OPERAÇÃO TRÊS PASSOS (1965): UM CORONEL DO EXÉRCITO QUE SE
OPÔS A DITADURA MILITAR BRASILEIRA
Leomar Rippel
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Esta comunicação consiste numa análise dos fatos ocorridos no sul do Brasil no
ano de 1965, quando o ex-coronel do exército Jeferson Cardim saiu do Uruguai com
mais três pessoas, adentrando no Rio Grande do Sul onde reuniram mais 17 integrantes
e assaltaram alguns destacamentos da Brigada Militar e algumas delegacias, no ocasião
também leram um manifesto via Rádio Difusora. Episódio que se destaca por ser a
primeira ação armada contra a Ditadura Militar no Brasil. Fato que foi reflexo da
conjunta política que vivia a nação no Pós-Golpe Militar, o que na visão da caserna não
foi golpe, mas sim uma contra-revolução onde os militares impediram o surgimento de
um governo socialista; por outro lado, no ponto de vista do comandante da Operação
Três Passos, o coronel Jefferson Cardim de Alencar Osório, foi um golpe de Estado
onde os militares desrespeitaram a Constituição e instauraram uma Ditadura elitista.
Estudando o contexto político pela revisão literária disponível, que além de vasta
é contraditória, se tem a pretensão de problematizar as controvérsias da Ditadura
Militar, e em específico deste fato. Oportunizada pela análise de documentos militares
inéditos e entrevistas de quem viveu tal tempo, soldados e integrantes do movimento de
protesto conhecido como Operação Três Passos, torna-se plausível elaborar a cronologia
do episódio e esclarecer como o Estado militarizado tratou o caso. O acesso aos autos
do processo da justiça militar que julgou o evento será possível elucidar os mentores e
partícipes, além de seus níveis de envolvimento nesta tentativa de insurgência. Por
último, mas não menos importante, foram dirigido esforços para entender o uso político
dos acontecimentos por diversas correntes políticas, visíveis na imprensa escrita.
UM POSSÍVEL QUADRO TEÓRICO METODOLÓGICO RELATIVO AO
TEMA
Doutorando em História pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE e professor do
Centro de Ensino Superior – CESUL. E-mail: [email protected]
mailto:[email protected]
Após 47 anos da instauração do Regime Militar no Brasil vivemos uma torrente
de publicações e eventos que se dedicam a discutir a ditadura militar. Fico (2004)
fundamenta a certeza de que estes acontecimentos são possibilitados graças à superação
de velhos mitos e estereótipos apresentados pela pesquisa “historiográfica de perfil
profissional” e do “desprendimento político” harmonizados pelo distanciamento
temporal. (FICO, 2004, p. 30). Os dias atuais possibilitam o historiador contar com
liberdade para questionar variante impostas e estruturas internas da instituição militar
sem ser taxado de “subversivo”; também como contestar ícones e tabus da velha
esquerda sem ser classificado de “reacionário” ou ter historicidade argüida.1
Confirma-se também uma geração de historiadores interessados no tema que não
viveram os acontecimentos, portanto suas pesquisas não estão carregadas de paixões,
ideologias, sentimentos ou doutrina política. Neste sentido, há uma nova interpretação
sobre diversas questões da ditadura militar que estão sendo discutidas pelo que podemos
chamar de Historiografia da Ditadura Militar no Brasil. (Idem).
Um desses questionamentos reafirma o pequeno apreço dos principais atores
históricos pela democracia. Durante a década de 1960 o regime democrático deixou de
ser prioridade dos grupos políticos, tanto da esquerda quanto da direita, ambos
“subscreviam a noção de governo democrático apenas no que servisse às suas
conveniências. Pois nenhum deles aceitava as incertezas inerentes às regras
democráticas”. (FIGUEIREDO, 1993, p. 2002). Da mesma forma que se usavam do
discurso da legalidade e da defesa da democracia/constituição para legitimar suas ações
movidas por interesses e convicções ideológicas, políticas, partidárias ou institucionais.
Estas recentes pesquisas constituem uma nova fase da publicação sobre o assunto
e põe por terra alguns mitos dados como “verdades” absolutas sobre o tema, como: o de
que a esquerda revolucionária, que optou pela luta armada, seria parte integrante da
defesa democrática (FICO, 2004, p. 30); quebraram o paradigma de que somente após
1968 que se deu a instauração da tortura e censura como prática diária dos integrantes do
1 O que vem sendo pesquisado, inicialmente sobre fortes questionamentos acadêmicos, pelo CPDOC –
Centro de Pesquisa e Documentação História Contemporânea do Brasil - Fundação Getúlio Vargas desde
1973.
Governo Militar juntamente com a isenção de culpa dos generais presidentes pelo
desconhecimento das práticas que incluíram assassinatos (GASPARI, 2002, p. 324);
abandonou-se a ideia de que o presidente João Goulart fora um reformista vitimado por
um golpe de Estado, atribuindo a ele um novo perfil de vacilante, imóvel e de
possivelmente golpista (VILLA, 2004); desmistificado o conceito de homogeneidade de
pensamento e atitudes no Exército como instituição (TAVARES, 2001, p. 85); assim
como a classificação simplista dos militares como “duros” e “moderados” deixou de
existir (FICO, 2001); e em específico a historiografia pertinente à luta armada, quanto a
tese do “suicídio revolucionário” e a busca pelas “causas da derrota”, que teria sido a
aventura da luta armada no país, atualmente está sendo apresentada como componente da
plataforma política partidária do PT, pensada para o Brasil a partir da afirmação de um
novo projeto social-democrata nos anos 80. (NASCIMENTO, 2004).
Além dos apontamentos supracitados, pode ser ressaltado o questionamento do
projetado perfil legalista do primeiro general presidente Castelo Branco (FICO, 2004, p.
32), a opção de analisar o lado bom da ditadura pelos que foram vítimas da ampla
propaganda política2, além dos fatores que motivaram o golpe de estado de 1964 dando
início ao período conhecido como Regime Militar ou Ditadura Militar do Brasil. (FICO,
1997). São baseados nestes pressupostos teóricos, juntamente com uma linha de
raciocínio paralela que se pretende embasar a futura pesquisa histórica.
CAMINHOS E ENCRUZILHADAS PARA INICIAR UM ESTUDO SOBRE
ESTE EPISÓDIO HISTÓRICO
Nos tempos atuais estamos vivendo em nosso país uma intensa onda de
intenções que procuram desmistificar fatos ocultos e ações abstrusas do período da
Ditadura Militar. Não fazendo parte apenas de um modismo intelectual passageiro, esse
trabalho segue o fluxo da tendência não só acadêmica, mas também política da História
recente do Brasil. Assim,
2 FICO, Carlos. Reinventando o Otimismo: Ditadura, propaganda e imaginário social no Brasil. Rio de
Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1997.
um tema de pesquisa histórica deve ser relevante não apenas para o
próprio pesquisador, como também para os homens de seu tempo,
estes que em última estância serão potencialmente os leitores ou
beneficiários do trabalho realizado. Daí a célebre frase, cunhada por
Benedetto Croce e re apropriada por Luciene Febvre, de que toda
‘História é contemporânea’. (BARROS, 2005, p. 26).
Pensa-se em uma investigação além desta comunicação que tenha como objetivo
central analisar os fatos relativos ao movimento de protesto comandado pelo Coronel
Cardim no ano de 1965, dentro de suas concepções, princípios e peculariedades,
discutindo a História Política de nosso país no início do que viria a ser considerados
como os “Anos de Chumbo” e visando através da utilização de fontes primárias analisar
a primeira ação armada contra a Ditadura Militar no Brasil. Desta forma a proposta é de
se apresentar como uma perquisição no campo da História Política Renovada dando
ênfase na História Militar brasileira amparados no que já se pode considerar,
historiografia da ditadura militar brasileira.
O levante armado liderado pelo Coronel Cardim de Alencar Osório, precipitado
nos últimos dias do mês de março de 1965, está retratado por distintas designações3 e
carregava o intuito de iniciar a resistência armada contra a recém instaurada Ditadura
Militar no Brasil; antes desta completar seu primeiro aniversário em 31 de março de
1965.
Mais que comprovar equívocos ou enganos das produções pré-existentes, a
elaboração desta pesquisa tem o interesse de sair da superficialidade factual e
aprofundar-se proporcionando uma nova interpretação histórica, tomando para isso
alicerces e amparos em fontes oficiais jamais analisadas e discutindo algumas questões
que se apresentam como lacunas na história deste episódio.
Dedicando-se à questão norteadora de uma futura pesquisa empregar-se-á
esforços para elucidar controvérsias expostas pelas diversas versões deste fato histórico.
Tomamos inicialmente duas indagações como base:
3 Tais como “Coluna Cardim”,“Operação Três Passos”, “Forças Armadas de Libertação Nacional”,
“Guerrilha do Coronel Cardim” ou, até mesmo ridicularizado por“Exército Brancalione” em referência
à crônica medieval em que um grupo de maltrapilhos rouba alguns cavalos, autodenomina-se exército e
parte em marcha utópica para conquista de um feudo imaginário.
- A ação armada liderada pelo coronel Cardim nos três estados do sul foi uma
guerrilha, um levante, uma insurreição, uma marcha, uma tentativa de golpe ou
contragolpe, ações de terrorismo, assalto ou um sinal para iniciar quarteladas?
-Sendo um movimento político, como ficou comprovado pelo Inquérito Policial
Militar, podemos considerá-lo de orientação comunista, socialista ou nacional-
revolucionário?
Essas variantes iniciais relativas ao título/denominação do movimento são
identificadas claramente pelas correntes políticas antagônicas que disputaram o poder
durante a Guerra Fria ou que, de alguma forma estiveram ligadas a este embate.
Deparamo-nos com correntes políticas que enaltecem o movimento como forma de luta
e resistência à Ditadura Militar,4 outras que o condenam como ação terrorista orientadas
por órgãos internacionais.5
O dissenso entre a existência de luta armada no sul do Brasil em 1965 é
encontrado até mesmo entre autores da mesma corrente política! Dentro do Exército,
instituição que se orgulha da sua homogeneidade, se pode exemplificar esse
apontamento ao consultarmos os escritos do general Raymundo Negrão Torres6, que
nega a existência de luta armada no sul, e do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra,7
qual afirma que nesta ocasião as forças legais enfrentaram um grupo guerrilheiro.
Mas qual a motivação deste desacordo bibliográfico, que se torna aparente na
imprensa escrita da época? Seriam apenas pontos de vista diferenciados? Ou estariam os
autores legitimando ações próprias de um passado recente? Ou então, negando um fato
histórico que não é relevante para uma determinada corrente política? Estariam eles
elaborando memórias tendenciosas, como o caso do professor Silvério Schneider que
organizou em sua monografia uma exaltação ao heroísmo guerrilheiro onde seu tio fora
integrante do grupo armado? (SCHINEIDER, 2000). A questão central é: em meio às
paixões políticas e detalhes forçados ao esquecimento ou incutidos na lembrança, existe
4 Vejamos: “O Tenente Vermelho” de José Wilson da Silva, “A ditadura Envergonhada: as ilusões
armadas” de Elio Gaspari e “Onde foi que vocês enterraram nossos mortos?” de Aluizio Palmar, dentre
outras. 5 Podem ser citados: “A Grande Mentira” de Agnaldo Del Nero Augusto, “Nos Porões da Ditadura” de
Raymundo Negrão Torres e “A verdade sufocada: a história que a esquerda não quer que o Brasil
conheça” de Carlos Alberto Brilhante Ustra, dentre outras. 6 TORRES, 1998. 7 USTRA, 2006.
uma versão mais próxima da realidade histórica que podemos extrair deste fato
histórico?
Entre as controvérsias questiona-se o apoio dado por Leonel Brizola8 em relação
à “ação armada” que se findou no sudoeste do Paraná em 1965. Alguns autores o trazem
como o líder principal do movimento que após desencadeá-lo se arrependeu, deixando o
movimento do ex-coronel Cardim ser encurralada pelo exército nacional; outros apenas o
citam como conhecedor do movimento, o qual não apoiou.
Após cumprir pena, o ex-coronel Jefferson Cardim líder do movimento a ser
estudado, em entrevista concedida a Décio de Freitas na Assembléia Legislativa gaúcha
em março de 1980, declarou que a
Operação Três Passos” previa a entrada de Brizola no Brasil, a fim de
catalisar e de detonar as revoltas: ‘Acho que Brizola se acovardou, foi
uma traição, porque em seu apartamento na Praça da Independência,
em Montevidéu, selamos um pacto. Ele não cumpriu este
compromisso, que era o de derramar o sangue pelo povo brasileiro’.
[grifo nosso]. (DUMONT, 2006. Disponível em:
http://www.ternura.com.br/cardim.htm . Acesso em: 06 Out 2006).
O ex-sargento da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, Albery Vieira dos
Santos, integrante do grupo concedeu uma entrevista ao “COOJORNAL” publicada em
dezembro de 19799, na qual o militar declarava que o dinheiro para financiar a Operação
- um milhão de dólares - havia sido conseguido em Cuba e levado, até Brizola, por Darcy
Ribeiro e Paulo Schilling. Afirmou, também, sobre Brizola, que: “A traição dele
(Brizola) foi ter mandado iniciar o movimento e, depois, ter-se arrependido e não
colocar o plano em execução”. (AUGUSTO, 2002, p. 170). Brizola nunca se pronunciou
publicamente sobre o caso.
Afinal, qual a participação de Leonel de Moura Brizola neste episódio? O que o
Inquérito Policial Militar e os processos na Justiça Militar tem a nos informar sobre este
8 Brizola representou a esquerda brasileira na década de 1960 inclusive realizando alianças com diversos
grupos, no entanto não deve ser identificado como comunista, mas sim como nacional revolucionário.
(FC LEITE FILHO, 2008, p. 309). 9 GUERRILHA NO SUL: 23 homens tentam levantar o País. Coojornal. (Especial). Porto Alegre. Ano V
(47): 1979, p. 37.
http://www.ternura.com.br/cardim.htm
contraponto? O que os integrantes do movimento têm a dizer sobre isso? A Frente de
Libertação Nacional. tão sonhada união de todos os grupos de esquerdas exilados do
Brasil e reunidas no Uruguai, tem alguma participação no evento? Houve investimentos
cubanos no movimento do sul?
Existe a versão de que o ex-sargento Albery, um dos exilados mais corajosos e
radicais, procurou Brizola solicitando dinheiro para realizar a incursão armada e este não
forneceu. (SILVA, 1987, p. 170). Encontrando-se depois com o ex-coronel de artilharia
do exército Jefferson Cardim nasceu o movimento. Cardim era parente remoto de
Castelo Branco e ligado ao PCB, veterano militante de esquerda, que despertava ódio aos
militares do exército, por quebrar a ética militar em casar-se com a mulher de um
companheiro e depois se amasiar com sua enteada. (ARAUJO; CASTRO, 1997, p. 124).
Em “A ditadura envergonhada” de Elio Gaspari publicada em 2002 afirma que
Albery e Cardim começaram a se articular e mesmo sem apoio de Leonel Brizola
conseguiram juntar mil dólares, três fuzis tchecos semi-automáticos e alguns revólveres.
Conseguiram um caminhão e com vinte e três homens entraram no Brasil no dia 19 de
março de 1965. (GASPARI, 2002, p. 192). As obras publicadas pelo jornalista Elio
Gaspari representarem um grande esforço no sentido de catalogar e narrar fatos da
Ditadura Militar no Brasil, no entanto a sua confiabilidade em relação a este episódio
em especifico não é fidedigno, deparamos com uma torrente de equívocos em relação ao
comando do grupo, armamento utilizado, direção e localização do grupo quando
capturados.
Quanto à tese do “combate travado” com a tropa do Cardim também é rodeada
de incógnitas, em alguns momentos ela é apresentada para legitimar a criação
institucional do herói militar, o sargento Camargo, militar das forças regulares e única
vítima fatal deste combate. (ZATTA; RIPPEL; COSTA GAMA, 2010 e FOLHA DE
SÃO PAULLO 28 Mar 1965). Em outros momentos ela é apresentada como emboscada
para intensificar o caráter censurável e ardiloso dos guerrilheiros. (FOLHA DA
MANHÃ, Data rasurada).
Já a probabilidade do uso de tortura para fins de confissão rápida dos envolvidos,
o que teria levado o Presidente Castelo Branco desconfiar de maus tratos aos presos e
mandar instaurar novo inquérito, apresentada por Elio Gaspari10 é contestada por todos
os autores militares.11 No entanto, esta acusação está confirmada pela entrevista ao Cabo
Bener que participou da captura do grupo, que afirma ter visto os seus superiores
hierárquicos do exército e policiais chutarem o Coronel Cardim até “soltar a sola do
coturno”, também diversas sessões de escarros e arrasto pela estrada de terra.
Os noticiários da imprensa nacional no ano de 196512 apresentam um Exército
preparado e vitorioso que consegue através de uma operação coordenada em conjunto
com a Força Aérea capturar os todos os guerrilheiros em marcha. Contrário a essa
versão, em entrevista ao pasquim COOJORNAL em 1979, o Coronel Cardim e o
Sargento Albery afirmam que vários de seus subordinados na marcha se entregaram às
tropas federais sem nenhuma resistência ou dificuldade imposta. (COOJORNAL (Edição
Especial), 1979, p. 22).
Em depoimento ao mesmo jornal os ex-militares afirmam que ao serem presos
perceberam que não seriam apresentados às autoridades competentes, como descreve a
versão oficial apresentada pelo Exército. Seriam executados “pois guerrilheiro não vai
preso, guerrilheiro morre em combate!” Esta seria a ordem de execução de todos os
prisioneiros recebida pelas tropas em combate do escalão superior.
Se assevera ainda, que os integrantes do grupo não foram executados por ter sido
fotografado pela reportagem da TV Manchete junto aos militares. A imprensa cobria a
inauguração da Ponte da Amizade com um avião, que foi deslocado para acompanhar as
operações de contraguerrilha registrando o momento da prisão de alguns dos capturados.
No entanto, os radiotelegramas não registram tais ordens, tão pouco foi confirmado tal
ordem com o cabo entrevistado.
No dia 28 de março de 1965 o exército apresentou um informe para a imprensa
detalhando que os guerrilheiros marchavam em direção a cidade Foz do Iguaçu-PR, onde
seria comemorada a dita “Revolução de 31 de Março de 1964” através da inaugurando a
10 GASPARI, 2002, p. 191-196. 11 AUGUSTO, 2002; TORRES, 1998 e USTRA, 2006. 12 Considerados aqui os arquivos on-line Folha de São Paulo/Banco de Dados da Folha: Acervo de
Jornais e Diário da Manhã: recortes acondicionados no Museu Militar Tenente Camargo nas
dependências do 16º Esquadrão de Cavalaria Mecanizada em Francisco Beltrão-PR.
Ponte da Amizade.13 E que nesta oportunidade os guerrilheiros atentariam contra a
integridade física do general Presidente brasileiro, Castelo Branco. (FOLHA DE SÃO
PAULO, 28 Mar 1965). Versão que não foi confirmada pelos integrantes do movimento
em suas declarações, que asseguram estarem se deslocando pelo sudoeste paranaense em
fuga, que pela proximidade com a fronteira da Argentina almejavam evadir-se do
território brasileiro para o Parque Nacional do Iguaçu.
Retomando o que tange o único confronto armado deste episódio, que originou a
morte do Sargento Camargo, descreve a notícia da FOLHA DE SÃO PAULO em
28/03/1965 que este militar faleceu com dois tiros na perna e um no peito disparado por
uma pistola calibre .45. Ressalto ainda que não fora realizada a autópsia do corpo do
sargento, que somente o médico militar teve acesso ao corpo e não elaborou laudo
cadavérico ou relatório. Tão pouco na época havia perícia nas armas, onde tanto os
militares como o grupo comandado por Cardim possuíam armamentos de mesmo calibre.
Com base nisso, retomamos a versão não-oficial apresentada nas conversas
informais dos militares de Francisco Beltrão-Pr de que os disparos que matou o sargento
Camargo foi um tiro amigo, ou seja, um disparo acidental. Versão apresentada e
defendida em minha dissertação de mestrado defendida em 2008. (ZATTA, 2009, p.
157).
O vago relatório do Tenente Lemos, comandante do sargento Camargo na
operação, afirma que durante a emboscada houve uma intensa troca de tiros, diversos
disparos para todos os lados. Expõe-se assim:
deparamos com um indivíduo, vestindo o 5° uniforme de oficial do
Exército, sem túnica, portando na cintura uma pistola e na mão
direita, segurando ao longo da perna, uma arma grande. Não pude
notar se era uma metralhadora ou um mosquetão... deviam ser então
11:00 horas14...A viatura parou mais ou menos 10 metros do
indivíduo [...] Concomitantemente os primeiros tiros foram
disparados contra o caminhão ainda com alguns soldados se
movimentando para abandona-lo.Comandei então:-“ Fogo à
vontade”...primeiros momentos foram de confusão. Acalmamos os
homens e gritamos que permanecessem aonde estavam instalados as
13 Solenidade conjunta com o ditador paraguaio, general Alfredo Stroessner. 14 Manhã do dia 27 de março de 1965.
duas margens da estrada... durante o tiroteio perdi contato com os
Sgt...Calculei que estivessem camuflados na mata [...]15
A versão de confusão também foi confirmada pela entrevista do Cabo Bener que
se encontrava em cima do caminhão que o sargento Camargo trafegava, onde
conseqüentemente foi assassinado.
Em 2008 durante a exumação dos restos mortais do sargento Camargo, fora
registrado pelo fotógrafo do 16º Esquadrão de Cavalaria, o terceiro sargento João Olivo,
que em um fêmur havia marca de projétil pertencente a uma arma de calibre menor. Fato
que aponta que o falecido militar foi atingido pelas costas. Teria sido o sargento
Camargo, “herói” militar das operações de contraguerrilha de 1965, morto pelos próprios
companheiros?
Outro detalhe que merece atenção deste episódio histórico é a promoção post-
mortem do sargento Camargo. Por ordem do Ministro da Guerra, o general Artur da
Costa e Silva, Camargo foi promovido post-mortem ao posto de segundo-tenente.
(ZATTA, 2009, 307). Esta espécie de promoção ocorre quando um militar morre em
combate ou em exercício de sua função, sendo promovido ao posto ou graduação
subseqüente a aquela que exerce. Ou seja, o terceiro-sargento Camargo deveria ser
promovido ao posto de segundo-sargento.
Então, por que após a morte este praça fora promovido ao quadro de oficial do
exército brasileiro? Houve uma supervalorização deste episódio? Ou o exército não
pretendia eternizar um graduado/praça como “herói” da luta contra a sublevação,
subversão e/ou comunismo? Notamos que no período havia sérias divergências entre o
quadro dos praças com o dos oficiais das Forças Armadas, a Revolta dos Marinheiros e o
Comício do Automóvel Clube foram apontados como quebra da hierarquia militar em
1964, algo sagrado para os militares, e a sua seqüente anistia pelo presidente João
Goulart é lembrado como um dos motivos do Golpe de 1964. (USTRA, 2006, p. 127).
15 RELATÓRIO DAS OPERAÇÕES DO 1º PELOTÃO DE INFANTARIA DA 1ª COMPANHIA, com
sede em Francisco Beltrão-PR, escrito e assinado por seu comandante, o 1º Tenente Juvêncio Saldanha
Lemos. Este relatório descreve detalhes não tão precisos do combate que se desencadeou nas
proximidades da cidade de Capitão Leônidas Marques, as tropas envolvidas, a morte do Sargento Carlos
Argemiro de Camargo e a prisão dos guerrilheiros.
Quanto ao assassinato misterioso do sargento Albery no oeste paranaense em
fevereiro de 1979 também há contrapontos. De acordo com a denúncia da Revista Istoé
na reportagem intitulada “Os Matadores”, após ter sido preso em 1965 no sudoeste
paranaense por ocasião da guerrilha do coronel Cardim ele teria se tornado informante
do Governo Militar infiltrado na Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Foi o
responsável por atrair militantes para uma área de guerrilha fictícia na zona rural de
Medianeira-PR. (JUNIOR, 2004, p. 26). Seu assassinado de forma pouca esclarecia em
1979 aponta indícios que teria sido morto como queima de arquivo por um órgão não-
oficial do Governo Militar em atividade em pleno período democrático. (PALMAR,
2006). Obviamente o exército nega a existência de qualquer grupo de extermínio/limpeza
política!
Algo que também tem remexido o passado do Regime Militar no Brasil são as
indenizações paga as famílias das vitimas da Ditadura Militar. (FICO, 2004). O grupo
do coronel Cardim realmente receberam altas indenizações pagas pelo Governo
brasileiro como foram acusados pelos militares? Autores de direita se dizem
injustiçados ao ver pagas altas indenizações aos ditos subversivos, Ustra (2006) afirma
que a família de Albery recebeu através da Comissão de Desaparecidos Políticos uma
indenização de R$ 419.500,00 e a sua esposa, a viúva Iloni Schnetz dos Santos, recebe
mensalmente R$ 7.300,00 de pensão. (USTRA, 2006, p. 147).
Sabemos através de contato com o setor de pagamento do exército que a viúva
do sargento Camargo, Maria da Penha Correa Soares de Camargo recebe o soldo de 2º
sargento aproximadamente à R$ 2.800,00 contando com algumas gratificações sua
pensão aproximam-se de R$ 3.500,00. O fato é que independente da corrente política
defendida, o povo brasileiro paga caro pelas ações extremistas do passado recente.
Considerações finais
A intenção desta comunicação é apresentar algumas controvérsias, contrapontos,
discordâncias e desacordos que rondam o caso do movimento do coronel Cardim, o que
impediram até o momento, a elaboração de uma versão aceita como verdade histórica
do episódio. Pensa-se em elaborar uma futura pesquisa sobre o tema com fontes oficiais
militares inéditas e caráter reservado, sigiloso e secreto, se avigorando avaliar os atores
e acontecimentos deste fato extremamente marcante, mas tão pouco estudado pela
História recente do nosso país.
REFERÊNCIAS BIBLIGRÁFICAS
AUGUSTO, Agnaldo Del Nero. A grande mentira. Rio de Janeiro: Bibliex Editora,
2002.
BANCO DE DADOS DA FOLHA,
http://almanaque.folha.uol.com.br/brasil_29mar1965.htm. Acesso em: 7/01/2007 as
21hrs30min.
BARROS, José D’Assunção. O Projeto de Pesquisa em História: da escolha do tema ao
quadro teórico. Petrópolis: Editora Vozes, 2005.
DUMONT, F. Recordando a História: Jeffersom Cardim e as escaramuças das forças
armadas de libertação Nacional (FALN). Disponível em:
http://www.ternuma.com.br/ternuma/index.php?open=20&data=278&tipo=5 . Acesso
em: 29 Ago 2011.
FC LEITE FILHO. El Caudillo Leonel Brizola: um perfil biográfico. São Paulo:
Aquariana, 2008.
FIGUEIREDO, Argelina Cheibud. Democracia ou reformas: alternativas democráticas
à crise política, 1961-1964, São Paulo: Paz e Terra, 1993, p. 202.
FICO, Carlos. Além do Golpe: Versões e controvérsias sobre 1964 e a Ditadura
Militar. Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Record, 2004.
______. Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar. In: Revista Brasileira
de História. São Paulo. v. 24. nº 47, p. 29-60 – 2004.
______. Reinventando o Otimismo: Ditadura, propaganda e imaginário social no
Brasil. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1997.
FIGUEIREDO, Argelina Cheibud. Democracia ou reformas; alternativas democráticas
à crise política, 1961-1964, São Paulo: Paz e Terra, 2002.
GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. São Paulo: Cia das Letras, 2002.
GUERRILHA NO SUL: 23 homens tentam levantar o País. Coojornal. (Especial).
Porto Alegre. Ano V(47): 1979.
http://almanaque.folha.uol.com.br/brasil_29mar1965.htmhttp://www.ternuma.com.br/ternuma/index.php?open=20&data=278&tipo=5
HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos: o breve século XX 1914-1991. São Paulo:
Cia das Letras, 1995.
KOSSOI, Boris. Fotografia e História. 2. Ed. São Paulo> Ateliê, 2001.
JÚNIOR, Amaury Ribeiro. Os matadores. Revista Istoé. Nº 798, 24/03/2004.
LINDSAY, Franklin. Guerra Irregular. Military Review. Forte Leavenworth. Edição
Brasileira. Junho de 1962.
NASCIMENTO, Durbens Martins. Guerrilha no Brasil: uma crítica à tese do “suicídio
revolucionário em voga nos anos 80 e 90”. In: Revista Cantareira. Rio de Janeiro. v. 1.
n.5. Ano 02 Abr-Ago – 2004.
PALMAR, Aluizio. Onde foi que vocês enterraram nossos mortos? Curitiba: Travessa
dos Editores, 2006.
SILVA, José Wilson. O tenente vermelho. Porto Alegre: Tchê! Editores, 1987.
SILVEIRA, Norberto da. Reportagem da Legalidade 1961/1991. Porto Alegre: NS
Assessoria em Comunicação Ltda, 1991.
TAVARES, Flávio. Memórias do esquecimento: os segredos dos porões da ditadura.
Rio de Janeiro: Record, 2001.
THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. 2ed. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
TORRES, Raymundo Negrão. Nos Porões da Ditadura. Curitiba: Expressão e Cultura,
1998.
USTRA, Carlos Alberto Brilhante. A verdade sufocada: a história que a esquerda não
quer que o Brasil conheça. Brasília: Editora Ser, 2006.
VILLA, Marco Antônio. Jango: um perfil (1945-1964). São Paulo: Globo, 2004.
ZATTA, Ronaldo. Sentinelas do Sudoeste: o Exército brasileiro na fronteira
paranaense. Dissertação de Mestrado, UPF, 2009.
______. Tenente Camargo: a institucionalização de um “herói” militar. In: Cadernos do
CEOM. Políticas Públicas: memórias e experiência. N. 30, UNOCHAPECÓ, 2009, p.
295-315.
ZATTA, Ronaldo; RIPPEL, Leomar; COSTA GAMA, Josué da. Tenente Camargo:
estudos de memória sobre a institucionalização de um “herói” militar. Francisco
Beltrão: Grafisul, 2010.