24/04/2020 Coronavírus: “Professores terão que mudar seu jeito de ensinar depois da quarentena” | Sociedade | EL PAÍS Brasil
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PANDEMIA DE CORONAVÍRUS
“Professores terão que mudar seu jeito de ensinardepois da quarentena”Andreas Schleicher, principal responsável do relatório PISA da OCDE,considera que o custo social do fechamento das escolas pela pandemia édramático
ANA TORRES MENÁRGUEZ
23 ABR 2020 - 14:14 BRT
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Andreas Schleicher, em uma imagem de 2019. CLAUDIO ÁLVAREZ
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Acesso à
tecnologia: o
novo indicador
de desigualdade
Andreas Schleicher (Hamburgo, 55 anos), diretor de Educação da OCDE e
principal responsável pelo relatório PISA ―que mede o nível de
conhecimento dos alunos de 15 anos de 75 países em ciências, matemática
e leitura― acredita que a pior consequência do fechamento das salas de
aula pelo coronavírus é o desaparecimento durante meses do maior
igualador social: a escola. Na sua opinião, é o único lugar onde todas as
crianças recebem o mesmo tratamento, independentemente da situação
pessoal que cada um tenha em casa. “Ali veem outra forma de pensar, de
agir e até de andar… Aprendem o conceito de responsabilidade social.” Por
isso, seu maior medo é de uma fratura da “fábrica social” em que os
colégios se transformaram.
Pergunta. Um dos últimos estudos da OCDE indica que um em cada 10
estudantes não têm uma mesa de estudos em casa. Qual é a melhor
solução para os alunos mais desavantajados? É passar de ano com o resto
de seus colegas?
Resposta. É uma pergunta complicada. Acho que fazer os jovens repetirem
o ano é provavelmente a pior solução, porque, além de perder um ano, vai
estigmatizá-los. Os sistemas educacionais devem encontrar a forma de
redobrar seus esforços e analisar como os alunos com menos recursos em
casa podem continuar aprendendo. Há uma grande espera depositada nos
professores, e são eles os que têm de agir como mentores, inclusive dos
trabalhadores sociais, e se manterem em contato permanente com seus
alunos.
P. Pode ser problemático que em setembro [início do ano novo letivo na
Europa, após a atual quarentena] as salas de aula se encontrem com uma proporção elevada
de alunos que não assimilaram bem os conhecimentos do curso anterior?
R. Em setembro o ambiente de aprendizagem e o ambiente das salas de aula serão mais
diversos que em qualquer outro ano. Haverá alunos que voltarão entusiasmados, com muitas
aprendizagens on-line que os terão enriquecido, graças ao apoio de suas famílias. Outros
chegarão desmotivados, e esse é o desafio: aumentar o reforço escolar para essas crianças.
P. A reabertura das escolas ocorre a diferentes velocidades na Europa. Os especialistas
insistem em que a cada mês a desigualdade cresce exponencialmente.
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R. O custo social do fechamento das escolas é dramático. Diferentes pesquisas mostram que
não é a cada mês, e sim a cada dia. Inevitavelmente, a lacuna de desigualdade vai aumentar, e
precisamos encontrar fórmulas para mitigá-la: os alunos terão que dedicar mais horas ao
estudo, será preciso envolver as famílias… Não há uma resposta clara. As famílias com mais
recursos poderão compensar com aulas extracurriculares pagas do seu bolso. O que as
famílias querem para seus filhos é o que o Governo terá que assegurar para todos.
P. Levando-se em conta a crise econômica que está começando, é realista pensar que os
Governos vão priorizar o orçamento educacional para assegurar esse reforço?
R. O futuro dos nossos países depende da educação; as escolas de hoje serão a economia de
amanhã. Desde que começou a pandemia, o caso da China me impressionou. Uma das suas
prioridades foi a educação. O Governo lançou uma plataforma gratuita de aprendizagem na
nuvem com 7.000 servidores e 90 terabytes de banda larga, que permite que 50 milhões de
alunos se conectem simultaneamente. Apostar na educação é uma decisão que toda nação
deveria tomar.
P. É uma questão de dinheiro ou de vontade política?
R. Efetivamente, essa medida custou muito dinheiro, e grande parte dele foi doado por
companhias tecnológicas. Há dois pontos de partida que são importantes. Desde o primeiro
dia, todos os professores na China se envolveram com o uso dessa plataforma. Não se
limitaram a dizer aos alunos que a usassem, como, além disso, telefonaram diariamente para
eles a fim de entender claramente suas necessidades. Prestou-se muita atenção aos alunos
sem possibilidade de acessar a Internet, que receberam livros didáticos e materiais, dentro de
um plano organizado pelas escolas.
P. Por que em países como a Espanha e a França não se tentou lançar esse tipo de
plataformas, se as já existentes não têm capacidade suficiente?
R. O Governo espanhol tem feito um grande esforço para usar ferramentas digitais e tem
agido bem na busca por aliados da indústria tecnológica. Acredito que o mais difícil para eles
tenha sido envolver os docentes, é aí onde provavelmente os esforços devem ser
concentrados, em conseguir que os professores sejam parte ativa nesta mudança. O ensino
on-line será crucial no futuro do ensino, os professores deveriam se esforçar mais.
P. Qual é sua recomendação para que o trabalho nestes dias seja eficiente?
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R. Como professor, neste momento você não tem como resolver os problemas sozinho, só
em equipe. Nisso a Espanha tem muito trabalho a fazer. Segundo os resultados do relatório
Talis, os docentes espanhóis estão entre os que menos colaboram entre si, trabalham de
forma isolada em sua sala de aula. Só 24% declaram participar de uma rede de colaboração
para desenhar planos de docência ou compartilhar material pedagógico, frente aos 40% de
média dos países da OCDE. É importante respeitar a autonomia dos docentes, mas neste
momento é preciso fomentar a cultura colaborativa e não estar esperando instruções dos
Governos, e sim assumir a responsabilidade da situação e contatar colegas para lançar
medidas inovadoras. Os líderes de cada escola têm que se conectar aos professores, criar
comunidades e comitês entre diferentes colégios. Um dos resultados do PISA é que 50% dos
professores em escala mundial não se sentem cômodos com o ensino digital.
P. Os dados do Talis dizem que apenas 59% dos diretores desenvolvem ações para conseguir
a colaboração entre docentes. Quem deve mandar essa mensagem?
R. A crise amplifica a necessidade de estarmos conectados. Essa mudança deve partir da
própria comunidade educativa. Os bons líderes não estão nos gabinetes decretando ordens,
estão envolvidos na solução, de forma ativa. O Governo afinal está muito longe de ter um
efeito sobre o que acontece nas salas de aula. Os professores na Espanha continuam muitos
dependentes do que a Administração dita.
P. Os docentes deverão modificar sua forma de ensinar em setembro?
R. Absolutamente. O grande preço que vamos pagar pela crise não é só a perda de
aprendizagem, e sim os jovens afetados pela insatisfação, pela decepção e que perderam sua
confiança no sistema educativo. [As escolas] terão que escutar mais, detectar a necessidade
de cada um e desenhar novas formas de aprendizagem para se encaixar em diferentes
contextos pessoais. Não se pode voltar como se nada tivesse acontecido.
P. Como se deve avaliar durante o confinamento?
R. Devemos realizar a máxima avaliação possível. Educação e avaliação andam de mãos
dadas. Quando você está na escola, sabe como cada estudante está evoluindo, mas, quando
não os vê dia a dia, é preciso usar ferramentas on-line para ver se ele está aprendendo. Sou
muito otimista e acredito que podemos ser muito criativos com novos formatos de avaliação.
P. Deve-se manter a avaliação nestes meses de confinamento, ou focar o apoio emocional?
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R. Talvez seja preciso mudar a natureza da avaliação, mas insisto em que é importante
mantê-la para poder acompanhar a evolução do aluno. Se não fizerem isso, os professores se
tornarão cegos, e também é uma forma de conseguir que os alunos não se desconectem.
P. Você criticou que não haja uma maior colaboração público-privada para confrontar a crise
educativa pela covid-19.
R. A inovação educacional exige a colaboração entre o público e o privado, e na Espanha há
uma cultura de confrontação entre o público e o privado. Parece que a educação é só coisa do
Governo, e é preciso que a sociedade se envolva e contribua com ideias criativas. As
empresas também têm que tomar partido e propor soluções, por exemplo, para as práticas
dos alunos de Formação Profissional. O futuro do país depende de como se administre esta
crise educativa.
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