lei fa-vorecesse directamente a monopolização.

Sobre os efeitos, então sentidos, salientou que “entre nós a pressão po-lítica tem-se feito sentir sobretudo através da Cen-sura Prévia, se bem que os grupos económicos que já hoje controlam grande par-te da imprensa diária me-tropolitana, também exer-çam essa pressão, ainda que indirectamente, dando

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uma orientação excessi-vamente conservadora às redacções da maioria dos órgãos de informação onde a sua influência é exerci-da.” Todavia, os vocábulos “excessivamente conserva-dora” e “da maioria” foram cortados pela censura.

Pinto Leite preconizava a aprovação de um Estatuto de Informação que fosse complementar à Lei de Im-prensa. Aquele, não só re-gulamentaria a actividade da imprensa como abarca-ria a rádio e a televisão. Na sua óptica, para assegurar o cumprimento da “impor-tante missão social” que os meios são chamados a desempenhar, tornava-se “necessário regulamen-tar simultaneamente uma gama muito mais vasta de relações com o público, com o Estado, com o corpo redactorial, etc.”

Afirmou também que “a Lei de Imprensa ou o Es-tatuto da Informação deve-rão conter normas bem de-finidas tendentes a impedir a monopolização deste sector.” Para obstar, de-signadamente, à acção dos “grandes grupos de pres-são política ou económica, [que] não deixarão de se preocupar com o controle dos meios que têm influên-cia na formação da opinião pública.”

Marcelo Caetano opu-nha-se à existência de con-selhos de redacção. Mas também negava a alusão a essa proposta e ao méri-to do seu papel. A censura actuava para o ocultar, tal como o fez em relação às comissões de redacção, que o Sindicato incorpo-rou no clausulado do con-

trato colectivo de trabalho (CCT) negociado com o Grémio Nacional de Im-prensa Diária.

Um comentário sobre o silêncio que envolvia a negociação do CCT que abrangia os “mais de 500 profissionais dos jornais diários de Lisboa e do Por-to” também foi cortado in-tegralmente pela censura.5 O autor sustentava que as reivindicações dos jorna-listas não eram notícia nos jornais.

Para o esclarecer, escre-veu: “Os jornalistas por-tugueses, também eles, pretendem, entre outras coisas, salários mais ele-vados, semana de trabalho de cinco dias, pagamento exclusivamente em tempo das horas extraordinárias, instituição de comissões de redacção, de novas ca-tegorias profissionais e de medidas tendentes à digni-ficação da profissão”.

A acção mais necessária

As comissões de redac-ção, que tiveram existên-cia durante a ditadura, e os conselhos de redacção constituíam uma exigência reclamada pelo conjunto dos jornalistas portugue-ses, incluindo aqueles que só viram o seu estatuto profissional reconhecido depois do 25 de Abril de 1974.

A sua acção é necessária e fundamental. Os propó-sitos e princípios enuncia-dos em 1970 mantêm a sua pertinência e actualidade. A abolição da censura ofi-cial não significa a inexis-tência de controlo político

e económico da informa-ção editada.

Há, pelo contrário, exem-plos numerosos de pres-sões, quer internas quer externas, exercidas com recurso a diferentes mé-todos, tanto de aliciamen-to como de coerção, para controlar os meios de co-municação social. Além disso, as razões aduzidas por Pinto Leite mantêm validade quanto ao actual estado de monopolização do sector, em que quatro grandes grupos multimé-dia privados6 controlam os média com maior dimen-são, importância e impacto na sociedade.

A falta de conselhos de redacção na maioria dos meios ou a sua letargia per-mite e consente a degrada-ção da qualidade da infor-mação. As suas causas são várias e não é despiciendo que uma delas resulte da socialização subjectiva in-corporada por directores de informação.

Justa e adequada era a for-mulação fixada nas Bases Fundamentais de uma Lei de Imprensa. A “indepen-dência dos jornais perante as forças económicas que os administram e orien-tam” tem de ser garantida com medidas específicas, entre elas, o exercício au-tónomo do cargo de direc-ção editorial.

A direcção, como apro-varam os jornalistas em 1970, “só pode ser assumi-da por um jornalista pro-fissional com mais de cin-co anos de actividade, que não tenha sido condenado em pena maior por crime doloso e que não faça parte dos conselhos de adminis-

tração de qualquer empre-sa jornalística, nem ocupe cargo público ou privado (nomeadamente no sector de publicidade) que possa importar perda da indepen-dência necessária para o exercício do cargo”.

A questão relevante que importa destacar é a da eventual perda de indepen-dência no exercício do car-go. O precedente está aber-to desde que directores se tornaram parte da estrutu-ra de gestão de objectivos das empresas ou grupos. Alguns deles têm mesmo assento nos conselhos de administração.

Estatuto que influencia o tipo de relações que se es-tabelecem entre o director e o conselho de redacção ou os jornalistas em geral. Da mesma forma muda a relação dos jornalistas com o director que é, simulta-neamente, administrador, mesmo que não seja exe-cutivo.

Mudou também a per-cepção que têm sobre os princípios que estruturam e orientam a profissão, de-signadamente, em matéria deontológica. Os atropelos recorrentes a regras funda-mentais só podem ocorrer por estarem ao abrigo ou serem consentidos pela di-recção.

A realidadeA realidade é, porém,

bem distinta da possibi-lidade que existe de criar 195 conselhos de redacção (ver caixa), no âmbito do direito de participação que a lei estabelece. Embora não haja um levantamento completo, estima-se que

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A acção de 170 jornalistas proporcionou a interven-ção no debate sobre a liberdade de imprensa. O pedido feito em Maio de 1969 para a convocação de uma as-sembleia geral do Sindicato Nacional dos Jornalistas impulsionou a discussão e a elaboração das bases fun-damentais de uma lei de imprensa que marcou todo o processo.

Influenciou os deputados da ala liberal, inspirou o projecto lei dos deputados Sá Carneiro e Pinto Bal-semão e forçou a apresentação da proposta de lei do Governo. No decurso da acção, os jornalistas pugna-ram a nível nacional pela liberdade de imprensa e ver-

A lista dos 170 jornalistas de 1969beraram a censura.

A lista divulgada por Luís Rosa Duarte, vogal da di-recção do Sindicato dos Jornalistas, não apresentava três dos 170 nomes, as assinaturas estavam elegíveis. O grupo era constituído por jornalistas profissionais sindicalizados de Lisboa e do Porto,1 cujo número ultrapassava nessa data as cinco centenas, nas duas cidades.

Os 167 jornalistas trabalhavam em redacções de 11 diários e apenas três deles trabalhavam simultanea-mente em dois jornais.

o número de conselhos de redacção criados não che-gue às duas dezenas.

A nível da televisão, exis-te CR eleito na RTP e na SIC. Os membros do CR da TVI demitiram-se to-dos. Na rádio, há CR elei-tos na RDP e TSF. Há tam-bém CR eleitos na Agência Lusa e nos seguintes jornais e revista: “Correio da Ma-nhã”, “Diário de Notícias”, “Expresso”, “Jornal de Notícias”, “O Jogo”, “Pú-blico”, “Record”, “SOL” e “Visão”.

Não têm conselho de re-dacção a Rádio Renascen-ça nem os seguintes jornais e revista: “A Bola”, “Des-tak”, “Diário Económico”, “i”, “Jornal de Negócios”, “Oje” e “Sábado”.

Além disso, em alguns meios a existência dos CR é meramente formal. E há também casos de instru-mentalização. Por exem-plo, um director que foi interpelado pelo Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, no âmbito de uma queixa, instruiu o advogado da empresa a responder em seu nome, no do jornalista visado e no do conselho de redac-

ção. Os membros do CR só tomaram conhecimento da sua resposta quando leram o parecer do Conselho De-ontológico.

A degradação dos pa-drões éticos, a ausência de discussão e as pressões sobre os jornalistas têm causas diversas, a que alu-de Fernando Correia nesta edição do boletim. Um in-quérito por questionário, que apliquei no âmbito de uma acção de formação, apurou a existência de 65 por cento dos inquiridos que reconheciam terem já sido pressionados a não cumprir os princípios de-ontológicos, enquanto 29 por cento afirmaram o con-trário.

Em resposta ao mesmo questionário, 47 por cen-to tinham a percepção de que os princípios éticos não são incorporados no trabalho diário, enquanto 41 por cento diziam que sim. Dos inquiridos, 65 por cento afirmaram que não há reflexão regular nas redacções sobre ética e de-ontologia, mas 18 por cen-to disseram que sim.

Quarenta e um por cento responderam que não exis-

te conselho de redacção no meio em que trabalhavam e 24 por cento responderam sim. Uma percentagem de 41 por cento afirmaram que a direcção e chefia não incentivam o cumprimen-to dos princípios éticos e deontológicos, enquanto 24 por cento disseram que sim. Cinquenta e três por cento afirmaram que não é feita nenhuma análise ou balanço do cumprimento deontológico, enquanto 35 por cento não sabiam ou não responderam.

O inquérito não teve pretensões de representa-tividade, mas tão-só iden-tificar tendências e servir o debate sobre a ética do jornalismo e a deontologia profissional. O resultado apurado recomenda que se reflicta sobre o exercício da profissão e sobre o pa-pel cometido ao jornalismo e aos jornalistas.

A importância dos conse-lhos de redacção, relevada nos depoimentos publica-dos neste “Boletim Obser-vatório da Deontologia do Jornalismo”, exige a troca de ideias, o debate amplo e uma tomada de posição que promova o profissio-

nalismo, designadamente a partir das redacções e ten-do como inspiração os 170 jornalistas, que decidiram agir em 1969.

Orlando César

1 VVAA (1971), A Lei de Imprensa e os Jornalistas, Lisboa, Editorial Estampa, pp. 37-43. O jornalista Torquato da Luz escreveu sobre o livro para a edição de 5 de Junho de 1971 do “Notícias da Amadora” [“Um livro importante: ‘A Lei de Imprensa e os Jornalistas’”], mas a peça foi cortada na íntegra pela censura. 2 A entrevista “Deputado Pinto Leite face à Lei de Imprensa: ‘Passos cuidadosos mas seguros’” destinava-se à edição do “N.A.” de 2 de Maio de 1970, mas só foi publicada na semana seguinte, devido à demora das provas na censura. 3 “A morte de Pinto Leite e o jogo político dos liberais”, crónica de Amadeu Lopes Sabino destinada à edição do “N.A.” de 8 de Agosto de 1970. Cortada na íntegra. 4 Siebert, Fred S., Theodore Peterson e Wilbur Schramm (1963, 19ª edição) Four Theories of the Press — The Authoritarian, Libertarian, Social Responsibility, and Soviet Communist Concepts of What the Press Should Be and Do, Champaign, University of Illinois Press. 5 “E os jornalistas…?”, comentário assinado com as iniciais JMR, destinado à edição do “N.A:” de 16 de Maio de 1970. 6 Cofina (Paulo Fernandes), Controlinveste (Joaquim Oliveira), Impresa (Pinto Balsemão) e Media Capital (Prisa).

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A CapitalAlberto Peixoto, António Borges Coelho, António

Marques, Carlos Augusto Gil, Carlos Machado, Da-niel Ricardo, Fernando Carneiro, Fernando Garcia, Helder Pinho, Luís de Barros, Luís de Oliveira Nu-nes, Manuel Batoréu, Raul Alves Fernandes, Rodolfo Iriarte, Rogério Fernandes, Teixeira e Castro e Joa-quim Moreira Pacheco.

Comércio do Porto Afonso Passos, Aníbal Pacheco da Silva, António

Bernardo Coelho, António Pessoa de Amorim, Ar-mando Pereira da Silva, Carlos de Azevedo Machado, David de Almeida, Hercílio de Azevedo, Fernando Passos, Filinto de Almeida Lapa, Flávio Serzedêlo de Oliveira, Hugo Rocha, Jaime Ferreira, João Maia, Jus-tino Lopes, Manuel Gomez de Almeida, Manuel Ribas e Silva Tavares.

Diário de Lisboa Adelino Tavares da Silva, Afonso Praça, Amadeu

Lopes Sabino, António Luís de Sousa, Fernando Assis Pacheco, Fernando Soromenho, Herculano Carreira, João Gomes, Joaquim Benite, Joaquim Letria, José Carlos de Vasconcelos, Mário Castrim,

Manuel de Azevedo, Nuno Vieira, Oliveira Pinto, Pedro Alvim, Sebastião de Lima Rego, Silva Costa, Torquato da Luz, Vilaverde Cabral e Vítor Direito.

Diário de Notícias Albano Zink Negrão, António Silva Pereira, Arman-

do de Aguiar, Carlos Pinto Coelho, Fernando Pires, Fernando Sá, Fialho de Oliveira, João Falcato, João Salvado, José Sampaio, Mário Pires, Raul Nascimen-to, Rodrigo Pinto, Sebastião Cardoso, Silas de Olivei-ra e Sousa Barros.

Diário Popular Abel Pereira, Acácio Barradas, Adelino Cardoso,

António Pereira Granja, António do Rêgo Chaves, Aurélio Márcio, Baptista-Bastos, Bernardino Coelho, Botelho da Silva, César da Silva, Dinis de Abreu, Edu-ardo Corregedor da Fonseca, Jacinto Batista, José Ma-nuel Rodrigues da Silva, Maria Armanda Vitorino de Almeida, Maria Margarida da Silva Dias, Mário Ro-cha, Mário Ventura Henriques, Paulo David, Rui Ga-nhão Pereira, Viriato Mourão e Francisco Rodrigues.

Jornal de Notícias César Príncipe, Cordeiro Pereira, Costa Carvalho,

Eduardo Soares, Emílio Loubet, Fernando Martins, Germano da Silva, Henrique Moreira, José Luís de Abreu, Maria Virgínia de Aguiar, Manuel da Costa Pe-reira, Manuel Vizeu Caldeira, Martins Mendes e Sér-gio de Andrade.

Jornal do Comércio Manuel Alpedrinha.

Novidades Adelino Alves, António dos Reis, Cáceres Monteiro,

Joaquim Lobo, José Maria de Almeida, José Ribeiro de Jesus, Luís Beites, Mário de Oliveira Figueiredo, Ma-nuel Beça Múrias, Manuel Vaz Genro, Manuel Vieira, Manuela Alves, Paulo Figueira, Saraiva Mendes, Silva Pinto e Afonso Serra.

O Século Adriano de Carvalho, António Cordeiro, Augusto de

Carvalho, Cesário Dias, Fernando Baião, Frederico Al-ves, Guerreiro Goulão, João Basto, João França, João Ladeiras, José Gutierrez, José Lampreia, José Men-surado, José Salsa, Luís Alves, Luís Fraga, Luís Rosa Duarte, Mimoso Santinho, Miranda Pessoa, Redondo Júnior, Ribeiro da Silva, Roby Amorim e Sérgio Acúr-cio Pereira.

Primeiro de JaneiroAbílio Marques Pinto, Adelino Platão Mendes Bas-

to, António Borges, António dos Santos Mota, Antó-nio Soares de Magalhães, Armando Sereno, Armando Veloso, Carlos Matos de Carvalho, Ernesto Várzea Júnior, Fernando Antunes, José Augusto Vale, Júlio Sereno Cabral e Mário Afonso.

República António Marcelino de Mesquita, Eduardo da Fonse-

ca, Figueiredo Filipe, Miguel Serrano, Orlando Neves e Artur Alpedrinha.

OC

1 Em 1969 apenas eram reconhecidos como jornalistas, e como tal inscritos no Sindicato Nacional dos Jornalistas, entidade que conferia o título profissional, os profissionais da imprensa diária e os de agência. A estes últimos foi-lhes reconhecida a qualidade de jornalista em 1965, que se tornou extensiva aos jornalistas dos desportivos em 1972 e aos dos semanários, rádios e televisão após o 25 de Abril de 1974.

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Observatório de Deontologia do Jornalismo

O número de órgãos de comunicação social ou servi-ços de programas e o universo de jornalistas permitem criar 195 conselhos de redacção e concretizar o direito de participação que a Constituição da República e de-mais leis consagram.

A liberdade de imprensa implica, tal como a Consti-tuição o estabelece, a liberdade de expressão e criação, bem como a intervenção dos jornalistas na orientação editorial dos respectivos órgãos de comunicação so-cial. Direito que se concretiza em plenário de jornalis-tas, nas redacções com menos de cinco profissionais, ou com a eleição de conselhos de redacção.

Os dados da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), referentes a Outubro de 2010, so-bre o número de jornalistas profissionais, desagrega-dos por meios de comunicação social ou serviços de programas, torna possível estimar em 195 o número redacções onde o direito constitucional pode ser exer-cido (ver quadro 2).

Trabalham nessas redacções 4.053 jornalistas (ver quadro 3), que correspondem a 66 por cento dos pro-fissionais com vínculo a empresas de comunicação social. Os restantes 44 por cento distribuem-se por mais de mil redacções que empregam entre um e qua-tro jornalistas.

A imprensa emprega 58 por cento dos jornalistas e pode eleger 69 por cento dos potenciais conselhos de redacção. Seguem-se-lhe a rádio (18%) e a televisão (8%). Os restantes conselhos de redacção possíveis de instituir (5%) referem-se a meios multimédia e agên-cias.

O número de jornalistas em regime de trabalho de-pendente ultrapassava em Outubro do ano passado os seis mil (ver quadro 1). Mas a esses juntam-se ainda cerca de mil em regime livre, que não sua maioria são falsos freelancer.

Se o sistema português dos média contasse com 195 conselhos de redacção em funcionamento, a exercer as competências que lhes conferem as leis de Impren-sa, Rádio, Televisão e Estatuto do Jornalista, o jorna-lismo seria porventura mais qualificado, mais plural e mais autónomo.

Os conselhos de redacção são órgãos decisivos para representar os jornalistas em matéria deontológica e profissional. Regem as relações com a empresa e ga-rantem o profissionalismo.

A profissionalização assenta em três dimensões: au-tonomia, normas profissionais e orientação de servi-ço público, de acordo com Daniel C. Hallin e Paolo Mancini.1 Visam dar eficácia ao controlo colegial do processo de trabalho, sem interferências externas à redacção, regular a prática profissional e assegurar a sua avaliação, em matéria de ética e deontologia, e,

por último, incorporar nas práticas o dever público e o valor social da informação.

OC1 Hallin, Daniel C. e Paolo Mancini (2010), Sistemas de Media: Estudo Comparativo – Três Modelos de Comunicação e Política, Lisboa, Livros Horizonte.

Os 195 CR possíveis

Quadro 1Meio Comunicação JornalistasImprensa 3.569Televisão 1.169Rádio 951Agências Noticiosas 240Multimédia 155Outros 18TOTAL 6.102

Quadro 2Meios Nº OCS CR

e Serv.P possíveisImprensa 986 134Televisão 80 15Rádio 272 36Agências 25 2Multimédia 71 8Outros 16TOTAL 1.450 195

(1) Redacções com hipótese de eleger conselho de redacção (CR)(2) Sem hipótese de eleger CR

Quadro 3Meios Nº jornalistas

CR (1) s/CR (2)Imprensa 2.186 1.383Televisão 1.057 112Rádio 541 410Agências 204 36Multimédia 65 90Outros 18TOTAL 4.053 2.049

Nº de órgãos de comunicação social e serviços de programas

Dados CCPJ (Outubro de 2010)

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Observatório de Deontologia do Jornalismo

Os conselhos de redacções estiveram em debate nos três congressos dos jornalistas portugueses. Mas foi no primeiro, realizado em 1983, que o tema foi objec-to de duas teses, uma de Maria Dulce Varela e outra de Artur Sardinha.

Os jornalistas, reunidos no seu I Congresso, na Fun-dação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, nos dias 19, 20, 21 e 22 de Janeiro de 1983, sob o lema «Liberdade de Expressão, expressão da Liberdade», declararam “lutar pela dignificação e pelo reforço da actividade dos conselhos de redacção (CR)” e defenderam o re-forço do “carácter vinculativo dos pareceres dos con-selhos de redacção sobre directores e chefias em todos os meios de comunicação social”.

O congresso recomendou que os conselhos de re-dacção tivessem competências em matéria de acesso à profissão e que apreciassem o trabalho de diplomados em comunicação social ou jornalismo que chegassem à profissão.

“Conselhos de Redacção: realidade ou ficção?”, esta a questão de que se serviu Maria Dulce Varela para abordar o tema. Fê-lo, como o disse, pela positiva e defendeu “como fundamental a aposta” na dinamiza-ção dos CR, imprimindo-lhes uma nova orientação.

Aludiu “ao agravamento das condições e falta de democraticidade na vida das redacções”. Todo o tipo de pressões, directas ou indirectas, exercidas sobre os elementos dos CR tornavam “muito difícil encontrar quem queira arrostar com os riscos de se candidatar a membro deste órgão”.

Na sua tese, “A situação dos conselhos de redacção e a necessidade de uma viragem”, Artur Sardinha alude à assembleia geral do Sindicato dos Jornalista que, em 2 de Maio de 1974, decidiu a criação de conselhos de redacção “como forma de exercer ‘um controlo per-manente pelos jornalistas sobre as suas condições e qualidade de trabalho, direcção e orientação de todos os órgãos de informação’”.

Pronunciou-se sobre a consagração legal dos conse-lhos na Lei de Imprensa de 1975 e pretendeu com a sua tese “lançar algumas pistas” sobre a experiência de seis anos de funcionamento dos CR em empresas públicas e privadas. Defendeu a “necessidade de uma viragem”, que visasse incentivar um melhor funcio-namento e o alargamento da sua área de implantação.

Exortou a “classe para que se mobilize em torno deles [CR] nas redacções”, para dar “voz aos jornalistas e aos restantes trabalhadores”.

No 2º Congresso dos Jornalistas Portugueses, reali-zado entre 12 e 15 de Novembro de 1986, na Fundação Calouste Gulbenkian, o tema a debate era a deontolo-gia, o que tornava obrigatória a reflexão sobre os CR. O relatório-síntese do 2º Congresso salienta que foram abordados outros assuntos, directa ou indirectamente relacionados com a deontologia, entre eles os conse-lhos de redacção que deviam “ser mais intervenientes e eficazes na defesa dos princípios e das práticas de-ontológicas;”

O 3º Congresso dos Jornalistas Portugueses, que se reuniu entre 26 de Fevereiro e 1 de Março de 1998, na Culturgest, em Lisboa, debateu, designadamente, “as práticas jornalísticas, a ética e a deontologia”. Os con-gressistas apelaram à criação e reforço dos conselhos de redacção.

A resolução do congresso reafirmou que “os conse-lhos de redacção são um instrumento fundamental de participação dos jornalistas na orientação dos órgãos de comunicação em que trabalham, reclamando da As-sembleia da República a conclusão rápida do processo de revisão da Lei de Imprensa, que deverá consagrar, inclusivamente, o carácter vinculativo de alguns dos seus pareceres, nomeadamente o relativo à designação do director”.

O congresso apelou aos jornalistas “para que refor-cem o seu empenhamento na criação de Conselhos de Redacção em todos os órgãos de comunicação social com mais de cinco profissionais” e condenou “os en-traves colocados ao seu funcionamento”. Apoiou tam-bém as propostas do sindicato “no sentido da atribui-ção das competências dos conselhos de redacção aos plenários dos jornalistas, nas redacções com menos de cinco profissionais.”

Os jornalistas consideraram que o processo de revi-são do Estatuto do Jornalista, então em curso, era “es-pecialmente oportuno para a discussão e alteração de um conjunto de preceitos que enquadram legalmente o exercício desta profissão”, entre eles, o papel dos conselhos de redacção.

OC

CR nos congressos

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A Assembleia Geral do Sindicato aprovou, em Ja-neiro de 1970, um projec-to que propunha a criação de conselhos de redacção, constituídos por um núme-ro de jornalistas a determi-nar, nunca superior a sete, eleitos bienalmente por to-dos os jornalistas segundos critérios por eles determi-nados.

Segundo esse projecto caberia ao conselho de re-dacção: coadjuvar a direc-ção do periódico; eleger os elementos de chefia ou sancionar a escolha feita pela direcção; pronunciar-se sobre todos os sectores da vida e da orgânica do jornal que se relacionas-sem com a actividade dos jornalistas; ser ouvido pela direcção em todos os assuntos de importância para a vida da publicação que não fosse de natureza administrativa, bem como em todas as circunstâncias graves, em especial quan-do estivesse em causa a sua orientação.

Este documento veio a ser assumido em grande parte no projecto de lei apresentado em 1970 à Assembleia Nacional por dois deputados da ala libe-ral (Francisco Sá Carneiro e Francisco Pinto Balse-mão), projecto que previa,

para conferir maior res-ponsabilidade ao quadro redactorial, que fosse elei-to um conselho de redac-ção em cada jornal diário, composto por cinco ou três jornalistas, consoante a re-dacção tivesse mais de 15 ou até 15 jornalistas.

A eleição do conselho seria feita anualmente por todos os jornalistas da re-dacção, reunidos em reu-nião plenária, promovida pelo Sindicato. Caberia ao conselho desempenhar as actividades inscritas num regulamento interno e que não se afastariam muito das acima mencionadas.

Porém, a Lei de Impren-sa que veio a ser publicada em 1971 (Lei nº 5/71, de 5 de Novembro) não con-tinha qualquer referência aos conselhos de redacção.

Comissões de redacção

Curiosamente, o contra-to colectivo de trabalho (CCT) celebrado nesse ano entre o Sindicato e o Gré-mio Nacional da Imprensa Diária e publicado em 15/4/71, integrou um capítulo designado “Comissões de Redacção e Corporativa”, no qual se previa a criação de uma designada comis-

são de redacção, com fun-ções próximas do conselho de redacção. De facto, a Cláusula 34ª do referido CCT tinha o seguinte tex-to: “em cada jornal funcio-nará uma Comissão de Re-dacção composta por cinco jornalistas, nos jornais que tenham mais de quinze jor-

nalistas ao seu serviço e de três nos jornais com menos de quinze jornalistas ao seu serviço”. Os jornalis-tas elegeram comissões em quase todos os jornais.

De acordo com o pará-grafo único dessa mesma cláusula, as comissões eram eleitas em Janeiro de cada ano pelos jornalistas de cada redacção.

Competia à comissão de redacção: defender, junto da empresa, os interesses dos jornalistas abrangidos pelo CCT; dar parecer e prestar informações a so-licitação do Sindicato e do Grémio; pronunciar-se sobre a existência de justa causa do despedimento dos jornalistas (Clª 35ª).

A primeira consagração legal dos conselhos de re-

dacção veio a ser estabe-lecida na primeira lei de imprensa aprovada após 25 de Abril de 1974 (Decreto-Lei nº 85-C/75, de 26 de Fevereiro).

Segundo o artigo 21º des-sa lei, nos periódicos com mais de cinco jornalistas profissionais seriam cria-dos conselhos de redacção, compostos por jornalistas profissionais, eleitos por todos os jornalistas da re-dacção, segundo regula-mento por eles elaborado, cabendo a presidência do conselho ao director do jornal.

Segundo o artigo 22º, competia ao conselho de

redacção: dar voto favorá-vel ao director, director-ad-junto, subdirector e chefe de redacção; cooperar com a direcção na definição das linhas de orientação do periódico; pronunciar-se com voto deliberativo sobre todos os sectores da vida e da orgânica do jor-nal que digam respeito à actividade dos jornalistas; pronunciar-se acerca da admissão, sanções discipli-nares e despedimentos dos jornalistas; ser ouvido pela direcção sobre a recusa de inserção de textos ou ima-gens publicitários contrá-rios à orientação do jornal e do direito de resposta.

Posteriormente, o pri-meiro Estatuto do Jorna-lista (aprovado pela Lei nº 62/79, de 20 de Setembro)

A proposta para a criação de um órgão representativo dos jornalistas dentro das redacções foi feita pelo Sindicato dos Jornalistas no âmbito dos debates para a criação de uma nova lei de imprensa.

Sindicato propôs criação dos conselhos de redacção

Redacção de “A Capital” decide criar um conselho de redacção que terá iniciado funções em Maio de 1974.

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veio impor a existência obrigatória de conselhos de redacção nas publica-ções com cinco ou mais jornalistas, eleitos de entre e por todos os jornalistas, com a composição e as competências definidas na Lei de Imprensa (artº 10º).

O direito/dever de cria-ção de conselhos de re-dacção veio mesmo a ter consagração constitucio-nal em 1982. De facto, o artº 38º da Constituição da República Portuguesa, re-sultante do processo de re-visão desse ano, consagrou como garantia da liberdade de imprensa o direito de os jornalistas elegerem con-selhos de redacção.

Entretanto, em 1990, o legislador ordinário veio restringir as competências do conselho de redacção, retirando o carácter vincu-lativo do seu parecer relati-vo à nomeação do director e do chefe de redacção. De facto, o diploma que criou e regulou a actividade da Alta Autoridade para a Comunicação Social (Lei nº 15/90, de 30 de Junho) veio revogar os nºs 2 e 4 do artº 18º e alínea a) do artº 22º da Lei de Imprensa, retirando assim a neces-sidade de parecer do con-selho para a nomeação do director.

O regime em vigor

O regime em vigor dos conselhos de redacção está fixado na Lei de Imprensa, aprovada pela Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro, e no Esta-tuto do Jornalistas, aprova-do pela Lei nº 1/99, de 13 de Janeiro, com as altera-

ções introduzidas pela Lei nº 64/2007, de 6 de No-vembro, que repuseram a necessidade de parecer do conselho para a nomeação do director, mas apenas com carácter consultivo.

Segundo o artº 23º da Lei de Imprensa em vigor, nas publicações com mais de cinco jornalistas, estes elegem um conselho de redacção, por escrutínio secreto e segundo regula-mento por eles aprovado. Compete ao conselho de redacção: dar parecer sobre a designação ou demissão do director, subdirector ou director-adjunto; dar pare-cer sobre a elaboração e al-teração do Estatuto Edito-rial; pronunciar-se sobre a conformidade dos escritos ou imagens publicitários com a orientação editorial da publicação; cooperar com a direcção sobre a orientação e determinação do conteúdo da publica-ção; pronunciar-se sobre todos os sectores da vida e da orgânica da publicação que se relacionem com o exercício da actividade do jornalista; pronunciar-se sobre a admissão e a res-ponsabilidade disciplinar dos jornalistas; pronun-ciar-se sobre a recusa do direito de resposta.

O artº 13º do Estatuto

do Jornalista, publicado no mesmo dia em que foi publicada a Lei de Impren-sa, tem um regime ligei-ramente diferente ao que esta consagra.

Este normativo prevê que, nas redacções com menos de cinco jornalistas, as competências do conse-lho de redacção são exer-cidas pelo conjunto dos jornalistas da redacção.

Segundo o mesmo artigo compete ao conselho de redacção: cooperar com a direcção no exercício das funções de orientação editorial que a esta incum-bem; pronunciar-se sobre a designação ou demissão, pela entidade proprietária, do director, bem como do subdirector e do director-adjunto, caso existam, res-ponsáveis pela informação do respectivo órgão de comunicação social; dar parecer sobre a elaboração e as alterações ao estatu-to editorial; participar na elaboração dos códigos de conduta que venham a ser adoptados pelos órgãos de comunicação social e pro-nunciar-se sobre a sua re-

dacção final; pronunciar-se sobre a conformidade de escritos ou imagens publicitárias com a orien-tação editorial do órgão de comunicação social; pro-nunciar-se sobre a invoca-ção pelos jornalistas da sua cláusula de consciência; pronunciar-se, através de pareceres ou recomenda-ções, sobre questões deon-tológicas ou outras relati-vas à actividade da redac-ção; pronunciar-se acerca da responsabilidade disci-plinar dos jornalistas pro-fissionais, nomeadamente na apreciação de justa cau-sa de despedimento.

1974 — a iniciativa das redacções

Sucede que, logo a seguir a 25 de Abril de 1974, e tendo em conta os deba-tes que haviam sido feitos sobre os projectos de lei de imprensa e o Programa do MFA que proclamou a liberdade de expressão e pensamento sob qual-quer forma e a abolição da censura, os conselhos de redacção foram sendo ins-tituídos por iniciativa das redacções logo em 1974.

Existe no Sindicato um Regulamento do CR de “A Capital” no qual se diz que a redacção decide criar um conselho de redacção que terá iniciado funções em Maio de 1974.

Uma carta enviada ao

Em Julho de 1974 foi comunicada ao Sindicato à existência de oito conselhos de redacção e, no ano seguinte, mais dois.

Existe no “Jornal de Notícias”, desde 3 de Maio de 1974, “um conselho de redacção provisório, […] destinado a assegurar a independência, pluralismo e liberdade da informação publicada no jornal.”

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Sindicato em 7/6/74 pelos membros do Conselho de redacção do “Jornal de No-tícias” refere que: “Foi di-vulgado que se estuda uma nova lei de imprensa, a pu-blicar em breve, e esse fac-to tem servido a algumas administrações, apoiadas em jornalistas reaccioná-rios, para procurarem boi-cotar as iniciativas dos tra-balhadores dos jornais para se auto-organizarem desde já, de modo a garantirem a liberdade de imprensa. No ‘Jornal de Notícias’ exis-te, desde o dia 3 de Maio e por vontade expressa de uma assembleia plenária

da redacção, um conselho de redacção provisório, que constitui a fórmula escolhida para o início de um processo destinado a assegurar a independência, pluralismo e liberdade da informação publicada no jornal.”

E acrescentava: “[os jor-nalistas do JN] não duvi-dam que, finalmente, estão criadas as condições para que, através do seu Sindi-cato, os trabalhadores te-nham uma palavra a dizer quanto à Lei de Impren-sa; e é ainda sua opinião, fundamentada numa larga experiência de trabalho,

que a futura Lei não de-verá deixar de regular o funcionamento das redac-ções, por ser este um fac-to absolutamente decisivo para garantir o princípio da liberdade de informa-ção e por isso não poderá ser alheio ao instrumento jurídico definidor dos seus termos”.

Também em Julho de 1974, o Sindicato pediu às diversas redacções que lhe fosse comunicada a com-posição dos conselhos de redacção. Confirmaram a existência do CR e a sua composição o “Diário de Notícias do Funchal”, o

“Jornal de Notícias”, o “Di-ário Popular”, o “Primeiro de Janeiro”, o “Século”, “O Comercio do Porto”, a “Bola” e a “Flama”.

Existe ainda uma notícia de 19/5/75, a informar a eleição de um CR do “Di-ário de Notícias” e outra do mesmo mês a informar a eleição do CR do “Repú-blica”.

Lisboa, 15 de Abril de 2011

Serra PereiaAdvogado, responsável pelo Gabinete Jurídico do Sindicato dos Jornalistas

É um longo percurso. Começou em 1969, quando um grupo de jornalistas – entre veteranos e jovens vindos das lutas académicas dos anos 60 – se juntou com vista à preparação e apresentação de uma candidatura aos corpos gerentes do Sindicato Nacional dos Jornalistas (SNJ).

CONSELHOS DE REDACÇÃOUm longo percurso

A elaboração de um pro-jecto de lei de imprensa, de um código deontológico e a criação de um organismo que, dentro das redacções,

velasse pelo seu cumpri-mento – tudo tendo como pano de fundo a exigência do fim da censura prévia –, foram questões essenciais a integrar o programa da lista B, que viria a vencer por larga margem as elei-ções sindicais desse ano.

Abriu-se assim um man-dato – a que outros se se-guiriam – de intensos de-bates. Um anteprojecto de lei de imprensa, apresenta-do pela direcção presidida por Silva Costa, foi subme-tido à assembleia geral do Sindicato, que ao longo de

várias, longas e participa-das sessões aprovou o do-cumento, com algumas al-terações. Nele se previam os conselhos de redacção, organismos representativos dos respectivos jornalistas, com competência para in-tervir, com voto deliberati-vo, em situações relevantes de defesa e promoção dos princípios deontológicos da profissão. Estes, entre-tanto, eram consignados num Código de Deontolo-gia Profissional do Jorna-lista, igualmente discutido e votado, em 1972, em as-

sembleia geral do SNJ.Um grupo de deputados

à Assembleia Nacional de então, entre os quais Fran-cisco Pinto Balsemão e Sá Carneiro, membros da cha-mada “ala liberal”, que se propunham apresentar um projecto de lei de imprensa em alternativa à proposta de lei que o Governo da Marcelo Caetano anuncia-ra, tomaram como base o anteprojecto sindical para a sua iniciativa legislativa. Obviamente, o projecto de lei foi rejeitado. A propos-ta do Governo, aprovada pela larguíssima maioria dos deputados do regime, deixou quase tudo na mes-ma. Com uma alteração, evidentemente formal: a “censura prévia” mudou de nome. Passou a “exame prévio”.

Entretanto, nos jornais, até então propriedade de famílias ou sociedades de jornalistas, mas em gran-

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de parte passados no início dos anos 70 para as mãos da banca – “A Capital”, “O Século”, “Diário Popular”, “Jornal do Comércio”... –, os jornalistas profissionais elegiam conselhos de re-dacção com a competência prevista no anteprojecto sindical de lei de imprensa. Nomeadamente, com os poderes de se pronuncia-rem sobre os nomes desig-nados pelas administrações para a direcção e subdirec-ção das publicações, e bem assim sobre os chefes de redacção indigitados pelas direcções. Os conselhos de redacção reivindicavam ainda o poder de se pro-nunciarem sobre quaisquer situações em que as nor-mas deontológicas pudes-sem estar em questão.

Com o 25 de Abril, e a proclamação do princípio da liberdade de imprensa no Programa do M.F.A., é criada em Agosto de 1974, no âmbito do Ministério da Comunicação Social do 2º. Governo Provisório, uma comissão encarregada de

elaborar um anteprojecto de Lei de Imprensa. Com-posta paritariamente por representantes do sindicato e das associações patronais do sector, das direcções e dos três principais par-tidos políticos da altura – PS, PCP e PSD –, a co-missão foi presidida pelo professor da Faculdade de Direito de Lisboa, António Sousa Franco. Este último presidira também à comis-são arbitral que aprovara, em princípios de Abril des-se ano, o histórico contrato colectivo de trabalho dos jornalistas de 1974/76 que, entre muitos outros avan-ços, contemplava uma ta-bela salarial com aumentos da ordem dos 100% relati-vamente ao CCT anterior.

O anteprojecto de lei de imprensa ficou concluído em Dezembro de 74. Leva-do a Conselho de Ministros, onde tive oportunidade de o defender e justificar na qualidade de subsecretário de Estado da Comunicação Social, foi aprovado com ligeiras alterações. Publi-

cado em “Diário do Go-verno” de 26 de Fevereiro de 1975, o decreto-lei nº 85-C/75, conhecido como Lei de Imprensa, dedicava vários dos seus artigos aos conselhos de redacção.

O art.º 21.º determinava que “nos periódicos com mais de cinco jornalistas profissionais serão criados conselhos de redacção, compostos por jornalistas profissionais, eleitos por todos os jornalistas profis-sionais que trabalhem no periódico, segundo regula-mento por eles elaborado”. A presidência cabia, por inerência, ao director da publicação.

No art.º 22.º fixava-se a competência do conselho de redacção: além de dar voto favorável aos directo-res e chefes de redacção, e cooperar com o director, di-rector-adjunto ou subdirec-tor na definição das linhas de orientação do periódico, cabia-lhe “pronunciar-se, com voto deliberativo, so-bre todos os sectores da vida e da orgânica do jor-nal que digam respeito ou de qualquer forma se re-lacionem com o exercício da actividade profissional dos jornalistas”, bem como “pronunciar-se acerca da admissão, sanções discipli-nares e despedimentos dos jornalistas profissionais”, entre outros poderes.

Era a conclusão de um percurso iniciado seis anos antes? Não se poderá dizê-lo. A caminhada prosse-gue, com a necessidade de garantir a aplicação prática destes princípios. Por mero comodismo, por resistência passiva ou acti-va, sobretudo da parte das direcções, nem sempre os conselhos de redacção as-seguram em pleno as suas funções. Pressões sobre os jornalistas eleitos, e nome-adamente o receio de não ascensão na carreira, de despromoção ou mesmo de despedimento levam os profissionais, por vezes, a não exercer os poderes que lhes são legalmente atribu-ídos.

Importa combater esta tendência, que aliás não faz regra geral. E a prá-tica diária das redacções permite uma conclusão. A eleição para os conselhos de redacção de jornalistas moralmente respeitados e profissionalmente compe-tentes é o melhor contribu-to para prevenir essas situ-ações indesejáveis.

Luís de BarrosPresidente da direcção do Sindicato dos Jornalistas em 1973/74.

“Pressões sobre os jornalistas eleitos, e nomeadamente o receio de não ascensão na carreira, de despromoção ou mesmo de despedimento levam os profissionais, por vezes, a não exercer os poderes que lhes são legalmente atribuídos.”

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1. Uma reflexão, breve que seja, sobre as relações entre os jornalistas e os Conselhos de Redação (CR) remete-nos para a necessidade de um enquadramento da atividade jornalística nos contextos concretos da produção da informação.

Os jornalistas e os Conselhos de Redação

A análise da profissão desde o fim da década de 80, indissociável da evolu-ção dos media durante esse período, revela-nos o peso crescente do fator econó-mico dentro do setor, no-meadamente com a criação e consolidação de grandes grupos económicos, cinco dos quais dominam hoje praticamente todos os me-dia (na imprensa, rádio, televisão e online) de au-diência nacional, com ex-ceção do que pertence ao Estado e à Igreja Católica.

As consequências deste facto implicam não só o estreitamento do pluralis-mo e, consequentemente, o empobrecimento da de-mocracia, mas também a contaminação do campo mediático, quer nas agen-das e conteúdos quer nas estruturas empresariais, pela lógica e pelos princí-

pios mercantis que inspi-ram esses grupos.1

Em relação a este segun-do aspeto, destaquem-se:

- a transformação da con-quista das audiências e a consequente comercializa-ção da informação em cri-térios jornalísticos domi-nantes, principalmente na sequência do aparecimento dos canais privados de te-levisão;

- a secundarização do pa-pel dos jornalistas (e do jornalismo) em detrimento de outros profissionais e outros intervenientes (di-retos ou indiretos) na pro-dução da informação - ges-tores, relações públicas, publicitários, consultores, assessores, comerciais, co-mentadores, analistas, ani-madores, apresentadores;

- a degradação das condi-ções de vida e de trabalho, nomeadamente através da diminuição dos quadros, da “moderação” salarial, da polivalência funcional, do desprezo pelos direi-tos de autor, do recurso a colaboradores eventuais e estagiários curriculares, da instabilidade contratual e da precarização nas suas várias modalidades.

2. A fragilização pro-fissional e a falta de au-

tonomia jornalística da-qui resultantes levam, na maioria dos casos, a uma contenção e a uma prudên-cia nos comportamentos e atitudes que, entre outros aspetos, se refletem nas formas de encarar as ins-tancias de participação e intervenção, desde logo as sindicais (das quais, recor-de-se, os CR são indepen-

dentes) suscetíveis de criar confrontos com os poderes patronal, ao nível da em-presa, e hierárquico, no in-terior da sala de redação.

É geralmente difícil en-contrar não só quem se mostre disponível para integrar as comissões de trabalhadores, ser delega-do sindical ou pertencer ao CR, mas mesmo também quem se disponibilize para colaborar e apoiar essas estruturas. E alguns recor-rem a um criticismo fácil e pouco ou nada construtivo para justificarem o seu dis-tanciamento e alheamento,

escudando-se (refugiando-se…), frequentemente, por detrás de posições muito radicais e aparentemente contestatárias…

3. É toda esta realidade que faz com que a opi-nião dos próprios jorna-listas sobre os CR não seja muito favorável. Em 1997, segundo dados do II Inquérito Nacional aos Jornalistas Portugueses, apenas 13,5% dos jorna-listas consideravam que os Conselhos eram “órgãos cujas competências são exercidas regularmente e com resultados práticos”, enquanto 26,3% pensavam que se tratava de “órgãos meramente ‘burocráticos’ dotados de competências

meramente teóricas, rara-mente solicitadas e, por isso, sem qualquer papel prático relevante” e 49% que se tratava de “órgãos que apesar de exercerem regularmente as suas com-petências, não apresentam resultados práticos”.2

Mais recentemente, um outro inquérito apurava resultados no mesmo sen-tido. Questionados sobre a eficácia dos CR no órgão em que trabalham, 20% consideraram ser “nada eficaz”, 36,7% “pouco efi-caz” e apenas 25% “eficaz” e 1,7% “muito eficaz”.3

“A fragilização profissional e a falta de autonomia jornalística […] levam, na maioria dos casos, a uma contenção e a uma prudência nos comportamentos e atitudes”

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4. Não se trata aqui de fazer juízos de intenção nem de proceder a gene-ralizações sobre atitudes e comportamentos. Mas, por um lado, convém sublinhar que a atividade dos CR é naturalmente condicionada quer pela delicada e frágil situação laboral de grande parte dos jornalistas, que os empurra para o con-formismo, quer por uma “cultura” empresarial nem favorável nem receptiva ao cumprimento integral das competências legalmente atribuídas aos CR.

Por outro lado, no en-tanto, existem casos em que os CR não só existem como têm uma ativa in-tervenção no exercício de pelo menos parte das suas competências, graças ao empenho e, muitas vezes, à coragem de dezenas de jornalistas – o que, aliás, deve ser devidamente su-blinhado e valorizado.

Esta última situação ve-rifica-se, nomeadamen-te, nas grandes redações, quer do setor público quer do privado, onde a maior concentração de profissio-nais cria condições mais propícias para a mobiliza-ção, a organização e a in-tervenção dos jornalistas. No primeiro caso o facto compreende-se, dadas as especiais responsabilida-des que, nesta como nestas matérias, o serviço público impõe. Quanto ao setor pri-vado, um fator importante é o estilo de gestão exis-tente, que pode ser mais ou menos “aberto”, mais ou menos “inteligente”.

Francisco Balsemão, por exemplo, diz: «Ao nomear

um director de informação, é muito importante ouvir os jornalistas através do Conselho de Redação. (…) Defendo os CR e não me importo nada que os CR tenham mais poder. Porque se o CR se opõe é porque a redacção não quer e não devo impor-lhe um direc-tor» (entrevista ao Público, Outubro de 2009).

5. Há quem argumente que os CR, nas condições atuais, só têm possibilida-des para ter alguma inter-venção quando os patrões veem neles um instrumen-to para controlar e amorte-cer as reivindicações dos jornalistas. Mesmo que as-sim seja, penso que todos os espaços de participação e intervenção devem, em princípio, ser aproveitados para fazer vingar justos di-reitos, alertar consciências numa perspetiva profis-sional mas também cívica, combater o conformismo.

O facto de no citado in-quérito de 2010 uma gran-de maioria de jornalistas

(79,2%) ter manifestado a sua concordância com o reforço dos CR enquan-to meios de auto-regula-ção, ao mesmo tempo que 66,4% pensam que o esta-tuto social do jornalista é hoje menos valorizado do que há cinco anos, mos-tram que existe um terre-no favorável para avançar nesta direção.

Fernando Correia

Notas1 Cf. Fernando Correia,“Crise de identidade profissional e emergência de um novo paradigma”, in José Luís Garcia (org.), Estudos sobre os Jornalistas Portugueses, I.C.S., 2009. pp. 213 a 225.2 Idem.3 Cf. “Desafios do Jornalismo 2010”, inquérito realizado pelo OberCom com o apoio do C.I.E.S. (I.S.C.T.E.), tendo sido “validadas 212 respostas oriundas de publicações, estações e canais dos grupos RTP, IMPRESA, MEDIA CAPITAL, COFINA, CONTROLINVESTE, RENASCENÇA e também dos jornais “Público” e “i”.”

Inquérito de 2010 — “Uma grande maioria de jornalistas (79,2%) [manifestou] a sua concordância com o reforço dos CR enquanto meios de auto-regulação”

Há “casos em que os CR não só existem como têm uma ativa intervenção no exercício de pelo menos parte das suas competências, graças ao empenho e, muitas vezes, à coragem de dezenas de jornalistas”

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Vai para três anos, optei por encerrar um ciclo profissional marcado pelo dia-a-dia de uma redacção. Com as excepções de dois ou três programas de rádio, de colaborações esparsas nalguns média e de um curto período de freelancing, o essencial da minha actividade jornalística desenvolvera-se até aí em espaços (mais ou menos) amplos, onde, por via de regra, a recolha, tratamento e difusão da matéria informativa se processava em permanente e pública interacção crítica com companheiros do mesmo ofício.

CR’s, marcas distintivas de um projecto jornalístico

Em vez de uma análise teórica à instituição Conse-lho de Redacção (CR), per-mite-me, por isso, Orlando César, que responda ao teu pedido pontuando quatro décadas de exercício de jornalismo com as minhas relações com essa institui-ção, entre nós consagrada legalmente a seguir ao 25 de Abril, mas cujo concei-to encontrara aplicação no terreno já antes do fim da Censura oficial, através das então chamadas Co-missões de Redacção.

Não cheguei a conhecer directamente esta última experiência. Mas vivenciei algo de semelhante na rá-dio, entre 1970 e 1972, in-tegrado na equipa do pro-

grama Página 1, realizado por José Manuel Nunes, na Rádio Renascença. E – ain-da na rádio, logo a partir de Maio de 1974 – foi-me dado participar na autoges-tão jornalística do Serviço de Noticiários do Rádio Clube Português (RCP).

O Página 1 era uma espé-cie de sociedade radiofóni-ca de redactores, que deci-dia e discutia iniciativas, forma e conteúdos daquela hora e meia diária de rádio. Sem outra tutela que não fosse o contrato com a RR (para além de um sistema de censura directa, imposta pela Secretaria de Estado da Informação e Turismo e que passou a ser-lhe apli-cada a partir de certa altura, mas isso são outros contos, próprios de um regime de ditadura).

No imediato pós-25 de Abril, o Serviço de No-ticiários do RCP (funda-do no início da década de 1960 por Luís Filipe Cos-ta, a quem nunca agrade-ceremos suficientemente a obra jornalística radiofó-nica que construiu e diri-giu até à queda do regime)

representou, para a dezena e meia de redactores-locu-tores que o integravam, um campo de aprendizagem dupla: (i) de jornalismo sem censura e sem outros constrangimentos editorais que não fossem os termos, muito abrangentes, do Pro-grama do MFA, consagra-do logo no 1º de Maio por multidões de portugueses em todas as cidades do País: (ii) e da responsabi-lidade tremenda que sig-nificava trabalhar na esta-ção que se autoproclamara Emissora da Liberdade.

No Página 1, a equipa toda não chegava a meia dúzia: no RCP, não ultra-passou, durante muitos meses, a dezena e meia. Tudo funcionava, assim, em democracia directa. No primeiro caso, informal; no segundo, em plenário de redacção (que elegia, por voto secreto, o chefe de redacção) ou plenário de trabalhadores, onde to-dos os cerca de 300 fun-cionários eram chamados a votar (braço no ar) as gran-des linhas de orientação da estação.

[Lembro-me que, naque-les inesquecíveis meses que precederam as elei-ções para a Assembleia Constituinte, em Abril de 1975, a agenda de um dos plenários de trabalhadores continha uma questão po-lémica entre nós, noticia-ristas: que critérios seguir na definição da atenção e espaço (que em rádio se mede pelo tempo) a dar à catadupa de comunicados das dezenas de partidos que se haviam constituído a seguir ao 25 de Abril? O tema é muito interessante, pois coloca problemas de representatividade (difícil, se não impossível de defi-nir então) mas também de equanimidade para efeitos eleitorais. Apesar do passo em frente, ainda que algo tímido, dado na última campanha presidencial, as legislativas de Junho deste ano (a avaliar pelo que se passa em vésperas do seu início, altura em que es-crevo este texto) ameaçam reeditar, pela enésima vez, a inaceitável divisão entre concorrentes de primeira e de segunda, adoptada pela generalidade dos média, incluindo os públicos.]

Os repórteres e redacto-res da rádio só em 1975 puderam filiar-se no Sin-dicato dos Jornalistas (SJ). Mas os oriundos da Emis-sora Nacional tiveram que aguardar alguns anos, ain-da, pelo desfecho de um duro processo negocial entre o SJ e o CA da RDP - a estação pública que re-sultara da nacionalização da rádio, decretada poucos dias após o 25 de Novem-bro e de que ficaram de fora

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apenas a emissora católica, Rádio Renascença, e três ou quatro pequenos postos emissores de âmbito local e regional. A administração da empresa não aceitava o princípio da autonomia editorial destes jornalistas, invocando a sua subordi-nação hierárquica à luz do Estatuto dos Funcionários Públicos do Estado.

Não esperámos pelo fim das negociações para avançarmos com a eleição do primeiro CR. À seme-lhança do que aconteceu na RTP, a luta travou-se num palco inesperado: os representantes, livremente eleitos, da redacção foram ignorados pelos directores – presidentes, por inerên-cia, deste órgão.

A recusa dá-nos a dimen-são dos problemas que en-frentávamos naquele perí-odo, na rádio e na televisão públicas. Lembro-me da frustração que me assaltou, quando o director (alguém que eu apreciava, pessoal-mente) nos anunciou que não se reuniria connosco, na RTP. Não tanto pela questão formal de sua au-sência nas reuniões e da ausência da sua assinatura nos comunicados esvaziar de sentido as nossas toma-das de posição. Mas pela ironia amarga que repre-sentava ver-se assim repu-diada pelo poder mediático da democracia em constru-ção uma, talvez a maior, conquista dos jornalistas

organizados, antes do 25 de Abril.

[Sim, estávamos em ple-no PREC (Processo Revo-lucionário em Curso), as posições andavam extrema-das. Mas nada justificava tal atitude. Apesar de todos os excessos, que os houve, o triunfo da ideia de um jornalismo independente, de qualidade e de respeito pelas normas deontológi-cas ia-se consensualizan-do no grupo profissional, ao menos como ideal a cumprir. E para isso, nes-ses primeiros anos, foram decisivos – sustento – dois contributos, que aliás, mui-tas vezes se confundiram nas mesmas pessoas: dos militantes sindicais e dos activistas da institucionali-zação, nas respectivas em-presas, dos conselhos de redacção.]

Década e meia depois, quando comecei a trabalhar no Público, já a influência dos conselhos de redacção declinava, na maioria dos média. Não obstante, e pese embora o clima de eu-foria profissional, de des-

lumbramento tecnológico e de uma (ao menos presu-mida) comunhão de objec-tivos e ideais jornalísticos que atravessava fundador (direcção e redacção), en-tendemos todos que não podíamos prescindir de um Conselho de Redacção.

Houve, quase desde o início, dificuldades, desa-cordos, choques. Entre os representantes da redacção e os directores (nomeados pela administração e que deixariam, entretanto, de carecer do voto favorá-vel do CR), mas também no seio do próprio grupo dos eleitos. Reuniões ten-sas, actas que demoraram semanas até colherem a assinatura do director, de-missões, jornalistas que durante anos não aceitaram integrá-lo, mesmo que fos-sem eleitos.

Uma consulta à 1ª e à 2ª edições do Livro de Estilo, porém, mostra-nos como este órgão representativo da Redacção sobreviveu a todas as crises tornando-se um elemento essencial da cultura do Público. Na 1ª edição, de 1998,1 lá está, com data de Dezembro de 1990, o Regulamento do Conselho de Redacção. A 2ª edição, de 2005, não se limita a voltar a publicar

o regulamento, revisto em 29 de Dezembro de 2004, dado que o anterior neces-sitava de adaptações e de uma outra alteração – as primeiras, por força de le-gislação entretanto saída; as segundas, pelas tensões vividas e lições aprendidas até então. 2

O prefácio, assinado pelo director, José Manuel Fer-nandes, faz referências ex-pressas à incorporação de deliberações do Conselho de Redacção no capítulo “Princípios e normas de conduta profissional” (pp. 23-41) e ao envolvimen-to activo deste órgão no amplo debate interno que marcou a revisão do texto anterior. Referências tan-to mais significativas, do meu ponto de vista, quanto algumas das maiores difi-culdades de diálogo entre membros eleitos e director remontam a esse período.

Em todas estas experiên-cias que vivi por dentro, do mesmo modo que naquelas em que fui apenas “eleitor” dos nossos representantes, descobri aquilo que consi-dero essencial na ideia de uma redacção: um espaço conjugado de autonomia individual e colectiva, no qual liberdade e responsa-bilidade se traduzem e as-sumem na tal permanente e pública interacção crítica. Esta exerce-se essencial-mente nas conferências de redacção, nas reuniões re-gulares de editorias e nos contactos continuados que se estabelecem com outros jornalistas da mesma e de diferentes editorias, no es-paço, não por acaso aberto, da redacção. Mas também

“Não esperámos pelo fim das negociações para avançarmos com a eleição do primeiro CR.”

“Descobri aquilo que considero essencial na ideia de uma redacção: um espaço conjugado de autonomia individual e colectiva, no qual liberdade e responsabilidade se traduzem e assumem na tal permanente e pública interacção crítica.”

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no Conselho de Redacção, instância de representação, legitimada pelo voto secre-to, e cuja acção na defesa das questões profissionais e deontológicas tenho como marca distintiva de uma empresa de comuni-cação e de um colectivo de jornalistas que apostam numa redacção de qualida-de, responsável e transpa-rente, aberta ao debate e à crítica.

Adelino Gomes

Nota1 A edição em livro foi precedida de uma versão policopiada, entregue aos jornalistas em Dezembro de 1989, um mês antes da data anunciada para a saída do primeiro número do jornal. Este, porém, só veio a ser colocado nas bancas, de Norte a Sul, em 5 de Março de 1990.2 Compare-se, a título de exemplo das clarificações entretanto tornadas necessárias, o ponto 3 do artigo 5º (Funcionamento). Estabelece o de 1990: “O CR só pode funcionar com a presença da maioria dos seus elementos eleitos”. O mesmo ponto votado em 2004 diz: “O CR só pode funcionar com a presença da maioria dos seus membros eleitos e do presidente, excepto nos casos previstos na lei. Isto não impede que, caso o director ou o seu substituto legal se recusem a presidir à reunião, os membros eleitos do CR tomem posição conjunta, enquanto tal, sobre temas que entendam cruciais na vida da Redacção”.

Fiz parte do Conselho de Redacção do Expresso, durante dois ou três mandatos, nos idos da década de 80 do século passado (dito assim, parece que foi há imenso tempo, mas foi apenas há vinte e tal anos…). Tratou-se de uma experiência importante e muito rica, a vários títulos, sobretudo para um profissional ainda relativamente inexperiente, como eu era, uma vez que tinha começado a trabalhar nos jornais (no Jornal de Notícias, mais propriamente) em 1980.

Uma experiência muito rica

Do que recordo desse tempo e dessa frutuosa ex-periência, sublinharia três aspectos:

1) Eu trabalhava na en-tão pequena delegação do Expresso no Porto e a per-tença ao CR obrigou-me a estabelecer um contacto permanente – e pessoal, directo, face a face – com

os camaradas que traba-lhavam na sede do jornal, em Lisboa. Isso contribuiu muito para ultrapassar o fosso que habitualmente separa as delegações das sedes, favorecendo uma integração plena de todos os jornalistas no projecto comum, independente-mente do sítio específico onde trabalham. Fez com que nós, os jornalistas da delegação, nos sentísse-mos mais parte de um todo para que também contribu-íamos, e não uma espécie de longínquos “primos da província” ou “moços de recados”, afastados de to-das as instâncias de debate e de decisão.

2) A regularidade das reu-niões do CR com o director (quinzenais, se não estou

em erro) permitia que se fi-zesse um acompanhamento efectivo da vida do jornal e da sua redacção, no bom espírito do que me parece desejável para um órgão deste tipo – um órgão que, frequentemente, apenas é chamado a pronunciar-se em situações excepcionais de crise interna ou quan-do se trata de nomear um novo director.

3) A actividade e o modo de funcionamento do CR eram, se assim posso dizer, indissociáveis da vida mais geral da própria redacção. Naquele tempo, também os espaços de discussão co-lectiva, participada, fron-tal e por vezes muito viva, eram uma regra de ouro no Expresso, de que as dinâ-micas “reuniões de segun-da-feira” (onde se debatia o último número do jornal e se preparava o próximo) constituíam exemplo su-perlativo. Aliás, esse sa-lutar hábito de discussão regular, alargada a toda a redacção, foi depois trans-posto para o Público, cujo núcleo fundador (de que também fiz parte) era total-mente oriundo do Expres-

“Um Conselho de Redacção não nasce “do nada”, não “cai do céu” nem consegue viver a contra-ciclo do órgão de comunicação a que pertence; pelo contrário, ele é, em boa medida, a resultante de uma determinada cultura de debate democrático, de participação, de empenhamento colectivo.”

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so. Quer isto dizer que, em minha opinião, um Conse-lho de Redacção não nas-ce “do nada”, não “cai do céu” nem consegue viver a contra-ciclo do órgão de comunicação a que perten-ce; pelo contrário, ele é, em

boa medida, a resultante de uma determinada cultura de debate democrático, de participação, de empenha-mento colectivo. Mas não só a resultante: funcionan-do bem, com regularidade, com atenção aos proble-

mas, com espírito inter-ventivo, ele próprio acaba por contribuir para promo-ver e manter esse ambiente de debate, de participação e de empenhamento colec-tivo. É, a um tempo, conse-quência e causa da “cultura

Os conselhos de redacção foram uma conquista dos jornalistas consagrada após a reconquista da liberdade de imprensa, em 1974. Já antes havia embriões de conselhos nalgumas redacções da imprensa, por isso, depois do 25 de Abril daquele ano, multiplicaram-se como mecanismo e direito de participação que a Lei de Imprensa, em 1976, consagrou.

Uma trincheira

Os conselhos representa-vam os jornalistas de uma redacção e reuniam-se sob a presidência do director (de informação). Algumas das suas atribuições eram vinculativas, como o pare-cer sobre o director desig-nado pela administração do órgão de informação. Mas mudaram-se os tempos e as vontades, sobretudo as políticas, e a lei foi “sua-

vizando” a intervenção or-ganizada dos jornalistas na vida da redacção, trocando por “pareceres” anteriores decisões vinculativas.

A quem viveu o percur-so jornalístico anterior e posterior a 1974, parece-lhe que, sob a censura e a ausência de liberdade, os conselhos de redacção significavam uma ambi-ção de dignidade e de éti-ca profissional que, hoje, sem censura institucional nem privação de liberdade, quase desapareceu. É certo que não é fácil, nas actuais condições laborais e pro-fissionais de exercício do

jornalismo, representar jor-nalistas e dar voz a direitos (éticos e profissionais) já, por vezes, perdidos.

Mas quem viveu os úl-timos quarenta anos do jornalismo português sabe que o Conselho de Redac-ção é uma trincheira além da qual sobra a terra quei-mada de algo – o jornalis-mo e os jornalistas – de que uma sociedade livre preci-sa tanto quanto cada um de nós de ar para respirar.

Fernando CascaisJornalista e docente na Universidade Católica

“Os conselhos de redacção significavam uma ambição de dignidade e de ética profissional”

da casa”.

Joaquim Fidalgo

Jornalista e professor universitário, antigo membro do Conselho de Redacção do Expresso.

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A criação dos Conselhos de Redacção (CR) foi uma das inovações mais importantes da Lei de Imprensa de 1975, afirma Carlos Veiga Pereira, membro de diferentes CR entre 1979 e 1990, nas agências noticiosas ANOP e Lusa.

“Conselhos de Redacção foram importante inovação da Lei de 1975”

Os CR tinham inicial-mente competências mais amplas do que têm hoje, recorda. Os Directores de Informação dos órgãos de comunicação social só po-diam ser nomeados após parecer favorável do Con-selho de Redacção, o pa-recer era vinculativo. Esta exigência legal, decalcada dos estatutos do jornal “Le Monde”, visava equilibrar a influência das empresas e das redacções na orien-tação dos órgãos de comu-nicação social. Não tarda-ria a ser contestada pelos governos e pelos patrões e acabaria por ser revogada pela primeira maioria ab-soluta do PSD, diga-se que sem grande oposição dos jornalistas.

Durante a década e meia

em que os pareceres foram vinculativos, só por duas vezes obstaram à nome-ação de directores. “Re-cordo-me bem porque fiz parte dos Conselhos de Redacção que emitiram ambos os pareceres”.

Conta-se em meia dúzia de palavras.”Da primeira vez, o CR da ANOP deu pa-recer desfavorável à nome-ação de um Subdirector de Informação. A administra-ção manteve a nomeação, respaldada no parecer do advogado da empresa. Nós recorremos para o Con-selho de Imprensa, que se pronunciou, por unanimi-dade, pela ilegalidade da nomeação, mas a adminis-tração teimou na sua. Nós apelámos para o então pri-meiro-ministro, Francisco Sá Carneiro, que mandou anular a nomeação decorri-dos alguns dias, logo que os Serviços Jurídicos da Presidência do Conselho confirmaram que o pare-cer do Conselho de Redac-ção era vinculativo”.

“Prevaleceu a opinião do CR e a nomeação foi anu-lada”, sublinhou.

Da segunda vez, já na Agência Lusa, a proposta

de nomeação de um DI re-cebeu parecer contrário do CR. Mas o conflito foi sa-nado rapidamente, a Ad-ministração conformou-se e desistiu da nomeação.

Sublinhou, a propósito, que muito frequentemen-te os jornalistas não con-fiam nas garantias dadas pela lei. No primeiro caso, muitos jornalistas tinham a opinião de que não valia a pena recorrer para o Con-selho de Imprensa e menos ainda para o primeiro-mi-nistro Sá Carneiro, argu-mentavam que mais efi-caz seria desencadear de imediato uma greve. Nem sempre assim acontece, mas, neste caso, o recurso à lei foi eficaz.

CR são fundamentais

Sobre a importância dos CR, Veiga Pereira afirmou que “contribuem muito positivamente para o bom funcionamento das Redac-ções, para a livre expres-são de diferentes pontos de vista e para a consequen-te diminuição de tensões, para a valorização e defesa

de comportamentos éticos e deontológicos” e lamen-tou o desinteresse a que são frequentemente con-denados pelas administra-ções das empresas, pelos directores e pelos próprios jornalistas.

“Do ponto de vista das Redacções, os CR são mui-to importantes, e do ponto de vista dos jornalistas a sua existência é fundamen-tal para o cumprimento e observação das regras da ética e da deontologia”, defendeu.

Para Veiga Pereira, o bom funcionamento dos Conse-lhos de Redacção “depende em grande medida da ati-tude do DI”. Embora sem ocultar muitos conflitos e muitas divergências pas-sadas, citou como exem-plo José Manuel Barroso: “Entendeu bem, tanto na ANOP como na Lusa, a importância dos CR, o que nem sempre acontece com os DI, que acham que estes são uma ameaça”.

Quanto à questão de os CR terem deixado de ter capacidade de dar pare-ceres vinculativos para a nomeação dos Directores, defende que esta prerroga-tiva deveria ter sido man-tida, mas considera que os poderes destes órgãos não foram debilitados dramati-camente.

“Os outros poderes, se bem exercidos, são mais importantes do que esse”, disse.

Em relação à proposta de revisão do Estatuto do Jornalista, em curso, Veiga Pereira considera impres-cindível que “os membros do CR beneficiem de um

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estatuto idêntico ao dos Delegados Sindicais, nomea-damente em termos de segurança contra os despedimentos”. E preconiza que sejam revogados os poderes sancio-natórios concedidos à Co-missão da Carteira Profis-sional dos Jornalistas na anterior revisão do Estatu-to do Jornalista, contra os pareceres das empresas e do Sindicato dos Jornalis-tas, para defender que seja

repensado o âmbito dos po-deres da ERC, estimulado e apoiado o renascimento do Conselho de Imprensa e reforçados os poderes dos Conselhos de Redacção.

FL

CR “têm um efeito bené-fico para o funcionamento das Redacções, nomeada-mente em termos éticos e deontológicos.”

Carlos Veiga Pereira é natural de Angola e iniciou actividade como jornalista profissional em Maio de 1955, na delegação de Lis-boa de “O Primeiro de Ja-neiro”. Nos anos seguintes trabalhou no “Diário Ilus-trado”, “República”, “Diá-rio de Lisboa” e “Jornal de Letras e Artes” e fez parte da Redacção da revista “Seara Nova”.

Em 1962, foi preso pela PIDE por participação na tentativa revolucionária de Beja. Meses depois, na se-quência das manifestações promovidas em Lisboa pela Junta de Acção Patriótica, foi forçado a sair para o es-trangeiro, por estar nova-mente na iminência de ser preso. Durante os dez anos de exílio em França, traba-lhou no Centre de Forma-tion des Journalistes, estu-dou no Institut Français de Presse, trabalhou no ORTF e colaborou em várias pu-blicações.

Após o 25 de Abril de-sempenhou as funções de

Percursochefe de redacção do “Di-ário de Lisboa”, de direc-tor de informação da RTP e de assessor do secretário de Estado da Comunicação Social. Em 1978 ingressou na agência ANOP, de que viria a ser director de in-formação em 1984.

Carlos Veiga Pereira foi um dos seis jornalistas elei-tos em Abril de 1975 por sufrágio directo, para re-presentar a classe no Con-selho de Imprensa, funções que exerceu gratuitamente até 1981, por o seu man-dato ter sido renovado por duas vezes pelo Sindicato dos Jornalistas.

Em 1999, foi eleito pelos jornalistas profissionais, por sufrágio directo, mem-bro da Alta Autoridade para a Comunicação Social.

Foi o primeiro presidente do Conselho Geral do Sin-dicato dos Jornalistas, no biénio 1991/92, órgão de que continua a ser membro activo.

FL

A velocidade que hoje se impõe à produção jornalística; a emergência de novos protagonistas no espaço mediático, ávidos de disputar aos jornalistas o seu terreno tradicional; o contágio com outras formas de comunicação, impelido pela diluição de fronteiras que nos habituámos a respeitar: três ingredientes apenas, entre tantos outros, dos quais brota uma mudança profunda do Jornalismo, que alguns consideram de paradigma.

Ainda vamos a tempo

É estreito o caminho que, neste contexto, se nos oferece. Se temos de o trilhar, porém, não dei-xemos que nos domine; procuremos influenciá-lo. Assegurar o cumpri-mento da nossa missão primacial – satisfazer o direito à informação – reclama, hoje em dia, a reabilitação de um ins-trumento que, também por culpa nossa, deixou de ser eficaz. É certo que

o poder político, paulatina-mente, roubou aos conse-lhos de redacção parte dos poderes essenciais de par-ticipação dos jornalistas na orientação editorial. Mas também é evidente que per-demos demasiado tempo a reivindicar a devolução aos conselhos de redacção da sua função original de se pronunciar sobre as di-recções dos órgãos de co-municação. Esquecendo que outras potencialidades podem e devem ser explo-radas.

Bem sei que restam pou-cos conselhos de redacção. O seu desaparecimento é, sobretudo, responsabi-lidade nossa. Hoje, mais do que nunca, exige-se

“Ainda vamos a tempo de transformar os conselhos de redacção em espaços de debate, em primeira linha, de práticas deontológicas, com a agilidade que o novo ambiente mediático determina.”

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que, com coragem, os re-vitalizemos. Ainda vamos a tempo de transformar os conselhos de redacção em espaços de debate, em primeira linha, de práticas deontológicas, com a agili-dade que o novo ambiente mediático determina. Para que suscitem a reflexão e a interrogação ética, perma-nente e em tempo útil. Para que sejam capazes de tra-var desmandos e combater

impulsos que por aí andam, no sentido de sacrificar o rigor informativo à rapidez de difusão, marca registada dos tempos que correm.

É uma responsabilidade colectiva, de que nenhum de nós pode demitir-se. Uma responsabilidade de cidadania, antes de ser pro-fissional.

Paulo Martins “Jornal de Notícias”

Considero os Conselhos de Redacção imprescindíveis quer na defesa do direito de independência dos jornalistas, quer na defesa do direito do público a uma informação norteada pela ética profissional.

Conselhos de redacçãoimprescindíveis

A experiência, no en-tanto, mostrou-me que o seu papel é fortemente condicionado pelo enten-dimento que faz das suas competências o director, que por inerência de car-go os preside. Se há di-rectores que levam o seu respeito pelo CR ao pon-to de subscrever as críti-cas deste à orientação da informação, e outros que entendem útil ouvir o CR sobre questões editoriais

e deontológicas, alguns limitam-se a aceitar a sua existência por a isso serem obrigados por lei, diminuindo gravemente o que deveria ser o papel dos representantes da re-dacção.

Finalmente, recordan-do como um administra-dor, tendo ouvido o CR recusar o director que indigitara, respondeu: “Ouvi-vos. É tudo a que a lei me obriga. O direc-tor está nomeado”, la-mento que a opinião do CR não seja vinculativa (e não consultiva) em re-lação à nomeação do di-rector e restante equipa de direcção.

Diana Andringa

A sensação mais forte que guardo da minha mais recente passagem por um Conselho de Redacção — e foi há menos de dois anos — é de uma absoluta falta de tempo. Já por isso aceitara com relutância o resultado da votação que me entregava essa tarefa. Seguiu-se uma quase tenta�va de fuga às reuniões frequentes. Ou que me pareciam frequentes.

Horas extra

Ainda hoje, quando olho para trás, me parece iróni-co que seja essa a memória que conservo, depois de tantos debates acesos ao longo da minha carreira so-bre nomeações de diretores e chefias ou ataques à in-dependência da redacção. Invariavelmente reuniões que nos absorviam duran-te horas. Teria eu perdido

em entusiasmo? Não creio, mas perdera seguramente em tempo.

Interrogo-me — e foi o principal motivo porque aceitei este depoimento — se a falta de tempo não será hoje, afinal, um mal de base das redacções, onde nos desmultiplicamos para corresponder a cada vez mais solicitações. E se uma das funções principais dos Conselhos de Redacção não será criar condições para uma reflexão sobre o trabalho que produzimos. Talvez do que estejamos a precisar seja, afinal, dessas quantas horas a mais.

Emília Caetano

“O seu papel é fortemente condicionado pelo entendimento que faz das suas competências o director”

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As duas décadas da história do PÚBLICO constituem, porventura, uma prova de que os conselhos de redacção podem ser tudo e nada. Podem desempenhar um papel imprescindível na defesa dos direitos dos jornalistas e da liberdade de informação e podem ficar-se por uma função meramente decorativa.

Conselhos de redacção podem ser tudo e nada

Tudo depende de quem os integra, da redacção que os elege, mas também, não tenhamos ilusões, dos in-terlocutores que estão do outro lado – as direcções e os patrões. Mas mesmo quando as circunstâncias os reduzem a órgãos sim-bólicos, outras circunstân-cias podem fazer com que eles ganhem sentido e se tornem vitais para a defesa da dignidade dos jornalis-tas, e até dos seus postos de trabalho.

Duas coisas, diria eu, te-rão sempre de ser tidas em

“Outras circunstâncias podem fazer com que eles ganhem sentido e se tornem vitais para a defesa da dignidade dos jornalistas”

conta: a letra e o espírito da lei que regula os conselhos de redacção, que temos de usar como a nossa princi-pal arma junto das direc-ções mais recalcitrantes; e a realidade das empresas e das redacções que encaram muitas vezes estes órgãos como excrescências de ou-tros tempos, sem razão de ser, nem préstimo.

Convencer os jornalistas de que os conselhos são essenciais, nem que seja para os representar e de-fender em momentos de crise, parece-me, portanto, o primeiro passo a dar nas muitas redacções onde eles não existem. Outra coisa, desde logo condenada ao fracasso, é querer trans-formá-los naquilo que eles não são – comissões sin-dicais, direcções editoriais ou tribunais.

José António Cerejo

A primeira legisla-ção consagrava para os Conselhos de Redac-ção poderes mais fortes e mais consentâneos com o espírito do tex-to constitucional. Com efeito, a nomeação da direcção e do chefe de Redacção careciam de voto favorável do CR, a quem cabia também «pronunciar-se, com voto deliberativo, so-bre todos os sectores da vida e da orgânica do jornal que digam respeito ou de qualquer forma se relacionem com o exercício da ac-tividade profissional dos jornalistas, a que se refere o n.°3 do artigo 10.°», que estabelecia a existência de um Esta-tuto do Jornalista e um Código Deontológico,

Na actual legislação (de 1999 com altera-ções posteriores), os CR foram despojados de poderes vinculati-vos, embora continuem legalmente a «pronun-ciar-se sobre todos os sectores da vida e da

Os Conselhos de Redacção têm dignidade constitucional e enquadram-se na garantia da Liberdade de imprensa consagrada na Constituição da República (alínea b) do número 2 do artigo 38).

Conselho de redacção da Lusa

orgânica da publicação que se relacionem com o exer-cício da actividade dos jor-nalistas, em conformidade com o respectivo estatuto e código deontológico».

Desde cedo que a ANOP teve o seu primeiro Con-selho de Redacção, uma estrutura interventiva e que assim se manteve até à criação da Lusa.

Logo no ano da sua cria-ção, os jornalistas da Lusa elegeram o primeiro CR da nova agência, estrutura que até agora tem mantido a sua existência ininterrup-tamente.

A tradição de um Conse-lho com intervenção activa na vida da Redacção man-teve-se na Lusa e o primei-ro CR, ainda com poderes vinculativos, inviabilizou um director que a Redac-ção não desejava.

Por regra, os Conselhos de Redacção têm-se bati-do em defesa da Redacção e dos jornalistas da Lusa e do rigor, independência e credibilidade da Agência, sem nunca abdicarem de se pronunciar sobre todos os aspectos da vida, da or-

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ganização e do funciona-mento da Redacção.

Um Conselho de Re-dacção com mais poderes do que os que detém hoje em dia, nomeadamente o poder vinculativo nas no-meações para a Direcção de Informação e chefias de redacção é uma garantia na defesa da liberdade de in-formação.

Os sucessivos Conselhos de Redacção da ANOP e Lusa têm geralmente tido a preocupação de colabo-rarem com a Direcção de Informação em defesa da

Redacção e dos seus jorna-listas e na garantia da inde-pendência e credibilidade da Agência.

Uma postura que tem fre-quentemente significado discordâncias com directo-res em relação a questões que interessam à Redac-ção, como reestruturações, sempre com posições fun-damentadas e uma atitude construtiva, com propos-tas.

É também prática de su-cessivos CR apresentarem à Direcção propostas con-cretas visando melhorar o

funcionamento da Redac-ção.

Um aspecto a destacar nos últimos anos será o esforço de Conselhos de Redacção na revisão do Li-vro de Estilo da Lusa, com apresentação de uma pro-posta completa, que veio a ser no essencial aprovei-

tada, embora com algumas alterações que desvirtua-ram aspectos essenciais da proposta inicial do CR.

O Conselho de Redacção da Lusa

“Um Conselho de Redacção com mais poderes do que os que detém hoje em dia […] é uma garantia na defesa da liberdade de informação.”

Observatório de Deontologia do Jornalismo - Boletim mensal do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas

Director e editor de fecho: Orlando CésarDesign e paginação: Marta Gonçalves

Redacção: Ana Isabel Costa, Ana Machado, Francisca Leal, Gabriela Chagas, Orlando César, Otília Leitão e Susana Oliveira. Ilustrações: Maria Ramos

As colaborações assinadas exprimem os pontos de vistas dos seus autores e a sua publicação não significa que o Conselho Deontológico subscreva as opiniões aí expressas.

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