DESCONSTRUINDO A FOLHA MARTIN PILGER:
UMA ANÁLISE DO PROJETO GRÁFICO EDITORIALProfª. Ms.Vera Dones
Acadêmico e bolsista Deivis LuzCentro Universitário Feevale
Resumo
Este artigo apresenta uma análise do projeto gráfico da Folha Martin Pilger, sua
construção e os principais elementos identitários que norteiam o conceito do projeto. A
produção deste jornal é uma das atividades que integram o Projeto Nosso Bairro em
Pauta, desenvolvido dentro de uma comunidade carente de Novo Hamburgo (RS).
Através da Folha Martin Pilger tem-se buscado o resgate da auto-estima da população,
além do respeito e a valorização dos moradores na reconstrução de sua realidade. A
abordagem constitui-se a partir da análise do projeto editorial e da programação visual
de 17 edições.
Palavras-chaves: Projeto gráfico editorial, layout, cultura popular, mídia.
Introdução
A produção do jornal Folha Martin Pilger integra o projeto Nosso Bairro em Pauta, do
Centro Universitário Feevale, Novo Hamburgo (RS). Este projeto é desenvolvido pelo
Núcleo de Jornalismo da Agência Experimental de Comunicação da Instituição e atende
a comunidade local desde 2003. As atividades são realizadas a partir das relações entre
mídia, educação, cultura e comunidade, privilegiando o processo de construção de dois
jornais: a Folha Martin Pilger e o Fala Kephas. Com a orientação de acadêmicos e
professores, são realizadas oficinas semanais de leitura crítica da mídia, nas quais
participam crianças e jovens estudantes de três escolas públicas próximas ao Campus II,
no bairro Vila Nova.
O projeto é realizado na perspectiva dos Estudos Culturais, e oportuniza a
participação democrática das comunidades dos bairros carentes na construção de
notícias e na publicação dos periódicos.
Este trabalho busca resgatar o respeito e a valorização da opinião dos moradores
na reconstrução de sua realidade, pois são os únicos veículos impressos nos quais são
eles os protagonistas. Além disso, capacita acadêmicos de Comunicação Social do
Centro Universitário Feevale para o desenvolvimento de atividades de cunho
comunitário e social, com o objetivo de estabelecer um vínculo produtivo entre a
academia e a população local. Conforme atesta Canclini:
Trata-se, antes, de colocar-se nas intersecções, nos lugares em que os sujeitos
podem atuar, transformar-se e ser transformados. Converter os condicionamentos
em oportunidades para exercer a cidadania (Canclini, 2004, p. 208).
A distribuição da Folha Martin Pilger é feita na própria vila e em seu entorno
pelos professores, acadêmicos e jovens pertencentes ao projeto, além da distribuição
para os alunos do curso de Comunicação Social. A proposta é apresentar a vila para a
comunidade do bairro do qual ela também faz parte, o que tem sido um exercício
interessante, com significativa repercussão. Afinal, a leitura do jornal aproxima os
moradores da Martin Pilger e do bairro Vila Nova, os quais muitas vezes nem se davam
conta de sua existência, ou não a consideravam parte do mesmo bairro.
Nesta vila vivem cerca de 111 famílias que, em sua maioria, moram em
habitações precárias , oriundas de um processo de invasão gradual, iniciado há cerca de
trinta anos. Originalmente, o local era uma área reservada à função de praça de um
loteamento regular existente ao lado do Campus II. As casas construídas no local
apresentam estrutura de distribuição desordenada e precária, com sérios riscos
habitacionais, irregulares e de difícil acesso, até mesmo para o atendimento de serviços
públicos essenciais.
Em pesquisa realizada no ano de 2006 com os moradores da vila ficou
constatado que 94,6% deles lêem a Folha Martin Pilger, o que comprova que os
assuntos abordados despertam o interesse da comunidade. O diagnóstico apontou ainda
que 73% dos moradores possuem o ensino fundamental. Já aqueles com ensino médio
completo chegam a 10,8%.
Primeiramente, apresentaremos um breve histórico da Folha Martin Pilger,
segue-se com a análise do projeto gráfico editorial e as principais questões teóricas que
norteiam a programação visual dos jornais. O objetivo é esclarecer, informar e refletir
sobre as 17 edições de um jornal que pretende trazer um olhar autêntico sobre uma
comunidade que se redescobre a cada edição.
1- O nascimento da Folha Martin Pilger
No primeiro contato com a comunidade, em março de 2003, a equipe de estagiários
recrutou crianças e adolescentes dispostas a ajudar na criação de um “jornalzinho” que
trouxesse notícias sobre a vila. Um dos primeiros desafios do grupo de acadêmicos era
problematizar a pauta estabelecida e cristalizada pela grande mídia, procurando invertê-
la e colocar em evidência os temas e o enfoque propostos pela comunidade. A
idealizadora do projeto, Saraí Schmidt, comenta:
Isto significa lançar novos olhares para as reportagens publicadas diariamente na
imprensa, no sentido de serem compreendidas como uma construção histórica e
social que, na maioria das vezes, é simplesmente aceita como a priori, como natural e
sem possibilidade de questionamentos. (Schmidt, 2001, p. 62)
Nos primeiros encontros, o trabalho se voltou para a familiarização dos jornais
pelos jovens. Eles liam os tablóides, escolhiam as matérias que mais gostavam e faziam
recortes com as fotos preferidas. Logo surgiram os primeiros fanzines com a proposta
de revelar aspectos da vila quase que ignorados por seus moradores. Os acadêmicos
orientavam as crianças na construção de textos que expunham sua visão sobre o lugar
em que viviam. As matérias foram gerando novas edições do jornal-mural, colado nos
bares e pontos mais freqüentados na vila Martin Pilger.
Logo vieram as oficinas de diagramação, um momento importante no processo
de construção do jornal. Nestes encontros passou-se a discutir o seu projeto gráfico: o
formato, o número de páginas, a sua estética e o conteúdo do jornal. Com base nas
sugestões dos moradores, os professores e acadêmicos completaram a pauta da primeira
edição da Folha Martin Pilger. As histórias narradas pelos primeiros moradores, os
filmes que assistiam e a lenda do sapo – que dá apelido à vila –, o mercado de trabalho,
foram os principais assuntos da primeira edição.
2- O projeto editorial da Folha Martin Pilger
A Folha Martin Pilger nasceu da necessidade de criar um jornal que invertesse a pauta
da mídia convencional, oportunizando a participação democrática dos moradores
daquela vila, inclusive crianças e jovens, na construção de notícias e publicação de um
jornal. E assim, resgatar o respeito e valorização da opinião das pessoas na reconstrução
da sua comunidade.
As editorias tratam de assuntos que contribuam de alguma maneira no dia-a-dia
da comunidade, com temas ligados àquele universo. Por exemplo, “As estações do ano”
informa aos leitores sobre os riscos, benefícios de cada estação. Há também a página da
culinária (fig. 1), onde além de dicas de nutrição, são publicadas receitas dos moradores.
Esta seção quer resgatar a sabedoria popular da comunidade, onde as senhoras
contribuem, a cada edição, com novas
receitas.
O caderno central aborda temas de
interesse geral dos moradores. Neste
espaço, já foram discutidos assuntos como a história da vila, as escolas onde as crianças
estudam, a biblioteca da vila, histórias natalinas, as diferentes formas de ser pai, entre
outros. Nas duas páginas do “Olha só...”, reúnem-se as melhores fotografias feitas em
cada edição, pelos estagiários, ou pelos próprios moradores.
A partir da terceira edição, a contracapa da Folha Martin Pilger passou a contar
com os Causos da Vila (fig. 2). Seu Derli, um dos moradores, descreve situações
peculiares e inusitadas que já enfrentou. São histórias que poucos acreditam, e que a
maioria se diverte. A coluna é assinada por um jovem colaborador da vila. Para ilustrá-
Figura 1: Resgatar a sabedoria popular é um dos objetivos da página de culinária.
Figura 2: O causo “Acredite se quiser” é assinado por Jeferson Rodrigues , morador da Martin Pilger, e ilustrado pelo voluntário e acadêmico de Jornalismo, Gabriel Renner.
las, o voluntário e acadêmico do curso de jornalismo, Gabriel Renner, foi convidado
para desenhar os “causos”. Desde 2004, ele já ilustrou dez contracapas e afirma que “o
gostoso de participar desse trabalho é que muito antes de ser um projeto editorial, a
Folha é uma atividade social”.
3- O projeto gráfico da Folha Martin Pilger
Conforme Scalzo (2006), todo projeto impresso precisa de uma capa marcante. A
função da capa é atrair a atenção do leitor por suas qualidades estéticas e visuais, além
de representar o tema principal daquele exemplar: “A capa precisa ser o resumo
irresistível de cada edição, uma espécie de vitrine para o deleite e sedução do leitor.”
(Scalzo, 2006).
Para as capas da Folha Martin Pilger (fig. 3), escolhe-se uma foto que represente
o espírito daquela edição. A imagem deve compor com os demais elementos da página
(logotipo do jornal, a chamada principal e os títulos), e geralmente, se apresenta com
sangra e em quadricromia. As fontes seguem o padrão visual tipográfico do jornal, na
maioria das vezes, as chamadas da capa são compostas na fonte Impact, a mesma que se
destaca no seu interior.
A unidade de um projeto gráfico envolve a repetição e o uso versátil dos
elementos que marcam a identidade visual daquele trabalho. Scalzo explica:
A cada edição o leitor vai encontrar, ao mesmo tempo, variedade e algumas
marcas de identidade, que permitem reconhecer e manter uma relação de
familiaridade com sua revista predileta (Scalzo, 2006).
Figura 3: As capas da primeira, sexta e décima edição da Folha Martin Pilger, respectivamente.
A utilização dos espaços e a organização dos elementos em cada página seguem
princípios que procuram trazer leveza a ela, assim como a valorização do espaço
favorece a composição das fotos, textos e vinhetas ou ilustrações. De acordo com Rafael
de Souza Silva (1985), “estas margens são importantes para a aparência visual e para a
legibilidade, e o espaço em branco entre as colunas é preferido em substituição às linhas
(fios) separando as colunas”. A Folha Martin Pilger usa margens amplas e áreas livres
em sua diagramação, o jornal explora o “branco”, ora compondo com as imagens, ora
destacando informações, legendas ou textos.
A largura do bloco de texto deve estar em harmonia com o formato da página.
Este resultado envolve a relação entre as diferentes medidas, espaços e larguras dos
blocos de texto, tendo em vista o formato da página. Bringhurst (2005) comenta sobre a
importância de quebrar com a monotonia de uma página, apelando, por exemplo, para o
uso de margens desiguais:
Ler, assim como andar, envolve navegação, e o bloco quadrado de texto no bloco quadrado
de papel não oferece muitos marcos e pistas. Para dar um senso de direção ao leitor e alguma
vida e majestade à página, é preciso quebrar essa mesmice inexorável e procurar um outro
tipo de equilíbrio. Algum espaço precisa ser estreito para que outro possa ser largo, e algum
espaço precisa estar vazio para que outro possa estar cheio (Bringhurst, 2005, p. 179).
O princípio da organização, combinação e distribuição ordenada dos elementos
(textos, fotos ou imagens, vinhetas, espaços, margens, etc.) está presente na prática da
editoração de um jornal ou revista. O resultado desejado deve ser harmônico para que o
leitor perceba o estímulo no tempo preciso, e interprete as informações corretamente. A
unidade, harmonia, proporção, equilíbrio, contraste, movimento, ritmo, hierarquia de
informações são os principais fatores que viabilizam uma boa composição. O projeto
gráfico da Folha Martin Pilger segue alguns parâmetros quanto à padronização dos seus
elementos e à sintaxe dos procedimentos. Por isso, a normatização das medidas das
margens, das colunas de textos, a espessura de linhas, alinhamentos e espaçamentos, são
facilmente executados através da folha de estilos.
A área ocupada pelos textos nas páginas segue o princípio da regra dos 50%.
Esta norma aconselha o uso do espaço pelo texto numa proporção que não ultrapasse os
50% da página, contribuindo assim, para a legibilidade e estética das páginas. O
formato do jornal é de 27 x 34 cm, as margens internas são de 2 cm (interna), 5 cm
(externa), 4 cm (superior) e 2,5 cm (inferior). A grade da Folha Martin Pilger possui
duas ou três colunas de textos, com eventuais alterações. O conteúdo redacional orienta,
em certos casos, a proposta visual de uma página, determinando a sua estética. Por
exemplo, quando o assunto em uma das edições era skate, as colunas representaram a
forma de uma rampa ajustando-se à página (figura 4).
As fotos e ilustrações completam o arranjo gráfico de uma página e devem
enaltecer a idéia do texto, além de facilitar a comunicação. Uma imagem atraente, às
vezes, dispensa outro tipo de informação complementar, seja através de um novo texto,
título ou legenda.
Conforme Scalzo (2006), as imagens “devem excitar, entreter, surpreender,
informar, comunicar idéias ou ajudar o leitor a entender a matéria”. A autora cita ainda
uma pesquisa realizada com leitores de uma revista, mostrando que uma matéria de
apenas uma coluna sem foto ou ilustração é lida por apenas 9% dos leitores; já a mesma
matéria de uma coluna, acompanhada de uma foto ou ilustração, é lida por 15% dos
leitores.
O posicionamento das fotos é baseado em regras de editoração gráfica, elas são
colocadas e dispostas de forma que facilite a leitura e a compreensão do texto. Uma
página bem diagramada não deve conter várias imagens do mesmo tamanho. Para
estabelecer um ritmo em uma página, deve-se atribuir pesos e proporções diferentes às
imagens. Caso contrário, corre-se o risco de deixá-la monótona.
Os elementos gráficos devem ser combinados com um sentido de ordem e
unidade, de forma que cada um seja parte integrante do todo. O tamanho e peso de cada
elemento devem estar em equilíbrio com os demais elementos da página, de forma a
orientar a sua leitura.
Figura 4: O recorte do texto em forma de rampa facilita a identificação com o conteúdo da matéria
Devemos estar atentos aos recursos visuais que empregamos na diagramação de
uma página e nos possíveis efeitos que os envolvem. Podemos direcionar o olhar do
leitor, considerando que a composição indica este percurso pela página, do ponto focal a
todas as áreas. O movimento, segundo Dondis (1999), é gerado pelo direcionamento da
vista pelas formas, com breves paradas nos pontos de interesse, até percorrer toda a
composição.
4- A tipografia que veste o texto
O desempenho tipográfico numa peça gráfica ou jornal envolve um conhecimento
técnico e cultural. Para escolhermos uma fonte, algumas premissas são básicas.
Primeiro, precisamos conhecer as características formais observáveis, o estilo das letras
e sua adequação ao conceito do trabalho. Devemos, igualmente, estar conscientes de
que a forma tipográfica sugere um sentido suplementar em relação ao que é veiculado
pelas palavras, pois, além de suas qualidades funcionais, a tipografia “veste” o texto.
Conforme Darricau (2005), devemos estar atentos ao vocabulário estético/cultural que
uma fonte possa evocar:
O aspecto visual de um texto nunca é totalmente neutro, e o que é habitualmente
apresentado como uma solução funcional e objetiva pode ser somente um código
cultural como qualquer outro (Darricau, 2005, p. 34).
Cada letra possui uma personalidade própria, visível no estilo de seu desenho –
as proporções, os contrastes, as serifas, etc. Em cada projeto, o desafio está em avaliar
estas características, a personalidade da letra, e sua pertinência em relação ao conteúdo
e conceito do projeto. A escolha das fontes, que compõem o projeto gráfico do jornal,
foi motivada pelo desejo de comunicar-se.
Darricau (2005) destaca ainda que a tipografia, particularmente em jornais,
raramente funciona sozinha. Sua relação com o conteúdo e com as imagens, na maioria
das vezes com a fotografia, sugere interações semânticas suplementares, de natureza
variada. Estes princípios não são regras, servem apenas como possibilidades criativas. A
escolha de uma fonte oferece um lugar para a fantasia, o humor, ou simplesmente a
valorização de um determinado assunto, estimulado através do apelo visual e através do
poder evocador da forma das letras.
Na Folha Martin Pilger a fonte Impact predomina nos títulos, subtítulos e lides,
além de ter sido escolhida para o logo do jornal. É um tipo neutro, com um corpo bastão
sem serifa, de visual marcante, especialmente indicada para títulos e subtítulos. É o
contexto e as intenções de comunicação que definem a escolha tipográfica. Assim, neste
jornal, tem-se a liberdade de escolher outros tipos, conforme o tema das matérias.
A tipografia moderna está baseada, principalmente, nas teorias e princípios de
desenhos desenvolvidos nos anos vinte e trinta do século passado. Devemos às teorias
dessa época o desenvolvimento de sistemas reguladores da comunicação visual. Este
conhecimento foi reunido por Josef Muller Brockmann no livro Sistemas de Grelhas –
Um manual para desenhistas gráficos. Para garantir uma excelente legibilidade do
texto, sugere-se que o corpo fique entre 8 e 12 pts para uma leitura com distância
aproximada de 30 ou 35 cm da vista. Tanto a letra demasiadamente grande quanto a
pequena exige do leitor um esforço. O teórico indica as fontes tradicionais para
assegurar uma boa legibilidade do texto: “as clássicas foram pensadas e desenhadas com
consistência, objetivando o máximo em clareza e equilíbrio” (Carter, 1997).
A seleção de fontes é uma etapa fundamental no processo de criação de um
projeto gráfico. Para a composição dos textos da Folha Martin Pilger optou-se pela
Garamond em corpo 11, entrelinha 13. Este caractere foi desenhado por Claude
Garamond em Paris por volta de 1535. E, como outras romanas renascentistas, se
caracteriza pelo desenho clássico humanista. A sua forma é equilibrada, as proporções
são estáveis, os detalhes elegantes e o seu aspecto é nitidamente literário. Segundo
Robert Bringhurst, as letras pertencem ao âmbito das artes e participam de sua história,
por isso, as descrições e classificações tipográficas devem ser inseridas no contexto das
atividades humanas, das artes e da filosofia.
O tamanho do corpo de texto determina o espaçamento entre as linhas. Um
espaçamento muito grande ou muito pequeno causa desconforto na leitura. Para este
projeto gráfico empregou-se a proporção de entrelinha de 120%, ou seja, 11/13. O
alinhamento empregado para os textos é, na maioria das vezes, justificado. Isso quer
dizer que todas as linhas têm o mesmo comprimento e estão alinhadas tanto à esquerda
quanto à direita. As larguras dos blocos dos textos variam na maioria das vezes, entre
4,5 cm, 6,2 cm e 10 cm. Optou-se por uma largura média de texto, visto que linhas
muito longas ou muito curtas prejudicam a leitura. Nas grandes, a leitura fica tediosa e
desgastante; já, com o bloco de largura estreita, corre-se o risco de gerar espaços
desarmônicos.
5- Uma linguagem autêntica e espontânea
A estética vernacular nos remete a uma nova sensibilidade e a outras formas de saber,
que chamamos de conhecimento “comum”, “popular” ou “informal”. Sugere linguagens
visuais e idiomas locais que, na comunicação gráfica, corresponde às soluções gráficas e
tipográficas produzidas fora do discurso oficial. Alguns dos elementos que compõem as
páginas da Folha Martin Pilger são reconhecidamente marcas vernaculares. Um
exemplo é a numeração das páginas, que partiu das numerações desenhadas nas casas
dos próprios moradores. São traços que atestam
espontaneidade e informalidade gráfica. Para o jornal, foram
escolhidas dezesseis imagens para ilustrar/numerar cada uma
das suas páginas (figura 5).
Na editoria de culinária, a página adota uma estética
particular: as receitas são escritas à mão sobre um bloco de
notas, buscando retratar a naturalidade da caligrafia manual
(figura 6).
A ensaísta e pesquisadora americana Ellen Lupton
descreve as singularidades deste estilo:
O design vernacular não deve ser visto como algo “menor”, marginal ou anti-
profissional, mas como um amplo território onde seus habitantes falam um tipo de
dialeto local (…). Não existe uma única forma vernacular, mas uma infinidade de
linguagens visuais, (…) resultando em distintos grupos de idiomas” (Dones apud
Lupton, 1996, p. 111).
A estética vernacular representa a superação de uma visão dicotômica e
simplista, fruto de um pensamento moderno que coloca de um lado o design
erudito/oficial, fruto do conhecimento acadêmico, e de outro lado aquele produzido à
margem deste sistema.
Figura 6: Bloco de notas com uma receita escrita à mão.
Figura 5: Os números das casas são utilizados para numerar as páginas da FMP
6- Considerações finais
Uma visão puramente funcional prejudica a criação de um projeto gráfico editorial.
Enquanto forma midiática e ferramenta de comunicação, o layout de um jornal
condiciona a percepção das mensagens escritas e visuais. Cabe ao profissional de
criação e diagramação possuir um conhecimento técnico, assim como a sensibilidade
para compreender o projeto em suas variáveis, negociando as diferenças com as
realidades e as identidades locais. Em sua estética, a Folha Martin Pilger tem buscado
um equilíbrio entre os valores de ordem sintática, técnica/ funcional e a sintonia com o
seu contexto, a comunidade local. Na sua diversidade, procura abolir a fronteira entre os
vocabulários tecnológicos e as imagens do quotidiano, que dão o “colorido” às suas
páginas. É preciso superar os limites de sua própria cultura, para propor soluções que
façam sentido à cultura do leitor.
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