O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Produção Didático-Pedagógica
Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE
VOLU
ME I
I
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
DHI DHI DHI DHI
DEPARTAMENTO DE
HISTÓRIA
Maria Marlene da Silva Borsari
Orientador
Itamar Flávio da Silveira
PRODUÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA
A ÁFRICA ATRAVÉS DA FILMOGRAFIA
Maringá - PR
2010
“Hoje é pobre, mas não porque lhe tenham tirado tudo, sim pela recusa de tudo. Que lhe importa?! Está habituado a encontrar. Os pobres compreendem mal sua voluntária pobreza” (Friedrich Nietzsche).
“Todas as misérias verdadeiras são interiores e causadas por nós mesmos. Erradamente, julgamos que elas vêm de fora, mas nós é que as formamos dentro de nós, com a nossa própria substância” (Anatole France).
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PRODUÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA
NRE: Cianorte Professora PDE: Maria Marlene da Silva Borsari Escola: Colégio Estadual Marechal Costa e Silva – Ensino Fund. e Médio Município: Cidade Gaúcha Disciplina: Geografia Tema: A História da África Título: A África Através da Filmografia Email: [email protected] Fone residencial: 44-3675-1635
Este projeto será desenvolvido no:
COLÉGIO ESTADUAL MARECHAL COSTA E SILVA
ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO.
CIDADE GAÚCHA – PARANÁ
2010
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ......................................................................................................... 04
INTRODUÇÃO............................................................................................................... 05
HISTÓRIA E CINEMA.................................................................................................... 07
TRÁFICO DE ESCRAVOS (DOCUMENTÁRIO)............................................................ 09
AMOR SEM FRONTEIRAS ............................................................................................10
LÁGRIMAS DO SOL.......................................................................................................11
DIAMANTE DE SANGUE................................................................................................12
O SENHOR DAS ARMAS ..............................................................................................14
HOTEL RUANDA ...........................................................................................................15
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................................................17
REFERÊNCIAS ............................................................................................................18
REFERÊNCIAS CINEMATOGRÁFICAS ......................................................................19
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APRESENTAÇÃO
Quem busca uma forma mais didática para trabalhar os obrigatórios conteúdos de Cultura
Africana e História da África encontrará em A África Através da Filmografia uma interessante
alternativa. Podemos dizer que este trabalho tem dois grandes objetivos. O primeiro é mostrar a
História Africana por um olhar diferente. É uma abordagem que destoa da perspectiva que
geralmente é apresentada pelos materiais didáticos das áreas de Ciências Humanas, que sempre
responsabilizam as nações mais desenvolvidas pelas mazelas que afligem aquele continente. O
segundo aspecto, também muito interessante, é a utilização da filmografia produzida
comercialmente, e de boa qualidade, para trabalhar conteúdos que fazem parte das Diretrizes
Curriculares Nacionais. Lembrando que os professores hoje são carentes de bibliografia
disponível que versam sobre o assunto.
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INTRODUÇÃO
A África corresponde a 20,1% das terras do globo, possuindo 30.210.372
quilômetros quadrados e colocando-se em terceiro lugar quanto à extensão continental
do planeta, atrás apenas da Ásia e das Américas. Possui cerca de um sétimo da
população do mundial, aproximadamente 900 milhões de pessoas que estão divididas
em um total de 53 países ou Estados, marcados por milhares de conflitos étnicos,
religiosos, políticos e econômicos. Recentemente prevista em lei como disciplina
obrigatória nas grades curriculares nacionais, sua história é hoje um conteúdo
obrigatório no ensino fundamental e médio no Brasil. Contudo, ainda são poucas as
alternativas viáveis disponíveis para estudarmos aquele continente.
Em quase todas as análises que abordam a dramática situação do continente
africano, habitualmente visto como sofrido e humilhado, a responsabilidade pela sua
tragédia é sempre atribuída, seja no passado, ou até os dias hoje, à exploração das
potências ocidentais e à falta de união ou colaboração dos Estados mais ricos do
mundo, no sentido de ajudar a África a superar suas precárias condições políticas,
econômicas e sociais. Ou seja, são extremamente raras as opiniões que atribuem aos
valores culturais e internos africanos a responsabilidade por seus conflitos, pela fome e
pela falta de desenvolvimento que assola aquele povo.
Quando analisamos os países que tiveram sucesso econômico, sempre nos
deparamos com valores que parecem incomuns aos Estados africanos, onde, e apesar
de tudo, o maior número dos analistas insiste em poupar a cultura africana das críticas
e naturalmente, como responsável por suas próprias mazelas. Pelo contrário, nas
análises em relação aos países ocidentais, estes são quase sempre censurados por
darem pouco valor à cultura da “mama” África. Mas, o que será que a África teria
realmente a nos ensinar? Será que seus valores políticos, religiosos e humanos
poderiam ser adotados pelos países ocidentais?
Em um período em que se debatem políticas como os sistemas de cotas,
diversificados tipos de ajuda aos “menos favorecidos” histórica e socialmente, um
período em que, quase ad infinitum, nos deparamos com argumentos destacando que
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“os afros-descendentes são vítimas de discriminações nos países fora da África”,
ficamos imaginando qual seria a real condição de vida daqueles afros-descendentes se
eles tivessem permanecido em Ruanda, por exemplo? Ou em Estados assolados por
uma série de atrocidades como Libéria, Serra Leoa, Nigéria ou Etiópia?
Nesse trabalho procuramos fornecer algumas das respostas a estas questões,
entender um pouco mais sobre as causas da pobreza e moléstias africanas. Entretanto,
propomos um estudo da África através da filmografia. Isso devido ao fato de que, não
só os filmes consistem em uma forma muito interessante de chamar a atenção dos
alunos para refletirem sobre o continente mais pobre do planeta, mas também, por ser
uma forma que vai ao encontro de um hábito que eles tanto gostam de fazer: assistir
filmes.
Nesse aspecto, por se tratar de um tema até então pouco estudado, nosso
trabalho terá de partir de uma premissa bastante peculiar. Pelo fato da nossa fonte de
estudos serem os filmes, preferencialmente os produzidos por diretores hollywoodianos,
o desenvolvimento do projeto terá uma dinâmica específica. Procedemos à escolha de
seis filmes, onde praticamente em nada, contribuirá retomar toda a literatura a respeito
da África. Nosso ponto de partida é exatamente os filmes, que indiscutivelmente, são
uma riquíssima fonte de informação.
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HISTÓRIA E CINEMA
Nas palavras de Marco Napolitano, o cinema pode ser considerado uma “nova”
linguagem centenária, pois ainda que tenha completado cem anos em 1995, a escola o
teria descoberto apenas tardiamente. Para o autor, isso significa que o cinema não foi
pensado, desde seus primórdios, como um elemento educativo (NAPOLITANO, 2006,
p. 11). Também, para Milton José de Almeida, o cinema não seria só uma matéria para
a fruição e a inteligência das emoções; ele seria, igualmente, matéria para inteligência
do conhecimento e para educação (ALMEIDA, 1993, p. 137).
Neste sentido, podemos perceber que a utilização de filmes como recurso
didático é extremamente importante, mesmo quando uma obra não tenha sido
produzida com fins estritamente didáticos ou educacionais. É necessário, por isso
mesmo, estarmos atentos para estes conteúdos, valorizarmos sua utilização.
Napolitano (2006, p. 12), argumenta que
analisar e discutir obras que não foram produzidas diretamente para o uso didático em sala de aula, mas para a fruição estética na sala de projeção. Obras que foram produzidas para a chamada “película” de filme e depois convertidas para o formato VHS ou DVD (...) trabalhar com o cinema em sala de aula é ajudar a escola a reencontrar a cultura ao mesmo tempo cotidiana e elevada, pois o cinema é o campo no qual a estética, o lazer, a ideologia e os valores sociais mais amplos são sintetizados numa mesma obra de arte.
Também concordamos com Marc Ferro, para quem no filme, a câmera revela
seu funcionamento real, diz mais sobre cada um do que seria desejável mostrar,
desvendando os segredos, apresentando o avesso de uma sociedade, seus lapsos,
atingindo suas estruturas. Para o autor, o filme, imagem ou não da realidade,
documento ou ficção, intriga autêntica ou pura invenção, é História (FERRO, 1992, p.
86).
Pois bem, ainda é importante pensar que um filme, educativo ou não, é sempre
uma obra produzida com um propósito político e ideológico e, evidentemente, não se
trata de algo neutro. Quando falamos especificamente de filmes comerciais, temos que
considerar que existe nele um interesse de mercado que a obra tem que alcançar para
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poder ressarcir seus profissionais e financiadores. Kátia Pereira Helena (2007, p. 17),
lembra que
no ato criador da imagem, são postos em cena os elementos conhecidos pelo sujeito que cria. Ao criar, ele os transforma em algo novo que adquire significado na obra produzida. Como um jogo, o criador transforma o percebido em linguagem plástica e reconstrói a forma, dando-lhe significado.
Por fim, não desconhecemos a vasta bibliografia que se ocupa do assunto e que
também é muito importante para discussão da filmografia, tal como, as observações de
Danielle Heberle Viegas, em seu artigo África como pretexto: um ensaio de História &
Cinema:
A pergunta mais freqüente feita em relação ao trabalho com filmes é paralela a sua justificativa. É através dela que iniciamos esse texto: Afinal, por que pesquisar as relações entre cinema e pesquisa historiográfica? Fábrica de sonhos e fantasias, instrumento de poder, difusor ideológico, o cinema foi reconhecido por Walter Benjamin (1985), já na década de 1930, como um agente da história, refletindo e fazendo refletir dinâmicas sociais a partir das telas (VIEGAS, 2009, p. 35).
Feitas estas considerações, vamos iniciar o projeto, a partir da análise da própria
filmografia. Partiremos de um conjunto de filmes que abordam os conflitos africanos.
Pois, sempre quando pensamos na utilização dos chamados filmes não educativos,
fazemos a escolha de um conjunto de vídeos e pensamos na temática que será
abordada, visando dar conta do conteúdo que queremos abranger. Como argumenta
Carlos Alberto Vesentini:
Em primeiro lugar, pensou-se o conjunto do curso a ser oferecido e em sua temática, procurou-se uma relação de filmes que se relacionam com a mesma. Neste sentido, são experiências em que a fita se localiza dentro de um curso e de uma temática específica (In: BITTENCOURT, 1997, p. 163).
É através da análise de seis filmes que remontam à temática escolhida que
construiremos nossos resultados, mostrando uma leitura alternativa da História da
África e da natureza dos conflitos africanos.
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TRÁFICO DE ESCRAVOS (DOCUMENTÁRIO)
Produzido por Steven Allan Spielberg, no ano de 1997, e tomando por base uma
estimativa de que entre os séculos XVI e XIX cerca de 12 milhões de africanos
atravessaram o Atlântico para servirem como escravos (o que representaria a maior e
mais longa migração forçada da História), o documentário propõe duas questões
extremamente claras: como os africanos caíram nas mãos dos europeus? E seriam os
europeus os culpados?
Desmanchando o discurso da supremacia da pólvora e canhões dos europeus, a
análise do material nos permite uma abordagem em que o tráfico de escravos aparece
claramente provido pelas guerras intertribais na África e contando com a participação
maciça das mesmas. As tribos mais fortes aprisionavam e vendiam os mais fracos para
traficantes de escravos, onde o equilíbrio de poder, indiscutivelmente, passava pelo
conhecimento e apoio dos governantes africanos. Apoiado por fontes e historiadores
locais, diferentemente de uma visão tradicionalista, o material aborda a impossibilidade
de ação européia sem a colaboração africana. Aqui, a África, descrita até mesmo como
um “cemitério de brancos” ─ devido aos perigos enfrentados pelos traficantes europeus
em territórios africanos ─ é revelada no primitivismo de sua cultura interna da
escravidão; que como um resultado cultural e histórico, não era algo novo no continente
africano, nem mesmo, a exportação de escravos.
Nas informações levantadas por Spielberg, muito antes da chegada dos
europeus, os africanos já eram escravizados em suas próprias guerras internas e
levados através do Saara. Neste local, o comércio de escravos fornecia indivíduos para
sulcar poços, servir como eunucos árabes e mulheres para exploração sexual e
reprodução. Através de mercados como o de Salaga, em Gana, que chegavam a contar
com mercadores profissionais, teria chego a passar cerca de três milhões africanos,
que não só atenderam a uma demanda interna de escravos, mas teriam fortalecido e
tornado possível o cenário do tráfico que, com os europeus, teria se espalhado pela
costa ocidental da África.
Deste modo, a análise mais atenta ao chamado “castelo do tráfico”, também
revela o desconhecimento dos traficantes europeus quanto ao interior do continente
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africano. Pois, encastelados nas costas da África e em navios, não precisavam adentrar
o território. Eram os próprios africanos que traziam os seus prisioneiros e os trocavam
por gim, rum, roupas, pólvora, canhões e outros diversos tipos de armas. Neste
contexto, a própria abolição do tráfico de escravos pela Grã-Bretanha em 1807, seguida
gradativamente por outros países europeus, teria sido motivo de uma série de protestos
por parte de governantes negros contra a decisão. Fechado somente em 1906, durante
muito tempo o mercado do tráfico de escravos havia servido para o funcionamento à
economia da África ocidental, empregando produtores africanos que forneciam
alimentos, canoeiros e uma grande cadeia de trabalhadores envolvidos no processo.
A essas informações, poderíamos acrescentar fontes como os escritos de D.
José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho, que em sua Concordância das leis de
Portugal e das bulas pontifícias: das quais umas permitem a escravidão dos pretos da
África e outras proíbem a escravidão dos índios do Brasil nos diz:
Os portugueses que primeiro descobriram a costa de Guiné já acharam muitas nações com algum gênero de governo, obediência e subordinação, comércio e agricultura, entre as quais já também se achava introduzida a escravidão: ou dos vencidos na guerra ou dos réis de certos crimes capitais. De tal sorte que, querendo eles comprar aos portugueses alguns gêneros de que eles necessitavam, ofereceram em troca a permutação alguns de seus escravos que, vindo para Portugal, foram comprados por aqueles que de seus serviços precisavam (AZEREDO COUTINHO, 1988, p. 20).
Em suma, Tráfico de Escravos, revela como a escravidão era um aspecto da
vida africana, de conhecimento geral, e em que todas as tribos estavam envolvidas no
tráfico. Como nos diz o documentário, “o tráfico uniu europeus e africanos”, pois, sem a
ajuda negra, este jamais teria sido tão fácil. Mostrada como fator cultural, social e
interno muito antes ao comércio de escravos com europeus, a escravidão não era, na
África, nenhuma novidade.
AMOR SEM FRONTEIRAS
“Fome e morte estão por toda parte”. A frase, pronunciada no filme Amor sem
fronteiras, de Martin Campbell, produzido em 2003, parece retratar bem a situação de
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um dos países onde atua Nick Callahan (Clive Owen), um médico que se dedica à
ajuda humanitária na África e diversos países assolados por diversos conflitos sociais e
políticos como Camboja e Chechenia. Passando um retrato da Etiópia, a causa de
Callahan acaba por chocar Sarah Jordan (Angelina Jolie), uma socialite que decide se
unir à causa do médico. Arrecadando fundos próprios, Sarah vai pessoalmente à
Etiópia levar mantimentos e vacinas para a comunidade de Callahan, onde se depara
com a dura realidade etíope.
No filme, o país assolado pela guerra e pela seca, revela uma realidade
permeada pela falta de vacinas e onde doenças a muito, praticamente esquecidas em
países desenvolvidos, como sarampo e cólera; continuam a causar um alto índice de
mortalidade. A comunidade ajudada e sustentada por Nick na Etiópia se transforma
assim, no retrato da realidade de boa parcela da população africana, onde a
persistência da fome ou subnutrição crônica e a falta de políticas públicas não só na
área de saúde, mas sociais em geral, causam alto grau de mortalidade.
Segundo o Relatório do desenvolvimento humano de 2000, a Etiópia possui uma
expectativa de vida de 44,5 anos, um índice de mortalidade infantil de 114 entre mil
nascidos vivos, além de uma taxa de analfabetismo entre adultos de 61,6%. Em Amor
sem fronteiras, essa realidade aparece ainda mais clara, pois não só o governo africano
negligencia ajuda ao grupo de Nick, mas também, poderíamos refletir como as
chamadas ajudas humanitárias estrangeiras aos países africanos parecem minguar o
surgimento de um mercado produtor interno, principalmente de alimentos. Esse aspecto
torna-se pertinente quando, como mostrado no filme, grande parte dos produtos de
ajuda enviados à África por países estrangeiros acaba usurpado por facções criminosas
na luta pelo poder. Facções essas, em nada engajados para o desenvolvimento ou
resolução dos problemas internos de sua própria população.
LÁGRIMAS DO SOL
Produzido em 2003 por Antonie Fuqua e tendo como cenário a Nigéria, o tenente
da marinha americana A. K. Waters (Bruce Willis), juntamente com seu esquadrão tem
de resgatar a Dra. Lena F. Kendricks, norte-americana por casamento e colaboradora
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da ajuda internacional, que acaba refugiada em uma missão católica em local distante.
Contudo, a Dra. Kendricks se recusa a partir a menos que ele prometa ajudar os
aldeões a conseguirem asilo político na fronteira mais próxima. Pois, se eles forem
deixados para trás, estarão à mercê de um enorme exército rebelde.
Atrás da roupagem da coragem do tenente Waters e seus soldados, o filme de
Fuqua acaba por revelar vários aspectos da vida nigeriana, um país bastante populoso
e com mais de 250 grupos étnicos. Com o violento golpe de Estado orquestrado pelo
general Mustafa Yakubu, que derrubou o governo democrático do Presidente Samuel
Azuka, o país mergulha em um verdadeiro oceano de conflitos étnicos e religiosos,
marcado por batalhas curtas, cruéis e traços da disputa de um importante recurso
natural nigeriano, o petróleo.
Em uma das cenas mais impressionantes do filme, os soldados do tenente
Waters, tentando salvar uma população sendo dizimada, encontram uma mãe com seu
filho do lado e que tinha tido os dois seios arrancados. Essa seria uma das
características do conflito nigeriano, onde soldados das milícias, envolvidos nos
massacres de limpeza étnica, cortam os seios das mães para que não amamentem
seus filhos. Essas atrocidades, encontradas em vários dos conflitos africanos, parecem
dizer muito sobre um mundo onde não só o serviço pela morte está habitualmente
disseminado, mas ainda parece adquirir deliberadamente, um alto grau de sadismo.
Neste sentido, Lágrimas do sol nos mostra um dos traços que tem sido bastante
característico em diversos países africanos e não apenas na Nigéria: as infinitas
guerras tribais, étnicas e religiosas que tem dizimado milhares de pessoas na África e,
inevitavelmente, prejudicado sua economia. Rapidamente, valores fundamentais para a
prosperidade e o mantimento de um equilíbrio de paz, tais como a tolerância e a
liberdade de escolha, tão observados em países com maior grau de desenvolvimento,
aparecem absolutamente ausentes em países africanos e como no caso nigeriano,
relatado no filme de Fuqua.
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DIAMANTE DE SANGUE
Em Blood Diamond, do diretor Edward Zwiek (2006), encontramos uma
referência ao caos e a guerra civil que dominou Serra Leoa na década de 1990, como
uma verdadeira epidemia pelo controle das minas de diamantes. No conflito, milhares
de pessoas acabaram morrendo ou sendo refugiados, onde a dinâmica de um comércio
bilionário, como o de diamantes, é rapidamente traduzida na expressão: “na América
são diamantes, mas aqui, levam à morte”.
No filme, esse pano de fundo se desenvolve sobre a vida de dois africanos com
histórias totalmente diferentes, um é Danny Archer (Leonardo DiCaprio), um ex-
mercenário do Zimbábue, e outro, Solomon Vandy (Djimon Hounsou), um pescador da
etnia Mende. Solomon, arrancado de seu lar e de sua família pela FRU (Frente
Revolucionária Unida), forçado a trabalhar nas minas de diamante, acaba encontrando
uma pedra muito rara, que resolve esconder ─ apesar de todos os riscos─ pois
sabendo de seu imenso valor, pretende utilizá-la para poupar sua família de uma vida
de refugiados e libertar seu filho, recrutado como soldado infantil pela FRU.
Já Archer, que vivia da troca de diamantes por armas, fica sabendo durante uma
passagem pela prisão por contrabando, da pedra escondida por Salomon, e resolve
buscá-la, sabendo de seu imenso valor e como ela poderia tirá-lo daquela condição de
vida na África. Logo aparece Maddy Bowen (Jennifer Connelly), uma jornalista
americana idealista que está em Serra Leoa para desvendar a verdade por trás dos
diamantes de sangue e pretende utilizar a Archer como fonte para seu artigo.
Deste modo, além das “aventuras” vividas pelo três para recuperar a pedra e
resgatar os familiares de Solomon, em Diamante de Sangue percebemos como o
comércio destas valiosas pedras de Serra Leoa, estipulado em cerca dois bilhões de
dólares, é desviado através do contrabando para a exportação por países vizinhos,
como a Libéria (não produtora de diamantes). Quanto ao comércio das pedras, em sua
grande maioria acaba sendo realizado através de armas por diamantes, que não só
parecem ser a única moeda aceitável, mas acabam responsáveis por financiar grupos
de milícias que edificam as guerras e massacres civis.
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Serra Leoa, segundo os dados do Relatório do desenvolvimento humano de
2000, possui uma expectativa de vida de 37,9 anos, com 63% da população analfabeta
e um índice de mortalidade infantil absolutamente gritante, 182 para cada mil crianças
nascidas vivas. Não diferentemente de outros países africanos detentores de
importantes recursos naturais, a luta por seus diamantes reflete outro capítulo de
histórias como a do ouro, marfim, petróleo e borracha. Esses produtos, sem dúvida,
geradores de riqueza, acabam utilizados para financiar guerrilhas como a FRU e gastos
desproporcionais em armamentos. A história de Serra Leoa é assim, um bom exemplo
de como em solo africano valores como a propriedade privada, a competência e a
liberdade dos membros da sociedade para empreender é praticamente inexistente.
Na África, ainda existem cerca de 200 mil soldados infantis, onde poderíamos
resumir boa parte de seus valores acumulados ao longo dos séculos, na frase de duas
personagens de Blood Diamond. Em “o governo é ruim, os rebeldes pior”, pronunciada
pela jornalista Maddy, e “espero que não achem petróleo aqui, ai teremos problemas de
verdade”, dita por um morador refugiado quando encontrado por Solomon e Danny.
Duras realidades que traduzem a triste metáfora tão citada por este último no filme, a
famosa EEAA, ou, “esta é a África”.
O SENHOR DAS ARMAS
O mesmo contexto acima descrito, continua na história de Yuri Orlov (Nicolas
Cage), um traficante de armas que realiza negócios nos mais variados locais do planeta
e com alguns dos seus mais famosos ditadores, enquanto luta para estar sempre na
dianteira de um agente da Interpol, Jack Valentine (Ethan Hawke). Com Yuri
constantemente negociando em zonas de perigosas guerras, está montada a trama de
O senhor das Armas, produzido por Andrew Niccol, em 2005.
Conseqüentemente, o principal mercado de Yuri acaba sendo a África, um
paraíso para os traficantes de armas, pois chegou a ter 11 conflitos envolvendo 32
países, em menos de uma década. Coincidentemente, Yuri negociava em países como
Costa do marfim, Libéria e Serra Leoa, onde acabava, como já vimos acima, recebendo
pagamentos com os chamados diamantes de sangue.
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O filme, focado em grande parte de seu progresso nas vendas de Yuri com o
presidente André Baptiste da Libéria, nos proporciona um excelente retrato de um país
africano criado para abrigar escravos americanos libertos e que tem sido escravizado
por ditadores. Baptiste, famoso por amputar pernas e braços e de seus adversários,
torna-se, assim, um exemplo da política de diversos países africanos, resumida em
“uma campanha incansável de sadismo e violência impiedosa”.
Os diamantes do governo, financiados à custa de lastimáveis massacres de uma
população faminta e utilizados na compra de armas, são sintetizados em uma chocante
frase pronunciada por Baptiste, que no filme declara: “que ninguém pode deter esse
banho de sangue”. Entre outras coisas, essa dinâmica social demonstrada por Andrew
Niccol, descreve o que ditadores desta espécie, assumem como governos
“democráticos” em território africano.
A África torna-se, assim, um território, onde, como descreve Yuri, “todas as
facções adotam um nome nobre”. “Libertação disso, patriótica de lá, república
democrática daquilo”. Isso, por não poderem utilizar o nome do que realmente
costumam ser: “Federação de Opressores Piores do que o último Governo”, visto que,
como abrevia muito bem o bem sucedido traficante de armas, “as piores atrocidades
aconteciam quando ambos os lados diziam ser guerreiros da liberdade”.
HOTEL RUANDA
Produzido por Terry George em 2004, o filme retrata os conflitos entre hutus e
tutsis em 1994, duas das principais etnias que habitam Ruanda, e que em Kagali,
capital do país, foi palco de um verdadeiro genocídio civil. Paul Rosesabagina (Don
Cheadle) é o gerente do Hotel Des Mille Collines, que durante o conflito abrigou cerca
1200 tutsis e hutus refugiados.
“Política é poder e dinheiro”. A frase pronunciada por George Rutanga, líder da
milícia Interahamwe (hutu), poderia relatar alguns dos motivos que levaram à morte de
quase um milhão de pessoas. No filme, o jornalista Benedict, que seria o melhor
jornalista de Kigali, relata que as diferenças entre hutus e tutsis teriam começado pelos
colonizadores belgas, que criando a divisão por meio de medidas praticamente
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eugênicas, teriam utilizado os tutsis para governar o país. Quando os belgas se foram,
teriam deixado o poder para os hutus, que resolveram se vingar dos elitistas tutsis por anos de
opressão. Neste sentido, Ruanda é vista como a terra dos hutus, e Paul (ele mesmo hutu) se vê
a margem de muitos esforços para defender, inclusive, sua esposa, uma tutsi.
Em meio a este conflito étnico, logicamente não distante à briga pela tomada do poder,
Hotel Ruanda é um exemplo de como pessoas como Paul, acabam sendo uma das poucas
alternativas para um país em que o sistema político, que deveria garantir a liberdade e
segurança dos seus cidadãos, parco por natureza e desmantelado em meio a conflitos étnicos,
acarreta em horripilantes genocídios sociais. Em uma cena discreta, mas marcante, um repórter
estrangeiro ao indagar duas mulheres no saguão do Mille Collines sobre qual grupo étnico
pertenciam; é surpreendido pela resposta de uma delas: ser tutsi e a outra hutu, a que responde
com impressionante: mas, “podiam ser gêmeas”.
Resultando na morte de milhares de pessoas ─ incluindo uma infinidade de
crianças tutsis, com o fim de eliminar a nova geração─ o genocídio em Ruanda
somente acabou em julho de 1994, quando os rebeldes tutsis conseguiram levar o
exército hutu e a milícia Interahamwe ao Congo. O general do exército, Augustin
Bizimungo, acabou capturado na Angola e levado ao tribunal de Crimes de Guerra da
ONU, na Tanzânia, onde o líder da milícia Interahamwe, George Rutanga, foi
condenado à prisão perpétua.
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CONCLUSÃO
Através da análise dos filmes, continuamos a pensar em quais seriam realmente
as condições de vida e material daqueles afros-descendentes se eles ainda hoje
habitassem países como Ruanda, Etiópia, Serra Leoa, Nigéria ou Libéria? Quais dos
valores africanos ─ tão duramente criticados por seu ostracismo em países estrangeiros
─ não são, realmente, as causas de suas mazelas? O que será que a África tem a nos
ensinar? Seus valores culturais, sociais, políticos, religiosos e humanos podem ser
adotados pelos países ocidentais?
A comissão independente sobre Assuntos Humanitários (formada com base em
uma proposta da Assembléia das Nações Unidas) apresentou dados informando que
em 1970 a fome e desnutrição eram o estado normal de saúde de 80 milhões de
africanos; em 1985 o número havia aumentado para 100 milhões. A África continua
sendo um continente onde as guerras intertribais pelo poder têm dizimado milhares de
pessoas e a prejudicar sua economia. O continente possui 90% dos casos de malária
do mundo e 70% dos de AIDS ocorrem na África subsaariana. Isso, somado a uma
infinidade de outras epidemias ou doenças que assolam grande parcela da população
africana.
Nas palavras de Friedrich A. Von Hayek (ganhador do Prêmio Nobel de
economia, em 1974), “quando o curso da civilização toma um rumo inesperado −
quando, ao invés do progresso contínuo que nos habituamos a esperar, vemo-nos
ameaçados por males que associamos à barbárie do passado − naturalmente
atribuímos a culpa a tudo, exceto a nós mesmos” (HAYEK, 1990, p. 38).
Portanto, entendemos que aquela visão teórica que procura mostrar os
africanos como vítimas da exploração das potências capitalistas ocidentais não
correspondem à realidade. Ela serve muito mais para dar fundamentação teórica para
organizações políticas de afro-descentes, interessados em repassar os ônus dos seus
possíveis infortúnios que eles enfrentam no Brasil aos não afros, do que uma
preocupação em fazer um resgate histórico das causas da pobreza africanas e de suas
guerras de extermínios.
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REFERÊNCIAS
AZEREDO COUTINHO, D. José J. da Cunha de. Concordância das leis de Portugal e das bulas pontifícias: das quais umas permitem a escravidão dos pretos da África e outras proíbem a escravidão dos índios do Brasil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1988.
BITTENCOURT, Circe (Org.) O Saber Histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1997. FALCÃO, Antônio Rebouças; BRUZZO, Cristina (Org.). Coletânea lições com cinema. São Paulo: FDE, 1993. FERRO, Marc. Cinema e história. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1992. KAMEL, Ali. Não somos racistas. Rio de Janeiro. Nova Fronteira. 2006. HAYEK, Friedrich August Von. O caminho da servidão. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1990.
HEBERLE, Danielle Viegas. África como pretexto: um ensaio de história & cinema. Disponível em: <http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/7179/4950>. Acesso em: 22 jul. 2010. MAGNOLI, Demétrio. Gotas de sangue: história do pensamento racial. São Paulo. Editora Contexto. 2009. MENDOZA, Plínio A. Manual do perfeito idiota latino americano. Rio de Janeiro. Bertrand. 2005.
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PAZOS, Luiz. Del socialismo al mercado: las enseñanzas del siglo. México: Editorial Diana, 1991.
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