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NORONHA, BONI & BRATZ
DIREITO AGRÁRIO BRASILEIRO
E
O AGRONEGÓCIO INTERNACIONAL
Observador Legal Editora,
1ª ed, 2007
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Capa: Alberto Boni
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CPI)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Goyos Júnior, Durval de Noronha; Boni de Souza, Adriano; e Bratz, Eduardo
Direito Agrário Brasileiro e o Agronegócio Internacional – São Paulo:
Observador Legal, 2007.
ISBN: 978-85-85548-30-8
CDD: 342.1247
CDU: 347.243
1. Agronegócio – Aspectos econômicos, 2. Direito Agrário, 3. Direito
comercial internacional
Índices para catálogo sistemático:
1. Brasil: Direito agrário 347.243 (81)
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APRESENTAÇÃO DOS AUTORES
DURVAL DE NORONHA GOYOS JR. é membro das Ordens dos Advogados do Brasil,
Inglaterra (solicitor) e Portugal e sócio sênior de Noronha-Advogados (fundado em 1978), com sede
em São Paulo, Brasil, e com outros gabinetes em Brasília, Curitiba, Porto Alegre e Rio de Janeiro,
Brasil; Lisboa, Portugal; Los Angeles, California e Miami, Flórida, E.U.A.; Buenos Aires,
Argentina; e Londres, Reino Unido e Shanghai, China. Formou-se pela Wm. Hall High School, em
West Hartford, Connecticut, E.U.A., em 1969 como bolsista do AFS, ingressou na Faculdade de
Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil, formando-se em janeiro de 1975,
seguido por cursos de pós-graduação, incluindo um programa de Direito Constitucional no Hastings
College of Law (Universidade da Califórnia), em São Francisco, E.U.A. e a revalidação de diploma
na Universidade de Lisboa, Portugal. Dr. Noronha foi representante "ad-hoc" do governo brasileiro
para a Rodada do Uruguai do GATT em 1992 e 1993 e presidente da Comissão para o GATT da
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Dr. Noronha é presentemente árbitro da Organização
Mundial do Comércio (OMC), sediada em Genebra, Suíça, tendo sido anteriormente Árbitro do
Acordo Geral de Tarifas Comerciais (GATT). É também Árbitro da Comissão Internacional de
Arbitragem Comercial da China (CIETAC). Foi o negociador principal da OAB para os acordos de
cooperação das ordens de advogados do MERCOSUL e é o correspondente no Brasil das
publicações "International Trade Law and Regulation", de Oxford; "World Market Research
Centre" de Londres, Reino Unido; "Trade Practice Law Journal", de Sydney, Austrália e membro da
comissão editorial da publicação "International Trade Reports", Cambridge, Reino Unido. Dr.
Noronha é autor de vários livros de comércio e finanças e Direito Internacional, incluindo "GATT,
MERCOSUL & NAFTA"; "A OMC E OS TRATADOS DA RODADA DO URUGUAI"; "O
DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL"; "ENSAIOS DE DIREITO INTERNACIONAL";
"A CHINA PÓS OMC: DIREITO E COMÉRCIO"; "TRATADO DE DEFESA COMERCIAL:
ANTIDUMPING, COMPENSATÓRIAS E SALVAGUARDAS", "O NOVO DIREITO
INTERNACIONAL PÚBLICO" e do "DICIONÁRIO JURÍDICO NORONHA INGLÊS-
PORTUGUÊS", publicados pela Observador Legal Editora; "ARBITRATION IN THE WORLD
TRADE ORGANIZATION", publicado pela Legal Observer Inc.; "FOREIGN EXCHANGE
HANDBOOK", Euromoney Publications (co-autor); e "LEGAL ASPECTS OF DOING BUSINESS
IN LATIN AMERICA", Kluwer (co-autor). Seus livros e artigos publicados em seis continentes são
adotados como textos por escolas de Direito em vários países. O Dr. Noronha é presidente do
conselho do Centro de Estudos Estratégicos da América do Sul. É professor de direito do comércio
internacional do curso de pós-graduação da Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro e
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pesquisador visitante das Universidades de Londres e da África do Sul. É coordenador do programa
de pós-graduação em arbitragem internacional da Escola Paulista de Direito. O Dr. Noronha foi
consultor do Centro Norte-Sul da Universidade de Miami para questões da ALCA e professor
visitante, pesquisador ou conferencista dos programas de pós-graduação das seguintes instituições:
Universidade de Londres (Reino Unido); Universidade Wits; UNISA e Universidade do Cabo
(África do Sul); Instituto de Comércio Internacional (Índia); Universidade Autônoma de Lisboa
(Portugal); Universidad 3 de Febrero (Argentina); Faculdade de Direito do Instituto do Comércio
Internacional (Shanghai, China), Central University e Tsinghua University (Beijing, China); e
UFMG, UFRGS, FGVRJ e Escola de Guerra Naval (Brasil). Línguas: inglês, italiano e espanhol.
ADRIANO BONI DE SOUZA é advogado membro da Ordem dos Advogados do Brasil,
Seccional do Estado de São Paulo e graduado pela Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo – USP. É Diretor do Departamento Contencioso de Noronha-Advogados em São Paulo, onde
especializou-se em litígios comerciais nacionais e internacionais. Entre janeiro e abril de 2007,
trabalhou no escritório de Londres, onde participou de diversos cursos de especialização em direito
inglês. Línguas: inglês e francês.
EDUARDO BRATZ é advogado membro da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccionais dos
Estados do Rio Grande do Sul e São Paulo. No Segundo Grau estudou na Escola de Agricultura e
Pecuária, da Universidade Federal de Santa Maria. Graduado pela Faculdade de Direito da
Universidade Luterana do Brasil – ULBRA, onde também freqüentou a Escola de Administração de
Empresas. Posteriormente, cursou especialização em Direito da Empresa e da Economia pela
Fundação Getúlio Vargas – FGV. Membro Efetivo do Instituto de Estudos Empresariais – IEE, do
qual também é Conselheiro; Membro do Instituto Liberdade do Rio Grande do Sul – ILRS; e, da
Associação Brasileira de Direito Agrário – ABDA. Conselheiro da Câmara de Comércio e Indústria
Brasil Alemanha, dos Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina – AHK. Co-Autor dos livros:
"Brasil, País em Desenvolvimento até Quando?" e "Cultura do Trabalho", ambos da série
"Pensamentos Liberais". Articulista da Revista Leader. Palestrante do Salão de Intercâmbio da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. É sócio de Noronha Advogados,
comandando o escritório de Porto Alegre. Nos últimos anos, atendeu a diversas empresas
brasileiras e estrangeiras com operações na China, Europa, Estados Unidos da América e América
Latina, com forte atuação na representação de interesses de empresas, instituições financeiras e
produtores rurais. Línguas: inglês, espanhol e alemão.
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AGRADECIMENTOS
A todos os colegas de Noronha-Advogados que contribuíram
para a concretização deste projeto, com pesquisa, suporte
legal e sugestões: Mário Malato, Andréa Shimizu, Bianca
Sardilli, Paulo Trani, Patrícia Proti, Mirella da Costa
Andreola, Manoela Kroeff Marçal, Karen Giudice, Gustavo
Henrique Maia, Clarissa Bruzzi, Anderson Miranda, Roni
Teixeira, Carolina Lian, Ana Paula Carvalho, Ana Paula
Cherubini, Rodolfo Mantovani, Fernando Martin Vieira e
Rodolfo Pizzolotto Goergen.
Ao engenheiro agrônomo Alexandre Varghas por todas as
sugestões dadas durante o desenvolvimento dos trabalhos.
À ESALQ, ao PENSA e ao Instituto Ícone pela contribuição
doutrinária e engrandecimento das ciências agrícolas no
Brasil.
Às nossas famílias, que nos apoiaram e incentivaram em
todos os momentos.
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ÍNDICE ANALÍTICO
PREFÁCIO 13
APRESENTAÇÃO DA OBRA 16
1. PANORAMA DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO 18
1.1. Breve histórico do agronegócio brasileiro 19
1.2. O Agronegócio Brasileiro hoje 26 1.2.1. Produção animal 34
1.2.1.1. Bovinocultura 36 1.2.1.1.1. Carne bovina 37 1.2.1.1.2. Couro 38 1.2.1.1.3. Leite bovino 40
1.2.1.2. Avicultura 41 1.2.1.3. Suinocultura 44 1.2.1.4. Camarões marinhos 46
1.2.2. Produção vegetal 46 1.2.2.1. Soja 48 1.2.2.2. Indústria florestal 51 1.2.2.2.1. Florestas plantadas 53 1.2.2.3. Milho 57 1.2.2.4. Algodão 59 1.2.2.5. Fumo 62 1.2.2.6. Borracha 64 1.2.2.7. Trigo 65 1.2.2.8. Arroz 66 1.2.2.9. Cacau 67 1.2.2.10. Café 68 1.2.2.11. Fruticultura 70 1.2.2.12. Laranja 72 1.2.2.13. Cana-de-açúcar 75 1.2.2.13.1. Açúcar 77 1.2.2.13.2. Álcool 79 1.2.2.13.2.1. Proálcool 80
1.2.3. Outras atividades 81 1.2.3.1. Materiais genéticos 82 1.2.3.2. Produtos veterinários 85 1.2.3.3. Corretivos de solo 87 1.2.3.4. Defensivos 88 1.2.3.5. Máquinas Agrícolas 88 1.2.3.6. Produtos Orgânicos 90 1.2.3.7. Supermercados 93
1.3. Perspectivas para o agronegócio brasileiro 94 1.3.1. Perspectivas para o mercado de biocombustíveis 97
1.3.1.1. Um proálcool global 98 1.3.1.2. Biodiesel 102
1.3.2. O Protocolo de Kyoto e o Mercado de Carbono 104
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1.4. Desafios para o Agronegócio Brasileiro 107 1.4.1. Infra-estrutura de transportes 108 1.4.2. Infra-estrutura de armazenagem 111 1.4.3. Diminuição das perdas 112 1.4.4. Ampliação dos serviços de inspeção e defesa agropecuária 112 1.4.5. Agregação de valor às exportações 113 1.4.6. Maior e melhor representação do país nas negociações internacionais 115 1.4.7. Seguro rural 115 1.4.8. Carga tributária e da burocracia 116 1.4.9. Soluções privadas 117
2. DIREITO AGRÁRIO 120
2.1. Introdução 120 2.1.1. Nomenclatura 120 2.1.2. Conceito 121 2.1.3. Natureza Jurídica 121 2.1.4. Autonomia 122 2.1.5. Importância do estudo do Direito Agrário 122 2.1.6. Características da Atividade Agrária 123 2.1.7. Características do Direito Agrário 123 2.1.8. Competência legislativa 124 2.1.9. Fontes do Direito Agrário 124 2.1.10. Princípios Jurídicos Aplicáveis ao Direito Agrário 126
2.2. Institutos de Direito Agrário 128 2.2.1. Imóvel Rural 128 2.2.2. Módulo Rural 129 2.2.3. Módulo Fiscal 131 2.2.4. Espécies de Imóveis Rurais 132
2.2.4.1. Propriedade Familiar 133 2.2.4.2. Empresa Rural 134 2.2.4.3. Minifúndio 135 2.2.4.4. Latifúndio 135 2.2.4.5. Pequena Propriedade 136 2.2.4.6. Média Propriedade 136 2.2.4.7. Propriedade Produtiva 136
2.2.5. Parceleiro 137 2.2.6. Cooperativa Integral de Reforma Agrária 137 2.2.7. Colonização 138 2.2.8. Zoneamento 138 2.2.9. Política Agrícola 138 2.2.10. Cadastro Rural 139
2.3. Questão Fundiária Brasileira 141 2.3.1. Direito de Propriedade 142 2.3.2. Função Social da Propriedade 144
2.3.2.1. Função Social da Propriedade Rural 145 2.3.2.2. Aproveitamento Racional e Adequado 147 2.3.2.3. Utilização Adequada dos Recursos Naturais e a Preservação do Meio Ambiente 147 2.3.2.4. Respeito à Legislação Trabalhista 148 2.3.2.5. Favorecimento do Bem-Estar do Proprietário e do Trabalhador 148 2.3.2.6. Das Limitações Constitucionais à Função Social da Propriedade 149 2.3.2.7. Função Social da Posse do Imóvel Rural 150 2.3.2.8. Uso Nocivo da Propriedade 151
8
2.3.3. Reforma Agrária 152 2.3.4. Banco da Terra 155 2.3.5. Questão Indígena 156
2.4. Tributação na Atividade Agrária 158 2.4.1. Introdução 158 2.4.2. ITR 159 2.4.3. Imposto de Renda 162
2.4.3.1. Pessoa Física 163 2.4.3.2. Pessoa Jurídica 164
2.4.4. ICMS 165 2.4.5. CSLL 166 2.4.6. COFINS 168 2.4.7. PIS e PASEP 169 2.4.8. Contribuição Sindical Rural 170 2.4.9. Contribuições Previdenciárias Rurais 171 2.4.10. Contribuição ao Serviço Nacional de Aprendizagem Rural 171
2.5. Aquisição da Propriedade Rural 172 2.5.1. Introdução 172 2.5.2. Modalidades Originárias de Aquisição da Propriedade 174
2.5.2.1. Usucapião 174 2.5.2.1.1. Da Posse Ad Usucapionem 175 2.5.2.1.2. Das Modalidades da Usucapião 175 2.5.2.1.3. Aspectos Processuais 178
2.5.2.2. Da Acessão 179 2.5.2.2.1. Da Formação de Ilhas 180 2.5.2.2.2. Da Aluvião 180 2.5.2.2.3. Da Avulsão 180 2.5.2.2.4. Do Álveo Abandonado 181 2.5.2.2.5. Das Construções e Plantações 181
2.5.3. Modalidades Derivadas de Aquisição da Propriedade 182 2.5.3.1. Aquisição em Razão da Transcrição do Título 182 2.5.3.2. Aquisição da Propriedade Rural por Estrangeiro 183
5.3.2.1. Arrendamento Rural por Estrangeiro 188 2.5.3.3. Desapropriação 189
2.5.3.3.1. Modalidades de Desapropriação 189 2.5.3.3.1.1. Desapropriação para fins de Reforma Agrária 190
2.6. Contratos Agrários 192 2.6.1. Arrendamento Rural 194
2.6.1.1. Conceito de Arrendamento Rural 194 2.6.1.2. Dos Direitos e Deveres das Partes Contratantes 194
2.6.1.2.1. Dos Direitos do Arrendador 194 2.6.1.2.2. Dos Deveres do Arrendador 194 2.6.1.2.3. Os Direitos do Arrendatário 195 2.6.1.2.4. Os Deveres do Arrendatário 195
2.6.1.3. Prazos de Vigência dos Contratos de Arrendamento 196 2.6.1.4. Do Preço e do Pagamento 196 2.6.1.5. Reajuste do Preço 198 2.6.1.6. Cláusulas Obrigatórias nos Contratos de Arrendamento 198 2.6.1.7. Da Inadimplência 199 2.6.1.8. A Renovação e Prorrogação do Contrato 199
2.6.1.8.1. Da Renovação Automática 200 2.6.1.9. Causas da Extinção 200 2.6.1.10. Estrutura do Contrato de Arrendamento 201
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2.6.1.11. Subarrendamento Rural 201 2.6.1.12. Arrendatário como Conjunto Familiar 201 2.6.1.13. Substituição Facultativa da Área 202 2.6.1.14. Arrendamento de Imóveis de Propriedade Estatal 202 2.6.1.15. Arrendatário Estrangeiro 202
2.6.2. Parcerias Rurais 203 2.6.2.1. Espécies de Parcerias 204 2.6.2.2. Dos Direitos e Deveres das Partes Contratantes 205 2.6.2.3. Proibições aos Parceiros 205 2.6.2.4. Vigência dos Contratos de Parceria Rural 206 2.6.2.5. Das Quotas de Partilha 206 2.6.2.6. Cláusulas Obrigatórias dos Contratos de Parceria Rural 207 2.6.2.7. Causas de Extinção 207 2.6.2.8. Subparceria Rural 208 2.6.2.9. Parceria Rural e o Conjunto Familiar 208 2.6.2.10. Parcerias Rurais Aparentes 209 2.6.2.11. A Exegese do Contrato de Parceria Rural 209
2.7. Crédito Rural 210
2.8. Títulos de Crédito Rural 212 2.8.1. Cédula Rural 213 2.8.2. Nota de Crédito Rural 214 2.8.3. Nota Promissória Rural 214 2.8.4. Duplicata Rural 214 2.8.5. Cédula de Produto Rural 215 2.8.6. Cédula de Produto Rural com Liquidação Financeira 215 2.8.7. Certificado de Depósito Agropecuário e Warrant Agropecuário 216 2.8.8. Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio 217 2.8.9. Letra de Crédito do Agronegócio 217 2.8.10. Certificado de Recebíveis do Agronegócio 218 2.8.11. Nota Comercial do Agronegócio 218
2.9. Seguro Rural 219 2.9.1. Seguro 219 2.9.2. Seguro Rural 219 2.9.3. Subvenção Econômica ao Prêmio do Seguro Rural 221 2.9.4. Programa Nacional de Garantia da Atividade Agropecuária 222
2.10. Direito Ambiental no Âmbito Agrário 223 2.10.1. Direito Ambiental 223 2.10.2. Relação entre o Direito Agrário e o Direito Ambiental 225 2.10.3. Estudo de Impacto Ambiental 226 2.10.4. Licenciamento Ambiental 228 2.10.5. Auditoria Ambiental 229 2.10.6. Recursos Hídricos 230 2.10.7. Poluição 231 2.10.8. Área de Preservação Permanente e Reserva Legal 234 2.10.9. Infrações Administrativas 237
2.10.9.1. Infrações ao Código Florestal 238 2.10.9.2. Infrações ao Código de Caça 238 2.10.9.3. Infrações ao Código de Pesca 238
2.10.10. Infrações Penais 238
2.11. Direito do Trabalho no Âmbito Rural 240 2.11.1. Contratos de Trabalho 241
10
2.11.2. Direito Coletivo 243 2.11.3. Alienação da Propriedade Rural e os Empregados 243 2.11.4. Moradia do Trabalhador Rural 243
2.12. Noções de Direito Previdenciário no Âmbito Rural 244
2.13. Direito da Propriedade Intelectual no Âmbito Agrário 245 2.13.1. Noções Gerais sobre Propriedade Intelectual 246
2.13.1.1. Patentes 247 2.13.1.2. Marcas 247 2.13.1.3. Indicações Geográficas 247 2.13.1.4. Concorrência Desleal 248 2.13.1.5. Direito Autoral 249
2.13.2. Proteção de Cultivares 249 2.13.3. Sistema Nacional de Sementes e Mudas 254 2.13.4. Pirataria 256 2.13.5. Transgênicos 257
2.13.5.1. Proteção dos Transgênicos 259
3. DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O AGRONEGÓCIO 261
3.1. A ordem do comércio internacional de produtos agropecuários 262 3.1.1. As medidas de apoio doméstico dos membros da OCDE 263
3.1.1.1. A Política Agrícola Norte-Americana (Farm Bill) 266 3.1.1.1.1. A nova Farm Bill 269
3.1.1.2. A Política Agrícola Européia (PAC) 269 3.1.1.2.1. A Reforma da PAC 271
3.1.1.3. A Política Agrícola Japonesa 272 3.1.2. Barreiras comerciais 272
3.1.2.1. Espécies de barreiras comerciais 273 3.1.2.2. As Barreiras Antidumping 274 3.1.2.3. Barreiras comerciais no Agronegócio 275 3.1.2.4. Exemplos de barreiras comerciais ao Agronegócio 277
3.1.2.4.1. Barreiras ao açúcar 280 3.1.2.4.2. Barreiras ao suco de laranja 281 3.1.2.4.3. Barreiras ao álcool 282 3.1.2.4.4. Barreiras à carne 283 3.1.2.4.5. Barreiras ao leite 285 3.1.2.4.6. Lei do bioterrorismo 286
3.2. A agricultura no sistema multilateral de comércio 286 3.2.1. Introdução 286
3.2.1.1. Histórico do GATT 287 3.2.1.2. A Organização Mundial do Comércio (OMC) 290 3.2.1.3. Princípios que regem o sistema multilateral da OMC 291
3.2.2. Acordos firmados na Rodada Uruguai 292 3.2.2.1. Situação da Agricultura na Rodada Uruguai 292 3.2.2.2. O Acordo sobre Agricultura 295
3.2.2.2.1. Acesso a Mercados 297 3.2.2.2.2. Apoio Doméstico 298 3.2.2.2.3. Subsídios à exportação 300 3.2.2.2.4. Medidas compensatórias e a Cláusula da Paz 302 3.2.2.2.5. Considerações finais sobre o Acordo Agricultura 303
3.2.2.3. Acordo Sanitário e Fitossanitário 303 3.2.2.3.1. Codex Alimentarius 305
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3.2.2.4. Acordos da OMC relacionados a Defesa Comercial 306 3.2.2.4.1. Acordo Antidumping 308 3.2.2.4.2. Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias 312 3.2.2.4.3. Acordo Salvaguardas 318
3.2.2.5. A reforma do sistema de resolução de disputas 321 3.2.2.6. Outros acordos da Rodada Uruguai 321
3.2.3. Desafios no âmbito da OMC 322
3.3. O sistema de resolução de disputas da OMC 324 3.3.1. Histórico 324 3.3.2. Procedimentos 326 3.3.3. Algumas mudanças importantes no mecanismo 329 3.3.4. Falhas institucionais e processuais do sistema 331 3.3.5. Falhas operacionais do sistema 333 3.3.6. Conclusão 335 3.3.7. Contenciosos de destaque na OMC 337
3.3.7.1. Açúcar contra a UE 337 3.3.7.2. Algodão contra os EUA 338 3.3.7.3. Carne de frango contra a UE 340 3.3.7.4. Carne de frango contra a Argentina 340 3.3.7.5. Suco de laranja contra os EUA 341 3.3.7.6. Emenda Byrd 341
3.4. As negociações em andamento no âmbito da OMC 341 3.4.1. Introdução 341
3.4.1.1. Posição brasileira 343 3.4.1.2. Posição norte-americana 344 3.4.1.3. Posição européia 344
3.4.2. Sistemática das negociações 345 3.4.3. As Reuniões Ministeriais ocorridas no âmbito da OMC 346
3.4.3.1. Reunião Ministerial de Cingapura 346 3.4.3.2. Reunião Ministerial de Genebra 347 3.4.3.3. Reunião Ministerial de Seattle 348 3.4.3.4. Reunião Ministerial de Doha 349 3.4.3.5. Reunião Ministerial de Cancún 350 3.4.3.6. Reunião Ministerial de Hong Kong 350
3.4.4. A Rodada Doha e as negociações agrícolas 351 3.4.4.1. Histórico do impasse 351 3.4.4.2. Balanço do fracasso de Doha 354 3.4.4.3. Conclusão 356
3.4.5. Perspectivas para o sistema multilateral 357
3.5. Alternativas ao sistema multilateral de comércio 358 3.5.1. Introdução histórica 358 3.5.2. A corrida por acordos de menor alcance após Cancún 360 3.5.3. A inserção da agricultura nos acordos de menor alcance 361 3.5.4. Acordos regionais sob o prisma da cláusula da nação mais favorecida 362 3.5.5. Principais acordos em negociação pelo Brasil 363
3.5.5.1. MERCOSUL 363 3.5.5.1.1. Estágio da integração 364 3.5.5.1.2. A integração com os países vizinhos 365 3.5.5.1.3. Dificuldades no processo de integração 365 3.5.5.1.4. Disputas comerciais e os esforços para a reconciliação 367
3.5.5.2. ALCA 368 3.5.5.2.1. Interesses envolvidos 368 3.5.5.2.2. Riscos envolvidos 369
12
3.5.5.2.3. O início das negociações 370 3.5.5.2.4. Sistemática das negociações 371 3.5.5.2.5. O entrave das negociações 372 3.5.5.2.6. A corrida por acordos de menor alcance 372 3.5.5.2.7. Os problemas da oferta Norte-Americana 374 3.5.5.2.8. Alternativas à proposta Norte-Americana 375 3.5.5.2.9. Conclusão 376
3.5.5.3. Acordo MERCOSUL – União Européia 377 3.5.5.3.1. As negociações 378 3.5.5.3.2. Impasse nas negociações 379
3.5.5.4. O Sistema Geral de Preferências - SGP 379 3.5.5.4.1. O SGP Norte-Americano 381
3.5.5.5. Acordos Sul-Sul 383 3.5.5.5.1. SGPC 384 3.5.5.5.2. República Popular da China 385 3.5.5.5.2.1. A acessão da China e as medidas de defesa comercial 388 3.5.5.5.2.2. Relacionamento Brasil - China 388 3.5.5.5.2.3. Perspectivas das relações comerciais 390 3.5.5.5.2.4. Óbices à integração com a China 392 3.5.5.5.2.5. Estágio atual das relações comerciais 393 3.5.5.5.3. Índia 395 3.5.5.5.3.1. A Índia e o mundo 396 3.5.5.5.3.2. Oportunidades para o agronegócio 396 3.5.5.5.3.3. Acordos Brasil-Índia 397 3.5.5.5.4. África do Sul, MERCOSUL-Sacu e Ibas 397
3.6. Conclusões 398 3.6.1. A OMC e o imperialismo 398 3.6.2. O “Lado positivo” do fracasso de Doha 402 3.6.3. A bioenergia e o futuro do comércio agrícola 404
ÍNDICE ALFABÉTICO REMISSIVO 406
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 407
13
PREFÁCIO
14
15
16
APRESENTAÇÃO DA OBRA
Introdução: A agricultura tem se mostrado uma peça chave no desenvolvimento do
Brasil desde o início da colonização. Dotado de vantagens comparativas
extraordinárias sobre a maior parte dos países em quase todos os segmentos, não é a
toa que tanto se professa que o Brasil será um dia o celeiro do mundo, o que não
seria nada mal para a prosperidade da economia e de toda a população.
É com muita satisfação que apresentamos ao público o presente trabalho, que busca
justamente investigar a forma como o agronegócio encontra-se estabelecido no
Brasil e identificar os fatores que estão a obstar o atingimento desse tão sonhado
objetivo. Para tanto, dedicamos a presente obra ao estudo de uma grande diversidade
de temas que influenciam na organização do mercado agrícola no Brasil e no
mundo, tanto no nível nacional como internacional.
Fruto de mais de 4 anos em pesquisa, revisões e constantes atualizações, o trabalho
exigiu muito esforço e perseverança dos envolvidos, inclusive por ter sido elaborado
em paralelo com as não poucas atividades normais de um escritório de advocacia. A
pequena oferta de referências bibliográficas especializadas no Brasil representou um
desafio e, ao mesmo tempo, um estímulo para que chegássemos ao resultado final,
que foi organizado da seguinte forma:
O primeiro capítulo, por Adriano Boni de Souza, tem o objetivo de contextualizar
o leitor acerca da grandeza e do papel que o agronegócio tem no desenvolvimento
do país. Busca ainda identificar e esclarecer alguns fatores de ordem nacional e
internacional que influenciam seu desempenho. Fruto de vasto levantamento sobre o
comportamento do agronegócio no Brasil, o capítulo consiste numa compilação de
uma série de dados econômicos e estatísticos dos principais segmentos e cadeias
agroindustriais da atualidade. Assim, com o intuito de proporcionar ao leitor uma
visão geral da organização da economia agropecuária brasileira e da sua inserção no
mercado internacional, são apresentados ainda inúmeros dados e informações
relativos à área de comércio exterior. O capítulo conclui com perspectivas para o
agronegócio brasileiro, o que é feito a partir da identificação das principais
dificuldades comumente apontadas pelo mercado e das medidas que vêm sendo
implementadas pelos setores público e privado na busca de soluções. Essa
introdução serve de suporte fático para o desenvolvimento dos temas abordados nos
dois capítulos seguintes.
No segundo capítulo, Eduardo Bratz abordada alguns dos principais temas de
direito agrário, visando proporcionar ao leitor uma visão geral do contexto
institucional em que as atividades agrárias são desenvolvidas no Brasil. São
estudados os temas de maior relevância, muitos dos quais tendem a ser objeto de
17
eterna controvérsia, tais como transgênicos, reforma agrária, tributação, meio
ambiente, etc. Longe de se pretender esgotar a matéria, o intuito central é
familiarizar o leitor com alguns conceitos fundamentais sobre os quais o mercado
está estabelecido.
Por fim, o terceiro capítulo, por Durval de Noronha Goyos Jr, presta-se ao estudo
das mais variadas questões de direito internacional que influenciam os fluxos de
comércio de alimentos e outros produtos agropecuários no mundo, com enfoque
particular nas suas conseqüências sobre os resultados das exportações do Brasil.
Para tanto, é inicialmente apresentado um panorama dos principais obstáculos à livre
concorrência no mercado agropecuário mundial e do papel dos países
industrializados nesse cenário. Nos tópicos 2 e 3, é feita uma abordagem em torno
da ordem estabelecida no comércio internacional agrícola no âmbito multilateral da
OMC. Os tópicos 4 e 5 destinam-se a proporcionar ao leitor uma visão geral sobre as
perspectivas de destravamento nas negociações em andamento para o
aprofundamento dos compromissos firmados para a abertura do comércio
internacional agrícola e das alternativas multilaterais, regionais, plurilaterais e
bilaterais disponíveis. Ao término, são apresentadas as conclusões do autor acerca
dos temas postos em discussões e da responsabilidade dos países industrializados
sobre o caos estabelecido no mercado agrícola mundial. O capítulo é resultado da
sistematização e revisão de diversos textos que vêm sendo publicados pelo autor
desde a criação da OMC, em 1994.
Apesar de jamais se ter cogitado esgotar essa grande quantidade de temas tão ricos e
complexos que permeiam o agronegócio, esperamos ter logrado atingir
satisfatoriamente o já bastante ousado objetivo de sistematizar as principais questões
e conceitos e, com isso, proporcionar ao leitor uma visão geral da lógica de
funcionamento do mercado. Com isso, esperamos ter contribuído de alguma forma
para o desenvolvimento das ciências agrária e jurídica no Brasil, sobretudo através
da disponibilização de plataformas de apoio para estudos mais aprofundados em
temas específicos dessa área tão ampla e importante para a economia e para a
população brasileira.
São José do Rio Preto, 27 de abril de 2007.
Durval de Noronha Goyos Jr.
18
1. PANORAMA DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO
Adriano Boni de Souza
De acordo com a literatura especializada1, a agropecuária tem pelo menos 6
funções de destaque dentro do processo de desenvolvimento da economia de um
país. São elas: i) fornecimento de alimentos à população; ii) fornecimento de capital
para a expansão do setor não agrícola; iii) fornecimento de mão-de-obra para o setor
não agrícola; iv) fornecimento de divisas para a compra de insumos e bens de capital
necessários para o desenvolvimento econômico; v) formação de mercado
consumidor para o setor não agrícola e vi) fornecimento de matéria-prima para o
desenvolvimento industrial.
A forma como a economia Brasileira apoiou-se nas atividades rurais ao longo
dos últimos 5 séculos dão conta do acerto dessa teoria. Nesse sentido, veja-se que,
até o nascimento da indústria brasileira, em meados do século XX, a economia
nacional ficou basicamente restrita a essas atividades, tendo a sua participação
relativa na economia começado a se dissipar somente a partir do processo de
industrialização. Hoje, meio século depois da consolidação da indústria no país,
ainda que com menor participação relativa dentro do PIB, as atividades
agropecuárias ainda desempenham um papel decisivo no impulsionamento da
economia do país, representando uma importantíssima fonte de renda e de
empregos, sem o que, certamente, o Brasil não teria chances de sair do atoleiro,
rumo ao desenvolvimento.
No curso do século XX, mudanças muito significativas ocorreram nos planos
social e econômico nacionais, não tendo sido diferente o destino das cadeias
produtivas relacionadas à agropecuária. Estas passaram por uma progressiva e
profunda reformulação, em especial no que se refere às técnicas de produção e
comercialização, adquirindo, com isso, complexidade e dinamicidade inimagináveis,
como resultado da incorporação de tecnologias e da maior interatividade entre os
diversos agentes econômicos envolvidos, inclusive do ponto de vista internacional.
Tal fenômeno, cumpre frisar, não ficou restrito aos campos brasileiros, tendo sido
também registrado em maior ou menor grau em todas as regiões do globo.
Assim, com o passar do tempo, o termo agricultura começou a se mostrar
insuficiente para resumir a economia rural. Se, anteriormente, todas as atividades
eram desenvolvidas quase que exclusivamente dentro das fazendas, não raro em
regime de subsistência, hoje o processo produtivo adquiriu feições completamente
diferentes. Aquilo que tradicionalmente era chamado de agricultura passou a
depender fortemente de diversos serviços, máquinas e insumos fornecidos por
terceiros, bem como de diversas atividades desenvolvidas depois que os produtos
deixam as fazendas, tais como armazéns, infra-estrutura de transporte,
agroindústrias, mercados atacadistas, exportação, etc. Esses segmentos assumiram
19
funções cada vez mais especializadas; cada um deles compondo um elo de uma
cadeia altamente interdependente e cada vez mais eficiente e dinâmica.
Em paralelo, multiplicaram-se e modernizaram-se os instrumentos
disponíveis para a realização de negócios envolvendo produtos agropecuários, para
atender às necessidades emergentes do setor privado, dentro de um contexto em que
a atuação do Estado se mostra progressivamente menor, primordialmente focada em
atividades de regulação. Operações financeiras complexas passaram a ser usadas
com maior freqüência, tanto para a comercialização, quanto para o gerenciamento de
riscos financeiros e para a captação de recursos.
Nascia aí o agronegócio, que resume toda a gama de atividades econômicas
envolvidas na produção agropecuária, desde as atividades conhecidas como “antes
da porteira” (insumos, equipamentos, sementes, etc.), passando pelo “dentro da
porteira” (a produção agropecuária propriamente dita, ou seja, preparo e manejo do
solo, irrigação, colheita, criações, etc.), até as “depois da porteira”, através das quais
os produtos chegam ao consumidor final (compreendendo uma gigantesca rede de
indústrias e serviços voltados ao processamento, comercialização, financiamento,
seguros, transporte e armazenamento da produção).
Este primeiro capítulo, pois, presta-se a traçar este panorama histórico e
econômico do agronegócio no Brasil, contendo um apanhado de informações e
dados sobre os seus principais segmentos, com a finalidade última de contextualizar
as questões que serão debatidas nos dois capítulos seguintes.
1.1. Breve histórico do agronegócio brasileiro
A história econômica do Brasil é marcada por ciclos bem definidos, com a
ascensão e queda de algumas atividades extrativistas e agrícolas que, por períodos
consideráveis, figuraram como protagonistas na pauta de exportações brasileiras.
Nesse processo, já tiveram a sua vez produtos como o pau-brasil, o ouro, o açúcar, o
algodão, o café e a borracha, os quais ganharam tamanha expressividade que por
muitos anos determinaram os rumos da economia nacional, com impactos não
menos relevantes sob o prisma social.
Num primeiro momento, que se estendeu da colonização até a vinda da
Família Real, no início do século XIX, a economia brasileira permaneceu
praticamente toda voltada para as exportações. Tratou-se de um longo período de
verdadeira atrofia econômica, ocasionada em grande medida pelo fato de Portugal
até então monopolizar o comércio exterior brasileiro. Essa situação só teve
condições de mudar a partir 1808, com a abertura dos portos brasileiros às nações
amigas, pelo então rei de Portugal, D. João VI. Alguns anos depois, foi proclamada
a independência e, aos poucos, a economia brasileira foi se desvinculando da sua
metrópole, ganhando escala e dinamicidade.
20
No início da colonização, a capacidade de expansão da produção mostrou-se
limitada, sendo incapaz de acompanhar o crescimento da demanda externa. Isso
porque a produção empregava técnicas bastante rudimentares, mesmo para os
padrões da época, com a predominância de atividades extrativistas. Essa situação foi
especialmente visível durante o século XV, que teve na exploração do pau-brasil a
sua principal atividade produtiva.
O corte de árvores teve início logo após a chegada dos portugueses,
adquirindo uma dimensão jamais vista, que prosseguiu em ritmo acelerado pelos
séculos seguintes, até o quase esgotamento das reservas naturais de pau-brasil.
Estima-se que somente durante o período colonial, que se estendeu de 1500 a 1822,
foram derrubadas 70 milhões de árvores2, via de regra levadas para a Europa para a
produção de corante.
Em que pese a voracidade desse comércio, à medida em que o Brasil passou a
desenvolver novas (e mais lucrativas) atividades econômicas, a importância relativa
do pau-brasil na pauta de exportações brasileiras começou a ser diluída. Assim,
calcula-se que o valor dos embarques de pau-brasil não tenha chegado a 3% do total
das exportações do Brasil-Colônia.
Com isso, tem-se que a primeira atividade capaz de, efetivamente, alavancar
o crescimento econômico do país veio a ser a produção de açúcar, que ganhou escala
significativa por volta de 1600. O açúcar despontou como o principal produto de
exportação do período colonial, representando 56% da pauta de exportações,
segundo cálculos do economista Roberto Simonsen. Superou de longe, com isso,
algumas atividades notoriamente rentáveis, como a exploração de ouro e de
diamantes, que somaram 31,7% do total exportado entre 1500 e 1822.
O açúcar manteve-se, por muitos anos, como a vedete da economia brasileira
e somente viu sua posição abalada no início do século XIX, com a escalada das
exportações de café, que rapidamente tomou o seu lugar e reinou absoluto no campo
até a primeira metade do século XX, conforme mostra o gráfico a seguir.
Composição da pauta de exportação brasileira
(1821-1940)
01020
3040506070
8090
100
1821
/30
1831
/40
1841
/50
1851
/60
1861
/70
1871
/80
1881
/90
1891
/00
1901
/10
1911
/20
1921
/30
1931
/40
Outros
Couro e peles
Erva-mate
Cacau
Fumo
Borracha
Algodão em pluma
Açúcar
Café
Fonte: IBGE apud BACHA, Carlos José Caetano.
21
Constata-se, portanto, que a história econômica do Brasil foi inaugurada com
uma completa dependência das atividades agrícolas, problema que persistiu até
meados da década de 1950 sem sofrer alterações significativas, apesar de todos os
esforços para se encontrar uma alternativa para o modelo clássico de crescimento
econômico baseado na exportação de produtos primários. Por essa razão, o Brasil,
de uma maneira rara no âmbito internacional, experimentou, por diversas vezes, a
imersão em profundas crises oriundas da volatilidade das commodities
agropecuárias. Este histórico trágico é notável a começar pelas crises do açúcar no
século XVII (decorrente da concorrência do açúcar do Caribe), passando pela
ascensão e queda da borracha na região amazônica, entre 1880 e 1940, e,
principalmente, pelas amargas experiências vividas pela economia cafeeira no início
do século XX.
Vale lembrar, a cafeicultura (e, por decorrência, toda a economia nacional)
teve de atravessar agudas crises de superprodução, marcadas pelo Convênio de
Taubaté em 1906, prosseguindo em altos e baixos até o colapso da Bolsa de Nova
York, em 1929, de cujos efeitos custou ainda mais para se recuperar. De qualquer
forma, apesar das adversidades vividas no início do século, a cafeicultura foi capaz
de produzir muita riqueza, representando a principal fonte de recursos para a
industrialização e urbanização paulista.
Em busca de alternativas para o café e a cana-de-açúcar, verificaram-se
algumas tentativas frustradas de diversificação da pauta de exportação com apostas
em produtos que, por períodos mais curtos, renderam excelentes lucros aos
produtores brasileiros, mas não conseguiram sustentar tal sucesso de uma forma
mais duradoura. Caso notável disso foi o do algodão, que chegou a representar 30%
das exportações brasileiras em 18253, beneficiando-se de instabilidades no mercado
internacional ocasionadas pela guerra de independência dos EUA e pela Revolução
Francesa. Com a pacificação de tais conflitos, a cotocultura perdeu rapidamente sua
expressividade econômica. Décadas mais tarde, foi a vez da borracha de seringueira,
que foi produzida em larga escala na região amazônica durante os primeiros anos do
século XX, representando um quarto da pauta de exportações do país. Esse
promissor segmento, todavia, entrou em colapso após a descoberta da borracha
sintética.
Essa situação de completa dependência da exportação de (poucos) produtos
primários manteve-se praticamente inalterada até meados do século XX, momento
que, curiosamente, coincidiu com o início do cultivo da soja em escala comercial no
país. A partir de então, profundas mudanças no plano sócio-econômico puderam ser
sentidas, como decorrência da aceleração dos processos de urbanização e de
industrialização, voltado para a substituição de importações. Progressivamente, o
PIB industrial descolou-se do PIB da agropecuária, derrubando o paradigma de que
a economia brasileira seria rural por definição.
22
Evolução da composição do PIB brasileiro
(em %)
0,0
10,0
20,0
30,0
40,0
50,0
60,0
70,01
94
7
195
0
195
3
195
6
195
9
196
2
196
5
196
8
197
1
197
4
197
7
198
0
198
3
198
6
198
9
199
2
199
5
199
8
200
1
Agropecuária
Indústria
Serviços
Fonte: Massilon J. Araújo, Fundamentos de Agronegócio apud Estatísticas Históricas do Brasil, IBGE - 1990, para os anos de 1947 a
1979; Anuário Estatístico do Brasiol para os anos 1980 a 1989; os dados de 1990 a 2000 são das Contas Nacionais. Os dados de
2001 e 2002 são estimativas.
Em 1950, dos 51 milhões de habitantes brasileiros, cerca de 80% ainda
viviam no meio rural, sendo que 73% das propriedades utilizavam apenas o trabalho
humano e animais de tração. Registros dão conta de que estavam em funcionamento
apenas 8.372 tratores, dentro das cerca de 2 milhões de propriedades rurais
existentes no país.4 Essas propriedades eram, em geral, voltadas para a subsistência,
com a venda do excedente, em virtude da ausência de demanda em escala no
mercado interno de alimentos, o que limitava a ascensão de produtos que não fossem
os exportáveis.
O cenário mudou radicalmente a partir de então. Nas décadas de 60 e 70, viu-
se uma intensa migração do meio rural para o urbano (estima-se que 32 milhões de
pessoas mudaram-se para as cidades)5, o que refletiu no aumento da demanda por
produtos da cesta básica, como arroz, feijão, milho, carne, além de algodão e couro,
resultando na consolidação de um mercado interno mais significativo. O processo de
mecanização das lavouras avançou de maneira fenomenal nessas décadas, tanto no
número de tratores em operação no campo (que subiu para 63 mil unidades em
1960, 97 mil em 1970 e 480 mil em 1980)6, como também da sua potência média,
dando maior capacidade laborativa às fazendas. Esse movimento veio acompanhado
pela maior utilização de fertilizantes, sementes selecionadas e produtos químicos,
resultando em notáveis saltos de produtividade. Gastos com insumos produtivos
(sementes, defensivos, fertilizantes, maquinários, embalagens, rações, etc.), que
representavam 14,3% do valor da produção em 1959, saltaram sucessivamente para
21,5% em 1965, 27,6% em 1970 e 34,4% em 1975, chegando a 38,7% em 1980.7
Posteriormente, esse processo radical de modernização veio a ser apelidado de
revolução verde.
Simultaneamente, acelerava-se o processo modernização e integração das
cadeias produtivas do agronegócio. Um dinâmico comércio criou-se em torno da
23
produção agrícola nas cidades envolvidas, com a instalação de restaurantes, lojas,
oficinas, transportadoras, agências bancárias, etc. Junto disso, as primeiras fábricas
de automóveis e tratores instalaram-se no Brasil, durante o governo de Juscelino
Kubitschek. Assim, a agricultura foi progressivamente desaparecendo enquanto peça
isolada na economia, dando lugar a uma rede cada vez mais interdependente de
produtores rurais, indústrias e prestadores de serviço relacionados.
Essa transformação do agronegócio nas últimas décadas foi bem resumida por
Carlo Lovateli, presidente da Abag: „Até o meio da década de 1960, as exportações
brasileiras consistiam basicamente numa lista de 10 a 15 produtos primários, onde o
café representava mais da metade do total. O governo promoveu, então, incisivas
políticas de “financiamento”, “incentivo fiscal”, “promoção” e “indução ou apoio
direto” às exportações. Os resultados foram bastante satisfatórios, com um invejável
aumento das vendas externas, que passaram de menos de US$ 1,5 bilhão em meados
da década de 1960 para cerca de US$ 12 bilhões em 1977.‟8
De fato, ficou patente a mudança da forma como o Governo passou a encarar
as exportações a partir de meados da década de 60. Nesse momento, o Governo
criou o CONCEX – Conselho Nacional do Comércio Exterior, com a finalidade de
formular a política do Comércio Exterior brasileira, orientando e coordenando as
medidas necessárias à expansão das transações comerciais com o exterior.
Seguiram-se esforços para a eliminação de entraves às exportações e,
progressivamente, a pauta de exportações diversificou-se, com a participação do
café no total exportado caindo para menos de 25% em 1973. Isso certamente
amenizou a fragilidade da economia e a dependência das boas safras e preços do
café.
Nesse sentido, é interessante observar que o primeiro levantamento feito pelo
Ministério do Desenvolvimento, em 1964, apurou que 85% da pauta de exportações
era composta por produtos primários, como os agrícolas e os de extrativismo
mineral; 8% de semi-manufaturados, como papel, celulose e couro e 6% de
manufaturados. Esse cenário evoluiu sensivelmente durante os 25 anos seguintes.
Em 1989, o levantamento apontou uma inversão das posições na pauta de
exportações: os itens básicos compunham cerca de 28% e os manufaturados, 54%.
Evolução das exportações brasileiras por fator agregado
* (em US$ milhões sobre o total geral)
0
10000
20000
30000
40000
50000
60000
70000
80000
90000
100000
110000
19
64
19
66
19
68
19
70
19
72
19
74
19
76
19
78
19
80
19
82
19
84
19
86
19
88
19
90
19
92
19
94
19
96
19
98
20
00
20
02
20
04
TOTAL GERAL MANUFATURADOS SEMIMANUFATURADOS BÁSICOS
Fonte: MIDIC/SECEX * 2004 jan a set.
24
Durante o regime militar, apesar da importância dada à indústria, o setor
agropecuário não foi relegado ao esquecimento. Muito pelo contrário; o governo deu
grande incentivo especialmente ao plantio de soja, que considerava uma frente muito
promissora para a movimentação da economia e o crescimento econômico do país.
Os resultados obtidos desde então demonstraram que o acerto dessa política. Ao
incentivar o setor agropecuário, com uma política de preços mínimos e créditos
subsidiados (em média US$ 15 bilhões anuais), o campo passou por um acelerado
processo de modernização e desenvolvimento. Somente na área dos cerrados, por
exemplo, a frota de tratores cresceu de 12.282 máquinas em 1970 para 94.354
unidades em 1985.9
Contudo, esse círculo virtuoso de desenvolvimento da economia como um
todo teve seu fim antecipado com o advento da crise do petróleo, em 1974. Nessa
ocasião, com a explosão dos preços, a participação do petróleo nas importações
brasileiras saltou para 30%, contra 10% verificados dois anos antes. Inúmeras
medidas foram adotadas na tentativa de reverter os conseqüentes déficits comerciais
que passaram a se repetir nos anos seguintes, que resultaram no expressivo
crescimento da dívida externa. Entre tais medidas, destacou-se a implementação do
Plano Nacional do Álcool (Proálcool), conforme se verá adiante. Em que pese todos
os esforços do Governo, somente no início da década de 80, após uma significativa
desvalorização do câmbio, redução dos preços do petróleo e crescimento da
produção nacional deste insumo, é que a balança comercial brasileira veio a se
estabilizar, passando a apresentar bons saldos a partir de 1983.
Mesmo assim, o Governo não foi capaz de reverter os baixos índices de
crescimento econômico, inflação e endividamento externo. Uma infindável
seqüência de planos econômicos foi posta em prática, sem resultados convincentes.
A maioria implicava em mudanças imprevisíveis, que invariavelmente acarretavam
prejuízo para o campo, mormente diante dos expressivos cortes feitos nas políticas
de incentivo à agricultura. Não era raro que os agricultores plantassem safras sob
determinadas regras e as colhessem na vigência de outras. O plano de abertura da
economia do governo Collor talvez seja o melhor exemplo. Seus reflexos foram
sentidos no campo e podem ser ilustrados na redução do número de tratores entre
1985 e 1998, que passaram de 551 mil para 460 mil unidades (o equivalente a menos
de 10% da frota americana)10
. Acompanhando esse movimento, a produção agrícola
brasileira caiu 18% e 19%, respectivamente, nas safras 1990/91 e 1991/92.11
Outro duro golpe no setor foi ocasionado pela implementação do Plano Real,
quando uma perversa combinação de câmbio sobrevalorizado e juros altos
prejudicaram a política de exportações, gerando inclusive uma forte concorrência de
produtos estrangeiros dentro do próprio mercado brasileiro. Essa fase coincidiu com
o fim da política de preços mínimos e de outras medidas de incentivo, que tanto
haviam colaborado para o crescimento da agropecuária nas décadas anteriores,
25
deixando todo o setor descapitalizado. Com a diminuição das suas rendas, muitos
agricultores “quebraram” e verificou-se a aceleração do processo de concentração de
capitais, nas mãos daqueles que foram menos afetados pelas oscilações político-
econômicas. Sobreviveram aqueles que conseguiram adaptar-se à era da
globalização e modernizaram suas lavouras.
Curioso observar, nesse sentido, que, mesmo diante de todas as dificuldades a
que o agronegócio foi submetido nesse período, a sua contribuição para a economia
do país foi extremamente valorosa, para movimentar a economia e, sobretudo, para
equilibrar a balança de pagamentos. Com efeito, o setor obtinha conseguiu os altos
patamares de vendas externas, com superávits comerciais acima de US$ 10 bilhões
anuais, sem o que, certamente, o país cairia em insolvência.
No momento da abertura do mercado brasileiro, as deficiências brasileiras em
termos de competitividade foram repentinamente expostas, obrigando os diversos
setores da economia, sobretudo da agropecuária, a promover um choque de
modernização, em prol da sua sobrevivência. Em verdade, tratou-se da herança
negativa da política agrícola adota a partir dos anos 70, fundada em programas de
subsídios e na garantia de preços mínimos, política esta que favorecia uma lógica
imediatista através da qual não era conveniente investir na modernização da
produção e em ganhos de produtividade. Talvez tenha sido ela, portanto, a principal
responsável pela situação de relativo atraso encontrada em algumas atividades
agropecuárias em meados da década de 90, como é o caso da pecuária leiteira. Isso
explica por que Marcos Jank descreve a política agrícola brasileira da época como
“uma cópia da norte-americana, só que sem recursos para sustentá-la”.12
Somente em 1999 é que a recuperação do setor agrícola ganhou fôlego,
baseada fundamentalmente no crescimento das exportações. Esse crescimento se
deveu especialmente à mudança na política cambial, à renegociação das dívidas
acumuladas durante a década de 1990 e a uma sensível melhora nos preços externos
de produtos como a soja, açúcar, álcool e algodão13
, contando ainda com o suporte
de programas governamentais de financiamento e modernização das lavouras, como
o Moderfrota. Além disso, a estabilização da economia viabilizou a realização de
investimentos com maior previsibilidade e, por decorrência, a custos menores,
resultando num processo de incorporação de tecnologias sem precedentes na
história. Em paralelo, o setor agrícola também pôde contar uma algumas melhorias
no campo logístico, que ganhou competitividade após a privatização e modernização
de portos, rodovias e ferrovias e maior utilização das hidrovias.14
Combinados, estes
fatores contribuíram para os fabulosos índices de crescimento da produção e das
exportações do setor agropecuário, verificados a partir do final da década de 1990.
Do início da década de 1990 até o ano de 2003, a produção de grãos dobrou e
ultrapassou de longe a marca das 100 milhões de toneladas, com uma expansão de
apenas 12% da área cultivada. A produtividade da maioria das lavouras cresceu em
ritmo excepcional, especialmente o arroz (31%), o milho (51,7%), feijão (41,6%),
26
soja (51,3%) e o trigo (28%). O caso do algodão foi ainda mais impressionante,
quase triplicou (vide gráfico no capítulos sobre algodão), permitindo que o país
deixasse de ser um dos maiores importadores do mundo (US$ 1 bilhão em meados
da década de 1990) para começar a exportar volumes relevantes no início do século
XXI.15
Segundo pesquisadores da USP, no último quarto do século XX,
impulsionada por importantes instituições, como a Embrapa, ocorreu um notável
aumento de produtividade, que permitiu uma redução média anual em torno de
5,25% dos preços de uma cesta composta por leite, carne bovina, frango, arroz,
feijão, ovos, café e outros 11 produtos.16
Evolução da área plantada e da produção brasileira de grãos
37,8 38,4 35,6 39 38,4 36,8 36,4 35 36,7 37,7 37,3 40,2 43,9 47,3 48,368,2
81,296,7
119,1131,9123,2
73,898,2
82,882,478,9 76,57668,357,8
0
50
100
150
1990/91 1992/93 1994/95 1996/97 1998/99 2000/01 2002/03 2004/05*
Safras
1
1,5
2
2,5
3
3,5
Área Plantada (milhões de ha.) Produção (milhões de ton.) produtividade
Fonte: Massilon J. Araújo, Fundamentos de Agronegócio apud Ministério da Agricultura, da Pecuária e do Abastecimento.
Finda essa introdução histórica ao agronegócio no Brasil, será delineado a
seguir um panorama da sua situação atual, com o detalhamento dos seus principais
segmentos.
1.2. O agronegócio brasileiro hoje
Passados cinco séculos desde o início da colonização, as relações da
agropecuária com o cenário sócio-econômico do Brasil mudaram drasticamente. A
queda do cacau e da borracha e a recente ascensão da soja ilustram as alterações
vividas pelo agronegócio ao longo de sua história. Em que pese todas essas
transformações, a economia nacional permanece profundamente enraizada ao seu
passado agrícola. Produtos como a cana-de-açúcar, café e fumo, apesar de seus altos
e baixos, nunca perderam a sua relevância e muito colaboraram para oxigenar a
estagnação econômica amargada nos últimos anos, sendo ainda hoje considerado
uma das principais alternativas para alavancar o tão esperado crescimento
econômico.
27
A revolução verde e os persistentes esforços para a modernização da
produção mudaram a face do agronegócio, dando-lhe uma formidável
competitividade no âmbito internacional, o que viabilizou resultados extraordinários
para a economia rural e reflexos benéficos para todo o país. O nível de
desenvolvimento que se vê hoje na economia rural sepulta definitivamente o
preconceito de que campo seja sinônimo de atraso. Se é certo, de um lado, que
métodos mais primitivos de produção e gerência ainda são usados em algumas
propriedades, do outro lado, pode-se encontrar no campo um crescente número de
produtores altamente mecanizados e produtivos. Assim, não é preciso procurar
muito para encontrar no campo lições de profissionalismo, inclusive para cadeias
tradicionalmente mais bem organizadas no Brasil e no exterior.
Em determinadas regiões do Brasil, algumas cadeias já alcançaram estágios
extremamente avançados de desenvolvimento tecnológico e empresarial. Grandes
pólos agroindustriais formaram-se nas cadeias produtivas de álcool, açúcar e laranja
em São Paulo, fumo e calçados no Rio Grande do Sul e aves e suínos em Santa
Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul, além de carnes no Sudoeste de Goiás.
A literatura especializada costuma classificar estes complexos e sofisticados
aglomerados de produtores, indústria processadoras, institutos de pesquisa e demais
empresas relacionadas com o nome de agriclusters, transcendendo a noção de
agronegócio. Os agriclustesrs são tidos como uma terceira geração no
desenvolvimento da cadeia produtiva agropecuária, sendo resultante da amplificação
das relações horizontais e institucionais dos diversos agentes do setor e de uma boa
coordenação da cadeia. Esses pólos produtores são caracterizados por uma maior
sinergia entre os agentes das cadeias, com o aproveitamento de produtos,
subprodutos e resíduos de um sistema para o outro, podendo contar com a utilização
de estruturas físicas para múltiplos sistemas, a fim de permitir economia em escala.
Nos últimos anos, tanto os índices de produção como de vendas externas vêm
batendo recordes sucessivos, fortemente impulsionados por produtos como soja,
papel e celulose, álcool, carne suína e carne de frango. Algumas políticas públicas
acertadas (como a renegociação da dívida dos produtores e o Moderfrota),
conjugadas com um contexto internacional favorável (Real desvalorizado, quebras
de produção nos EUA e aumento do consumo na China) geraram uma excelente
oportunidade para os fazendeiros brasileiros, que souberam aproveitá-la com unhas
e dentes.
O sucesso obtido nos últimos anos é notoriamente conhecido, beneficiando
não só os produtores, mas todas as cadeias relacionadas. Nesse sentido, cabe
observar que, no ranking preparado pela Revista Exame (Melhores e Maiores) em
2004, das 500 maiores empresas que atuam no Brasil, 144 estavam envolvidas com
atividades agropecuárias. A tabela abaixo ilustra a incrível dimensão que ganharam
as maiores empresas que atuam no ramo no Brasil. Note-se que a líder de vendas do
agronegócio, a Bunge, que atua em diversos segmentos ultrapassou em 2004
28
empresas do porte da Embraer e da Companhia Vale do Rio Doce, assumindo o
segundo lugar no ranking dos maiores faturamentos do Brasil, atrás apenas da
Petrobrás.
As maiores Empresas do AgronegócioPelo valor de faturamento das empresas de insumos, produção, processamento e distribuição agroindustrial (2004)
Posição Empresa Controle Acionário Sede Setor Vendas *
1 CBB/Ambev belga São Paulo (SP) Bebidas 7.055,8
2 Bunge bermudense São Paulo (SP) Alimentos 5.403,6
3 Cargill americano São Paulo (SP) Alimentos 5.095,3
4 Carrefour francês São Paulo (SP) Comércio varejista 4.565,7
5 Grupo Pão de Açucar franco-brasileiro São Paulo (SP) Comércio Varejista 4.565,7
6 Nestlé suíço São Paulo (SP) Alimentos 3.277,6
7 Souza Cruz inglês Rio de Janeiro (RJ) Fumo 2.877,3
8 Sadia brasileiro Concórdia (SC) Alimentos 2.710,2
9 Bunge Fertilizantes bermudense São Paulo (SP) Química e Petroquímica 2.523,1
10 Basf alemão São Bernardo do Campo (SP) Química e Petroquímica 2.118,9
Fonte: Melhores e Maiores apud Guia Exame 2005 Agronegócio
* (milhões de dólares)
Hoje em dia, enquanto o desemprego cresce em todos os setores da economia,
a agropecuária é uma das poucas atividades que vêm abrindo postos de trabalho: 589
mil vagas somente no primeiro semestre de 2003 17
. Trata-se de um dado animador e
que autoriza projeções um pouco mais otimistas quanto aos rumos da área social do
país, sobretudo quando se considera que a geração de empregos nas atividades
agropecuárias é mais barata que em qualquer outro setor. Enquanto R$ 1 milhão
geram 91 empregos na indústria de telecomunicações ou 111 na indústria de
metalurgia básica, por exemplo, nas atividades agropecuárias, a mesma quantia é
capaz de gerar 202 empregos. Em segundo colocado fica a extração de madeira, com
163 empregos.
Ainda em se tratando de criação de empregos, outro dado interessante a ser
destacado é o fato de o agronegócio abrir postos de trabalho fora dos grandes centros
urbanos, colaborando de forma decisiva para deter ou até inverter o fluxo de
migração do meio rural para os centros urbanos verificado em ritmo intenso desde o
início do século XX. O Estado de São Paulo, por exemplo, cresceu numa média
anual de 0,78% entre 1993 e 2002, cifra que contrasta sensivelmente com as médias
anuais verificadas nas décadas de 70 e 80, que tiveram um decréscimo de 3,1 % e
2,01%, respectivamente.18
O agronegócio tem assumido, assim, um papel altamente positivo para a
descentralização da riqueza, interiorizando o desenvolvimento e levando renda e
oportunidades a populações historicamente esquecidas pelo Estado. O
desenvolvimento e a modernização, que eram privilégio dos grandes centros urbanos
são agora compartilhados em intensidade jamais imaginada por cidades situadas nas
chamadas fronteiras agrícolas, tais como: Balsas (MA), Linhares (ES), Luís Eduardo
Magalhães (BA), Mineiros (GO), Primavera do Leste (MT), Rio Verde (GO),
29
Santarém (PA), Sorriso (MT), Uruçuí (PI) e Vilhena (RO), que despontam como
grandes promessas do agronegócio.19
Passemos agora para os números do setor. Existe uma certa dificuldade para a
mensuração do PIB do agronegócio, pois o resultado está intimamente ligado às
atividades que devem ou não ser consideradas como integrantes das cadeias do
agronegócio. Por exemplo, dentro do PIB do setor de madeira e mobiliário, também
está incluída a produção de móveis de metal e/ou plástico. Da mesma forma, quando
se mede a cadeia de artigos de vestuário, acaba sendo computada também a
produção de roupas de tecidos sintéticos. Em paralelo, outro fator que pode tornar os
cálculos imprecisos é o fato de haver muita informalidade nas cadeias produtivas,
especialmente em setores como o de carnes. De qualquer forma, ainda que se saiba
que os números do setor devem ser lidos com ressalvas, a sua magnitude é
indiscutível.
Em 2005, o PIB da agropecuária, em sentido estrito (produção rural), foi de
R$ 153,04 bilhões 20
o que representa cerca de 7,4% do PIB total do Brasil, que está
na casa dos R$ 1,9 trilhão.21
A participação da agricultura no PIB da agropecuária é
de cerca de 60%, ficando a pecuária com os 40% restantes.
Composição setorial do PIB em 2003
Serviços
54%
Agropecuária
9%
Indústria
37%
Fonte: IBGE apud http://w w w .cni.org.br/brasil/dados_economicos.htm
Se contabilizados os insumos da produção (antes da porteira) e as atividades
da agroindústria e serviços de distribuição (depois da porteira), o agronegócio
adquire dimensões muito maiores. Conforme aponta levantamento da Confederação
Nacional da Agricultura, grosso modo, para cada R$ 1,00 de renda obtida na
atividade primária da agropecuária, são gerados em média outros R$ 2,40 na
indústria de insumos e de processamento e nos serviços agregados a essas
atividades. Com isso, no seu sentido amplo, o agronegócio brasileiro totalizou R$
534 bilhões em 2004, cerca de um terço do PIB brasileiro, empregando 37% da
população economicamente ativa.
Note-se que a progressiva diluição da participação da produção agropecuária
(os seja, atividades dentro da porteira) dentro do PIB do agronegócio não é
privilégio do Brasil, sendo uma tendência visível em todo o mundo. A bem da
30
verdade, esse movimento tem ocorrido de maneira até mais lenta no Brasil que no
exterior, pois o país não tem tradição em agregar valor à sua produção, sobretudo
quando se trata de exportações. Assim, atualmente, a produção corresponde a cerca
de 30% do PIB do agronegócio brasileiro, o dobro da média mundial no ano de
2000. Nesse ano, calcula-se que o PIB do agronegócio do mundo foi repartido nas
proporções de 15% para a produção, 13% para as atividades antes da porteira,
enquanto que os 72% restantes corresponderam às atividades depois da porteira.
No campo do comércio exterior, tem-se que por volta de um quinto do PIB
agropecuário brasileiro é exportado, o que representa cerca de 42% das exportações
brasileiras. Em 2004, as exportações do setor ficaram na ordem de US$ 39 bilhões,
contra importações de US$ 4,9 bilhões, o que gerou um saldo recorde de US$ 34,1
bilhões.22
Para que se possa ter uma melhor noção da importância desses resultados
para economia do país, basta confrontá-los com a sua balança comercial total. Em
2004, o superávit total do país foi de US$ 33,7 bilhões, como resultado de
exportações de US$ 96,5 bilhões e importações de US$ 62,7 bilhões.23
Ou seja, o
superávit comercial do país está sendo sustentado pelo agronegócio sozinho. Veja-se
que, entre 1993 e 2003, o setor gerou um saldo comercial acumulado de US$ 170
bilhões.24
É nítido, portanto, que sem o apoio do agronegócio, o país não teria
quaisquer condições de fechar as suas contas externas.
Evolução das exportações brasileiras
(em US$ bilhões)
0
50
100
150
Total
Agronegócios
Outros
SetoresTotal 51,14 48,01 55,09 58,22 60,36 73,08 96,47
Agronegócios 23,05 21,66 21,78 25,01 26,06 30,64 39,01
Outros Setores 28,09 26,35 33,31 33,21 34,3 42,44 57,46
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004
Fonte: Secex/Mdic apud Amcham
31
Evolução da balança comercial brasileira
8,3 8,5 10,3 10,6 13,4 14,819,0 21,0
11,7- 14,0-17,7- 16,9- 14,6- 13,8- 16,4- 16,0-
1,0-
0,4-1,0 2,6 5,0
33,7
25,8
34,1
24,8
7,4- 6,3-1,2-
5,5-3,4-
-30,0
-20,0
-10,0
0,0
10,0
20,0
30,0
40,0
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004
US
$ b
ilh
ões
Agronegócios
Outros Setores
Saldo Comercial
Fonte: Massilon J. Araújo, Fundamentos de Agronegócios apud Nunes & Contini (1995 a 1999) e Mapa/ CONAB
(2000 a 2004).
Composição da pauta de exportações brasileira
0,00
20,00
40,00
60,00
80,00
100,00
1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2001
Outros
Outros setores da
agropecuária
Suco de laranja
Papel
Celulose
Farelo de soja
Soja em grãos
Cacau
Algodão
Açúcar
Café em grãosFonte: BACHA, C. J. C., Economia e política agrícola no Brasil apud FAO e Secex.
Esses números põem o Brasil na posição de terceiro maior exportador
agrícola do mundo, concorrendo com EUA, UE e Austrália. Isso resulta do fato de
que, das 12 commodities agrícolas mais negociadas no mundo, o Brasil é líder de
venda em seis, ocupa o segundo lugar em três e o quarto nas outras três.25
32
Composição da pauta de exportação agrícola em 2004Outros
17,20%
Complexo soja
25,80%
Carnes
15,70%
Madeiras e seus
derivados
7,80%Celulose e papel
7,50%
Couro e seus
derivados
7,40%
Café
5,20%
Fumo e tabaco
3,70%
Sucos de frutas
2,90%
Açúcar
6,80%
Fonte: Alice e MAPA apud Guia Exame 2005 Agronegócio
Representação das exportações brasileiras
Produto Suco de
Laranja
Carne
de
Frango
Açúcar Café Tabaco Carne
Bovina
Etanol Farelo
de
soja
Soja Óleo
de
soja
Carne
Suína
Algodão
Posição entre
os maiores
exportadores 1° 1° 1° 1° 1° 1° 1° 2° 2° 2° 3° 3°
Parcela do
total das
exportações
mundiais 81% 35% 33% 30% 27% 24% 13% 32% 32% 28% 11% 5%
Fonte: Icone Brasil.
Apesar das barreiras protecionistas, os mercados europeus e americanos ainda
são os maiores clientes do agronegócio brasileiro, sendo o destino de mais da
metade das exportações agropecuárias. Felizmente, tem sido observada a diluição da
sua importância relativa, com uma sensível diversificação dos clientes brasileiros,
destacando-se o crescimento das vendas para a China e para os países árabes.
33
Maiores clientes do agronegócio brasileiro em 2004
(em bilhões de dólares)
1,2
1,3
1,4
1,4
1,5
1,6
1,9
3
3,7
5,7
Espanha
França
Japão
Reino Unido
Rússia
Itália
A lemanha
China
Holanda
EUA
Fonte: Alice e MAPA apud Guia Exame 2005 Agronegócio.
Exportações do agronegócio brasileiro para o mundo em desenvolvimento
Países Senegal Argélia Síria Gana África do Sul Rússia Índia Paquistão China Kwait
Exportações em 2005 (US$ milhões) 105 293 135 135 470 2,7 590 237 3 173
Vendas em relação a 2000 1300% 811% 790% 720% 690% 560% 540% 500% 450% 350%
Fonte: Ministério da Agricultura apud Exame 2006
Por fim, resta observar que após os sucessivos recordes obtidos entre o final
da década de 90 e o ano de 2004, uma sucessão de eventos atingiu duramente os
resultados do setor nos anos de 2005 e 2006, durante o qual foi finalizada esta
edição, freando o crescimento do agronegócio. Pode-se citar nesse sentido a
valorização da moeda brasileira (que tirou grande parte da competitividade dos
produtos brasileiros perante o mercado internacional), a aparição de focos da febre
aftosa nas proximidades da fronteira com o Paraguai no final de 2005 (com o
conseqüente fechamento de alguns mercados importantes para a carne brasileira),
quebra de safras, super-safra nos EUA em 2005 (e a conseqüente queda do preço de
commodities importantes). Como resultado da conjugação desses eventos, aliados
aos outros problemas já tradicionais do setor, os produtores ficaram descapitalizados
e contiveram investimentos para as safras seguintes, o que resultou na queda das
vendas em setores como o de máquinas agrícolas, defensivos e fertilizantes,
desencadeando uma crise em todos os setores. A área plantada com grãos, que
estava próxima dos 50 milhões de hectares em 2004/05 caiu na safra 2004/05, com
expectativa de encolher para cerca de 37 milhões de hectares na safra 2006/07,
graças ao pessimismo que tomou conta do setor.26
Analisemos agora os principais segmentos do agronegócio no Brasil.
34
1.2.1. Produção animal
A pecuária é um importante filão do agronegócio, representando
tradicionalmente 40% do PIB rural e empregando cerca de 4,6 milhões de
brasileiros27
. Suas principais vertentes estão na produção de carnes (especialmente
bovina, suína e de frango), couro e leite bovinos, sendo que mais recentemente,
outras atividades emergiram em escala relevante no Brasil, em especial a criação de
avestruzes e de camarões marinhos, que serão abordadas pormenorizadamente
adiante.
A produção de carnes em geral foi projetada em cerca de 17 milhões de
toneladas em 2002, sendo 7,6 milhões de toneladas de carne bovina, 7,1 milhões de
toneladas de carne de aves e 2,4 milhões de carne de suínos. Projeta-se que até 2010,
essa produção chegará a 21 milhões de toneladas, crescimento puxado pela carne de
frango e de porco.28
Nos últimos anos, as exportações de carnes pelo Brasil vêm crescendo em
ritmo acelerado, como resultado do aumento das vendas a mercados como o Oriente
Médio e de epidemias ocorridas nos rebanhos de países concorrentes. Em 2004, o
setor de carnes gerou divisas na ordem de US$ 5,8 bilhões, com embarques de 4,2
milhões de toneladas de carne, sendo mais da metade para a Europa.29
Esses
resultados dão ao país a liderança mundial nas exportações de carne, bem à frente da
segunda colocada, a UE.
Ao contrário do que muitos pensam, a carne de porco é de longe a mais
consumida no mundo, representando cerca de 62% do consumo total. Em segundo
lugar, vem a de aves, com 22%. Bem atrás, vem a carne bovina, com 13%.30
Contudo, no Brasil, predomina a cultura bovina entre as demais atividades
pecuárias, apesar de se encontrar praticamente estagnada há alguns anos. A
avicultura e a suinocultura, ao contrário, encontram-se em franco crescimento,
apresentando índices bastante favoráveis, inclusive no campo das vendas externas.
Crescimento da produção de carnes no Brasil
(milhões de toneladas)
7,7
8,86,96,3
5,85,4
4,84,5
2,53,1
4,54,1
7,8
9,3
6,7
5,5
2,92,72,71,81,51,51,31,1
0
2
4
6
8
10
1991 1993 1995 1997 1999 2001 2003 2005
Carne Bovina (5,2% a.a.)
Carne de Frango (9,9 % a.a.)
Carne Suína (6,9% a.a.)
Fonte: FAQ, ABEF, ABIEC, ABIPECS e MAPA.
35
De uma forma geral, os fluxos de comércio internacional de produtos
agropecuários, especialmente o de carnes in natura, têm sido influenciados
diretamente pela preocupação com a sanidade das mercadorias. De fato, sob esse
legítimo pretexto, autoridades de grande parte dos países, sobretudo os
desenvolvidos, não hesitam quando se trata de impor exigências para autorizar a
importação. O mercado internacional é extremamente exigente com o item da
segurança alimentar, a tal ponto que pode levar governos a, de uma hora para outra,
suspender completamente as importações vindas de um país quando existente
alguma suspeita de contaminação por alguma doença considerada perigosa. As
pecuárias bovina e avícola são os setores mais expostos a esse tipo de restrição.
Para ilustrar a gravidade do problema, pode-se citar que a descoberta de casos
da “vaca louca” e pela disseminação do vírus da influenza, causador da gripe das
aves, na Ásia e na América do Norte, em 2003/04, fizeram as exportações de carnes
dos países afetados caírem US$ 10 bilhões, segundo estimativas.31
Outra amostra
dos riscos comerciais relacionados a tais doenças foi sentida pelos próprios
pecuaristas brasileiros, depois da descoberta de surtos de aftosa em fazendas do
Mato Grosso do Sul em outubro de 2005, o que acabou por travar as bilionárias
exportações brasileiras no setor de carnes. Naquela ocasião mais de 30 mercados
importantes, incluindo a Rússia e da UE, fecharam as portas para a carne brasileira.
Felizmente, nem sempre essas doenças resultam em prejuízos para o Brasil.
Em algumas ocasiões, o Brasil saiu ileso (já que seus rebanhos e granjas não foram
infectados), chegando até a ser beneficiado pelas instabilidades criadas no mercado
internacional.I Em 1997, por exemplo, a partir da constatação de que a transmissão
de “vaca louca” era feita pela ingestão de carne, houve um súbito crescimento da
demanda por grãos brasileiros (especialmente soja e milho) na Europa, para a
substituição da ração usada anteriormente, que incluía restos de animais. Pela
mesma razão, cresceu a demanda por outras carnes, especialmente de frango e de
suíno, setores onde o Brasil era e é bastante competitivo. Em paralelo, o Brasil
conseguiu ocupar boa parte do mercado que os concorrentes afetados perderam,
resultando num rápido crescimento das exportações a partir de 1998, que o levou à
liderança no mercado em pouco tempo.
No final das contas, o Brasil não tem motivos para comemorar quando o
assunto é a sanidade animal. Pelo contrário, a questão merece especial atenção dos
produtores e, sobretudo, das autoridades, com o aprimoramento dos mecanismos de
controle e prevenção dessas doenças, questão que é tradicionalmente negligenciada
no Brasil. Avanços relevantes ainda precisam ser feitos pelo Brasil nesse campo, a
fim de que consiga exercer plenamente o potencial que tem nesse setor. Trata-se de
I Recentemente, o Comitê Científico da Comissão Européia de Saúde e Proteção do Consumidor classificou o
Brasil no nível 1 (quase inexistente) em relação à doença da vaca louca. Também receberam a mesma
classificação, outros respeitáveis produtores como Argentina, Nova Zelândia e Uruguai. (Brasil está livre da
vaca louca, de acordo com a UE. – DOESP, 12/04/03).
36
pressuposto para que o setor possa crescer de maneira sólida, que ameniza o risco de
perda súbita de mercado da forma vista em 2005.
1.2.1.1. Bovinocultura
A bovinocultura foi trazida para o Brasil já nos primeiros anos de
colonização, tendo sido peça fundamental no desbravamento e na ocupação do
interior do país. Porém, pode-se dizer que só assumiu um caráter eminentemente
comercial no início do século XIX, com o surgimento da indústria do charque.
A bovinocultura foi muito favorecida pelo clima e, acima de tudo, pelo solo
abundante e de boa qualidade encontrados no Brasil, que permitiram a sua expansão
com baixos investimentos, predominantemente com a cultura extensiva. Hoje, o
Brasil tem o maior rebanho de gado do mundo, com 180 milhões de cabeças
(predominantemente da raça zebu), sendo 18% destinados ao mercado externo.32
A
cadeia produtiva tem envergadura expressiva, empregando 7 milhões de brasileiros
nas diversas etapas da produção, que são desempenhadas em 2,2 milhões de
propriedades rurais, 1600 frigoríficos, 125 mil açougues e supermercados, 560 mil
curtumes e 4.200 indústrias de calçados.33
Desde a década de 1970 a área destinada a pastagens encontra-se
praticamente estabilizada em cerca de 177 milhões de hectares34
. Apesar disso, os
números do setor continuam crescendo, impulsionados pelas exportações e pelos
ganhos de produtividade viabilizados pela modernização e profissionalização das
cadeias produtivas. Os índices zootécnicos (tais como idade para o abate, taxa de
desfrute e índice de prenhez) ainda são considerados baixos para os padrões
internacionaisII 35
36
e esse problema aos poucos vêm sendo solucionado, através do
processo de incorporação de tecnologias mais avançadas e da aproximação dos
produtores com as grandes redes varejistas.
A pecuária bovina talvez seja a atividade que encontra os maiores obstáculos
dentro do comércio internacional, que é diretamente afetado por barreiras
protecionistas, em especial, sanitárias. Diversas exigências são feitas pelos
principais importadores desses produtos, sobretudo em se tratando de carne in
natura, a ponto de inviabilizar o acesso do produto brasileiro a mercados importantes
como EUA e Japão.
Felizmente, alguns importantes mercados são menos radicais que os EUA na
matéria de segurança alimentar, o que garante abre um espaço significativo para a
produção nacional. A UE, por exemplo, reconhece a regionalização e, apesar de
colocarem outras barreiras comerciais, importam volumes significativos de produtos
pecuários brasileiros.
II Em 2000, a taxa de abate (proporção de cabeças abatidas em relação ao rebanho) brasileira estava estimada
em 22,7%, contra cerca de 40% nos EUA e na Austrália, o que ilustra um menor tempo de criação para o
abate nestes países.
37
Do boi, tudo se aproveita. No seu processo de “desmontagem”, ele fornece
carne e couro e serve de matéria prima para o fabrico de gelatina, espuma para
extintores, o sangue é usado como fixador de tinturas, gordura para fabricar pneus,
plásticos, parafina, PVC, produtos de limpeza e higiene pessoal, etc. Porém, os
ramos da pecuária bovina que ganham maior expressividade são a produção de
carne, couro e leite, que serão analisadas com maior detalhamento nos próximos
tópicos.
1.2.1.1.1. Carne bovina
O Brasil é o segundo maior produtor de carne bovina do mundo: 8,4 milhões
de toneladas. 37
À sua frente, estão os EUA, que através de 266 milhões de hectares
de pastagens, obtém uma produção anual de cerca de 11,2 milhões de toneladas 38
39
.
Porém, a tendência natural é de que o Brasil se aproxime ou até desbanque o líder
com o passar do tempo, pois é muito mais eficiente na produção, com um custo
médio de US$ 0,90/kg, contra US$ 1,90/kg dos EUA.40
A maior parte da carne bovina que o Brasil produz é consumida internamente
(6,5 milhões de toneladas em 2004), o que se traduz num consumo médio de 35 kg
de carne per capta (um dos índices mais altos do mundo). O restante (1,8 milhões de
toneladas em 2004) é exportado para diversos mercados, com destaque para a UE. O
Brasil, portanto, mantém-se fiel à tradição do Mercosul, cujos membros são todos
grandes exportadores do produto: o Uruguai exporta 60% de sua produção, o Brasil,
pouco menos de 20%, enquanto que a Argentina e o Paraguai, 15%.
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das
Carne bovina no Brasil
Produção 6,6 6,9 7,3 7,7 8,3 8,7
Consumo int erno 6,2 6,1 6,4 6,5 6,6 6,7
Export ação 0,6 0,8 1 1,3 1,8 2,1
2000 2001 2002 2003 2004 2005*
Fonte: Abiec apud Guia Exame 2005 Agronegócio. * Previsão.
Em 2004, o Brasil assumiu mais uma vez a liderança das exportações
mundiais de carne bovina, com vendas de US$ 2,5 bilhões41
, que representaram 20%
38
do mercado mundial, ficando à frente da Austrália e dos EUA. Em 2005, as
exportações brasileiras dentro do comércio mundial subiu para 24%, exportando
para mais de 150 países, destacando-se as vendas para o Reino Unido e Países
Baixos, havendo ainda grandes expectativas quanto aos mercados do Chile e da
Rússia, além dos países árabes e asiáticos.42
Todavia, devido a barreiras sanitárias e
técnicas, o Brasil tem pouco ou nenhum acesso aos principais mercados do mundo,
como EUA, Japão, Canadá, Taiwan, Coréia do Sul e México, que absorvem 60% do
comércio mundial de carne. Esses países não reconhecem a legislação internacional
que permite a criação de áreas livres de aftosa dentro dos países e só deverão
permitir embarques quando a doença estiver erradicada em todo o rebanho nacional.
Assim, para esses países, o Brasil consegue exportar quase que exclusivamente
carne vermelha industrializada.
No Brasil, tem sido verificado um processo de modernização da produção e
de integração entre produtores, frigoríficos e varejistas, visando ganhos de escala e
de eficiência. O movimento de concentração faz parte desse processo, sendo
bastante significativo nas cadeias de abate e comercialização, que são marcados pela
presença crescente de grandes redes. Hoje, os 7 maiores frigoríficos respondem por
30% do abate do país, sendo que um grupo de 17 responde por 98% das exportações
do setor. 43
Posição Empresa Controle
acionário
Sede Capacidade de
abate (dia)
Exportações
(US$ mil)
1 Friboi brasileiro São Paulo (SP) 12.000 520.795
2 Margen brasileiro Rio Verde (GO) 10.000 142.916
3 Bertin brasileiro Lins (SP) 7.000 591.643
4 Quatro marcos brasileiro Jandira (SP) 6.000 70.931
5 Marfrig brasileiro Santo André (SP) 3.500 184.100
6 Independência brasileiro Cajamar (SP) 3.000 213.787
7 Minerva brasileiro Barretos (SP) 3.000 227.167
8 Frigoestrela brasileiro Estrela d'Oeste (SP) 3.000 103.500
9 Mercosul brasileiro Bagé (RS) 2.200 67.533
Fonte: Secex apud Guia Exame 2005 Agronegócio
Os maiores frigoríficos de carne bovina
(em 2004)
1.2.1.1.2. Couro
A cadeia de couro brasileira tem também um tamanho bastante expressivo,
envolvendo 7 mil indústrias e mais de 500 mil trabalhadores.44
O país se destaca por
ser um dos maiores produtores de couro do mundo, fabricando mais de 30 milhões
de peças por ano. A maior parte da produção é exportada em forma de couro cru e
semi-acabado (wet blueIII
), o que gera divisas de cerca de cerca de US$ 1,1 bilhão.45
III Couro wet blue tem esse nome porque é banhado em cromo, adquirindo o tom azulado e embarcado úmido.
39
O mercado internacional é estimado em cerca de 270 milhões de peles/ano46
,
destacando-se as compras dos EUA, Europa e países asiáticos (em especial, China,
Hong Kong e Itália, que são o destino de 60% do couro brasileiro). O mercado
chinês é o que possui a maior demanda: o país sozinho consome 80 milhões de
peças, dependendo de importações mais 40 milhões para atender à demanda interna.
Os maiores curtumes do Brasil
Posição Empresa Controle
acionário
Sede Exportações
(US$ milhões)
1 Bertin Brasileiro Lins (SP) Mais de 100
2 Bermas Ítalo-brasileiro Cascavel (CE) Mais de 100
3 Vitapelli Brasileiro Presidente Prudente (SP) De 60 a 100
4 Braspelco Brasileiro Uberlândia (MG) De 60 a 100
5 Bom Retiro Brasileiro teutônia (RS) De 60 a 100
6 Mastrotto Reichert Ítalo-brasileiro Cachoeira (BA) De 40 a 60
7 BMZ Couros Brasileiro Campo Grande (MS) De 40 a 60
8 Independência Alimentos Brasileiro Cajamar (SP) De 40 a 60
9 Fuga Couros Brasileiro Marau (RS) De 20 a 40
10 Pampa Brasileiro Portão (RS) De 20 a 40
Fonte: Secex e CICB apud Guia Exame 2005 Agronegócio
(em 2004)
Apesar do sucesso, estima-se que cuidados maiores com a produção de couro
poderiam adicionar cerca de US$ 1 bilhão às vendas da cadeia, pois existe um
desperdício significativo da sua qualidade dentro da cadeia produtiva. Com efeito, o
Brasil não é famoso por ter couro de alta qualidade, possuindo alta incidência de
defeitos. Apenas 8% das peças atende os padrões internacionais de qualidade, índice
que fica em 85% nos EUA e na Europa. Essa diferença se explica por uma série de
razões, entre as quais o fato de que, em geral, o gado vive confinado e por menos
tempo nesses países, sendo abatido com 1,5 anos de idade, metade da média
brasileira. Por outro lado, aqui, a criação é predominantemente extensiva, ficando o
gado sujeito a parasitas, arranhões no arame farpado e nas árvores, que machucam e
marcam a pele dos animais. Além disso, são baixos os investimentos em químicos
como os carrapaticidas. Felizmente, já estão sendo implantadas medidas para
reverter essa situação, como o Programa Brasileiro de Qualidade do Couro (PBQC),
lançada em 2004 pelo Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB) em
parceria com o SEBRAE.
O Brasil também se destaca como importante produtor de calçados: cerca de
650 milhões de pares/ano. Deste total, 480 milhões são consumidos internamente e o
restante é exportado, gerando US$ 1,5 bilhão em divisas em 2003. Nesse ano, os
maiores compradores dos produtos brasileiros foram os EUA (cerca de 2/3 do total),
o Reino Unido, o México, a Argentina e o Canadá.
40
1.2.1.1.3. Leite bovino
Por muito tempo, o mercado brasileiro de leite ficou fechado aos produtos
internacionais, com o controle de preços sendo exercido pelo governo. Assim, até a
liberalização do mercado, em 1990, os produtores brasileiros foram induzidos a
produzir com baixos custos e utilizando o gado com a dupla finalidade: leite e carne.
Isso atrasou muito a modernização do setor em comparação com as atividades
desenvolvidas no exterior. Em conseqüência, o leite tinha de ser produzido com
pouca tecnologia, mão-de-obra barata e gado rústico. O resultado dessa má
regulamentação do setor ainda está sendo superado pelos produtores, que passam
por uma veloz reformulação desde a última década, apressada pela enxurrada de
produtos estrangeiros.
A súbita abertura do mercado colocou a pecuária em grandes dificuldades.
Apesar de ter o segundo maior rebanho de vacas leiteiras do mundo, em 1997, o
Brasil figurou como o maior importador de leite do mundo, comprando
principalmente do Uruguai, da Nova Zelândia e dos EUA, que são mais
competitivos no setor. Afora tudo, não era raro que o produto estrangeiro chegasse
ao mercado brasileiro através de práticas comerciais tidas como desleais. Nesse
sentido, vale observar que o Brasil chegou a impor uma medida anti-dumping contra
alguns dos países que lhe forneciam leite (em especial Argentina e Uruguai), a qual
perdurou até 2001, quando da celebração de um acordo que estabeleceu preços
mínimos para a exportação de leite em pó ao Brasil, o que garantiu o fôlego
necessário para a recuperação da indústria nacional.
Somente com a desvalorização do real ocorrida no final da década de 90, é
que o setor conseguiu se recuperar. Desde então, foi possível verificar uma
significativa queda das importações e o surgimento de exportações a partir de 2000,
com um progressivo crescimento da produção, permitindo a volta do Brasil à auto-
suficiência em 2001.
Em razão deste processo drástico, profundas mudanças ocorreram no setor
produtivo na última década. O setor ganhou muito em termos de produtividade,
cerca de 55% de 1991 a 2001, com um aumento de produção médio de 4% ao ano.
Porém, ainda existe um longo caminho pela frente para alcançar a produtividade dos
líderes. Atualmente, a produtividade média das vacas brasileiras é de 1500 litros por
ano, o que ainda é pouco se comparado aos índices dos EUA (8500 litros/ano),
Reino Unido (6700 litros/ano) e Alemanha (6500 litros/ano).47
Estima-se que um
terço do leite consumido no Brasil advém da produção informal, sendo que uma boa
parte dos produtores utilizam a venda de leite para complementar a renda, sem uma
intenção empresarial.48
Ao todo, existem um milhão de produtores de leite espalhados pelo país49
,
mas esse número vem caindo nos últimos anos, juntamente com a participação das
cooperativas, que respondem por 40% da coleta de leite (8 milhões de litros/dia). As
vantagens competitivas da produção em escala e as dificuldades para a
41
implementação de iniciativas coordenadas entre os produtores têm favorecido a
concentração do setor nas mãos de multinacionais como a Nestlé, a Itambé e, até
pouco tempo atrás, a Parmalat. Estas empresas têm maior capacidade de fazer
investimentos em tecnologias e de atender às normas de produção (como a coleta de
leite a granel)50
. Para ilustrar essa questão, basta verificar que já no ano de 2000,
Danone e Nestlé já detinham juntas metade mercado brasileiro, sendo seguidas pela
Batávia S.A..51
Em 2003, a produção brasileira de leite bovino foi de 22,5 bilhões de litros 52
,
sendo quase totalmente consumida pelo mercado interno, num negócio que
movimentou cerca de R$ 7 bilhões. Esses números, porém, poderiam ser ainda
maiores, já que o consumo per capita de leite brasileiro é de cerca de 130 litros por
ano (incluindo derivados), quando o recomendado pela Organização Mundial de
Saúde (OMS) é de 175 litros. Excluindo os derivados, o consumo é de 8 bilhões de
litros por ano, o que representa 40 litros per capta brasileiro, menos que o consumo
de cerveja (68 litros) e o de refrigerantes (55 litros)53
. Para atingir a média de
consumo recomendada pelos nutricionistas, estima-se que o mercado brasileiro de
leite teria que crescer para 14 bilhões de litros/ano.54
Quanto aos laticínios, cumpre destacar que essa indústria se desenvolveu
muito na década de 90, com apoio na disponibilidade de matéria prima barata, o que
favoreceu o surgimento de um mercado interno substancial, que movimentou cerca
de US$ 1 bilhão no Brasil em 2000. Trata-se também de um mercado com grande
potencial de crescimento, na medida em que o consumo brasileiro de laticínios per
capta está na faixa de 3kg/ano, contra 6kg na Argentina e 30 kg na França.55
O Brasil já exporta para mais de 30 países, mas ainda participa pouco do
mercado internacional de laticínios, que, apesar de ser bastante fechado, movimenta
cerca de US$ 25 bilhões anuais56
. O leite é o setor que mais recebe subsídios no
mundo: cerca de US$ 40 bilhões por ano. Um estudo feito em 2002 na Austrália
indica que se esses subsídios fossem cortados pela metade e as cotas de importação
dobradas, os preços e a produção mundial aumentariam consideravelmente. O maior
aumento de preço seria o da manteiga (29%) e o maior aumento de produção seria o
de queijo (15%).
1.2.1.2. Avicultura
O setor avícola emprega cerca de 2 milhões de brasileiros, estando a atividade
concentrada especialmente nos estados do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do
Sul e São Paulo, que somam mais de 80% da produção nacional.57
A criação de frango representa o maior e mais tradicional nicho da avicultura
no Brasil.
A atividade começou a ser desenvolvida com fins comerciais em meados do
século XIX, passando por um processo mais acentuado de desenvolvimento e
42
aprimoramento das espécies a partir de 1930. Em conjunto, intensificou-se o
desenvolvimento de remédios e vacinas, barateamento de rações e instalação de
equipamentos industriais, permitindo um crescimento gradual da produção, a custos
cada vez menores.
Hoje, como resultado de 70 anos desse processo, as granjas brasileiras
chegaram a um frango que pode ser abatido com apenas 40 dias de vida e que
produz 60% mais carne, quando comparado à espécie anterior, da raça crioula, a
qual deveria ser abatida aos 6 meses de vida.58
Com esses avanços, a produção de
cada kg de frango demanda hoje o investimento de apenas 1,78kg de ração, contra
2,25kg em 1960.59
O PIB da avicultura brasileira em 2002 está estimado em R$ 10,7 bilhões,
sendo R$ 9,3 bilhões referentes à produção de carne e o restante à produção de ovos.
Esses resultados fantásticos são resultado de uma década de acelerado crescimento
da produção. De 1990 a 2004, a produção cresceu mais de 250%, passando de 2,4
milhões de toneladas para 8,5 milhões. Com isso, o Brasil se tornou o 2o maior
produtor mundial (com mais de 15% da produção global), ficando apenas atrás dos
EUA, que produzem cerca de 14 milhões de toneladas60
.
0
2
4
6
8
10
milh
ões d
e
ton
ela
das
Produção e exportação de carne de frango no Brasil
Produção 1,9 2,9 4 6 8,5
Exportação 0,2 0,4 0,6 0,9 2,4
1988 1992 1996 2000 2004
Fonte: UBA e Abef apud Guia Exame 2005 Agronegócio
43
As maiores indústrias de frango
Posição Empresa Controle
acionário
Sede Abate (mil
cabeças)
Participação na
produção brasileira1 Sadia brasileiro Concórdia (SC) 550.150 13,60%
2 Perdigão brasileiro São Paulo (SP) 475.596 11,80%
3 Seara bermudense Itajaí (SC) 263.320 6,50%
4 Frangosul francês Montenegro (RS) 231.503 5,70%
5 Avipal brasileiro Porto Alegre (RS) 187.653 4,60%
6 DaGranja brasileiro Curitiba (PR) 114.056 2,80%
7 Aurora brasileiro Chapecó (SC) 86.227 2,10%
8 Diplomata brasileiro Cascavel (PR) 84.401 2,10%
9 Penabranca brasileiro Jaguariúna (SP) 74.779 1,80%
10 Copacol brasileiro Cafelândia (PR) 62.029 1,50%
(em 2004)
Fonte: UBA e Abef apud Guia Exame 2005 Agronegócio
O bom desempenho da cadeia se deve à conjunção de fatores como a já citada
excelente qualidade do material genético, a abundância da oferta de rações a baixos
preços, e, notadamente, ao chamado sistema de integração usado na produção
avícola. O sistema surgiu nos EUA e foi importado pelo Brasil na década de 1960.
Nele, os frigoríficos contratam pequenos produtores rurais, subsidiando-lhes a
produção com orientação técnica e recursos financeiros, comprando o produto
antecipadamente. Isso garante ao Brasil um invejável índice de produtividade do
frango, a um custo na porta do abatedouro de US$0,49, contra US$0,58 nos EUA61
,
permitindo que o frango ingresse no mercado internacional por cerca de US$ 900
por tonelada. Esse mesmo sistema, cumpre observar, também garante ao país
facilidades no combate a focos de doenças (o que especialmente importante na
conjuntura atual, frente ao temor de disseminação da “gripe aviária”, como ocorreu
na Ásia em 2005), o que corresponde a mais uma vantagem em relação a outros
países.
Juntamente com a produção, cresceu o consumo nacional, passando de meros
2,3 kg per capita por ano na década de 70 para mais de 30 kg na virada do milênio62
,
atingindo um impressionante índice de crescimento médio anual da ordem de 10%
no curso da década de 9063
. Isso faz do Brasil o sexto maior consumidor per capita
do mundo, atrás apenas de Hong Kong, Kuwait, EUA, Arábia Saudita e Emirados
Árabes. Essa demanda absorveu cerca de 70% do frango produzido no Brasil em
2004, sendo o restante exportado para cerca de 100 países64
principalmente para o
Oriente Médio, Ásia, Europa e Rússia.65
Como reflexo de surtos de “vaca louca” ocorridos a partir da década de 1990,
a carne de frango passou a ser mais procurada no mercado internacional. Assim, em
razão destes e de outros fatores as exportações brasileiras de frango aumentaram
incrivelmente desde 1992, passando de 372 mil toneladas, para 649 mil toneladas
em 199766
e 1,9 milhão de toneladas de carne de frango (inteiro e em cortes) em
2003 (30% do mercado mundial)67
, impulsionado pelo crescimento das vendas aos
44
países árabes. Em 2004, o Brasil beneficiou-se do problema de influenza aviária em
alguns concorrentes e ampliou as suas exportações para 2,4 milhões de toneladas, ou
US$ 2,5 bilhões68
, conquistando a maior parte do mercado japonês.69
Com isso
ultrapassou os EUA, assumindo a liderança nas exportações mundiais de frango.
0
1
2
3m
ilh
ões d
e
ton
ela
das
Principais exportadores de carne de frango
EUA 2,23 2,52 2,18 2,23 1,98
Brasil 0,91 1,25 1,6 1,92 2,43
U.E. 0,85 0,76 0,88 0,79 0,81
Outros 0,9 1,06 1,09 1,13 0,58
2000 2001 2002 2003* 2004*
* dados sujeitos
à revisão.
Fonte: Assis Moreira, Rússia nega mudança de cálculo para cota do Brasil . O Estado de São Paulo, São Paulo, 18 ago 2005.
Também merece ser destacado a relevância da produção brasileira de ovos:
15,4 bilhões de ovos em 2002, através de 68 milhões de galinhas poedeiras,
movimentando cerca de R$ 1,1 bilhão por ano.70
Praticamente toda a produção é
destinada ao abastecimento do mercado interno, que é de cerca de 84 ovos por
habitante por ano, média muito inferior à norte americana (304 ovos/hab/ano).71
Ainda dentro da avicultura, outro ramo que tem se destacado nos últimos
anos é o da estrotiocultura ou criação de avestruzes. O rebanho brasileiro,
concentrado em São Paulo, tem crescido a taxas médias de 35% ao ano72
, chegando
a 130 mil aves em 200473
. Neste ritmo, espera-se que até 2008, o Brasil já esteja
entre os 3 maior produtores do mundo. A África do Sul é hoje o maior produtor,
ficando o Brasil na disputa com China, Namíbia, Austrália e Botsuana. No mundo,
estima-se um rebanho de 2 milhões de cabeças de avestruzes. No mercado interno,
estima-se que a cultura movimenta cerca de R$ 100 milhões74
.
A atividade tem se mostrado bastante atrativa, dentre as demais atividades
pecuárias, especialmente por demandar uma área reduzida (60 aves por hectare),
permitindo um rendimento superior. O couro de uma ave está avaliado em US$ 180
e o quilo da carne pode alcançar até US$ 80.
1.2.1.3. Suinocultura
Assim como a avicultura, a produção de carne suína funcionou de maneira
rudimentar no Brasil até o início do século XX. Isso não impediu, contudo, que
45
assumisse um papel importante na dieta do brasileiro, que relutou muito a substituir
a banha de porco pelo óleo de soja.
Um rápido processo de modernização foi iniciado no setor por volta de 1916,
aumentando a produtividade e reduzindo a quantidade de gordura corpórea nos
animais. O porco caipira foi substituído por linhagens melhoradas, que passaram a
ser criadas com o uso de técnicas cada vez mais avançadas. Hoje, em média,
consegue-se abater um suíno aos 100 dias de vida, com uma média de 150 kg (em
geral 50% desse total é carne), conseguindo-se uma fabulosa taxa de conversão de
ração/proteína na faixa dos 2,9kg. Ainda assim, os custos com ração são altos para
os produtores - 70% dos gastos se referem à compra de ração, estimulando a
integração dessa atividade com outros segmentos.75
A exemplo do frango, os custos de produção despencaram e o consumo
cresceu acentuadamente nas últimas duas décadas, atingindo a cifra de 1,2 milhão de
toneladas em 1990 e de 1,95 milhão de toneladas na virada do milênio. Com isso, o
consumo nacional médio desta carne atingiu 11,5 kg per capta por ano.
Dentro da economia da pecuária brasileira, a suinocultura é um setor de
grande relevância. Na sua fase primária de produção, movimenta recursos na ordem
de R$ 3,4 bilhões, resultando na produção de cerca de 2,4 milhões de toneladas de
carne em 200276
, sendo o estado de Santa Catarina o maior produtor do Brasil.77
As exportações brasileiras de carne suína cresceram significativamente na
última década, dando ao país o posto de quarto maior exportador de carne suína do
mundo, atrás da UE, Canadá e EUA. De 1996 até 2004 passaram de 80 mil78
para
570 mil toneladas 79
, verificando-se, somente em 2002, um salto de
aproximadamente 75% , em razão das vendas para a Rússia. Contudo, a imposição
de quotas por este país às importações de carne suína, em 2004, praticamente fechou
esse mercado para o Brasil, na medida em que o sistema garantiu quase todo ele para
as exportações norte-americanas e européias.80
Sobrou para o Brasil disputar com
outros países uma fatia da cota de cerca 180 mil toneladas. Felizmente, o Brasil tem
sido bem sucedido na diversificação dos seus clientes, aumentando as vendas para
países como Hong Kong, China, Argentina e Uruguai, e compensando a queda das
exportações para a Rússia.81
.82
A China é de longe o maior consumidor de carne suína do mundo, sendo
responsável por mais da metade do consumo mundial: 42 milhões de toneladas em
200183
. O país ocupa o quinto lugar entre os maiores produtores, carecendo da
importação do produto em enormes quantidades. Esse mercado é muito interessante
para o Brasil, entre outros motivos porque demanda não só cortes nobres, como
também partes pouco procuradas, como pés, vísceras e pele. Contudo, as
exportações brasileiras para este país ainda não atingem níveis significativos.
46
1.2.1.4. Camarões marinhos
Outro setor que tem se demonstrado extremante promissor é a produção de
camarões marinhos, a carcinicultura. A atividade em escala relevante é recente no
país e tem crescido em ritmo bastante acelerado, especialmente no nordeste do país,
onde se concentra 95% da produção nacional. Em 2004, foram produzidas 117 mil
toneladas em 2004, contra 60 mil toneladas em 2002 e meros 7 mil toneladas em
1997. Para conseguir tais índices de produção, a cadeia já emprega cerca de 800 mil
brasileiros.
A Associação Brasileira de Criadores de Camarão estima que, somente na
região Nordeste, existam 300 mil hectares propícios à atividade, com um potencial
de produção de 1,5 milhão de toneladas anuais, o que importaria uma receita de US$
7,5 bilhões. Por isso, grandes expectativas pairam sobre o futuro da atividade,
sobretudo no Ceará, onde se chega a obter uma produtividade de fabulosos 7.000
kg/ha/ano. Os índices são desproporcionalmente maiores que os obtidos na China, o
maior produtor do mundo, cuja produtividade é de nada mais que 1.100 kg/ha/ano84
e mesmo se comparado ao índice de 3.200kg/ha/ano, obtido pela Tailândia, que está
em segundo lugar no ranking de produtividade. Com isso, o Brasil tem a ambiciosa
meta de liderar o comércio mundial até o início da década de 2010.
O consumo interno de camarão é pequeno, absorvendo em média 20 mil
toneladas por ano, contra 150 mil na Espanha, que tem 1/3 da população brasileira.85
Quase toda a produção, portanto, é destinada ao mercado externo. Em 2004, o Brasil
exportou 76 mil toneladas, ou US$ 300 milhões86
, o que representa mais da metade
das vendas de pescado em geral, que totalizaram US$ 420 milhões no ano anterior.87
Os EUA são o maior mercado do mundo, absorvendo nada menos que 570
mil toneladas do produto em 2003, sendo 90% do consumo importado. O camarão é
o fruto do mar mais consumido naquele país, com taxas médias que ultrapassam os 2
kg/hab/ano em 2004, mais que o atum, líder tradicional do setor pesqueiro. A
participação das vendas do Brasil aos EUA não chegou a alcançar 5% deste
gigantesco mercado. Ainda assim, até 2003, a maior parte das exportações do Brasil
ia para os EUA. Todavia, esse fluxo de comércio foi drasticamente afetado pelas
medidas anti-dumping (que serão analisadas na terceira parte deste livro) impostas
pelo país em 2004, contra algumas das principais empresas do ramo no Brasil, a
Norte Pesca, a CIDA e a Netuno, responsáveis por 48% das exportações para os
EUA. Desde então, as exportações foram redirecionadas para o mercado europeu,
que se tornou o principal mercado para o camarão brasileiro.88
1.2.2. Produção vegetal
O Brasil dispõe de uma série de fatores que garantem aos seus agricultores
vantagens comparativas em relação a outros países, em grande parte das culturas
vegetais. Em primeiro lugar, pode-se citar as dimensões continentais do seu
47
território, o que lhe dota não apenas de espaço abundante para o plantio, como
também de uma grande diversidade de solos e climas, permitindo o cultivo de
diversas espécies vegetais, algumas das quais com a colheita de mais de uma safra
anual, potencial raro no mundo. A isso, soma-se ainda o fato de o Brasil ser
extremamente rico em recursos hídricos, com uma extensa rede hidroviária que
garante oferta abundante de água na maior parte do território. Cumpre frisar nesse
sentido, que, segundo especialistas, o país detém algo entre 12% e 20% da água
doce do mundo e cerca de 35% da água doce superficial das Américas.89
Afora isso,
o país tem um clima predominantemente tropical, com altos índices de insolação,
terras planas, que facilitam a utilização de máquinas e garantem maior produtividade
às produção agrícola. Quanto à qualidade dos solos brasileiros, apesar de os mesmos
não serem considerados completosIV
, de uma forma geral, as terras brasileiras
respondem bem às atividades agrícolas, sobretudo depois investimentos em
corretivos de solo, especialmente no caso do cerrado, onde o solo é mais ácido.
Tudo isso garante ao Brasil índices de produtividade tremendos e o potencial
de produzir em escalas inimagináveis para outros países, apesar de o Brasil ainda ter
índices muito baixos de aproveitamento das suas terras aráveis. Para ilustrar essa
situação, basta observar que, em 2004, a produção nacional de grãos e fibras atingiu
o patamar recorde de 130 milhões de toneladas, das quais, cerca de 90 milhões
foram consumidas internamente, sendo o restante exportado.90
No total, como visto
a agricultura produziu R$ 96 bilhões em 2004, o equivalente a cerca de 60% do PIB
da agropecuária.
Os principais segmentos da produção agrícola são o florestal (atividades
extrativistas e florestas plantadas), a produção de grãos (soja, milho, arroz, feijão,
etc), fibras (algodão) e as cadeias de FLV (frutas legumes e verduras), cadeias estas
que serão analisadas em separado nos próximos capítulos.
De uma forma geral as cadeias de grãos, cereais, fibras e madeira
diferenciam-se das demais por lidarem com produtos com menor variação de
qualidade e que são menos perecíveis e sujeitos a danos quando do seu manejo. O
trato com esses produtos não exige, por exemplo, maiores cuidados com embalagens
protetoras ou ambientes acondicionados. Com isso, esses produtos podem ficar
guardados por mais tempo e com custos menores, sem depender de uma
comercialização imediata após a colheita, característica que os aproxima do conceito
de commodity, que confere maior agilidade às respectivas cadeias. Isso explica
também, em grande parte, o fato de que os fluxos de comércio internacional desses
produtos sejam mais intensos que os de outros seguimentos da agricultura, o que
acaba por explicar a forte presença de multinacionais nesses segmentos.
No caso das cadeias de FLV´s (frutas legumes e verduras), a situação é bem
diferente. Em geral, esses produtos são altamente perecíveis e sensíveis,
IV Solos completos são um privilégio restrito a um grupo seleto de países, como a Ucrânia, EUA (no meio-
oeste) e a Argentina, onde está a maior parte dos pampas úmidos.
48
necessitando de maiores atenções e gastos em embalagens, transporte e
armazenamento. Em estado bruto, ou seja, sem processamento, esses produtos
precisam ser consumidos mais rapidamente depois de colhidos, a fim de não
perderem qualidade. Isso impõe a necessidade de uma organização diferente da
cadeia produtiva, na medida em que exige uma maior proximidade entre produtores
e canais de distribuição, tanto no aspecto geográfico, como também na questão da
interatividade, com a ocorrência de um maior número de transações de menor
escala. Essa também é a razão de os fluxos de comércio internacional das cadeias de
FLV sejam mais modestos em comparação com os demais segmentos.
Estudemos agora os principais segmentos da produção vegetal no Brasil.
1.2.2.1. Soja
A soja já era cultivada na China há cerca de 5 mil anos, mas seu uso
comercial teve início somente no século XX, nos EUA. No Brasil, foi a partir da
década de 1950 que começou a ganhar expressividade comercial. Desde então, a
área destinada ao cultivo de soja cresceu vertiginosamente: nada menos que 120
vezes no período de 1950 a 198991
, passando de 100 mil para 12 milhões de
hectares, ao passo que a área cultivada no Brasil em todas as lavouras juntas apenas
triplicou.
A cultura encontrou excelentes condições para se desenvolver no centro-oeste
do país, onde consegue uma formidável produtividade, muito superior à conseguida
na Argentina e nos EUA. Por esse e por outros motivos, no geral, as lavouras da
oleaginosa no Brasil conseguem uma produtividade cerca de 20% maior que nos
EUA, em termos de valor.92
Com isso, o cultivo de soja no Brasil se mostra um
negócio extremamente atraente, inclusive por ser de fácil manejo, diferentemente de
culturas também rentáveis como o algodão.
Atualmente (safra 2005/2006), a produção da oleaginosa foi estimada em 93
49
milhões de toneladas com uma área plantada com soja que tem aproximadamente 22
milhões de hectares 94
, estando os principais pólos produtores localizados no Mato
Grosso e no Paraná (somando mais da metade da produção nacional), seguidos pelo
Rio Grande do Sul, Goiás e Bahia95
. Mais recentemente, a cultura tem migrado
também para regiões mais distantes dos grandes pólos, nas chamadas fronteiras
agrícolas, com destaque para os estados de Roraima, Maranhão e sul do Amazonas,
onde as terras são mais baratas.
Esse crescimento exponencial da produção de soja acompanha a escalada da
demanda mundial pelo produto, que pos sua vez se explica pelo fato de a soja ser
uma das fontes de proteínas mais baratas existentes, encontrando aplicação como
alimento humano e também para o fabrico de rações animais. Além disso, a soja é
usada como matéria prima para a extração de óleos, que são usados não só na
alimentação (representando 95% do mercado nacional de óleo de cozinha), como
49
para fins industriais e, mais recentemente, para o fabrico de biodiesel. Por essa
razão, acredita-se que a ascensão da soja seja irreversível.
Em adição, alguns fatores recentes contribuíram significativamente para a
acentuação do crescimento da demanda por soja no mundo, sobretudo na China e na
UE, que são os principais importadores de soja (respectivamente, 21 milhões e 17
milhões de toneladas em 2004)96
. Nesse sentido, pode-se citar o forte crescimento
econômico da China, que a autoriza a comprar mais, e o surto de “vaca louca”, que
implicou um súbito crescimento da demanda por rações de origem vegetal,
motivando altas sucessivas das cotações desde a década de 1990.
Nos primeiros anos do século XXI, em virtude da desvalorização do Real e da
redução das safras norte-americanas (maiores produtores do mundo), a soja
brasileira recebeu um novo impulso, mantendo índices de expansão invejáveis e
conquistando mercados antes ocupados por aquele país. Aos poucos, o Brasil tem se
aproximado dos EUA, esperando-se que, em breve, tome a sua posição no topo do
ranking de maior produtor do mundo. Essa tendência deve se manter para os
próximos anos em função da investida americana na produção de álcool a partir do
milho, que passará a ocupar grande parte das lavouras de soja naquele país97
.
Produção de soja no mundo em 2005
Outros
9%China
8%
Argentina
18%
Brasil
25%
EUA
40%
Fonte: USDA e Abiove apud Guia Exame 2005 Agronegócio.
Evolução da produção de soja(milhões de toneladas)
11
17
29
63
7
22
24
23
China
Argentina
Brasil
EUA
1993
2005
Fonte: USDA e Abiove apud Guia Exame 2005 Agronegócio.
86
53
39
18
50
O consumo interno absorve parcela significativa da produção. Na entrada do
século XXI, o mercado interno respondia em média a 2/3 da produção nacional de
óleo de soja, 1/3 da de grãos e cerca de 40% do farelo ou torta, que constituem um
quarto da ração usada na suinocultura e na avicultura.98
O restante da produção é
estocado ou exportado.
Hoje, a soja é o produto agrícola mais importante na pauta de exportações
brasileiras, representando gerando divisas na ordem de US$ 10 bilhões em 200499
,
com embarques de 23 milhões de toneladas.100
Com esses índices, o Brasil disputa o
primeiro lugar nas exportações de soja com os EUA, líderes históricos no mercado
mundial. De seu lado, a participação norte-americana no mercado internacional tem
apresentado decréscimos significativos a partir de 2001, reduzindo-se de cerca de
52% para 43% dois anos depois. Esse mercado está sendo ocupado principalmente
pelos países sul-americanos (com destaque para Brasil e Argentina), que juntos
ultrapassaram os EUA em 2002/2003, abocanhando 46% do mercado mundial,
enquanto que os EUA ficaram com 43 %.101
O sucesso dos produtores de soja brasileiros só não é maior porque o
principal concorrente do produto brasileiro, os EUA, garantem aos seus produtores
de soja elevados preços mínimos, estimulando o aumento da produção no país,
mesmo quando as condições de mercado não são favoráveis. Isso acaba distorcendo
o mercado local e também o internacional, ocupando um espaço que poderia ser do
Brasil e pressionando os preços para baixo. Somente no ano de 2000, os produtores
norte-americanos receberam do governo subsídios e pagamentos diretos num total
de US$ 2,86 bilhões (o que correspondeu a 65% da renda dos produtores)102
, através
de mecanismos considerados ilegítimos pelas normas internacionais (conforme será
abordado na parte III deste livro).
Atualmente, os maiores clientes da soja brasileira são a UE e a China. O
destaque vai para a China, que tem importado volumes crescentes da soja brasileira
nos últimos anos, alcançando nada menos que 6 milhões de toneladas.
51
A concentração na cadeia de soja é especialmente visível na agroindústria e
nas operações de exportação, com a liderança isolada de algumas das principais
multinacionais do agronegócio mundial. Veja-se que, no Brasil, as quatro líderes
têm uma capacidade de processamento de pouco mais de 22,6 milhões de toneladas
por ano.
Posição Empresa Controle
acionário
Sede Capacidade de
esmagamento (ton./dia)1 Bunge bermudense São Paulo (SP) 29.020
2 Cargill americano São Paulo (SP) 12.700
3 ADM americano São Paulo (SP) 11.600
4 Coinbra francês São Paulo (SP) 9.300
5 Imcopa brasileiro Araucária (PR) 7.000
6 Granol brasileiro São Paulo (SP) 6.100
7 Coamo brasileiro Campo Mourão (PR) 5.740
8 Avipal brasileiro Porto Alegre (RS) 4.100
9 Bianchini brasileiro Porto Alegre (RS) 4.000
10 Caramuru brasileiro Itumbiara (GO) 3.950
Fonte: Ary Oleofar Corretora de Mercadorias apud Guia Exame 2005 Agronegócio
As maiores processadoras de soja no Brasil
A maior parte da soja brasileira não é geneticamente modificada,
diferentemente do que é verificado em países como os EUA e Argentina, onde a
participação da soja transgênica é, respectivamente, de 65% e 90%. Conforme será
abordado no capítulo sobre transgênicos, as safras transgênicas estão concentradas
no Rio Grande do Sul, mas têm avançado rapidamente para outras regiões. Esse
avanço tem gerado preocupações para alguns analistas, na medida em que alguns
mercados só compram a soja convencional e podem se fechar para o produto
brasileiro se o país não conseguir garantir produtos livres de transgênicos. Em geral,
os portos graneleiros do Brasil não têm condições técnicas para segregar os grãos
transgênicos das variedades convencionais, diferentemente do que ocorre nos EUA.
Essa preocupação tem acirrado as discussões quanto à utilização ou não de sementes
transgênicas, que teve como um de seus pontos máximos a proibição, em 2004, dos
embarques de grão transgênico no Porto de Paranaguá pelo então governador do
Paraná, Roberto Requião. O medo é que ocorra no Brasil o mesmo que já ocorreu na
Argentina, onde perdeu-se completamente o controle do que é soja transgênica com
o que não é, de forma que a segregação não é mais possível.103
1.2.2.2. Indústria florestal
Dos mais de 8,5 milhões de km² (ou 850 milhões de hectares) do território
brasileiro, estima-se que 42% são cobertos por floresta densa e natural, 7% de
52
floresta natural aberta e 17% de outras formas de vegetação, incluindo as florestas
plantadas (0,5% do território nacional)104
. O restante (34%) é usado em agricultura,
pecuária, florestas plantadas, áreas urbanas, etc. Da área coberta por floresta natural
densa (412 milhões de hectares), 245 milhões de hectares (ou 60%) são consideradas
disponíveis para a exploração comercial. Desta área, 61% estão nos estados do
Amazonas, Pará e Mato Grosso, todos integrantes da Amazônia Legal, enquanto que
13,8% estão na Bahia, Mato Grosso do Sul e Rondônia.105
Composição do território brasileiro em 2001
f loresta natural
aberta: 595
floresta plantada:
42,5
Outras formas de
vegetação: 1.402,5
floresta natural
densa explorável:
1.445
floresta natural
densa protegida:
2.125
Agropecuária e
cidades: 2.890
Fonte: ABIMCI
País Área Total Floresta % F.Natural F.Plantada %
Rússia 1.688.851 851.392 50,4 834.052 17.340 2,0
Brasil 845.651 543.905 64,3 538.923 4.982 0,9
Candá 922.097 244.571 26,5 238.059 6.511 2,7
EUA 915.895 225.933 24,7 209.695 16.238 7,2
China 932.743 163.480 15,5 118.397 45.083 27,6
Índia 297.319 64.113 21,6 31.535 32.578 50,8
Japão 37.652 24.081 64,0 13.399 10.682 44,4
Finlândia 30.459 21.935 72,0 18.842 3.093 14,1
Chile 74.881 15.536 20,7 13.519 2.017 13,0
N.Zelândia 26.799 7.946 29,7 6.404 1.542 19,4
Outros 7.291.553 1.706.563 23,4 1.659.543 47.019 2,8
Fonte: STCP Engenharia de Projetos Ltda. E Abimci - 2003 apud Anuário
Brasileiro da Silvicultura
Área coberta por florestas por país (em mil ha)
Os dados acima, que indicam que 2/3 do território nacional são ocupados por
vegetação (a maior parte nativa), deixam patente desde logo o potencial das
atividades florestais no Brasil, sobretudo levando em conta que madeiras nobres,
como o mogno, alcançam preços de US$ 1.600,00 por m³ no mercado internacional
(que está concentrado nos EUA e na Europa106
), enquanto que outras menos
valorizadas, como cedro e jatobá, podem ser vendidas por US$ 600,00/m³ e US$
350,00/m³, respectivamente.
53
Infelizmente, a exploração das florestas nativas do Brasil nunca foi feita de
maneira sustentável, a começar pela exploração do pau-brasil, que só acabou quando
as reservas naturais se esgotaram. E mesmo hoje, com um maior nível de
consciência ambiental, o desmatamento das florestas prossegue sendo feito em
velocidade alarmante, sem a devida observância das normas de manejo florestal
sustentávelV, ou seja, sem a adoção das técnicas necessárias para a proteção das
árvores menores quando da colheita das árvores grandes. Assim, somente entre
agosto de 2003 e agosto de 2004, foram desmatados 26.130 km² na região
amazônica, o que corresponde à área do estado de Alagoas.107
Por outro lado, a exploração sustentável das florestas nativas esbarra em
sérios problemas de burocracia para a obtenção de autorizações do Ibama108
, de tal
forma que são poucas as empresas que se dispõem a explorar a madeira amazônica
de acordo com as leis ambientais. Essas empresas trabalham, em geral, com madeira
certificadaVI
109
110
111
, o que lhes garante acesso a mercados mais exigentes, como é
o caso da UE (em especial, Holanda, Bélgica e Inglaterra, que se dispõem a pagar
prêmio pela madeira certificada).
Desta feita, os principais filões do setor florestal estão atualmente apoiados
nas florestas plantadas, como será visto a seguir.
1.2.2.2.1. Florestas plantadas
Na última metade do século XX, em razão do esgotamento das florestas
naturais no sul do país, foi implementada no Brasil a tecnologia de reflorestamento.
O pinus e o eucalipto foram adotados como base para praticamente toda essa cadeia
no Brasil, representando, respectivamente, 36% e 64% das florestas plantadas. A
escolha se deveu aos altos índices de produtividade oferecidos pelas duas espécies.
No caso do eucalipto, o abate das árvores pode ser feito já 7 anos após o plantio,
permitindo uma produção de 300 metros cúbicos de madeira por hectare. Este índice
de produtividade, próximo dos 40 m³/hectare/ano é fabuloso se comparado ao
12m³/hectare/ano, obtidos no passado.
V Desde 1989, essas técnicas passaram estar previstas em lei, ano em que foi publicada a Ordem de Serviço
001-89 do IBAMA-DIREN, estabelecendo especificações técnicas de extração para diminuir os danos às
florestas, estimativas do volume a ser explorado, métodos de monitoramento das florestas após a exploração,
etc. Em paralelo, diversas ONG´s passaram a divulgar técnicas adicionais para a exploração de florestas com menor impacto ambiental. VI Como reflexo das crescentes preocupações ambientais, tem sido verificada uma maior procura por produtos
com certificados ambientais. Estes certificados são fornecidos por empresas de credibilidade internacional e
visam assegurar ao comprador a utilização de processos menos agressivos à natureza, quando da extração da
madeira e de outros produtos silvícolas como guaraná, castanha, cipó titica, açaí, sementes, óleos resinas, etc.
Tais selos passaram a ser exigidos por alguns dos principais clientes brasileiros, como é o caso da UE para a
importação de compensado de pinus, por exemplo. Esse tipo de certificação é crescentemente procurado,
mesmo no caso das florestas plantadas. Estima-se que cerca de 1,27 milhão de hectares, ou 20% das florestas
plantadas no Brasil, já têm um selo.
54
Apesar de menos de 1% da área florestal brasileira ser plantada, essa é a
origem de 60% da madeira industrial consumida no país e de 100% da matéria prima
usada na fabricação de painéis de madeira reconstruída e celulose. Também é das
florestas plantadas que vêm três quartos do carvão usado no país (29 milhões de
metros cúbicos em 2003), principalmente pelas siderúrgicas.112
Faturamento anual do setor florestal
(em US$ bilhões)
setor de madeira
2.751
(13%)
siderúrgica
3.003
(14%)
industria moveleira
3.255
(16%)
Papel e celulose
11.991
(57%)
Fonte: Anuário Brasileiro da Silvicultura, 2005
A indústria madeireira é muito favorecida pelo clima e solo brasileiros
(especialmente no sul do país). Conforme dados da Companhia Catarinense de
Empreendimentos Florestais (Comfloresta), as árvores no sul do país, tradicional
pólo produtor, crescem duas vezes mais rápido do que nos EUA e quatro vezes mais
do que no Canadá, que são dois dos maiores produtores.113
A eficiência na produção
das árvores confere ao Brasil vantagens comparativas a toda a cadeia agroindustrial
relacionada à indústria florestal, que vem crescendo rapidamente nos últimos anos.
O Brasil é líder mundial em tecnologia para a produção de pasta e papel de
eucalipto e também na produção de celulose de fibra curta.114
Em 2004, o país
ocupou o 11° lugar na produção de papel (mais de 8 milhões de toneladas) e o
sétimo na produção de celulose (9,5 milhões de toneladas). Além disso, o Brasil tem
vantagens comparativas nos papéis de imprimir e escrever e nas embalagens de
papel cartão.
55
5 2 , 3
2 6 , 2
17 , 211, 9 11, 7 10 , 5 9 , 5
Estados Unidos
CanadáChina
Finlândia
SuéciaJapão
Brasil
Produção mundial de celulose em 2004(em milhões de toneladas)
Fonte: Alice e MAPA apud Guia Exame 2005 Agronegócio.
Em outros segmentos da indústria florestal, porém, o desempenho do Brasil
não é tão significativo, como é o caso da produção de papel imprensa, dependendo
de importações do Canadá, França, Noruega, Holanda e Chile, sendo a empresa
Norske Skog Pisa a única fornecedora.115
A indústria florestal brasileira, como um todo, movimenta anualmente cerca
de US$ 20 bilhões (4,5% do PIB)116
, sendo a mais importante da América Latina.
Desse total, a indústria de madeira sólida participou com US$ 8 bilhões, sendo o
restante repartido entre celulose, papel e papelão. O setor é responsável pela
manutenção de 1,5 milhão de empregos diretos e indiretos no Brasil.
As importações de produtos florestais são inexpressivas, fazendo do setor um
dos cinco maiores saldos comerciais do país, já que as exportações são crescentes
(em especial para os EUA e a UE), chegando a US$ 7 bilhões em 2004 (ante US$
4,41 em 2002). Desse total, US$ 3 bilhões correspondem a madeiras e obras de
madeira, US$ 2,9 bilhões a papel e celulose, US$ 1 bilhão em móveis em geral e
US$ 47 mil em impressos gráficos.117
Ainda assim, a participação do Brasil é
relativamente pequena dentro do mercado internacional, que movimenta algo entre
US$ 130 bilhões118
e US$ 300 bilhões, incluindo as atividades relacionadas.
56
Maiores exportadores de produtos florestais (total de US$ 144.736.236 bilhões)
Suécia
10%
Finlândia
11%
Estados Unidos
15%
China
4%
Austrália
4%
Brasil
5%
Indonésia
5%
França
6%
Alemanha
10%
Canadá
28%
Chile
2%
Fonte: STCS Engenharia de Projetos Ltda. e Abimci - 2003 apud Anuário Brasileiro da Silvicultura
Quase toda a produção de celulose é exportada, concentradamente para a
Europa (43% em 2004), EUA (21%) e China (15%). Os demais produtos florestais
encontram uma divisão mais equilibrada entre as parcelas destinadas ao mercado
externo e ao interno.
A exemplo do ocorrido em outras cadeias produtivas, tem sido verificada uma
progressiva concentração no setor, sobretudo na produção e exportação de celulose,
implicando o surgimento de gigantes como a Klabin e a Aracruz. O cenário, pois, é
bastante diferente do encontrado nos países nórdicos, onde há uma notável
desconcentração. Na Finlândia, por exemplo, 5º maior produtor do mundo, com uma
receita anual em produtos florestais de US$ 16 bilhões, a produção está nas mãos de
400 mil fazendeiros, enquanto a indústria brasileira dispõe de apenas 600
fazendeiros-fornecedores.119
As maiores fabricantes de aglomerados, chapas e mdf¹
(em 2004)
Posição Empresa Controle
acionário
Sede Capacidade Instalada
(mil m³ /ano)
1 Duratex brasileiro São Paulo (SP) 1.510
2 Satipel brasileiro São Paulo (SP) 748
3 Placas do Paraná chileno Curitiba (PR) 654
4 Eucatex brasileiro Salto (SP) 612
5 Tafisa português Piên (PR) 587
6 Berneck brasileiro Araucária (PR) 556
7 Fibraplac brasileiro Glorinha (RS) 220
(1) Iniciais de medium density fiberboard, chapas de fibras de madeira
Fonte: Ass. Bras. da Indústria de Painéis de Madeira (ABIPA) apud Guia Exame 2005 Agronegócio
57
Posição Empresa Controle
acionário
Sede Produção
(mil ton.)
Participação na
produção nacional
1 Aracruz Celulose brasileiro Aracruz (ES) 2.223 24,20%
2 Klabin brasileiro São Paulo (SP) 1.391 15,20%
3 VCP brasileiro São Paulo (SP) 1.131 12,30%
4 Suzano Bahia Sul brasileiro Salvador (BA) 1.034 11,30%
5 Cenibra japonês Belo Oriente (MG) 886 9,60%
6 International Paper do Brasil americano Mogi-Guaçu (SP) 437 4,80%
7 Ripasa brasileiro São Paulo (SP) 424 4,60%
8 Jari brasileiro Almeirim (PA) 341 3,70%
9 Rigesa americano Campinas (SP) 210 2,30%
10 Norske Skog Pisa norueguês Curitiba (PR) 153 1,70%
Fonte: Guia Exame 2005 Agronegócio apud Bracelpa.
As maiores fabricantes de celulose
(em 2003)
A questão do financiamento de custeio apresenta-se especialmente
problemática no caso da indústria florestal. Com efeito, os investimentos feitos no
plantio de florestas pode levar muitos anos até dar algum retorno, o que afugenta os
investidores. Assim, apesar do grande volume de investimentos estrangeiros
previstos em entre 2004 e 2014 (cerca de US$ 20 bilhões), especialistas argumentam
que o setor teria que estar investindo mais na plantação de florestas para evitar
problemas de escassez de matéria prima nos próximos anos (o chamado “apagão
florestal”), bem como na ampliação das unidades industriais para conseguir manter o
atual ritmo de crescimento. Isso porque, nos últimos anos, o Brasil tem consumido,
em média, 400 mil hectares de florestas por ano, contra uma plantação de cerca de
200 mil hectares120
, enquanto que as plantas instaladas já operam com pouca
capacidade ociosa.
Felizmente, esforços coordenados entre o governo e as cadeias produtivas
lograram solucionar grande parte do problema, ampliando o plantio para cerca de
500 mil hectares em 2005. Esse número ainda é insuficiente para evitar perdas ao
segmento, que deveria estar plantando anualmente cerca de 630 mil hectares de
florestas, segundo a sociedade brasileira de silvicultura. De qualquer forma, esse
resultado tende a amenizar o impacto potencial de uma crise de falta de matéria
prima anunciada para 2008/09, a qual poderia ocasionar a redução de exportações
em cerca de R$ 15 bilhões em eucalipto até o final da década.121
1.2.2.3. Milho
De uma forma geral, o solo e clima brasileiros não favorecem a cultura de
milho, barrando ganhos de produtividade para fazer frente aos concorrentes
estrangeiro. Apesar disso, o Brasil também se destaca pela expressividade da sua
produção desta commodity. Depois da soja, o milho é a cultura que ocupa a maior
área plantada no Brasil, 9 milhões de hectares em 2005, segundo estimativa do
58
IBGE.122
VII
Junto da soja, o milho representa cerca de três quartos da produção de
grãos brasileira. Assim, o Brasil figura como o terceiro maior produtor do mundo,
com algo em torno de 7% da produção global (que é de 600 milhões de
toneladas)123
, fiando somente atrás dos EUA (com mais de 40% da produção
mundial)VIII
124
e da China (cerca de 25%)125
.
A produção nacional, que está concentrada no Paraná, ficou em torno de 10,8
milhões de toneladas126
, em 2005/2006, incluindo a safrinhaIX
127
(cerca de 3
milhões de toneladas).128
129
Deste total, o mercado interno consome algo em torno
de 36 milhões, sendo destinado à alimentação humana, ao fabrico de rações e à
indústria. Apenas 3,5% do consumo brasileiro ao consumo humano, sendo a maior
parte do consumo representado pela avicultura e pela suinocultura, que absorvem,
respectivamente, 64% e 20% do total. Em seguida, vem a indústria, que responde
pelos outros 9,5% do consumo interno.130
O restante da produção é exportado principalmente para a a Coréia do Sul, Irã
e a Espanha131
. Em 2004, as exportações da cadeia ficaram em cerca de 1 milhão de
toneladas 132
.
O mercado internacional de milho movimenta, anualmente, mais de 70
milhões de toneladas, das quais cerca de 50 milhões são fornecidas pelos EUA e 9
milhões pela Argentina. O mercado americano é também, de longe, o maior do
mundo e deve se expandir ainda mais em decorrência das iniciativas daquele
governo em promover a fabricação de álcool e açúcar a partir do milho.133
A cadeia de produção do milho, ao contrário da soja, se mostra bastante
desorganizada no Brasil. A política governamental de preços mínimos e a garantia
de renda entram em funcionamento somente quando os preços caem
demasiadamente, mostrando-se pouco eficientes para a garantia da rentabilidade da
atividade. Além disso, os produtores encontram dificuldades para a obtenção de
financiamento adequado, pois, na falta de um seguro agrícola bem desenvolvido, os
bancos preferem não se expor aos riscos da atividade. Com isso, na cadeia de milho,
não é raro que excessos de oferta se alternem com crises de abastecimento, o que
causa transtornos e prejuízos ora para os produtores, ora para os setores que dele
dependem, notadamente os produtores de porcos e aves, principais consumidores de
ração. Essa instabilidade explica em grande parte o fluxo de migração dos
produtores para a soja, que é um investimento mais seguro e rentável.
A cadeia do milho também conta com uma forte presença de multinacionais.
Na área de cereais, por exemplo, dominam a Kellog‟s (cerca de metade do mercado
em 2000) e a Nestlé, com cerca de 18%. No segmento amido de milho, a presença
VII Note-se que este foi o seu nível mais baixo nos últimos 35 anos, pois a cultura perdeu muito espaço para a
soja nos anos anteriores. VIII Na safra 2004/05, os EUA produziram 297 milhões de toneladas. IX O milho é cultivado em duas safras anuais no Brasil: uma principal no início do ano e outra no meio do ano, de menor volume, mas fundamental para o abastecimento do mercado.
59
da Unilever também é arrasadora, 98% de participação no mercado, através do uso
de 70 marcas.134
1.2.2.4. Algodão
A produção de algodão em escala relevante no Brasil teve início durante a
revolução industrial, inaugurada pela Inglaterra, atingindo seu pico de importância
na economia brasileira em 1825135
, quando chegou a representar 30% das
exportações brasileiras. Contudo, superado o período de instabilidades no mercado
internacional, findou-se essa fase áurea da cotocultura. A partir daí, o algodão
passou a ser um produto menos expressivo dentro da economia brasileira,
recuperando parte da sua importância somente a partir de meados do século XX.136
Nos anos seguintes, a cultura da fibra revigorou-se lenta e progressivamente,
conduzindo o Brasil ao posto de terceiro maior exportador do mundo em 1985.
Todavia, a abertura súbita do mercado pelo governo Collor conduziu o setor a mais
uma crise aguda, fazendo a produção despencar. Em 1992/93 as importações
chegaram a 500 mil toneladas.137
Felizmente, o país conseguiu superar mais esta crise, de forma exemplar. O
processo produtivo, até então fundado na mão-de-obra intensiva e técnicas mais
rudimentares, foi rapidamente substituído por um outro, que emprega tecnologia
avançada e mecanização, visando ganhos em escala. Concomitantemente, verificou-
se uma migração da cultura para áreas de cerrado do Centro Oeste a da Bahia, onde
encontrou condições muito favoráveis para crescimento, tanto naturais como
institucionais. Em 1996, o governo do estado do Mato Grosso criou um programa de
incentivo à cultura do algodão, isentando os produtos de 75% do ICMS. Em
contrapartida, o produtor deveriam aplicar 15% desses ganhos num fundo para
pesquisas, comprometendo-se também a obedecer a determinadas regras ecológicas
e sociais.138
Com essa fórmula, o algodão firmou-se, provavelmente em definitivo,
no estado que é, hoje, o principal pólo produtor, com metade da produção nacional.
Com isso, no curto período entre 1996 e 2001, o país deixou o posto de
segundo maior importador de algodão do mundo139
e começou a exportar volumes
significativos. Durante esses 5 anos, a produção triplicou, apresentando um aumento
de produtividade de cerca de 380% na última década140
, tornando o país o produtor
mais eficiente do mundo de algodão não-irrigado.141
A produtividade ali obtida, de
1200 kg/ha é o dobro da média mundial. Frise-se que a produção chega a ser 40%
maior que em 1980, usando apenas 1/3 da área plantada (960 mil hectares em 2003).
60
A evolução da produtividade de culturas (t/ha)
50,00
100,00
150,00
200,00
250,00
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2001 2003 2004
Algodão herbáceo
Arroz
Milho
Soja
Cana
Fonte: Massilon J. Araújo, Fundamentos de Agronegócio apud IBGE - base estatística 2001/2002, Abag e Agroanalysis.
Em 2004, contrastando com o cenário visto poucos anos antes, a produção
ultrapassou 2 milhões de toneladas 142
, o que foi suficiente para abastecer com folga
o mercado interno (que absorve em média 800 mil toneladas/ano)143
e ainda exportar
volumes expressivos (US$ 406 milhões). Acredita-se que esses números continuarão
crescendo nos próximos anos com a continuidade do movimento de
profissionalização da cadeia e a maior participação de empresas experientes em
exportações, peças fundamentais para o crescimento das vendas externas e para a
melhoria da qualidade do algodão brasileiro, que ainda é considerada baixa/média
para os padrões internacionais (por ser pouco uniforme e com excesso de folhas e
talos).
0
1000
2000
Produção e exportação de algodão
Produção (em mil toneladas) 700,3 938,8 766,2 847,5 1272 1335
Exportação (em milhões de
dólares)
32 154,2 93,8 188,5 406
2000 2001 2002 2003 2004 2005*
Fonte: Conab e Ministério da Agricultura apud Guia Exame 2005.
Os EUA lideram o fornecimento da fibra para o mercado mundial. Através de
uma poderosa política de subsídios aos seus produtores (incrementada após com a
Lei Agrícola de 2002), detém 20% da produção global144
e dominam cerca de 30%
do mercado internacional, com exportações na ordem de 13 milhões de fardos na
safra 2003/2004.145
A China disputa com os EUA a liderança na produção mundial,
com uma safra estimada em 22 milhões de fardos (4,9 milhões de toneladas) em
61
2003/2004. Ainda assim, o país importa grandes quantidades do produto para
abastecer a sua gigantesca indústria têxtil, que consome anualmente 30 milhões de
fardos (6,7 milhões de toneladas), fazendo do país o maior consumidor de algodão
do mundo.146
Maiores produtores de algodão em 2003
33
957
57
2000
750
290
386
475
848
900
1022
1736
2312
3747
4916
Egito
Austrália
UE*
Brasil
Turquia
Usbequistão
Paquistão
Índia
EUA
China
Produção
(milhares de
toneladas)
Subsídio do
Governo (US$
milhões)
* Grécia e Espanha
Fonte: MILLER, Scott. Comércio mundial aguarda decisões sobre subsídio de EUA e UE ao algodão. O Estado de São Paulo, São Paulo,
22 abr. 2004. p.B9.
Merece destaque o efeito nocivo dos subsídios conferidos aos cotocultores
norte-americanos e europeus sobre o comércio mundial de algodão. Essa prática tem
permitido a sobrevivência de produtores menos eficientes e prejudicado gravemente
aqueles que possuem, de fato, vantagens comparativas nessa área, resultando na
inundação do mercado internacional com algodão artificialmente barato. Para
ilustrar essa situação, cumpre apontar que, entre agosto de 1999 e julho de 2003, os
concederam subsídios à cotocultura pelos EUA atingiram níveis tão altos que quase
alcançaram o valor da produção: totalizando US$ 12,47 bilhões, ao passo que o
valor da produção foi de US$ 13,94 bilhões, o que permitiu um aumento fabuloso da
participação do país dentro do mercado mundial de algodão, que saltou de 17% para
42% no período.147
Com cifras menores, a UE também se destaca pela concessão de
subsídios milionários aos seus produtores (US$ 957 milhões), em especial para a
Espanha e Grécia. Nesse caso, o absurdo da política de subsídios é ainda maior que
nos EUA, na medida em que a ajuda financeira ultrapassa de longe o valor da
produção (gráfico acima). Felizmente, a produção do bloco é relativamente pequena,
se comparada à norte-americana, sendo destinada ao abastecimento do mercado
local, o que reduz o impacto da sua política agrícola sobre as exportações dos
produtores mais eficientes.
De qualquer forma, tem-se que, invariavelmente, os subsídios prejudicam os
produtores mais eficientes, sobretudo aos mais pobres, seja tomando o seu espaço no
mercado mundial, seja forçando os preços da commodity para baixo. De acordo com
a Organização Oxfam, os subsídios praticados pelos EUA na produção de algodão
62
causam, anualmente, prejuízos de US$ 300 milhões às nações africanas. No caso do
Brasil, estima-se que as perdas chegam a US$ 450 milhões, entre 1999 e 2003.
Justamente por essa razão, cumpre destacar, os subsídios ao algodão praticados
pelos EUA foram levados à OMC pelo Brasil e outros produtores, resultando em
condenação, conforme será detalhado na parte III desse livro.
Por fim, cabe observar que o algodão é a base de uma atividade econômica
ainda mais expressiva, que é a indústria têxtil. Trata-se de um nicho gigantesco do
mercado internacional, sendo avaliado em US$ 400 bilhões. A participação do
Brasil nesse comércio, todavia, é pouco expressiva, apenas 0,4% de participação,
sendo ele dominado pela China que exportou nada menos que US$ 130 bilhões em
produtos têxteis no ano de 2004.148
No Brasil, verifica-se uma concentração considerável nesse segmento,
podendo-se observar que as dez maiores empresas do setor, com faturamento de
cerca de US$ 2,6 bilhões, são todas predominantemente de capital nacional.
Posição Empresa Conrole acionário Sede Vendas *
1 Vicunha brasileiro Maracanaú (CE) 728,4
2 Coteminas brasileiro Montes Claros (MG) 615,6
3 Santista brasileiro São Paulo (SP) 362,1
4 Hering brasileiro Blumenau (SC) 160,4
5 Guararapes brasileiro Natal (RN) 156,6
6 Karsten brasileiro Blumenau (SC) 129,8
7 marisol brasileiro jaraguá do Sul (SC) 117,2
8 Dohler brasileiro Joinville (SC) 115,0
9 Cedro Cachoeira brasileiro Belo Horizonte (MG) 109,8
10 Teka brasileiro Blumenau (SC) 99,3
* em US$ milhões.
Fonte: Melhores e Maiores apud Guia Exame 2005 Agronegócio
As maiores indústrias têxteis
Receita bruta de vendas (2004)
1.2.2.5. Fumo
No período de colonização, o fumo, seguido pela cachaça, era a mercadoria
mais importante no escambo escravista. De início, a cultura foi difundida na Bahia,
em especial entre os pequenos agricultores, em razão das facilidades no cultivo,
estocagem e transporte. Porém, foi no sul do país que encontrou as melhores
condições de cultivo, firmando bases muito sólidas na região.
Hoje a fumicultura é desenvolvida por cerca de 190 mil famílias em cerca de
200 mil propriedades, a maior parte de pequeno e médio portes149
, estando a maior
parte concentrada no Rio Grande do Sul (numa região conhecida como Vale do Rio
Pardo). Esse estado sozinho responde por metade da produção nacional, em torno de
1 milhão de toneladas de fumo curado (seco), avaliada em R$ 2,5 bilhões.
63
A cadeia agroindustrial do fumo começa pela produção e pelo beneficiamento
ainda na propriedade rural. Estas, em geral, têm relações muito próximas com as
agroindústrias (assim como ocorre na avicultura e na suinocultura), a quem destinam
toda a produção. Na indústria, o beneficiamento prossegue, sendo as folhas
classificadas e re-processadas. No terceiro estágio, são fabricados o cigarro e o
charuto, que são então destinados à cadeia de comercialização.
A indústria brasileira do fumo é bastante organizada e concentrada, com uma
presença marcante de capital estrangeiro. O segmento é capitaneado pela Afubra
(Associação dos Fumicultores do Brasil), respondendo por uma produção de cerca
de 100 bilhões de cigarros/ano, divididas entre a Souza Cruz (80%), a Philip Morris
(12%) e outras treze empresas (8%).
Ao todo, cadeia de fumo movimentou cerca R$ 13 bilhões no Brasil em 2004,
gerando uma arrecadação de R$ 6 bilhões em impostos e 2,4 milhões de empregos.
Isso dá ao Brasil a posição de terceiro maior produtor de tabaco do mundo, atrás da
China, que produz 2 milhões de toneladas/ano150
e da Índia, Brasil. Somando à
produção dos EUA (quarto colocado) esses países representam 63% da produção
mundial (2003).151
No mundo todo, são produzidos todos os anos 5,3 trilhões de cigarros,
movimentando algo em torno de US$ 300 bilhões. Quanto ao comércio internacional
de tabaco, este se mostra bastante intenso: US$ 20,5 bilhões em tabaco
manufaturado, US$ 5,5 bilhões em folhas, US$ 1 bilhão em charutos e cigarrilhas e
US$ 12,5 bilhões em cigarros.
Quase todas as exportações brasileiras são de tabaco em folhas, pois são
impostas barreiras severas (cotas e tarifas) à entrada de produtos industrializados em
mercados como UE e EUA.152
Ainda, em 2003, o país exportou cerca de 440 mil
toneladas de fumo curado (21% da oferta mundial), gerando US$ 1 bilhão em
divisas. Note-se que, cinco anos antes, a participação brasileira era de apenas 15%
do comércio mundial, sendo tal crescimento resultante da diminuição da produção
de dois de seus principais concorrentes: EUA e Zimbábue. Com relação aos EUA, a
principal razão talvez seja a menor eficiência do país na produção ante aos
concorrentes internacionais (o custo de produção é 40% menor no Brasil), que
fizeram as exportações do país encolher 26,5%, para 163 mil toneladas, entre 1998 e
2002. Já no Zimbábue, a queda é atribuída à instabilidade política.
No mundo todo (e em especial nos países mais ricos), as investidas
antitabagistas intensificaram-se a partir dos anos 90, a fim de conter o consumo de
tabaco. Nessa linha, cumpre observar que, em 2003, foi aprovada uma Convenção
para o controle do Tabaco, em assembléia da Organização Mundial de Saúde. O
documento, assinado por 192 países, entre os quais o Brasil, prevê a substituição
progressiva das suas lavouras de fumo por outras culturas e estabelece diversas
restrições no tocante à publicidade, comercialização e contrabando, prevendo, ainda,
o aumento da taxação sobre os cigarros.153
Até fevereiro de 2005, 55 países já
64
haviam aderido à convenção. Porém, dos grandes produtores, apenas a Índia havia
ratificado até dezembro de 2004, enquanto outros como Brasil, EUA e China ainda
não, sofrendo fortes pressões de seus produtores para não ratificar o tratado.
Por esta e por outras razões, acompanhando o movimento verificado na maior
parte dos países, o mercado brasileiro encolheu nas últimas duas décadas. Desde
1980, o consumo per capita das pessoas com mais de 15 anos caiu de 1.937,4 para
1.194,0 cigarros em 2001154
. Agravando essa situação, a indústria de cigarro
brasileira também tem enfrentado uma crescente concorrência com os cigarros
contrabandeados, que competem de maneira desleal no mercado, onde chegam a
preços muito mais baixos.
1.2.2.6. Borracha
A produção de borracha a partir das seringueiras teve início do século XIX. O
Brasil detinha na região amazônica a maior reserva do mundo, o que lhe permitiu
atender prontamente o súbito crescimento da demanda, especialmente quando da
descoberta do processo de vulcanização, que deu origem à indústria de pneus.
O Brasil praticamente monopolizou a produção mundial até a virada do
século XX. No seu melhor momento, a borracha chegou a representar 40% das
exportações brasileiras, igualando-se ao café (feito alcançado em 1910). Todavia, a
atividade entrou em declínio quando entraram no mercado as colônias da França e
da Inglaterra, sucumbindo quando o produto sintético firmou-se como alternativa
mais viável, na década de 1940. A partir daí, a exemplo do ocorrido com o cacau, a
produção caiu para níveis de menor importância relativa dentro da economia
nacional.
Felizmente, a procura pelo produto natural tem apresentado um crescimento
significativo a partir da década de 1970. Os avanços tecnológicos e os preços mais
competitivos permitiram o crescimento da participação da borracha natural dentro
do consumo total de elastômeros, de 30% para 40% nas últimas 2 décadas.155
O
setor entrou no século XXI numa situação muito prestigiada em decorrência do
rápido crescimento do consumo, especialmente nos EUA, que hoje consomem 4,3
milhões de toneladas, China (4,8 milhões), Europa (3,5 milhões) e Japão (2,6
milhões).156
Segundo estimativas, o consumo mundial de borracha em geral (entre
natural e sintéticos) gira em torno de 19 milhões de toneladas anuais.157
A recuperação dos preços do produto favoreceu o incremento da produção da
América Latina como um todo. Conforme estimativas, a produção total da região
saltou de 50 mil para 200 mil toneladas entre 1992 e 2005, sendo 90 mil toneladas
produzidas no BrasilX, onde o setor movimentou R$ 600 milhões em 2004. Com a
previsão de investimentos de R$ 550 milhões entre 2005 e 2009, pretende-se
X A partir dos anos 90, a atividade começou a ser desenvolvida em maior escala no estado de São Paulo, que
passou a responder por cerca de 50% do total nacional nos primeiros anos do século XXI.
65
ampliar a produção para 370 mil toneladas. Contudo, esses números ainda são
considerados tímidos para o potencial do Brasil, que ainda depende de importações
de cerca de 240 mil toneladas por ano para suprir a demanda interna por borrachaXI
.
A produção brasileira de borracha natural é pouco expressiva dentro do total
produzido no mundo, cerca de 8,1 milhões de toneladas158
, deixando o país muito
atrás dos maiores produtores mundiais. O comércio internacional de borracha
natural é liderado pela Malásia, Tailândia e Indonésia, que dominam o mercado
asiático, em destaque o chinês e o indiano.159
1.2.2.7. Trigo
O trigo tem sido uma das principais fontes de alimentação da humanidade há
cerca de 5 mil anos, respondendo hoje por 23% da alimentação mundial.160
Tradicionalmente, a cultura obtém melhores níveis de produtividade nas regiões de
clima temperado, destacando-se os resultados conseguidos na Alemanha, França,
Ucrânia, Centro-Oeste dos EUA, Canadá, Austrália, China e nos pampas argentinos.
Desta feita, sendo o Brasil um país eminentemente tropical, não é um bom
produtor de trigo. O país produz menos da metade do que consome e disputa com o
Egito a posição de maior importador de trigo do mundo, comprando cerca de US$
800 milhões por ano de países como a Argentina, EUA e Ucrânia161
. O trigo é, com
isso, o principal item na pauta de importações agrícolas brasileiras.
A produção já foi bem maior, tendo o Brasil inclusive exportado trigo em
pequenas quantidades, notadamente durante o período entre 1967 e 1990, quando o
Governo garantia a compra das safras e monopolizava a comercialização do produto.
Todavia, se, por um lado, essas políticas viabilizaram a auto-suficiência do país por
um curto período, por outro, desestimulou investimentos na modernização das
lavouras e de toda a cadeia produtiva, o que tornou a triticultura defasada em termos
de produtividade, frente aos padrões internacionais.
A partir da Lei nº. 8.096 de 21 de novembro de 1990, findou-se o monopólio
estatal, o que se aliou à abertura da economia para forçar a cadeia do trigo a buscar
competitividade a fim de não perder mercado. A maior parte dos agricultores que
continuaram na atividade conseguiu se adaptar à nova realidade e hoje são capazes
de produzir trigo de boa qualidade a preços competitivos, já que a produtividade
mais que dobrou nos últimos 20 anos162
. Esses ganhos se devem aos centros de
pesquisa nacionais, com destaque para a Embrapa, que desenvolveram tecnologias
avançadas para a adaptação do trigo às condições naturais do Brasil, permitindo o
cultivo, tanto em solos secos como em encharcados, com maior resistência a fungos
e doenças, etc.
XI Cerca de 80% desta produção é aplicada na indústria de pneus, sendo o restante repartido entre as indústrias
de sapato e produtos de higiene.
66
Esse processo de modernização ainda tem muito a avançar, sobretudo no
campo institucional, na medida em que ainda existe uma integração relativamente
pequena entre produtores e moinhos, o que reduz a eficiência da cadeia. Os
contratos são freqüentemente quebrados, criando um clima de falta de confiança que
desestimula investimentos. Entende-se que, com o passar do tempo, o Brasil estará
em plenas condições de atingir a auto-suficiência, aumentando a sua produção na
região SulXII
e no cerrado163
, com o trigo irrigado164
.
No Brasil, o trigo tem como principal destino a feitura de farinha, que tem
como principais consumidores as panificadoras e confeitarias. Apesar do consumo
per capita do cereal ser relativamente baixo para os padrões internacionais, a cadeia
é expressiva no Brasil, movimentando anualmente US$ 25 bilhões.165
A indústria
brasileira é composta por mais de 250 moinhos, com capacidade instalada para a
moagem de 15 milhões de toneladas/ano. Também se observa aqui uma forte
concentração entre os agentes: 10% do moinhos respondem por 65% da moagem
nacional166
, sendo liderado pela Plus Vita, detentora das Marcas Pullman, Ana Maria
e outras.
O trigo é a commodity agrícola de maior destaque no comércio internacional
e, ao contrário do arroz, encontra poucas barreiras comerciais. Em média, são
negociadas anualmente 105 milhões de toneladas do produto, estando a produção
mundial estimada em cerca de 600 milhões de toneladas/ano. Os maiores produtores
são a China (90 milhões de toneladas), EUA (60 milhões de toneladas) e os países
da UE (cerca de 100 milhões), representando 43% da produção total em 2001.167
168
169
Mais recentemente, destacaram-se novos e dinâmicos fornecedores, como Rússia,
Kazaquistão, Ucrânia, Bulgária, Hungria e República Checa, abastecendo o mercado
mundial com outras 22,3 milhões de toneladas/ano. 170
1.2.2.8. Arroz
O arroz é o cereal mais consumido no mundo, representando 80% da dieta de
cerca de 40% da população mundial.171
No Brasil, o arroz não é tão consumido, mas
também tem um papel bastante significativo na alimentação da sua população. O
mercado interno absorve anualmente cerca de 13 milhões de toneladas172
(a nona
maior do mundo), volume este que praticamente empata com a produção nacional.
É interessante ressaltar que, apesar de ter atingido a auto-suficiência na safra
2003/2004, o Brasil continua importando volumes significativos do cereal,
principalmente do Mercosul, onde o custo de produção é quase metade do
conseguido no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina (onde está concentrada a
produção nacional). Isso ocorre porque o clima temperado encontrado no sul do país
exige o uso de sistema de irrigação, que permite uma produtividade (por área
XII As principais espécies de trigo comercializadas hoje são a “aestivum”, para a produção de pão, a “durum”,
para massas, e a “soft”, para farinhas e biscoitos.
67
plantada) maior, porém mais cara. Ante essas dificuldades, verifica-se que as novas
gerações de arrozeiros estão deixando o sul do país, a fim de cultivar a variedade
chamada sequeiro, que tem custos substancialmente menores, apesar da menor
qualidade.173
Outra grande dificuldade encontrada pelos risicultores gaúchos para concorrer
com o produto importado é a carga tributária, estimada em 40% sobre o arroz
produzido no Brasil, contra 16% na Argentina e 14% no Uruguai. Felizmente, esse
problema foi amenizado com a entrada em vigor da Lei 10925/04, que isentou o
produto (excluindo rações) de Cofins e PIS/Pasep (cuja alíquota seria de 9,25%). A
lei também isentou de impostos a importação e vendas de fertilizantes, defensivos,
sementes e mudas, como forma de desonerar os produtores. Com isso, tanto o arroz
como o feijão estariam sujeitas a apenas o ICMS, que varia de estado para estado.174
Apesar de o consumo de arroz ser muito grande no mundo, o comércio
internacional dessa commodity é relativamente pequeno, ficando restrito a um
movimento de 20 milhões de toneladas anuais (menos de um quinto do comércio de
trigo).175
Isso se deve, primeiramente, ao fato de que os principais consumidores
também são os principais produtores: China, Japão e Índia, que produzem 92% do
arroz consumido no mundo. Além disso, os fluxos inexpressivos de comércio de
arroz também se explicam pelo fato de se tratar de um dos mercados mas protegidos
no âmbito internacional, a tal ponto que fica inacessível aos produtores mais
eficientes. É muito freqüente a imposição barreiras comerciais instransponíveis ao
produto importado, sobretudo pelos países ricos. No caso do Japão, por exemplo,
detentor das barreiras mais severas à importação do produto, podem ser encontradas
tarifas na ordem de 700%. Isso, vale dizer, sustenta os altos preços do produto
naquele mercado, cerca de 5 vezes maior do que as cotações internacionais.176
Se não bastassem as barreiras comerciais, o arroz também é a cultura que
recebe o maior volume de subsídios na agropecuária mundial (26,5 bilhões em
2004177
). Os subsídios são usualmente praticados através de políticas de preços
mínimos, que recorrentemente garantem a compra da produção a preços
substancialmente maiores que os praticados no mercado, viabilizando a produção de
arroz em países ineficientes, que concorrem em desigualdade de condições com a
dos países dotados das verdadeiras vantagens comparativas. Nos EUA, por exemplo,
calcula-se que os subsídios destinados aos produtores de arroz somaram a
impressionante cifra de US$ 5,8 bilhões entre 1999 e 2002. Esse valor representou
nada menos que 145% do valor das safras, que foi de US$ 4 bilhões, dando conta de
que a produção no país seria inviável sem os aportes do Estado.178
1.2.2.9. Cacau
O cacau tem se destacado como uma importante atividade econômica no
Brasil desde a segunda metade do século XIX, representando um dos principais
segmentos do agronegócio até a década de 1980. Até então, o Brasil colocava-se
68
entre os líderes mundiais de produção e exportação de cacau, respondendo por 19%
da produção mundial durante a década de 1980.
Porém, em razão do alastramento da doença “vassoura-de-bruxa” no sul da
Bahia, a produção nacional caiu drasticamente, passando de 400 mil toneladas no
início da década de 90 para 120 mil toneladas em 2000. Assim, a participação da
produção brasileira dentro do total mundial, caiu para 7% em 2001.179
Como
conseqüência, as exportações brasileiras caíram sensivelmente (63 mil toneladas, ou
US$ 101 milhões em 2000) e o Brasil passou a importar volumes significativos para
abastecer seu mercado, o que era impensável há algum tempo atrás. Em 2004, as
exportações ficaram em US$ 386 milhões contra importações de US$ 85 milhões.180
O cacau é a base da indústria de chocolates, que movimenta anualmente R$ 2
bilhões no Brasil.181
Esse segmento encontra-se hoje dominado por um seleto grupo
de multinacionais, havendo basicamente quatro compradores de expressividade:
Cargil, Joanes, Nestlé e Mars. Com isso, o sistema de comercialização resume-se à
venda do cacau pelo produtor a um atacadista exportador ou a uma indústria,
colocando os produtores em situação difícil para negociar maiores ganhos, o que
acaba desestimulando investimentos na modernização da produção.
1.2.2.10. Café
Originário da África, o café começou a ser cultivado no país em grande escala
no início do século XIX, impulsionado pelo crescimento da demanda internacional,
em especial pelos norte-americanos, que procuravam um substitutivo para o chá,
após a sua independência. Rapidamente, o café adquiriu uma importância
fundamental dentro da economia brasileira, tornando-se o seu motor por mais de um
século.
A partir da década de 1830, o Brasil passou a ser o maior fornecedor de café
no mundo e o produto tornou-se o principal item na pauta de exportações nacionais.
Essa liderança isolada do café na pauta de exportações brasileiras perdurou até a
industrialização do país, intensificada em meados do século XX, momento em que a
commodity ainda respondia por 70% do valor total dos embarques.182
A exemplo do que se verifica na história de outras culturas, o café passou por
altos e baixos ao longo de sua trajetória no Brasil. Destacaram-se, nesse sentido, as
crises decorrentes da superprodução vivenciadas no início do século XX e o crash
da bolsa de Nova York, em 1929. Posteriormente, a partir dos anos 50, outros países
começaram a produzir café em grande escala e abalaram a posição do Brasil de líder
absoluto no fornecimento de café ao mercado mundial. Aos poucos, o Brasil perdeu
o domínio que vinha exercendo sobre os preços da commodity, que despencaram
junto com a produção brasileira na segunda metade do século. Com isso, a
participação brasileira no mercado mundial de café caiu para 20% ao final da década
de 1980.
69
De qualquer maneira, ainda hoje, o café tem uma participação fundamental
dentro da economia nacional. Em 2004/05, a produção brasileira, que agora se
concentra em Minas Gerais, correspondeu a cerca de 30 milhões de sacas de 60
kg183
, o que representa quase 30% da produção mundial184
e dá ao país a posição de
maior produtor do mundo, seguido pelo Vietnã, Colômbia e Indonésia.185
A indústria brasileira, liderada por multinacionais como Strauss-Elite (dona
da marca três corações) e a Sara Lee (detentora das marcas Café do Ponto, Seleto,
Pilão, União e Caboclo186
) absorve anualmente cerca de 13,5 milhões de sacas
anuais, gerando um faturamento de R$ 4,4 bilhões em 2004187
.Isso faz do Brasil o
segundo maior mercado de café do mundo, atrás apenas dos EUA (18 milhões de
sacas anuais)188
. Juntos, os dois mercados consomem cerca de 40% de todo o café
do mundo189
.
De qualquer forma, é o mercado exterior o destino da maior parte do café
brasileiro. O país tem exportado anualmente volumes acima de 20 milhões de sacas
de café em grãos, além de cerca de 2,5 milhões de sacas de café solúvel, sendo
inexpressivas as exportações de café torrado e moído. Isso faz do Brasil também o
maior exportador do mundo, com cerca de um terço do mercado internacional190
.
Em 2005, as exportações do produto geraram receitas de US$ 1,4 bilhões191
,
prevalecendo os embarques para a Alemanha, EUA, Itália, Japão, Bélgica,
Eslovênia, França e Espanha. 192
O mercado internacional de café tem se mostrado crescentemente
competitivo, sendo notável o aumento de produção em alguns países da Ásia, como
o Vietnã, que resultou na expressiva queda das cotações internacionais a partir de
1997. Levantamento feito pela UNCTAD, órgão da ONU relativo a comércio e
desenvolvimento, indica que, entre 1999 e 2002, a queda dos preços desta
commodity, em relação a 1998, foi tão acentuada que os produtores no mundo todo
deixaram de ganhar US$19 bilhões.
A mesma entidade estima também que, no início da década de 1990, os
produtores obtinham cerca de US$ 12 bilhões em receitas com as exportações, sendo
que o valor obtido com a comercialização do produto no varejo era de US$ 30
bilhões. Passados pouco mais de 10 anos, a receita resultante de exportações pelos
cafeicultores caiu para US$ 6 bilhões, sendo que o valor das vendas ao consumidor
já supera US$ 70 bilhões. Percebe-se, portanto, que os comerciantes, processadores
e varejistas se apoderaram da maior parte dos ganhos de produtividade, o que
demonstra a mudança do equilíbrio econômico dentro da cadeia do café, onde a
produção passou a ser uma atividade de rentabilidade inferior.193
Na tentativa de reverter este quadro, os produtores brasileiros estão apostando
em campanhas para o incremento do consumo interno e na certificação da qualidade
das exportações, na busca de ampliar a fatia brasileira no mercado internacional.
Isso porque o mercado de cafés finos cresce a taxas médias de 12% ao ano, enquanto
que o de café convencional não passa de 1%.194
Em paralelo, estão em curso
70
iniciativas promissoras na parte de promoção do café brasileiro no exterior,
especialmente no Oriente. A indústria brasileira acredita que é possível que a China
repita o ocorrido com o Japão, onde o consumo de café superou o de chá. Se isso
ocorrer, o Brasil terá chances de dobrar seu volume de exportações de café.195
O
mercado chinês ainda é bastante retraído (500 mil sacas anuais, para uma produção
de 300 mil sacas), mas tem evidenciado o seu potencial desde a chegada da rede
americana Starbucks. A demanda maior é por café solúvel, cuja produção é
dominada pela suíça Nestlé e pela americana Kraft. Recentemente, a brasileira
Cacique conseguiu se inserir naquele mercado e já responde por metade das
exportações brasileiras de café para aquele país. Estabelecido o canal de
distribuição, abre-se um mercado muito promissor para o produto brasileiro.196
1.2.2.11. Fruticultura
O cultivo de frutas já é feito no Brasil desde o período de colônia,
inicialmente sem maiores pretensões comerciais, permanecendo voltado para a
subsistência e com o papel importante de amenizar a desnutrição das camadas mais
pobres. Somente no século XX é que adquiriu um caráter mais comercial.
Hoje, mesmo ocupando uma área relativamente pequena em comparação com
outras culturas (cerca de 2,9 milhões de hectares197
), o Brasil destaca-se pela
expressividade da sua produção – a terceira maior do mundo, com 38 milhões de
toneladas, atrás da ChinaXIII
e Índia.198
O setor da fruticultura emprega cerca de 5,6
milhões de pessoas, 27% da mão-de-obra agrícola ocupada no Brasil.199
As principais culturas são a de laranja (que será abordada em capítulo
próprio), maçã e caju, que ocupam a maior parte das terras e a banana. Em seguida,
também com peso considerável, vem a produção de uvas, melões, mangasXIV200
e
mamões. À exceção do caju, estas são também algumas das frutas mais exportadas
pelo país.
XIII A produção chinesa gira em torno de 133 milhões de toneladas. XIV O Brasil é um dos 7 maiores produtores do mundo. A produção foi de 845 mil toneladas em 2003, sendo
88% consumida no Brasil. O maior exportador dessa fruta é o México, ficando o Brasil em segundo lugar.
71
Fruta Exportações * Variação (sobre 2003)Maçã 72,5 91,70%
Manga 64,3 -15,10%
Melão 63,2 8,50%
Uva 52,8 -12,00%
Banana 27,0 -10,00%
Mamão 26,5 -9,00%
Laranja 21,5 61,00%
Limão 18,3 8,00%
Tangerina 8,2 32,00%
Abacaxi 6,0 113,00%
Melancia 4,0 15,20%
Outras 5,2 37,00%
Total 369,7 9,50%
* em US$ milhões.
Fonte: Secex e Ibraf apud Guia Exame 2005 Agronegócio
(em 2004)
Frutas frescas mais exportadas pelo Brasil
Apesar da grande dimensão desse segmento, o Brasil somente exporta apenas
2% da sua produção de frutas frescas (420 milhões exportados em 2004, após um
crescimento de 500% na última década). 201
. Assim, o país tem uma presença pouco
expressiva dentro do mercado internacional de frutas, que é um dos maiores da
agricultura mundial, movimentando em torno de US$ 22 bilhões todos os anos. A
timidez dessa participação fica nítida quando se constata que, dentro do comércio
internacional de frutas, a fatia brasileira é de apenas 2%202
, enquanto a do Chile é de
5%203
. Medidas para reverter esse quadro já estão sendo implementadas, podendo-se
citar o programa Brazilian Fruit, promovida por produtores brasileiros, através da
IBRAF (Instituto Brasileiro de Frutas), em parceria com a APEX (Agência de
Promoção de Exportações).
O destino das exportações brasileiras é quase sempre a Europa, ficando o
Mercosul em segundo lugar. As vendas para os EUA, nesse caso, não são tão
expressivas, apesar de ser um mercado gigantesco. Isso se deve às barreiras
fitossanitárias que o país impõe à importação de quase todas as frutas, de forma que
os produtos brasileiros precisam superar inúmeros entraves (entre os quais o pedido
de autorização prévia para exportação), o que acaba obstando aumentos
significativos de vendas para esse mercado.
Infelizmente, o comportamento dos EUA não é isolado, pois, na realidade, o
mercado internacional de frutas como um todo é muito fechado, sendo recorrente a
imposição de algum tipo de barreira aos fluxos de comércio de frutas, sobretudo
pelos países desenvolvidos. Mesmo na Europa, destino da maior parte das
exportações nacionais, as frutas brasileiras encontram grandes dificuldades de
acesso, que incluem cotas máximas e tarifas significativas sobre as importações.
Além disso, a UE também aplica sistematicamente as barreiras fitossanitárias,
freqüentemente sob a alegação de suspeita de contaminação por doenças, como a da
pinta preta, comum no Brasil e rara nos pomares europeus. É interessante observar,
nesse sentido, que em 2004, uma missão européia apontou falhas no processo de
72
certificação fitossanitária de citros no Brasil, bloqueando importações sob a
alegação de que o processo de redução de riscos não era suficiente.204
Já o Japão, outro grande mercado, é ainda mais radical: proíbe a importação
de diversas frutas brasileiras com o argumento de incidência de mosca da fruta
mediterrânea, mariposa de codling, e outras pragas.205 Por essa razão, o Brasil ficou
mais de 30 anos sem conseguir exportar manga para esse país, somente recuperando
a autorização para tanto recentemente. Para se adequar às normas fitossanitárias
japonesas, o Brasil precisou adaptar-se às exigências japonesas, como por exemplo
submeter mangas para lá exportadas a um tratamento hidrotérmico, a fim de evitar a
presença de larvas e moscas do mediterrâneo e bactérias.
Por óbvio, esse tipo de restrição acaba por encarecer a produção e dificulta o
acesso aos mercados mais importantes do mundo. Porém, não há outra alternativa
aos exportadores brasileiros, senão a obediência das imposições, não raramente
exageradas, das autoridades fitossanitárias estrangeiras, com a submissão aos
padrões por elas estabelecidas.
1.2.2.12. Laranja
A cultura de laranja já é antiga no país – chegou por volta de 1530. Porém, só
no início do século XX é que a atividade passou a ser verdadeiramente encarada
como um negócio. Ao longo sua da história, a citricultura laranjeira vivenciou altos
e baixos no Brasil, sendo a expansão barrada por alguns problemas pontuais de
epidemias que até hoje perduram. Os últimos caso de notoriedade foram das doenças
greening e morte-súbita, que se alastrou nos pomares paulistas em 2005,
afetando severamente os níveis de produção. Estima-se que 85% do parque
citrícola paulista terá de ser renovado nos próximos 10 anos em razão dessas
doenças.
Para a felicidade dos produtores brasileiros, quebras de safra não são um
privilégio seu. Os concorrentes brasileiros, notadamente os EUA, também toparam
com alguns problemas graves em seus pomares, destacando-se as geadas ocorrida na
Flórida nos anos de 1962 (que matou 13 milhões de árvores), 1975 e 1985. Note-se
que essas duas últimas resultaram numa forte queda de produção, que passou de 9
milhões em 1974 para 6 milhões de toneladas em 1985. Somente na década de 90 o
país conseguiu retomar os níveis de produção anteriores. Porém, mais recentemente,
os pomares norte-americanos voltaram a ser danificados em 2004 e 2005, desta vez
com os furacões que atingiram o mesmo a Flórida, derrubando árvores e a produção
de 292 milhões de caixas de 40,8 kg (7,1 milhões de toneladas) em 2003/04 para
uma colheita estimada em 171 milhões de caixas em 2004/05 (4,1 milhões de
toneladas).206
O Brasil aproveitou-se dessas ocasiões para ampliar a sua fatia no mercado
internacional e, para tanto, aumentou a sua produção. Na realidade, o crescimento da
73
citricultura no Brasil decorreu justamente da possibilidade de exportar mais. Nesse
processo, a produção partiu de uma modesta produção de 5 mil toneladas, em 1963,
levando o Brasil à liderança mundial na produção em 1980, superando inclusive os
EUA. Atualmente, a produção está próxima de 19 milhões de toneladas, o que
representa quase 30% da produção mundial.207
A laranja encontra diversas aplicações, que incluem consumo in natura,
fabricação de suco, de produtos de medicina, perfumaria, licores e ração animal, o
que faz dela o terceiro fruto mais cultivado no mundo. No Brasil, essa cadeia
produtiva movimenta anualmente cerca de US$ 3,9 bilhões, entre produção,
comercialização, transporte e atividades subsidiárias.208
A cultura ocupa uma área de
831 mil hectares209
e emprega diretamente 400 mil brasileiros, sendo que, se
incluída a agroindústria, a cadeia de laranja emprega 2% da mão-de-obra do
país.210 No caso de São Paulo, principal pólo produtor, essa cadeia emprega
nada menos que 11% da população economicamente ativa.
A fabricação de suco é, sem dúvida, o segmento mais forte da cadeia de
laranja. Esse mercado tem crescido em ritmo acelerado no mundo todo: entre 3% e
5% anualmente. No Brasil, particularmente, o mercado de sucos prontos para
beber cresceu 92% entre as safras 1999/00 e 2003/04, estimulado pela entrada
da indústria de laticínios na distribuição do suco, alcançando um faturamento de
R$ 700 milhões211
. Com isso, o mercado interno absorve cerca de 100 milhões de
caixas de 40,8 kg por ano (2,5 milhões de toneladas).
A maior parte da produção brasileira é exportada, especialmente na forma de
suco concentrado, tendo como principais destinos a UE, seguida pelos países do
Nafta e da Ásia212
. Em média, as exportações de suco de laranja têm girado em torno
de 1 milhão de toneladas anuais, gerando divisas de US$ 1 bilhão. Em 2003, as
exportações brasileiras ficaram em US$ 1,33 bilhão, sendo 95% proveniente de
São Paulo.213
Com isso, o Brasil figura como o maior produtor e maior
exportador de suco de laranja concentrado do mundo. Junto dos EUA, segundo
colocado, o país detém 90% do mercado mundial de suco de laranja congelado e
concentrado (estimado em 2,5 milhões de toneladas/ano), sendo o restante repartido
entre produtores do Caribe e do Mediterrâneo214
, especialmente a Espanha, que se
destaca pelas exportações de laranja in natura.215
Os EUA são de longe os maiores consumidores do produto no mundo e o seu
mercado é o principal condicionante dos preços internacionais. Contudo, devido a
medidas protecionistas (que serão analisadas na terceira parte deste livro), apenas
20% das exportações brasileiras de suco de laranja são destinadas àquele país.
Embora não goze de benefícios tarifários na UE, sucos e polpas de frutas tropicais
não encontram maiores problemas para a entrada naquele mercado, o que o torna o
principal destino das exportações brasileiras, com 65% do total. De seu lado, o
mercado asiático figura entre os mais promissores, sobretudo após o corte de tarifas
74
na Rússia (em 1998) e na China (em 2001), o que permitiu a escalada das vendas
para esses países.216
Exportações brasileiras de suco de laranja por destino
68881
148750
212748
64162
148278
165796
969280978856
19382771
Outros
Mercosul
Ásia
Nafta
U. E
toneladas
2003/2004
2004/2005
Fonte: Fernando Lopes,Trava ao Brasil faz suco subir em NY . Valor Econômico, São Paulo, 19, 20 e 21 ago. 2005.
A agroindústria citrícula é uma das mais concentradas de todo o mundo.
Grandes multinacionais têm avançando verticalmente para capturar valor em
outras etapas da cadeia, incluindo na produção. Estima-se que entre 30% e
40% dos pomares paulistas já são explorados pelas indústrias.217
Até pouco
tempo atrás, 5 empresas dominavam a produção e as exportações de suco,
sendo que, em 2004, essa situação agravou-se ainda mais, quando a Cutrale e
a Citrosuco compraram as operações da Cargill. Juntas essas duas gigantes,
passaram a concentrar 70% dos embarques brasileiros de suco, dominando
nada menos que 56% do comércio mundial.218
O restante do mercado
brasileiro é dividido entre a Citrovita (do grupo Votorantim) e a Coinbra
(grupo Dreyfus).
As maiores indústrias de suco de laranja
Posição Empresa Controle
acionário
Sede Capacidade de
processamento *
Exportação
(US$ mil)
1 Cutrale brasileiro Araraquara (SP) 70.000 381.074
2 Citrosuco Paulista (Fisher) brasileiro Matão (SP) 60.000 229.521
3 Coinbra-Frutesp francês São Paulo (SP) 55.000 146.068
4 Citrovita brasileiro São Paulo (SP) 50.000 141.320
* mil caixas/dia
(em 2004)
Fonte: Sedex apud Guia Exame 2005 Agronegócio
A concentração do setor afetou sensivelmente o equilíbrio econômico
entre os produtores e as agroindústrias, na medida em que reduz o poder de
barganha dos primeiros na fixação dos preços de compra da produção. Na
75
medida em que a cadeia se verticalizou, os maiores ganhos deslocaram-se para
a industrialização e comercialização. Assim, a exemplo do movimento
verificado na cadeia do café, a laranja corresponde a apenas 20% do preço do
suco, ao passo que, na década de 70, esse percentual estava em 40%.219
O
ponto positivo, segundo alguns, é que, se essas empresas estiverem
fortalecidas, terão melhores condições para desenvolver novos mercados no
exterior para o suco brasileiro.
1.2.2.13. Cana-de-açúcar
A cana é cultivada no Brasil desde 1530, tendo sido a atividade econômica
mais expressiva do Brasil até a ascensão do café, no início do século XIX. Hoje,
mesmo não tendo a mesma importância que já teve noutros tempos, a cana-de-
açúcar continua a ocupar um espaço de destaque dentro da produção agrícola
brasileira. A cultura é o segundo produto agrícola em volume do Brasil, superado
apenas pela soja, empregando cerca de 1 milhão de brasileiros220
, em 60 mil
propriedades rurais. Em 2005/2006, a safra de cana-de-açúcar registrou a produção
de 436,8 milhões de toneladas, a maior da história do país.
A cana encontra uma grande variedade de aplicações, que inclui a produção
de açúcar e álcool, cachaça e plástico221
222
, além da geração de energia a
baixíssimos custos (a partir da queima do bagaço), ração com a levedura seca e
fertilizante a partir do vinhotilho. Os principais segmentos dessa cadeia, contudo,
são a produção de álcool e de açúcar, que absorvem cerca de metade da produção
cada.
A produção brasileira está concentrada no estado de São Paulo, onde se
encontra um verdadeiro agricluster do setor. Juntamente com os produtores de cana-
de-açúcar, convivem na região, num sistema altamente integrado, grandes
fabricantes de defensivos agrícolas, fertilizantes, maquinários, mais de uma centena
de unidades de processamento de cana-de-açúcar (usinas de açúcar e destilarias de
álcool), distribuidores atacadistas, institutos de pesquisa (como a ESALQ e a
UNESP), bem como as entidades de representação do setor (Copersucar, Abag-
Ribeirão Preto e Única – União da Agroindústria Canavieira de São Paulo).223
Esse grande e dinâmico pólo produtivo foi consolidado ao longo de um
processo histórico marcado por uma forte interferência estatal, em especial a partir
da década de 1930, quando da criação do IAA (Instituto do Açúcar e Álcool), a
quem incumbia que fixar o preço da produção e comercializá-la. Posteriormente, a
competência pelo gerenciamento da cadeia passou nas mãos de diversos órgãos e,
desde julho de 1999, está a cargo do DAA (Departamento do Açúcar e do Álcool),
vinculado ao Ministério da Agricultura. Essa ingerência estatal, todavia, viu-se
abruptamente reduzida na década de 1990, quando o IAA foi extinto e a economia
foi aberta, expondo os produtores a grandes dificuldades para se adaptar às novas
76
regras de um mercado menos regulado. Os produtores e usinas viram-se então
obrigados a se modernizar rapidamente para superar a crise.
Esse contexto explica a arrancada da produtividade brasileira em relação a
seus concorrentes externos, ainda mais visível na última década. O Brasil firmou
com isso uma liderança imbatível em toda a cadeia produtiva de álcool e açúcar. Se
naturalmente, o Brasil já tinha em suas lavouras de cana vantagens comparativas
decorrentes da abundância de terras planas e férteis, clima favorável, desnecessidade
de irrigação, etc., passou também a se destacar pela profissionalização da sua
produção, que passou a incluir um melhor aproveitamento dos resíduos,
aproximação entre os agentes e maior utilização de tecnologia de produção,
sobretudo na criação de variedades mais produtivas de cana. Da mesma forma, na
cadeia industrial, a liderança brasileira também é marcante, graças à existência de
usinas mistas (para álcool e açúcar), baixo custo com energia, através da queima do
bagaço, elevado conhecimento tecnológico e sistemas eficientes de gestão
empresarial e administrativa.224
Assim, apesar de não ter completado o processo de
implementação de tecnologias e mecanização nas lavouras e na indústria
processadora, o Brasil já é de longe o país mais competitivo desde o cultivo da cana
até o processamento de açúcar e álcool, o que lhe permite manter a posição de maior
exportador do mundo em ambos os setores.
Custos médios da produção de açúcar
185 250 280 308430
525 550
770
0
300
600
900
Brasil
África
so
SulÍn
dia
Méx
ico
Rús
sia
EUA
Chi
naItá
liaUS
$ d
óla
r por
tonela
da
Fonte: Juan Garrido, Exportações nesta safra devem ultrapassar 2 bilhões de litros. Valor, São Paulo, 02 dez. 2004.
77
É importante observar que, nos últimos anos, verificou-se um movimento de
concentração da produção em grandes grupos comerciais, a partir de uma poderosa
onda de aquisições. Ainda assim, apesar da presença de empresas de grande porte na
cadeia de cana-de-açúcar, de uma forma geral essa agroindústria permanece menos
concentrada do que nas demais cadeias do agronegócio, com grupos de capital
predominantemente nacional, sendo relativamente pequena a participação de grupos
estrangeiros neste segmento. Esse cenário, porém, tende a mudar por conta da
condenação da política do açúcar européia pela OMC, que favorece o aumento dos
investimentos estrangeiros no Brasil por importante empresas européias como as
francesas Béhin-Say e Louis Dreyfus e a alemã Sudzukcer.225
As maiores usinas de açucar e álcool
(Safra 2004/2005)
Posição Usina Controle
acionário
Cidade Cana (mil
ton.)
Açúcar
(mil ton.)
Álcool
(milhões l.)1 Da Barra brasileiro Barra Bonita (SP) 6.898 508 252
2 São Martinho brasileiro Pradópolis (SP) 6.779 463 285
3 Itamarati brasileiro Nova Olímpia (MT) 6.574 320 322
4 Vale do Rosário brasileiro Orlândia (SP) 5.100 353 187
5 Santa Elisa brasileiro Sertãozinho (SP) 4.688 306 227
6 Bonfim brasileiro Guariba (SP) 4.466 385 166
7 Colombo brasileiro Ariranha (SP) 4.132 375 131
8 Moema brasileiro Orindiúva (SP) 3.909 313 137
9 Barra Grande brasileiro Lençóis Paulista (SP) 3.901 249 190
10 São José brasileiro Macatuba (SP) 3.854 267 184
Fonte: Procana - Informações e Eventos apud Guia Exame 2005 Agronegócio
A possibilidade de produzir açúcar ou álcool a partir da mesma matéria prima
confere ao setor canavieiro uma maleabilidade muito conveniente para se adaptar às
oscilações da oferta e da demanda, evitando crises de abastecimento. Dependendo
da demanda interna de álcool e açúcar e dos níveis dos estoques, o Governo tem à
sua disposição a possibilidade de alterar o percentual da mistura álcool/gasolina, que
pode chegar a até 25%. Para se ter uma idéia do impacto deste tipo de medida, cada
1% num mercado desta grandeza corresponde a cerca de 125 milhões de litros
anuais, o que confere ao Governo uma estratégica margem de manobra para fazer
frente a crises nesse setor.
Passemos agora ao estudo desses dois principais segmentos da cadeia de
cana-de-açúcar.
1.2.2.13.1. Açúcar
A produção de açúcar em 2002 foi de 18,8 milhões de toneladas (380 milhões
de sacas), a terceira maior do mundo, atrás da Índia e da União Européia. As
78
exportações do setor chegaram a cerca de 17 milhões de toneladas em 2004/2005 226
,
equivalente a mais de 10% do consumo mundial227
, o que gerou divisas ao país na
ordem de US$ 2 bilhões. O Brasil é responsável, assim, por 40% do comércio
internacional, com exportações anuais em torno de 21 milhões de toneladas.
Não fosse o açúcar um dos setores mais regulamentados e protegidos do
mundo, com a forte presença de instituições como ISO, (International Sugar
Organization, ou Organização Internacional de Açúcar), o Brasil poderia exercer
uma liderança avassaladora no fornecimento do produto ao mercado global. Estima-
se que, só em 1999, os ricos países-membros da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) concederam cerca de US$ 6,5 bilhões em
subsídios ao setor. Com isso, apesar de serem pouco competitivos e os maiores
consumidores, os mercados dos EUA e da UE relegam para o Oriente Médio e
Rússia a condição de maiores importadores de açúcar. Some-se a isso o fato, dentro
que de todo o consumo mundial (137 milhões de toneladas em 2002), apenas cerca
de 35 milhões de toneladas são comprados no mercado livre, ou seja, sem a
incidência de barreiras protecionistas.228
A Europa é o maior mercado consumidor de açúcar: 14 milhões de
toneladas/ano. Todavia, esse mercado está fechado para o açúcar dos países mais
eficientes, que é hipertarifado. Não bastasse isso, apesar dos baixos índices de
produtividade dos produtores locais e das antigas colônias européias na África (que
fornecem grande parte da matéria prima), os incentivos governamentais por muito
tempo vêm permitindo aos países do bloco não apenas a auto-suficiência, como
também a exportação de um excedente da ordem de 3 a 4 milhões de
toneladas/ano229
. Os subsídios são a principal arma dos governos para sustentar o
setor e cobrem cerca de 2,5 vezes o preço praticado naquele mercado.230
Assim não
bastasse o fechamento do mercado europeu para produtores eficientes, como o
Brasil, estes ainda se viam prejudicados nas vendas no mercado internacional, onde
as cotações são forçadas para preços artificialmente baixos. Felizmente, os
distorcivos subsídios europeus a exportação europeus foram condenados pela OMC
em 2004 (assunto que será abordado na terceira parte deste livro), abrindo uma
perspectiva de redução das distorções no bilionário comércio internacional de
açúcar, ao menos fora da Europa.
Os EUA representam outro grande mercado para o açúcar, já que dependem
da importação de cerca de 1,7 milhões de toneladas por ano para abastecer o seu
mercado, que é de 9,5 milhões de toneladas.231
É curioso observar, nesse sentido,
que os EUA já foram um dos principais destinos do açúcar brasileiro, mas desde o
início da década de 1980, através de uma política agrícola agressiva e subsídios na
ordem de US$ 1,9 bilhão anuais, passaram a garantir aos seus produtores preços de
venda bastante acima do praticado no mercado mundial. Em paralelo, os EUA
também impuseram cotas reduzidas para o açúcar brasileiro, dificultando as
exportações para o país.232
Com isso, o volume atual de exportações de açúcar para
79
os EUA caiu para apenas 10% do exportado em 1981, quando mais de um milhão de
toneladas de açúcar brasileiro desembarcaram no país.233
Devido ao protecionismo desses dois grandes mercados, os principais
mercados que restaram para o açúcar brasileiro foram a Rússia e a China.234
A
Rússia constitui o maior importador do mundo (3,5 milhões de toneladas em 2003),
mas vem tentando reduzir sua dependência externa através de medidas de estímulo à
sua indústria e estabelecendo altas tarifas ao produto importado, equivalentes a US$
250 por tonelada, em fevereiro de 2004.235
Mesmo assim, a produção local ainda é
modesta, estando estimada em 1,8 milhão de toneladas/ano. De seu lado, a China em
2004 ampliou sua cota de importações em 11%, para 2 milhões de toneladas/ano, e
reduziu as tarifas de 20% para 15%, o que deve aquecer as vendas para aquele
mercado.236
Além desses dois países, o Brasil também exporta volumes relevantes
para o Oriente Médio e norte da África, dentro de um total de 83 países.
Felizmente, o consumo interno, de cerca de 40 kg per capita/ano237
, é um dos
maiores do mundo, representando uma garantia de mercado para boa parte (cerca de
um terço) da produção brasileira.
1.2.2.13.2. Álcool
O Brasil é líder mundial na produção de álcool, com uma produção de cerca
de 15 bilhões de litros em 2003, entre álcool anidro (etanol – usado para a mistura à
gasolina) e álcool hidratado (usado pelos carros movidos puramente a álcool). Atrás,
vêm os EUA, com produção de cerca de 10 bilhões (em 2003) 238
, seguido pela
China, com 3 bilhões e a UE, com 2 bilhões.239
Ao todo, produz-se no mundo 40
bilhões de litros de álcool por ano, dos quais 30 bilhões são carburante. Todavia,
como os principais consumidores de álcool carburanteXV
são também os maiores
consumidores (notadamente, EUA e Brasil), 70% do comércio internacional de
álcool está voltado para aplicação industrial, sendo os 30% restantes de álcool
carburante. Esse cenário, todavia, tende a mudar com o crescente número de
iniciativas voltadas para a mistura de álcool na frota de veículos de diversos países.
O mercado brasileiro é o maior do mundo, absorvendo atualmente cerca de
14 bilhões de litros por ano. Tradicionalmente, a maior parte do excedente brasileiro
é exportado para os EUA, de quem o Brasil era o principal fornecedora até meados
da década de 80. Contudo, assim como ocorreu no caso do açúcar, a indústria local
foi bem sucedida em implementar medidas protecionistas a partir de um lobby junto
ao Governo. Conseguiram, com isso, a imposição de cotas de importação bastante
modestas para o Brasil, bem como pesadas tarifas sobre o álcool importado. Em
paralelo, os produtores americanos conseguiram tirar o álcool brasileiro do Sistema
Geral de Preferências (SGP), mecanismo que prevê a concessão de privilégios
XV Cumpre observar que os EUA estão investindo maciçamente na produção de álcool de milho, devendo
ultrapassar o Brasil até 2010, quando chegará a 20 bilhões de litros, contra 17 bilhões do Brasil.
80
tarifários para a importação de produtos vindos de países em desenvolvimento. O
resultado foi um aumento de preços do álcool brasileiro na ordem de 72%, o que
resultou na queda de 87% das exportações brasileiras para os EUA. Ainda hoje,
persiste um sistema de proteção tarifária composto por uma alíquota de 2,5% e mais
US$ 0,54 por galão (US$ 0,15 por litro).240
Além disso, ultrapassada a cota de 150
mil toneladas, é acrescentada uma sobretaxa de 140% incidente sobre o volume
excedente.241
Por essa razão, o Brasil jamais conseguiu retomar os níveis de vendas
para os EUA verificados na década de 80.
Apesar de tudo, é para os EUA que vão a maior parte das exportações de
álcool Brasileiro, seja diretamente, seja através de operações triangulares com países
do Caribe, onde o álcool é reeindustrializado e reexportado aos EUA, esquivando-se
das barreiras comerciais impostas ao Brasil. Essa foi a solução encontrada pelos
produtores brasileiros, para acessar o mercado americano. Exemplo típico é o da
empresa Coimex, que exporta para os EUA através da Jamaica.
Felizmente, apesar dos entraves impostos ao comércio internacional de
álcool, em razão das crescentes preocupações ambientais (sobretudo com a entrada
em vigor do Protocolo de Kyoto) e da explosão dos preços do petróleo, o álcool
carburante tem sido cada vez mais procurado no mercado internacional. Isso
permitiu um forte crescimento das exportações brasileiras nos últimos anos,
chegando a 2,2 bilhões de litros na safra 2004/05, sendo que os destinos também
foram diversificados. Segundo estimativas, esse novo cenário deve conduzir as
exportações brasileiras de álcool a US$ 4 bilhões até 2008.242
1.2.2.13.2.1. Proálcool
O Programa Nacional do Álcool (Proálcool) é o maior já visto no mundo,
quanto ao aproveitamento da biomassa. Ele atrai a admiração de todos que o
conhecem por comprovar a viabilidade do uso de combustíveis “limpos” e
renováveis em substituição ao petróleo. O programa foi criado em 1975, com a
promulgação do Decreto 76.593, buscando atenuar o impacto da alta dos preços do
petróleo (iniciada em 1973) sobre a economia brasileira.
Além de apresentar soluções para a questão energética, o Proálcool teve
grande importância para o resgate do setor açucareiro, que enfrentava uma grave
crise de superprodução. Nesse contexto, a produção de álcool à base da cana de
açúcar encaixou-se perfeitamente, apresentando-se como uma importante válvula de
escape para o excedente da produção de cana, que, até então, era destinada quase
que integralmente à fabricação de açúcar.
A implantação do Proálcool ocorreu em duas etapas sucessivas. A primeira
consistiu na mistura de 20% de álcool (anidro) na gasolina dos automóveis. Em
seguida, passaram a ser fabricados carros movidos puramente a álcool (hidratado).
Ambas as metas foram alcançadas, estando a primeira em pleno vapor até os dias de
81
hoje. Já no que se refere à segunda, os resultados ficaram aquém do esperado. As
vendas de carros a álcool atingiram seu pico de 95% das vendas totais em 1984, mas
despencaram após uma crise de abastecimento em 1988, permanecendo
praticamente nulas em quase toda a década de 1990, jamais retornando aos índices
anteriores.243
Isso impediu que os carros movidos puramente a álcool alcançassem
uma participação mais significativa dos dentro da frota brasileira de cerca,
participação esta que estava em torno de 11% dentro um universos de 17 milhões de
carros244
.
Felizmente, a partir do desenvolvimento de novas tecnologias, abriram-se
novas perspectivas para o setor alcooleiro, permitindo um melhor aproveitamento
dos investimentos feitos para a incorporação do álcool na matriz energética do país.
Com a invenção dos motores flexíveis, que garantem o funcionamento do motor
com qualquer percentual de mistura de gasolina e álcool245
, transferiu-se ao
consumidor o poder de escolha pelo combustível, eliminando o risco de escassez de
álcool. Por essa razão, tem sido depositada nos motores “flex fuel” a esperança pelo
resgate do Programa Nacional do Álcool. Essa tecnologia deverá acarretar um
vigoroso aumento no consumo de álcool em curto espaço de tempo, sendo que o
risco de desabastecimento foi eliminado para essa frota de veículos. Além disso,
diante da alta das cotações do petróleo, abastecer o carro com álcool passou a se
mostrar uma alternativa muito mais atrativa. Com efeito, apesar de ter um
rendimento energético inferior ao da gasolina, entende-se que o álcool é uma
alternativa economicamente mais interessante desde que esteja cotado em 70% ou
menos do preço da gasolina.
Para ilustrar o impacto dessa nova tecnologia sobre o mercado de álcool,
cumpre salientar que, no curso do ano de 2005, apenas dois anos após o início das
vendas de carros flex-fuel, a produção de carros com essa tecnologia já superou a de
carros convencionais movidos apenas a gasolina, estando prevista uma frota de 6,3
milhões de veículos flexíveis até 2010.246
Os números entusiasmaram o setor
sucroalcooleiro, que prevê um salto no consumo interno de álcool carburante de 11,5
bilhões para 17 bilhões de litros no período.247
Como resultado desse processo,
estima-se que p setor sucro-alcooleiro aumentará a sua participação de 12,6% para
15% da matriz energética nacional até 2020.
1.2.3. Outras atividades
Nos tópicos anteriores, procurou-se apresentar um panorama das principais
cadeias da agropecuária, incluindo as atividades desenvolvidas no campo (dentro da
porteira) e na agroindústria. Há, porém, diversos outros segmentos que dependem
diretamente da produção agropecuária, compreendidos tanto no antes, como no
depois da porteira, cuja expressividade é tão grande ou até maior que a das
atividades agropecuárias propriamente ditas. Nesses segmentos, cumpre observar,
82
atuam as maiores empresas, estando o movimento de concentração em um estágio
ainda mais avançado que na produção agropecuária propriamente dita.
Essas atividades abrangem as indústrias de insumos e diversos tipos de
serviços voltados para dar suporte à produção rural e para levá-la até o consumidor
final. Incluem-se aí as indústrias de máquinas agrícolas, fertilizantes, defensivos,
etc., além de armazéns, empresas de transporte, bancos, consultorias, laboratórios,
universidades, centros de pesquisa como a Embrapa, tradings, supermercados, etc.
Somam-se a esses, diversos outros serviços prestados por empresas cada vez mais
especializadas, em atividades como a aplicação de insumos, manejo do solo, colheita
e manutenção de frota.
Ante à abrangência desse universo, serão apresentados a seguir alguns desses
segmentos, com finalidade meramente exemplificativa.
1.2.3.1. Materiais genéticos
A melhoria dos rebanhos e cultivares é um objetivo que desde muito
acompanha a humanidade. Desde a Antigüidade, o homem vem buscando obter o
máximo aproveitamento na agricultura e na pecuária através de diferentes técnicas, a
começar pelo cruzamento entre diferentes espécies, para a reunião em um mesmo
indivíduo de determinadas características presentes em seus ascendentes, tais como
a precocidade para o abate ou colheita, o peso, o valor nutricional, a resistência para
diferentes tipos de clima, solo, doenças e pragas, etc. Trata-se, pois, de um processo
lento e rústico, porém eficiente, que viabilizou significativos melhoramentos tanto
nos rebanhos quanto nos cultivares, além de ter contribuído imensamente para levar
o conhecimento humano na área da genética ao estágio em que se encontra hoje.
Durante o século XX, as técnicas usadas para o melhoramento genético
evoluíram de uma forma espantosa e permitiram a obtenção de resultados mais
rápidos e com maior precisão científica, inclusive através do uso de modelos
matemáticos para o planejamento dos cruzamentos. Além disso, em especial a partir
da década de 70, uma série de descobertas no ramo da biotecnologia
disponibilizaram ao produtor rural técnicas ainda mais eficazes para a melhoria da
qualidade genética dos seus rebanhos e cultivares. Destacam-se, nesse sentido, as
descobertas relacionadas à inseminação artificial, à manipulação de genes e à
clonagem de organismos. Emergiam, assim, novos produtos e segmentos dentro do
agronegócio, dos quais os produtores passaram a depender cada vez mais para
alcançar níveis competitivos de produtividade. Dentro deste novo paradigma, a
qualidade do material genético usado na produção rural assumiu um papel
indissociável dentro do agronegócio, exercendo uma influência determinante sobre a
rentabilidade das atividades produtivas.
Em se tratando de material genético pecuário, um dos nichos mais
proeminentes é a compra e venda de gado premiado e do seu sêmen ou óvulo. Os
83
criadores buscam estes animais ou o seu material genético em leilões ou comprando
diretamente de outros criadores, para assim inserir genes de qualidade em seu
rebanho. A monta direta é o sistema tradicionalmente usado, consistindo na inserção
de animais reprodutores em meio ao rebanho. Todavia, a partir dos avanços das
pesquisas em biotecnologia durante a década de 70, as técnicas de inseminação
artificial despontaram como uma alternativa mais eficaz e precisa para o
melhoramento dos rebanhos, inclusive eliminando o risco de cruzamentos
consangüíneos. Esse segundo processo consiste em fecundar óvulos in vitro com
material genético de matrizes de alta qualidade (os reprodutores), inserindo-se o
embrião em fêmeas que não necessariamente são as doadoras do óvulo (“barrigas de
aluguel”)248
, conseguindo uma progênie de melhor qualidade e também mais
numerosa, com um desperdício mínimo do material genético do macho. Desde
então, a prática da inseminação artificial difundiu-se entre os pecuaristas e os
laboratórios e prestadores de serviços especializados nessa atividade multiplicaram-
se, tornando-se uma das bases da pecuária bovina.
Ainda no campo da produção animal, quando o assunto é avicultura, o
comércio de material genético envolve a aquisição de ovos férteis, pintos de um dia
e aves adultas. O Brasil tradicionalmente importa volumes consideráveis de
materiais genéticos, em especial dos EUA (costa Leste) e da UE (em especial da
Alemanha, França e Inglaterra), numa média anual entre US$ 20 e 30 milhões no
início do século XXI.249
Felizmente, a produção nacional de material genético
acompanhou o crescimento da pecuária verificado nos últimos anos e o Brasil vem
progressivamente reduzindo a sua dependência externa, sendo capaz de suprir a
maior parte do seu mercado e ainda exportar volumes crescentes (US$ 8,9 milhões
em 2004)250
. Ainda nesse sentido, cabe destacar que alguns produtores
especializaram-se no fornecimento de pintinhos de um dia para as granjas, segmento
que ganhou notável expressividade ante à forte expansão do setor nos últimos anos,
respondendo por uma boa parte da gigantesca produção brasileira (4,27 bilhões de
pintinhos em 2004).
Na agricultura, os materiais genéticos correspondem a mudas e sementes.
Para a produção de mudas, as técnicas tradicionalmente usadas são a produção
diretamente a partir das sementes (açaí, gabiroba, babaçu, tâmara, etc.), por enxertia
(citros, uva, abacate, etc.) e a reprodução assexuada (banana, abacaxi, alho, etc.).
Mais recentemente, com os avanços da manipulação genética, passou a ser possível
também a fertilização in vitro (para determinadas culturas, como a banana e o
abacaxi), que consiste na retirada de gemas apicais (células novas das pontas dos
galhos) e a inserção destas em meio de culturas in vitro para multiplicação. Este
método, apesar de mais custoso, garante vantagens substanciais na produção de
mudas, na medida em que permite a reprodução das qualidades genéticas da planta-
mãe, mas com a eliminação das doenças portadas por ela. Através dessa técnica,
pode-se obter um número elevado de mudas muito mais rapidamente, garantindo-se
a sua.
84
Quanto ao mercado de sementes, cabe inicialmente destacar que as
variedades tradicionalmente utilizadas nas lavouras resumiam-se às chamadas
varietais puras, ou seja, que não decorriam de fecundações cruzadas com outras
variedades e àquelas decorrentes dessa mistura entre duas variedades diferentes
(híbridas). Mais recentemente, com os avanços da biotecnologia, surgiu um terceiro
e poderoso filão: o das sementes geneticamente modificadas. Estas são produzidas
através de técnicas desenvolvidas em laboratório, com a introdução em uma
determinada variedade de genes provenientes de espécies diferentes. Através destes
genes, pode-se transferir para o novo organismo as qualidades almejadas, visando,
por exemplo, atribuir à planta uma maior resistência a defensivos agrícolas, um
maior valor nutricional aos alimentos e até determinadas qualidades medicinais.
Depois disso, as sementes são multiplicadas em propriedades especializadas nessa
atividade (as sementeiras), vendendo as sementes no mercado para os agricultores.
As sementes são um dos principais segmentos do mercado de materiais
genéticos. O mercado formal de sementes faturou R$ 4 bilhões em 2004, com a
venda de 1,5 milhões de toneladas.251
As vendas de sementes no Brasil concentram-
se quase que exclusivamente em culturas consideradas mais dinâmicas, como soja,
trigo, milho e arroz, que representam, respectivamente, 60%, 15%, 13% e 8% da
produção nacional, sendo que as demais variedades juntas correspondem a apenas
4% do total.252
Posição Empresa Controle
Acionário
Sede Produção
(ton.)
1 Adriana brasileiro Rondonópolis (MT) 40.000
2 Petrovina brasileiro Rondonópolis (MT) 28.000
3 Coamo brasileiro Campo Mourão (PR) 28.000
4 C. Vale brasileiro Palotina (PR) 25.000
5 Produção Integrada do Paraná brasileiro Londrina (PR) 18.000
6 Mauá brasileiro Londrina (PR) 18.000
7 E. Orlando Roos brasileiro Não-Me-Toque (RS) 12.000Fonte: Associação Brasileira de Sementes e Mudas (Abrasem) apud Guia Exame 2005 Agronegócio
As maiores produtoras de sementesSoja e trigo (safra 2004/2005)
O mercado brasileiro de sementes transgênicas ainda é significativamente
menor do que o de sementes tradicionais. Em muito, isso se deve ao fato de que
estas sementes ainda são um produto relativamente novo, tendo pouca aceitação no
mercado consumidor. Além disso, a falta de regulamentação ainda é um empecilho
para os processos envolvendo organismos geneticamente modificados. Porém, desde
a promulgação da Lei de Biossegurança, a produção nacional vem crescendo
significativamente. As sementeiras nacionais passaram a multiplicar em larga escala
as sementes transgênicas desenvolvidas por empresas como a Monsanto, detentora
da variedade de soja Roundup Ready (“RR”), a mais difundida no Brasil.
85
Por fim, é importante ressalvar que, apesar de o Brasil ser o quinto maior
produtor de sementes melhoradas do mundo253
, as suas exportações são ínfimas,
pois poucos países usam as variedades de sementes desenvolvidas para climas
tropicais. Com isso, não é possível vender sementes para a vizinha Argentina e nem
mesmo se consegue utilizar as mesmas sementes uniformemente em território
nacional, devido às disparidades climáticas, geográficas e até mesmo culturais
existentes no Brasil. Como resultado, as produtoras de sementes nacionais são
totalmente dependentes do consumo interno, ficando fortemente expostas às
turbulências do mercado nacional.
1.2.3.2. Produtos veterinários
A preocupação com a sanidade da produção animal é uma questão que não
pode negligenciada pelo produtor que almeja de bons níveis de produtividade, sendo
um requisito basilar para que se tenha acesso ao exigente mercado internacional. Os
produtos veterinários assumem, com isso, a condição de um dos mais importantes
insumos da pecuária. Através deles, os pecuaristas podem aumentar a resistência
contra doenças em geral (probióticos), combater doenças específicas (antibióticos e
medicamentos em geral), aumentar a resistência contra doenças específicas
(vacinas), combater parasitas externos, como bernes, sarnas e piolhos
(ectoparasiticidas), combater parasitas internos – vermes em especial
(endoparasiticidas) e estimular o apetite do animal, para acelerar a engorda.
O fato de o Brasil ser um dos líderes da pecuária mundial estimulou o
desenvolvimento de uma expressiva base industrial veterinária, permitindo a
progressiva substituição das importações e o incremento das exportações, hoje
concentradas na América Latina, Ásia e África. Com isso, atualmente, o Brasil já
tem capacidade de oferecer uma vasta gama de produtos veterinários, com qualidade
comparável à encontrada nos EUA e na Europa.
O faturamento do setor acompanhou a expansão da pecuária na última
década, sendo alavancado especialmente pelo sucesso do segmento de carnes.
Segundo dados do Sindan (Sindicato Nacional das Indústrias de Produtos para a
Saúde Animal), as vendas internas saltaram R$ 0,9 bilhão em 1997, para 1,4 bilhão
em 2000, chegando a R$ 2 bilhões em 2004.
86
Composição do mercado veterinário por espécie animal (em 2004)
Suínos
8%
Bovinos
55%
Pets
9%
Eqüinos
3%
Ovinos e Caprinos
3%
Aves*
22%
Fonte: Sindan
*Estimativa
Mercado veterinário em 2004
por classes terapêuticas (em R$ milhões)
648
356
239
276
139
82
72
70
60
57
42
12
- 100 200 300 400 500 600 700
Biológicos
Antimicrobianos
Ectoparasiticidas
Endectocidas
Anticoccidianos
Endoparas./ Vermífugos
Prom. Cresc/ Antibióticos
Vitamínicos/ Tônicos Fort.
Terapêuticos
Outros
Desinfetantes
Dermatológicos
Fonte: Sindan
A indústria de vacinas é um dos principais nichos do segmento de produtos
veterinários, com uma capacidade instalada para a produção de 500 milhões de
doses/ano.254
A vacina contra febre aftosa é uma das mais produzidas no país, com
um volume estimado em 400 milhões de doses em 2005.255
Isso se explica pelo fato
de o Brasil ter o maior rebanho bovino do mundo e à necessidade de reaplicação da
vacina todos os anos, até que o Brasil venha a ser considerado livre da doença. Outra
vacina muito vendida é a de Brucelose, estimada em 17,6 milhões de doses em
2005.256
Tal como o mercado farmacêutico, trata-se de um mercado extremamente
disputado, com presença marcante de gigantes multinacionais, como a Merial, a
Pfizer, a Shering, a Bayer e a Novartis. Ainda assim, empresas de capital nacional
têm conseguido disputar uma importante fatia desse mercado, destacando-se a
atuação de empresas como a Tortuga, a Valée e a Ourofino, que faturaram,
respectivamente, R$ 401 milhões (primeiro lugar no ranking brasileiro de produtos
veterinários), R$ 150 milhões (quarto lugar) e R$ 91 milhões (nono lugar).
87
1.2.3.3. Corretivos de solo
Diversos produtos são usados para corrigir deficiências nos solos, para que
fiquem em condições ideais de produção. Os principais corretivos são os calcários
(destinados a reduzir a acidez do solo e a corrigir deficiências de cálcio e magnésio),
gesso (para reduzir deficiências de cálcio), e adubos ou fertilizantes (para reduzir
deficiências de nutrientes, como fósforo, nitrogênio, potássio, enxofre, cálcio,
magnésio, ferro, molibdênio, cobalto, manganês e zinco).257
De uma forma geral, os solos brasileiros, sobretudo na região dos cerrados
dependem de investimentos significativos em corretivos de solo (fertilizantes) para
iniciar a produção em patamares competitivos. Ainda assim, o consumo desses
produtos persiste após a primeira safra, pois também são necessários investimentos
de manutenção, a fim de garantir a boa produtividade das lavouras. Isso garante um
imenso mercado para corretivos de solo no Brasil. O setor faturou US$ 5,6 bilhões
no ano de 2004, sendo a maior parte destinada às lavouras de soja (37% do total),
milho (18%) e cana (11%).258
Infelizmente, o Brasil não é um grande produtor de fertilizantes, dependendo
fortemente das importações (cerca de 60% do nitrogênio, 50% do fósforo e 90% do
potássio)259
. Em 2004, as importações brasileiras destes produtos foram de US$ 2,7
bilhões, enquanto que as exportações ficaram em US$ 188 milhões.
Note-se que a concentração dessa indústria atinge níveis especialmente altos,
podendo-se constatar uma forte presença de multinacionais.
Posição Empresa Controle
acionário
Sede Vendas (milhões
de dólares)1 Bunge Fertilizantes bermudense São Paulo (SP) 2.523
2 Mosaic (Cargill) americano São Paulo (SP) 1.900
3 Adubos Trevo norueguês Porto Alegre (RS) 662
4 Heringer brasileiro Viana (ES) 643
5 Fertipar brasileiro Curitiba (PR) 257
6 Fertibrás brasileiro Osasco (SP) 226
7 Galvani brasileiro Paulínia (SP) 163
8 Unifertil brasileiro Canoas (RS) 106
9 Mitsui japonês Poços de Caldas (MG) 83
As maiores indústrias de fertilizantes
Receita bruta de vendas (2004)
Fonte: Melhores e Maiores apud Guia Exame 2005 Agronegócio
É interessante observar que, no Brasil, o papel desempenhado por essas
empresas ultrapassa a simples venda do insumo e, cada vez mais, passa a abranger
alguns serviços relacionados, como análise de solos e estudo das fórmulas mais
adequadas para a sua correção, orientação do produtor, entrega e aplicação do
88
produto, além da concessão de crédito, que não raramente é pago com a própria
produção agropecuária, na forma de escambo.
1.2.3.4. Defensivos
Também denominados agrotóxicos e agroquímicos, os defensivos agrícolas
são produtos químicos utilizados para combater pragas, doenças e ervas daninhas.
Os mais comercializados no mercado são os herbicidas (visando o combate a plantas
concorrentes), os inseticidas (para o combate a lagartas, moscas, pulgões, etc.),
acaricidas (para o combate a ácaros e insetos), formicidas (para o combate a
formigas) e fungicidas (para o controle de fungos).260
Em vista da grandeza da produção agrícola nacional, o Brasil representa o
terceiro maior mercado de defensivos do mundo (US$ 4,5 bilhões em 2004261
), atrás
dos EUA e do Japão. A soja absorve 50% desse total, seguido pelo algodão (10%),
milho (7%), cana (7%) e café (3%).
No Brasil, trata-se de uma indústria em estágio avançado de concentração, ao
ponto de os 12 maiores fabricantes, reunidos em torno da ANDEF (Associação
Nacional de Defesa Vegetal), responderem por 80% do mercado.
Posição Empresa Controle
acionário
Sede Faturamento
(US$ milhões)1 Bayer CropScience alemão São Paulo (SP) 780
2 Syngenta holandês São Paulo (SP) 650
3 Basf alemão São Bernardo do Campo (SP) 640
4 Monsanto americano São Paulo (SP) 310
5 Dow AgroSciences americano São Paulo (SP) 300
6 DuPont americano Barueri (SP) 250
7 Milenia israelense Londrina (PR) 248
8 Agripec brasileiro Maracanaú (CE) 210
9 Nortox brasileiro Arapongas (PR) 185
10 FMC americano Campinas (SP) 180
Fonte: Associação Brasileira dos Defensivos Genéricos (Aenda) apud Guia Exame 2005 Agronegócio.
As maiores empresas de defensivos agrícolas
Receita bruta de vendas (2004)
1.2.3.5. Máquinas agrícolas
A indústria de máquinas e implementos agrícolas (tratores, colheitadeiras,
retroescavadeiras e cultivadores motorizados) consolidou-se no Brasil durante a
década de 60, apresentando um crescimento fabuloso entre 1970 e 1976, quando
chegou ao ápice da produção, ultrapassando a casa das 80 mil máquinas por ano. Tal
crescimento foi impulsionado pelos estímulos dados pelo regime militar à
agricultura, que vivia um de seus melhores momentos de sua história, em vista da
oferta abundante de créditos e aportes milionários ao setor.
89
A oferta abundante de maquinário permitiu a redução das importações do
setor e o início de exportações em níveis significativos, durante a década de 70,
viabilizando também um acelerado processo de mecanização do campo brasileiro.
Nos anos 80, o número de máquinas aumentou aproximadamente 400% em relação
à década anterior, o que foi excelente para o aumento da produtividade das lavouras.
O bom desempenho do setor, todavia, foi duramente afetado pelas sucessivas
crises e planos macroeconômicos implementados no curso dos anos 80 e 90,
sobretudo em virtude das dificuldades experimentada pelos agricultores, dos quais o
setor de maquinários depende diretamente. Esse cenário conduziu a uma queda
abrupta das vendas e da produção nacional, que chegou a 22 mil máquinas em 1991
(o pior resultado em 20 anos). A crise só foi superada no final da década de 1990,
quando o mercado interno voltou a crescer, juntamente com as exportações, que
bateram recordes sucessivos a partir de 2002. Em 2004, a produção chegou a 70 mil
máquinas, com exportações acima de 30 mil unidades. Isso resultou num
faturamento de R$ 7,14 bilhões no mercado interno e mais US$ 536 milhões em
exportações262
, empregando 39 mil pessoas263
.
1960
1964
1968
1972
1976
1980
1984
1988
1992
1996
2000
2004
0
10000
20000
30000
40000
50000
60000
70000
80000
90000
Evolução da produção brasileira de máquinas agrícolas
Exportações
Vendas internas no atacado
Produção
Fonte: ANFAVEA - Anuário da Indústria Automobilística Brasileira 2005
Principais destinos das exportações brasileiras de
máquinas agrícolasÁsia
10%
Oceania
1%
América so Sul
54%América do Norte
19%
América Central
4%
Europa
2%
África
10%
Fonte: ANFAVEA - Anuário da Indústria Automobilística Brasileira 2005.
90
Uma série de fatores contribuíram para a recuperação da indústria brasileira
de maquinários e implementos agrícolas, entre os quais a desvalorização do Real, as
safras recordes conseguidas no período e também a implementação pelo Governo do
Moderfrota (Programa de Modernização da Frota de Tratores Agrícolas e
Implementos Associados e Colheitadeiras). Administrado pelo BNDES, desde 2000,
o programa disponibiliza linhas de crédito especiais para a substituição e
modernização da frota de tratores, colheitadeiras, implementos agrícolas e
equipamentos de beneficiamento do café. As vendas internas praticamente dobraram
no primeiro ano de funcionamento, segundo dados do BNDES, estimulando os
fabricantes a fazer novos investimentos no Brasil para a produção de equipamentos
mais modernos e competitivos.
O salto tecnológico dado pelo setor foi bastante expressivo nos últimos anos,
podendo-se hoje equiparar o maquinário produzido aqui com o americano e o
europeu. Essa evolução se deu não apenas pela incorporação da hidráulica,
pneumática e eletrônica, mas também pela preocupação com o conforto do operador
e a preservação do solo e do meio ambiente, características muito apreciadas no
mercado internacional.
Desde a década de 90, grande parte das 400 empresas que atuam no setor
deslocaram-se do estado de São Paulo para o Rio Grande do Sul, que passou a
liderar a produção nacional, com 53% do total, à frente de São Paulo (23%) e do
Paraná (22%). Esse mercado é dominado por quatro grandes multinacionais, sendo
capitaneado pela ABIMAQ (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e
Equipamentos).
Maiores fabricantes de máquinas agrícolas (em 2004)
Posição Empresas Controle
Acionário
Sede Tratores de
rodas (unidades)
Colheitadeiras
(unidades)
Total
(unidades)
1 AGCO (Americana) Americano Canoas (RS) 21.975 2.460 24.435
2 CNH (Italiana) Italiano Contagem (MG) 11.321 3.764 15.085
3 John Deere (Americana) Americano Horizontina (RS) 6.969 4.219 11.188
4 Valtra (Finlandesa) Finlandês Mogi das Cruzes (SP) 9.898 9.898
5 Agrale (Brasileira) Brasileiro Caxias do Sul (RS) 1.761 1.761
Fonte: Anfavea apud Guia Exame Agronegócios
1.2.3.6. Produtos orgânicos
São considerados orgânicos, segundo a legislação brasileira, os produtos
originados de sistemas orgânicos de produção agropecuária e industrial, ou seja,
“aqueles em que se adotam tecnologias que otimizem o uso de recursos naturais e
sócio-econômicos, respeitando a integridade cultural e tendo por objetivo a auto-
sustentação no tempo e no espaço, a maximização dos benefícios sociais, a
minimização da dependência de energias renováveis e a eliminação do emprego de
agrotóxicos e outros insumos artificiais tóxicos, organismos geneticamente
modificados-OGM/transgênicos ou radiações ionizantes em qualquer fase do
91
processo de produção, armazenamento e de consumo, e entre os mesmos,
privilegiando a preservação da saúde ambiental e humana, assegurando a
transparência em todos os estágios da produção e da transformação...”264
O cultivo de orgânicos, assim, tem embutidos alguns de custos adicionais em
relação aos alimentos convencionais, tanto para a conversão da área a ser cultivada,
como para a certificaçãoXVI
(variando de acordo com características do solo,
dimensões, aptidões e ambições apresentadas em cada projeto), uso de embalagens
mais caras e menor escala na produção. Contudo, esses produtos têm maior valor
agregado, por serem considerados mais saudáveis e de melhor qualidade, o que lhes
garante um público cativo, disposto a pagar mais. Assim, os produtores de orgânicos
recebem prêmios que oscilam entre 20% e 40% sobre as cotações dos produtos
convencionais, enquanto que os distribuidores praticam margens ainda mais
elevadas, que podem passar de 100% nas gôndolas dos supermercados, sendo um
mercado em franca expansão e altamente atrativo.
Os primeiros registros de agricultura orgânica no mundo foram na Índia, na
década de 1920, quando a utilização de agrotóxicos alcançava escalas jamais vistas
até então. As técnicas de produção orgânicas surgiam assim não apenas como uma
forma alternativa de produção de alimentos livres de insumos artificiais e/ou tóxicos,
mas também como uma filosofia de vida, que pregava a ampliação do contato do ser
humano com a natureza e o respeito ao meio ambiente. A agricultura orgânica
rapidamente encontrou muitos adeptos e foi, então, levada para a França,
disseminando-se, em seguida, por outros países da Europa e de outros continentes,
em especial, Alemanha, Japão e Austrália.
Há muito tempo, as técnicas de agricultura orgânica vêm sendo estudas e
articuladas por pesquisadores. Com o passar dos anos começaram a surgir as
primeiras iniciativas para a codificação de padrões em regulamentos sobre processos
produtivos ambientalmente corretos e que garantissem a segurança alimentar. Um
grande passo, nesse sentido, foi dado pela Europa, em 1991, quando a CEE
(Comunidade Econômica Européia) definiu normas de produção, processamento,
comercialização, importação de produtos orgânicos de origem animal e vegetal nos
seus estados membros, definindo ainda medidas de inspeção (Council Regulation,
documento 2092/91XVII
). Esse tipo de iniciativa mostrou-se fundamental para a
uniformização de conceitos e aproximação das diversas correntes de produtores
orgânicos. Outros países, posteriormente, seguiram os passos da Europa e também
definiram seus padrões, que passaram a orientar as decisões dos produtores, a tal
XVI A certificação garante ao consumidor a qualidade orgânica da produção, sendo feita por diversas empresas no Brasil, com maior ou menor reconhecimento junto ao mercado nacional e internacional. Elas ficam
encarregadas de verificar se o sistema produtivo está de acordo com as normas nacionais ou internacionais
(dependendo do tipo de selo procurado), conferindo o selo ao produtor somente após rigorosos exames do
solo, água, reciclagem de matéria orgânica, dentre outros. XVII Essa norma, cumpre observar, vem sendo alteradas com freqüência, de modo a acompanhar os avanços da
prática.
92
ponto que, hoje, a obediência desses padrões se mostra fundamental para que se
tenha acesso o mercado nacional e internacional de alimentos orgânicos.
Hoje, no mundo todo, são cultivados cerca de 24 milhões de hectares de
produtos orgânicos, dos quais quase metade estão localizados na Oceania, sobretudo
na pecuária, que é praticada em grandes áreas de pastagens. Há quem coloque o
Brasil no segundo lugar em área ocupada por culturas orgânicas, porém, não existem
estudos concretos a esse respeito. Isso ocorre devido ao grande número de
produtores de orgânicos não registrados ou certificados, e à heterogeneidade de
subsetores envolvidos, que vão desde hortaliças até pecuária, o que dificulta também
estimativas mais precisas da produção nacional. Em se tratando de produção
certificada, segmento em que os números são mais precisos, os líderes são Austrália
e Argentina.
A agricultura orgânica chegou ao Brasil durante a década de 70, sendo as suas
técnicas difundidas no campo durante a década de 80, quando começaram a surgir as
primeiras cooperativas nesse nicho. Porém, foi na década de 90, sob a influência da
ECO 92, que esses produtos ganharam expressividade comercial, entrando com
força nos supermercados e atingindo um público maior. Apesar das dificuldades
para a mensuração da produção brasileira de orgânicos, segundo estimativas feitas
pelo IBD (Instituto BiodinâmicoXVIII
), em 2001, o valor de mercado da produção
brasileira de orgânicos ficou na faixa de US$ 220 milhões a US$ 300 milhões,
dependendo da margem de lucro aplicada pelos distribuidores. As principais culturas
orgânicas no Brasil são: soja, hortaliças e café, que representam, respectivamente,
31%, 27%, e 25% da produção total de orgânicos, destacando-se também os
segmentos de frutas, cana e palmito.265
Esse mercado vem crescendo rapidamente no mundo todo desde os anos 90.
De acordo com dados da Agra Europe, empresa inglesa especializada em
informações para indústrias alimentícias, de 1997 a 2003, o consumo de alimentos
orgânicos cresceu em média 25% ao ano na Europa, EUA e Japão, estimando-se a
participação dos orgânicos em 15% do consumo total de alimentos no ano de 2005.
No Brasil, estima-se que o mercado mais que triplicou entre 1998 e 2002, passando
de US$ 90 milhões para US$ 330 milhões.266
Apesar das barreiras comerciais dificultarem os fluxos de comércio nesse
segmento, as transações internacionais de produtos orgânicos intensificaram-se nos
últimos anos formando um mercado significativo, que saltou de US$ 2 bilhões para
US$ 19 bilhões no mundo entre 1989 e 2000.267
Em 2004, estima-se que o comércio
XVIII
O IBD é associação civil sem fins lucrativos que desenvolve atividades de inspeção e certificação
agropecuária, de processamento e de produtos extrativistas, orgânicos e biodinâmicos. Ele é uma das
principais empresas certificadora em funcionamento no Brasil, sendo filiado à IFOAM (Federação
Internacional de Movimentos de Agricultura Orgânica), ONG que abriga 770 organizações, incluindo
certificadoras, processadores, distribuidores e pesquisadores de 107 países. O seu selo é reconhecido na Europa, EUA e Japão.
93
internacional de alimentos orgânicos chegou a US$ 30 bilhões, sendo que os
principais importadores foram EUA, Alemanha e Japão com, respectivamente, US$
13 bilhões, US$ 9 bilhões e US$ 7 bilhões.268
Para ter o direito de desfrutar desse mercado fabuloso, os produtores precisam
adequar-se às normas definidas pelos principais mercados, o que significa obedecer
a padrões de produção e de qualidade, e providenciar a certificação da qualidade
orgânica em sua produção. O Brasil disciplinou a matéria, em 1999, através da
Instrução Normativa 007/99 do MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento)XIX
, cinco anos depois da Argentina tê-lo feito.
1.2.3.7. Supermercados
O segmento supermercadista é o último elo da cadeia do agronegócio, sendo
um dos principais responsáveis pela entrega da produção agropecuária e
agroindustrial ao mercado consumidor nacional. Trata-se de um mercado altamente
disputado, que envolve uma complexa rede de logística, armazenamento, transporte
e distribuição, em constante aperfeiçoamento na busca de ganhos de eficiência e de
qualidade.
De uma forma geral, tem sido observada uma tendência das grandes redes de
buscar a agregação de valor aos seus produtos, com a ampliação da oferta de
produtos mais sofisticados e com maior qualidade, visando atrair um público
consumidor cada vez mais exigente. Por essa razão, está em curso um movimento de
aproximação dos supermercados com os produtores rurais, para garantir a
regularidade do fornecimento e a observância de determinadas técnicas de produção,
com a utilização de insumos com maior qualidade. Isso ocorre especialmente no
caso das FLV (frutas, legumes e verduras), ovos e carnes. Com isso, o setor como
um todo tem conseguido avançar na captura de valor, inclusive avançando para
estágios da produção e da comercialização em que tradicionalmente não atuavam, o
que explica o vigoroso crescimento do setor nos últimos anos.
Segundo a ABRAS (Associação Brasileira de Supermercados), em 2004, o
setor teve um faturamento (nominal) de R$ 97,7 bilhões. A concentração do setor é
considerável, mas está estável desde 2000, com a participação das cinco maiores
empresas respondendo por 40% das vendas do setor. Lideram as vendas do setor o
grupo Pão de Açúcar (Companhia Brasileira de Distribuição), com 15,8% do
faturamento total, seguido pelo Carrefour (12,4%), Wal-Mart (6,2%), Sonae (4,4%)
e Cia Zaffari (1,3%).269
Ao todo, atuam nesse segmento, 79.951 lojas, gerando 788,3
mil empregos.
XIX Essa norma, juntamente com as posteriores, define padrões de produção, tipificação, processamento,
envase, distribuição, identificação e certificação da qualidade de produtos orgânicos de origem animal ou
vegetal. Tais procedimentos estão de acordo com os praticados em países da Europa, EUA e Japão e têm
viabilizado uma participação crescente do Brasil no mercado mundial.
94
1.3. Perspectivas para o agronegócio brasileiro
Como visto anteriormente, o agronegócio brasileiro tem conseguido êxitos
formidáveis desde o final da década de 90, com recordes sucessivos de produção e
de exportações, gerando milhares de empregos e movimentando a economia. Nesse
sentido, é interessante observar que essa virada de século foi marcada pela inversão
do já antigo movimento de perda de importância relativa da agropecuária dentro da
economia nacional. De fato, a participação do agronegócio dentro do PIB brasileiro,
que vinha caindo fortemente desde 1959 (quando essas atividades representavam
52,76% da economia) chegou ao seu piso em 2000 e 2001 (27%), mas esses
números passaram a crescer a partir de 2002, subindo para 29% nos anos
seguintes270
, o que dá conta do sucesso experimentado pela maior parte das cadeias
da agropecuária.
Evolução do consumo de alimentos no mundo (1990-2003)
5,45,1 5,1
4,8
3,22,9
2,4 2,31,9 1,8
1,41,1
0,6 0,5
-0,9-0,3-0,1
-1
0
1
2
3
4
5
6
Soja
Óle
o
Fra
ngo
Soja
Fare
lo
Soja
Grã
o
Banana
Lara
nja
Milh
o
Suín
os
Café
Acúcar
Arr
oz
Alg
odão
Feijã
o
Trigo
Boi
Leite
Fum
o
Taxa anual (em%)
PIB mundial de 92/02: 2,18%
Fonte: USDA, FAOe OMC apud WEDEKIN, Ivan.
95
Lamentavelmente, essa trajetória fabulosa acabou por ser interrompida em
função de problemas experimentados por grande parte das culturas, nos anos de
2005 e 2006, sobretudo pelos produtores de arroz, café, soja e carnes, afetando por
conseqüência os segmentos a eles relacionados, tais como fertilizantes, defensivos,
maquinários e sementes. Na realidade, o mercado internacional de commodities
agrícolas e de alimentos em geral é, de fato, muito instável e, corriqueiramente,
expõe seus agentes a dificuldades como as que interromperam o círculo virtuoso que
vinha sendo vivido agronegócio brasileiro desde o final da década de 1990 (quebras
de safras, câmbio supervalorizado, queda de cotações de determinados produtos,
problemas sanitários e fitossanitários, barreiras ao comércio internacional, etc.),
problemas estes que, felizmente, são pontuais e superáveis (ou, ao menos,
contornáveis).
De qualquer forma, o agronegócio brasileiro ainda tem muitos motivos para
comemorar, sobretudo diante das perspectivas que se abrem a médio e longo prazos,
notadamente o crescimento do mercado mundial de produtos agropecuários e a
progressiva retirada de barreiras ao comércio internacional. Há, com isso, fortes
elementos de que esse movimento ascendente verificado nos primeiros anos do
século XXI não seja reflexo de bons resultados esporádicos, mas sim o prenúncio da
nova era que está por vir para agronegócio mundial, no qual os países competitivos,
como o Brasil, terão papel de protagonistas.
Um estudo recente do International Food Policy Research Institute (IFPRI),
indica que a população mundial crescerá a uma média de 73 milhões de habitantes
por ano até 2020271
, puxados pela Ásia, especialmente pela China e da Índia que
responderão por um terço desse total. Com isso, espera-se um rápido e irreversível
crescimento da demanda por produtos agroindustriais durante os próximos anos. Da
segunda metade da década de 1990 até 2020 são esperados um crescimento de 39%
no consumo de cereais, 58% por proteínas animais, e 37% por raízes e tubérculos.272
O entendimento que prevalece é que a produção de alimentos, sobretudo local, não
crescerá tão rapidamente como o a população, o que fatalmente elevará os seus
preços, beneficiando os melhores produtores, como o Brasil. Assim, mesmo sem a
redução das políticas protecionistas praticadas sobretudo pelos países desenvolvidos,
o fato é que, numa era em que não se espera novas explosões de produtividade
(como a que ocorreu durante a assim chamada revolução verde), o Brasil se
apresenta como o país dotado das melhores condições para suprir toda esta
demanda. Com efeito, o país dispõe de excelente e diversificado clima e de enormes
quantidades de água (um quinto da água doce do mundo), sendo que apenas um
terço da sua área cultivável está sendo utilizada.
Dentro dos 845 milhões de hectares de terras existentes no país, 394 milhões
de hectares são consideradas aráveis, mas apenas 66 milhões de hectares estão sendo
efetivamente destinados à agricultura, enquanto cerca 170 milhões estão sendo
96
usados como pastagens.273
A UNCTAD aponta que o país dispõe de 90 milhões de
hectares de terras virgens para o plantio, sem a necessidade de derrubar árvores.274
Só na região do cerrado (¼ do território nacional), 66 milhões de hectares não estão
sendo utilizados nem como pastagens, o que representa um aproveitamento inferior
a 30% da sua área. Esse índice de aproveitamento do solo não é encontrado em
nenhum lugar do mundo.
66
328
188
81
132
88
116
60
169
96
42
45
31
27
44
0
50
100
150
200
250
300
350
400
Brasil EUA Federação
Russa
U.E. Índia China Canadá Argentina
Áreas agricultáveis no mundo
Área Total disponível
para a agricultura
Área já ocupada pela
agricultura
(em milhões de hectares)
Fonte: FAO/IBGE, apud Agroexame 2005.
394
269
220
176 169138
76 71
O Brasil tem, portanto, uma capacidade quase que inesgotável de desfrutar
das suas vantagens comparativas frente aos seus concorrentes externos. Enquanto a
escassez de fatores como terras, água e clima favorável têm sido apontados como o
grande limitador do crescimento da produção no plano internacional, o Brasil os
possui em abundância, tendo todas as condições para continuar aumentando sua
produção e suas exportações. Com esses recursos aliados ao processo de
implementação de tecnologias já disponíveis, o Brasil está plenamente credenciado a
isolar-se na liderança do fornecimento mundial de alimentos, assumindo a posição
natural e merecida de celeiro do mundo.
Além disso, como visto anteriormente, o agronegócio brasileiro ainda está
avançando no processo de ganho de produtividade, no mesmo sentido percorrido nas
últimas duas décadas, em que ocorreu a duplicação da produção, mesmo sem
aumentos consideráveis na área cultivada. À exceção da soja, as cadeias produtivas
de uma maneira geral ainda não estão aproveitando toda a tecnologia disponível,
podendo ainda ampliar os ganhos e reduzir despesas com medidas voltadas à
profissionalização da gestão das fazendas e à melhoria da coordenação entre os
agentes.
Adicionalmente, no tocante ao consumo interno, cumpre observar que este
ainda tem potencial para crescer significativamente, sobretudo nas camadas mais
pobres da população. Pequenas variações no seu poder de compra afetam
diretamente a demanda por produtos como feijão, leite, arroz, carne de frango, óleo
de soja e café. Estudo da Associação Brasileira de Agribusiness (Abag) estimou, por
97
exemplo, que o programa Fome Zero ampliaria o mercado interno de alimentos em
cerca de 40 milhões de pessoas, acarretando um aumento em torno de 25% para os
produtos acima, entre 2003 e 2008.275
Dessa forma, esse fator, certamente,
contribuirá para a aquecer as vendas do agronegócio, sobretudo no momento em que
o Brasil conseguir permanecer numa rota estável de crescimento econômico.
Em paralelo à parcela do mercado que ainda está por nascer, o Brasil também
tem muito para conquistar no mercado já existente, tomando o espaço de
concorrentes menos competitivos. Todavia, apesar de ser essa a tendência geral, por
ora, maiores avanços esbarram nas barreiras comerciais e práticas desleais de
comércio, mantidas há muitos anos pelos países desenvolvidos. Essas práticas, que
serão detalhadas no terceiro, capítulo, são há muito tempo as principais amarras que
obstam o crescimento das exportações do agronegócio brasileiro.
Infelizmente, não se consegue vislumbrar melhoras significativas desse
cenário no curto prazo. Mercados mais atrativos como os EUA e a União Européia
são hoje, praticamente, inatingíveis, para diversos produtos agropecuários brasileiros
e devem permanecer assim por algum tempo – ao menos, enquanto os mesmos não
demonstrarem disposição em promover uma abertura comercial mais significativa,
nas negociações dos acordos internacionais no âmbito bilateral e multilateral que já
estão em curso. Essa abertura comercial passa, necessariamente, por uma redução
expressiva das tarifas, dos subsídios e de outras barreiras comerciais, na trilha do
que já foi feito com produtos manufaturados, cuja liberalização, aliás, os mesmos
países industrializados não hesitam em defender. Por ora, portanto, as maiores
oportunidades que se apresentam estão na Ásia, Oriente Médio e Leste Europeu.276
Dentro desse cenário, já estão sendo feitas para médio prazo previsões
bastante otimistas, porém realistas, para o agronegócio brasileiro. Acredita-se que o
Brasil vai ampliar sua produção de grãos em pelo menos 50% até 2010, alcançando
a faixa das 150 milhões de toneladas até o fim da década (dentro de uma meta de
200 milhões de toneladas), sendo um terço deste volume destinado à exportação.277
Isso sem se falar nos mercados de novos produtos, como os biocombustíveis e o
mercado de carbono, que ainda estão se consolidando e tendem a ganhar incrível
relevância em curto espaço de tempo. Esses mercados serão ilustrados a seguir.
1.3.1. Perspectivas para o mercado de biocombustíveis
As emissões veiculares têm sido um dos centros das preocupações dos
ambientalistas, especialmente nas grandes cidades, resultando numa forte pressão
para a adição de combustíveis renováveis aos carburantes convencionais. Na prática,
as duas grandes soluções que se apresentam, por ora, para esses problemas
ambientais (e mesmo à questão estratégica de reduzir a excessiva dependência do
petróleo) é a progressiva incorporação do álcool e do biodiesel à matriz energética.
98
1.3.1.1. Um proálcool global
Dentro do contexto, abriu-se um mercado potencial gigantesco para o álcool,
que desponta como a principal alternativa para a redução de emissões atmosféricas.
Isso porque para cada litro queimado de álcool hidratado em substituição à gasolina,
deixam de ser enviados à atmosfera 0,46 quilogramas de carbono. Já no caso do
álcool anidro, a redução é ainda maior: 0,71,kg/l. Na média, cada tonelada de cana
direcionada para o fabrico de álcool gera uma redução líquida de emissões de CO2
de aproximadamente 0,17 tonelada. 278
Conforme exposto anteriormente, o Brasil foi o primeiro a lançar um plano de
grande porte para a substituição do petróleo por combustíveis renováveis,
implementando o Proálcool (Programa Nacional do Álcool), a partir de 1975. O
programa visava reduzir a dependência externa do petróleo e solucionar a crise
vivida pelos produtores de cana, durante a década de 70, através da mistura de álcool
anidro à gasolina dos automóveis e da produção de carros movidos puramente a
álcool (hidratado). Os benefícios de ordem ambiental resultantes do programa foram
significativos, apesar de não ter sido o alvo prioritário do programa. Diante do
consumo brasileiro de 5 bilhões de litros/ano de álcool hidratado, e outros 5,5
bilhões de litros de álcool anidro, misturado à gasolina, calcula-se que o proálcool
tem evitado a emissão de 7 milhões de toneladas por ano na atmosfera.279
A questão estratégica também pesou para que os EUA tomassem medidas
mais incisivas para a ampliação do uso do álcool como fonte energética. De fato,
aquele país consome cerca de 26% do petróleo do mundo, mas produz apenas 12%,
dispondo de apenas 2% das reservas conhecidas.280
Conforme observado pelo
sociólogo Ignacy Sachs, isso torna a matriz energética dos EUA altamente
dependente das importações do Oriente Médio e o custo dessa dependência é muito
alto, inclusive em termos militares.281
Conhecedores dessa fragilidade, a
intensificação do programa de mistura do álcool à gasolina emergiu como a medida
mais apropriada para a redução da dependência externa de petróleo. Assim, a partir
da década de 80, progressivamente, o país começou a misturar etanol na gasolina,
além do metanol, bem como a estimular a produção interna através de uma pesada
política de subsídios. No mesmo sentido, a partir de 1992, através do Clean Air Act
passou a ser obrigatória em determinadas cidades, durante o inverno, a mistura de
um certo percentual de oxigenados.
Verificou-se, com isso, um notável crescimento da produção norte-americana
de etanol desde então, que saltou de 750 milhões de litros em 1980 para cerca de 6,5
bilhões de litros em 2001.282
Note-se que ainda é esperado um aumento maior do
consumo nos próximos anos para a substituição de um aditivo altamente poluente (o
metil-terciário-butil-éter – MTBE), que até a virada do século ainda era misturado
em 87% da gasolina americana. Estima-se, com isso, que até 2010 a demanda do
país deverá crescer para 17 bilhões de litros, ultrapassando o consumo brasileiro,
líder tradicional desse mercado.
99
Demanda por álcool em 2003, 2005 e 2010
0,00
20,00
40,00
60,00
80,00
2003 2005 2010
Outros
Canadá
Japão
U.E.
EUA
Brasil
Fonte: Marcos Fava Neves; Decio Zylbersztajn e Evaristo Marzabal Neves; Agronegócio do Brasil apud NYBOT,
L.C.C.Carvalho.
Atraídos pelas bem sucedidas experiências vividas pelo Brasil e pelos EUA,
outros países já manifestaram interesse em misturar o álcool à gasolina, na busca de
reduzir suas emissões de CO, bem como a dependência das importações de petróleo.
Nesse sentido, pode-se citar UE, Japão, China, Índia, Austrália e Canadá, cujo
interesse pelo álcool haverá de acelerar o consumo mundial de álcool e,
conseqüentemente, o comércio internacional dessa commodity.
Em maio de 2003, a Comissão Européia anunciou diretrizes para a produção
de combustíveis renováveis, atreladas à redução de tributos. Estabeleceu-se que a
partir de 2005, deveriam ser misturados 2% de combustíveis renováveis à gasolina e
ao diesel, com a meta de chegar a 5,75% até 2010. (Note-se que o atingimento dessa
meta pressupõe o consumo 8 bilhões de litros.) O planejamento europeu é de
aumentar a sua produção de 1 bilhão de litros/ano, quando da implantação do
programa, para 10 bilhões de litros/ano, fabricando o álcool a partir da beterraba, do
trigo e da cevada.283
284
O Japão também está em estágio bastante avançado nesse processo de
incorporação do álcool à sua matriz energética e, desde 2003, autoriza a mistura de
3% de etanol à gasolina, em substituição ao MTBE. Pelo planejamento do país, os
passos seguintes seriam tornar a mistura obrigatória e aumentar a proporção da
mistura a 10% até 2006, o que geraria uma demanda de 6 bilhões de litros anuais de
álcool, considerando que o consumo de gasolina do país está em algo entre 55 e 60
bilhões de litros/ano285
. Note-se que essa demanda corresponde a nada menos que
50% da gigantesca produção brasileira na safra 2003/04.286
287
Quanto à China, tem-se que, entre 1995 e 2000, o país viu sua frota de
veículos crescer a taxas próximas de 10% ao ano, atingindo em 2001 um total de 14
milhões de automóveis e 45 milhões de motocicletas, o que criou uma tremenda
pressão ambiental. O país está na segunda posição entre os maiores emissores de CO
do mundo (atrás apenas dos EUA), questão que ganhou maior visibilidade desde que
Pequim foi eleita para sediar as Olimpíadas de 2008. Adicionalmente, note-se que o
país importa 30% do petróleo que consome (69,4 milhões de toneladas em 2002,
segundo dados oficiais288
), fragilidade esta que tende a se acentuar em virtude do
forte ritmo de crescimento da economia do país. Por essas razões, o programa do
álcool foi inserido no seu Plano Quinqüenal, prevendo a mistura de combustíveis
100
renováveis a gasolina e ao diesel, a uma taxa de 10%, até 2008, além da fabricação
de automóveis movidos puramente a álcool. Estima-se que essas medidas
acarretarão um aumento de consumo de algo entre 5 e 6 bilhões de litros por ano.289
290
Atualmente, a produção chinesa de álcool utiliza o milho como matéria
prima, num processo cerca de 40% menos eficiente que a produção a partir da cana.
A tendência, portanto, é de que as importações tenham um papel de destaque para
suprir o apetite chinês por álcool, inclusive em decorrência da necessidade do
aproveitamento das terras para a produção de alimentos. Isso há de abrir excelentes
oportunidades à produção de álcool brasileira, que pouco participa daquele mercado.
A Índia também está em estágio avançado dentro desse processo de
substituição dos combustíveis fósseis por renováveis. Desde 2003, esse país passou
a adicionar 5% de álcool anidro à gasolina. Apesar de ser um grande produtor de
cana-de-açúcar, o programa indiano abre boas perspectivas de negócios com o
Brasil, acima de tudo para a venda de tecnologia.XX
291
Felizmente, o Brasil é talvez o único país que está preparado para fornecer
grandes quantidades do combustível ao mundo em curto espaço de tempo.292
As
projeções dão ao Brasil 30% do mercado mundial de biocombustíveis até 2020,
concorrendo com países como China, Índia, Malásia e África do Sul.293
Projeções da produção de álcool no Brasil
1211013960 14175 14427 14749 15219 15499 15730 15980 16146 16542
700 1500 2000 2500 3000 4000 47006000 6700
840010000
0
5000
10000
15000
20000
25000
30000
2003
/200
4
2004
/200
5
2005
/200
6
2006
/200
7
2007
/200
8
2008
/200
9
2009
/201
0
2010
/201
1
2011
/201
2
2012
/201
3
2013
/201
4
milh
ões d
e lit
ros Hidratado (Produção)
Anidro (Produção)
Consumo interno
Exportação
Estimativa de FNP Consultoria - safra maio a abril, apud Marcos Fava Neves; Decio Zylbersztajn e Evaristo
Marzabal Neves; Agronegócio do Brasil.
Assim, por ser líder em produção, produtividade e tecnologias, o Brasil tem
sido sondado freqüentemente por outros países para o desenvolvimento de parcerias
para a implementação de planos semelhantes ao Proálcool.XXI
As maiores
XX Note-se que o primeiro negócio nesse sentido foi realizado já em 2003, prevendo a transferência de
tecnologia brasileira de destilação, contra o pagamento de royalties. XXI O Protocolo de Kyoto será desenvolvido logo à frente, quando falarmos de Crédito de Carbono.
101
perspectivas de negócios nesse sentido estão no mercado asiático, já que os
principais mercados, notadamente EUA e UE, deverão manter-se fechados, impondo
barreiras comerciais e promovendo medidas de incentivo aos seus produtores, na
busca do auto-abastecimento. Ainda assim, a redução de custos a partir da eficiência
da produção brasileira continuará sendo um atrativo inegável e haverá de pressionar
os governos locais pela abertura desse mercado.XXII
294 295
Nesse sentido, note-se que
a Suíça já deu início a tratativas com o Brasil para a formalização de um acordo que
poderá dar origem a um comércio de 100 milhões de litros de álcool anidro
anualmente e que, de quebra, poderá abrir as portas para o restante da Europa.296
O otimismo que impera no mercado de álcool, portanto, é totalmente
justificável. Porém, há que se observar que a expansão desse mercado ainda está
condicionada a alguns fatores como: o caráter de obrigatoriedade da mistura de
combustíveis renováveis ao combustível dos automóveis em mercados importantes,
a redução das barreiras tarifárias impostas contra o álcool, especialmente pela UE e
pelos EUA e o receio de muitos países de que possa haver interrupção do
fornecimento combustível depois de estabelecida uma relação de dependência.
Essa última preocupação tem levado muitos países a relutar em adotar o
álcool na sua matriz energética, com receio de depender demais de poucos
fornecedores. É dentro desse contexto que se apresenta estratégica a cessão de
tecnologia do Brasil para produtores como Índia, Austrália, Tailândia e Moçambique
e países do Caribe. Se por um lado, essa iniciativa abre as portas para a
concorrência, de outro, pavimenta o caminho para a ampliação do mercado mundial
e o conseqüente aumento das exportações brasileiras. Outro efeito colateral
altamente benéfico é o de que o aumento da produção de álcool acaba por reduzir a
oferta internacional de açúcar, permitindo a valorização do produto, no qual o Brasil
também é líder de produtividade.297
De qualquer forma, em que pesem as incertezas que persistem, o futuro do
mercado de bioenergia já está suficientemente claro para muitos, sendo notável o
aumento de investimentos (nacionais e estrangeiros) de grande porte no setor, para a
ampliação dos parques industriais e a melhoria da infra-estrutura, especialmente na
ampliação da rede de dutos e armazenagem, a fim de facilitar o escoamento até os
portos.298
Nesse sentido, veja-se que, recentemente, o Japan Bank of International
Cooperation repartiu com o Banco Mundial um investimento total de US$ 700
milhões, na construção da Ferrovia Norte/Sul, a qual ligará São Luiz do Maranhão à
região central do país, permitindo um melhor escoamento da produção de usinas a
serem instaladas no norte do Mato Grosso, Tocantins e sul do Maranhão. Outro
grande projeto é a construção de um duto pela Petrobrás para levar álcool de
Ribeirão Preto ao Rio de Janeiro, investimento orçado em US$ 200 milhões.
XXII O etanol americano utiliza como matéria prima principal o milho, através de um processo muito menos
eficiente que o realizado no Brasil a partir da cana. O seu fica em cerca de US$ 0,30/litro, enquanto que no
Brasil, gira em torno de US$ 0,20/litro. Na Europa, o custo é de 0,56/litro, aparando-se fundamentalmente nos
subsídios concedidos pelo governo.
102
1.3.1.2. Biodiesel
O biodiesel é um combustível feito à base de um óleo vegetal com a adição
de um reagente, como o metanol ou o etanol, que pode ser utilizado em motores
ciclodiesel automotivos ou estacionários. O processo de transformação do óleo
vegetal em biodiesel denomina-se transesterificação, que consiste em separar a
glicerina do óleo vegetal, que pode ser extraído de diversas oleaginosas. Os maiores
índices de produtividade são obtidos pelo dendê (5,9 mil litros/ha), macaúba (4 mil
litros/ha), pequi (3,1 mil litros/ha), babaçu (1,6 mil litros/ha), mamona (1,2 mil
litros/ha) e girassol (800 litros/ha). Note-se que a soja se apresenta como uma
alternativa bem menos atrativa do ponto de vista econômico, com uma
produtividade de 400 litros/ha.299
Todavia, entende-se que é a única cultura capaz de
atender à demanda em curto espaço de tempo, por já ter uma cadeia consolidada e
bastante organizada.
A viabilidade econômica do combustível renovável, porém, ainda é um dos
principais obstáculos encontrados para a disseminação do uso do biodiesel. Em 2003
o seu custo de produção era pelo menos o dobro do custo do combustível derivado
do petróleo. Todavia, o fator custo vem sendo suavizado nos últimos anos, em vista
de fatores como a alta das cotações do petróleo, as políticas de incentivo
governamentais (isenções fiscais parciais de ICMS, CIDE, PIS e COFINS300
) e,
sobretudo, ganhos de escala e de eficiência pela cadeia produtiva. Nesse sentido,
note-se que o Brasil, recentemente, desenvolveu uma tecnologia de regeneração dos
catalisadores que permitiram cortes expressivos dos custos de produção, dando
maior competitividade ao produto renovável. Ainda nesse sentido, cabe destacar que
os custos de produção poderão ainda ser amenizados com a venda de créditos de
carbono no mercado internacional (o que será abordado adiante). Cada hectare de
mamona, por exemplo, pode absorver até 8 toneladas de gás carbônico, quatro vezes
mais que oleaginosas como a soja, o que poderá vir em auxílio da viabilidade
financeira desse combustível.
O fato de se tratar de um combustível verde e, portanto, renovável confere ao
biodiesel uma série de vantagens em relação ao diesel convencional, a começar pelo
aspecto ambiental. Afora o fato de ser biodegradável, tem-se que o biodiesel é
constituído de carbono neutro (por ser um éster), o que permite uma queima
completa dentro dos motores, resultando em volumes muito menores de resíduos e
de CO. E mesmo em se tratando das emissões de CO2, as vantagens em relação ao
combustível fóssil são gritantes: segundo estudos, cada tonelada de biodiesel
queimado em substituição do diesel convencional evita a emissão de 2,5 toneladas
de CO2.301
Do ponto de vista estratégico, o combustível se apresenta de imediato como
uma excelente alternativa à importação de diesel, produto do qual o Brasil é um
importador tradicional (US$ 800 milhões em 2003). Já a médio e longo prazos, o
103
combustível tem potencial de atingir metas bem mais ambiciosas. Mais do que
reduzir o peso das importações de diesel na balança comercial, o biodiesel, ao lado
do álcool, poderá tornar o Brasil uma grande potência em energia líquida mundial,
fazendo-o assumir a liderança do fornecimento do produto para o mercado
internacional. Estima-se que, somente com o óleo de dendê, pode-se produzir óleo
diesel em uma quantidade de 8 milhões de barris/dia, que é a produção atual da
Arábia Saudita, que detém a maior reserva de petróleo do mundo.
Sob o ponto de vista da segurança, o biodiesel apresenta menor risco de
acidentes que o combustível feito à base de petróleo, por possuir um ponto de
combustão mais alto (148°C em sua forma pura) que o diesel comum (51°C), o que
inclusive dispensa gastos com armazenamento especial. Some-se a isso o fato de que
é um produto não tóxico.
Diversas outras vantagens podem também ser citadas, tais como o fato de o
biodiesel funcionar perfeitamente em motores convencionais, onde pode ser usado
sozinho ou misturado com o óleo diesel convencional, inclusive aumentando a vida
útil dos motores por ser mais lubrificante. Ainda nesse sentido, pode-se mencionar a
possibilidade de absorver produção de soja imprópria para o consumo humano e
animal. O biodiesel, assim, poderá consolidar-se como uma importante válvula de
escape para a produção do setor, absorvendo produção excedente e carregamentos
rejeitados pelo mercado. Isso daria ao produtor de soja uma maior maleabilidade
para fazer frente às oscilações do mercado, conferindo-lhe o poder de optar pela
destinação final da sua produção, tal como fazem os usineiros, que podem escolher
entre produzir álcool ou açúcar a partir da cana.
Por fim, cabe destacar que, para o Brasil em especial, há ainda um outro
ponto altamente favorável na substituição do diesel pelo combustível vegetal, que é
o aspecto social. Oleaginosas como a mamona conseguem bons níveis de
produtividade no clima e solos encontrados no Nordeste do país, onde a cultura
poderá gerar milhares de empregos, estimulando a agricultura familiar e fixando o
homem no campo.
O mercado de biodiesel
O mercado de biodiesel ainda é insipiente no mundo, inclusive no Brasil. A
UE, por ora, é o único mercado substancial do produto. Há muitos anos o velho
mundo vem tentando utilizar o biodiesel em sua frota de veículos, como forma de
aliviar a sua dependência externa de combustíveis e reduzir suas emissões de
poluentes. Durante a década de 90, o bloco lançou um programa de grande escala,
que, de início, não foi bem sucedido porque a tecnologia empregada não gerava um
produto de boa qualidade, causando vultosos prejuízos à sua frota de veículos.
Contudo, após o desenvolvimento de técnicas mais modernas e eficientes de
produção de biodiesel, o bloco voltou a apostar em uma nova tentativa,
estabelecendo a meta de misturar 2% do combustível verde a todo o combustível
104
queimado no continente, mistura esta que será aumentada progressivamente até
2010, quando a proporção chegará a 10%.302
Atualmente, o consumo de biodiesel ainda não é homogêneo na Europa. A
Alemanha está bem na frente, já utilizando o produto puro, firmando-se como o
maior mercado do produto no mundo, com um consumo de 1,1 milhão de toneladas,
quase metade da produção mundial em 2002. Atrás, vêm a França, onde a mistura é
de 5%, e a Itália.303
Em relação ao Brasil, este também vem desde a década de 80 buscando
inserir o biodiesel em sua matriz energética, pressionado fundamentalmente pelo
custo das volumosas importações de diesel. Programas voltados para a produção e
uso do Biodiesel nos moldes do Pro-álcool foram sucessivamente relançados sob
rótulos como Prodiesel, Probiodiesel, Programa Combustível Verde – Biodiesel.
Porém, o fato é que só recentemente foram tomadas as medidas mais concretas para
a utilização do combustível renovável, com o lançamento do Programa Nacional de
Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), em 6 dezembro de 2004.
O PNPB é uma iniciativa do Governo Federal que objetiva a produção e uso
do biodiesel de uma forma sustentável, tanto técnica, econômica e socialmente. O
programa estabeleceu metas progressivas de substituição do diesel à base de
petróleo pelo combustível renovável, a partir de 2006. Inicialmente as refinarias e
distribuidoras deverão misturar 2% de biodiesel ao combustível convencional (B2)
devendo chegar até 2012 à mistura B5, ou seja, de 5% de biodiesel em todo o
fornecimento de diesel do país.304
Calcula-se que, para cada 1% de biodiesel misturado ao combustível fóssil,
serão gerados 45 mil empregos diretos no campo.305
Assim, já para os próximos
anos é esperada criação de 100 mil postos de trabalho, através da implantação de 50
projetos, tais como Brasil Ecodiesel (PI), Agropalma (PA), e o grupo Biobrás, com
unidades em diversos estados do centro-sul.306
307
O programa busca priorizar as
áreas menos favorecidas no Nordeste, conferindo benefícios fiscais aos produtores
industriais que tiverem o Selo Combustível Social (adquirido quando o produto tem
sua origem na agricultura familiar).
1.3.2. O Protocolo de Kyoto e o Mercado de Carbono
Créditos de carbono, ou Reduções de Emissões Certificadas (CERs, na sigla
em inglês), são certificados obtidos por empresas em atividade em países
emergentes que implementarem projetos de redução ou de seqüestro de emissões de
gases produtores do efeito estufa, em especial o CO2. Após o registro no Comitê
Executivo do MDL, em Bonn (Alemanha), através de um processo rigoroso que será
estudado na segunda parte deste livro, tais certificados podem então ser vendidos
para países que não conseguirem cumprir as metas ambientais definidas em 1997,
por ocasião da assinatura do Protocolo de Kyoto.
105
O engenhoso mecanismo criado por esse acordo internacional, apelidado de
MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo)XXIII
baseia-se na idéia de premiar
financeiramente técnicas de produção ambientalmente corretas adotadas em países
emergentes e penalizar os poluidores, como forma de estimular os países-signatários
a cumprirem suas metas de redução de poluentes. Assim, os países desenvolvidos
que não conseguirem atingir as metas por conta própria devem agora compensar os
países em desenvolvimento que conseguirem fazê-lo, comprando dos mesmos os
CERs, que funcionam como uma espécie de “direito de poluir”. Cumpre observar,
nesse particular, que a comercialização de CERs não se presta a sustentar, por si só,
as atividades econômicas que empregam o MDL, servindo tão-somente para dar-lhe
um estímulo financeiro, e com isso, uma maior viabilidade econômica às técnicas
produtivas que atinjam os objetivos buscados pelo Protocolo de Kyoto.
Apesar de a regulamentação do processo de certificação ter sido aprovada em
2001 e de o Protocolo de Kyoto ter entrado em vigor apenas em 2005 (com a
ratificação da Rússia), o comércio de créditos de carbono teve início já em 1997 e
parece não ter sido abalado nem mesmo quando os Estados Unidos em 2001 308
e a
Rússia em 2003 309
, declararam que não iriam ratificar o acordo (em 2003). Atraídos
pelas chances de altas recompensas, muitos investidores anteciparam-se à definição
dessa questão e começaram a comprar créditos, seguros de que o MDL entraria em
funcionamento mais cedo ou mais tarde.
Para facilitar as transações de carbono e dar-lhes maior transparência e
organização, começaram a surgir as primeiras bolsas de futuros especializada na
commodity, na Grã-Bretanha, na Dinamarca e, no final de 2003, em Chicago
(Chicago Climate Exchange).310
Mais recentemente, em 2005, foi criada a Emission
Trade System, estabelecida por uma legislação de iniciativa da Comissão Européia, a
qual foi aprovada pelos membros da UE e pelo Parlamento Europeu, cujo objetivo é
o desenvolvimento de medidas para auxiliar o bloco a cumprir sua meta do
Protocolo de Kyoto. A Emission Trading System foi a primeira bolsa no mundo a
reconhecer a equivalência entre os créditos de carbono dos diferentes mecanismos
de flexibilização criados pelo Protocolo de Kyoto, facilitando tremendamente os
negócios nesse segmento. Consolidou-se, assim, um mecanismo de securitização de
derivativos recebíveis a futuro, dando dinamicidade ao emergente mercado de
carbono.
No Brasil, desde dezembro de 2004, funciona o Mercado Brasileiro de
Redução de Emissões (MBRE), lançado pelo Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior em parceria com a BM&F, com o objetivo de
estimular o desenvolvimento de projetos de MDL entre empresários brasileiros, a
fim de inserir efetivamente o Brasil no quadro institucional estabelecido pelo
Protocolo de Kyoto.311
XXIII Em inglês, CDM (Clean Development Mechanism).
106
No mercado internacional, a tonelada de carbono chega a cotações superiores
a US$ 40312
, mas os preços caem quando envolvem projetos de países onde
persistem indefinições sobre as regulamentações internas. Nesse sentido, veja-se
que, nos primeiros negócios realizados no Brasil, em 2002, os certificados foram
vendidos com cotações próximas a US$ 5 por tonelada. 313
314
Segundo o Banco Mundial, de 1997 a 2002, já haviam sido realizadas no
mundo mais de 150 transações de crédito de carbono, movimentando 200 milhões
de toneladas e US$ 350 milhões.315
Em 2003, os volumes transacionados foram de
78 milhões de toneladas de carbono equivalente (tCO2e), aumentando para 107
milhões tCO2e em 2004. Já em 2005, apenas no período de janeiro a abril, foram
comercializadas 43 milhões tCO2e. 316
317
Estima-se que o negócio movimentará entre 2008 e 2012 cerca de US$ 10
bilhões por ano, sendo que o Brasil poderá deter 10% deste mercado.318
Ainda mais
otimista é o estudo realizado pelo Conselho Empresarial para o Desenvolvimento
Sustentável, que estima que, para que as metas de Kyoto sejam atendidas, terão de
ser reduzidas 4,75 bilhões de toneladas em emissões, sendo que o Brasil teria
capacidade de assumir 18% deste total.319
Em 2003, a Índia foi responsável por 30% dos programas de MDL e o Brasil
por 18%, com vendas expressivas para a Holanda. Estima-se que, em 2008, os dois
países somarão 80% do total de CER´s emitidos no mundo. A Índia, vale dizer, está
em uma posição bastante vantajosa para assumir a liderança nesse mercado, na
medida em que a sua matriz energética é altamente poluidora, sendo fundada na
queima de carvão mineral, o que lhe confere maior facilidade para “limpá-la”. No
Brasil, de seu turno, as perspectivas de crescimento nesse setor são menores, pois a
sua matriz energética já é considerada limpa, sendo em grande medida de origem
renovável, sobretudo hidráulica.
Assim, o principal mercado potencial existente para o agronegócio brasileiro
reside nos setores ligados às atividades florestais (siderurgia, celulose e papel) e na
produção de combustíveis renováveis. Segundo estudos, cada hectare de pinus é
capaz de seqüestrar entre 13 e 18 toneladas de carbono por ano, enquanto que no
caso do eucalipto, esta cifra chega a 25. Projetos muito promissores também já estão
sendo implementados em aterros sanitários, na geração de energia a partir do
metano, que é 21 vezes danoso ao ambiente que o gás carbono.XXIV
320
321
322
XXIV O projeto brasileiro Nova Gerar foi o primeiro a ser registrado dentro do MDL. Desenvolvido no aterro
sanitário de Nova Iguaçu (RJ) e contando com investimentos do Banco Mundial e do governo da Holanda, o
projeto tem como objetivo a geração de energia elétrica a partir de gases do aterro, resultando em uma
redução de emissões de mais de 14 milhões de toneladas de CO2 nos próximos 21 anos. Depois desse, vieram
outros como o Vega Bahia, também fundado na captação de biogás de um aterro sanitário para a geração de
eletricidade. Até o início de 2005, dezenas de projetos já estavam em fase de formatação no Brasil, conforme
números da CDM watch, uma ONG que monitora projetos de MDL.
107
1.4. Desafios para o agronegócio brasileiro
Segundo o economista Marcos Jank323
, o foco da política agrícola brasileira
entre as décadas de 50 e 80 era a substituição das importações, através da oferta de
tecnologias e da intervenção na economia. Nos anos 90, com a abertura do mercado,
a meta passou a ser a busca de maior competitividade e eficiência. Essa etapa
também foi vencida em grande medida e, hoje, as prioridades estão direcionadas
para a ampliação dos mercados agrícolas e da rede de infra-estrutura, para permitir
um melhor escoamento das safras, que são cada vez maiores. Em 2004, Roberto
Rodrigues, então Ministro da Agricultura previu que se o Brasil conseguir eliminar
os gargalos da produção, poderia, em 12 anos, aumentar a sua área plantada em
50%, passando de 62 milhões de hectares para 92 milhões, a serem somados a outros
177 milhões de hectares de pastagens.324
De fato, o Brasil é muito competitivo da porteira para dentro e tem tudo para
liderar o comércio de commodities agrícolas. Todavia, esbarra no custo logístico,
notadamente no que tange ao escoamento da produção vegetal, impedindo-o de
abocanhar uma parcela maior dos mercados disponíveis.
Já virou rotina assistir nos noticiários, por exemplo, a formação de filas de
mais de 100 km no período de colheita de soja às portas do Porto de Paranaguá, o
maior porto agrícola do país.XXV
Apesar de o Brasil ter em torno de 30 portos
marítimos, poucos têm capacidade de escoar grandes quantidades de grãos, sendo o
porto de Paranaguá uma das únicas alternativas para o escoamento da soja produzida
na região centro-sul do país. Essa situação dificulta incrivelmente o acesso da
produção brasileira ao mercado internacional, justificando a imposição de um
deságio significativo para as mercadorias compradas do Brasil e encarecendo
tremendamente o frete.
Essa fragilidade da rede logística do agronegócio brasileiro foi incrivelmente
realçada quando o governo do estado do Paraná proibiu, a partir de 2004, os
embarques de soja transgênicas no porto de Paranaguá. A administração portuária e
o estado queriam rótulos livres de transgênicos a fim de garantir o acesso a
mercados emergentes e tomaram essa medida radical sob a alegação de falta de
estrutura para a segregação entre a soja transgênica e a soja convencional. Isso
acabou obrigando muitos produtores locais a redirecionar a produção para os portos
de Rio Grande e Santos, encarecendo ainda mais o frete e acarretando prejuízos
significativos para toda a cadeia. Veja-se que, nessa ocasião, apesar das medidas
tomadas pela administração portuária para reduzir a fila de caminhões, passaram a
ocorrer também filas de navios, o que implicou a adição de custos bastante
significativos ao frete, especialmente por decorrência da componente chamada
“demurrage” (custo médio de estadia do navio), que pode chegar US$ 40 mil por dia
de atraso. O frete Paranaguá-China subiu de US$ 30 para US$ 70 por tonelada e
XXV O Porto de Paranaguá é responsável pelo embarque de mais de 50% da receita gerada na produção de
grãos. Por lá é escoada 27% da produção nacional de soja em grãos e 31% de farelo.
108
para a Europa passou de US$ 15 para US$ 30 por tonelada. Também em virtude
destas deficiências, verificou-se na Bolsa de Chicago um sensível aumento do
prêmio negativo das cotações de soja embarcadas no Porto de Paranaguá. O deságio
chegou a bater US$ 1,40 por bushel (ou US$ 51 por tonelada), cifra que ultrapassa
14% das cotações, acarretando prejuízos de cerca de US$ 1,5 bilhão somente para os
produtores paranaenses na safra.325
326
Em 2004, estima-se que o Brasil perdeu US$ 1,2 bilhão em 2004, somente
em multas por atraso nos embarques de mercadorias, devido aos problemas de
logística.327
Infelizmente, os problemas logísticos do país são ainda mais profundos do
que as dificuldades encontradas para embarcar a produção. Os problemas
enfrentados em boa parte dos caminhos percorridos entre as lavouras e os portos
também são gravíssimos. A malha de transporte brasileira, assim como a rede de
armazéns se apresentam extremamente deficientes, o que se soma a uma série de
outros problemas para anular uma grande parcela das vantagens comparativas da
produção brasileira, questão que será objeto dos próximos tópicos.
1.4.1. Infra-estrutura de transportes
Em teoria, um país com dimensões continentais como o Brasil deveria contar
predominantemente com os modais aquaviário e ferroviárias no transporte de
mercadorias. Com efeito, as ferrovias são ideais para o transporte, a longas
distâncias, de grandes volumes de cargas de baixo e médio valor, como são os
cereais a granel (como soja e milho). Da mesma forma, as hidrovias também se
apresentam como uma alternativa muito conveniente para esse tipo de transporte,
apesar das limitações inerentes a esse tipo de modal, especialmente no que tange à
sua abrangência, que fica limitada ao transporte em determinadas regiões do país,
dotadas de rios navegáveis. Quanto ao rodoviário, a sua grande vantagem é a
flexibilidade que lhe permite atender sem maiores investimentos regiões menos
acessíveis. Este modal, todavia, não é o meio de transporte mais adequados para o
transporte de grandes volumes de cargas, sobretudo a longas distâncias (mais de 500
km). Em números, tem-se que, para transporte a longas distâncias, o frete das
ferrovias e das hidrovias acaba sendo, respectivamente, 36% e 58% mais barato que
o frete das rodovias.328
Todavia, as rodovias são responsáveis pelo escoamento da maior parte da
produção brasileira (63%), enquanto 24% são levados por ferrovias e apenas 13%
por hidrovias.329
109
Volume de cargas transportadas por modalidade
3%16%21%60%
25%
34%25% 15%
Rodoviário Ferroviário Aquaviário Aeroviário e
Dutoviário
Estados Unidos
Brasil
Fonte: ABAG.
Apesar de o Brasil ter feito uma nítida opção pelo transporte rodoviário, a sua
rede de estradas é relativamente curta (1,7 milhão de km). Para atingir a média da
América Latina, o Brasil precisaria construir 9.800 km de rodovias por ano, durante
os próximos 30 anos330
, dados que exprimem claramente a defasagem da rede de
transportes brasileira. Agravando essa situação, tem-se que a sua maior parte está
saturada e/ou mal conservada. Pelas contas da Associação Nacional do Transporte
de carga, 80% das estradas são classificadas como deficientes, ruins ou péssimas331
,
o que representa um obstáculo significativo para o escoamento da produção agrícola.
No Mato Grosso, por exemplo, que é o principal produtor de soja do Brasil (mais de
¼ da produção nacional), apenas 7% dos 26 mil km de rodovias estaduais são
asfaltadas. Uma das principais alternativas de escoamento da produção do estado, a
rodovia Cuiabá Santarém, está com seus 1.600 km em estado lastimável, ficando
intransitável na maior parte do ano.
Qualidade das rodovias brasileiras
Ótima
12%
(8.692km)
Boa
14%
(10.227km)
Deficiente
35%
(27.148km)
Ruim
24%
(17.686km)
Péssima
15%
(10.928km)
Fonte: CNT (Pesquisa Rodoviária)
Os números relativos à malha ferroviária do país não são muito mais
animadores. O Brasil conseguiu melhorar sensivelmente as condições de seus 28 mil
km de ferrovias332
através de concessões e arrendamentos a partir de 1996. Porém,
persistem gargalos em trechos de travessias como em Belo Horizonte-MG e Barra
Mansa-RJ, bem como no acesso aos portos de Santos-SP, Rio de Janeiro-RJ,
110
Paranaguá-PR e São Francisco do Sul-SC.333
O setor estima que precisaria de
investimentos na ordem de R$ 11,3 bilhões para solucionar os principais problemas,
o que ampliaria a sua participação para 30% do total de cargas transportadas no país
e ainda aumentaria a velocidade média dos trens de 5km/h a até 30 km/h.334
Já no tocante ao transporte aquaviário, tem-se que o Brasil utiliza 26 mil km
de vias fluviais navegáveis, dentro de um potencial de 40 mil km. Porém, faltam
conexões das hidrovias com as ferrovias, rodovias e portos marítimos, de forma que
depende de maciços investimentos para racionalizar a sua logística de transportes.335
Levantamentos indicam ainda que, no Brasil, produtos como farelo de soja,
soja, trigo, milho e arroz percorrem em média, respectivamente, 555, 756, 851,
1.603 e 1.653 km, até os pólos consumidores e portos336
, questão que ganha feições
ainda mais preocupantes quando se lembra que a maior parte desse transporte é feito
por rodovias.
Média de dias necessários para escoar a produção agrícola
55 5349
48 47
80
94
93
81
92
40
50
60
70
80
90
100
1999 2000 2001 2002 2003
EUA
BrasilFonte: Renée Pereira, O Estado de São Paulo, 29 jun. 2004.
Dentro desse contexto, o custo do transporte brasileiro ainda é muito alto para
os padrões internacionais. Segundo levantamento feito em 2003, enquanto transporte
de cada tonelada de soja no Brasil custava cerca de US$ 22, nos EUA esta cifra fica
em US$ 15 e na Argentina, US$ 10.337
Para ilustrar esse problema, pode-se citar
que, enquanto o transporte de uma tonelada de soja proveniente de Rondonópolis-
MT para o porto de Paranaguá-PR custa US$ 45,00, a soja produzida no Meio-Oeste
norte-americano é escoada pelo rio Mississipi até o Golfo do México a um custo de
US$ 4,00 por tonelada.338
Um exemplo extremo é o custo de transporte da tonelada
da soja produzida em Sorriso (MT) até o porto de Paranaguá (PR): média de R$ 200
entre 2001 e 2005339
, o que, dependendo do câmbio, pode encarecer a produção
entre US$ 65 e US$ 85 por tonelada. Usando como base a cotação da soja em US$
216/t, o custo do transporte pode significar algo entre 30% e 40% do valor da
produção, o que deixa ainda mais nítido a gravidade da situação.
111
É desnecessário dizer que esses números afetam sobremaneira a
competitividade do produto nacional, pois o frete é um dos principais componentes
do preço das commodities, mostrando o quão prioritário é a solução dos problema de
transportes no Brasil.
Apesar de estarem aquém do desejado, investimentos já vêm sendo feitos
tanto no aperfeiçoamento da malha rodoviária como na progressiva incorporação do
transporte multimodal, visando conferir maior eficiência ao agronegócio. Neste
sentido, pode-se citar como exemplo o aproveitamento dos rios Madeira e
Amazonas como rota para o escoamento de 1 milhão de toneladas do cereal
proveniente do Noroeste do Mato Grosso e de Rondônia, que antes iriam seguir até
o Porto de Santos, de caminhão. Da mesma forma, 55 mil viagens de caminhão até o
mesmo porto puderam ser evitadas para escoar outros 1,5 milhão de toneladas de
soja, proveniente de outras partes do Mato Grosso, após a inauguração da ferrovia
Ferronorte. O problema, porém, permanece longe de ser solucionado, carecendo de
vultosos recursos que o poder público não tem, o que torna imperativa a participação
do capital privado.
1.4.2. Infra-estrutura de armazenagem
Ainda no campo das deficiências logísticas do país, há que se destacar que
também existe uma substancial carência de silos de armazenamento no Brasil.
Atualmente, o Brasil conta com uma rede de 13,7 mil depósitos, com uma
capacidade estática total de cerca de 94 milhões de toneladas, o que é insuficiente
para suprir a demanda. Segundo analistas, o ideal é que o país tenha entre 15 e 20%
de capacidade de armazenamento além da produção, de forma que o Brasil tem um
déficit de 25,9 milhões de toneladas na sua estrutura de armazenagem.
Outro problema grave no tocante à rede de armazenagem é a questão da
localização dos silos existentes. O Brasil tem 11% de seus armazéns em fazendas,
enquanto que nos EUA a relação é de 35% e na Argentina é de 25%. Essa situação é
preocupante, sobretudo porque a rede de armazéns acabam atuando como um
regulador do deslocamento da safra. Assim, os produtores muitas vezes são
obrigados a vender a produção durante o período de safra, quando os preços estão
em seus níveis mais baixos. Com isso, o que acaba acontecendo é que apenas 5%
dos estoques nacionais são mantidos nas fazendas durante o período de safra,
aguardando por melhores preços, contra uma média de 25% na Argentina, 65% nos
EUA e 40% na UE340
.
Estima-se que, para suprir as principais carências nessa área, seriam
necessários investimentos na ordem de R$ 1,8 bilhão.341
112
1.4.3. Diminuição das perdas
Em paralelo, observa-se que ganhos relevantes mais imediatos podem ser
obtidos através de medidas mais simples e óbvias, que podem ser implementadas
sem investimentos tão significativos. Ao lado da otimização dos investimentos
estatais, talvez o melhor exemplo de medidas que merecem uma maior atenção das
autoridades e dos agentes das cadeias do agronegócio seja a redução dos altíssimos
índices de desperdício de produção agropecuária verificados no Brasil.
Estudo realizado pela Embrapa em 1996/1997 indica que 30% das frutas,
35% das hortaliças, 17% do milho produzido no país se perdem no transporte e no
armazenamento. Em geral, isso decorre do uso de embalagens inadequadas, que
percorrem grandes distâncias em condições impróprias, muitas vezes ao sol. Note-se
que, no caso das frutas e hortaliças, o índice de perdas é mais de 3 vezes maior que a
verificada em países desenvolvidos. No caso do complexo da soja, que já se
encontra num grau mais avançado em termos de organização e profissionalismo,
atualmente, esta perda é bem menor, sendo de 3% a média nacional de
desperdício.342
1.4.4. Ampliação dos serviços de inspeção e defesa agropecuária
Na falta de regras transparentes no mercado internacional de produtos
alimentícios, e de acordos bilaterais com os seus principais mercados, o Brasil está
especialmente sujeito à barreiras sanitárias e fitossanitárias ao comércio. Fica, com
isso, particularmente exposto à tomada de medidas desproporcionais pelos seus
clientes quando do aparecimento de problemas de doenças e pragas em suas
fazendas, frequentemente com a perda de mercados. Exemplo típico dessa situação
ocorreu em 2005, quando do aparecimento de surtos de aftosa no Mato Grosso,
podendo-se ainda citar um sem número de produtos que não conseguem acessar
determinados mercados devido à impossibilidade de atender a padrões mínimos de
garantia de qualidade.
De fato, sem um controle mais efetivo de sua produção, o Brasil continuará
perdendo negócios no setor da agropecuária. É impensável, por exemplo, que num
produtor da envergadura do Brasil ainda se encontre uma taxa de abate clandestino
de gado na ordem de 40%, o uso tão freqüente de embalagens inadequadas e
deficiências tremendas na fiscalização das cadeias de distribuição. Questões como
essas têm sido marginalizada devido às discussões sobre o plantio de transgênicos,
mas que são tão ou mais relevantes para a defesa da segurança alimentar e,
inclusive, para as exportações. Todavia, os recursos destinados à solução desses
problemas estão muito aquém do necessário, o que favorece a repetição dos
problemas vistos no passado, como o reaparecimento de doenças que há muito já
deveriam ter sido erradicadas.
113
Uma das soluções encontradas para lidar com essas questões é a certificação
dos produtos. Um número crescente de empresas realizam testes e fornecem selos a
produtos alimentícios, atestando a sua qualidade e existência de determinadas
características (como, por exemplo, se ele é efetivamente orgânico). Porém,
persistem padrões duplos de qualidade: um para o mercado interno e outro para as
exportações, o que não resolve o problema.
1.4.5. Agregação de valor às exportações
O Brasil evoluiu muito em termos de agregação de valor às exportações a
partir da década de 1970. O percentual de produtos básicos em sua pauta de
exportações caiu de incríveis 85% um pouco menos de 30% nos anos 90. Contudo,
essa proporção, não sofreu alterações substanciais desde então, tendo os produtos
manufaturados se estabilizado em torno de 60%. O ideal, porém, segundo a
Associação de Comércio Exterior do Brasil, seria que os manufaturados
representassem 70% da pauta de exportações, de forma a agregar valor às vendas
externas brasileiras e estimular o desenvolvimento econômico do país. 343
Exemplos do quanto o Brasil está deixando de ganhar podem ser vistos nas
cadeias de soja e de couro. No primeiro caso, tem-se que, apesar de o Brasil ser
também um grande exportador de soja processada, a participação do farelo e do óleo
nas exportações da cadeia de soja tem caído em termos relativos nos últimos anos. O
aumento da procura pela soja em grãos, aliado a um sistema tributário ineficiente,
que estimula a exportação de produtos básicos, têm conduzido a uma progressiva
queda na participação dos produtos com maior valor agregado nas exportações da
cadeia de soja.
Na safra de 2005/06, o país exportou cerca de 40% da sua produção total em
grãos, ou seja, sem agregar valor ao produto.344
Note-se, nesse sentido, que entre
1993 e 2005, as safras brasileiras de soja cresceram em média 7% ao ano, enquanto
que o processamento cresceu 5%. Esse movimento não é visto no caso da Argentina,
que tem sido mais exitosa em agregar valor à sua produção. Lá o processamento de
soja apresentou taxas de crescimento médio de 18% ao ano no período, enquanto
que as suas safras cresceram num ritmo de 11% ao ano.
Em geral, os importadores de soja têm dado preferência à importação de soja
em grãos, estabelecendo alíquotas de importação maiores para os produtos
processados, a fim de favorecer a sua indústria doméstica. A China, maior
consumidora individual do mundo, tem processado volumes cada vez maiores do
grão, apesar de não ter ampliado a produção na mesma velocidade (crescimento do
processamento em taxas de 10% ao ano entre 1993 e 2005 e um aumento da
produção de soja de 5% ao ano.). Ou seja, cada vez mais a China está processando o
grão importado de países como o Brasil, o que tem elevado o tom das críticas quanto
contra o sistema tributário nacional, em especial contra a Lei Kandir (que será
analisada na parte II do livro).
114
Processamento de soja no mundoEUA
26%
Outros
25%
China
15%Argentina
17%
Brasil
17%
Fonte: Guia Exame 2005 Agronegócio apud USDA e Abiove.
Processamento de soja no mundoEUA
26%
Outros
25%
China
15%Argentina
17%
Brasil
17%
Fonte: USDA e Abiove apud Guia Exame 2005 Agronegócio.
A mesma situação ocorre com o couro brasileiro, que serve de matéria prima
para produtos de maior valor agregado, com aplicação sobretudo no fabrico de
calçados e vestuário em geral. Em 2004, foi levantada polêmica em torno do apoio
do Governo para as exportações de couro wet-blue (o estágio mais básico possível
de ser comercializado), através da redução das taxas de exportação. O plano do
governo era zerar a alíquota até 2007, para favorecer os curtumes, mas a iniciativa
acabou sendo barrada pelo setor calçadista345
. Na ocasião, argumentou-se, com
muita propriedade, que o fato de o Brasil estar exportando grandes quantidades de
couro semi-processado a baixos preços estaria favorecendo os concorrentes nos
mercados de artigos de maior valor agregado (tais com estofados e roupas).
De fato, tal iniciativa do Governo ia na contra-mão da prática adotada por
outros países para a proteção da indústria de transformação de couro, apesar de ter
capacidade ociosa de 50%, ou 20 milhões de peças, na indústria de transformação.
Usualmente, são usados mecanismos para estimular a exportação de produtos com
maior valor agregado e desestimular a exportação de matérias-primas. A Argentina,
por exemplo, cobra um imposto de exportação de 25% e a Rússia 20%346
, enquanto
que o Brasil estava usando alíquotas de 7% em 2004.
115
1.4.6. Maior e melhor representação do país nas negociações
internacionais
Como visto, o Brasil tem sofrido duramente com os efeitos das políticas
protecionistas praticadas pelos países desenvolvidos, cujos mercados não consegue
acessar devido a intransponíveis barreiras ao comércio e à concessão de apoios
milionários aos produtores locais. Tratam-se de mercados gigantesco já
consolidados aos quais os produtores brasileiros só terão acesso mediante intensas
negociações, nas quais é fundamental a defesa de posições claras.
Felizmente, os representantes brasileiros evoluíram na sua forma de participar
nas negociações internacionais, assumindo uma postura muito mais proativa na
defesa dos interesses nacionais. Um marco, nesse sentido, foi a criação do G-20, a
partir de iniciativa da delegação Brasileira, bloco este que reuniu os produtores
agrícolas mais eficientes do mundo em torno do objetivo comum da liberalização do
comércio de produtos agropecuários. Tratou-se de uma iniciativa agressiva por parte
de países em desenvolvimento (à exceção da Austrália), sem precedentes na história
das negociações da OMC, que acabou por atravancar as negociações também em
torno dos produtos industrializados e serviços, impedindo a assinatura de um mal
acordo e mudando os rumos do comércio internacional (apesar de ainda não ter sido
suficiente para a liberalização do mercado agrícola).
No mesmo sentido, o Brasil também passou a manifestar concretamente o seu
inconformismo com o descumprimento dos compromissos já assumidos nos acordos
da OMC por seus parceiros comerciais. Por solicitação do Brasil, alguns painéis
muito importantes foram abertos no órgão de solução de controvérsias da OMC, que
acabaram resultando na condenação dos milionários subsídios americanos ao
algodão e dos europeus ao açúcar, bem como das barreiras americanas ao suco de
laranja e européias à carne de frango. Tais iniciativas tiveram um papel muito
importante para a redução das distorções no comércio internacional de produtos
agrícolas, na medida em que desestimula a reincidência em práticas comerciais
consideradas desleais.
1.4.7. Seguro rural
Os riscos envolvidos nas atividades agropecuárias é especialmente maior que
nas demais atividades da economia. Afora a constante oscilação de preços, inúmeras
são as pragas, doenças e desastres naturais que podem afetar os negócios dos
produtores rurais. Esse contexto impõe aos agricultores e pecuaristas a tomada de
uma série de precauções, entre as quais o seguro rural seria uma das mais
importante.
Todavia, o seguro agrícola é incipiente no Brasil, com um faturamento de
apenas US$ 11 milhões em 2004, ficando restrito às culturas de soja e frutas (maçã).
No México esse negócio movimenta US$ 90 milhões347
e na Argentina US$ 100
116
milhões, embora sua produção seja metade da brasileira. Na realidade, o Brasil é o
único grande produtor agrícola que não tem um seguro rural eficiente.
Essa situação de incerteza induz os produtores a investir menos no negócio, a
fim de fugir do risco de não ter o retorno suficiente para cobrir o investimento.
Reflexos também acabam sendo sentidos nos empréstimos feitos pelos bancos
comerciais, que ou cobram juros maiores para cobrir o risco de não receber, ou nem
disponibilizam o crédito.
Avanços significativos na regulamentação da atividade foram feitos a partir
de 2004, mas ainda não se chegou a uma solução definitiva para esse vazio deixado.
Um dos principais óbices que continuam atravancando o desenvolvimento do seguro
agrícola no país é a existência de um monopólio no setor de resseguros do país, o
qual é exercido pelo IRB (Instituto de Resseguros do Brasil). Outra dificuldade é
falta de recursos públicos para subsidiar o prêmio do seguro rural, já que, devido aos
altíssimos riscos, essa atividade trabalha tradicionalmente no vermelho.
1.4.8. Carga tributária e da burocracia
Afora todos os problemas acima, também afetam os resultados do
agronegócio outros problemas costumeiramente criticados por todos os outros
setores da economia, tais como a elevada carga tributária, a rigidez das leis
trabalhistas e a burocracia, sobretudo nos portos e para a obtenção de licenças, o que
acaba servindo de forte incentivo ao trabalho na informalidade. A tabela abaixo
mostra os resultados de levantamento feitos, em 2005, pelo Banco Mundial em 155
países, confirmando a gravidade desse tipo de problema no Brasil.
Principais entraves aos negócios no Brasil
Quesito pesquisado Posição entre
os 155 países
pesquisadosClassificação Geral 119
Facilidade para abrir uma empresa 98
obtenção de licenças 115
Facilidade para contratar e demitir funcionários 144
Registro de propriedades 105
Acesso ao crédito 80
Carga tributária 140
Fonte: Banco Mundial.
117
Principais pontos de ineficiência no Brasil
19% 24% 19% 18% 25%
166%149%
167%
91%
50%
80%70%
140%
80%
8,80%
40% 30%
130%
30%2,2% 4,1%4,3% 5,6%3,6%
0%
25%
50%
75%
100%
125%
150%
175%
200%
Brasil
Chi
na
Cor
éia
Sul
Taiwan
Tailâ
ndia
Méd
ia*
Carga Tributária
Crédito/ PIB
Grau de
abertura
comercial
Média de
crescimento do
PIB (últimos 5
anos)*dos países com mesma classificação de risco.
Fonte: Gazeta M ercantil apud M oody's.
Não bastassem tantas más notícias, tem-se ainda que o sistema judiciário
brasileiro também é considerado ineficiente, especialmente em estados com maior
volume de demandas, como o de São Paulo, onde uma apelação pode demora mais
de 5 anos para ser julgada. Alguns anos também são necessários para o julgamento
de recursos nos tribunais superiores. Segundo o mesmo estudo do Banco Mundial, a
Nova Lei de Falências acelerou os processos de falência, que deve reduzir pela
metade o prazo médio de processamento, passando de 10 para 5 anos.
Essa situação apenas confirma a urgência da realização de profundas
reformas na forma de atuação do Estado.
1.4.9. Soluções privadas
Segundo estimativas, a eliminação dos principais gargalos descritos acima
demandaria investimentos em infra-estrutura na ordem de, pelo menos, US$ 8,4
bilhões anuais nos próximos 10 anos348
, para viabilizar a manutenção do
crescimento esperado para o setor, na faixa de 10% ao ano.349
Do contrário,
conforme tem sido repetido pelos analistas de mercado, corre-se o risco de enfrentar
um “apagão logístico”, o qual, segundo estimativas, poderia ocorrer quando as safras
atingirem 130 milhões de toneladas. 350
Assim, se o Governo não tem condições de
fazer investimentos de tal magnitude, a única alternativa que se apresenta é buscar
os recursos junto ao setor privado, na direção que vem sendo seguida desde a década
de 1990.
O cenário encontrado hoje na infra-estrutura do agronegócio brasileiro
apresentou sensíveis melhoras desde que foi feita a opção por relegar aos
particulares algumas tarefas que vinham sendo (mal) executadas pelo Estado. Nesse
sentido, para viabilizar a modernização da rede de transportes, viu-se, a partir do
governo Collor, uma progressiva desregulamentação do setor, marcada pela Lei de
Modernização dos Portos (Lei 8.630), em 1993. A partir daí, verificou-se uma
118
ampliação da participação privada nos investimentos portuários, com uma
considerável queda nos custos de embarque e desembarque.
Também no tocante às malhas ferroviárias e rodoviárias, ocorreu uma
sensível liberalização das atividades, por meio de concessões e arrendamentos. A
partir de 1996, as operações desses segmentos foram progressivamente sendo
transferidas para a responsabilidade da iniciativa privada. Nesse processo, foram
concretizadas 12 concessões ferroviárias, abrangendo uma malha de 28.445km.
Entre 1997 e 2004, foram investidos R$ 4,5 bilhões na recuperação e modernização
dessa estrutura, o que gerou ganhos substanciais em termos de volume de cargas
transportadas e redução de acidentes.
Ocorre que os problemas da falta de verbas para investimentos em infra-
estrutura não foram solucionados. Segundo levantamentos, em 2004 pelo menos 111
obras de transporte estavam paralisadas no país, por falta de recursos.351
Assim,
mais recentemente, visando atrair o capital privado para obras emergenciais em
infra-estrutura, o Governo promoveu alterações na Lei das Concessões (Lei 8987),
possibilitando, por exemplo, que as concessionárias ofereçam como garantia as
receitas operacionais futuras. Outras alterações significativas na lei estão na previsão
explícita da arbitragem para a solução de conflitos e na possibilidade de o
financiador assumir o controle do projeto em caso de inadimplência.XXVI
A reconhecida falta de recursos estatais demonstrou a necessidade de
estimular as parcerias. Dentro desse espírito, em 2004, depois de anos de discussões,
o Congresso Nacional aprovou o projeto de lei, que regulamenta as Parcerias
Público-Privadas (PPPs), lei n.° 11.079. Esse mecanismo destina-se a viabilizar
obras de grande porte que o governo não teria recursos para bancar sozinho e que o
setor privado não teria interesse em fazer porque o retorno seria pequeno. Por meio
das PPPs, a iniciativa privada investe em grandes obras de infra-estrutura ganhando
o direito de explorar a atividade durante longo períodos (não inferior a 5 anos e nem
superior a 35 anos), a fim de recuperar o investimento, podendo o governo
complementar os ganhos da empresa, para torná-la economicamente mais atraente.
O regulamento foi aprovado em 15/09/05, estabelecendo mecanismos para
garantir os aportes do estatais.352
Posteriormente, em janeiro de 2006, as bases de
funcionamento das PPPs foram finalmente consolidadas, com a criação do fundo
garantidor. Até meados de 2005 já existiam 5 projetos prioritários baseados em PPPs
visando desatar nós logísticos, que começariam a ser resolvidos a partir do final de
2007, segundo estimativa do então ministro da agricultura Roberto Rodrigues.353
Felizmente, o setor privado conseguiu contornar a lamentável lentidão dos
parlamentares para apresentar respostas a necessidades emergenciais, muitas vezes
XXVI Pela nova regra (project finance), financiador e financiado indicarão uma instituição financeira (truste)
para receber depósitos relativos às tarifas. Assim, se as parcelas do financiamento vencerem e não forem
pagas, os recursos dessa conta vinculada serão automaticamente direcionados ao pagamento dos financiadores
do projeto.
119
encontrando soluções por conta própria, sem o amparo estatal. Pode-se citar nesse
sentido o acordo de longo prazo (23 anos) celebrados em 2004 entre a América
Latina Logística (ALL), operadora da malha ferroviária da região Sul e a Bunge
Alimentos. A primeira garante o aumento da performance das vias e os primeiros
comprometem-se a investir em armazéns, terminais e vagões, inciativa que tem
perspectiva de movimentar 220 milhões de toneladas de mercadorias, notadamente
produtos agrícolas. Acordo semelhante foi firmado, com duração de 10 anos, entre a
Ferronorte e a Bunge para o escoamento de grãos do MS para o porto de Santos.354
No final das contas, apesar de tantas dificuldades, o agronegócio persiste
produzindo os resultados fabulosos que foram descritos anteriormente, dando prova
da sua competência e de sua vocação para exercer a liderança mundial.
120
2. DIREITO AGRÁRIO
Eduardo Bratz
2.1. Introdução
2.1.1. Nomenclatura
O Direito Agrário no Brasil, em virtude da tradição dos escritores e
legisladores franceses355
, também fora denominado, no passado, de Direito Rural,
havendo ainda doutrina que adote essa nomenclatura. João Leaes Sobrinho356
associa a nomenclatura Direito Agrário à influência dos escritores italianosXXVII
e ao
prestígio destes entre os juristas brasileiros e, em parte, ao fascínio político das leis
de reforma fundiária, de parcelamento ou de redistribuição das terras. Em visão mais
científica, Roberto J. Pugliesi357
assinala quanto ao uso da nomenclatura Direito
Agrário:
Decorre, pois, que a maioria dos doutrinadores alienígenas ou brasileiros
entretanto, preferem Direito Agrário, principalmente pela abrangência que
o termo apresenta como idéia. No agrário se permite destacar, um fator
estático, que é o lugar fora do urbano, ou seja, o campo e também um fator
dinâmico, ou seja, o solo, como objeto suscetível de produção, decorrente de
ação laboral. Ajunte-se ainda que se permite dimensionar, nesta ação, a
interferência natural advindo da ação promovida sob o solo pelos animais
de produção e a interferência do ser humano, que impõe a técnica voltada
para a principal característica desse ramo jurídico, ou seja, a produção.
Há, ainda, doutrina que utiliza as seguintes nomenclaturas: Direito Agrícola,
Rural, Fundiário, da Agricultura e, modernamente, Direito do AgronegócioXXVIII
;
esta última originada da expressão da língua inglesa: agribusiness. Neste trabalho
adotaremos a nomenclatura: Direito Agrário.
XXVII Em 1926 surge em Florença a inovadora "Rivista di Diritto Agrario" que viria a influenciar o
pensamento de muitos teóricos do Direito Agrário. XXVIII O Direito do Agronegócio relaciona-se com as operações de produção e distribuição de suprimentos
agrícolas, as operações de produção nas unidades agrícolas, o armazenamento, processamento e distribuição
dos produtos agrícolas e itens produzidos a partir deles, conforme o quanto assentado por John. H. Davis e
Ray A. Goldber apud João Eduardo Lopes Queiroz in Direito do Agronegócio: é possível a sua existência
autônoma? In SANTOS, Márcia Walquiria Batista dos, QUEIROZ, João Eduardo Lopes (Coord.). Direito do Agronegócio – Belo Horizonte: Fórum, 2005, p. 26.
121
2.1.2. Conceito
Em sua dimensão normativa, o Direito Agrário aparece como o conjunto de
normas jurídicas que regulam todas as relações jurídicas do campo. Essas normas
jurídicas regulatórias poderão tanto se referir às relações comerciais, quanto às
questões fundiárias, crediaristas, securitárias, ambientais, trabalhistas, dentre outras.
Nesse âmbito, tocam-se o Direito Privado, concernente aos negócios jurídicos
firmados entre particulares, e o Direito Público, próprio das relações jurídicas entre
o Estado e os particulares.
Nesse sentido leciona Washington Pacheco de Barros358
: Em decorrência da
forte estrutura legislativa existente e da complexidade de atribuições que ela
pretende abranger, é quase impossível a pretensão de se conceituar direito agrário.
Por isso, de forma concisa, tenho que o Direito Agrário pode ser conceituado como
um ramo do direito positivo que regula as relações jurídicas do homem com a terra.
De seu lado, Fernando Pereira Sodero359
conceitua o Direito Agrário da
seguinte forma: (...) conjunto de princípios e normas, de direito público e de direito
privado, que visa disciplinar as relações emergentes da atividade rural com base na
função social da terra. E a expressão „atividade rural‟ compreende, além da posse e
uso da terra, a sua exploração em qualquer das várias modalidades, quer agrícola,
quer pecuária, agroindustrial ou extrativa.
Enfim, pode-se afirmar que o Direito Agrário é o sistema jurídico que regula
as relações entre os sujeitos participantes da atividade agrária, efetivadas sobre os
objetos agrários e com o fim de proteger os recursos naturais, incrementar a
produção e assegurar o bem-estar da comunidade rural.
2.1.3. Natureza Jurídica
As peculiaridades do Direito Agrário impossibilitam classificá-lo
expressamente como pertencente ao ramo Público ou ao Privado do Direito. Isso
porque o Direito Agrário, em termos objetivos, regula relações privadas que,
normalmente, são reconhecidas como de interesse público, em verdade, o Direito
Agrário inclui-se entre os ramos híbridos, eis que composto, como acima já
salientado, de normas de caráter público e de caráter privado.
Assim, em determinados assuntos, há predominância das normas de caráter
Público, sobrepondo-se fortemente à vontade das partes e, em outros temas,
há completa liberdade de contratar ou de proceder, aproximando o Direito
Agrário ao ramo Privado.
Entre os dispositivos relacionados ao ramo Público do Direito, pode-se citar:
i) desapropriação de Imóveis Rurais; ii) utilização correta do solo; e, iii) vinculação
122
da tributação com a produção. De seu lado, dentre os relacionados ao ramo Privado
do Direito estão: i) contratos de arrendamento e ou parcerias; ii) títulos de crédito
rural; iii) alienação de Imóvel Rural.
2.1.4. Autonomia
Direito Agrário é um ramo autônomo do Direito, dotado de autonomia
legislativa, científica e didática, dispondo de conteúdo especial e próprio, que tem
como objetivo a regulação das atividades do homem com a terra.
Em termos históricos, a autonomia do Direito Agrário se dá em processo
denominado publicização do Direito, característico do Estado de bem-estar social,
observando-se que o seu processo de estruturação ocorre desarraigando-se do
Direito Civil360
por intermédio da intervenção do Estado na economia. Nesse
âmbito, o estudo das ciências jurídicas passou a observar, obrigatoriamente, as
normas e princípios de Direito Público, individualizando os ramos do Direito
Agrário, do Direito do Trabalho, do Direito do Consumidor e dos Direitos de
Proteção à Criança e ao Adolescente.
Nessa linha, os juristas da escola agrarista francesa Guy Chesne e Edmond
Noel Martine361
instituem que o particularismo do Direito Agrário está diretamente
interligado com as funções que o Estado exerce na vida econômica e social.
Hodiernamente, Miguel Angel Ciuro Caldani362
assevera que o protecionismo,
fenômeno presente de forma marcante no comércio de produtos agrários, tende a
reforçar a autonomia do Direito Agrário perante a conjuntura do liberalismo
econômico.
2.1.5. Importância do estudo do Direito Agrário
As inúmeras polêmicas em torno da agropecuária brasileira já seriam por si
só suficientes para justificar profundo estudo do Direito Agrário. Todavia, é possível
justificar o estudo de forma empírica frente aos atuais índices do setor, pois a safra
ultimada quando da finalização deste livro chegou a 120 milhões de toneladasXXIX
e,
ainda, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, o
agronegócio é responsável por 33% do Produto Interno Público – PIB, por 42% das
exportações totais e por 37% dos empregos brasileiros. O setor responde por um em
cada três reais gerados no País e emprega, aproximadamente, 17,7 milhões de
trabalhadores somente no campo.
XXIX Conforme dados divulgados pelo presidente da Conab – Companhia Nacional de Abastecimento – Jacinto Ferreira, estima-se que a produção nacional da safra de grãos 2006/07 deve ser de 120,2 milhões de
toneladas, o que representa 274,1 mil toneladas ou 1,1% a mais que a anterior, que foi de 119,9 milhões de
toneladas. Disponível em <http:// www.conab.gov.br>.
123
2.1.6. Características da Atividade Agrária
O estudo do Direito Agrário impõe a compreensão das características da
atividade agrária. Nesse sentido, lembramos que a possibilidade de influência de
fatores naturais é elemento preponderante da atividade agrária, a que as forças
humanas devem adaptar-se. Assim, as condições climáticas e as leis biológicas são
de fundamental importância para o estabelecimento de relações e de instrumentos
contratuais necessários ao desenvolvimento da atividade agrária, tendo em vista que
condicionam caráter aleatório à atividade.
Nos dizeres de Antônio C. Vivanco363
, diferentemente da atividade industrial,
a atividade agrária não prescinde de matéria-prima natural para atingir o seu
resultado, limitando-se a estimular a ação da natureza a fim de obter determinado
produto natural.
No plano econômico, a atividade agrária está situada no setor primário,
abrangendo as atividades de exploração da superfície do campo, conexas com a
lavoura, a pecuária, o extrativismo vegetal e animal. Como exemplos de ações que
compõem a atividade agrária, enumeram-se, de acordo com a lição de José Braga364
:
a) as tarefas de aproveitamento ou conservação dos recursos naturais, por meio da
confecção de açudes públicos; b) a utilização de bacias hidrográficas para obras de
irrigação e eletrificação rural; c) a proteção da fauna e da flora; d) a armazenagem e
a ensilagem; e) o combate a doenças e pragas; e, f) o transporte e a comercialização
dos frutos rurais, quando realizados pelo produtor rural como desdobramento da
produção e sem configurar ato de comércio.
Dimas Yamada Scardoelli365
, ao falar sobre as características da atividade
agrária apresenta um conceito aberto do que seria atividade agrária sob o enfoque
econômico: atividade agrária ou rural, para fins econômicos, é aquela desenvolvida
intencionalmente pela pessoa junto ao meio rural enquanto substrato (terra, água
ou outro que propicie vida), visando valer-se da produção orgânica (simples ou
derivada), da vida animal ou do próprio meio rural (em si ou modificado) para
inserir-se na sociedade.
Em muitos casos, será o contexto que dirá se uma atividade é agrária ou não,
uma vez que a legislação nacional não traz um conceito definido de tal atividade.
2.1.7. Características do Direito Agrário
O estudo do Direito Agrário brasileiro, necessariamente, observará as
seguintes características deste ramo do Direito: a) interatividade de suas regras: o
legislador, ao sistematizar o Direito Agrário, estabeleceu que as regras são de
aplicação obrigatória, razão pela qual se constatam as fortes intervenções do Estado
sobre os sujeitos das relações agrárias que dispõem de pouca autonomia; e, b) regras
124
sociais: as regras de Direito Agrário visam à proteção social do campesino,
observando o grande número de pessoas que trabalham no campo,
proporcionalmente ao número de proprietários rurais366
.
2.1.8. Competência legislativa
A Constituição Federal, em seu artigo 22, inciso I, reserva a competência
legislativa, em matéria de Direito Agrário, exclusivamente à União Federal,
diferentemente de outras nações que atribuem acompetência para Estados e
Municípios, ou seja, no Brasil compete exclusivamente à União Federal regular as
relações de Direito Agrário.
2.1.9. Fontes do Direito Agrário
Por fontes do direito, entendem-se as origens do direito nas quais se buscam
as regras que disciplinarão as relações humanas. O doutrinador José Cretella
Júnior367
bem elucida este conceito: Fonte é o vocábulo que designa concretamente
o lugar onde brota alguma coisa, como fonte d'água ou nascente. Usada
metaforicamente, por translação de sentido, a expressão fonte do direito indica o
lugar de onde provém a norma jurídica, donde nasce regra jurídica que ainda não
existia na sociedade humana. O termo fonte cria uma metáfora bastante precisa,
porque remontar à fonte de um rio é procurar o lugar de onde suas águas saem da
terra.
O Direito Agrário Brasileiro tem como principais fontes: a) a Constituição
Federal; b) as normas infraconstitucionais constantes das leis, dos decretos, portarias
e instruções reguladoras da atividade agrária, sendo a norma principal dessa
categoria o Estatuto da Terra, Lei número 4.504, de 30 de novembro de 1964; c) a
doutrina; d) a jurisprudência; e) o direito comparado; f) os costumes, como fonte
consuetudinária; g) a analogia; e, h) os princípios jurídicos.
Constituição Federal: trata-se da norma fundamental para os países que
adotam o sistema positivo legislativoXXX
, como é o caso do Brasil.
Dessa forma, a Constituição Federal estabelece as diretrizes legais
para o estabelecimento da ordem jurídica, em determinado ramo do
Direito. No caso específico do Direito Agrário, em diversos pontos da
Constituição Federal encontraremos normas que determinam as
diretrizes desta matéria;
Estatuto da Terra: é o conjunto sistêmico de legislação infraconstitucional,
em matéria de Direito Agrário no Brasil. O Estatuto da Terra dispõe
sobre Imóveis Rurais, Contratos, Tributação, Reforma Agrária e
XXX O sistema positivo legislativo é aquele no qual o direito advém somente da Lei, que de qualquer modo
prevalece sobre outros regulamentos.
125
Política AgrícolaXXXI
, sendo o regulamento mais importante sobre esta
matéria, embora existam diversas outras normas infraconstitucionais
relacionadas ao Direito Agrário;
Doutrina: é a coletânea de pensamentos, opiniões, conceitos e princípios
apresentados e ou publicados por operadores do direitoXXXII
;
Jurisprudência: por vezes confundida com os Costumes, a jurisprudência é
formada pela reiteração das decisões judiciais ligadas a casos
semelhantes. Montoro368
esclarece o seguinte sobre o caráter
consuetudinário da jurisprudência: a jurisprudência é obrigatória na
medida em que se reveste das características do costume judiciário;
Direito Comparado: as ordens jurídicas estrangeiras também são
consideradas fontes do direito, servindo de referência para o operador,
quando o ordenamento positivo for omisso;
Costumes ou Direito Consuetudinário: Constitui-se em vasta e riquíssima
fonte do Direito Agrário brasileiro, principalmente em função das
dimensões geográficas do Brasil e das peculiaridades regionais. O
ordenamento brasileiro, notadamente no que diz respeito às questões
agrárias, confere grande importância aos usos e costumes, como pode
ser observado no caso das unidades de medida de áreas de terra. As
propriedades rurais têm suas dimensões mensuradas por diversos
índices de acordo com a região, inclusive com variações dentro dos
Estados. Dentre os índices mais utilizados estão: a) hectare; b) alqueire
paulista; c) alqueire mineiro; d) quadra de sesmaria; e, e) quadra de
arroz. Diante da usual natureza informal das atividades rurais, os
costumes têm relevante contribuição na feitura das Leis agrárias,
garantindo a validade dos contratos verbais e conferindo grande
importância à prova testemunhal;
XXXI Está em trâmite no Congresso Nacional o Projeto de Lei do Senado Nacional, número 325, de 2006,
denominado Estatuto do Produtor Rural. O presente projeto foi proposto pelo senador Antônio Carlos
Valadares e trata de temas diversos como função social da terra, crédito rural, assistência técnica, seguro
agrícola, preservação do meio ambiente, defesa agropecuária e relações de trabalho rural, sendo certo que
caso seja aprovado, irá alterar substancialmente o Estatuto da Terra. XXXII Com respeito ao entendimento de Miguel Reale in Lições Preliminares de Direito, 22. ed. – São Paulo:
Saraiva, 1995, p. 176, que entende não ser a doutrina fonte do direito (...) recusamos à doutrina a qualidade
de fonte do direito. Não o é, pelo simples fato de que ela não se desenvolve numa „estrutura de poder‟, que é
um requisito essencial ao conceito de fonte, segue-se no presente trabalho a orientação majoritária, referida por Tércio Sampaio Ferraz in Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação – 2. ed. – São
Paulo: Atlas, 1994, p. 246, segundo o qual a doutrina, apesar das controvérsias, trata-se sim de fonte do
direito, conforme a seguir assentado: (...) discute-se o caráter de fonte da razão jurídica que se revela na
doutrina de modo geral. Num sentido estrito, a communis opinio doctorum, isto é, posições doutrinárias
dominantes (doutrina dominante), não chega, no sistema romanístico, a ser fonte do direito. Sua autoridade,
porém, como base de orientação para a interpretação do direito, é irrecusável. Há, porém, casos de
verdadeira construção doutrinária do direito que, embora não possam ser generalizados, apontam para
exemplos em que a doutrina chega a funcionar como verdadeira fonte. Mesmo assim, elas são fontes
mediatas, pois nenhum tribunal se sente formalmente obrigado a acatá-las.
126
Analogia: refere-se à utilização subsidiária de um dispositivo legal para
interpretação ou regulação de caso que não possui regulação própria;
e,
Princípios Jurídicos: representam a base lógica, indispensável para o
desenvolvimento de raciocínios para a aplicação do direito positivo.
Nesse sentido, entende Rafael Augusto de Mendonça Lima369
que sem
princípios, a norma jurídica será despida mesmo de legitimidade. Os
princípios jurídicos aplicáveis ao Direito Agrário serão abordados em
separado, devido às suas especificidades.
2.1.10. Princípios Jurídicos Aplicáveis ao Direito Agrário
Conforme lição de Rafael Augusto de Mendonça Lima370
, os princípios
aplicáveis ao Direito Agrário são lastreados pela exigência da aplicação das normas
como forma de atender às finalidades da atividade agrária. Leva-se em consideração,
com isso, a indispensabilidade dessa atividade, que é responsável pela produção de
bens vitais e de matérias-primas imprescindíveis à subsistência do homem.
Entende a doutrina que o Direito Agrário destaca-se como ramo jurídico
autônomo, por possuir princípios jurídicos próprios no ordenamento jurídico pátrio,
que estão presentes, inclusive, na Constituição Federal. Logo, com a busca ao
respeito a tais princípios, o raciocínio lógico-jurídico é acompanhado pelos
polêmicos e acalorados debates, notadamente nos casos em que colocados em
confronto o princípio da legalidade e o da função social da propriedade.
A doutrina em relação ao tema é vasta, sendo certo que cada autor adota um
critério particular de classificação. Partindo-se da premissa de que a legislação
brasileira apresenta-se permeada de princípios jurídicos aplicáveis ao Direito
Agrário, o presente livro tomará como ponto de partida a Constituição Federal e a
Lei número 4.504, de 30 de novembro de 1964 – Estatuto da Terra, conforme se
verá a seguir:
Princípio da Função Social da Propriedade: esse princípio visa promover a
justiça social, bem como incentivar a utilização mais adequada da
propriedade com vista no desenvolvimento da nação. Esse princípio
está intimamente ligado a outro princípio consagrado no ordenamento
jurídico atual, qual seja, o da Prevalência do Interesse Coletivo em
Relação ao Individual. Conforme, Raymundo Laranjeira371
, o presente
princípio irradia o próprio fundamento do Direito Agrário, sustentando
ainda que seja dele que se perfazem todas as implicações
socioeconômicas que cimentam o ordenamento jurídico agrário. Por
sua relevância, o princípio da Prevalência do Interesse Coletivo em
Relação ao Individual será abordado em tópico apartado;
127
Princípio da Reformulação da Estrutura Fundiária: nesse Princípio
encontra-se amparada a idéia de reformulação constante do
ordenamento Agrário e, conseqüentemente, de toda a cadeia produtiva
envolvida;
Princípio do Progresso Econômico e Social do Rurícola: previsto na
legislação nos artigo 2º, parágrafo 1º e alínea "a" do artigo 16, da Lei
número 4.504, de 30 de novembro de 1964 – Estatuto da Terra, esse
princípio visa garantir ao homem do campo a justiça social,
proporcionando-lhe evolução socioeconômica de forma a acompanhar
o eixo evolutivo da sociedade;
Princípios da Justiça SocialXXXIII
e do Aumento da Produtividade: tais
Princípios estão preconizados nos artigos 1º, parágrafos 1º e 18, do
Estatuto da Terra. A inclusão, no presente livro, desses dois princípios
em um só tópico justifica-se pela necessária análise de ambos sob o
prisma da desapropriação por interesse social, que é o instrumento do
Estado para a realização da Reforma Agrária. Portanto, ao se falar
nesses princípios, refere-se às reformas na base política agrária que
visam, em tese, melhorar a condição de vida do homem e aumentar a
produção da terra;
Princípio da Prevalência do Interesse Coletivo Sobre o Individual: mesmo não sendo o presente princípio exclusivo do Direito Agrário,
entendeu-se por oportuno elencá-lo no presente rol, tendo em vista que
orienta a aplicação das normas de Direito Agrário. Esse princípio
prescreve a regra de que os interesses da coletividade sobrepõem-se
aos individuais;
Princípio da Preservação do Meio Ambiente: por meio desse princípio
busca-se alinhavar o desenvolvimento da agricultura com a
preservação do meio ambiente. Esse princípio recebeu, inclusive, um
XXXIII André Franco Montoro, Introdução à Ciência do Direito – 24. ed. – São Paulo: RT, 1997, p. 213/215, em termos de conceituação da Justiça Social observa que: como as demais espécies de justiças, a social é,
também, virtude que consiste em dar a „outrem‟ o que lhe é „devido‟, segundo uma „igualdade‟, entretanto,
em observância as suas particularidades preconiza que a relação permeada de justiça social, terá de um lado
os particulares ou membros da sociedade como devedores e de outro a sociedade como credora, sendo devida
a realização do bem comum, ou seja a contribuição de cada membro da sociedade para sua realização,
orientados pela natureza proporcional ou relativa, máxima da igualdade. Deste modo, ainda em termos de
definição do conceito de Justiça Social em face à realidade vigente, assevera o Autor, com fulcro nas idéias de
P. J. Henrique in "A justiça social", em A ordem, Revista de Cultura, Rio, n. 10 e 11, 1945, p. 322 que o nome
„justiça social‟ que tem prevalecido entre os autores atuais, indica melhor o sentido anti-individualista e
renovador dessa virtude no mundo moderno. Com razão, observou P. J. Henrique: „em certas épocas
tranqüilas e ordeiras é normal que se acentue o aspecto da observância da „lei‟, mas em tempos de crise e transformações profundas o natural é que se fale, de preferência, nas exigências do bem comum e da „justiça
social‟. Nesse sentido, conclui: „a substituição do nome „justiça legal‟ por „justiça social‟ é convenientíssima.
O nome da justiça legal servia, sim, mas em nossos tempos serve melhor o de justiça social; este exprime
para nós, que vivemos em tempo de „questões sociais‟, muito melhor a verdadeira natureza dessa virtude.
128
capítulo próprio na Constituição Federal, denominado: Do Meio
Ambiente – Título VIII, Capítulo VI, da Constituição Federal; e,
Princípio da Legalidade: é o princípio que atrela os direitos e deveres dos
cidadãos à Lei, determinando que alguém somente seja obrigado a
fazer algo quando a Lei assim dispuser. Ao mesmo tempo em que
regula as obrigações do indivíduo, impede o abuso por parte da
administração pública. Esse princípio é de tanta relevância, que vem
expresso na Constituição Federal, no artigo 5º, inciso II e no artigo 37.
2.2. Institutos de Direito Agrário
O estudo de um novo ramo do Direito, freqüentemente, exige uma análise
introdutória de alguns termos peculiares que, por sua especialidade, merecem
conceituação adequada. No Direito Agrário, algumas expressões têm conotação
própria – distinta daquelas usualmente adotadas – ou, pelo menos, são enfocadas
diferentemente na atividade agrícola, advindo da própria atividade muitos dos
institutos jurídicos de Direito Agrário.
Os Institutos de Direito Agrário também são denominados de Institutos
Jurídicos Básicos de Direito Agrário e é a esses Institutos que nos referiremos,
doravante, com o intuito de introduzir o leitor na exegese científica desse ramo do
ordenamento jurídico brasileiro.
2.2.1. Imóvel Rural
Conforme a exegese do Direito Civil, bens imóveis são aqueles que não se
podem transportar, sem destruição, de um lugar para outro, ou seja, são os que não
podem ser removidos sem alteração de sua substância372
. O artigo 79, do Código
Civil, por seu turno, classifica como imóvel o solo e tudo a que lhe incorporar
natural ou artificialmente.
No que se refere à definição de Imóvel Rural, não há uma unanimidade sobre
o critério que deve ser utilizado para diferenciar um Imóvel Rural de um Imóvel
Urbano. A distinção entre Imóvel Rural e Urbano utiliza, predominantemente, o
critério da destinação, segundo o qual: a) Imóvel Urbano é o utilizado para moradia,
comércio ou indústria; e, b) Imóvel Rural é o utilizado para agricultura ou
reflorestamento ou pecuária.
Por outro lado, um critério que pode ser usado, paralelamente, para a
diferenciação do Imóvel Rural do urbano, baseia-se em sua localização geográfica.
Nesse caso, depreende-se que: a) Imóvel Urbano é o imóvel localizado dentro do
perímetro urbano e, então, tributado de acordo com as normas do Imposto Predial e
Territorial Urbano – IPTU; e, b) Imóvel Rural é o imóvel localizado fora da zona
129
urbana e, então, tributado de acordo com as normas do Imposto sobre a Propriedade
Territorial Rural – ITR.
A divergência sobre o critério que deve prevalecer para qualificação do
imóvel como rural ou urbano tem lugar na própria legislação nacional, que por vezes
utiliza o critério da destinação e, por vezes, o critério da localização geográfica.
O Decreto número 55.891, de 31 de março de 1965, no artigo 5º, e, o Estatuto
da Terra estabeleceram o critério da destinação para a classificação dos imóveis
rurais. Nesse sentido, disciplina o Estatuto da Terra, Lei número 4.504, de 30 de
novembro de 1964, no seu artigo 4º, inciso I, que Imóvel Rural é todo aquele prédio
rústico com área contínua, com qualquer localização, que se destine à exploração
extrativa agrícola, pecuária ou agroindustrial, quer através de planos públicos de
valorização, quer através de iniciativa privada.
2.2.2. Módulo Rural
Módulo Rural é a unidade dimensional fundamental de terra, expressa em
hectaresXXXIV
, e que constitui a dimensão mínima de terra necessária para garantir a
subsistência essencial de uma família constituída por quatro pessoas. Assim, em
muitos casos, o Módulo Rural confunde-se com a Propriedade Familiar.
A fixação do tamanho do Módulo Rural não segue um padrão fixo, pois
dependerá da região onde está localizado o Imóvel Rural e da forma de sua
exploração, conforme disposição do artigo 5º, do Estatuto da Terra. O Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA é o órgão responsável pela
criação e definição dessas regiões. Atualmente, existem aproximadamente 242
regiões reguladas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária –
INCRA, classificadas em aproximadamente 1.200 tipos de Módulos Rurais, visto
que a quantificação do Módulo Rural também varia conforme as atividades
desenvolvidas no Imóvel.
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, por
intermédio da Instrução Especial número 50, de 26 de agosto de 1997, aprovada pela
Portaria número 36, de 26 de agosto de 1997, do antigo Ministério Extraordinário de
Política Fundiária, passou a definir as Zonas Típicas de Módulo – ZTM. Estas, por
seu turno, referem-se a regiões delimitadas com características ecológicas e
econômicas homogêneas, baseadas na divisão microrregional do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística – IBGE. Tais Microrregiões Geográficas – MRG são
definidas, considerando as influências demográficas e econômicas de grandes
centros urbanos.
Ademais, na mesma linha da Constituição Federal, em que a propriedade
deve atender aos aspectos sociais e econômicos determinados pelo princípio da
XXXIV Hectare: unidade de medida de superfície, área, equivalente a 10.000 metros quadrados.
130
Função Social da Propriedade, o Estatuto da Terra, no artigo 65XXXV
, proíbe a
divisão de Imóveis Rurais em áreas menores que um Módulo Rural. Esse dispositivo
tem o objetivo de evitar o surgimento de propriedades de tamanho tão reduzido que
não conseguiriam prover o sustento de seu proprietário e de sua família. A
indivisibilidade do Módulo Rural também ocorre por motivos ecológicos conforme
observaremos do capítulo referente ao Direito Ambiental no âmbito Agrário.
A mesma orientação legislativa é empregada no Decreto número 62.504, de
08 de abril de 1968, qual seja, a de evitar a proliferação de minifúndios que
inviabilizem o cumprimento da função social pela propriedade rural. O artigo
2ºXXXVI
, do mesmo Decreto dispôs sobre a possibilidade do desmembramento do
Imóvel Rural em áreas menores do que a fixada para o Módulo Rural somente nos
casos de construção de obras de utilidade pública destinadas ao desenvolvimento do
meio rural. Tais obras devem, comprovadamente, se destinar a uma das finalidades
dispostas no referido Decreto.
Por sua vez, a Lei número 5.868, de 12 de dezembro de 1972, em seu artigo
8ºXXXVII
, cria o instituto da Fração Mínima de Parcelamento – FMP, também em
XXXV Art. 65. O imóvel rural não é divisível em áreas de dimensão inferior à constitutiva do módulo de
propriedade rural.
(...) XXXVI Art. 2º Os desmembramentos de imóvel rural que visem a constituir unidades com destinação diversa
daquela referida no inciso I do Artigo 4º da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, não estão sujeitos às
disposições do Art. 65 da mesma lei e do Art. 11 do Decreto-lei nº 57, de 18 de novembro de 1966, desde
que, comprovadamente, se destinem a um dos seguintes fins: I - Desmembramentos decorrentes de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, na forma
prevista no Artigo 390, do Código Civil Brasileiro, e legislação complementar.
II - Desmembramentos de iniciativa particular que visem a atender interesses de Ordem Pública na zona
rural, tais como:
a) Os destinados a instalação de estabelecimentos comerciais, quais sejam:
1 - postos de abastecimento de combustível, oficinas mecânicas, garagens e similares;
2 - lojas, armazéns, restaurantes, hotéis e similares;
3 - silos, depósitos e similares.
b) os destinados a fins industriais, quais sejam:
1 - barragens, represas ou açudes;
2 - oleodutos, aquedutos, estações elevatórias, estações de tratamento de água, instalações produtoras e de
transmissão de energia elétrica, instalações transmissoras de rádio, de televisão e similares; 3 - extrações de minerais metálicos ou não e similares;
4 - instalação de indústrias em geral.
c) os destinados à instalação de serviços comunitários na zona rural quais sejam:
1 - portos marítimos, fluviais ou lacustres, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias e similares;
2 - colégios, asilos, educandários, patronatos, centros de educação física e similares;
3 - centros culturais, sociais, recreativos, assistenciais e similares;
4 - postos de saúde, ambulatórios, sanatórios, hospitais, creches e similares;
5 - igrejas, templos e capelas de qualquer culto reconhecido, cemitérios ou campos santos e similares;
6 - conventos, mosteiros ou organizações similares de ordens religiosas reconhecidas;
7 - Áreas de recreação pública, cinemas, teatros e similares. XXXVII Art. 8º Para fins de transmissão, a qualquer título, na forma do artigo 65, da Lei nº 4.504, de 30 de
novembro de 1964, nenhum imóvel rural poderá ser desmembrado ou dividido em área de tamanho inferior
à do módulo calculado para o imóvel ou da fração mínima de parcelamento fixada no § 1º deste artigo,
prevalecendo a de menor área.
131
regulamentação do artigo 65, do Estatuto da Terra. A Fração Mínima de
Parcelamento trata-se da área mínima fixada para desmembramento e constituição
de um novo Imóvel Rural. Ela corresponderá sempre à menor área entre o Módulo
Rural e a fração mínima estabelecida para o município. Assim, quando o Módulo
Rural do imóvel for menor do que a fração mínima do município, esse imóvel não
poderá ser desmembrado.
A Lei número 11.446, de 05 de janeiro de 2007, que alterou parcialmente
Estatuto da Terra, dispõe sobre parcelamentos de imóveis rurais destinados à
agricultura familiar, promovidos pelo Poder Público. A alteração realizada pela nova
legislação, que acrescentou os parágrafos 5º e 6º, ao artigo 65, do Estatuto da
TerraXXXVIII
, abre uma nova exceção, não se aplicando a dimensão do Módulo Rural
nos casos de programas oficiais de apoio à atividade agrícola alimentar. Esses
imóveis serão indivisíveis.
Por fim, no tocante ao procedimento necessário ao parcelamento da
propriedade rural para fins urbanos e para fins agrícolas, deverão ser observadas as
formalidades contidas na Instrução do Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária – INCRA, número 17-B, de 22 de dezembro de 1980.
2.2.3. Módulo Fiscal
O Módulo Fiscal foi instituído pelo Decreto número 84.685, de 06 de maio de
1980, que regulamentou a Lei número 6.746, de 10 de dezembro de 1979 e que deu
nova redação ao artigo 50, do Estatuto da Terra. Trata-se de uma variação do
Módulo Rural, sendo uma medida estabelecida, em hectares, para cada município,
§ 1º A fração mínima de parcelamento será:
a) o módulo correspondente à exploração hortigranjeira das respectivas zonas típicas, para os Municípios
das capitais dos Estados;
b) o módulo correspondente às culturas permanentes para os demais Municípios situados nas zonas típicas
A, B e C;
c) o módulo correspondente à pecuária para os demais Municípios situados na zona típica D.
§ 2º Em Instrução Especial aprovada pelo Ministro da Agricultura, o INCRA poderá estender a outros Municípios, no todo ou em parte, cujas condições demográficas e sócio-econômicas o aconselhem, fração
mínima de parcelamento prevista para as capitais dos Estados.
§ 3º São considerados nulos e de nenhum efeito quaisquer atos que infrinjam o disposto no presente artigo,
não podendo os Cartórios de Notas lavrar escrituras dessas áreas nem serem tais atos transcritos nos
Cartórios de Registro de Imóveis, sob pena de responsabilidade de seus respectivos titulares.
§ 4º O disposto neste artigo não se aplica aos casos em que a alienação da área se destine
comprovadamente a sua anexação ao prédio rústico, confrontante, desde que o imóvel do qual se
desmembre permaneça com área igual ou superior à fração mínima do parcelamento.
§ 5º O disposto neste artigo aplica-se também às transações celebradas até esta data e ainda não
registradas em Cartório, desde que se enquadrem nas condições e requisitos ora estabelecidos. XXXVIII § 5º Não se aplica o disposto no caput deste artigo aos parcelamentos de imóveis rurais em dimensão
inferior à do módulo, fixada pelo órgão fundiário federal, quando promovidos pelo Poder Público, em programas oficiais de apoio à atividade agrícola familiar, cujos beneficiários sejam agricultores que não
possuam outro imóvel rural ou urbano.
§ 6º Nenhum imóvel rural adquirido na forma do § 5º deste artigo poderá ser desmembrado ou dividido.
132
com o objetivo de delimitar uma área mediana dos Módulos Rurais do município.
Diferencia-se, portanto, do Módulo Rural, que fixa uma medida específica para cada
Imóvel Rural em separado.
A criação do Módulo Fiscal deu-se com objetivos fiscais, especificamente
para apuração do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR. Porém, tal
função foi abandonada quando o cálculo desse imposto passou a ser feito com base
em hectares.
No entanto, a utilização do conceito de Módulo Fiscal subsiste ainda hoje,
uma vez que esse Módulo serve de parâmetro para a classificação do Imóvel Rural
conforme seu tamanho, fixando critérios para a propriedade mínima e máxima, na
forma da Lei número 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, a qual regula as disposições
constitucionais relativas à Reforma Agrária. Além disso, a quantificação do Módulo
Fiscal também é utilizada para determinar os agricultores que serão beneficiados
pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF, nos
termos do artigo 3º, inciso I, da Lei número 11.326, de 24 de julho de 2006.
2.2.4. Espécies de Imóveis Rurais
Diversos critérios foram estabelecidos no ordenamento pátrio para a
classificação dos imóveis rurais.
Inicialmente, veja-se que o Estatuto da Terra estabelece a seguinte
classificações: XXXIX
a) propriedade familiar; b) empresa rural; c) minifúndio; e, d)
latifúndio. Como visto anteriormente, o mesmo diploma legal criou o conceito de
Módulo Rural, que se confunde com as características da propriedade familiar.
Nesse sentido, veja-se o que assevera Benedito Ferreira Marques373
, professor de
Direito Agrário, na Universidade Federal de Goiás – UFG, a esse respeito: (...) Antes
da promulgação da Carta Magna, os imóveis rurais eram classificados em
Propriedade Familiar, Minifúndio, Latifúndio (por extensão e por exploração) e
Empresa Rural, conforme o art. 4 º do Estatuto da Terra (...) Desunia-se, do texto
transcrito, que a área do imóvel rural classificado como Propriedade Familiar era,
induvidosamente, a de um módulo rural, outro instituto jurídico agrário criado pelo
Estatuto da Terra (art. 4º, III) aliás com redação pouco técnica.
Já a Constituição Federal de 1988, classificou como insuscetíveis de
desapropriação para fins de Reforma Agrária os seguintes imóveis rurais: a) pequena
propriedade; b) média propriedade; e, c) propriedade produtiva, conforme artigo
185XL
.
XXXIX Os tipos de Imóvel Rural citados serão estudados em tópicos específicos. XL Art. 185. São insusceptíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:
I – a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua
outra;
II – a propriedade produtiva.
133
Por último, a Lei número 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, que regulamenta
a norma constitucional supramencionada, define pequena e média propriedade a
partir de outro instituto de Direito Agrário, o Módulo Fiscal, instituído pelo Decreto
número 84.685, de 06 de maio de 1980.
Dessa forma, doutrinadores discutem se o conceito de propriedade familiar
foi extintoXLI
. Em relação a essa questão, o professor Benedito Ferreira Marques374
posiciona-se da seguinte maneira: A meu pensar, a Propriedade Familiar não foi
banida da classificação de imóveis rurais e vai conviver com a Pequena
Propriedade. E, nesse raciocínio, o referido doutrinador conclui que a nova
classificação de imóvel rural ficou assim: a) Minifúndio; b) Propriedade Familiar;
c) Pequena Propriedade; d) Média Propriedade; e) Latifúndio (por dimensão e por
exploração); e, f) Empresa Rural375
.
Verificada a complexidade envolvida na classificação dos imóveis rurais
passaremos agora ao estudo de cada um dos referidos tipos de imóvel expostos
acima.
2.2.4.1. Propriedade Familiar
O Estatuto da Terra define Propriedade Familiar como sendo o Imóvel Rural
que é explorado direta e pessoalmente pelo proprietário-agricultor e sua família,
absorvendo toda a sua capacidade de trabalho e, com isso, dando-lhes a subsistência
e o progresso socioeconômico. Conforme disciplina o Estatuto da Terra, a
Propriedade Familiar terá o tamanho de um Módulo Rural.
Diferentemente das outras espécies de imóveis rurais, na Propriedade
Familiar, mão-de-obra suplementar somente poderá ser contratada em caráter
eventual, por exemplo, para auxiliar em plantios ou colheitas, desde que,
efetivamente, caracterizada tal necessidade.
Existem divergências doutrinarias quanto ao local de moradia da família que
cultiva a Propriedade Familiar: é necessário que a família resida na Propriedade
Familiar? Predomina o entendimento de que há tal necessidade. Esse conceito, no
entanto, é relativo já que os recursos mínimos necessários à vida contemporânea,
muitas vezes, não estão disponíveis no meio rural, principalmente quanto a questões
de abastecimento de água potável e instituições de ensino, o que em alguns casos
torna impossível que a família mantenha residência na sua Propriedade.
XLI Conforme MARQUES, Benedito Ferreira. Ob cit. p. 260: (...) a Propriedade Familiar foi abolida do
contexto classificatório do imóvel rural, subsumindo-se no conceito de „Pequena Propriedade‟?
134
2.2.4.2. Empresa Rural
Segundo o professor Rubens Requião, empresas são organismos econômicos
que se concretizam da organização dos fatores de produção e que se propõem a
satisfação das necessidades alheias, e, mais precisamente, das exigências de
mercado geral.376
A empresa não se confunde com a pessoa do empresário, pois
este é, tão-somente quem dirige aquela, ou seja, o empresário é quem define as
diretrizes que serão aplicadas à atividade mercantil. Dessa forma, define-se
doutrinariamente empresário como (...) a pessoa que toma a iniciativa de organizar
uma atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços377
.
Quanto à empresa rural, sua definição está prescrita no artigo 4º, inciso VI, do
Estatuto da TerraXLII
. Trata-se de empresa que tem infra-estrutura capaz de
proporcionar a exploração do Imóvel Rural, por meio da organização das atividades
econômicas como: plantação de vegetais destinadas a alimentos, fonte energética
ou matéria-prima (agricultura, reflorestamento), a criação de animais para abate,
competição ou lazer (pecuária, suinocultura, granja, eqüinocultura) e o
extrativismo vegetal (corte de árvores), animal (caça, pesca) e mineral
(mineradoras, garimpo)378
.
É importante observar, também, que não se deve confundir o empresário rural
com o proprietário da terra. Isso porque o Empresa Rural é a atividade agrícola
organizada que visa ao lucro. O responsável pela organização da referida atividade,
ou seja, é o empresário rural, que não é necessariamente o dono do imóvel rurícola.
Nesses casos, é necessário que se firme contrato entre o dono do fator de produção,
o Imóvel Rural, e o responsável pela atividade rural que será desempenhada. O
contrato de arrendamento é exemplo do que foi dito, pois nesse caso, para que o
empreendimento se desenvolva, é mister que haja acordo firmado entre o
responsável pela organização da atividade e o dono da terra.
Ao empresário agrário é conferida a faculdade de inscrever-se no Registro
Público de Empresas Mercantis. Veja-se que não se trata de obrigatoriedade, mas de
opção conferida a tal tipo de empresário, já que a atividade que este coordena exige
menor formalidadeXLIII
.
Há certa divergência doutrinária quando se trata de diferenciar a empresa
rural da propriedade familiar produtiva. Alguns doutrinadores admitem a
XLII Art. 4º Para os efeitos desta Lei, definem-se:
(...) VI. "Empresa Rural" é o empreendimento de pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que „explore econômica e racionalmente imóvel rural, dentro de condição de rendimento econômico ...Vetado... da
região em que se situe e que explore área mínima agricultável do imóvel segundo padrões fixados, pública
e previamente, pelo Poder Executivo. Para esse fim, equiparam-se às áreas cultivadas, as pastagens, as
matas naturais e artificiais e as áreas ocupadas com benfeitorias; XLIII Art. 971. O empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode, observadas as
formalidades de que tratam o art. 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no Registro Público de
Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os
efeitos, ao empresário sujeito a registro. Código Civil, Lei número 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
135
possibilidade da propriedade familiar como sendo uma espécie de empresa rural,
desde que a primeira garanta a subsistência e o desenvolvimento econômico do
agricultor, bem como de sua família379
.
Outra vertente da doutrina agrária acredita que não é possível conceituar a
propriedade familiar como empresa rural porque não tem condição de rendimento
econômico estabelecido para a região em que se situa. Além disso, a área que o
forma já é a mínima permitida pela lei para que a cultive, direta e pessoalmente, o
agricultor e sua família, garantindo-lhes apenas a subsistência e com um excesso de
produção que lhes garanta o progresso social e econômica380
.
Ainda nessa toada, é relevante notar o posicionamento do especialista Paulo
Torminn Borges381
, o qual descarta qualquer hipótese de se caracterizar a
propriedade familiar como empresa rural. Para o ilustre doutrinador, a empresa
agrária consiste em unidade de produção sistematizada com fim econômico. Sendo
que, segundo o referido especialista, a propriedade familiar se restringe à produção
que supre tão somente a demanda do trabalhador do campo e de sua família.
Ante o exposto, pode-se perceber que a empresa rural tem o objetivo de
produzir bens ou serviços dentro do âmbito rural, com o intuito de obter lucro, ao
contrário da propriedade cuja produção atende apenas a demanda de subsistência de
poucas pessoas.
2.2.4.3. Minifúndio
O Estatuto da Terra define Minifúndio como o Imóvel Rural com área menor
que a Propriedade Familiar, ou seja, menor que um Módulo Rural. O Minifúndio é
reputado como impossibilitado de cumprir a Função Social, pois o cultivo dessa área
não seria capaz de garantir a subsistência de uma família.
A criação e a manutenção de Minifúndios são repelidas pela legislação, pois
sua existência é antieconômica, o que impossibilita a elevação da qualidade de vida
do seu proprietário. Com a proibição do parcelamento da propriedade em extensão
menor que um Módulo Rural se pretende evitar a criação de novos Minifúndios em
nosso país.
2.2.4.4. Latifúndio
Latifúndio é a nomenclatura atribuída a grandes extensões de terra que não
são cultivadas, ou que são cultivadas de forma precária, deficiente, com tecnologias
arcaicas que proporcionam baixa produtividade.
Portanto, de acordo com o Estatuto da Terra, o latifúndio subdivide-se em
duas modalidades: a) o latifúndio por extensão, ou seja, aquele em que a área do
Imóvel Rural extrapola os limites dimensionais estabelecidos em Lei; e, b) o
136
latifúndio por exploração, ou seja, aquele em que não ocorre exploração ou
exploração inadequada de área maior ou igual a um Módulo Rural.
2.2.4.5. Pequena Propriedade
A Constituição Federal vedou, no artigo 185, a desapropriação de Pequenas
Propriedades para fins de Reforma Agrária. Porém, foi a Lei número 8.629, de 25 de
fevereiro de 1993, no artigo 4º, inciso II, que estabeleceu a regra para definição do
que é considerada uma pequena propriedade rural.
Qualifica-se como Pequena Propriedade Rural o imóvel que possua área entre
1 e 4 módulos fiscais. Cumpre salientar que tal propriedade somente não poderá ser
desapropriada caso o proprietário não possua outra propriedade rural.
Nesse sentido, é oportuno ressaltar os ensinamentos de Roberto Senize
Lisboa, especialista em Direito Agrário: (...) Equivale a dizer que o proprietário
pode ter quantas propriedades urbanas quiser. Tendo uma só rural, esta é
insuscetível de desapropriação.382
2.2.4.6. Média Propriedade
Assim como a Pequena Propriedade, a Média Propriedade Rural não poderá
ser desapropriada para o fim de Reforma Agrária, conforme o artigo 185, da
Constituição Federal, desde que seja o único Imóvel Rural do proprietário.
Segundo a definição da Lei número 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, artigo
4º, inciso III, é considerada Média Propriedade aquela que compreende área superior
a 4 e inferior a 15 módulos fiscais.
2.2.4.7. Propriedade Produtiva
É considerada Propriedade Produtiva aquela explorada econômica e
racionalmente, na qual se obtêm, simultaneamente, graus de utilização e eficiência
fixados pelo órgão federal competente, nos termos do artigo 6º, da Lei número
8.629, de 25 de fevereiro de 1993.
Atualmente o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA
é o órgão competente para aferir a produtividade dos imóveis rurais no Brasil. Para
tanto, foram criados, os índices GUT – Grau de Utilização da Terra e GEE – Grau
de Eficiência na Exploração da Terra – GEE, estabelecidos pela Instrução
Normativa número 11, de 03 de abril de 2003, do INCRA.
O GUT é obtido da relação percentual entre a área efetivamente utilizada e a
área aproveitável, explorável, total do imóvel. Ou seja, divide-se a área utilizável
137
pela área aproveitada. O resultado é então multiplicado, por 100, que corresponderá
a uma porcentagem que será o GUT.
Já o GEE deriva de, um cálculo conforme a cultura realizada no imóvel:
a) quando se tratar de produtos vegetais divide-se a quantidade colhida de
cada produto pelos respectivos índices de rendimento estabelecidos
pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA;
b) quando se tratar de exploração pecuária divide-se o número total de
Unidades Animais – UA do rebanho pelo índice de lotação animal
estabelecido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária – INCRA; e,
c) quando ambas as culturas forem mantidas na propriedade deve-se
somar os resultados obtidos e dividi-los pela área efetivamente
utilizada. Se somente uma das culturas for desenvolvida, será
diretamente dividido o resultado obtido no cálculo especificado acima,
pela área efetivamente utilizada. Em seguida, em qualquer dos casos, o
resultado da divisão será multiplicado por 100, chegando-se ao
percentual do GEE.
2.2.5. Parceleiro
O Estatuto da Terra define o parceleiro como sendo aquela pessoa que venha
a adquirir lotes ou parcelas de terras destinadas à reforma agrária ou à colonização
de terras públicas ou privadas. Costumeiramente, o Parceleiro é conhecido como o
assentado ou como o colono beneficiado pelos programas de reforma agrária
promovidos pelo INCRA.
2.2.6. Cooperativa Integral de Reforma Agrária
Este é mais um termo empregado especificamente no tocante ao assunto
Reforma Agrária. A chamada Cooperativa Integral de Reforma Agrária – CIRA – é
uma sociedade cooperativa mista, pois, temporariamente, contará com contribuição
financeira e técnica do poder público, a qual possui natureza civil e cujo objetivo é
industrializar, beneficiar, preparar e padronizar a produção agropecuária nacional.
Com a criação dessa Cooperativa o Estado visa fornecer meios para que a
produção seja possível mesmo em locais não muito propícios, onde a subsistência
apenas com o trabalho dos parceleiros não seria possível. Quando o empreendimento
resultante da Reforma Agrária tiver condições de subsistência autônoma, cessará a
participação da Cooperativa Integral de Reforma Agrária.
138
2.2.7. Colonização
Colonização pode ser qualificada como toda a atividade oficial ou particular,
promovida com o fim de obter aproveitamento econômico da terra, através de sua
divisão em propriedades familiares ou através de cooperativas.
Toda a colonização deve ser feita conforme um plano aprovado para esse fim,
no qual deve constar o planejamento para sua execução, além de prever a origem
dos recursos técnicos e materiais, necessários para sua implantação.
2.2.8. Zoneamento
O Zoneamento foi instituído através do artigo 43 do Estatuto da Terra, que
estabeleceu a divisão do território nacional em zonas homogêneas quanto às suas
características de solo, clima e vegetação. A partir do zoneamento, são definidas as
diretrizes de política agrícola.
2.2.9. Política Agrícola
No artigo 187, a Constituição Federal prevê a existência de uma política
agrícola, que seria planejada e executada nos termos da Lei, contando com a
participação do setor de produção, dos produtores e dos Trabalhadores Rurais, bem
como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transporte.
Ainda, segundo a Constituição Federal, a política agrícola deva considerar,
principalmente: a) os instrumentos para o crédito rural e para o pagamento dos
tributos do setor; b) os preços compatíveis com os custos de produção e a garantia
de comercialização; c) o incentivo à pesquisa e à tecnologia; d) a assistência técnica
e a extensão rural; e) o seguro agrícola; f) o cooperativismo; g) a eletrificação rural e
a irrigação; e, h) a habitação para o Trabalhador Rural.
Hoje o Conselho Nacional de Política Agrícola – CNPA, vinculado ao
Ministério da Agricultura e Reforma Agrária, nos termos do artigo 5ª, da Lei
número 8.191, de 17 de janeiro de 1991, é o órgão competente para regular a política
agrícola nacional, portanto, por meio desse Conselho, o Estado deverá atentar para
as necessidades da classe agrícola nacional, respeitando, principalmente, os aspectos
já relacionados na Constituição Federal.
A principal norma que regula a Política Agrícola é a Lei número 8.191, de 17
de janeiro de 1991, que dispõe detalhadamente sobre a Política Agrícola nacional.
Porém, os efetivos planos de safra e planos plurianuais são elaborados pela União,
pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios.
Em razão da pluralidade das necessidades do setor agrícola, existem ainda
diversos regulamentos para atender a necessidades específicas do setor, os quais
também são atualizados periodicamente.
139
2.2.10. Cadastro Rural
O cadastro das propriedades rurais já é feito desde a idade média, sendo a
prática aprimorada pelos italianos e espanhóis. Existem registros de que o Cadastro
Rural tenha sido utilizado também pelos egípcios e pelos romanos, com a precípua
finalidade de obtenção de informações de natureza agrária, imobiliária e tributária.
O modelo de Cadastro Rural brasileiro foi desenvolvido com base no utilizado, no
século XIX, na Itália.
A importância do Cadastro Rural está na necessidade do Estado ter
informações sobre os imóveis rurais, especialmente sobre a propriedade e a posse
destes, bem como informações de ordem social, econômica e fiscal. Assim, munido
das informações contidas no Cadastro Rural, o governo detém melhores condições
de desenvolver suas políticas agrícolas.
O Cadastro Rural está previsto no artigo 46 do Estatuto da Terra, mas a sua
regulamentação é feita por meio do Decreto número 55.891, de 31 de março de
1965. Em adição, ainda disciplinam o assunto a Lei 5.868, de 12 de dezembro de
1972, alterada pela Lei 10.267, de 28 de agosto de 2001.
A Legislação brasileira divide o Cadastro Rural em subcadastros, facilitando
a obtenção de informações, bem como diminuindo as margens de erros nas políticas
agrárias desenvolvidas com base nessas informações. Atualmente o Cadastro Rural
está subdividido em: a) cadastro de imóveis rurais; b) cadastro de proprietários
rurais; c) cadastro de arrendatários e parceiros; d) cadastro de terras públicas; e, e)
cadastro fiscal de imóveis rurais.
Por sua vez, o Estatuto da Terra determina que o Cadastro Rural aborde os
seguintes aspectos:
a) caracterização dos Imóveis Rurais, com a indicação:
i) do proprietário e de sua família;
ii) dos títulos de domínio, da natureza, da posse e da reforma de
administração;
iii) da localização geográfica;
iv) da área com descrição das linhas de divisa e nome dos
respectivos confrontantes;
v) do valor da terra;
vi) do valor das benfeitorias;
vii) do valor dos equipamentos;
viii) do valor das instalações;
140
b) natureza e condições das vias de acesso e respectivas distâncias dos
centros demográficos mais próximos com a população:
i) de até 5.000 habitantes;
ii) de mais de 5.000 a 10.000 habitantes;
iii) de mais de 10.000 a 20.000 habitantes;
iv) de mais de 20.000 a 50.000 habitantes;
v) de mais de 50.000 a 100.000 habitantes;
vi) de mais de 100.000 habitantes; e,
c) condições de exploração e do uso da terra, indicando:
i) percentagens da superfície total em cerrados, matas, pastagens,
glebas de cultivo (especificamente em exploração e inexploradas)
e áreas inaproveitáveis;
ii) tipos de cultivo e de criação; as formas de proteção e
comercialização dos produtos;
iii) sistemas de contrato de trabalho, com discriminação de
arrendatários, parceiros e trabalhadores rurais;
iv) práticas conservadorísticas empregadas e o grau de mecanização;
v) volumes e os índices médios relativos à produção obtida; e,
vi) condições para o beneficiamento dos produtos agropecuários.
Através dos itens acima apontados, o sistema de Cadastro Rural brasileiro,
como delimitado pelo Estatuto da Terra, procura avaliar, detalhadamente, todo o
setor primário, permitindo a estruturação de uma política agrícola eficiente.
Com base nas Leis número 5.172, de 25 de outubro de 1966, e 9.393, de 19
de dezembro de 1996, a Secretária da Receita Federal editou a Instrução Normativa
número 272, de 30 de dezembro de 2002, determinando que todos os imóveis rurais
devem ser cadastrados perante o Cadastro de Imóveis Rurais – CAFIR, administrado
por esta Secretaria. Tal sistema registra as informações sobre o imóvel obtidas
através da Declaração do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR, ou
através da inscrição do imóvel rural. Posteriormente, este cadastro foi
implementado, através da Instrução Normativa número 351, de 5 de agosto de 2003,
também da Secretaria da Receita Federal.
Por outro lado, a publicação da Lei número 10.267, em 28 de agosto de 2001,
criou um novo modelo de cadastro, denominado Cadastro Nacional de Imóveis
Rurais – CNIR, a ser gerenciado conjuntamente pelo Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária – INCRA e pela Secretaria da Receita Federal, com
o objetivo de unificar as informações cadastrais na área federal. A edição desta
legislação significa um avanço na questão do Cadastro Rural, com a ampliação da
141
troca de informações entre diferentes órgãos da administração federal e os
prestadores de serviços de registro de imóveis.
Porém, as determinações desta Lei trouxeram problemas para sua aplicação
prática, uma vez que a realidade cadastral do país ainda é muito heterogênea. Isso é
constatado pelo fato de que passados mais de 5 anos da publicação desta norma,
ainda não foi estruturado o Cadastro Nacional de Imóveis Rurais – CNIR.
Assim, hoje vigem ambos os sistemas de cadastro rural, o Cadastro de
Imóveis Rurais – CAFIR e o Cadastro Nacional de Imóveis Rurais – CNIR, o que
faz com que um imóvel rural tenha que estar cadastrado duas vezes.
2.3. Questão Fundiária Brasileira
Atualmente, muito tem se debatido, em nosso país, sobre os principais
problemas intrinsecamente vinculados com à questão rural, mais especificamente no
que tange o devido aproveitamento do solo e sua melhor e eqüitativa distribuição
entre os brasileiros, principalmente daqueles que dependem diretamente do cultivo
agrícola para subsistência e obtenção de renda para o custeio de necessidades
básicas.
Analisando-se o cenário fundiário nacional, é possível verificar uma sensível
concentração das terras, havendo registros de latifúndios que chegam a medir o
mesmo que o Estado de Sergipe. De outro lado, existe uma grande massa
populacional que detém pequenas propriedades que não conseguem sequer manter
uma família. Tal questão pode ser melhor compreendida quando analisados os dados
disponibilizados pelo próprio Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
– INCRA sobre a estrutura agrária brasileira. Segundo o que foi recentemente
divulgado pelo órgão, existem 4.290.482 imóveis cadastrados no Brasil, os quais
ocupam uma área de 418.454.640,8 hectares. Desse total, os minifúndios
correspondem a 63,8% dos imóveis, ocupando cerca de 9,3% da área total. Por outro
lado, vislumbra-se que 2,6% dos imóveis são latifúndios que ocupam 51,3% da área
total383
.
A notória desproporção ilustrada pelos números citados acima devem-se em
grande parte à falta de incentivos e de investimentos na área agrícola, de políticas
agrícolas eficientes e de metas de aproveitamento e distribuição de solo eficazes.
Por outro lado, a agricultura familiar, o cultivo do pequeno agricultor
juntamente com membros de sua família, para subsistência ou abastecimento de
mercado interno, representa, presentemente, 60% dos alimentos consumidos pela
população, mostrando-se de extrema importância para a economia brasileira. O
Programa Nacional para Agricultura Familiar – Pronaf, criado em 1966, é a
principal forma de financiamento e incentivo ao setor, mas ainda se mostra
insuficiente para suprir toda a crescente demanda.
142
Em razão da relevância do tempo, a seguir serão abordados em maiores
detalhes as questões legais que afetam mais diretamente a questão fundiária
brasileira.
2.3.1. Direito de Propriedade
A Constituição Federal, no artigo 5º caput e incisos XXII e XXIIIXLIV
, ao
tratar dos direitos e deveres individuais e coletivos, garante aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no país o direito à propriedade, também disciplinando que a
propriedade deverá cumprir com sua função social.
O direito de propriedade é um dos pilares de sustentação do sistema capitalista,
garantindo ao homem a manutenção dos frutos obtidos por meio de seu trabalho. O
artigo 524, do Código CivilXLV
confere uma série de prerrogativas aos
proprietários384
, fornecendo uma visão estrutural de seu direito subjetivoXLVI
.
Partindo dos subsídios fornecidos pelo referido texto legal, pode-se conceituar
propriedade como sendo o direito que a pessoa tem de haver, usar e gozar de bens,
de qualquer natureza, suscetíveis de apropriação.
Pontes de Miranda385
, oferece o seguinte conceito do direito de propriedade:
Em sentido amplíssimo, propriedade é o domínio ou qualquer direito
patrimonial. Tal conceito desborda o direito das coisas. O crédito é
propriedade. Em sentido amplo, propriedade é todo direito irradiado em
virtude de ter incidido regra de direito das coisas (...). Em sentido quase
coincidente, é todo direito sôbre as coisas corpóreas e a propriedade
literária, ciêntifica, artística e industrial. Em sentido estritíssimo, é só o
domínio.
Dessa feita, em vista de abranger a apreensão do conceito, devido à
importância que o direito de propriedade irradia na sociedadeXLVII
, anota-se o quanto
asseverado por Massimo Bianca386
que defende que a propriedade reflete uma
posição jurídica de vantagem, que confere ao sujeito a direta tutela de um interesse.
XLIVArt. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXII - é garantido o direito de propriedade;
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; XLV Art. 524. A lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los de
quem quer que injustamente os possua. XLVI O direito subjetivo trata-se da faculdade de agir e exigir aquilo que o ordenamento jurídico atribui a
alguém como próprio, também definido como o poder da pessoa de exigir garantias para a realização de seus
interesses, quando estes se conformam com o interesse social. XLVII Toda a estrutura jurídica do direito das coisas gira em torno do direito de propriedade, que aparece como o mais amplo dos direitos subjetivos, centro do sistema do direito privado. In ARAÚJO, Telga de –
Função Social da Propriedade In FRANÇA, Ruben Limongi (Coord.). Enciclopédia Saraiva do Direito - São
Paulo: Saraiva, 1977, tomo 39, p. 01.
143
Ainda nesse sentido, conforme expressa Francisco Amaral387,
a propriedade
consiste: no instrumento de realização do individualismo jurídico, tanto na vertente
política, o liberalismo, quanto na econômica, o capitalismo.
No tocante a evolução histórica do instituto da propriedade, importante
passagem a ser destacada refere-se às ideologias de legitimação da propriedade da
terra. Na Idade Média, séculos V à XV, essa legitimidade era entendida como dádiva
divina oferecida aos senhores feudais, mas foi transformada em direito humano,
ideologia legitimada racionalmente pela classe dominante, no período das
revoluções liberais do século XVI, a burguesia. Essa transição é de suma
importância para a análise, sendo certo que, após a transformação da propriedade em
direito humano disponível, sujeita-se a terra à venda, compra e arrendamento, assim
como as outras mercadorias. Ao ser colocada no mercado, o valor da terra passa a
ser determinado, entre outras coisas, pela sua capacidade de gerar renda, ou seja,
pelo seu potencial produtivo, sua fertilidade e sua localização. Desse modo, observa-
se o emprego da propriedade como capital, isto é, como fonte de rendas, de novos
capitais.
Devido à sua importância para o desenvolvimento econômico, na busca de
conferir maior segurança e previsibilidade a este instituto, o direito à propriedade foi
durante muito tempo considerado um direito absoluto, representando uma base de
sustentação do conceito de liberalismo puro. Porém, ao longo do século XX, o
declínio do liberalismo econômicoXLVIII
foi o estopim para a criação de legislação
que limitasse a absoluta tutela do direito de propriedade, após extensa luta e pressão
social. Desse modo, a pioneira Constituição de Querétaro, promulgada no México,
em 1917, passa a subordinar o direito de propriedade ao interesse públicoXLIX
. Na
mesma linha foi a Constituição de Weimar, promulgada em 1919 na República
Alemã, cria o conceito de que a propriedade obriga. Deste modo, surgia o conceito
de que a propriedade somente deverá existir se exercer uma função, que beneficie o
bem comum.
Nos dias de hoje, verifica-se no ordenamento jurídico pátrio a coexistência de
duas concepções distintas a respeito de como deve ser exercido o direito de
propriedade, sobretudo quanto às limitações impostas pela função social da
propriedade.
De um lado encontra-se a concepção individualista de propriedade, conquista
das revoluções burguesas e presente no rol dos direitos de primeira geração, que,
XLVIII O liberalismo econômico em meados do séc. XX, trata-se de política econômica regra do capitalismo
nascente e responsável pela geração de índices alarmantes de desigualdade social, devido ao acúmulo de
riquezas nas mãos de seleta classe. XLIX Assim disciplina o Art. 27 da Carta Política: "La Nación tendrá en todo tiempo el derecho de imponer a
la propiedad privada las modalidades que dicte el interés público, así como el de regular, en beneficio social,
el aprovechamiento de los elementos naturales susceptibles de apropiación, con objeto de hacer una
distribución equitativa de la riqueza pública, cuidar de su conservación, lograr el desarrollo equilibrado del
país y el mejoramiento de las condiciones de vida de la población rural y urbana."
144
considerada em sua forma absoluta, é direito inviolável do ser humano, artigo 5°,
inciso XXII da Constituição Federal. Tal concepção fica clara nas lições de Orlando
Gomes388
: O direito real de propriedade é o mais amplo dos direitos reais – „plena
in re potesta‟. Sua conceituação pode ser feita à luz de três critérios: o sintético, o
analítico e o descritivo. Sinteticamente, é de se defini-lo, como Windscheid, como a
submissão de uma coisa, em todas as suas relações, a uma pessoa. Analiticamente,
o direito de usar, fruir e dispor de um bem, e de reavê-lo de quem injustamente o
possua. Descritivamente, o direito complexo, absoluto, perpétuo e exclusivo, pelo
qual uma coisa fica submetida à vontade de uma pessoa, com as limitações da lei.
Em contraste com essa visão absoluta do direito à propriedade, tem-se a
concepção da propriedade como um patrimônio que deva ser utilizado
produtivamente pelo seu dono. Deste modo, com fulcro na legislação pátria,
notadamente pelos artigos 186 e 187 da Constituição Federal, o Estatuto da Terra, a
Lei número 8.629, de 25 de fevereiro de 1993 e, a Lei Complementar número 76, de
06 de julho de 1993, o direito de propriedade da terra é garantido, desde que atenda
a sua função social, ou seja, se a sua utilização for condicionada ao bem-estar
coletivo, tendo em vista que, como asseverado por Eduardo Novoa Monreal389
: .... o
proprietário tem a coisa em nome e com autorização da sociedade, somente
podendo fazer uso das faculdades que sobre ela tem, em forma harmônica com os
interesses dessa mesma sociedade.
O confronto dessas duas concepções, sabidamente é motivo de intermináveis
conflitos no Brasil, posicionando-se de um lado os Movimentos Sociais, que
pleiteiam o cumprimento da função social, e de outro os proprietários das terras,
titulares da coisa e, portanto, com a legitimidade de utilizar-se de mecanismos legais
que asseguram defender a sua relação jurídica. Esse embate de interesses torna a
situação fundiária brasileira deveras complicada, conforme se analisará em tópico
próprio.
2.3.2. Função Social da Propriedade
Pela atual disciplina constitucional, todas as propriedades devem cumprir
com a função social, sejam elas rurais ou urbanas. Isso quer dizer que a propriedade
deve produzir para beneficiar não só o seu de seu dono como a toda sociedade. Ao
analisarmos a Constituição Federal como um sistema, constatamos que os interesses
privados não são superiores aos públicos, sendo a recíproca também verdadeira390
.
Porém, em tese, a necessidade de cumprir com o fim social não significam
uma limitação ao uso da propriedade, mas sim determina a necessidade de
intensificação desse uso, para que o máximo de aproveitamento seja alcançado. Hoje
a propriedade que não cumpre a função social não é garantida, ao contrário, é
passível de eliminação, por meio de desapropriação e quando situada em área rural
deve ser objeto da Reforma Agrária, a fim de que passe ser utilizada por quem, e
princípio, melhor possa aproveitá-la.
145
A função social da propriedade, no âmbito legislativo brasileiro, seguindo a
tradição de que a propriedade estabelece obrigações ao proprietário perante a
sociedade, relaciona-se intimamente com o princípio da supremacia do interesse
coletivo em relação ao individualL.
Em termos filosóficos, assim como asseverado por Eros Roberto Grau,
citando André Piettre, o instituto da função social da propriedade representa a
revanche da Grécia sobre Roma, da filosofia sobre o direito: a concepção romana,
que justifica a propriedade pela origem (família, dote, estabilidade dos
patrimônios), sucumbe diante da concepção aristotélica, finalista, que a justifica
pelo seu fim, seus serviços, sua funçãoLI
.
No sentido de aplicação do mecanismo da função social, Carlos Frederico
Marés, em análise intrínseca do instituto, observa que: Na realidade quem cumpre
uma função social não é a propriedade, que é um conceito, uma abstração, mas a
terra, mesmo quando não alterada antropicamente, e a ação humana ao intervir na
terra, independentemente do título de propriedade que o Direito ou o Estado lhe
outorgue. Por isso a função social é relativa ao bem e ao seu uso, e não ao
direitoLII
.
2.3.2.1. Função Social da Propriedade Rural
Hodiernamente, a propriedade rural é tida como riqueza produtiva vinculada
a uma finalidade. Deste modo, nos termos da legislação, aqueles que detêm deverão
obedecer às suas funções não só em benefício próprio, mas em vista da coletividade.
Nesse sentido, a função social da propriedade rural é lastreada pelo princípio da
justiça social e aperfeiçoada pela utilização mais adequada da propriedade.
A Constituição Federal de 1988, em seu capítulo III – Da Política Agrícola e
Fundiária e da Reforma Agrária, estabelece obrigações em relação à utilização dos
imóveis rurais, visando atender o interesse público sob pena de expropriação para
fins de Reforma Agrária, artigo 184LIII
. A esse respeito, mostra-se oportuno o
comentário de Edna Cardozo Dias391
:
L Assim entende Diógenes Gasparini in Direito Administrativo – 5. ed. ver., atual. e aum. – São Paulo:
Saraiva, 2000, p. 18: No embate entre o interesse público e o particular há de se prevalecer o interesse
público. Esse o grande princípio informativo do Direito público no dizer de José Cretrella Júnior (Tratado,
cit., v. 10, p.39). Com efeito, nem mesmo se pode imaginar que o contrário possa acontecer, isto é, que o interesse de um ou de um grupo possa vingar sobre o interesse de todos. Assim ocorre na desapropriação, na
rescisão por mérito de certo contrato administrativo e na imposição de obrigações aos particulares por ato
unilateral da Administração Pública, a exemplo da servidão administrativa. LI In Função Social da Propriedade (Direito Econômico) In FRANÇA, Ruben Limongi (Coord.). Enciclopédia
Saraiva do Direito – São Paulo: Saraiva, 1977, tomo 39, p. 17. LII In Função Social da Terra – Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 116. LIII Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural
que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos de dívida
agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do
segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. (...)
146
O constituinte não considera que cumpre a função social o imóvel
subutilizado, ou não explorado, podendo ser-lhe infligida sanção de
desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária,
Constituição Federal, artigo 184.
Tais obrigações impostas pelo constituinte corporificam a Função Social da
Propriedade Rural, cujos requisitos estão elencados no artigo 186 da vigente
Constituição Federal, a seguir transcrito:
Artigo 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,
simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em
lei, aos seguintes requisitos:
I – aproveitamento racional e adequado;
II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do
meio ambiente;
III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e trabalhadores.
Note-se que, de acordo com o artigo 186, da Constituição Federal, a
propriedade rural cumpre sua função social quando seus níveis de produção são
satisfatórios, aqueles que nela trabalham vivem em condições dignas de
subsistência; as relações trabalhistas são observadas; há preservação dos recursos
naturais392
. Evidentes, portanto, os aspectos social, econômico e ecológico que
influenciam no exercício do direito de propriedade sobre o imóvel rural. Em razão
de sua relevância, todos esses conceitos serão estudados separadamente adiante.
Por fim, cumpre ressaltar que, além das disposições acima, o tema também é
regulado por normas infraconstitucionais, dentre as quais se destacam o Código
Civil, Lei número 10.406, de 10 de janeiro de 2002, no artigo 1.228, parágrafos
primeiro ao quintoLIV
, e artigo 2º do Estatuto da TerraLV
. Tais normas abordam o
tema de forma consoante com a Constituição Federal.
LIV Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder
de quem qeur que injustamente a possua ou detenha.
Parágrafo 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas
e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a
fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a
poluição do ar e das águas.
Parágrafo 2 º São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam
animados pela intenção de prejudicar outrem.
Parágrafo 3º O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bom como no de requisição, em caso de perigo público iminente.
Parágrafo 4º O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa
área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas
nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse
social e econômico relevante.
147
2.3.2.2. Aproveitamento Racional e Adequado
O primeiro requisito imposto pela Constituição para que uma propriedade
cumpra sua função social é que a mesma seja utilizada racional e adequadamente.
Com esse requisito, pretende-se impor ao proprietário a otimização da produção no
imóvel rural e conjunto com o respeito ao meio ambiente e aos recursos naturais.
Como leciona José Cretella Jr.: a utilização racional do solo é pressuposto do seu
uso adequado, e consiste no conjunto de medidas que levam a maior produtividade
e com qualidade, com encurtamento dos espaços de tempo393
.
O proprietário do imóvel deve dar a destinação correta ao solo, ou seja,
utiliza-la para atividades que sejam compatíveis com suas características. Com isso,
através, aproveitamento racional do solo, o proprietário deve buscar obter o máximo
proveito econômico da propriedade, proporcionando bem estar para o proprietário,
para sua família e seus empregados.
2.3.2.3. Utilização Adequada dos Recursos Naturais e a Preservação
do Meio Ambiente
O doutrinador Pinto Ferreira, em seu manual de Direito Agrário394
, faz uma
oportuna contraposição entre Direito Agrário e Direito Ambiental, demonstrando o
feitio desbravador do ser humano, que inúmeras vezes agride o meio ambiente. Tais
considerações corroboram com o assunto em questão, porque é evidente que os
empreendimentos agrícolas provocam notáveis mudanças no meio ambiente. Por
essa razão, a preservação dos recursos naturais, tornou-se procedimento obrigatório
às atividades econômicas, incluindo as rurais.
Dentro deste contexto, foi criado o conceito de desenvolvimento sustentado,
que consiste na utilização dos recursos naturais de forma consciente e moderada.
Nessa linha, corrobora Luciano de Souza Godoy: A preservação e a conservação
dos recursos naturais não significam a não-utilização da área a ser preservada. A
regra é justamente preservar e conservar utilizando; (...) Dessa forma, o conceito
de desenvolvimento sustentado é o de desenvolvimento com preservação
ambiental395
.
LV Art. 2º. É assegurado a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua
função social, na forma prevista nesta Lei.
Parágrafo 1º A propriedade da terra desempenha integralmente sua função social quando, simultaneamente:
a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como suas
famílias;
b) mantém níveis satisfatório de produtividade;
c) assegura a conservação dos recursos naturais;
d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a
cultivam.
148
Ante o quanto esboçado, nota-se a preocupação de nossos legisladores no que
tange à utilização de recursos naturais de forma racional e conservatória,
objetivando promover a produção agrícola equilibrada a fim de minimizar a
degradação do meio ambiente causada pelas atividades econômicas desenvolvidas
no meio rural.
2.3.2.4. Respeito à Legislação Trabalhista
A função social da propriedade rural tem o escopo de desenvolver o setor
rurícola, seja na otimização de sua produção, seja na matéria afeta ao Direito do
Trabalho relativa a tal setor.
O trabalho, vale dizer, é considerado direito fundamental garantido pela
Constituição, artigo 186, incisos III e IV, representando um dos pressupostos para o
desenvolvimento e a evolução do homem. Almeja o referido artigo afastar a
absurda e inepta prática do trabalho análogo ao de escravo, bem como a
exploração do trabalho do menor. E ainda, objetiva proporcionar condições
adequadas de trabalho e subsistência aos obreiros do campo396
.
2.3.2.5. Favorecimento do Bem-Estar do Proprietário e do
Trabalhador
O aspecto em questão, previsto no artigo 186, inciso IV, da Constituição
Federal, desperta atenção de alguns especialistas do Direito Agrário, visto que a
intenção do legislador neste requisito não está suficientemente clara, uma vez que o
bem-estar do proprietário é situação intrínseca à condição de dono.
Este, justamente em função dessa condição, é quem suporta os custos e os
riscos do empreendimento agrícola. Assim, não é possível falar em exploração que
desfavoreça o dono do imóvel, se este, em razão do insucesso do agronegócio a que
se propôs, sofra as conseqüências do feito. A esse respeito, é importante a
observação de Umberto Machado de Oliveira397
: Este último requisito parece um
pouco obscuro e de difícil constatação (...) se a exploração da propriedade rural
não favorece o bem-estar do proprietário, é porque este não se revelou um
proprietário rural hábil e deve suportar os riscos de seu empreendimento.
Tal dispositivo costuma ser interpretado como uma busca de garantir que o
proprietário seja beneficiado com o poder de exercer seu domínio sobre a terra,
desde que cumpra com seu dever de torná-la produtiva.
Outrossim, é dificultosa a interpretação do referido dispositivo constitucional
em relação aos trabalhadores. Estes, como já estudado, devem ter seus direitos
trabalhistas assegurados, seja por meio de recebimento de uma contraprestação justa
referente à venda da mão-de-obra, seja através de condições mínimas de trabalho.
149
Busca-se dessa forma proporcionar, ao trabalhador rural condições dignas de vida e
trabalho.
2.3.2.6. Das Limitações Constitucionais à Função Social da
Propriedade
Conforme estudado, a função social da propriedade está intimamente
relacionada à busca do atendimento do interesse da coletividade. Referido princípio
tem aplicação direta sobre a Reforma AgráriaLVI
representando, por conseguinte, um
fator determinante para a expropriação de imóveis rurais. Desse modo, verificada a
sua importância, estudar-se-ão os limites definidos no âmbito constitucional.
A Constituição Federal, no artigo 185, inciso I, assegura que não serão
desapropriadas para fins de Reforma Agrária, as pequenas e médias propriedades,
caso o proprietário não possua outro imóvel. Como visto, a atual legislação define
como pequena propriedade rural aquela com área ente 1 e 4 Módulos FiscaisLVII
e,
como média propriedade, aquela que possui área entre 4 e 15 Módulos FiscaisLVIII
.
Na seqüência, o inciso II veda a Reforma Agrária sobre as propriedades
produtivas. A análise do dispositivo constitucional que protege a propriedade
produtiva dá vazão ao entendimento de que qualquer propriedade produtiva está a
salvo de eventual expropriação. Fundamentados nesse argumento, alguns
doutrinadores sustentam que o constituinte preocupou-se em proteger os imóveis
produtivos em relação à expropriação, como forma de incentivar o crescimento da
produtividade rural. Nesse sentido, Lucas Abreu Barroso e Cristiane Lisita Passos
lecionam398
: Além do mais, não seria justo que se desapropriasse propriedade
produtiva que contribui de alguma forma para o progresso da Nação.
Ainda no que tange propriedade produtiva, alguns doutrinadores, utilizando-
se da interpretação acima, partilham do entendimento de que o não- atendimento ou
atendimento precário das relações trabalhistas não enseja expropriação, em sendo o
imóvel produtivo. De acordo com tal teoria, coíbe-se o trabalho escravo e o labor do
menor, mas a desapropriação não seria aplicável. Nessa trilha, Lucas Abreu Barroso
e Cristiane Lisita Passos399
: Embora muitos agraristas entendam que, diante dos
trabalhos forçados ou escravagistas ainda existentes em alguns interiores do Brasil,
deva o INCRA desapropriar o referido imóvel, há que se levar em consideração o
disposto no artigo 185, II, e parágrafo único já comentado.
Da mesma forma, de acordo com certos especialistas, o não- atendimento ao
aspecto ecológico, por si só, também não poderá acarretar desapropriação da
LVI No direito agrário, em particular, a função social da propriedade está erigida em princípio básico de sua construção dogmática. Princípio presente em todas as legislações agrárias modernas, a ponto de Ballarin
afirmar que „este princípio da função social é o fio condutor, o critério fundamental de todas as reformas
agrárias‟. FRANÇA, R. Limongi. Enciclopédia Saraiva do Direito – São Paulo: Saraiva, 1977, p. 9. LVII Nos termos do art. 4º, inciso II, alínea „a‟ da Lei 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. LVIII Nos termos do art. 4º, inciso III, alínea „a‟ da Lei 8.629, de 25 de fevereiro de 1993.
150
propriedade produtiva. Isso porque, segundo tal entendimento, mesmo que haja
transferência da propriedade, não há garantias de que os novos proprietários
atenderão às regras do desenvolvimento sustentado, ou seja, não há certeza de que
serão obedecidas às regras relativas à utilização dos recursos naturais de forma
equilibrada e racional. Nesse sentido, lecionam Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra
da S. Martins: (...) não há nexo lógico entre uma coisa. O que nos garante que
aquele a quem for distribuída a terra não será tão ou mais predador do meio
ambiente que o Senhor originário.400
.
Ressalta-se, portanto, a necessidade de se analisar, em cada caso concreto, a
aplicação mais adequada das normas constitucionais e infraconstitucionais, para que
não haja infração ao consagrado direito de propriedade, e para que ao mesmo tempo
seja atendido o interesse público, no sentido de promover o progresso do setor rural
e, por conseqüência, de toda nação.
2.3.2.7. Função Social da Posse do Imóvel Rural
O entendimento da função social da posse do imóvel rural demanda a anterior
compreensão do conceito de posse. Nesse sentido, há de se ressaltar mais um ponto
de divergência na doutrina acerca do conceito de posse: a) posse seria o poder direto
que alguém tem de dispor de um bem com intenção de tê-lo para si e defendê-lo de
terceirosLIX
; e, b) a posse depende apenas do poder de dispor, de exercer poder sobre
o bem, não sendo necessária a intenção de tê-lo como proprietárioLX
.
Através da posse garante-se o direito do homem ou uso dos bens, mas assim
também se devem garantir vantagens para o bem comum, para a sociedade e por isso
é que se diz que a posse deve desempenhar uma função social.
Na realidade, a Função Social tem maior relevância para o instituto da posse
do que para o da propriedade, pois esta última, mesmo sem uso, pode ser mantida. A
Função Social da Propriedade corresponde a limitações fixadas no interesse público
e tem por finalidade instituir um conceito dinâmico de propriedade em substituição
ao conceito estático, pelo qual será eliminado da propriedade tudo aquilo que for
desnecessário. Já o fundamento da Função Social da Posse revela o imprescindível,
LIX Trata-se da teoria subjetiva da posse, cujo principal defensor foi Savigny. A presente doutrina preconiza
que a posse poderia ser conceituada como o poder direto ou imediato que tem a pessoa de dispor de um bem
com a intenção de tê-lo para si e de defendê-lo contra a intervenção ou agressão de quem quer que seja. A
posse, para essa corrente, possui dois elementos: "corpus" o elemento material, constituído pelo poder físico
ou de disponibilidade sobre a coisa e "animus domini" a intenção de ter a coisa para si, de exercer sobre ela o
direito de propriedade. LX Por seu turno, trata-se da teoria objetiva da posse, cujo principal defensor foi Ihering. A teoria em tela entende que para constituir a posse bastaria à pessoa dispor fisicamente da coisa ou a mera possibilidade de
exercer esse contato. Desta feita verifica-se que essa corrente dispensa a intenção de ser dono, possuindo a
posse apenas um elemento, "corpus" elemento material e único fator visível e suscetível de comprovação,
constituído pela atitude externa do possuidor em relação à coisa, com intenção de explorar a coisa
economicamente.
151
uma expressão natural da necessidade de utilização da terra, para que a natureza seja
transformada em proveito de todos. O direito à posse representa a possibilidade do
indivíduo obter a terra pelo trabalho, aproveitando seus recursos e dela retirando seu
sustento.
Assim como na propriedade, em tese, a necessidade de cumprir com a função
social não significa uma limitação ao uso da terra. O que se pretende é que a posse
também seja desempenhada de forma a valorar seu conteúdo, em conformidade com
a nossa identidade sócio-cultural, com a consciência social, para que o solo seja
aproveitado de forma útil, visando a uma diminuição da desigualdade social do país.
2.3.2.8. Uso Nocivo da Propriedade
Na mesma linha da necessidade de cumprimento de uma função social pelos
imóveis rurais, a Constituição Federal estabeleceu, no artigo 243, que as terras
utilizadas para cultura de plantas psicotrópicas serão expropriadas e destinadas ao
cultivo por colonos. Vejamos:
Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas
culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas
e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de
produtos alimentícios e medicamentosos sem qualquer indenização ao
proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.
A doutrina entende que não se trata de uma hipótese de desapropriação,
motivo pelo qual esse assunto é tratado em separado neste livro. Segundo a doutrina,
trata-se apenas de uma forma de perdimento de bens, em razão do descumprimento
de preceito constitucional.
A Constituição Federal não distingue o proprietário do possuidor, de forma
que, mesmo que a utilização esteja sendo desempenhada por terceiro, o proprietário
perderá a terra. Isso se deve ao fato de que o objetivo da Lei é o combate ao tráfico
de drogas, devendo os proprietário também zelarem por este objetivo. A forma
como se dará a expropriação do imóvel utilizado com fins nocivos é regulada pela
Lei número 8.257, de 26 de novembro de 1991, que define as seguintes diretrizes:
a) na declaração da expropriação, não será analisado pelo juiz se o título
da propriedade onde eram cultivadas plantas psicotrópicas, era justo ou
injusto, se de boa ou má-fé. Basta que se comprove que a
responsabilidade pela produção era do possuidor da terra, a qualquer
título, que possui responsabilidade objetiva;
b) após o trânsito em julgado da decisão de expropriação do imóvel, o
mesmo será incorporado ao patrimônio da União;
c) a expropriação não será invalidada mesmo que, após o trânsito em
julgado da decisão, se verifique que a ação tramitou contra quem não
152
era o proprietário do imóvel, conforme dispõe o artigo 4º da referida
Lei; e,
d) os direitos reais e obrigacionais que por ventura recaiam sobre o
imóvel serão extintos com a expropriação, devendo os eventuais
credores buscar a indenização cabível contra quem de direito.
Cumpre esclarecer que plantas psicotrópicas são consideradas aquelas que
possuem sua composição substância entorpecente ou que determine dependência
física ou psíquica do ser humano, conforme disciplinam os artigos 2º, da Lei número
8.257, de 26 de novembro de 1991 e o artigo 2º, do Decreto número 577, de 24 de
junho de 1992.
A forma como se dará a expropriação do imóvel utilizado com fins nocivos é
regulada pela Lei número 8.257, de 26 de novembro de 1991, que visa:
a) combater a criminalidade e o uso de entorpecentes; e,
b) destinar terras que antes era utilizadas de forma nociva, para produção
por colonos, ou seja, promover a Reforma Agrária, que possibilitará a
utilização da terra para fins lícitos.
2.3.3. Reforma Agrária
As questões agrícolas no Brasil são tradicionalmente razão de acalorados
debates, sobretudo em vista da gravidade dos conflitos que emergem periodicamente
no campo entre proprietários de terras e trabalhadores. De fato, a negligência com
que o Estado historicamente tratou as questões agrárias no Brasil permitiu a
manutenção e aprofundamento das disparidades econômicas no meio rural, levando
a uma sensível concentração de terras nas mãos de um número relativamente
pequeno de proprietários e ao empobrecimento grande parcela da população
agrícola. Assim, não é sem razão que as falhas na estrutura fundiária brasileira são
freqüentemente apontadas como um entrave para o desenvolvimento econômico,
social e político do país.
Assim, nas palavras de Sampaio e Danilo Prado G. Filho 401
: A estrutura
fundiária do país (que não se confunde com a estrutura agrícola) caracteriza-se
pela combinação perversa da extrema concentração e extrema fragmentação da
propriedade e da posse da terra. Mas proprietários e posseiros não são os únicos
habitantes do meio rural. Existem nele também seis milhões de famílias de
trabalhadores sem terra, em estado de extrema pobreza.
Aí reside a importância do tema da reforma agrária para o Brasil, que
infelizmente, veio sendo tratado no Brasil desde os tempos mais remotos de forma
secundária402
, diferentemente do que ocorreu nos países desenvolvidos, onde a
agricultura familiar foi valorizada, destacando a sua importância socioeconômica e
política. Infelizmente, a reforma agrária continua sendo tratada como uma questão
153
política, por vezes pautada em discussões que têm se revelado incapazes de
organizar de forma mais equânime a estrutura fundiária brasileira e de proporcionar
a pacificação dos conflitos no campo.
Entende-se por Reforma Agrária a ação governamental, com autorização
legislativa, voltada para a redefinição das estruturas existentes na sua cadeia de
produção primária. Tal ação irá observar o número de proprietários e trabalhadores
rurais, as dimensões das propriedades e os índices de produção obtidos e que podem
ser obtidos, de forma a garantir viabilidade economia aos produtores rurais. Através
da Reforma Agrária busca-se, em tese, eliminar as formas menos adequadas de
produção e ao mesmo tempo garantir o desenvolvimento e o sustento da população
rural. Assim, a compreensão do tema Reforma Agrária impõe a compreensão dos
conceitos de direito de propriedade e da função social da propriedade rural,
abordados anteriormente.
Fernando Pereira Sodero403
ressalta os seguintes objetivos da Reforma
Agrária no Brasil:
a) Modificar a estrutura agrária possibilitando a reorganização
sistemática, dentro das relações sociais, econômicas e jurídicas,
decorrentes da atividade agrária que visem os bens, serviços e obras
que, por sua natureza ou destino, são indispensáveis para o
desenvolvimento do sistema rural;
b) Transformar a estrutura fundiária em elemento de desenvolvimento e
crescimento na produção do setor primário;
c) Facilitar e permitir o acesso à propriedade da terra economicamente
útil, a todos que encontrem em condições de se tornarem proprietários
familiares;
d) Combater frontalmente o minifúndio e o latifúndio; e,
e) Executar os princípios relativos à função social da propriedade da
terra, atendendo as normas e doutrinas agraristas pertinentes ao tema.
Grande parte da doutrina404
ressalta que a razão para o fundamento da
reforma agrária é justiça social. Outra parte assinala que são dois os fundamentos: a)
igualdade de oportunidade de acesso à terra (democratização da terra); e b) fazer a
terra cumprir a sua função social. Note-se que ambas as correntes enfatizam a
importância do princípio de justiça social.
Atualmente o órgão governamental responsável pela gestão da política
agrária, incluindo a promoção da Reforma Agrária, é o Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária – INCRA, órgão ligado ao Ministério do
Desenvolvimento Agrário, criado pelo Decreto número 1.110, de 09 de julho de
1970.
154
A Constituição Federal, em seu capítulo III, trata da Política Agrícola e
Fundiária e da Reforma Agrária, disciplinando a questão através dos artigos 184 a
186LXI
. Tais dispositivos prescrevem que a Reforma Agrária será realizada em
propriedades rurais que desatendam à função social, enfatizando a relevância do
interesse social face ao interesse privado. Ainda na Constituição, temos também a
questão tributária, no artigo 153LXII
, fortemente inclinada a desestimular o
crescimento ou mesmo a manutenção de terras improdutivas, adotando o princípio
do aumento da incidência de impostos sobre terras improdutivas.
Ademais, o artigo 33, do Estatuto da Terra estabeleceu que os objetivos da
reforma agrária serão instituídos por planos periódicos procurando sempre atender
às necessidades e metas estabelecidas pelos projetos específicos, sejam eles
nacionais ou regionais. Nesta linha, o doutrinador Fernando Sodero405
ressalta que a
reforma agrária se dará nas áreas determinadas pelo Sistema Nacional de Cadastro
Rural (criado pela Lei número 5.868, de 12 de dezembro de 1972) e que caberá ao
INCRA verificar as áreas do país onde haja:
a) Incidência de minifúndios e latifúndios;
b) Áreas já beneficiadas ou a serem, por obras públicas de vulto;
c) Áreas cujos proprietários desenvolvem atividades predatórias,
recusando-se a pôr em prática normas de conservação dos recursos
naturais;
d) Áreas destinadas a empreendimentos de colonização, quando estes não
tiverem logrado atingir seus objetivos;
LXI Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural
que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida
agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do
segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. (...)
Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:
I – a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua
outra;
II – a propriedade produtiva
(...)
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo
critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequação;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
LXII Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
(...)
VI - propriedade rural territorial rural.
(...)
§4º O imposto previsto no inciso VI do caput:
I - será progressivo e terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedade
improdutiva;
(...)
155
e) Áreas que apresentem elevada incidência de arrendatários, parceiros e
poceiros;
f) Terras cujo uso atual não seja, comprovadamente, mediante estudos
procedidos pelo INCRA, o adequado à sua vocação de uso econômico.
Acrescente-se que, de acordo com o artigo 1º, parágrafo único, do Decreto-
Lei número 582 de 15 de maio de 1969, o INCRA também verificará as áreas onde
haja:
a) existência de inversões públicas em projetos de desenvolvimento, tais
como obras de irrigação, de eletrificação rural, de estradas e outras;
b) existência de latifúndios por exploração ou por extensão;
c) manifesta tensão social;
d) elevada incidência de não-proprietários; e
e) má exploração e que sejam próximas aos centros consumidores.406
A distribuição das terras oriundas de reforma agrária está regulamentada no
Título II – Da Reforma Agrária, Capítulo II – Da Distribuição de Terras, do Estatuto
da Terra. O Artigo 24 do referido Estatuto disciplina que as terras objeto de Reforma
Agrária somente poderão ser distribuídas:
a) sob a forma de propriedade familiar;
b) a agricultores cujos imóveis sejam insuficientes para o sustento próprio
e da família;
c) para a formação de glebas destinadas à exploração por agricultores
organizados sob regime cooperativo;
d) para fins de realização de atividades educacionais, de pesquisa,
experimentação, assistência técnica e de organização de colônias-
escolas; e,
e) para fins de reflorestamento ou de conservação de reservas florestais.
2.3.4. Banco da Terra
A Lei Complementar número 93, de 04 de fevereiro de 1998 instituiu o
Fundo de Terras e da Reforma Agrária, ou o Banco da Terra. Seu objetivo é
financiar programas de reorganização fundiária e de assentamento rural, com
patrocínio oficial e prazos maiores para pagamento, com juros limitados a 12% ao
ano407
.
O artigo 1º, parágrafo único, da referida lei estabeleceu como beneficiários
deste Fundo:
156
a) Trabalhadores Rurais não-proprietários, que comprovem, no mínimo,
cinco anos de experiência na atividade agropecuária; e,
b) Agricultores proprietários de imóveis cuja área não alcance a dimensão
da propriedade familiar, assim definida no inciso II, do artigo 4º, da
Lei número 4.504, de 30 de novembro de 1964, e seja,
comprovadamente, insuficiente para gerar renda capaz de lhe propiciar
o próprio sustento e o de sua família.
Hoje o Banco da Terra é regido pelo Decreto número 4.892, de 25 de
novembro de 2003, que regulamentou a Lei Complementar número 93, de 04 de
fevereiro de 1998.
Uma das maiores vantagens desse financiamento é que além da terra, poderão
ser financiados, nas mesmas condições, os investimentos básicos que permitam
estruturar as atividades produtivas iniciais no imóvel adquirido com recursos do
Fundo de Terras e da Reforma Agrária.
O órgão gestor desse programa é o Ministério do Desenvolvimento Agrário,
por meio da Secretaria de Reforma Agrária, cabendo ao Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, a gestão financeira do Banco da
Terra.
2.3.5. Questão Indígena
A problemática envolvendo as reservas indígenas no Brasil recebe atenção
especial neste trabalho em razão da imensidão de terras afetadas: mais de 940.000
quilômetros quadradosLXIII
, o que corresponde a aproximadamente 11,13% do
território brasileiro.
Grande parte da população indígena, cerca de 60%, está concentrada na
região da Amazônia. O restante está distribuído por todo território nacional, à
exclusão do Rio Grande do Norte, do Piauí e do Distrito Federal, onde não existem
registros oficiais da existência de grupos indígenas.
O tema é de tal relevância que os cinco textos constitucionais precedentes à
vigente Constituição Federal – as constituições de 1934, 1937, 1946, 1967 e 1969,
continham dispositivos afetos à questão das terras indígenas. Nesse sentido, é
importante ressaltar a Carta Constitucional de 1967, que promoveu inovações
quando assegurou o usufruto exclusivo dos índios no que tange aos recursos naturais
pertencentes às suas terras.
Entretanto, observa-se que o enfoque mais abrangente à questão dos índios no
Brasil foi dado pela Constituição Federal de 1988, que estabelece como sendo da
União as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e estipula a competência
LXIII Disponível em: <http.www.planalto.gov.br/publi_04/COLECAO/INDIOP.HTM>.
157
privativa da União para legislar sobre temas afetos aos índios. Busca-se com isso
fortalecer os grupos indígenas em seu ambiente natural e fazer com que sofram
menor influência às propostas de integração social. Nesse ponto, cumpre notar, a
Constituição de 1988 distingue-se diametralmente das anteriores.
Em relação à legislação vigente, os artigos principais no que se refere à
matéria em comento são o 231 e o 232, que compõem o Capítulo VIII do Título VIII
da Constituição Federal, sendo a base principal para a fundamentação dos direitos
dos índios no Brasil.
Na mesma toada, vale lembrar que a atual Constituição Federal determina,
ainda, que é competência do Congresso Nacional autorizar a exploração dos
recursos naturais e a realização de pesquisas nas terras indígenas. Ademais, em
conformidade com os artigos 109 e 129 do referido diploma legal, caberá à Justiça
Federal dirimir conflitos oriundos da matéria correlata aos direitos dos silvícolas,
que serão representados pelo Ministério Público.
Ainda com relação aos direitos indígenas, há dispositivos infraconstitucionais
afetos ao tema. Destaca-se, nessa linha, a Lei 6001, de 19 de dezembro de 1973,
denominada como Estatuto do Índio e que foi parcialmente revogada em razão da
abrangência que a Constitucional deu ao tema.
Ressalta-se, também, o Decreto de número 1.775, de 8 de janeiro de 1996 e
que traça as diretrizes acerca do processo de demarcação de terras indígenas. Este
tem início com a identificação da porção de terra que será destinada aos índios. Essa
etapa envolve o encaminhamento da proposta da Fundação Nacional do Índio –
FUNAILXIV
para criação de área indígena. Para que isso ocorra, promovem-se vários
estudos acerca do grupo de índios que foi encontrado. Tal proposta é publicada para
eventual manifestação de terceiros interessados e esta deverá ser feita dentro de
noventa dias após a sua publicação.
Em não havendo manifestação em contrário, o Ministro da Justiça aceita os
termos da proposta e por meio de portaria, determina que a área em questão seja
delimitada. Essa etapa é chamada de demarcação. Em seguida, o Presidente da
República ratifica o procedimento demarcatório expedindo decreto, que será título
válido para que se registre a propriedade como bem da União. Essa fase trata-se da
homologação. Por último, ocorre a regularização fundiária, que consiste na
resolução de eventuais pendências judiciais em relação à manutenção da posse de
terceiros ocupantes que não são indígenas.
Contudo, alguns especialistas defendem que as garantias constitucionais
conferidas aos índios são muitas vezes incompatíveis com o restante do
ordenamento, suscitando posições contrárias em relação ao tratamento que a
LXIV A Fundação Nacional do Índio - FUNAI é o órgão do governo brasileiro que estabelece e executa a
Política Indigenista no Brasil, dando cumprimento ao que determina a Constituição de 1988, conforme
definição dada pelo próprio órgão, disponível em: <http://www.funai.gov.br/>; e foi criada pela Lei número
5.371, de 5 de dezembro de 1967.
158
legislação brasileira dispensa à população indígena. Nesse sentido, pode-se citar a
posição do constitucionalista Ives Gandra Martins, que é contrário ao fato de a
vigente Constituição Federal assegurar porções de terra e seu exclusivo usufruto aos
silvícolas, em detrimento de outras classes também são menos favorecidas. Veja-
se408
:
O Capítulo VIII do Título VIII oferta dez por cento do território nacional,
aproximadamente, a duzentos e cinqüenta mil brasileiros, deixando os outros
noventa por cento para os demais cento e sessenta e cinco milhões de cidadãos e
residentes no País (...) É impressionante o lobby que os indianistas brasileiros – e
principalmente os estrangeiros – fizeram para que o Capítulo VIII do Título VIII
fosse plasmado na Constituição, não havendo nada semelhante feito a favor dos
negros ou mestiços, que constituem quase metade da população brasileira e que
têm tratamento de fato e em nível constitucional de muito menor consideração do
que os duzentos e cinqüenta mil índios brasileiros (...)
Houve também divergência em questões relativas à demarcação de terras
indígenas em regiões que, segundo o posicionamento do exército brasileiro,
deveriam ser fiscalizadas pelo governo federal por uma questão de segurança
nacional409
. Essa necessidade decorreria do fato de tais porções de terra estarem
situadas em regiões de fronteiras do Brasil com outros países, de forma que, sob o
domínio dos silvícolas, ficariam desprotegidas em relação a invasões e explorações
que poderiam ser promovidas por países vizinhos.
2.4. Tributação na Atividade Agrária
2.4.1. Introdução
Ao tratarmos da questão tributária, em razão de sua especificidade, é
importante esclarecer alguns conceitos fundamentais:
a) contribuinte: pessoa física ou jurídica que possui o dever de cumprir
uma obrigação tributária, pois possui relação direta e pessoal com a
situação que constitui o respectivo fato gerador;
b) responsável: pessoa física ou jurídica, que embora não seja
contribuinte, está obrigada ao pagamento do tributo, por disposição
expressa em Lei;
159
c) fato gerador: é a situação previamente descrita em Lei como necessária
e suficiente ao surgimento da obrigação de pagar tributos410
;
d) base de cálculo: é o valor que se utiliza como referência para cálculo
de um tributo; e,
e) alíquota: é o valor que incidirá sobre a base de cálculo para apuração
do tributo devido.
Passaremos agora ao estudo dos tributos que incidem sobre a atividade rural.
2.4.2. ITR
São mínimos os registros de povos, até mesmo no período do Brasil-Colônia
que tenham tributado a Propriedade Territorial Rural. Alguns doutrinadores referem
que tributos sobre a propriedade de Imóveis Rurais foram introduzidos pela
Revolução Francesa, mas os registros históricos são exíguos. Porém, o Brasil não
acompanhou as demais nações nessa corrente de não tributação da propriedade,
tendo criado o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural em tempo
relativamente recente.
Dotados de elevada capacidade política, os proprietários rurais resistiram até
o ano de 1924, quando algumas Unidades da Federação passaram a tributar a
propriedade rural, tais como: Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, que naquele
momento eram alguns dos Estados mais desenvolvidos no setor agrícola. Os demais
Estados, argumentando que isso inviabilizaria o desenvolvimento do setor agrícola
nas regiões menos desenvolvidas, resistiram em vão por mais algum tempo, até que
o tributo passou a incidir sobre todo o território nacional.
Quando da introdução do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural –
ITR na legislação brasileira, sua competência tributária foi conferida aos Estados. A
Carta Magna de 1934, declarou expressamente a competência dos Estados, na
instituição do ITR, o que ficou inalterado nas Constituições de 1946 e 1961. Com a
Emenda Constitucional número 05, que alterou a Constituição de 1961, a
competência sobre esse tributo passou a ser dos Municípios. Em 1964, finalmente, a
Emenda Constitucional número 10 atribuiu a competência pelo ITR à União Federal,
estipulação que foi mantida pelas Constituições de 1967 e de 1988.
O ITR está previsto no artigo 153, inciso VI, da Constituição Federal, nos
artigos 29 a 31 do Código Tributário Nacional e no artigo 48 e seguintes, do
Estatuto da Terra. Atualmente, o ITR é regulado pela Lei número 9.393, de 19 de
dezembro de 1996.
160
O ITR é apurado anualmente, tendo como fatos geradores: a) a
propriedadeLXV
; b) a posseLXVI
; ou, c) o domínio útilLXVII
de imóveis localizados fora
do perímetro urbano dos Municípios, em 1º de janeiro de cada ano. Portanto, a
legislação classifica como contribuintes os proprietáriosLXVIII
, os possuidores a
qualquer títuloLXIX
e, também, os detentores do domínio útilLXX
, sejam estes pessoas
físicas ou jurídicas.
A alíquota utilizada varia conforme a área da propriedade e seu grau de
utilização. A base de cálculo é o valor da terra sem qualquer tipo de benfeitoria ou
beneficiamento, ou seja, é o valor da terra nua, sendo a unidade de medida atual o
hectare, não mais o módulo fiscal.
A legislação prevê que o contribuinte entregue à Secretária da Receita
Federal, anualmente, o Documento de Informação e Apuração do ITR. Portanto,
esse imposto é apurado e pago diretamente pelo contribuinte, sem prévio
procedimento da administração tributária, sujeitando-se, posteriormente, à
homologação pela Receita Federal.
Algumas disposições da Constituição Federal de 1988 evidenciam aspectos
para-fiscais do ITR, verificando-se que 100% de sua receita é distribuído entre os
Estados e Municípios onde se localizam as propriedades tributadas. Na prática, o
ITR tem sido freqüentemente utilizado como política de confisco, visto que com a
implementação da Lei número 9.393, em 19 de dezembro de 1996, passou a atender
as políticas públicas, quando foi fixada a alíquota de até 20% aplicada sobre o valor
do imóvel, inviabilizando, assim, a manutenção latifúndios e até mesmo de
propriedades produtivas.
Embora seja um tributo de fácil apuração – ao menos no que se refere ao
cálculo do valor devido – há uma série de controvérsias relacionadas ao ITR,
podendo-se destacar:
a) o critério para classificar o imóvel como rural ou urbano – questão já
abordada no tópico relativo aos Institutos de Direito Agrário;
LXV Propriedade aqui entendida como o direito exclusivo de uma pessoa sobre um bem, neste caso imóvel, em caráter permanente. LXVI Posse representa a detenção física ou material de um bem, neste caso um bem imóvel. LXVII Domínio útil compreende a soma de direitos outorgados ao foreiro (aquele que possui o domínio útil)
sobre o bem aforado (que teve seu domínio útil cedido a terceiro que não o proprietário). LXVIII Proprietário é a pessoa que detém o direito de propriedade sobre determinado bem, móvel ou imóvel,
sendo titular deste direito. LXIX É possuidor a qualquer título aquele que tem a posse do imóvel rural, seja por direito real de fruição sobre
coisa alheia, no caso do usufrutuário, seja por ocupação, autorizada ou não pelo Poder Público, nos termos da
Instrução Normativa número 272, de 30 de dezembro de 2002, da Secretaria da Receita Federal, artigo 4º, §
2º. LXX É titular do domínio útil aquele que adquiriu o imóvel rural por enfiteuse ou aforamento, conforme a Instrução Normativa número 272, de 30 de dezembro de 2002, da Secretaria da Receita Federal, artigo 4º, §
1º.
161
b) tributação do domínio útil – é difícil a definição do que seria área útil,
pois a lei não define precisamente esse conceito;
c) definição das benfeitorias úteis e necessárias – o imposto incidirá
sobre a área em que se encontrarem benfeitorias voluptuosas, mas não
quando tal benfeitoria for útil ou necessária, motivo pelo qual é de
extrema relevância essa diferenciação. Ocorre que também não há uma
definição clara do conceito de benfeitorias úteis e necessárias;
d) definição do valor da terra nua – este valor é fixado pela Secretaria da
Receita Federal, órgão que, em muitos casos, não possui o
conhecimento técnico necessário para uma correta fixação do valor,
dando origem a atritos entre contribuintes e a Receita Federal; e,
e) desapropriação para fins de Reforma Agrária – o valor declarado para
apuração do ITR normalmente servirá como base para fixação da
indenização devida em caso de desapropriação do imóvel para fins de
Reforma Agrária. Porém, esse critério muitas vezes mostra-se falho, já
que é comum que o valor atribuído ao imóvel para fins de ITR seja
inferior ao valor real do imóvel.
Cumpre salientar, ainda, que, nos termos do artigo 10, da Lei número 9.393,
de 19 de dezembro de 1996, é tributável a área total do imóvel, menos as áreas: a) de
preservação permanente e de reserva legal; b) de interesse ecológico para a proteção
dos ecossistemas e que ampliem as restrições de uso anteriormente relacionadas; c)
comprovadamente imprestáveis para qualquer exploração agrícola, pecuária,
aqüícola ou florestal, declaradas de interesse ecológico mediante ato do órgão
competente, federal ou estadual; d) sob regime de servidão florestal ou ambiental; e,
e) cobertas por florestas nativas, primárias ou secundárias em estágio médio ou
avançado de regeneração.
Visivelmente com o objetivo de preservar o meio ambiente, a legislação que
disciplina o ITR determinou a isenção do tributo para as áreas de interesse
ambiental, conforme relacionado anteriormente. Porém, a Secretaria da Receita
Federal, através da Instrução Normativa número 67, de 01 de setembro de 1997,
criou uma obrigação acessória para o proprietário, que, para conseguir se beneficiar
da isenção legal, deve apresentar Ato Declaratório Ambiental – ADA, expedido pelo
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis – IBAMA,
discriminando as áreas de preservação permanente e as áreas de utilização limitada,
sobre as quais não incidirá o imposto.
Todavia, a legislação que regula esse tributo não prevê a obrigação de
apresentação do ADA, dando origem a diversos litígios entre fazendeiros e o poder
público. Ao se deparar com essas questões, por reiteradas vezes, os tribunais
brasileiros declararam que o ADA não é necessário. Como exemplo, transcrevemos
a ementa de recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, sobre a questão:
162
ITR. Cálculo. Exclusão. Área. Preservação Permanente. Ato Declaratório
Ambiental. No âmbito do art. 10 da Lei n. 9.393/1996 ou mesmo da Lei n.
4.771/1965, não se vislumbra fundamento que valide a Instrução Normativa
n. 67/1997 da Secretaria da Receita Federal, quanto à exigência, como
obrigação acessória, de apresentação do respectivo ato declaratório
ambiental - ADA expedido pelo Ibama, para que se exclua a área reservada
à preservação permanente ou reserva legal da área tributável para fins de
cálculo de ITR. Quando esses diplomas referem-se à declaração por parte do
poder público de áreas de preservação permanente ou interesse ecológico,
estão a referir-se às de especial afetação por ato administrativo. Destaca-se
que a MP n. 2.166-67/2001, vigente, porém não-prequestionada na hipótese,
dispensou o ADA para aquele fim. Com esse entendimento, a Turma, ao
prosseguir o julgamento, deu provimento ao recurso especial. Precedente
citado: REsp 587.429-AL, DJ 2/8/2004. REsp 665.123-PR, Rel. Min. Eliana
Calmon, julgado em 12/12/2006.
2.4.3. Imposto de Renda
O assim conhecido Imposto de Renda - IR, segundo o artigo 153, inciso III,
da Constituição Federal é de competência da União, consistindo na sua principal
fonte de receita tributária. Este imposto também é regulado pelos artigos 43 a 45 da
Lei número 5.172do Código Tributário Nacional.
O artigo 43 do Código Tributário Nacional estabelece como fato gerador
desse imposto a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: a) de renda:
produto do capital, do trabalho ou de ambos; e, b) de proventos de qualquer
natureza: todos os acréscimos patrimoniais não compreendidos na definição anterior.
Os resultados provenientes da atividade rural estão sujeitos ao IR nos
mesmos termos que os demais proventos. Porém, a apuração de seus resultados pode
ser feita de forma diferenciada, em consonância com os regramentos da Lei número
8.023, de 12 de abril de 1990. Conforme o artigo 2° dessa Lei, são atividades rurais:
a) a agricultura; b) a pecuária; c) a extração e a exploração vegetal e animal; d) a
exploração da apicultura, avicultura, cunicultura, suinocultura, sericicultura,
piscicultura e outras culturas animais; e, e) a transformação de produtos agrícolas ou
pecuários, sem que sejam alteradas a composição e as características do produto in
natura e não configure procedimento industrial.
Tanto as pessoas físicas quanto as pessoas jurídicas estão sujeitas ao IR,
conforme a disposição específica para a situação concreta, o que será analisado
sumariamente na seqüência.
163
2.4.3.1. Pessoa Física
A legislação considera pessoa jurídica o indivíduo que explora atividade
através de firma individual, bem como as pessoas físicas que, em nome individual,
explorem habitualmente e profissionalmente, qualquer atividade econômica de
natureza civil ou comercial, com fim lucrativo, mediante venda a terceiros de bens
ou serviços411
. Já pessoa física apenas é definida como o contribuinte pessoa natural,
o indivíduo. Portanto, percebemos que a qualificação como contribuinte pessoa
física não é tarefa tão trivial como poder parecer.
Conforme já referido, a atividade rural possui regulação própria quanto à
apuração de seus resultados. O contribuinte pessoa física poderá optar pela apuração
do tributo com base no lucro presumido, que é limitado em 20% da receita bruta
anualLXXI
. Caso não faça essa opção, o contribuinte pessoa física pagará o imposto
calculado com base na diferença entre as suas receitas e despesas.
No que se refere aos resultados auferidos pela exploração da atividade rural,
estes são apurados mediante escrituração no Livro Caixa, abrangendo as receitas, as
despesas de custeio, os investimentos e demais valores que integram a atividade
rural do declarante. Esse Livro Caixa independe de autenticação ou registro em
qualquer órgão é o mesmo é dispensado quando a receita bruta anual não ultrapassar
a quantia de R$ 56.000,00.
Com o objetivo de auxiliar o produtor rural, a Secretaria da Receita Federal
desenvolveu um programa de Livro Caixa de Atividade Rural, para uso em
computador, que possibilita que as informações nele constantes sejam diretamente
transmitidas para a declaração de Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer
Natureza. A última atualização desse programa, existente até a finalização desta
obra, foi aprovada pela Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal
número 626, de 22 de fevereiro de 2006.
Os resultados auferidos na atividade rural integrarão a base de cálculo do
imposto na Declaração de Ajuste Anual, disciplinada pelo Regulamento do Imposto
de Renda, aprovado pelo Decreto número 3.000, de 26 de março de 1999. As
alíquotas, as bases de cálculo e os valores dedutíveis desse imposto para pessoas
físicas são atualizados, periodicamente. Quando da finalização desta obra, a Medida
Provisória número 340, de 29 de dezembro de 2006 é que regulava essa matéria,
disciplinando que referente ao ano-calendário 2007, deveriam ser aplicados os
seguintes valores:
Base de cálculo anual em R$ Alíquota % Parcela a deduzir do imposto em R$
Até 15.764,28 - -
LXXI Artigo 5º, da Lei número 8.023, de 12 de abril de 1990.
164
De 15.764,29 até 31.501,44 15,0 2.364,60
Acima de 31.501,44 27,5 6.302,28
* Fonte: Secretaria da Receita Federal
2.4.3.2. Pessoa Jurídica
Empresa rural, segundo o artigo 4º, inciso VI, da Lei número 4.504, de 30 de
novembro de 1964, é o empreendimento de pessoa física ou jurídica, que explora
atividade rural, de maneira econômica e racionalLXXII
.
A tributação da pessoa jurídica que exerce atividade rural se dá da mesma forma que
a tributação das demais pessoas jurídicas, por força do artigo 36 da Lei número
9.249, de 26 de dezembro de 1995. Assim, as pessoas jurídicas poderão ter o seu
lucro auferido de forma real, presumida ou arbitrada. Como o valor do imposto será
calculado com base no lucro obtido pela pessoa jurídica, cabe analisarmos cada uma
das formas de apuração do lucro:
a) Lucro Real: resultado do ano, ajustado pela adição, exclusão e
compensações autorizadas na legislação do imposto de renda. Esse
lucro é apurado extra contabilmente e escriturado no Livro de
Apuração de Lucro Real – LALUR, criado pelo Decreto-Lei número
1.598, de 26 de dezembro de 1977. Quando a pessoa jurídica que
explora atividade rural tiver seu imposto determinado com base no
lucro real, a apuração será feita de forma trimestral, com períodos
encerrados em 31 de março, 30 de junho, 30 de setembro e 31 de
dezembro de cada ano;
b) Lucro Presumido: é uma tentativa de simplificar a apuração do lucro
das empresas. Nesse caso, o lucro será obtido pela soma: i) do valor
resultante da aplicação dos percentuais variáveis conforme a atividade
operacional exercida pela pessoa jurídica, sobre a receita bruta
auferida em cada trimestre; e, ii) dos ganhos de capital, rendimentos e
ganhos líquidos auferidos em aplicações financeiras, variações
monetárias ativas e todos os demais resultados obtidos pelas pessoas
jurídicas. Os referidos percentuais aplicáveis, conforme as atividades
desenvolvidas, estão relacionados, no artigo 15 da Lei número 9.249,
de 26 de dezembro de 1995; e,
c) Lucro Arbitrado: o arbitramento se dá pela apreciação do valor de
determinados fatos ou coisas, de que não se têm elementos certos de
avaliação. O lucro será arbitrado quando o contribuinte não mantiver
LXXII Ao tratarmos dos Institutos de Direito Agrário realizamos uma ampla explanação sobre o conceito de
empresário e de empresa rural, motivo pelo qual, no momento, nos limitaremos a esta referência.
165
escrituração, ou se esta indicar a existência de fraude ou contiver
vícios. Quando conhecida a receita bruta do contribuinte, a apuração
do lucro arbitrado será feita com base na mesma, através da soma: i)
do valor resultante da aplicação dos percentuais variáveis conforme a
atividade operacional exercida pela pessoa jurídica, sobre a receita
bruta auferida em cada trimestre; ii) dos ganhos de capital,
rendimentos e ganhos líquidos auferidos em aplicações financeiras,
variações monetárias ativas e todos os demais resultados obtidos pelas
pessoas jurídicas. Os referidos percentuais que devem ser aplicados
conforme as atividades desempenhadas estão relacionados no artigo 16
da Lei número 9.249, de 26 de dezembro de 1995. Quando não se
conhecer a receita bruta do contribuinte, oferece o artigo 51, da Lei
número 8.981, de 20 de janeiro de 1995, diversas formas para
arbitramento do lucro.
2.4.4. ICMS
O ICMS está regulado pelo artigo 155, II, da Constituição Federal e pela Lei
Complementar número 87, de 16 de setembro de 1996. Segundo essas disposições
legais, o imposto será regulado pelos Estados Membros e pelo Distrito Federal,
através de legislação própria. Portanto, a regulação desse tributo dar-se-á em cada
Estado e pelo Distrito Federal, que serão os maiores beneficiários dos recursos
arrecadados.
O imposto incide sobre Operações de Circulação de Mercadorias, que são
quaisquer atos de negócio independente de sua natureza específica, desde que
impliquem a circulação da mercadoria, nos termos do artigo 12 da Lei
Complementar 87/96. Por sua vez, circulação da mercadoria pode ser compreendida
como a movimentação econômica que as mercadorias realizam desde a fonte de
produção até o consumo, que geralmente significa a mudança de propriedade dos
objetos. A circulação de mercadorias poderá ser classificada em três espécies412
:
a) circulação Física: movimentação de mercadoria ou produto com
mudança de titularidade, de um estabelecimento para outro;
b) circulação Econômica: neste caso, a mercadoria muda de estágio
econômico, mas não ocorre mudança de titularidade da propriedade do
produto; e,
c) circulação Jurídica ou Ficta: a mercadoria não circula fisicamente, mas
ocorre a transferência de sua titularidade.
O artigo 4º da Lei Complementar 87/96, estabelece como contribuinte desse
imposto a pessoa física ou jurídica que realize com habitualidade ou em expressivo
volume, operações de circulação de mercadorias ou prestação de serviço de
transporte e comunicação, mesmo quando estas operações têm início no exterior.
166
Com base nos diferentes fatos geradores dessa obrigação tributária, foram
estabelecidas diferentes bases de cálculo do imposto, todas descritas no artigo 13 da
Lei Complementar número 87/96. Elas podem ser os valores da operação, o preço
do serviço e/ou a pauta de valoresLXXIII
. Por se tratar de um tributo cuja competência
para regulação é dos Estados e do Distrito Federal, as alíquotas serão variáveis de
acordo com a região.
É necessária a inscrição do produtor no Cadastro de Contribuintes do ICMS,
que é feita no órgão fiscal do Município onde se localiza a sede da propriedade na
qual a atividade é desempenhada, ou naquele em que se encontra a maior parte da
propriedade. Para efeitos de tributação, considera-se que o exercício da atividade
rural ocorre no local onde as atividades são desenvolvidas, em caráter permanente
ou não, bem como o local onde são armazenados os produtos.
Em alguns casos, a legislação atribui a obrigação de pagamento do imposto a
terceiros, que não aqueles que habitualmente seriam os responsáveis, ao que se
denomina substituição tributária. Com isso, a obrigação tributária passa a ser
unicamente do substituto. Caso este não cumpra com suas obrigações, nenhuma
responsabilidade será atribuída ao substituído. O artigo 6º da Lei Complementar
número 87/96 disciplina que a legislação estadual poderá atribuir ao contribuinte do
imposto ou depositário a qualquer título a responsabilidade pelo pagamento do
imposto, ou seja, faculta aos Estados e ao Distrito Federal a possibilidade de
atribuição de substitutos tributários.
2.4.5. CSLL
A Constituição Federal, no artigo 195, estabeleceu que a seguridade social
será financiada por toda a sociedade, mediante recursos provenientes dos
orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e, também
de contribuições sociais. Nos termos da lição de Hugo de Brito Machado413
,
contribuições sociais são uma espécie de tributo com finalidade constitucional
definida, ou seja, o valor arrecadado terá uma destinação específica, já fixada na
Constituição.
O mesmo artigo 195 prevê que a seguridade social será financiada pelas
seguintes contribuições sociais: a) dos empregadores, incidente sobre a folha de
salários, o faturamento e o lucro; b) dos trabalhadores; c) sobre a receita de
concursos de prognósticos; e, d) do importador de bens ou serviços do exterior. No
caso específico da atividade rural, importa apenas o estudo das contribuições sociais
referentes aos empregadores e aos Trabalhadores Rurais. Nesse sentido,
primeiramente estudaremos a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL.
LXXIII Os Estados poderão adotar uma pauta de valores, que consiste na fixação periódica de valore mínimos
que serão utilizados para cálculo deste imposto.
167
A Lei número 7.689, de 15 de dezembro de 1988, institui a CSLL das pessoas
jurídicas, inclusive aquelas que exploram a atividade rural. A esta contribuição serão
aplicadas as mesmas regras de apuração e pagamento relativas ao Imposto de Renda
das Pessoas Jurídicas. Já, quanto à administração, ao lançamento, à consulta, à
cobrança, às penalidades, às garantias, ao processo administrativo, à base de cálculo
e às alíquotas, aplica-se a legislação específica da CSLL.
Assim, as pessoas jurídicas que optarem pelo pagamento do Imposto de
Renda com base no lucro presumido ou arbitradoLXXIV
determinarão a base de
cálculo dessa contribuição trimestralmente, através do somatório: a) do valor
correspondente a 12% da receita bruta auferida no trimestre; e, b) dos ganhos de
capital, dos rendimentos e ganhos líquidos auferidos em aplicações financeiras, das
variações monetárias ativas e todos os demais resultados positivos obtidos pela
pessoa jurídica. Nesse caso, será aplicada uma alíquota de 9% sobre essa base de
cálculoLXXV
.
Por sua vez, as pessoas jurídicas que estão submetidas ao regime de
tributação pelo lucro real, a base de cálculo da contribuição social sobre o lucro é o
resultado ajustado no período de apuração trimestral, que é encerrado em 31 de
março, 30 de junho, 30 de setembro e 31 de dezembro de cada ano.
Às pessoa jurídica que explorem atividades rurais e que utilizem a forma de
cálculo baseada no lucro real ainda é possível optar pelo pagamento mensal do
Importo de Renda por estimativa, neste caso a base de cálculo da CSLL
corresponderá à soma dos seguintes valores: a) 12% da receita bruta auferida no
mês; e, b) dos ganhos de capital, das demais receitas e dos resultados positivos
decorrentes de receitas não compreendidas na atividade da empresa, inclusive
rendimentos de operações de mútuo, ganho de capital decorrente da alienação de
participações societárias, receita de locação de imóvel, variações monetárias ativas,
dentre outros.
Em qualquer das hipóteses, a empresa que for tributada com base no lucro
real, pagará uma alíquota de 9%, incidente sobre o lucro antes da provisão para o
Imposto de Renda e para a própria CSLL. Caso a empresa desenvolva outras
atividades que não rural, ao que se denomina empresa mista, as receitas, custos e
despesas deverão ser separados contabilmente, a fim de que a demonstração do lucro
real também seja feita de forma separada414
.
LXXIV A questão do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza já foi estudada neste capítulo,
onde o leitor encontrará o estudo detalhado destas disposições. LXXV
Conforme artigo 37, da Lei número 10.637, de 30 de dezembro de 2002. Porém, as pessoas jurídicas que
apuram o lucro de forma presumida, nos termos do artigo 38, da Lei 10.637, de 30 de dezembro de 2002,
possuem um bônus de adimplência fiscal, correspondente a 1% da base de cálculo desta contribuição.
168
2.4.6. COFINS
Assim como a CSLL, esta contribuição destina-se ao custeio da seguridade
social, estando prevista no artigo 195 da Constituição Federal.
Essa contribuição foi regulada pela Lei Complementar número 70, de 30 de
dezembro de 1991, sendo atualmente regida pela Lei número 9.718, de 27 de
novembro de 1998. Segundo esta legislação, a Contribuição Social para
Financiamento da Seguridade Social – Confins será calculada com base no
faturamento das pessoas jurídicas de direito privado, o qual corresponde à receita
bruta da empresa. Determina o artigo 3º, da Lei número 9.718/98, que a receita bruta
equivale a toda a receita auferida pela pessoa jurídica, independente da atividade por
ela desempenhada, apenas sendo excluídas desta base de cálculo:
a) as vendas canceladas;
b) os descontos incondicionais concedidos;
c) o Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI;
d) o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e
Sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e
Intermunicipal e de Comunicações – ICMS;
e) as reversões de provisões operacionais e recuperações de créditos
baixados como perda, que não representem ingresso de novas receitas;
f) o resultado positivo da avaliação de investimentos pelo valor do
patrimônio líquido;
g) os lucros e dividendos derivados de investimentos avaliados pelo custo
de aquisição, que tenham sido computados como receita;
h) os valores que, computados como receita, tenham sido transferidos
para outra pessoa jurídica; e,
i) a receita decorrente da venda de bens do ativo permanente.
Ainda segundo a Lei número 9.718/98, artigo 8º, a alíquota dessa
contribuição é de 3%, calculada sobre a base referida, anteriormente, quando o
contribuinte for pessoa jurídica que opte pelo pagamento do Imposto de Renda com
base no lucro presumido ou arbitrado, pois esta contribuição será paga de forma
cumulativa com a Contribuição para o Programa de Integração Social – PIS e a
Contribuição de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PASEP. Já quando
se tratar de pessoa jurídica que apura o Imposto de Renda com base no lucro real, a
contribuição será cobrada de forma não-cumulativa, incidindo a alíquota de 7,6%,
sendo permitida a dedução dos custos para apuração da base de cálculo.
Tal legislação permite que seja compensado até um terço do valor pago a
título de Confins, com o valor trimestral ou anual devido a título de Contribuição
Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, porém, o valor compensado não será
169
dedutível para fins de apuração do lucro real. O pagamento dessa contribuição
deverá ser realizado até o último dia útil do segundo decênio do mês subseqüente ao
de ocorrência de fatos geradoresLXXVI
, o que dependerá da forma de apuração do
lucro adotada pela empresa.
Cumpre informar que as alíquotas desta contribuição, do PIS e do PASEP
costumam ser alteradas periodicamente, conforme a necessidade do mercado.
Especialmente no que diz respeito à atividade rural, é comum a redução destas
alíquotas como forma de incentivo. Apenas como exemplo, citamos a recente
redução para zero, das alíquotas incidentes sobre a receita bruta decorrente da
importação e da comercialização no mercado interno de queijos tipo mussarela,
minas, prato, queijo de coalho, ricota e requeijão, conforme disposições da Lei
número 10.925, de 23 de julho de 2004LXXVII
.
2.4.7. PIS e PASEP
A Contribuição para o Programa de Integração Social – PIS e a Contribuição
de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PASEP são também
Contribuições Sociais para custeio da seguridade social, as quais foram
originariamente reguladas pela Lei número 8.212, de 24 de julho de 1991.
Assim como no caso da Contribuição Social para Financiamento da
Seguridade Social – COFINS, a base de cálculo o PIS e o PASEP é o faturamento
bruto da empresa, ou seja, sua receita bruta, sem dedução de custos, despesas ou
encargos, quando a pessoa jurídica for tributada com base no lucro presumido ou
arbitrado, situação em que a alíquota dessas contribuições será de 0,65%, cobrada de
forma cumulativa com a COFINS.
Quando se tratarem de empresas cuja tributação se dá com base no lucro real,
a cobrança do PIS e do PASEP não se dará de forma cumulativa com a COFINS e
será permitido o desconto das despesas, dos custos e dos encargos da empresa,
incidindo sobre o resultado a alíquota de 1,65%.Também como no caso da COFINS,
o pagamento dessas contribuições deverá ser realizado até o último dia útil do
segundo decênio do mês subseqüente ao de ocorrência dos fatos geradoresLXXVIII
.
LXXVI A data de recolhimento desta contribuição foi alterada pelo artigo 7º, da Medida Provisória número 351,
de 22 de janeiro de 2007. LXXVII Em razão das constantes modificações da legislação referente às alíquotas das Contribuições Sociais,
recomendamos que o produtor rural esteja atento ao regulamento específico aplicável à cultura que se dedica,
para poder ser beneficiado com eventuais isenções ou reduções da alíquota. LXXVIII
A data de recolhimento destas contribuições foi alterada pelo artigo 7º, da Medida Provisória número
351, de 22 de janeiro de 2007.
170
2.4.8. Contribuição Sindical Rural
A Contribuição Sindical Rural é devida por todos aqueles que participam de
determinada categoria econômica ou profissional, ou, ainda, por profissionais
liberais, em favor da mesma categoria ou profissão415
. Tal contribuição possui
caráter tributário, com exigência compulsória, mesmo que o contribuinte não seja
filiado ao sindicato, apesar de a filiação a sindicato não ser obrigatória, nos termos
do artigo 8º, inciso V, da Constituição Federal.
São obrigados ao pagamento da Contribuição Sindical Rural todos os
proprietários rurais pessoas físicas ou jurídicas que explorem atividades rurais,
inclusive: a) as pessoas físicas e jurídicas que, tendo empregado, empreendem, a
qualquer título, atividades econômicas rurais; b) proprietário ou não, que mesmo
sem empregado, explore imóvel rural que absorva toda a força de trabalho e lhe
garanta subsistência em área superior a dois módulos ruraisLXXIX
; e, c) proprietários
de mais de um imóvel rural, desde que a soma de suas áreas seja superior a dois
módulos rurais.
Conforme disciplina o artigo 24, da Lei número 8.847, de 28 de janeiro de
1994, a competência para administrar e arrecadar a Contribuição Sindical Rural é da
Confederação Nacional da Agricultura e da Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura.
Por força do artigo 580, do Decreto-Lei número 5.452, de 1º de maio de
1943, essa contribuição não pode ser parcelada e deverá ser recolhida anualmente.
Ainda nos termos do referido artigo, para os empregados, a Contribuição Sindical
Rural corresponderá à importância equivalente à remuneração de um dia de trabalho.
Já os pequenos proprietários rurais, mesmo que titulares de mais de um imóvel, cuja
soma das áreas não alcance dois módulos rurais e que não possuam empregados, a
alíquota da Contribuição Sindical será de 30% do maior valor de referência fixado
pelo Poder Executivo.
Já para os empregadores rurais, que deverão contribuir com importância
proporcional ao capital social da empresa, são aplicáveis alíquotas decrescentes em
função do Valor da Terra Nua Tributável – VTNT ou da Parcela do Capital Social –
PCS, as quais variam entre 0,8% e 0,02%. A tabela de alíquotas incidentes, nesse
caso foi originalmente prevista pelo artigo 580, inciso III, do Decreto-Lei número
5.452, de 1º de maio de 1943 e, desde então, vem sendo corrigida.
Quando da conclusão deste trabalho, a última atualização da tabela de
alíquotas incidentes, vigente quando da finalização desta obra, foi realizada no ano
de 2005, com base na qual foram calculadas as contribuições recolhidas no ano de
LXXIX A definição de módulo rural foi apresentada quando tratamos dos Institutos de Direito Agrário.
171
2006. Naquele período, o valor mínimo da contribuição foi de R$ 18,38 e o valor
máximo foi de R$ 8.649,91LXXX
.
O cálculo da contribuição sindical rural devido pelos empregadores rurais é
efetuado com base nas informações prestadas pelo proprietário rural ao Cadastro
Fiscal de Imóveis Rurais – CAFIR, administrado pela Secretaria da Receita Federal.
O Decreto-Lei número 1.166, de 15 de abril de 1971, no artigo 4º, parágrafo 1º,
dispõe sobre a base de cálculo da contribuição, diferenciando-a conforme a natureza
jurídica do contribuinte: a) quando pessoa física, a contribuição será calculada com
base no Valor da Terra Nua Tributável – VTNT da propriedade, constante no
cadastro da Secretaria da Receita Federal, utilizado para lançamento do Imposto
sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR; e, b) quando pessoa jurídica, a
contribuição é calculada com base na Parcela do Capital Social – PCS atribuída ao
imóvelLXXXI
.
Os parceiros e arrendatários também estão obrigados ao pagamento dessa
contribuição, devendo fazer seu recolhimento nos termos do artigo 1º, incisos I e II,
do Decreto-Lei número 1.166/71.
2.4.9. Contribuições Previdenciárias Rurais
Em razão da ligação da previdência rural com as relações de trabalho rural,
abordaremos o tema mais detalhadamente quando tratarmos do Direito do Trabalho
no Âmbito Rural. Porém, cumpre frisar que as Contribuições Previdenciárias Rurais
também são consideradas uma espécie de tributos incidentes sobre a atividade
ruralLXXXII
.
2.4.10. Contribuição ao Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
A Contribuição ao Serviço Nacional de Aprendizagem Rural – SENAR tem
como objetivo a obtenção de recursos para desenvolvimento de atividades de
formação profissional e promoção social, ministrando cursos, aulas, treinamentos,
seminários e estágios, visando proporcionar ao homem do campo melhores
condições para sua prosperidade e ascensão social416
.
Prevista no artigo 5º, do Decreto-Lei número 1.146, de 31 de dezembro de
1970, combinado com o artigo 1º, do Decreto-Lei número 1.989, de 28 de dezembro
de 1982, difere da contribuição à Previdência Social e somente é devida pelos
LXXX Segundo informações da Confederação Nacional da Agricultura, disponível em
http://www.cna.org.br/cna/publicacao/down_anexo.wsp?tmp.arquivo=E22_7914ContribuicaoSindical06.pdf. LXXXI Conforme informações da Confederação Nacional da Agricultura, ao tratar sobre a Contribuição
Sindical Rural, disponível em: http://www.cna.org.br/cna/index.wsp. LXXXII Remetemos o leitor ao capítulo que trata sobre o Direito Previdenciário no Âmbito Rural, onde serão
encontradas todas as informações pertinentes a este tributo, evitando-se, assim, a repetição de informações sobre o mesmo tema.
172
produtores rurais que exercem atividades rurais em imóvel sujeito ao Imposto sobre
a Propriedade Territorial Rural – ITR. Será justamente com base nas informações
prestadas para apuração do ITR que serão retirados os dados para apuração dessa
contribuição.
A SENAR somente é cobrada dos proprietários, dos titulares de domínio útil
ou possuidores a qualquer título, de imóveis rurais com área: a) entre 1 e 3 módulos
fiscais, que apresentem Grau de Utilização da Terra – GUTLXXXIII
inferior a 30%; e,
b) superior a 3 módulos fiscais, com Grau de Utilização da Terra – GUT inferior a
80%.
O valor da SENAR corresponde ao percentual de 21% do Valor de
Referência Regional – VRR, calculado para cada módulo fiscal atribuído ao
imóvel417
. Pelo Decreto número 75.679, de 29 de abril de 1975, o país foi dividido
em 22 regiões, e a Lei número 8.178, de 1º de março de 1991, fixou a tabela com os
Valores de Referência Regionais aplicáveis a cada região, para fins de apuração
dessa contribuição. Posteriormente, a Lei número 8.383, de 30 de dezembro de
1991, instituiu a forma de atualização da tabela dos Valores de Referência Regional,
na tabela vigente para o ano de 2006, os Valores de Referência Regional variavam
entre R$ 21,60 e R$ 30,63LXXXIV
.
Essa contribuição é recolhida anualmente, junto com a Contribuição Sindical
Rural, pois também é administrada pela Confederação Nacional da Agricultura.
2.5. Aquisição da Propriedade Rural
2.5.1. Introdução
Conforme anteriormente pontuado, a propriedade é um direito expressamente
garantido pela Constituição Federal nos termos do quanto assentado no artigo 5º,
inciso XXII. .
Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País
a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXII – é garantido o direito da propriedade;
(...)
LXXXIII Maiores informações sobre Grau de Utilização da Terra – GUT, poderão ser encontradas no capítulo
que aborda os Institutos do Direito Agrário. LXXXIV Em razão da atualização anual da tabela, recomendamos ao produtor rural que esteja atento aos valores
que deverão ser utilizados como base para cálculo desta contribuição.
173
Entre os desdobramentos desse direito, tem-se que o proprietário poderá
reivindicar e conservar como seu aquilo que foi legitimamente adquirido e, ainda,
poderá usar, gozar e dispor dessa coisa à vontade nos limites da Lei.
A aquisição da propriedade, fato jurídico pelo qual uma pessoa se torna
titular do domínio sobre coisa, pode ocorrer na modalidade originária ou derivada.A
modalidade da aquisição originária da propriedade é direta e independente da
relação jurídica de outra pessoa, por nunca ter existido proprietário anterior, ou
ainda, se existente, por não ter vinculação com a relação jurídica precedente, ou seja,
aquisição originária constitui fato jurídico no qual o adquirente faz surgir um
domínio novo sobre a propriedade. São consideradas formas de aquisição originária:
a usucapião, a acessão e a desapropriação.
Em contrapartida, a modalidade de aquisição derivada, pressupõe a existência
da transferência de um direito de propriedade que vincule o adquirente ao titular do
domínio. Entre as modalidades de aquisição de propriedade derivadas estão as
situações de compra e venda e sucessão
Segundo o doutrinador Francisco Antônio Paes Landim Filho418
, modo
derivado requer a preexistência de um direito de propriedade na titularidade do
alienante, um nexo de derivação entre os sujeitos de um fato aquisitivo.
Conforme apregoado pela doutrina, o modo de aquisição derivado poderá
ocorrer tanto a título gratuito, quanto oneroso, bem como a título singular ou a
universal. Ocorre a aquisição singular quando um bem é certo e individualizado. Por
seu turno, a aquisição universal ocorre em se tratando de uma universalidade de
bens. Segundo Silvio Venosa419
, no modo singular, objetivam-se exclusivamente os
direitos que cercam a coisa certa e determinada transmitida. Já o modo universal, o
sucessor assume todos os direitos reais e obrigações ao transmitente, com relação a
este e a terceiros.
A transmissão derivada poderá aperfeiçoar-se tanto em transação inter
vivosLXXXV
como também mortis causaLXXXVI
. Sendo certo que, na modalidade
derivada, a coisa transmite-se ao adquirente com as características anteriores, ou
seja, transferem-se as obrigações e os acessórios da propriedade.
A aquisição derivada depende ainda de ato dispositivo, que segundo o
doutrinador Francisco Antônio Paes Landim Filho420
dispõe de alguns princípios
como, por exemplo: ninguém pode transferir a outrem mais direito do que possui e
aquilo que é nosso, não pode ser transferido a outrem sem fato nosso, pressupondo
sempre uma vinculação jurídica entre o sujeito que transmite. Exigindo-se, ainda, a
titularidade, a legitimação, o poder de dispor, a causa de atribuição patrimonial. Na
LXXXV Fato jurídico na qual a coisa ou o direito transfere-se a outrem, mediante ato de vontade operado entre
pessoas vivas. LXXXVI Fato jurídico na qual a coisa ou o direito se transfere em decorrência de sucessão patrimonial havida no
falecimento de seu titular.
174
ausência de uma delas, não se produzem, ou não se mantêm os efeitos jurídicos do
negócio jurídico na transmissão da propriedade.
O Código Civil de 1916, em seu artigo 530LXXXVII
enumerava as modalidades
de aquisição da propriedade imóvel, entre as quais: a transcrição de título de
transferência no registro do imóvel, a acessão, a usucapião e o direito hereditário. O
Código Civil de 2002, apesar de ter revogado o artigo citado, traz, a partir do artigo
1.238, as disposições referentes à usucapião, aquisição por registro do título e
aquisição por acessão. A seguir tratar-se-á das figuras de aquisição da propriedade
individualmente.
2.5.2. Modalidades Originárias de Aquisição da Propriedade
2.5.2.1. Usucapião
A UsucapiãoLXXXVIII
é um instituto vigente no ordenamento jurídico brasileiro
a partir do qual o interessado pode pleitear aquisição de uma propriedade pela posse
mansa e pacífica, por determinado período de tempo, nos termos legais. que tem
como objetivo a transferência da propriedade móvel ou imóvel, desde que
obedecidos alguns requisitos definidos em Lei, consistentes basicamente em dois
elementos centrais: a posse e o tempo.
Como já mencionado, a usucapião constitui uma das principais modalidades
originárias de aquisição da propriedade. Isso ocorre porque não advém da
manifestação de vontade do proprietário anterior, ou seja, não há transmissão
voluntária da propriedade. Nesse sentido, é importante lembrar o conceito que
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, doutrinadores de renome em
Direito Civil, estabelecem para o assunto em questão421
: Usucapião é forma
originária de aquisição da propriedade pelo exercício da posse com animus domini,
na forma e pelo tempo exigidos pela lei. LXXXIX
Dessa forma, em não havendo manifestação de vontade do dono antecedente
no sentido de reaver o imóvel, deve o possuidor, para que possa argüir a usucapião,
permanecer na propriedade por determinado período de tempo estabelecido por Lei.
LXXXVII Art. 530. Adquire-se a propriedade imóvel:
I – pela transcrição do título de transferência no Registro do Imóvel;
II – pela acessão;
III – pelo usucapião;
IV – pelo direito hereditário; LXXXVIII Dúvida há quanto ao gênero adequado para qualificar esse instituto. O Instituto Jurídico da Usucapião
é por muitos considerado do gênero feminino: a Usucapião. Os puristas Imortais da Veneranda Academia Brasileira de Letras entenderam, há menos de duas décadas, que o substantivo permite os gêneros masculino e
feminino. No entanto, no Brasil, predomina o entendimento de que o substantivo é feminino, ao que nos
filiamos. LXXXIX Animus domini, nesse caso, corresponderia à intenção de possuir a propriedade como se fora dono,
questão que será estudada adiante.
175
2.5.2.1.1. Da Posse Ad Usucapionem
O tipo de posse capaz de conferir legitimidade para reclamar o instituto ora
estudado é conhecido como posse ad usucapionem, aquela em que o possuidor tem o
domínio do imóvel como se deste fora donoXC
.
Referida posse deve ser mansa e pacífica por todo o lapso temporal
estabelecido por Lei. Isso quer dizer que o possuidor não pode sofrer turbação em
sua posse, nem ocorrer qualquer reivindicação por parte do antigo proprietário
dentro do período de tempo estipulado. Nessa esteira, ensina o ilustre civilista Caio
Mário da Silva Pereira422
: (...) A posse ad usucapionem, assim nas fontes como no
direito moderno, há de ser rodeada de elementos, que nem por serem acidentais,
deixam de ter a mais profunda significação, pois a lei a requer contínua, pacífica ou
incontestada, por todo tempo estipulado, e com intenção de dono.
Cabe ressaltar que as definições acima são extraídas dos artigos 1.238 e
seguintes do Código Civil em vigor. Veja-se o que reza o artigo 1.238:
Artigo 1.238. Aquele que, por 15 (quinze) anos, sem interrupção, nem
oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade,
independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o
declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de
registro de Imóveis.
Nota-se a intenção do legislador ao enfatizar que, para se configurar o
instituto em comento, não pode haver oposição à posse e que o possuidor deve
proceder como dono do imóvel. O artigo 1.238 estabelece também o período
mínimo da posse 15 anos para a caracterização da usucapião, mas existem outras
disposições no ordenamento que tornam o tema relativo ao lapso um pouco mais
complexo. Na realidade, o lapso temporal, elemento indispensável ao instituto em
comento, está presente em todas as formas de usucapião extraordinária, ordinária e
especial e varia de acordo com cada uma dessas formas, conforme se verá
adiante423
.
2.5.2.1.2. Das Modalidades da Usucapião
A usucapião pode ocorrer de diferentes formas, variando os requisitos e o
lapso temporal definidos em Lei para cada situação. As modalidades previstas no
ordenamento brasileiro para esse tipo de aquisição originária, no que tange a bens
imóveis, são três: a extraordinária, a ordinária e a especial. Cada uma dessas
modalidades será estudada a seguir.
XC Caio Mario da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil – V. IV. Direitos Reais – 19. ed. – Rio de Janeiro:
Forense, 2005, p. 140: A posse ad usucapionem é aquela que se exerce com intenção de dono (...).
176
2.5.2.1.2.1. Da Usucapião Extraordinária
Essa forma de usucapião está prevista no artigo 1.238 do Código Civil pátrio
e não tem outro requisito além da posse ad usucapionem e da manutenção de forma
mansa e pacífica por 15 anos. Dessa forma, reconhecido o instituto ora estudado, ou
seja, em havendo posse ad usucapionem mansa e pacífica por 15 anos sem
interrupção, o possuidor poderá requerer ao juiz competente uma sentença que
declare a aquisição da propriedade. Tal sentença, assim como ocorre com as demais
formas de usucapião, servirá de título para o registro no Cartório de Registro de
Imóveis.
O lapso temporal previsto para essa modalidade de aquisição por usucapião
será reduzido de 15 para 10 anos se o possuidor estabelecer na propriedade sua
moradia habitual ou tornar produtivo o imóvel usucapiendo. Veja-se o parágrafo
único do artigo 1.238:
(...)
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos
se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou
nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo
Essa redução ocorre em razão do atendimento ao princípio constitucional da
Função Social da Propriedade, previsto no artigo 186 da Constituição Federal, haja
vista a destinação dada ao imóvel, para fins de moradia e ou exploração
produtiva424
.
2.5.2.1.2.2. Da Usucapião Ordinária
Essa modalidade está prevista no artigo 1.242 do Código Civil e difere do
modo de aquisição do tópico anterior em função da exigência do justo título e da
boa-fé.
Dessa forma, é preciso demonstrar a definição de justo título. Nesse mister,
ressalta-se o ensinamento claro e preciso de Caio Mario425
:
(...) diz-se justo o título hábil em tese para a transferência do domínio, mas
que não a tenha realizado na hipótese por padecer de algum defeito ou lhe
faltar qualidade específica (...)", sendo que "(...) o título há de ser tal que
transferiria o domínio independentemente de outra qualquer providência, se
viesse escorreito.
Conforme o ilustre civilista, o título teria o objetivo de transferir a
propriedade imóvel, mas em função de erro de formalidade presente no documento,
não goza de eficácia para tanto.
177
No que tange à boa-fé, pode-se dizer que esta é a ética que se funde ao justo
título e endossa a legitimidade para se proceder à transferência, que não ocorre
devido ao erro formal do título, como visto em linhas anteriores.
O Código Civil, no artigo 1.242 e parágrafo único, preconiza que, respeitados
os requisitos supramencionados, deve o usucapiente permanecer na posse mansa e
pacífica por 10 anos ininterruptos. Esse período de manutenção da posse pode cair
para 05 anos quando o título for adquirido de forma onerosa, com base em registro
regular que for posteriormente cancelado e o possuidor estabelecer moradia no
imóvel ou torná-lo produtivo, dando destinação que atenda a função social da
propriedade.
2.5.2.1.2.3. Da Usucapião Especial
A modalidade de aquisição originária da propriedade em questão subdivide-
se em duas espécies: a usucapião especial rural e a usucapião especial urbana.
Historicamente, a Usucapião Rural era denominada Usucapião Especial Rural
e estava prevista, no artigo 98 do Estatuto da Terra. Nesse período esta espécie da
Usucapião também era conhecida como Usucapião Pro LaboreXCI
.
Após a Constituição Federal de 1988, esta espécie de Usucapião passou a ser
denominada: Usucapião Especial Rural, estando previsto no seu artigo191 e também
no Código Civil no artigo 1.239.
A usucapião ora estudada visa impulsionar o atendimento da função social da
propriedade no âmbito rural, já que exige do possuidor do imóvel usucapiendo a
utilização deste para sua moradia, bem como para seu trabalho e de sua família,
tornando produtiva a propriedade em questão.
Nesse sentido, cabe observar algumas diferenças da usucapião especial rural
em relação às estudadas anteriormente. Em primeiro lugar, para que a usucapião em
comento seja concretizada, o possuidor deve dar ao imóvel a destinação descrita no
parágrafo anterior, que é condição sine qua non para que ocorra a usucapião,
enquanto que nas outras modalidades de aquisição (usucapião extraordinária e
ordinária), tornar o bem produtivo e fazer dele sua moradia consistem apenas em
elementos de diminuição do lapso temporal.
Atualmente, só podem ser objeto de Usucapião Especial Rural, áreas de até
50 hectares, quando for mantida posse pacífica e ininterrupta por 5 anos, desde que o
requerente não seja proprietário de outro imóvel durante esse período, resida no
imóvel e que ele ou sua família mantenham produção no local.
XCI Esta nomenclatura deriva do fato de que aqui a propriedade é adquirida "pelo trabalho", pois é necessário que o interessado torne o imóvel produtivo, através do trabalho próprio ao da sua família.
178
Diante das determinações legais, os seguintes requisitos devem ser
observados para aquisição de Imóvel Rural através do instituto da Usucapião
Especial Rural:
a) posse justa e sem oposição: a posse deve ser justa, não pode ser
decorrente de ato violento, clandestino ou precário. Também, a posse
não pode ser contestada por outrem, seja por ato de domínio ou por
requisição de domínio;
b) ânimo de dono: não basta ter a posse, é necessário expressar o ânimo, a
intenção, de proprietário;
c) não ser proprietário de Imóvel Rural e Urbano: a Usucapião somente é
possível, se durante o período de posse, a pessoa não era proprietária
de nenhuma outro imóvel, rural ou urbano;
d) cultura efetiva: somente terá Direito à Usucapião Especial Rural
aquele que efetivamente cultivar a terra e torná-la produtiva, com seu
trabalho ou de sua família. Em razão disso, essa modalidade de
Usucapião somente pode ser requerida por pessoas físicas;
e) morada habitual: é necessário que o requerente mantenha residência no
imóvel que se pretende usucapir; e,
f) área de até 50 hectares: somente estão sujeitas à Usucapião Especial
Rural propriedades com área de até 50 hectares e no mínimo de um
Módulo Rural.
2.5.2.1.3. Aspectos Processuais
Para adquirir a Usucapião Especial Rural aquele que desejar a declaração do
Direito de Domínio de Imóvel Rural, deverá intentar Ação de Usucapião Especial
Rural, perante a Justiça Estadual da Comarca onde estiver localizado o imóvel ou a
maior parte dele.
A Lei número 6.969, de 10 de dezembro de 1981, determinou que as ações de
Usucapião fossem propostas pelo rito sumaríssimo, mas esse rito foi,
posteriormente, extinto. Com isso, tais ações passaram a tramitar pelo rito sumário,
de acordo com o artigo 275 e seguintes, do Código de Processo Civil. Atualmente, o
Código de Processo Civil, no artigo 941 e seguintes, prevê um procedimento
especial para as ações de Usucapião.
Ao propor uma Ação de Usucapião, o possuidor do imóvel deverá observar,
além dos requisitos básicos processuais, os seguintes requisitos específicos para este
processo:
a) apresentar, junto com sua petição inicial, a planta do imóvel;
179
b) requerer a citação da pessoa que conste como proprietário do imóvel
perante o Registro de Imóveis competente;
c) requerer a citação de todos os proprietários de imóveis que façam
fronteira com o imóvel que se pretende usucapir, ou seja, todos os
lindeiros;
d) requerer a citação de interessados, se houver;
e) caso algum dos réus encontre-se em lugar incerto, deve ser requerida a
citação por edital; e,
f) requerer a citação dos representantes da Fazenda Pública da União, do
Estado e do Município, bem como do Ministério Público, que
intervirá, obrigatoriamente, em todos os atos do processo.
Como a ação de Usucapião costuma envolver diversas partes, pois além do
proprietário do imóvel os lindeiros também participam do processo, seu trâmite
tende a ser bastante lento. Ao final, comprovados todos os requisitos legais para
concessão de Usucapião Constitucional Rural e, respeitados os procedimentos
processuais, a própria decisão judicial determinará o registro da propriedade em
nome do requerente.
Para que não haja maiores dúvidas acerca do tema, ainda que seja estipulada
por Lei, a usucapião especial rural, como demonstrado, nada obsta que as outras
modalidades de aquisição do instituto em questão ocorram no âmbito rurícola. Basta
que sejam identificadas as condições de cada caso concreto e que elas enquadrem-se
nas modalidades acima expostas.
2.5.2.2. Da Acessão
A acessão consiste no meio de aquisição da propriedade pela adesão de bem
acessório ao principal, ou seja, tudo aquilo que se incorpore a uma fazenda,
pertencerá ao dono desta. Para melhor esclarecer esse conceito, cabe observar os
ensinamentos da ilustre doutrinadora Maria Helena Diniz426
:A acessão vem a ser o
direito em razão do qual o proprietário de um bem passa a adquirir o domínio de
tudo aquilo que a ele se adere.
O tema é regulado pelo Código Civil vigente em seu artigo 1.248, que
contempla cinco modalidades de aquisição da propriedade por acessão: formação de
ilhas, aluvião, avulsão, álveo abandonado e plantações ou construções. Cada uma
das referidas modalidades será estudada adiante.
O meio de aquisição da propriedade em questão é considerado originário,
porque não há transferência do domínio, visto que a acessão ocorre de forma
acidental, sem premeditação.
180
2.5.2.2.1. Da Formação de Ilhas
As porções de terra que surgem no leito dos rios, seja pela sedimentação
paulatina, seja pela diminuição do nível da água que faz aparecer o solo,
incorporam-se às propriedades ribeirinhas (artigo 1.249 do Código Civil).
Dessa forma, para que se possa aferir o acréscimo pertinente às propriedades
que estão às margens do rio, traça-se uma linha imaginária que divide o rio em duas
partes, delimitando a porção de terra que será adquirida por cada proprietário
ribeirinho.
2.5.2.2.2. Da Aluvião
A aluvião, prevista no artigo 1.250 do Código Civil, advém do acréscimo de
terra às propriedades que estão às margens do rio, em função de lentos e
imperceptíveis depósitos ou aterros naturais que se aderem às referidas margens427
,
ou, ainda, do desvio natural das águas fluviais. Observe-se o artigo 1.250:
Art. 1.250. Os acréscimos formados, sucessiva e imperceptivelmente, por
depósitos e aterros naturais ao longo das margens das correntes, ou pelo
desvio das águas desta, pertencem aos donos dos terrenos marginais, sem
indenização.
A aluvião subdivide-se em dois tipos: a própria e a imprópria, sendo a
primeira decorrente de acréscimo à porção de terra e o segunda decorrente do
afastamento das águas428
.
2.5.2.2.3. Da Avulsão
Esse meio de aquisição por acessão compreende, da mesma maneira que a
aluvião, o acréscimo de terra, de forma natural, à propriedade ribeirinha. Entretanto,
a modalidade estudada no tópico anterior diferencia-se da avulsão, visto que esta
consiste na porção de terra que se destaca de uma propriedade e se incorpora à outra,
em função de força natural violenta.
A avulsão está prevista no artigo 1.251 do Código Civil, que dispõe, ainda,
sobre a possibilidade de indenização a ser paga ao proprietário que sofreu a perda da
porção de terra. Observe-se o texto da Lei:
Art. 1.251. Quando, por força natural violenta, uma porção de terra se
destacar de um prédio e se juntar a outro, o dono deste adquirirá a
propriedade do acréscimo, se indenizar o dono do primeiro ou, sem
indenização, se, em um ano, ninguém houver reclamado.
Além disso, o artigo em questão, em seu parágrafo único, prevê a devolução
da porção de terra que se transportou de uma propriedade à outra em função de força
natural violenta, quando do não pagamento da indenização. Veja-se:
181
Parágrafo único. Recusando-se ao pagamento de indenização, o dono do
prédio a que se juntou a porção de terra deverá aquiescer a que se remova a
parte acrescida.
2.5.2.2.4. Do Álveo Abandonado
Dessa forma, quando as águas do rio secam, ou sua corrente se desvia em
função de fenômeno natural ou obra do ser humano, ocorre a espécie de aquisição
por acessão em comento, o álveo abandonadoXCII
. Observem-se os ensinamentos do
ilustre Caio Mário da Silva PereiraXCIII
:
Cogita-se ainda da aquisição decorrente do abandono do álveo - alveus
derelictus - por um rio que seca ou se desvia, seja em conseqüência de
fenômeno natural, seja em razão de obra humana. E a regra é que o álveo
abandonado, particular ou público do rio, pertence aos proprietários
ribeirinhos das duas margens na proporção das testadas, até a linha
mediana do álveo abandonado (art. 1.252).
O álveo abandonado será incorporado às propriedades ribeirinhas. Assim,
para que se determinem os limites de cada proprietário em relação ao referido álveo,
é mister que se estabeleça uma linha imaginária, da mesma forma que ocorre quando
da formação de ilhas, dividindo o leito (agora abandonado) ao meio.
2.5.2.2.5. Das Construções e Plantações
Essa modalidade de aquisição de propriedade é chamada de acessão de móvel
à imóvel pela boa doutrina429
, sendo as construções e as plantações consideradas
bens móveis que se aderem à propriedade imóvel. Nesse sentido, o material utilizado
nas construções ou nas plantações, uma vez incorporado ao solo, pertencerá ao seu
dono, pois a retirada daquele seria por demais onerosa.
Ressalte-se que, nessa forma de acessão, faz-se necessário observar a boa-fé
no que tange à conduta tanto do dono da propriedade imóvel, como do responsável
pelas construções ou plantações. Isso ocorre porque aquele que agiu de boa-fé tem
direito à contraprestação relativa àquilo a que se propôs, seja cedendo o material
para o implemento (construção ou plantação), seja cedendo o solo onde se deu a
incorporação (artigos 1.253 ao 1.259 do Código Civil).
XCII Segundo a definição presente no Código de Águas, álveo é a superfície coberta pelas águas do rio, ou
seja, o solo por onde corre o leito fluvial. XCIII Caio Mário da Silva Pereira, ob. cit. p. 131.
182
2.5.3. Modalidades Derivadas de Aquisição da Propriedade
Esse modo de aquisição ostenta a nomenclatura derivada porque através dela
se dá a transferência da propriedade objeto de relação jurídica preexistente. Em
outras palavras, pode-se dizer que, de acordo com o modo de aquisição em questão,
a propriedade que será adquirida deriva de outra titularidade, ou seja, de proprietário
anterior.
A aquisição derivada ocorre, principalmente, através da compra e vendaXCIV
,
na permutaXCV
, na doaçãoXCVI
, na dação em pagamentoXCVII
e nos casos de
sucessãoXCVIII
. Além desses exemplos, que são os mais comuns, essa forma de
aquisição é intrínseca a todos os atos translativos, atos de transferência da
propriedade de um proprietário para outro proprietário. O presente estudo focará na
propriedade imobiliária e, fundamentalmente, do Imóvel Rural.
2.5.3.1. Aquisição em Razão da Transcrição do Título
Fala-se na transcrição do título em razão da transferência da titularidade
concernente à propriedade, que pode surgir da manifestação volitiva das partes, ou
seja, firmando-se contrato entre elas (compra e venda, permuta, doação, dação em
pagamento). Ou ainda, quando a propriedade transfere-se em função da herança
(sucessão). Em ambos os casos, a transcrição terá eficácia desde que seja realizado o
devido registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Nesse sentido, o Código Civil é taxativo em apontar a necessidade do registro
da transcrição para que se legitime a titularidade do adquirente. Observe-se:
Artigo 1245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do
título translativo no Registro de Imóveis.
§ 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser
havido como dono do imóvel.
XCIV Compra e Venda: é o contrato pelo qual o proprietário de determinada coisa transfere a propriedade para
outra pessoa, mediante pagamento. XCV Permuta: contrato através do qual, os contratantes trocam entre si a propriedade de determinada coisa. XCVI Doação: é o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens
para o de outra, que os aceita. O doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não, a
liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça dentro dele, a declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo. XCVII Dação em pagamento: modalidade de extinção de uma obrigação em que o credor pode consentir em
receber coisa que não seja dinheiro, em substituição da prestação que lhe era devida. Determinado o preço da
coisa dada em pagamento, as relações entre as partes regulam-se pelas normas do contrato de compra e venda.
Se for título de crédito a coisa dada em pagamento, a transferência importará em cessão. Sendo o credor
evicto da coisa recebida em pagamento, a obrigação primitiva se restabelece, ficando sem efeito a quitação
dada, conforme os artigos 356 a 359, do Código Civil.
XCVIII Sucessão no sentido hereditário, ou seja transferência dos bens a partir da morte do proprietário.
183
§ 2º Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de
invalidade do registro e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a
ser havido como dono do imóvel.
Está claro, portanto, a condição indispensável de se proceder ao registro para
que se concretize a transferência da titularidade da propriedade no caso da aquisição
derivada430
.
Nesse mister, o registro confere publicidade ao ato praticado, visto que é
documento de acesso à coletividade. Além disso, o documento em questão goza de
força probante, ou seja, tem legitimidade para aprovar a transcrição. Corrobora com
essa afirmação o doutrinador Washington de Barros Monteiro431
:
(...) força probante, fundada na fé pública inerente ao registro, pois presume
a lei pertencer o direito real à pessoa em cujo nome foi ele transcrito (...)
Além das características acima expostas, o referido registro atribui legalidade
à transcrição, pois aquele é realizado por órgão competente, afastando dúvidas
acerca da regularidade do ato praticado. É importante ressaltar o que diz Barros
Monteiro sobre isso:
São estes os atributos da transcrição: (...) sua legalidade, decorrente do
exame feito pelo oficial do registro de todos os documentos apresentados para
transcrição, opondo as dúvidas que acaso ocorram.
2.5.3.2. Aquisição da Propriedade Rural por Estrangeiro
A lei estabelece disposições especiais para a venda de terras brasileiras para
estrangeirosXCIX
, o que torna relevante algumas considerações sobre o tema,
sobretudo diante da tendência da internacionalização da economia. .
O processo de formação do Brasil está intimamente vinculado ao ingresso de
estrangeiros no País. Apesar disso, desde o início da colonização, o Brasil nunca
teve uma política coerente de imigração. Durante o século XIX, ocorreram no Brasil
diversas concessõesC e limitações
CI, que interferiram no processo de imigração.
XCIX Segundo de Plácido e Silva: diz-se estrangeira a pessoa que nascida em outro país ou em terras estranhas, embora residente em outro país, conserva ainda sua primitiva nacionalidade. A Constituição assegura
igualdade de direitos a nacionais e estrangeiros, no tocante à liberdade, segurança individual e à propriedade
(...) Os direitos políticos não são outorgados ao estrangeiro, e há funções públicas e comerciais que não
podem ser por ele exercidas. (in Vocabulário Jurídico – 24. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 565.) C Legislando por intermédio de Decreto, o Príncipe Regente em 25.11.1808 assegurou a concessão de
sesmarias aos estrangeiros residentes no Brasil, conforme justificativa a seguir transcrita: "Sendo conveniente
ao meu real serviço e ao bem público aumentar a lavoura e a população, que se acha muito diminuta neste
Estado, e por outros motivos que me foram presentes: hei por bem que aos estrangeiros residentes no Brasil se
possam conceder datas de terras por sesmarias pela mesma forma com que segundo as minhas reais ordens se
concederem aos meus vassalos sem embargo de quaisquer leis ou disposições em contrário." (In Vade-
Mecum Agrário – v. 1. – Brasília: Edição – Ministério da Agricultura – INCRA, 1978, p. 14 apud ROCHA, Olavo Acyr de Lima. O Imóvel Rural e o Estrangeiro – São Paulo: LTr, 1999, p. 22.)
184
Todavia, nesse período, não houve a definição de uma política clara e planejada de
imigração, conforme refere Olavo Acyr de Lima RochaCII
: o estímulo ou desestímulo
à vinda de estrangeiros para o Brasil obedeceu a um movimento pendular.
Contemporaneamente, a Constituição Federal impõe restrições para que os
estrangeirosCIII
, sejam pessoas físicas ou jurídicas, possuam o domínio, a
propriedade ou a posse de imóveis rurais situados no Brasil, conforme preconiza o
artigo 190 da Constituição Federal.
Artigo 190. A lei regulará e limitará a aquisição ou o arrendamento de
propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecerá os
casos que dependerão de autorização do Congresso Nacional.
As restrições à aquisição mencionadas no art. 190 acima estão presentes na
Lei número 5.709, de 07 de outubro de 1971. Por força do artigo 23da Lei número
8.629, de 25 de fevereiro de 1993tais restrições valem também para o arrendamento
de imóveis rurais para estrangeiros.
Oportunamente, cumpre registrar que a limitação à aquisição de imóveis
rurais por não-nacionais é uma comum na Constituição de diversos países. Isso
ocorre porque a alienação de terras nacionais para não-nacionais é muitas vezes vista
como uma alienação do território nacional, ou seja, a desnacionalização.
Olavo Acyr de Lima Rocha432
esclarece que a legislação brasileira com o
objetivo de atender ao interesse nacional, estabeleceu três diretrizes básicas:
1. Proibir, como regra, as aquisições de imóveis rurais por estrangeiros
residentes ou domiciliados no exterior (pessoas físicas ou jurídicas).
2. Disciplinar essas aquisições por parte de pessoas naturais estrangeiras
residentes no Brasil e pessoas jurídicas estrangeiras autorizadas a funcionar
CI Assevera Linhares Lacerda: pelo disposto no art. 1º da Lei n.º 601 combinado com o art. 82 do decreto do
Governo Imperial n.ºo 1318, de 30 de janeiro de 1854, baixado em virtude das autorizações concedidas por
aquela Lei, ficou reservada à defesa do país, para nela estabelecer o Governo de colônias militares, isto é,
núcleos de população brasileira, numa zona de dez léguas de terras devolutas contíguas aos limites do
Império com países estrangeiros, área em que aos colonos militares colonos brasileiros, consequentemente,
poderiam tais terras serem gratuitamente concedidas. (Apud CYSNEIROS, Vicente Cavalcanti. O
Estrangeiro e a Propriedade Rural – Porto Alegre: Fabris, 1985, p. 27.) CII ROCHA, Olavo Acyr de Lima. O Imóvel Rural e o Estrangeiro – Revista de Direito Agrário v.16, n. 13, p.
11, jan./jun. de 2000. CIII A nacionalidade brasileira é definida pela Constituição Federal: Artigo 12. São brasileiros:
Inciso I – Natos:
1. os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam
a serviço de seu país;
2. os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da
República Federativa do Brasil;
3. os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que venham a residir na República
Federativa do Brasil há mais de 15 (quinze) anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram
a nacionalidade brasileira.
(...)
185
no Brasil limitando-as quanto à área, segundo percentuais relacionados ao
território nacional, por estrangeiro e por nacionalidade de estrangeiros.
3. Vincular essas aquisições à efetiva exploração dos imóveis, através de
projetos que deverão ser aprovados pelas autoridades governamentais.
O requisito de número 1 supracitado aparece logo no primeiro artigo da Lei
número 5.709/71CIV
, ratificando o quanto já vinha sendo disposto nas legislações
anteriores, impondo a condição de que o estrangeiro que ambicionar adquirir Imóvel
Rural seja residente no país e, no caso da pessoa jurídica, que seja autorizada a
funcionar no Brasil. Submete-se ainda ao regime da Lei a pessoa jurídica brasileira
da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que
tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenham sede no Exterior.
Nos casos de sucessão legítima, cessam as restrições legais contidas na Lei
número 5.709/71, ressalvado o caso disposto no artigo 7º, qual seja, a restrição da
aquisição de imóveis situados em área considerada indispensável à segurança
nacional, sem prévio assentimento da Secretaria de Assuntos EstratégicosCV
. Desse
modo, coibiu-se a transmissão, por sucessão testamentária de estrangeiro sem
herdeiros legítimos, de imóveis rurais a pessoas físicas ou jurídicas residentes ou
domiciliadas ou com sede no exterior.
O artigo 7º da Lei n° 5.709/71, proíbe a aquisição por estrangeiros de área
considerada indispensável à segurança nacional. Assim, resta identificar quais são
essas áreas. A Lei número 6.634, de 02 de maio de 1979, no artigo 1º, define área
indispensável à Segurança Nacional:
Artigo 1º. - É considerada área indispensável à Segurança Nacional a faixa
interna de 150 Km (cento e cinqüenta quilômetros) de largura, paralela à
linha divisória terrestre do território nacional, que será designada como Faixa
de Fronteira.
Destaque-se ainda que o Decreto-Lei número 2.375, de 24 de novembro de
1987, que dispõe sobre as áreas indispensáveis à segurança e ao desenvolvimento
nacional, conforme segue:
Art. 1º Deixam de ser consideradas indispensáveis à segurança e ao
desenvolvimento nacionais as atuais terras públicas devolutas situadas nas
faixas, de cem quilômetros de largura, em cada lado do eixo das rodovias, já
construídas, em construção ou projetadas, a que se refere o Decreto-lei nº
1.164, de 1º de abril de 1971, observado o disposto neste artigo.
CIV Art. 1º - O estrangeiro residente no País e a pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil
só poderão adquirir imóvel rural na forma prevista nesta Lei. CV Destaque-se que a atribuição da Secretaria de Assuntos Estratégicos se dá devido a extinção do Conselho
de Segurança Nacional mencionado na Lei número 5.709, de 07 de outubro de 1971 e no Decreto número
74.965, de 26 de novembro de 1974, conforme disposição contida no artigo 4º da Lei número 8.183, de 11 de
abril de 1991.
186
Parágrafo único. Persistem indispensáveis à segurança nacional e sob o
domínio da União, dentre as terras públicas devolutas em referência, as que
estejam:
I - incluídas, cumulativamente, na Faixa de Fronteiras;
II - contidas nos Municípios de Humaitá (AM), São Gabriel da Cachoeira
(AM), Caracaraí (RR), Porto Velho (RO), Ji-Paraná (RO), Vilhena (RO},
Altamira (PA), Itaituba (PA), Marabá (PA) e Imperatriz (MA).
Art. 2º Incluir-se-ão, vigente este decreto-lei, entre os bens do Estado, ou
Território, no qual se situem, nos termos do artigo 5º da Constituição, as
terras públicas devolutas às quais retirada, pelo artigo anterior, a
qualificação de indispensáveis à segurança e ao desenvolvimento nacionais.
Definidas as áreas de exceção, nas quais o estrangeiro não poderá adquirir
terras, cumpre investigar as limitações impostas às metragens das áreas. Em se
tratando de pessoa física estrangeira, a aquisição do imóvel não poderá exceder 50
módulos de exploração indefinidaCVI
, em área contínua ou descontínua, dependente
de autorização governamental, obtida através do Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária – INCRA. Ressalte-se que somente o Presidente da República
poderá, mediante Decreto, autorizar a aquisição além dos limites fixados, quando se
tratar de Imóvel Rural vinculado a projetos julgados prioritários em face dos planos
de desenvolvimento do País, nos termos do artigo 3°, parágrafo 3º, da Lei número
5.709/71, conjugado como o artigo 7º, parágrafo 5º, do Decreto número 74.965, de
26 de novembro de 1974.
Quando se tratar de Imóvel Rural com área não superior a 3 módulos, a
aquisição será livre, ou seja, sem necessidade de prévia autorização governamental.
No entanto, o já citado Decreto número 74.695/74, no seu artigo 7º, parágrafo 3°, -
restringiu a possibilidade de aquisição por estrangeiro, determinando a
imprescindibilidade da autorização, quando o mesmo adquirir mais de um imóvel
com área até 3 módulos. Dessa forma, somente o primeiro imóvel com área menor
que 3 módulos será de aquisição livre, enquanto que os outros dependerão da
autorização do INCRA. Ressalte-se que a referida aquisição livre é benefício
concedido pela Lei somente às pessoas físicas, sendo certo que delas não se
beneficiam as pessoas jurídicas.
Caso o Imóvel Rural objeto da aquisição tenha área superior a 20 módulos, o
adquirente deverá submeter o projeto de exploração à aprovação governamental para
CVI O módulo de exploração indefinida, nos termos do artigo 4º do Decreto número 74.965, de 26 de
novembro de 1974, deverá ser estipulado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA
para cada região. Trata-se de unidade de medida que busca exprimir a interdependência entre a dimensão, a
situação geográfica dos imóveis rurais e a forma e condições do seu aproveitamento econômico. Esta unidade
é evidentemente variável de acordo com as diferentes condições das diferentes regiões do País. Estas unidades
são publicadas em forma de Portarias Ministeriais, após a elaboração pelo Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária – INCRA.
187
que a aquisição possa ser efetivada, de acordo com o disposto no artigo 9º, letra "c"
do Decreto número 74.695/74.
Ainda no que tange a área do Imóvel Rural, de acordo com o quanto
assentado, no artigo 12 e parágrafo 1º da Lei número 5.709/71, a soma das áreas
rurais pertencentes a pessoas estrangeiras, físicas ou jurídicas, não poderá
ultrapassar a um quarto da superfície dos Municípios onde se situem, e ainda as
pessoas da mesma nacionalidade, não poderão ser proprietárias, em cada município,
de mais de 40% da porção anteriormente citada, ou seja, 40% de um quarto da área
do município.
O inciso III do parágrafo 2º do artigo 12 da Lei número 5.709/71 prescreve os
casos das aquisições liberadas, ou seja, quando as referidas restrições ficam
excluídas: que o imóvel tenha área inferior a 3 módulos rurais; que tenha sido objeto
de compra e venda, de promessa de compra e venda, de cessão ou de promessa de
cessão, mediante escritura pública ou instrumento particular devidamente
protocolado no Registro competente e que tiverem sido cadastradas no INCRA em
nome do promitente comprador, antes de 10 de março de 1969 e quando o
adquirente tiver filho brasileiro ou for casado com pessoa brasileira sob o regime de
comunhão de bens. O artigo 4º da mesma Lei fixou ainda que, nos loteamentos
rurais efetuados por empresas particulares de colonização, a aquisição e ocupação de
no mínimo 30% da área total serão feitas obrigatoriamente por brasileiros.
Para a apuração dessas porcentagens, os Cartórios de Registro de Imóveis
manterão cadastro especial, em livro auxiliar, das aquisições de Imóveis Rurais por
pessoas estrangeiras, físicas e jurídicas, no qual deverá constar menção do
documento de identidade das partes contratantes ou dos respectivos atos de
constituição, se pessoas jurídicas; memorial descritivo do imóvel, com área,
características, limites e confrontações e transcrição de autorização do órgão
competente, quando for o caso.
A pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil só poderá
adquirir Imóvel Rural destinado à implantação de projetos agrícolas, pecuários,
industriais, ou de colonização, vinculados aos seus objetivos estatuários nos termos
do artigo 5º da Lei 5.709/71. No entendimento de Olavo Acyr de Lima RochaCVII
, o
fato de a Lei ter se referido à atividade industrial e não agroindustrial é notável,
tendo em vista que o Estatuto da Terra conceitua a atividade agroindustrial como
agrária ao definir o Imóvel Rural. De acordo com o autor, o mesmo não ocorre com
a atividade puramente industrial, não vinculada à terra, sendo certo que o projeto
industrial a ser apresentado pela pessoa jurídica não precisa ter finalidade agrária e
deverá ser aprovado pelo Ministério da Agricultura ou pelo Ministério da Indústria e
do Comércio.
CVII In O Imóvel Rural e o Estrangeiro – São Paulo: LTr, 1999, p. 104.
188
Deste modo a aquisição de imóveis rurais por pessoas jurídicas estrangeiras
deve estar lastrada à execução de um projeto de caráter agrário ou industrial. Não há
limite de área para as aquisições de imóveis rurais por pessoas jurídicas
estrangeirasCVIII
, sendo certo que o limite de 50 módulos alude somente às
aquisições de pessoas físicas. Assim, no tocante a limitação de área, será vigente
somente o limite do artigo 12, da Lei número 5.709/71, referente ao percentual de
ocupação por município.
Por fim, ainda no que se refere à aquisição de Imóvel Rural por pessoa
jurídica estrangeira, importante destacar o posicionamento que tem sido adotado
pela jurisprudência, no sentido de admitir a aquisição de imóveis por pessoa jurídica
constituída sob as leis brasileiras, não importando se o controle de seu capital social
é estrangeiro, com fulcro na revogação do artigo 171 da Constituição Federal, que
discriminava a empresa nacional de capital estrangeiro. Desse modo, com fulcro em
parecer do órgão responsável pela emissão da autorização, no caso o Ministério da
Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária que argumentando não sendo
devida a aplicação do artigo 1º, parágrafo 1º da Lei número 5.709/71, tendo em vista
que faz discriminação não constante na Constituição Federal devendo viger o
princípio da igualdade expressamente disposto no artigo 5º da mesma Lei e assim
entendendo desnecessária a autorização. Pode-se citar nesse sentido um julgado
memorável do Tribunal Federal Regional da X Região, cuja ementa é transcrita a
seguir.
Ementa: Registro de imóveis - Dúvida - Pretensão de registrar a aquisição
de três imóveis rurais arrematados por empresa brasileira de cujo capital
social participa majoritariamente pessoa jurídica estrangeira - Recusa do
título lindada na disposição legal contida no art. 1.º, § 1.º, da Lei Federal
5.709/71 e no Decreto Federal 74.965/74, que a regulamentou - Decisão
administrativa do Ministério da Agricultura, Abastecimento e Reforma
Agrária, entendendo que a autorização legal é dispensável em tais casos,
ante o advento da Emenda Constitucional 06, que suprimiu o art. 171 da
Constituição - Exigência que não deve prevalecer, se o órgão que deveria
expedir a autorização entende ser ela desnecessária - Recurso provido -
Registro autorizado. (ApCiv 39.838-0/4)
===
5.3.2.1. Arrendamento Rural por Estrangeiro
O aspecto do arrendamento de Imóvel Rural por estrangeiro será abordado no
capítulo referente a Contrato de Arrendamento Rural.
CVIII O Art. 23, parágrafo 3º, da Lei número 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, estabelece que a aquisição ou
arrendamento de imóvel por pessoa jurídica estrangeira de área superior a 100 módulos de exploração
indefinida depende de autorização do Congresso Nacional.
189
2.5.3.3. Desapropriação
De Plácido e Silva433
define Desapropriação como ato, emanado do poder
público, em virtude do qual declara desclassificado ou resolvido o domínio
particular ou privado sobre um imóvel, a fim de que, a seguir, por uma cessão
compulsória, o senhor dele o transfira para o domínio público. Já o professor Hely
Lopes Meirelles434
entende que todos os bens e direitos patrimoniais se prestam para
desapropriação.
Importante não confundirmos a Desapropriação com os institutos da
Expropriação e do Confisco de Bens, previsto nos artigos 175 e CIX,
respectivamente, da Constituição Federal.
Muito embora a competência legislativa em matéria de Desapropriação seja
exclusiva da União, os demais os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
também podem desapropriar bens de particulares, nos termos do artigo 2º do
Decreto Lei número 3.365, de 21 de junho de 1941.
2.5.3.3.1. Modalidades de Desapropriação
A Constituição Federal contempla três modalidades de Desapropriação, quais
sejam: a) Interesse SocialCX
; b) Utilidade PúblicaCXI
; e, c) Reforma AgráriaCXII
.
CIX O confisco é a apreensão legal de bens particulares, a título punitivo, pelo Estado. A Constituição Federal
rege a matéria nos artigos 5º, incisos XLV e XLVI e artigo 243, parágrafo único. O Código Penal, por sua
vez, ao apontar os efeitos da condenação, estabelece, no artigo 91 que são instrumentos do crime e, portanto,
devem ser confiscados: moeda falsa, arma de pessoa sem porte, arma de uso exclusivo das Forças Armadas,
documentos falsos, gazuas. Não assim, por exemplo, o automóvel com o qual é praticado o crime, pois não constitui fato ilícito a sua fabricação. In JESUS, Damásio E. de. Código Penal Anotado – São Paulo: Saraiva,
1989, p. 216. CX
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou
por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos
nesta Constituição;
(...) CXI Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou
por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos
nesta Constituição;
(...) CXII Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel
rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da
190
a) Interesse Social: ocorre interesse social, de acordo com a Lei número
4.123, de 10 de setembro de 1962, no artigo 2ºCXIII
;
b) Utilidade Pública: ocorre Utilidade Pública, de acordo com a Lei
número 4.123, de 10 de setembro de 1962, no artigo 5º; e,
c) Reforma Agrária: ocorre nos casos previstos, no artigo 184 da
Constituição Federal.
A seguir, serão feitas mais algumas considerações a respeito da
desapropriação para fins de reforma agrária, haja vista o seu impacto sobre as
atividades agrárias.
2.5.3.3.1.1. Desapropriação para fins de Reforma Agrária
Conforme visto no tópico sobre Reforma Agrária, o Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária – INCRA é o responsável pela fiscalização do
dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a
partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.
§ 1º - As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro.
§ 2º - O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária, autoriza a
União a propor a ação de desapropriação.
§ 3º - Cabe à lei complementar estabelecer procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o
processo judicial de desapropriação.
§ 4º - O orçamento fixará anualmente o volume total de títulos da dívida agrária, assim como o montante
de recursos para atender ao programa de reforma agrária no exercício. § 5º - São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de transferência de imóveis
desapropriados para fins de reforma agrária. CXIII Art. 2º. Considera-se de interesse social:
I - o aproveitamento de todo bem improdutivo ou explorado sem correspondência com as necessidades
de habitação, trabalho e consumo dos centros de população a que deve ou possa suprir por seu destino
econômico;
II - a instalação ou a intensificação das culturas nas áreas em cuja exploração não se obedeça a plano
de zoneamento agrícola (VETADO);
III - o estabelecimento e a manutenção de colônias ou cooperativas de povoamento e trabalho agrícola;
IV - a manutenção de posseiros em terrenos urbanos onde, com a tolerância expressa ou tácita do
proprietário, tenham construído sua habitação, formando núcleos residenciais de mais de 10 (dez) famílias;
V - a construção de casas populares;
VI - as terras e águas suscetíveis de valorização extraordinária, pela conclusão de obras e serviços
públicos, notadamente de saneamento, portos, transporte, eletrificação, armazenamento de água e
irrigação, no caso em que não sejam ditas áreas socialmente aproveitadas;
VII - a proteção do solo e a preservação de cursos e mananciais de água e de reservas florestais;
VIII - a utilização de áreas, locais ou bens que, por suas características, sejam apropriados ao
desenvolvimento de atividades turísticas.
Parágrafo primeiro - O disposto no item I deste artigo só aplicará nos casos de bens retirados de
produção ou tratando-se de imóveis rurais cuja produção, por ineficientemente explorados, seja inferior
à média da região, atendidas as condições naturais do seu solo e sua situação em relação aos mercados.
Parágrafo segundo - As necessidades de habitação, trabalho e consumo serão apuradas anualmente segundo a conjuntura e condições econômicas locais, cabendo o seu estudo e verificação às autoridades
encarregadas de velar pelo bem-estar e pelo abastecimento das respectivas populações.
191
cumprimento da Função Social das propriedades. Em razão dessa competência, está
o INCRA autorizado a realizar vistorias nos imóveis rurais. Para tanto, precisa
notificar previamente o proprietário, nos termos do artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei
número 8.629, de 25 de fevereiro de 1993.CXIV
Vistoriado o imóvel o proprietário será cientificado do conteúdo do Laudo
daí decorrente, podendo apresentar manifestação sobre o assunto, no prazo de 15
dias, numa espécie de defesa prévia. Finalizado esse procedimento, o resultado da
investigação do INCRA é encaminhado para o Ministério da Reforma Agrária, ao
qual aquele órgão é vinculado, sendo depois levado ao Presidente da República, que,
se for o caso, declarará, por Decreto, o imóvel como de Interesse Social para fins de
Reforma Agrária.
Feito isso, terá início uma segunda fase da Desapropriação, que, novamente,
será conduzida pelo INCRA. Será feita uma nova vistoria no imóvel, com o objetivo
de avaliar as benfeitorias e a terra nua, nos termos do parágrafo 2º do artigo 2º da
Lei Complementar número 76, de 06 de julho de 1993, que regula o procedimento
judicial para essa modalidade de Desapropriação.
Após a Declaração do Interesse Social, o INCRA terá o prazo de 2 anos para
propor a ação judicial de Desapropriação contra o proprietário do imóvel. A petição
inicial dessa ação deverá conter, além dos requisitos básicos a todos os processos: a)
o texto do decreto declaratório de interesse social para fins de Reforma Agrária,
publicado no Diário Oficial da União; b) as certidões atualizadas de domínio e de
ônus real do imóvel; c) o documento cadastral do imóvel; d) o laudo de vistoria e
avaliação administrativa, referido anteriormente; e) o comprovante de lançamento
dos Títulos da Dívida Agrária correspondente ao valor ofertado para pagamento de
terra nua; e, f) o comprovante de depósito em banco oficial, ou outro
estabelecimento no caso de inexistência de agência na localidade, à disposição do
juízo, correspondente ao valor ofertado para pagamento das benfeitorias úteis e
necessárias.
Proposta a Ação, o juiz mandará emitir à União na posse do imóvel e ordenará que a
possibilidade de Desapropriação seja registrada no Registro de Imóveis competente,
para fins de cientificação de terceiros.Além disso, será determinada a citação do
proprietário para contestar a Ação, a qual não poderá versar sobre o Interesse Social
Declarado, nos termos do artigo 9º da Lei Complementar número 76/93.
A defesa do proprietário ficará restrita à discussão do valor da indenização
apresentado no Laudo de Vistoria Administrativa. Em sendo apresentada
contestação, será realizada perícia técnica para a reavaliação do imóvel.
A qualquer momento poderá ser realizada audiência, objetivando acordo
sobre o preço da indenização. Havendo acordo, este será homologado pelo juiz.
CXIV Neste momento, cumpre observar que as propriedades invadidas por sem-terras não poderão ser
vistoriadas pelo prazo de 2 anos.
192
Caso não haja acordo sobre o valor da indenização, este será fixado por decisão
judicial terminativa, com a devida justificação.
Indenização e os Títulos da Dívida Agrária - TDAs
A Constituição Federal determina que a Desapropriação será feita mediante o
pagamento de justa indenização, independente da modalidade de Desapropriação a
que se refira.
Nos casos de Desapropriação por Interesse Social e por Utilidade Pública, o
pagamento da indenização cabível será realizado em dinheiro.Já no que tange à
Desapropriação para fins de Reforma Agrária, a indenização será:
a) em dinheiro: no tocante ao valor referente às benfeitorias úteis e
necessárias; e,
b) em Títulos da Dívida Agrária: para os valores referentes à terra nua.
Os Títulos da Dívida Agrária - TDAs estão previstos no artigo 184 da
Constituição Federal. Trata-se de um Título público, com finalidade específica de
custear a Reforma Agrária, o qual conterá: a) a denominação Título da Dívida
Agrária; b) a quantidade de Títulos; c) a data do lançamento; d) a data do
vencimento; e, e) o valor nominal em real. O referido dispositivo constitucional
prevê que esses Títulos serão resgatáveis no prazo de até 20 anos, a partir do
segundo ano de sua emissão.
Os TDAs são regulados por diversas normas, sendo as principais a Lei
número 8.177, de 01 de março de 1991, a Lei número 8.660, de 28 de maio de 1993
e o Decreto número 578, de 24 de junho de 1992. Sobre esses Títulos incide
correção monetária e juros, no percentual de 6% ao ano, havendo precedentes
jurisprudenciais no sentido de que o o percentual de juros seja de 12% ano.
Importante salientar que tais Títulos poderão ser utilizados para pagamento de até
50% do valor do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR. Também
poderão ser utilizados no pagamento de preço de terras públicas, prestação de
garantia, depósito para assegurar a execução em ações judiciais e ou administrativas,
caução para garantia de qualquer contrato de obras ou serviços celebrados com a
União, empréstimos ou financiamentos em estabelecimentos da União, autarquias
federais e sociedades de economia mista, entidades ou fundos de aplicação às
atividades rurais criadas para esse fim. Após o vencimento, servirá, ainda, para
aquisição de ações de empresas estatais435
.
2.6. Contratos Agrários
No setor agrícola, assim como nos demais setores da economia ocorrem
inúmeras relações negociais entre produtores rurais, proprietários de imóveis rurais,
193
instituições financeiras, indústrias, dentre outros. O amparo legal para essas relações
negociais podem ser encontratos na legislação comercial, civil, bancária, etc., mas é
o Estatuto da Terra, Lei número 4.504, de 30 de novembro de 1964, e o Decreto
número 59.566, de 14 de novembro de 1966, que disciplinam de forma mais ampla
os contratos agrários.
A legislação brasileira contempla os contratos de arrendamento rural e
parcerias rurais como contratos agrários típicos ou nominados. O Estatuto da Terra,
por sua vez, estabeleceu os princípios norteadores dos contratos agrários no seu art.
13 e incisos:
Art. 13. Os contratos agrários regulam-se pelos princípios gerais que regem
os contratos de Direito comum, no concerne ao acordo de vontade e ao
objeto, observados os seguintes preceitos de Direito Agrário:
I – arts. 92, 93 e 94 da Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964, quanto ao
uso ou posse temporária da terra;
II – arts. 95 e 96 na mesma Lei, no tocante ao arrendamento rural e à
parceria agrícola, pecuária, agroindustrial e extrativa;
III – obrigatoriamente as cláusulas irrevogáveis, estabelecidas pelo IBRA,
que visem à conservação de recursos naturais;
IV – proibição de renúncia, por parte do arrendatário ou do parceiro não-
proprietário, de direitos ou vantagens estabelecidas em leis ou regulamentos;
V – proteção social e econômica aos arrendatários cultivadores diretos e
pessoais.
Neste passo, o Decreto número 59.566/66, ao regulamentar o uso da posse
temporária da terra, estabelece em seu artigo 1o que:
O arrendamento e a parceria são contratos agrários que a lei reconhece,
para o fim de posse ou uso temporário da terra, entre o proprietário, quem
detenha a posse ou tenha livre administração de um imóvel rural e aquele
que nela exerça qualquer atividade agrícola, pecuária, agroindustrial,
extrativa ou mista (artigo 92 da Lei número 4.504, de 30 de novembro de
1964 e artigo 13 da Lei 4.947 de 06 de abril de 1966).
A legislação brasileira contempla os contratos de arrendamento rural e
parcerias rurais como contratos agrários típicos ou nominados. Já os contratos de
empreitada, pastoreio, depósito, comodato, roçado, fica e arrendamento mercantil,
por exemplo, são considerados contratos agrários atípicos ou inominados, por não
estarem previstos na legislação. Muitos desses contratos, cumpre notar, estão
previstos no ordenamento jurídico de outros países, nos quais contratos agrários de
pastoreio, colheita e, até mesmo, de câmbio são considerados típicos.
194
Em que pese a diversidade de contratos, o presente livro abordará somente os
contratos considerados típicos no Brasil, ou seja, arrendamento rural e parceria rural.
2.6.1. Arrendamento Rural
O arrendamento rural equivale à locação urbana. Nesses casos, arrendador e
arrendatário ajustam preço fixo pelo uso da propriedade imobiliária rural com a
intenção de obter lucro.
O Estatuto da Terra prevê o contrato de arrendamento rural nos artigos 92 a
95-A, posteriormente, regulamentados pelo Decreto número 59.566/66.
2.6.1.1. Conceito de Arrendamento Rural
O artigo 3º, do Decreto número 59.566/66, conceitua arrendamento rural
como contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo
determinado ou não, o uso e gozo de imóvel rural, parte ou partes do mesmo,
incluindo, ou não, outros bens, benfeitorias e ou facilidades, com o objetivo de nêle
ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa
ou mista, mediante, certa retribuição ou aluguel , observados os limites percentuais
da Lei.
2.6.1.2. Dos Direitos e Deveres das Partes Contratantes
2.6.1.2.1. Dos Direitos do ArrendadorCXV
De acordo com o Decreto número 59.566/66, em seu Capítulo III, os direitos
do arrendador são os seguintes: a) receber pontualmente o preço do arrendamento;
b) opor-se a cortes e podas se danosos ao meio ambiente, nos termos do artigo 42; e,
c) em caso de venda do imóvel arrendado, o arrendador tem o direito de não vender
parcela ou parcelas do Imóvel Rural arrendado, se elas não abrangerem a totalidade
da área, conforme artigo 46, parágrafo 1º.
2.6.1.2.2. Dos Deveres do Arrendador
Nos termos do artigo 40, do Decreto número 59.566/66, cabe ao arrendador:
a) entregar o Imóvel Rural objeto do contrato de arrendamento ao arrendatário na
data estabelecida ou segundo os usos e costumes da região em que se localiza o
imóvel; b) garantir, durante a vigência do contrato de arrendamento, ao arrendatário,
CXV Arrendador: é a pessoa que cede ou arrenda o Imóvel Rural, podendo ser o proprietário, o usufrutuário ou
o possuidor, ou seja, aquele que tem livre administração do Imóvel Rural, nos termos do Decreto número
59.566, de 14 de novembro de 1966, artigos 1º e 3º, parágrafo 2º.
195
o uso e gozo do Imóvel Rural objeto do contrato; c) fazer no Imóvel Rural, objeto do
contrato de arrendamento, as obras e reparos necessários; e, d) caso não tenha sido
convencionado de forma diversa, pagar as taxas, impostos, foros e contribuições de
qualquer natureza que incidam ou venham a incidir sobre o Imóvel Rural objeto do
contrato.
O Estatuto da Terra, no artigo 93, também estabelece proibições ao
arrendador, tais como exigir do arrendatário: a) prestação de serviço gratuito; b)
exclusividade na venda da colheita; c) obrigatoriedade do beneficiamento da
produção em seu estabelecimento; d) obrigatoriedade da aquisição de gêneros e
utilidades em seus armazéns ou barracões; e, e) aceitação de fixação do preço do
arrendamento em ordens, vales ou outras formas regionais substitutivas da moeda.
2.6.1.2.3. Os Direitos do ArrendatárioCXVI
O Estatuto da Terra assegura ao arrendatário uma proteção capaz de lhe
auspiciar um crescimento social e econômico. Dentre os principais direitos do
Arrendatário destacam-se: a) preferência na aquisição do imóvel, em igualdade de
condições com terceiros; b) irrenunciabilidade dos direitos garantidos por Lei,
dentre eles: i) teto de 30% sobre o valor da terra nuaCXVII
para o preço do
arrendamento quando abranger parte do imóvel; e, ii) teto de 15% sobre o valor da
terra nua para preço do arrendamento quando tiver como objeto o arrendamento de
todo o imóvel; c) renovação ou prorrogação do contrato; e, d) indenização pelas
benfeitorias úteis e necessárias, podendo permanecer no imóvel e dele usufruir
enquanto não for indenizado. As benfeitorias voluptuárias também são indenizáveis,
desde que autorizada previamente a execução pelo arrendador.
2.6.1.2.4. Os Deveres do Arrendatário
O Decreto número 59.566/66, nos artigos 41 e 44, estabelece as seguintes
obrigações ao arrendatário: a) pagar o preço do arrendamento ao arrendador; b)
conservar o imóvel: terra, acessões e benfeitorias, nas condições que recebeu; c)
observar a legislação ambiental, preservando a fauna, a flora e os mananciais
hídricos; d) cumprir as obrigações trabalhistas e previdenciárias; e) manter o imóvel
livre de invasões e turbações de terceiros; f) fazer no imóvel, durante a vigência do
contrato, as benfeitorias úteis e necessárias, salvo se tiver sido convencionado em
CXVI Arrendatário: é a pessoa ou conjunto familiar, representado pelo seu chefe, que recebe ou toma por
aluguel o Imóvel Rural. É a parte que detém a posse direta do imóvel, a qual assume todos os riscos da
exploração e se beneficia dos lucros, também nos termos do Decreto número 59.566, de 14 de novembro de
1966, artigos 1º e 3º, parágrafo 2º. CXVII De acordo com a Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal número 84, de 11 de outubro de
2001, terra nua é o Imóvel Rural com a mata nativa, não incluindo as benfeitorias – construções, instalações e melhoramentos – as culturas permanentes e temporárias, as árvores e florestas plantadas e as pastagens
cultivadas ou melhoradas.
196
contrário; g) devolver, ao término do contrato, o Imóvel Rural objeto do contrato, tal
como recebeu; e, h) em caso de extinção ou rescisão do contrato de arrendamento, o
arrendatário permitirá à pessoa que estiver entrando no Imóvel Rural a prática de
atos necessários à realização dos trabalhos preparatórios para o ano que segue.
2.6.1.3. Prazos de Vigência dos Contratos de Arrendamento
Os artigos 95, inciso XI, alínea "b" e 96, inciso V, alínea "b", do Estatuto da
Terra bem como o artigo 13, inciso II, alínea "a" do Decreto número 59.566/66
estabelecem prazos mínimos de vigênciaCXVIII
para os contratos de arrendamento, a
saber:
a) prazo mínimo de 03 anos, para os casos de arrendamento em que seja
desenvolvida a atividade de exploração de lavoura temporária ou de
pecuária de pequeno e médio porte;
b) prazo mínimo de 05 anos, para os casos de arrendamentos em que seja
desenvolvida a atividade de exploração de lavoura permanente ou
pecuária de grande porte para cria, recria, engorda ou extração de
matérias primas de origem animal; e,
c) prazo mínimo de 07 anos, nos casos em que ocorra exploração
florestal.
Nos casos de contratos de arrendamento com cláusula de prazo
indeterminado, o entendimento é de que este deverá viger por três anos, sempre se
devendo observar a norma de que os prazos terminarão sempre depois de ultimada a
colheita, nos termos do artigo 95, incisos I e II, do Estatuto da Terra, sendo nulaCXIX
toda e qualquer disposição em que o arrendatário renuncie ao direito pelos prazos
mínimos, por ser este direito considerado indisponível.
Deve-se observar, também, nos casos de contratos de arrendamento por
prazo indeterminado, que o prazo somente se encerrará depois de ultimada a
colheita, após a parição dos rebanhos, ou depois da safra de animais de abate.
2.6.1.4. Do Preço e do Pagamento
O Decreto número 59.566/66, no artigo 18, determina que nos contratos de
arrendamento o preço sempre deve ser estipulado em dinheiro, ou seja, em moeda
corrente nacional. No entanto, é comum que a contraprestação do arrendatário seja
paga mediante a entrega de produtos.
Cumpre observar que essa é razão de divergências jurisprudenciais quanto à
legalidade da estipulação do pagamento in natura. Vejamos:
CXVIII Vigência: é o lapso temporal durante o qual algo surte seus efeitos, durante o qual algo vigora. CXIX Cláusula Nula: cláusula contratual que não produz efeito algum, é como se não tivesse sido contratada.
197
CONTRATOS AGRÁRIOS. ARRENDAMENTO RURAL.
DESCUMPRIMENTO. RESOLUÇÃO. RECONVENÇÃO. ALEGAÇÃO DE
NULIDADE DE CLÁUSULA DE PREÇO EM PRODUTO. Descumprido o
pagamento do arrendamento, nos moldes contratados, incide a resolução do
contrato por inadimplemento. CLÁUSULA DE PREÇO EM PRODUTO.
Entendimento de que ao arrendatário impõe-se alegar e demonstrar o
prejuízo que teria com o pagamento em produto, vez que se trata de costume
regional, a ser levado em consideração, tendo sido alteradas as
características que, à época da legislação, conduziram às respectivas
disposições. Costume é fonte material de direito, resultante da observação
das condutas sociais, que devem receber valor normativo, sempre que se
ajustem aos princípios e regras fundamentais do ordenamento, onde não se
encontra a nulidade pela nulidade. Apelação desprovida. (APELAÇÃO
CÍVEL NÚMERO 70004861613, NONA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL, RELATOR: DESEMBARGADORA
REJANE MARIA DIAS DE CASTRO BINS, JULGADO EM 18 DE
DEZEMBRO DE 2002).
ARRENDAMENTO RURAL. PREÇO. A cláusula que fixa o preço do
arrendamento rural em quantidade de produtos é nula (Decreto nº 59.566, de
1966, art. 18), e deve ser substituída pelo que for apurado, por arbitramento,
em liquidação de sentença. Recurso especial conhecido e provido. Superior
Tribunal de Justiça, Terceira Turma, Recurso Especial 2002/0005903-5,
Relator: Ministro Ari Pargendler, julgado em 27 de junho de 2002,
publicado em 05 de agosto de 2002.
Vale destacar que o preço do arrendamento, independentemente da forma de
pagamento, não poderá superar os percentuais máximos estabelecidos pelo Estatuto
da Terra. Ou seja, sob qualquer forma de pagamento, a remuneração do
arrendamento não poderá ser superior a 15% do valor cadastral do imóvel, incluindo
as benfeitorias que entrarem na composição do contrato ou não superior a 30% se o
arrendamento for parcial e recair apenas em áreas selecionadas para fins de
exploração intensiva de alta rentabilidade, nos termos do artigo 95, inciso XII, do
Estatuto da Terra, com as alterações inseridas pela Lei número 11.443, de 05 de
janeiro de 2007.
O legislador não dispôs expressamente a respeito da data do pagamento do
arrendamento. .Todavia, no Decreto número 59.566/66, mencionou, no artigo 12,
inciso VIII, que os contratos escritos deverão conter as indicações dos modos,
formas e época do pagamento. Assim, subentende-se que as partes livremente
pactuarão a respeito da data do pagamento.
Costumeiramente, o pagamento dos contratos de arrendamento agrícola dá-se
depois de ultimada a colheita, ou seja, após a safra, que, dependendo de cada
cultivo, dar-se-á em épocas diferentes. Nos casos de arrendamento para exploração
198
de pecuária, segundo Wellington Pacheco de Barros, o pagamento do preço pode ser
convencionado pelo tempo de vigência do contrato, englobadamente, e o seu
pagamento estabelecido para ser feito em parcelas, duas ou mais, durante cada ano
contratual, coincidindo com as épocas de venda do rebanhoCXX
.
2.6.1.5. Reajuste do Preço
Nos termos do artigo 16, parágrafo 1º, do Decreto número 59.566/66, a
fixação do preço nos contratos de arrendamento pode ser anualmente corrigida, no
que tange ao valor da terra, caso haja acordo entre as partes, pois se trata de uma
faculdade e não de uma obrigação. Neste caso, são utilizados os indicadores do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA.
Nos casos em que ocorrer exploração de produtos com preço oficialmente
fixado, a relação entre os preços reajustados e os iniciais não poderá ultrapassar a
relação entre o novo preço fixado para os produtos e o respectivo preço na época do
contrato, conforme dispõe o artigo 16, parágrafo 2º, do Decreto número 59.566/66.
Ou seja, a correção não poderá ter índice superior ao percentual de aumento do
preço mínimo oficial do produto explorado.
2.6.1.6. Cláusulas Obrigatórias nos Contratos de Arrendamento
Em todos os contratos agrários, deverão constar determinadas cláusulas
referentes a Direitos indisponíveis, recursos naturais, proteção social e econômica
dos contratantes, nos termos do artigo 13, do Decreto número 59.566/66, a saber:
a) proibição da renúncia dos direitos estabelecidos pela legislação;
b) observância dos prazos de vigência dos contratos;
c) fixação do preço do arrendamento, em quantia certa, a ser pago em
dinheiro ou no seu equivalente em frutos ou produtos;
d) estabelecimento de bases para as renovações convencionadas;
e) apresentação das causas de extinção e rescisão do contrato;
f) estabelecimento de direito e formas de indenização quanto às
benfeitorias realizadas;
g) estabelecimento de direitos e obrigações quanto aos danos
substanciais à propriedade; e,
h) observância das normas de proteção social e econômica das partes.
CXX Wellington Pacheco de Barros, Contrato de Parceria Rural: doutrina, jurisprudência e prática – Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 169.
199
Note-se que essas regras são de inclusão obrigatória nos contratos escritos e,
em caso de contratos verbais, subentende-se que foram devidamente pactuadas436
.
2.6.1.7. Da Inadimplência
Os artigos 93, parágrafo 6º, do Estatuto da Terra e o artigo 27, do Decreto
número 59.566/66, prevêem que o inadimplemento das obrigações pactuadas por
qualquer das partes contratantes, poderá ensejar a rescisão do contrato, ficando a
parte inadimplente obrigada a ressarcir as perdas e danos causados.
No caso de descumprimento pelo arrendatário de suas obrigações contratuais
e legais, a rescisão do contrato depende da sua prévia constituição em mora, através
de notificação judicial ou extrajudicial, para que cumpra o contratado.
2.6.1.8. A Renovação e Prorrogação do Contrato
Muito embora tenham semelhanças, há de se fazer a distinção entre
renovação e prorrogação:
a) prorrogação: é ato jurídico que dilata a vigência de um contrato com
cláusula de vigência temporal e pré-fixada. Normalmente, ocorre por
motivos de força maior e, nesses casos, os contratos serão prorrogados
até a conclusão da meta. Os casos mais comuns de prorrogação dos
contratos agrários são: i) atraso nas colheitas; ii) atraso na parição dos
rebanhos; e, iii) atraso na preparação, engorda, dos animais para abate.
Oportuno registrarmos que somente ocorrerá a prorrogação de um
contrato vigente, sob pena de ser declarado inexistente juridicamente.
Assim, após a ocorrência de alguma das causas extintivas do contrato
de arrendamento, será necessária a celebração de um novo contrato.
b) renovação: é ato jurídico que estabelece um contrato que já existiu
anteriormente; é o reestabelecimento do pacto.
A renovação é um dos elementos centrais nos contratos de arrendamento, nos
quais o arrendatário está autorizado a exercer a preferência na renovação em
igualdade de condições em relação a terceiros interessados no imóvel. Nesse
sentido, constitui obrigação do arrendador notificar o arrendatário de prováveis
propostas com no mínimo seis meses de antecedência ao vencimento do contrato.
Em não se verificando a notificação, o contrato estará renovado, automaticamente.
Existem, todavia, dois casos excluídos da previsão de notificação prévia: a)
quando o arrendador notificar o arrendatário com prazo de no mínimo seis meses de
antecedência, declarando sua intenção de retomar o imóvel para explorá-lo, seja, por
ele ou por descendentes; e, b) quando o arrendatário, após a decorrência de trinta
200
dias do vencimento do contrato, manifestar sua desistência ou formular nova
proposta.
2.6.1.8.1. Da Renovação Automática
Conforme o artigo 95, inciso IV, do Estatuto da Terra, bem como o artigo 22,
parágrafo 1º, do Decreto 59.566/66, nos casos em que não houver notificação até
seis meses antes do vencimento do contrato do arrendador ao arrendatário e, desde
que o arrendatário, nos 30 dias seguintes ao vencimento do contrato, não manifeste
sua desistência ou formule nova proposta, o contrato de arrendamento renovar-se-á
automaticamente.
Com a renovação automática do contrato, tem origem uma questão
extremamente polêmica no Direito Agrário: qual será a vigência do contrato: por
prazo determinado ou indeterminado? A legislação brasileira nada dispõe sobre a
questão, sendo que a doutrina e a jurisprudência se dividem.
Nesta obra, esposamos o entendimento de Wellington Pacheco de Barros, que
defende que, nos casos de contratos de arrendamento por prazo indeterminado, o
novo contrato deverá respeitar o prazo mínimo de acordo com o tipo de exploração
contratada; quanto aos contratos de arrendamento por prazo determinado, não há
dúvida de que este será renovado por igual período437
.
Nesse sentido, entende a Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul, a saber:
ARRENDAMENTO RURAL. AÇÃO DE DESPEJO. RENOVAÇÃO TÁCITA.
PRAZO. NOTIFICAÇÃO. INTEMPESTIVA. DENÚNCIA VAZIA.
IMPOSSIBILIDADE. No caso de contrato de arrendamento rural por prazo
determinado, ocorrendo a renovação tácita, esta se dá pelo mesmo período
de duração do pacto originário. No presente caso, a notificação do interesse
na retomada do imóvel não se deu seis meses antes do encerramento do
contrato, ocorrendo, portanto a renovação automática do mesmo. Como nos
contratos agrários é vedada a denúncia vazia e a autora não alegou
qualquer dos motivos que dão ensejo ao encerramento do contrato por
denúncia cheia, deve a sentença ser revertida para a improcedência da ação.
APELO PROVIDO. (APELAÇÃO CÍVEL NÚMERO 70006047302, DÉCIMA
CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: LUIZ ARY
VESSINI DE LIMA, JULGADO, EM 11 DE SETEMBRO DE 2003).
2.6.1.9. Causas da Extinção
O Decreto número 59.566/66, no artigo 26, prevê alguns casos em que os
contratos de arrendamento serão extintos. Vejamos: a) pelo término da vigência do
contrato sem renovação; b) pela retomada do imóvel; c) pela aquisição da gleba pelo
201
arrendatário; d) pelo distrato ou rescisão do contrato; e) pela extinção do Direito do
arrendador; f) por motivo de força maior, que impossibilite a manutenção do
contrato; g) por sentença judicial transitada em julgado; h) pela perda do Imóvel
Rural; i) pela desapropriação, parcial ou total, do Imóvel Rural; e, j) por qualquer
outra causa prevista em Lei.
2.6.1.10. Estrutura do Contrato de Arrendamento
Conforme o Decreto 59.566/66, os contratos de arrendamento devem
observar vários requisitos formais. Aqui relacionamos os pontos que reputamos
indispensáveis a qualquer contrato agrário: a) lugar de assinatura do contrato; b) data
de assinatura do contrato; c) nome e qualificação das partes contratantes; d) objeto
do contrato; e) qualificação do imóvel; f) descrição das benfeitorias; g) localização
do imóvel; h) registro do imóvel no Cartório de Registro de Imóveis; i) registro do
imóvel junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA; j)
período de vigência do contrato; l) preço do arrendamento; m) forma de pagamento
do preço; n) jurisdição do contrato; o) qualificação das testemunhas; p) assinatura
das partes; e, q) assinatura das testemunhas.
2.6.1.11. Subarrendamento Rural
O Decreto número 59.566/66, em seu artigo 3°, parágrafo 1°, define
subarrendamento como sendo o contrato em que o arrendatário transfere a outrem,
no todo ou em parte, os direitos e obrigações do seu contrato de arrendamento.O
subarrendamento tem regulamentação igual ao contrato de arrendamento, havendo
apenas uma mudança nos pólos da relação, pois o arrendatário torna-se o
subarrendador e uma terceira pessoa, o subarrendatário. Note-se que o
subarrendatário não tem vínculo algum com o arrendador principal.
Esta espécie de sub-contrato é disciplinada conforme dispõe o artigo 95, VI,
do Estatuto da Terra. Este artigo estipula que a validade do subarrendamento
depende do consentimento expresso do proprietário do Imóvel Rural, o qual não tem
a obrigação de aceitá-lo. É necessário que o arrendador autorize o subarrendamento
e, se por ventura isso não acontecer, a validade do contrato poderá ser questionada
pelo proprietário.
Justamente pelo fato de ser considerado um sub-contrato, o prazo do
subarrendamento não pode ser superior ao prazo do arrendamento e, uma vez
transcorrido este, extinto será também o subarrendamento.
2.6.1.12. Arrendatário como Conjunto Familiar
O Estatuto da Terra não é objetivo quanto ao arrendamento pelo conjunto
familiar, pois se furta a definir quem pode figurar como arrendatário. No entanto, o
202
artigo 3º, parágrafo 2º do Decreto número 59.566/66, quando conceitua arrendatário
dispõe sobre o conjunto familiar. Ainda, o artigo 26, parágrafo único, do mesmo
Decreto estabelece que não será causa de extinção de contratos agrários se, com a
morte do arrendatário, houver, no conjunto familiar, alguém qualificado que possa
prosseguir na execução do contrato.
Como a interpretação que se deve dar ao contrato de arrendamento é sempre
em proteção ao arrendatário, porque esta é a sistemática criada pelo legislador,
temos por conjunto familiar aquele agregado de pessoas formado por laços legais,
consangüíneos ou mesmo fático de parentesco, constituindo uma unidade econômica
de produção rural438
.
2.6.1.13. Substituição Facultativa da Área
Ao celebrar um contrato de arrendamento rural, as partes contratantes têm por
objeto desse contrato o uso ou a posse temporária de um Imóvel Rural específico.No
entanto, a lei autoriza a substituição de uma área por outra dentro do prazo do
contrato de arrendamento.
Determinadas modalidades de exploração rural utilizam intensamente a terra,
como é o caso do cultivo do arroz e do trigo que, por condições técnicas, não devem
ser cultivados anualmente, na mesma área. Daí advém a necessidade da substituição
da área arrendada.
2.6.1.14. Arrendamento de Imóveis de Propriedade Estatal
Imóveis rurais de propriedade estatal não podem ser objeto de contrato de
arrendamento rural por ferir a razão de ser da atividade estatal. Porém,
ocasionalmente, a Lei permite esse tipo de arrendamento, nos termos do Estatuto da
Terra e do Decreto número 59.566/66, nos seguintes casos: a) por razões de
segurança nacional; b) quando áreas de núcleos de colonização pioneira, na sua fase
de implantação, forem organizadas para fins de demonstração; c) por motivo de
posse pacífica e a justo título, reconhecida pelo poder público, antes da vigência do
Estatuto da Terra, ou seja, antes de 1964.
2.6.1.15. Arrendatário Estrangeiro
Até a Constituição Federal de 1988, nada foi legislado a respeito do
arrendamento de imóveis rurais por estrangeiros. Seu artigo 190 fixa que a aquisição
ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira será
regulada e limitada por Lei Especial, que estabelecerá, ainda, os casos que
dependam de autorização do Congresso Nacional.
203
Ocorre que a legislação especial de que fala a Constituição Federal de 1988
só veio a ser editada em 1993, cinco anos depois, com a promulgação da Lei número
8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Essa Lei, em seu artigo 23, determina a aplicação
aos contratos de arrendamento de Imóvel Rural todos os limites, restrições e
condições da Lei número 5.709, de 07 de outubro de 1971.
Assim, o arrendatário pessoa física que não seja brasileiro nato ou
naturalizado ou pessoa jurídica, que não se caracterize como empresa brasileira,
sofre limitações legais para firmar contrato de arrendamento rural que podem ser
resumidas da seguinte forma439
:
a) o contrato de arrendamento rural, quando o arrendatário for pessoa
física ou jurídica estrangeira deve ser escrito, nele constando,
obrigatoriamente, a menção ao documento de identidade, se pessoa
física, ou os documentos comprobatórios de sua constituição ou
licença se funcionamento do País, se pessoa jurídica. O contrato
deverá mencionar, também, a prova de residência ou domicílio de
arrendatário estrangeiro;
b) se o Imóvel Rural objeto do contrato de arrendamento estiver
localizado em área considerada indispensável à segurança nacional ou
em faixa de fronteira, deverá ter prévia autorização do Conselho de
Defesa Nacional;
c) a soma dos imóveis rurais arrendados, num mesmo município, por
estrangeiros não poderá ser superior a um quarto da superfície dos
municípios onde se situem e, se da mesma nacionalidade, não poderá
ultrapassar a 40% do limite anterior, ou seja, 40% de um quarto de
área do município; e,
d) o Imóvel Rural arrendado não poderá ter área superior a 50 módulos
rurais, em área contínua ou descontínua.
As restrições acima expostas não são aplicáveis se a área arrendada tiver for
inferior a 3 módulos rurais.
2.6.2. Parcerias Rurais
As Parcerias Rurais ocorrem nos casos em que proprietário ou quem detém a
posse (parceiro-outorganteCXXI
) ou a livre administração de um Imóvel Rural
transfere à outra pessoa (parceiro-outorgadoCXXII
) o direito de uso da propriedade,
total ou parcialmente, por prazo determinado ou indeterminado, para
CXXI Parceiro-outorgante é o cedente, proprietário ou não, do imóvel objeto da Parceria Rural, nos termos do Decreto número 59.566/66, artigo 4, parágrafo único. CXXII Parceiro-outorgado é a pessoa ou conjunto familiar que recebe o Direito de explorar o imóvel objeto da
Parceria Rural, também nos termos do Decreto número 59.566/66, artigo 4, parágrafo único.
204
desenvolvimento de atividade agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista,
com o compartilhamento dos riscos, dos frutos, dos produtos e dos lucros.
As parecerias rurais são regulamentadas pelo Estatuto da Terra e pelo
Decreto 59.566/66, havendo ainda disposições gerais no Código Civil.
2.6.2.1. Espécies de Parcerias
O artigo 5º do Decreto número 59.566/66 prevê diversas espécies de
parcerias rurais, cada qual contendo peculiaridades inerentes aos fins a que se
destinam:
a) parceria agrícola: verifica-se quando uma pessoa, o parceiro-
outorgante, cede à outra, o parceiro-outorgado, o uso de um Imóvel
Rural total ou parcialmente, para que nele seja exercida a atividade de
plantio ou a qualquer espécie de exploração agrícola. O parceiro-
outorgado cultivará a terra e pagará ao parceiro-outorgante uma renda,
que será estipulada por ambos e terá como base o lucro obtido na
exploração;
b) parceria pecuária: Quando o objeto da cessão forem animais para cria,
recria, invernagem ou engorda. Decorre da entrega de animais ao
parceiro-outorgado, por tempo determinado, para que este os crie,
recrie, inverne ou engorde, mediante participação nos lucros
produzidos. Esses lucros poderão ser estipulados através de uma
percentagem sobre as crias dos animais ou uma participação na
retirada de seus produtos, observando-se sempre os percentuais
previstos legalmente440
;
c) parceria agroindustrial: quando o parceiro-outorgante, além de
disponibilizar o Imóvel Rural total ou parcialmente, cede o uso de
máquinas e implementos agrícolas ao parceiro-outorgado, com o
objetivo de ser exercida a atividade de transformação dos produtos
agrícolas, pecuários ou florestais;
d) parceria extrativa: quando o objeto da cessão for o uso de Imóvel
Rural, de parte ou partes dele e ou animais de qualquer espécie com o
objetivo de ser exercida atividade extrativa de produto agrícola, animal
ou florestal; e,
e) parceria mista: aquela cujo objeto da cessão abranger mais de uma das
modalidades definidas anteriormente.
205
2.6.2.2. Dos Direitos e Deveres das Partes Contratantes
Aplicam-se aos parceiros-outorgantes e aos parceiros-outorgados as normas
previstas nos artigos 40 e 41 do Decreto número 59.566/66, no que tange aos seus
direitos e deveres, ou seja, aplicam-se à parceria rural as mesmas normas do
arrendamento rural.
Além das regras acima referidas, deverá o parceiro-outorgante assegurar casa
de moradia e área suficiente para o plantio de hortaliças e criação de animais de
pequeno porte ao parceiro-outorgado que residir no imóvel rural objeto da parceria,
para uso exclusivo de sua família, nos termos do artigo 96, inciso IV, do Estatuto da
Terra do artigo 48, parágrafo 1º, do Decreto número 59.566/66.
No que tange ao parceiro-outorgado, independentemente do disposto no
artigo 41 do Decreto número 59.566/66, ficará este responsável pelas despesas com
o tratamento e criação dos animais, caso não haja acordo em contrário, conforme
dispõem o artigo 96, inciso III, do Estatuto da Terrae o artigo 48, parágrafo 2º, do
Decreto número 59.566/66. Será garantido ao parceiro-outorgado o direito de dispor
livremente dos frutos e produtos que lhe cabem por força do contrato, nos termos do
artigo 96, inciso V, alínea "f", do Estatuto da Terra, e do artigo 13, inciso VII, alínea
"c", do Decreto número 59.566/66. Outro direito que detém o parceiro-outorgado é o
à preferência quando da alienação do imóvel cedido em parceria ou quando da
renovação do contrato de parceria, conforme os artigos 92, parágrafo 3º e 95, inciso
IV do Estatuto da Terra, e artigo 22 do Decreto número 59.566/66.
2.6.2.3. Proibições aos Parceiros
O Estatuto da Terra autoriza os parceiros a contratarem livremente suas
parcerias rurais, mas estabelece alguns limites, proibindo o proprietário do Imóvel
Rural de realizar algumas exigências do parceiro-outorgado, nos termos do artigo
93, do Estatuto da Terra, podendo-se mencionar: a) prestação de serviço gratuito; b)
exclusividade da venda da colheita; c) obrigatoriedade do beneficiamento da
produção em seu estabelecimento; d) obrigatoriedade da aquisição de gêneros e
utilização de seus armazéns ou barracões; e, e) aceitação de pagamento em ordens,
vales ou outras formas regionais substitutivas da moeda.
Ainda, no que se refere à restrição aos parceiros, dispõe o artigo 13, inciso
VII, alínea "c", que nenhum dos contratantes poderá dispor dos frutos ou produtos
havidos antes de efetuada a partilha, devendo o parceiro-outorgado avisar o
parceiro-outorgante, com antecedência, da data em que iniciará a colheita ou
repartição dos produtos pecuários.
206
2.6.2.4. Vigência dos Contratos de Parceria Rural
Quando inexistente disposição expressa, o Estatuto da Terra, assegura ao
parceiro-outorgado a vigência do Contrato de Parceria Rural pelo prazo de 03 anos,
período este que pode ser prorrogado até a finalização da colheita, nos termos do
artigo 96, inciso I, do Estatuto da Terra e artigo 37 do Decreto número 59.566/66
Note-se, ainda, que, em relação ao prazo de vigência dos contratos de
parceria, devem ser observados os prazos dispostos no artigo 13, do Decreto
59.566/66, eis que, no caput desse dispositivo, encontramos a determinação desses
lapsos temporais para todos os contratos agrários, não tendo o legislador agrário
diferenciado os contratos de arrendamento rural e de parceria.
2.6.2.5. Das Quotas de Partilha
Assim como a questão envolvendo a fixação do preço no contrato de
arrendamento, a questão da partilha das quotas no contrato de parceria é uma
matéria muito discutida no direito agrário, tendo em vista que, muitas vezes, as
porcentagens legais fixadas no Estatuto da Terra não são observadas pelas partes
contratantes.
O Estatuto da Terra, estabeleceu limites às vantagens a serem auferidas pelo
parceiro-outorgante, considerando tais Direitos como de interesse público e,
portanto, irrenunciáveis pelo parceiro-outorgado. Assim, mesmo que seja contratado
espontaneamente, tais estipulações que ultrapassem esses limites não serão exigíveis
pelo parceiro-outorgante.
As vantagens ao parceiro-outorgante deverão observar as estipulações do
artigo 96, inciso VI, alíneas "a" a "e", do Estatuto da Terra, considerando as
alterações inseridas pela Lei número 11.443, de 05 de janeiro de 2007, quais sejam:
a) 20% quando concorrer apenas com a terra nua;
b) 25% quando concorrer com a terra preparada;
c) 30% quando concorrer com a terra preparada e moradia;
d) 40% quando concorrer com conjunto básico de benfeitorias,
constituído especialmente de casa de moradia, galpões, banheiro para
gado, cercas, valas ou currais, conforme o caso;
e) 50% quando concorrer com a terra preparada e o conjunto de
benfeitorias enumerados na alínea “d” e mais o fornecimento de
máquinas e implementos agrícolas, para atender os tratos culturais,
bem como sementes, animais de tração, e, nos casos de parceria
pecuária, com animais de cria em proporção superior a 50% do
número total de cabeças objeto de parceria; e,
207
f) 75% quando ocorrer nas zonas de pecuária ultra-extensiva, em que
forem os animais de cria em proporção superior a 25% do rebanho em
que se adotarem a meação do leite e a comissão mínima de 5% por
animal vendido.
Nos demais casos não previstos, a cota adicional do parceiro-outorgante será
fixada com base em percentagem máxima de 10% sobre o valor das benfeitorias ou
dos bens postos à disposição do parceiro-outorgado, conforme dispõe o artigo 96,
inciso VIII, do Estatuto da Terra.
Poderá, ainda, o parceiro-outorgante cobrar do parceiro-outorgado o valor
gasto com fertilizantes e inseticidas utilizados nas terras objeto da parceria,
observando-se o valor de custo dos produtos, nos termos do artigo 96, inciso IX, do
Estatuto da Terra.
Esses índices legais foram estabelecidos pelo legislador agrário tendo em
vista sua preocupação em proteger econômica e socialmente o parceiro-outorgado,
que, na maioria, das vezes é a parte hipossuficiente.
2.6.2.6. Cláusulas Obrigatórias dos Contratos de Parceria Rural
O contrato de parceria rural possui, também, cláusulas obrigatórias, as quais
visam assegurar a conservação dos recursos naturais e a proteção social e econômica
do parceiro-outorgado. Da mesma forma como no contrato de arrendamento rural, as
cláusulas obrigatórias estão dispostas no artigo 13, do Decreto número 59.566/66, já
descritas anteriormente.
O Estatuto da Terra, em seu artigo 96, inciso V, traz, ainda, condições que
constarão obrigatoriamente nos contratos de parceria, a saber:: a) quota-limite do
proprietário na participação dos frutos, segundo a natureza de atividade agropecuária
e facilidades oferecidas ao parceiro; b) prazos mínimos de duração e os limites de
vigência segundo os vários tipos de atividade agrícola; c) bases para as renovações
convencionadas; d) formas de extinção ou rescisão; e) direitos e obrigações quanto
às indenizações por benfeitorias levantadas com consentimento do proprietário e aos
danos substanciais causados pelo parceiro, por práticas predatórias na área de
exploração ou nas benfeitorias, nos equipamentos, ferramentas e implementos
agrícolas a ele cedidos; e, f) direito e oportunidade de dispor sobre os frutos
repartidos.
2.6.2.7. Causas de Extinção
Como visto, os artigos 96, inciso VII, do Estatuto da Terra e o artigo 34 do
Decreto número 59.566/66 estabelecem que as normas estabelecidas para o contrato
de arrendamento rural são extensivas ao contrato de parceria. Por decorrência as
causas de extinção dos contratos de parceria rural são as mesmas: a) pelo término da
208
vigência do contrato sem renovação; b) pela retomada; c) pela aquisição da gleba
pelo parceiro; d) pelo distrato ou rescisão do contrato; e) pela extinção do Direito do
parceiro-outorgante; f) por motivo de força maior, que impossibilite a manutenção
do contrato; g) por sentença judicial transitada em julgado; h) pela perda do Imóvel
Rural; i) pela desapropriação, parcial ou total, do Imóvel Rural; e, j) por qualquer
outra causa prevista em Lei.
2.6.2.8. Subparceria Rural
Pode-se definir subparceria rural como sendo o contrato em que o parceiro-
outorgado transfere a outrem, no todo ou em parte, os direitos e obrigações do seu
contrato de parceria. Esse terceiro que adentra na relação não possui vínculo
contratual com o parceiro-outorgante, mas o contrato precisa ser previamente
aprovado por esse último.
Por se tratar de um subcontrato, o prazo da subparceria não pode ser superior
ao prazo da parceria e, uma vez transcorrido, extinta será também a subparceria.
Apesar de ser usado com freqüência, esse tipo de sub-contrato não está
previsto na legislação. Segundo o autor Wellington Pacheco de Barros o legislador
agrário não autorizou, expressamente, a possibilidade de existência de contrato de
subparceria rural como fez com o contrato de subarrendamento rural. No entanto,
no artigo 96, inciso VII, do Estatuto da Terra e, no artigo 48, do Decreto número
59.566, de 14 de novembro de 1966, determinou que se aplicassem a esse contrato
as normas que prescreveu sobre arrendamento rural e as relativas à sociedade,
desde que compatíveis.441
Dessa forma, a subparceria rural obedece às normas legais
estipuladas para o subarrendamento rural.
2.6.2.9. Parceria Rural e o Conjunto Familiar
Em princípio, a ocorrência da morte do parceiro-outorgado impõe,
compulsoriamente, a extinção do contrato de parceria rural uma vez que esta é
considerada uma condição personalíssima, ou seja, exclusiva de uma determinada
pessoa. No entanto, existe uma corrente minoritária defendendo a posição contrária.
Observamos haver possibilidade de sub-rogação do contrato existente a outro
parceiro-outorgado, situação em que deverão ser observadas as garantias mínimas
do parceiro-outorgado. Admite-se uma exceção no caso da morte do parceiro-
outorgado, sendo a parceria rural mantida pelo cônjuge ou pelo filho, ou seja, nos
termos do artigo 26, parágrafo único, do Decreto 59.566/66, a parceria não se
extinguirá com a morte do parceiro-outorgado se no conjunto familiar alguém possa
prosseguir na execução do contrato.
209
2.6.2.10. Parcerias Rurais Aparentes
Existem situações nas quais, artificiosamente indivíduos simulam contratos
de parcerias rurais para acobertar a outras relações jurídicas.
Tais condutas, normalmente, visam à obtenção de vantagens, algumas vezes,
entre os parceiros e, outras vezes, dos parceiros para com terceiros credores,
incluindo o fisco.
São recorrentes os casos em que contratos de parceria rural são usados para
velar um vínculo empregatício, ou seja, em relações caracterizadas pela
subordinação, pessoalidade e remuneração. Tal situação pode ocorrer, por exemplo,
quando houver a previsão de pagamento ao parceiro-outorgado em dinheiro ou parte
em dinheiro e parte em frutos e produtos da parceria e, ainda, quando houver
ausência de solidariedade recíproca – situação que, em tese, desconfiguram o
contrato de parceria.
Nessas situações, em que se confundem direitos trabalhistas com direitos do
parceiro-outorgado, é comum que surjam insolúveis controvérsias na doutrina e na
jurisprudência. Isso ocorre porque, ao mesmo tempo em que ambas categorias de
direitos são consideradas indisponíveis, também não existe consenso sobre a
cumulatividade desses Direitos..
2.6.2.11. A Exegese do Contrato de Parceria Rural
Entende-se que a interpretação dos contratos rurais pode seguir duas linhas:
aquela favorável à aglutinação do contrato rural como um contrato civil comum ou
aquela que o interpreta como um contrato distinto, existindo por si só e com suas
peculiaridades. A esse respeito, , o autor Wellington Pacheco de Barros discorre de
maneira distinta, a saber:
O Contrato de Parceria Rural não pode ser interpretado da mesma forma
que os contratos regidos pelo Código Civil. Embora não se negue que a
estrutura básica e genérica de qualquer contrato encontre montagem nos
fundamentos da legislação civil, como, por exemplo, a existência de agente
capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não proibida em Lei (artigo 82, do
Código Civil), a estrutura sistemática dos contratos que esse regramento
estabelece está calçada na plena autonomia de vontade ou liberdade
contratual. Isso significa que as partes são livres contratualmente e o que
firmarem terá a força de Lei entre elas.
Já nos contratos agrários não existe essa plenitude de vontade. As partes são
tuteladas pela Lei do Estado, representadas pelo Estatuto da Terra e pelo
Decreto 59.566/66. Como já se viu no tópico anterior, sequer podem dispor
ou renunciar aos Direitos que esses dispositivos legais prevêem. Por
conseguinte, autonomia de vontade, nos moldes preceituados no Código
210
Civil, existirá apenas na decisão ou não de contratar, pois se houve opção de
contrato, a vontade se subsumirá nos ditames da Lei. Os contratantes
deverão cumprir a vontade do legislador442
.
2.7. Crédito Rural
O Crédito Rural tem de garantir aos Produtores Rurais os recursos financeiros
necessários para arcarem com as despesas de todas as etapas da produção rural: a)
custeio – gastos com a produção ou plantio, de um ou mais períodos; b)
investimento – destinando a financiar a formação de capital fixo, ou semi-fixo, que
terá duração por diversas safras; c) comercialização – destinando a financiar os
elementos necessários após a colheita da safra, o que envolve o armazenamento, o
transporte, o pagamento de tributos, dentre outros; e, d) industrialização – destina-se
à transformação de matéria-prima em produtos rurais.
Embora já houvesse referência ao Crédito Rural no Estatuto da Terra, as
bases legais da atual política de crédito rural só foram estabelecidas pela Lei número
4.829, de 05 de novembro de 1965, que foi regulamentada pelo Decreto número
58.380, de 10 de maio de 1966. Posteriormente, a Constituição Federal de 1988
determinou, no artigo 187, que o Crédito Rural deve ser planejado e executado
conforme a Política AgrícolaCXXIII
, cujas bases foram estabelecidas no governo do
Presidente Fernando Collor de Melo, através da Lei número 8.171, de 17 de janeiro
de 1991, que dedicou o Capítulo XIII ao Crédito Rural.O modo de operação do
Crédito Rural no Brasilé tradicionalmente caracterizado pela disponibilização de
verbas pelo Governo para as instituições financeiras públicas e privadas, que
repassam as divisas por empréstimos aos produtores rurais. Para tanto, a legislação
Crédito Rural determina a aplicação compulsória de recursos para essa modalidade
de créditoCXXIV
, sendo que até mesmo entidades que não integram o Sistema
Financeiro Nacional podem atuar no financiamento agrícola.
O Princípio da Função Social está presente em diversas disposições da
Constituição Federal vigente, inclusive no que diz respeito ao Crédito Rural. Tal
modalidade de crédito possui natureza social, pois, embora envolva partes privadas,
visa incentivar o cumprimento da Função SocialCXXV
da propriedade rural.
A Lei número 8.171, de 17 de janeiro de 1991, que trata sobre a Política
Agrícola, relacionou como objetivos do Crédito Rural:
CXXIII Ao tratarmos dos Institutos de Direito Agrário abordamos a questão da Política Agrícola, motivo pelo
qual agora apenas iremos abordar sua relevância para com o Crédito Rural. CXXIV Artigo 21, da Lei número 4.829, de 05 de novembro de 1965: As instituições de crédito e entidades
referidas no art. 7º desta Lei manterão aplicada em operações típicas de crédito rural, contratadas
diretamente com produtores ou suas cooperativas, percentagem, a ser fixada pelo Conselho Monetário
Nacional, dos recursos com que operarem. CXXV O princípio da Função Social já foi abordado em diversos outros pontos deste trabalho, motivo pelo
qual, neste momento, apenas faremos referência à sua influência no Crédito Rural, para evitar a repetição de
conceitos já estudados.
211
a) fomentar investimentos rurais para a produção, o extrativismo não
predatório, o armazenamento, o beneficiamento e a instalação de
agroindústrias, quando realizada pelo próprio produtor rural ou em sua
forma associativa;
b) favorecer o custeio da produção, da extração não predatória e
comercialização de produtos agropecuários;
c) introduzir sistemas racionais de produção, com intuito de melhorar a
qualidade de vida dos envolvidos, preservar a natureza, aumentar a
produção e reduzir os custos de produção;
d) viabilizar a aquisição e regularização de terras por pequenos
proprietários, trabalhadores rurais, posseiros, parceiros e arrendatários
rurais; e,
e) incrementar atividades florestais e pesqueiras.
Observa-se que a intenção dos legisladores foi de implementar uma política
de crédito que fomente uma fração significativa da cadeia produtiva do setor
primário. Igual escopo é verificado ao se analisar os beneficiários do Crédito Rural,
relacionados no artigo 49, da já mencionada Lei número 8.171/91. Tal regulamento
estipulou que possuem direito ao Crédito Rural, além dos produtores rurais e dos
indígenas, as pessoas físicas e jurídicas que, embora não sejam conceituadas como
produtores rurais, se dediquem às seguintes atividades:
a) produção de mudas ou sementes básicas, fiscalizadas ou certificadas;
b) produção de sêmen e embriões;
c) pesca artesanal e aqüicultura para fins comerciais; e,
d) florestal e pesqueira não artesanal;
Ademais, impõe a legislação que a concessão do Crédito Rural seja realizada
conforme o ano agrícola, para que esteja disponível nas épocas em que o Produtor
Rural efetivamente necessite. O mesmo se dará quanto ao pagamento do crédito, que
deverá ser previsto conforme o ciclo de produção de cada cultura.
Além do oferecimento direto de financiamento para a produção rural,
diversas outras políticas agrícolas são implementadas, anualmente, pelo governo,
com o objetivo de auxiliar o desenvolvimento do Produtor Rural. Embora não se
refiram diretamente ao Crédito Rural, tais políticas são muito relevantes no aspecto
econômico da produção, cabendo citar as algumas das principais::
a) Política de Garantia de Preço Mínimo – PGPM: visa fixar os preços
dos produtos agropecuários com o intuito de proteger a produção a ser
comercializada contra a excessiva desvalorização que possa sofrer no
mercado agrícola nacional. Os preços mínimos que foram inicialmente
fixados no país são datados de 1945 e, desde então, tais números vêm
212
sendo periodicamente atualizados de acordo com as condições do
mercado;
b) Aquisições do Governo Federal – AGF: forma de incentivo por parte
do governo que consiste na compra direta de produção, pelo preço
mínimo, mantendo, assim, um estoque estratégico em poder do
governo. Tal prática vem sendo substituída por novos instrumentos
criados, e, com isso, as compras governamentais foram drasticamente
reduzidas nos últimos anos;
c) Prêmio para Escoamento de Produto – PEP: constitui-se em uma
subvenção econômica concedida pelo Governo, através de leilão
público, que será utilizada, posteriormente, pelo arrematante para
aquisição de produtos pelo valor de referência garantido pelo Governo
Federal443
. O programa foi criado com o mesmo objetivo do programa
de preços mínimos, ou seja, promover a garantia de preços ao
produtor. A diferença desse tipo de política é que não há a necessidade
de aquisição dos produtos pelo governo, que apenas paga a diferença
entre o valor da aquisição e o valor mínimo fixado; e,
d) Contrato de Opção de Venda de Produtos Agrícolas – COVPA: mais
um mecanismo de garantia de preços institucionalizados pelo governo.
Por meio de um contrato, o produtor ou sua cooperativa terá a opção
de vender a produção por um preço preestabelecido, chamado preço de
exercício, na data de vencimento do contrato. Normalmente o preço de
exercício é superior ao preço mínimo. A Companhia Nacional de
Abastecimento – CONAB, o governo vende esses contratos a
terceiros, por meio de leilão público. O lançamento desses contratos
geralmente ocorre quando os preços pagos aos produtores estão baixos
ou quando se pretende estimular determinada cultura.
Infelizmente, sobretudo em função de restrições orçamentárias, os
mecanismos de crédito já estabelecidos não vêm funcionando a contento. Em que
pese a relevância do setor agrícola para a economia nacional e a importância do
crédito rural para o desenvolvimento de atividades tão expostas a riscos, somente
um em cada cinco Produtores Rurais brasileiros utiliza o Crédito Rural.
2.8. Títulos de Crédito Rural
Os Títulos de Crédito Rural são as representações escritas do crédito rural444
,
quando decorrentes de uma relação de empréstimo rural, ou são a representação de
uma compra e venda a prazo, realizada entre produtores rurais, entre estes e
cooperativas rurais, ou por um destes com terceiros. Em todos os casos é necessário
ao menos uma das partes envolvidas, seja o produtor rural ou a cooperativa rural,
213
sendo que em alguns casos é essencial que ambas as partes se enquadrem nessa
situação.
Os Títulos de Crédito Rural representam, num mesmo documento, o crédito
existente e, também, a garantia para seu pagamento, o que agiliza as relações
mantidas na atividade agrária. Outro grande objetivo dos Títulos de Crédito Rural é
facilitar a transferência e circulação desses créditos com vencimento futuro, sendo
uma característica comum a de que os Títulos serão transferíveis através de endosso.
Os primeiros Títulos de Crédito Rural foram instituídos no Brasil pelo
Decreto-Lei número 167, de 14 de fevereiro de 1967, que disciplina os requisitos e
particularidades das Cédulas Rurais, da Nota de Crédito Rural, da Nota Promissória
Real e da Duplicata Rural. Posteriormente, foi criado mais um Título de Crédito
Rural, denominado Cédula de Produto Rural, o qual é disciplinado pela Lei número
8.929, de 22 de agosto de 1994 e que representou significativa inovação para as
operações de crédito ao setor primário. Após, foi criada a Cédula de Produto Rural
com Liquidação Financeira, regulada pela Lei número 10.200, de 14 de fevereiro de
2001, também representando uma renovação nas relações creditórias do setor.
Visando a um avanço ainda maior do que o obtido com a criação da Cédula
de Produto Rural e sua posterior versão com Liquidação Financeira, foi promulgada,
em 30 de dezembro de 2004, a Lei número 11.076, que criou cinco novos Títulos de
Crédito Rurais: a) o Certificado de Depósito Agropecuário – CDA; b) o Warrant
Agropecuário – WA; c) o Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio –
CDCA; d) a Letra de Crédito do Agronegócio – LCA; e, e) o Certificado de
Recebíveis do Agronegócio – CRA. Seguindo essa mesma linha, em 20 de setembro
de 2005, a Comissão de Valores Mobiliários editou a Instrução Normativa número
422, que dispõe sobre a Nota Comercial do Agronegócio – NCA, criando mais um
Título de Crédito Rural. Esses novos Títulos de Crédito Rural, criados a partir do
ano de 2004, dispensam o registro no Cartório de Registro de Imóveis, ao contrário
dos demais, que somente possuirão eficácia perante terceiros não envolvidos no
negócio quando registrados.
Em geral, quando não pagos, os Títulos de Crédito Rural poderão ser
cobrados judicialmente através de uma Ação de Execução de Quantia Certa, por
serem Títulos líquidos, certos e exigíveis. Exceção para essa regra é quanto à Cédula
de Produto Rural, conforme será tratado mais adiante.
Na seqüência tratar-se-á sumariamente de alguns dos títulos de crédito rural
mais usados..
2.8.1. Cédula Rural
Essa espécie de título de crédito rural pode ser emitida para representar o
débito decorrente de empréstimo rural, que poderá ter o pagamento garantido: a)
pelo penhor de um bem, quando será denominada Cédula Rural Pignoratícia; b) pela
214
hipoteca de um bem, quando será denominada Cédula Rural Hipotecária; ou c) por
ambos, quando será denominada Cédula Rural Pignoratícia e Hipotecária.
Esses Títulos de Crédito mostram-se de grande utilidade porque os bens
móveis dados em garantia da dívida permanecem em poder do devedor, que poderá
continuar utilizando-os normalmente. Outra característica própria é que os
acessórios dos bens imóveis dados em garantia também garantirão o pagamento da
dívida, motivo pelo qual deverão ser conservados enquanto a dívida não for
integralmente paga. Nos casos em que é prestada uma garantia hipotecária, é
importante ressalvar-se que, sendo o devedor casado, independentemente do regime
de bens, é necessário que o cônjuge figure também como emitente do Título de
Crédito Rural.
2.8.2. Nota de Crédito Rural
Esse documento serve para representar o crédito decorrente de pequenos
empréstimos rurais, nos quais não há garantias reais, ou seja, aquelas que incidem
sobre bens móveis e ou imóveis. Nesse título de crédito, a dívida somente poderá ter
garantia pessoal, a qual se dá por avalCXXVI
. Justamente por essa razão, a legislação
conferiu uma preferência para pagamento desse Título em caso de insolvência.
2.8.3. Nota Promissória Rural
Representa uma promessa de pagamento do devedor em uma venda a prazo
realizada entre produtor e sua cooperativa, de um bem de natureza agrícola, extrativa
ou pastoril. Nesse título de crédito rural, se faz necessária a descrição dos bens
comercializados na relação que o originou, para garantir a sua vinculação com os
produtos rurais.
Cabe informar que há uma restrição para o fornecimento de aval em Notas
Promissórias Rurais. Neste caso, o aval somente será válido quando prestado por
pessoa física integrante da empresa emitente do Título de Crédito ou quando
prestado por pessoa jurídica.
2.8.4. Duplicata Rural
Esse título de crédito, assim como o anterior, representa uma compra e venda
a prazo de produtos de natureza agrícola, extrativa ou pastoril. A diferença em
relação à Nota Promissória Rural é que a Duplicata Rural pode ser emitida em
relações entre produtores ou cooperativas rurais e terceiros que não sejam nem
produtores nem cooperativas rurais.
CXXVI Garantia própria dos Títulos de Crédito, através da qual um terceiro se obriga pelo pagamento da dívida
descrita nesse Título, garantia que se da com a assinatura no documento.
215
A Duplicata Rural é o único Título de Crédito Rural que, em caso de
irregularidade na emissão, poderá acarretar a prisão do emitente. A legislação atual
prevê que em caso de emissão de Duplicata Rural falsa, sem lasto em uma compra e
venda, o emitente será punido com pena de reclusão de um a quatro anos e multa.
2.8.5. Cédula de Produto Rural
Comumente denominada CPR, representa a promessa de entrega de
determinada quantidade de produto rural, em razão do recebimento antecipado do
pagamento pelos produtos. Somente produtores rurais, cooperativas e associações de
produtores rurais podem emitir Cédulas de Produto Rural. Ao fazê-lo os emitentes
dão aos credores o poder de exigir a entrega do produto rural, nas quantidades,
características e datas avençadas.
Para que a CPR seja certa, líquida e exigível, é necessário que especifique
detalhadamente quais são os bens que deverão ser entregues no prazo especificado,
os quais podem ser bens nos estados bruto, beneficiado ou industrializado.
Cumpridas essas exigências legais, em caso de atraso no pagamento, o débito deverá
ser cobrado através de Ação de Execução para Entrega de Coisa Incerta.
A dívida descrita neste título de crédito poderá ter uma garantia real ou
pessoal. No caso de garantia real, todos os bens que forem vinculados à Cédula de
Produto Rural não estarão sujeitos à penhora judicial para pagamento de outras
dívidas que não esta.
Embora seja possível o endossoCXXVII
desse Título de Crédito Rural, o
endossante somente responderá pela existência da dívida, não pela entrega do
produto. Já, quanto ao aval, não existe qualquer restrição ao alcance da garantia
prestada.
Além de poder ser negociada através de endosso, a CPR poderá ser negociada
nas bolsas de mercadoria e no mercado de balcão, onde a venda é realizada
diretamente por corretores a terceiros. A grande vantagem neste tipo de negociação
é que não incidem impostos sobre estas operações de crédito445
.
2.8.6. Cédula de Produto Rural com Liquidação Financeira
Essa modalidade de título de crédito rural foi criada com o objetivo de
complementar a Cédula de Produto Rural, possibilitando sua liquidação financeira,
ou seja, possibilitando que o pagamento seja realizado em dinheiro, na data do
vencimento, ao invés de em mercadorias.
CXXVII Ato pelo qual se transfere a propriedade de um Título de Crédito, ato que transfere os direitos sobre o crédito transcrito no Título.
216
Para que a CPR possa ser liquidada na forma financeira,ela deve descrever
detalhadamente a forma como será efetuado o cálculo do valor equivalente às
mercadorias. Assim, deverá constar na CPR com liquidação financeira o critério de
atualização da dívida, com a identificação do índice que será utilizado e mais algum
dado que se julgue necessário para o cálculo do valor da dívida.
2.8.7. Certificado de Depósito Agropecuário e Warrant Agropecuário
Ambos títulos de crédito são regulados pela Lei número 11.076, de 30 de
dezembro de 2004 e, por disposição do artigo 1º, parágrafo 3º dessa Lei, são
emitidos simultaneamente pelo armazém em benefício do depsitante, motivo pelo
qual serão abordados em conjunto.
O Certificado de Depósito Agropecuário – CDA é o título que representa a
promessa de entrega de produtos agropecuários, seus derivados, subprodutos e
resíduos de valor econômico, depositados conforme a Lei número 9.973, de 29 de
maio de 2000, que regula o sistema de armazenagem de produtos agropecuários. Por
sua vez, o Warrant Agropecuário – WA é o título que representa o direito de penhor
sobre os produtos descritos no CDA, conforme preceitua o artigo 1º, parágrafos 1 e
2, da já citada Lei número 11.076/04.
O período máximo de depósito consignado nesses títulos de crédito é de um
ano, contado da sua emissão. Uma vez emitidos, os bens depositados não poderão
sofrer embargo, penhora, seqüestro ou qualquer outro embaraço que prejudique sua
livre disposição. É obrigatório o seguro dos produtos vinculados a esses títulos,
sendo beneficiário o depositante dos mesmos.Tais títulos podem ser transmitidos
unidos ou separadamente, mediante endosso e possibilitam ao produtor rural a
obtenção de dinheiro sem a necessidade de venda imediata de sua produção, pois é
possível negociar apenas o WA e permanecer com a propriedade dos produtos,
representada pelo CDA. Os endossos devem ser completos, por disposição
legalCXXVIII
, ou seja, devem conter sempre a indicação completa da pessoa para
quem se está transmitindo os direitos ao crédito descrito no título.
Tanto o CDA como o WA são emitidos de forma física, ou seja, serão
cartulares na origem, mas é obrigatório o seu registro subseqüente em sistema de
registro e de liquidação financeira de ativos, devidamente autorizado pelo Banco
Central do Brasil, nos termos do artigo 15, da Lei número 11.076, de 30 de
dezembro de 2004. Com o registro, os títulos serão entregues à custódia da
instituição autorizada que os negociará e efetuará o endosso quando da sua retirada
do sistema de registro e liquidação financeira.
O CDA e o WA serão negociados nos mercados de bolsa e de balcão como
ativos financeiros e tais negociações são isentas do Imposto sobre Operações de
CXXVIII Lei número 11.076, de 30 de dezembro de 2004, artigo 2º, inciso I.
217
Crédito, Câmbio e Seguro ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários. Ainda, em
tais operações, não incidirá o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços –
ICMS, pois enquanto registrados no sistema de registro e de liquidação financeira de
ativos autorizada pelo Banco Central do Brasil não serão feitas transcrições no verso
dos Títulos, ou seja, não ocorrerá a transferência efetiva da propriedade. Justamente,
por isso é que não incidirá o referido tributo.
2.8.8. Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio
Trata-se de título de crédito representativo de promessa de pagamento em
dinheiro emitido exclusivamente por cooperativas de produtores rurais e outras
pessoas jurídicas que exerçam a atividade de comercialização, beneficiamento ou
industrialização de produtos e insumos agropecuários ou de máquinas e
implementos utilizados na produção agropecuária, nos termos da Lei número
11.076, de 30 de dezembro de 2004.
Tanto o Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio – CDCA quanto
a Letra de Crédito do Agronegócio – LCA e o Certificado de Recebíveis do
Agronegócio – CRA são Títulos de Crédito vinculados a direitos creditórios
originados de negócios realizados entre produtores rurais, ou suas cooperativas e
terceiros, inclusive financiamentos e empréstimos. Por isso, deverão conter a
indicação do direito creditório a eles vinculados e a taxa de juros, se for o caso.
O CDCA será registrado em sistema de registro e de liquidação financeira de
ativos autorizado pelo Banco Central do Brasil, instituição esta que será responsável
pela guarda da documentação comprobatória do direito creditório que originou o
título, bem como por realizar a cobrança e o recebimento do valor representado pelo
mesmo.
2.8.9. Letra de Crédito do Agronegócio
Assim como no caso anterior, trata-se de título de crédito representativo de
promessa de pagamento decorrente de direito creditório. Nesse caso, porém,
somente poderá ser emitido por instituição financeira pública ou privada. Assim
como o Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio – CDCA, conferirá
direito de penhor sobre os direitos creditórios vinculados ao título, mas também
poderá ter outras garantias reais ou pessoais.
Da mesma forma que os demais, esse título de crédito deverá ser registrado
em sistema de registro e liquidação financeira de ativos autorizado pelo Banco
Central do Brasil e será submetido ao comando eletrônico da operação e da cadeia
de transferência, tudo nos termos da Lei número 11.076, de 30 de dezembro de
2004.
218
2.8.10. Certificado de Recebíveis do Agronegócio
O Certificado de Recebíveis do Agronegócio – CRA é regulado pela Lei
número 11.076, de 30 de dezembro de 2004, e está previsto dentro da Seção que
trata da Securitização de Direitos Creditórios do Agronegócio. Define-se como título
representativo de promessa de pagamento, que somente pode ser emitido por
companhias seguradoras, também denominadas securitizadoras, de direitos
creditórios do agronegócio. Trata-se da securitização de títulos propriamente dita,
não estando relacionada à produção ou safra, eis que a função da seguradora está
pautada no conjunto de direitos creditórios existentes446
.
Há muito se discute sobre a securitização do setor rural, porém, o custo
elevado tornava essa operação bastante rara. Com a criação desse Título de Crédito,
procurou-se incentivar a realização dessas operações. As instituições seguradoras
não são financeiras, estando organizadas sob a forma de sociedades por ações,
podendo negociar livremente o CRA, com objetivo de alcançar maior liquidez e
menor grau de incerteza ao empréstimo rural que originou o direito creditório
relacionado a esse título de crédito.
É adotada a forma escritural, ou seja, não há registro físico do título.
Vinculado a Termo de Securitização de Direitos Creditórios, emitido por companhia
securitizadora, poderá ter garantia flutuante, que assegurará ao titular privilégio
sobre o ativo da companhia securitizadora, mas não impedirá a negociação dos bens
que compõem esse ativo.
2.8.11. Nota Comercial do Agronegócio
Esse é o título de crédito rural mais recente, considerando-se a época de
finalização desta obra, sendo disciplinado pela Instrução Normativa número 422, de
20 de setembro de 2005, da Comissão de Valores Mobiliários – CVM.
A Nota Comercial do Agronegócio – NCA é uma nota promissória comercial
distribuída de forma pública, emitida por Sociedade Anônima, Sociedade Limitada
ou Cooperativa cuja atividade seja a produção, comercialização, beneficiamento ou
industrialização de produtos ou insumos agropecuários, bem como de máquinas e
implementos agrícolas. Emitida sob a forma escritural, ou seja, eletrônica, destina-se
à venda no mercado financeiro, diretamente para investidores, provendo a empresa
com recursos monetários que serão resgatados, no máximo, em 360 dias.
A emissão da NCA dependerá de aprovação dos sócios ou administradores da
empresa emissora e também de registro da empresa na CVM, como companhia
aberta ou como emissora de NCA, conforme disciplina o artigo 8º, da Instrução
Normativa CVM número 422/05.
219
A oferta pública desses títulos de crédito será registrada perante a CVM e os
negócios serão escriturados no mercado de bolsa de mercadoria e futuros, que
fiscalizará a venda do título de crédito e controlará a sua ordem da cadeia de
domínio, com o informe do adquirente do direito ao crédito.
2.9. Seguro Rural
2.9.1. Seguro
Para melhor compreender o tema, reputa-se importante rever o significado de
Seguro. Seguro é tudo aquilo que está posto a salvo, livre de perigo, guardado,
garantido, inabalável. Celso Marcelo de Oliveira447
ao tratar sobre Contrato de
Seguro conceitua com maestria o instituto. Vejamos:
Contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante cobrança de prêmio,
a indenizar outra pela ocorrência de determinados eventos por eventuais
prejuízos. É a proteção econômica que o indivíduo busca para prevenir-se
contra necessidade aleatória. É uma operação pela qual, mediante o
pagamento da remuneração adequada uma pessoa se faz prometer para si ou
para outrem, no caso da efetivação de um evento determinado, uma
prestação de uma terceira pessoa, o segurador, que, assumindo o conjunto
de eventos determinados, os compensa de acordo com as leis da estatística e
o princípio do mutualismo.
É a compensação dos efeitos do acaso pela mutabilidade organizada
segundo as leis da estatística. O contrato de seguro é aleatório, bilateral,
oneroso, solene e da mais estrita boa-fé sendo essencial, para a formação, a
existência de segurado, segurador, risco, objeto do seguro, prêmio
(prestação do segurado) e indenização (prestação do segurador).
2.9.2. Seguro Rural
O Seguro Rural é um importante instrumento de política agrícola, tendo em
vista a proteção que proporciona para o Produtor Rural, principalmente em relação
aos riscos decorrentes de fatores climáticos. O objetivo maior do Seguro Rural é
oferecer coberturas, que ao mesmo tempo atendam o produtor e a sua produção, a
sua família, a geração de garantias a seus financiadores, investidores, parceiros de
negócios, todos interessados na diminuição dos riscos da atividade rural.
O Seguro Rural é caracterizado pela participação de produtores e seguradoras
privadas, podendo abranger atividades agrícolas, pecuárias, o patrimônio do
produtor rural, seus produtos, o crédito para comercialização dos produtos e,
também, o seguro de vida dos produtores. Segundo a Superintendência de Seguros
220
PrivadosCXXIX
, órgão responsável pelo controle e fiscalização dos mercados de
seguros, atualmente são praticadas as seguintes modalidades de Seguro Rural no
Brasil448
:
a) Seguro Agrícola: cobre as explorações agrícolas contra perdas
decorrentes principalmente de fenômenos meteorológicos, tais como
incêndio, raio, tromba d'água, ventos, granizo, geada, chuvas
excessivas, seca e variação excessiva de temperatura;
b) Seguro Pecuário: garante o pagamento de indenização em caso de
morte de animal destinado ao consumo, produção, cria, recria,
engorda, trabalho por tração e, também, os animais destinados à
reprodução;
c) Seguro Aqüícola: esse seguro garante indenização por morte e ou
outros riscos inerentes a animais aquáticos, como peixes e crustáceos,
decorrentes de acidentes ou doenças;
d) Seguro de Benfeitorias e Produtos Agropecuários: protege contra
perdas e ou danos causados aos bens e ou aos produtos agropecuários,
que não tenham sido oferecidos em garantia de operações de crédito
rural;
e) Seguro de Penhor Rural: tem por objetivo garantir perdas e ou danos a
bens ofertados em garantida de operações de crédito rural;
f) Seguro de Florestas: protege as florestas seguradas, devidamente
identificadas e caracterizadas na apólice do seguro, abrangendo
diversas hipóteses de dano, que variam conforme o contrato firmado;
g) Seguro de Vida: esse seguro é destinado ao Produtor Rural, devedor de
crédito rural e terá sua vigência limitada ao período de financiamento;
e,
h) Seguro de Cédula do Produto Rural – CPR: visa garantir ao segurado o
pagamento de indenização, na hipótese de comprovada falta de
cumprimento, por parte do tomador, de obrigações estabelecidas na
Cédula de Produto Rural.
Ocorrendo alguma das hipóteses cobertas pelo seguro contratado, o segurado
terá que cumprir alguns procedimentos exigidos pelo contrato de seguro, os quais
variam em cada modalidade e são firmados em conjunto com a seguradora. Após o
cumprimento dessas exigências, inicia o prazo para pagamento da indenização
devida, o que deverá ser feito em no máximo 30 dias.
CXXIX Autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda, criada pelo Decreto-Lei número 73, de 21 de novembro de 1966.
221
Atualmente, apenas 10% da produção agrícola nacional é segurada, sendo
que a contratação de seguros ainda é considerada uma despesa muito grande por
parte dos Produtores Rurais. Em razão disso, visando incentivar a maior contratação
de seguros, o Governo Federal criou um programa de subsídio econômico para o
pagamento do prêmio do Seguro Rural. Em razão dos benefícios que esse incentivo
poderá trazer, entende-se oportuno o estudo mais aprofundado do tema.
2.9.3. Subvenção Econômica ao Prêmio do Seguro Rural
Com a Lei número 10.823, de 19 de dezembro de 2003, o Governo Federal
foi autorizado a conceder auxílio econômico em percentual ou valor do prêmio do
Seguro Rural contratado entre produtores e seguradoras privadas, cadastradas
perante a Superintendência de Seguros Privados. Esse dispositivo legal foi regulado
pelo Decreto número 5.121, de 29 de junho de 2004. Importante notar, todavia, que
tal Decreto não disciplina os valores desse auxílio econômico, valores estes que
estão especificados em outras normas e que variam conforme o ano.
Os valores e percentuais do auxílio econômico para contratação de Seguro
Rural referente ao ano de 2006 estavam disciplinados no Decreto número 5.782, de
23 de maio de 2006, sendo substituído no ano seguinte pelo Decreto número 6.002,
de 28 de dezembro de 2006, que passou a disciplinar os valores e percentuais do
incentivo para os anos de 2007 até 2009.
O Decreto número 6.002/06 estabeleceu os seguintes valores de auxílio:
a) para Seguro Rural na modalidade agrícola: foi estabelecido o valor
máximo de R$ 32.000,00 por beneficiário, sendo ele pessoa física ou
jurídica, em cada ano civil e para cada um dos grupos de cultura
previstos, podendo ser requerido o auxílio para mais de uma cultura de
cada grupo, desde que respeitado o valor máximo. Esse regulamento
prevê os seguintes grupos de culturas:
i) aveia, canola, cevada, centeio, milho segunda safra, sorgo, trigo e
triticale;
ii) abacaxi, alface, algodão, alho, amendoim, arroz, batata, berinjela,
beterraba, cana-de-açúcar, cebola, cenoura, couve-flor, feijão,
girassol, milho, morango, pepino, pimentão, repolho, soja, tomate
e vagem;
iii) ameixa, café, caqui, figo, goiaba, kiwi, laranja, limão e demais
cítricos, maçã, nectarina, pêra, pêssego e uva; e,
b) para Seguro Rural nas modalidades pecuário, florestal e aqüícola: foi
estabelecido o valor máximo de R$ 32.000,00, por beneficiário, sendo
ele pessoa física ou jurídica, em cada ano civil, para cada uma dessas
modalidades.
222
Esse incentivo também possui limitação quanto ao percentual do valor do
seguro que será subsidiado pelo Governo Federal. Atualmente, esses percentuais
variam entre 30% e 60%, conforme disciplinado, no Anexo do Decreto número
6.002/06.
A soja foi o produto mais beneficiado pelo programa de subvenção ao prêmio
do Seguro Rural em 2006. Dos R$ 31,1 milhões pagos pelo governo, R$ 22,1
milhões foram para sojicultores e R$ 5,3 milhões foram para fruticultores. Já os
produtores do sul do País foram os que mais contrataram o Seguro Rural, no ano de
2006, sendo responsáveis por 76,5% do total em número de seguros contratos, o que
equivale a 16,6 mil apólices449
.
2.9.4. Programa Nacional de Garantia da Atividade Agropecuária
Há anos o Governo Federal vem tomando medidas para estimular o mercado
de seguro rural brasileiro. O principal incentivo nessa área é o Programa Nacional de
Garantia da Atividade Agropecuária – PROAGRO, criado pela Lei número 5.969,
de 11 de dezembro de 1973, sendo atualmente regido pela Lei número 8.171, de 17
de janeiro de 1991.
Trata-se de uma relação direta do produtor com o governo, através do Banco
Central do Brasil, sendo que os bancos que fornecem o crédito rural aos produtores
são meros intermediários do seguro. O PROAGRO fornece uma garantia para o
custeio do financiamento agrícola, quando seu pagamento é dificultado em
decorrência de fenômenos naturais, pragas e doenças, que atinjam bens, rebanhos e
plantações. Tal programa também prevê o pagamento de indenização de eventuais
recursos próprios utilizados pelo produtor rural.
Visando a diminuição do risco e tornar o sistema mais viável
economicamente, o Banco Central do Brasil vinculou a concessão e a abragência do
PROAGRO a empreendimentos realizados nos parâmetros do zoneamento agrícola,
nos termos da Resolução número 2.422, de 10 de setembro de 1997.
O zoneamento agrícola é realizado pela Comissão Especial de Recursos do
Programa Nacional de Garantia da Atividade Agropecuária, ligada ao Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Esse zoneamento foi iniciado em 1996 e
vem sendo gradativamente ampliado, considerando as variáveis de solo, clima e
planta nas quais são aplicadas funções matemáticas e estatísticas, que são usadas
para calcular a probabilidade de perda de uma lavoura em decorrência de eventos
climáticos adversos.
Com isso, identifica-se para cada município, a melhor época de plantio das
culturas nos diferentes tipos de solo e ciclos dos cultivares. Esse trabalho é revisado
anualmente e divulgado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
em portarias publicadas no Diário Oficial da União, servindo de orientação para o
223
crédito de custeio agrícola oficial, bem como o enquadramento no Seguro Rural
privado e públicoCXXX
.
Além do PROAGRO, outros seguros são mantidos pelo governo federal, com o
intuito de promover o desenvolvimento sustentável do segmento rural. Um dos
exemplos de sucesso é o Seguro Agrícola da Agricultura Familiar, implementado no
ano de 2004, pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, programa que já atendeu
a 246 mil famílias, só no Estado do Rio Grande do Sul. Como se vê, muito recursos
existem para aqueles que buscam garantias à produção agrícola, embora ainda sejam
pouco utilizados.
2.10. Direito Ambiental no Âmbito Agrário
2.10.1. Direito Ambiental
Direito Agrário, na conceituação do Professor Tycho Brahe Fernandes
Neto450
representa o conjunto de normas e princípios ditados objetivando a
manutenção de um perfeito equilíbrio nas relações do homem com o meio ambiente.
Essa proteção ambiental está disciplinada na própria Constituição Federal, no artigo
225CXXXI
. A abrangência do Direito Ambiental é vastíssima, eis que são reguladas
por esse ramo do Direito questões envolvendo a flora, a fauna, as águas, energias,
CXXX Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Serviços – Zoneamento Agrícola. Disponível em:
<www.agricultura.gov.br>. CXXXI Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo
e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público: I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das
espécies e ecossistemas; II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e
fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III - definir, em todas as
unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a
alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a
integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra
ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de
impacto ambiental, a que se dará publicidade; V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de
técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI
- promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a
preservação do meio ambiente; VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que
coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. § 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente
degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei. § 3º - As
condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou
jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a
Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que
assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. § 5º - São
indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à
proteção dos ecossistemas naturais. § 6º - As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua
localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.
224
florestas, cavidades naturais e subterrâneas, ilhas, paisagens, mar territorial, praias
marítimas e fluviais, sítios arqueológicos e pré-históricos, entre outros bens
considerados ambientais.
A proteção ao meio ambiente é de competência comum da União Federal, dos
Estados, do Distrito Federal e, dos Municípios, justamente pela sua relevância.
Dessa forma, essa matéria está prevista na Constituição Federal, por Leis, Decretos,
Instruções Normativas, Resoluções e Portarias, através de algumas Constituições
Estaduais, Leis Orgânicas Municipais existindo, por exemplo: legislação específica
para um determinado bem ambiental, como é o caso das águas, da flora, fauna.
Por regular os denominados Direitos DifusosCXXXII
e por tratar-se de uma
matéria de extrema relevância, entende-se importante trazer, neste momento, alguns
princípios centrais que norteiam o Direito Ambiental.
Desta forma, discorrer-se-á sobre alguns dos princípios jurídicos de Direito
Ambiental:
Princípio da Supremacia do Direito Coletivo: a proteção ambiental, antes
de ser um direito de todos é uma obrigação. Nos termos do artigo 225,
da Constituição Federal impõem-se ao Poder Público e a toda a
coletividade o dever de preservação e defesa do meio ambiente;
Princípio da Precaução ou Prevenção: a Constituição Federal em seu artigo
225, parágrafo 1º, dispõe sobre esse princípio quando em seus incisos
impõe ao Poder Público, para assegurar a efetividade de um meio
ambiente ecologicamente equilibrado, a sua preservação. Sua
aplicação acontece em situações em que os impactos ambientais já são
conhecidos, restando certo a obrigatoriedade do licenciamento e do
estudo de impacto ambiental, sendo que esses dois instrumentos são de
grande importância para a proteção do meio ambiente;
Princípio da função sócio-ambiental da propriedade: o uso da propriedade
somente deve ser aceito quando observadas a função social e
ambiental, ou seja, deve-se preservar o meio ambiente quando de sua
utilização. Esse princípio é trazido pela Constituição Federal em seus
artigos 5º, inciso XXIII, 170, inciso III e 186, inciso II;
Princípio do Usuário Poluidor e do Poluidor-Pagador: esse princípio
dispõe que quem utiliza recursos ambientais deve suportar seus custos
e obriga quem poluiu a pagar pela poluição causada ou que pode ser
causada. Nos termos do artigo 4º, inciso VIII da Lei número 6.839, de
31 de agosto de 1981, a Política Nacional do Meio Ambiente visará à
imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar
CXXXII Direitos Difusos: direitos indivisíveis, onde os titulares são indeterminados e ligados entre si por uma
situação de fato, inexistindo entre elas uma relação fática ou jurídica bem definida. Direitos que pertencem a
todos, tais como o meio ambiente.
225
e/ou indenizar os danos causados, e ao usuário, de contribuição pela
utilização de recursos ambientais com fins econômicos;
Princípio da Responsabilidade: esse princípio é disposto no artigo 225,
parágrafo 3º, da Constituição Federal, que dispõe sobre a
responsabilização da pessoa, física ou jurídica, que pratica condutas e
atividades lesivas ao meio ambiente. Os infratores responderão por
suas ações ou omissões em prejuízo do meio ambiente, ficando
sujeitos a sanções cíveis, penais ou administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados; e,
Princípios da Publicidade: por ser o meio ambiente um bem de uso comum
e de interesse público, tudo o que for realizado pelo Poder Público
para sua proteção deverá ter a ciência de todos, ou seja, deverá haver a
publicidade. Isso ocorre através da publicação obrigatória de atos
destinados à proteção do meio ambiente tais como os Estudos de
Impacto Ambiental e a existência de audiência públicaCXXXIII
para
análise do Relatório de Impacto Ambiental.
2.10.2. Relação entre o Direito Agrário e o Direito Ambiental
O Direito Agrário está diretamente ligado ao Direito Ambiental, eis que o
elemento essencial do Direito Agrário são atividades desenvolvidas pelo homem na
terra, ou seja, atividades estritamente ligadas à natureza, ao meio ambiente.
Justamente por essa razão, as atividades rurais são, por natureza, agressivas ao meio
ambiente, sendo necessária constante atenção para a preservação de matas ciliares ao
longo dos rios, proteção das nascentes, uso racional da água, observação das normas
de uso da terra e de produtos no cultivo.
A proximidade entre os dois ramos do direito pode ser constatada de pronto
quando se observa que um dos princípios norteadores do Direito Agrário é o
Princípio da Preservação do Meio Ambiente, que visa conciliar a explocaração
econômica com a conservação dos recursos naturais existentes na propriedade.Na
mesma linha, a Constituição Federal, em seu artigo 186, dispõe que a propriedade
rural somente cumprirá sua função social se atender alguns requisitos e, um desses, é
a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio
ambiente. No âmbito infraconstitucional, pode-se lembrar ainda que o Estatuto da
Terra, em seu artigo 2º, parágrafo 1º, alínea “c”, dispõe que, para a propriedade
CXXXIII As audiências públicas ocorrem sempre que o órgão ambiental competente julgar necessário ou quando
for solicitado por entidade civil, pelo Ministério Público, ou por 50 (cinqüenta) ou mais cidadãos. O órgão
ambiental promoverá a realização de audiência pública tendo como finalidade expor aos interessados o
conteúdo do produto em análise e do seu referido Relatório de Impacto Ambiental, dirimindo dúvidas e
recolhendo dos presentes as críticas e sugestões a respeito, nos termos do artigo 1º da Resolução do Conselho
Nacional do Meio Ambiente – CONAMA número 009, de 03 de dezembro de 1987..
226
atingir sua função social, a atividade rural precisa ser desempenha de uma forma tal
que assegure a conservação dos recursos naturais existentes.CXXXIV
Outra questão que demonstra a relação entre os dois ramos do Direito é a que
se refere à indivisibilidade do módulo rural. Nas palavras de Gursen de Miranda451
:
A atividade agrária não pode e não deve ser exercida em área de dimensão inferior
à prevista pela legislação agrária, pelo menos por duas razões de suma
importância: a primeira é uma preocupação ecológica, uma vez que os recursos
naturais existentes na área serão insuficientes e o solo ficará saturado; a segunda,
por uma questão econômica, pois mesmo que o homem do campo consiga melhor
produtividade naquela área, ainda assim ficará indesejável para seu progresso
socioeconômico.
2.10.3. Estudo de Impacto Ambiental
O Estudo de Impacto Ambiental – EIA é um dos instrumentos da Política
Nacional do Meio Ambiente destinado a monitorar os efeitos danosos que podem
resultar da implantação, ampliação ou funcionamento de atividades potencialmente
causadoras de degradação ambiental. As conclusões do EIA são apresentadas no
Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, , o qual deverá conter alguns requisitos
que foram delimitados no artigo 9ºCXXXV
, da Resolução número 1 , de 23 de janeiro
de 1886, do Conselho Nacional do Meio Ambiente.
Importante fazer-se a diferenciação entre os dois instrumentos. Segundo
leciona Paulo Affonso Leme Machado452
:O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o
Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) apresentam algumas diferenças. O estudo é
de maior abrangência que o relatório e o engloba em si mesmo. O estudo de
impacto ambiental compreende o levantamento da literatura científica e legal
CXXXIV Este tema também é abordado no Capítulo: A Questão Fundiária Brasileira. CXXXV Artigo 9º - O relatório de impacto ambiental - RIMA refletirá as conclusões do estudo de impacto ambiental e conterá, no mínimo: I - Os objetivos e justificativas do projeto, sua relação e compatibilidade com
as políticas setoriais, planos e programas governamentais; II - A descrição do projeto e suas alternativas
tecnológicas e locacionais, especificando para cada um deles, nas fases de construção e operação a área de
influência, as matérias primas, e mão-de-obra, as fontes de energia, os processos e técnica operacionais, os
prováveis efluentes, emissões, resíduos de energia, os empregos diretos e indiretos a serem gerados; III - A
síntese dos resultados dos estudos de diagnósticos ambiental da área de influência do projeto; IV - A
descrição dos prováveis impactos ambientais da implantação e operação da atividade, considerando o projeto,
suas alternativas, os horizontes de tempo de incidência dos impactos e indicando os métodos, técnicas e
critérios adotados para sua identificação, quantificação e interpretação; V - A caracterização da qualidade
ambiental futura da área de influência, comparando as diferentes situações da adoção do projeto e suas
alternativas, bem como com a hipótese de sua não realização; VI - A descrição do efeito esperado das
medidas mitigadoras previstas em relação aos impactos negativos, mencionando aqueles que não puderam ser evitados, e o grau de alteração esperado; VII - O programa de acompanhamento e monitoramento dos
impactos; VIII - Recomendação quanto à alternativa mais favorável (conclusões e comentários de ordem
geral). Parágrafo único - O RIMA deve ser apresentado de forma objetiva e adequada a sua compreensão. As
informações devem ser traduzidas em linguagem acessível, ilustradas por mapas, cartas, quadros, gráficos e
demais técnicas de comunicação visual, de modo que se possam entender as vantagens e desvantagens do
projeto, bem como todas as conseqüências ambientais de sua implementação.
227
pertinente, trabalhos de campo, análises de laboratório e a própria redação do
relatório. Por isso, diz o art. 9° da Resolução 01/86-CONAMA que o "Relatório de
Impacto Ambiental-RlMA refletirá as conclusões do estudo de impacto ambiental",
ficando patenteado que o EIA precede o RIMA e é seu alicerce de natureza
imprescindível. O relatório transmite - por escrito - as atividades totais do estudo
de impacto ambiental, importando se acentuar que não se pode criar uma parte
transparente das atividades (o RIMA) e uma parte não transparente das atividades (o
EIA). Dissociado do EIA, o RIMA perde a validade.O conteúdo do EIA e do RIMA
vinculam tanto o órgão público ambiental como a equipe multidísciplinar.
O Conselho Nacional do Meio Ambiente definiu no artigo 2ºCXXXVI
da já
citada Resolução número 1/86, uma série de atividades que dependem de Estudo de
Impacto Ambiental para serem implementadas.
Entre as atividades e empreendimentos que necessitarão do EIA para serem
implementadas, pode-se citar: a) obras hidráulicas para exploração de recursos
hídricos, tais como: obras de irrigação, abertura de canais para navegação, drenagem
e irrigação, retificação de cursos d'água, abertura de barras e embocaduras,
transposição de bacias, diques; b) aterros sanitários, processamento e destino final
de resíduos tóxicos ou perigosos; c) complexo e unidades industriais e
agroindustriais (petroquímicos, siderúrgicos, cloroquímicos, destilarias de álcool,
hulha, extração e cultivo de recursos hídricos); d) exploração econômica de madeira
ou de lenha, em áreas acima de 100 hectares ou menores, quando atingir áreas
significativas, em termos percentuais ou de importância do ponto de vista ambiental;
e, e) Projetos Agropecuários que contemplem áreas acima de 1.000 hectares, ou
menores. Nesse caso, quando se tratar de áreas significativas, em termos,
CXXXVI Artigo 2º - Dependerá de elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto
ambiental - RIMA, a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e do IBAMA e em caráter
supletivo, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente, tais como: I - Estradas de rodagem
com duas ou mais faixas de rolamento; II - Ferrovias; III - Portos e terminais de minério, petróleo e produtos
químicos; IV - Aeroportos, conforme definidos pelo inciso 1, artigo 48, do Decreto-Lei nº 32, de 18.11.66; V
- Oleodutos, gasodutos, minerodutos, troncos coletores e emissários de esgotos sanitários; VI - Linhas de
transmissão de energia elétrica, acima de 230KV; VII - Obras hidráulicas para exploração de recursos
hídricos, tais como: barragem para fins hidrelétricos, acima de 10MW, de saneamento ou de irrigação,
abertura de canais para navegação, drenagem e irrigação, retificação de cursos d'água, abertura de barras e
embocaduras, transposição de bacias, diques; VIII - Extração de combustível fóssil (petróleo, xisto, carvão); IX - Extração de minério, inclusive os da classe II, definidas no Código de Mineração; X - Aterros sanitários,
processamento e destino final de resíduos tóxicos ou perigosos; Xl - Usinas de geração de eletricidade,
qualquer que seja a fonte de energia primária, acima de 10MW; XII - Complexo e unidades industriais e agro-
industriais (petroquímicos, siderúrgicos, cloroquímicos, destilarias de álcool, hulha, extração e cultivo de
recursos hídricos); XIII - Distritos industriais e zonas estritamente industriais - ZEI; XIV - Exploração
econômica de madeira ou de lenha, em áreas acima de 100 hectares ou menores, quando atingir áreas
significativas em termos percentuais ou de importância do ponto de vista ambiental; XV - Projetos
urbanísticos, acima de 100ha. ou em áreas consideradas de relevante interesse ambiental a critério da SEMA e
dos órgãos municipais e estaduais competentes; XVI - Qualquer atividade que utilize carvão vegetal, em
quantidade superior a dez toneladas por dia; XVII - Projetos Agropecuários que contemplem áreas acima de
1000 ha ou menores, neste caso, quando se tratar de áreas significativas em termo percentuais ou de
importância do ponto de vista ambiental, inclusive nas áreas de proteção ambiental.
228
percentuais ou de importância do ponto de vista ambiental, inclusive nas áreas de
proteção ambiental.
2.10.4. Licenciamento Ambiental
O Licenciamento Ambiental é outro instrumento da Política Nacional do
Meio Ambiente, previsto no artigo 9º, inciso IV, da Lei 6.938, de 31 de agosto de
1981. Conforme o artigo 10 da referida Lei, a construção, instalação, ampliação e
funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais,
considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob
qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio
licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do
Meio Ambiente – SISNAMA e, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
Recursos Naturais Renováveis – IBAMA. Assim, entre as atividades agrárias que
dependem de Licença Ambiental, encontram-se: irrigação de lavouras, construção
de açudes e barragens, criação de animais, silvicultura, dentre outras.
A exploração de atividades agrárias sem a Licença Ambiental poderá ensejar
ao empreendedor responsabilidades administrativas, civis e penais, dependendo da
gravidade da infração. Dentre elas podemos destacar a multa, a interdição de
atividade, o fechamento de estabelecimento, a demolição, o embargo de obra, a
destruição de objetos, a inutilização de gêneros, a proibição de fabricação ou
comércio de produtos e a vedação de localização de indústria ou comércio em
determinadas áreas.
Após preenchidos os requisitos legais, caso a situação do empreendimento ou
atividade esteja regular e adequada ao meio ambiente, serão concedidas as licenças
ambientais. Essas licenças dependerão da fase em que o empreendimento se
encontra, ou seja, se está em construção, se foi implementado ou se está em
operação. Assim, existem três tipos de Licenças, a Licença Prévia – LP, a Licença
de Instalação – LI e, a Licenças de Operação – LO.
A Licença Prévia é concedida ao empreendedor pelo prazo máximo de cinco
anos e é deferida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou
atividade aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental
e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas
próximas fases de sua implementação, nos termos da Resolução do Conselho
Nacional do Meio Ambiente – CONAMA número 237, de 19 de dezembro de 1997,
artigo 8°, inciso I.
A Licença de Instalação é precedida pelo EIA e é concedida pelo prazo
máximo de 6 anos. Essa Licença autoriza a instalação do empreendimento ou
atividade de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e
projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais
229
condicionantes, das quais constituem motivo determinante, conforme a Resolução
CONAMA número 237/97, artigo 8°, inciso II.
Já a Licença de Operação é concedida por um prazo mínimo de 4 anos e
máximo de 6 anos, que pode ser revogada a qualquer tempo desde que a decisão seja
fundamentada e obedeça ao princípio da publicidade previsto no artigo 37 da
Constituição Federal. Essa Licença autoriza a operação da atividade ou
empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento do que consta das
licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes
determinados para a operação, nos termos da Resolução CONAMA número 237/97,
artigo 8°, inciso III.
O prazo de validade das licenças será definido de acordo com a atividade
desenvolvida e o grau de risco ao meio ambiente, podendo ser renovadas mediante
requerimento ao órgão ambiental competente, o qual fará nova análise dos
documentos para que, então, seja renovada a Licença já existente. Pode-se referir,
também, que as Licenças poderão ser suspensas ou até mesmo cassadas pelo Poder
Público, caso ocorra desrespeito às leis ambientais vigentes.
Nos casos envolvendo as atividades agrárias, geralmente, o que ocorre é que
o empreendimento já está em operação e, dessa forma, exigir-se-á a Licença de
Operação. Assim, conforme João Eduardo Lopez Queiroz453
quando o
empreendimento já está em plena operação, como é o caso da maioria das
atividades agropecuárias, o modelo é o de Licenciamento de Operação Corretiva -
LOC, que corresponde a uma única licença.” Esse autor classifica o Licenciamento
de Operação Corretiva como sendo aquela prevista para os empreendedores que já
estão instalados e operacionalizando, o que é o caso da maioria, não haverá a
necessidade de observância de todas essas fases, até porque a finalidade desse
processo rigoroso, que é o direito à execução da atividade, já foi alcançado, e na
maioria das vezes, antes de o próprio poder público exigir uma licença de
operação, ou seja, antes de 1981.
2.10.5. Auditoria Ambiental
Auditoria Ambiental é um processo, de natureza voluntária ou compulsória,
que visa avaliar a gestão ambiental de uma atividade econômica, analisando seu
desempenho ambiental e verificando, entre outros fatores, o grau de conformidade
com a legislação ambiental vigente e com a própria política da instituição.
A auditoria Ambiental consiste em um exame periódico e ordenado dos
aspectos normativos, técnicos e administrativos relativos às atividades de um
empreendimento capazes de provocar efeitos prejudiciais ao meio ambiente sendo
ainda um instrumento complementar nos processos de certificação de qualidade.
Conforme leciona Paulo Affonso Leme Machado454
auditoria ambiental é o
procedimento de exame e avaliação periódica ou ocasional do comportamento de
230
uma empresa em relação ao meio ambiente. Ainda discorre o referido autor que a
auditoria ambiental pode ser pública ou privada, conforme seja determinada e/ou
realizada pelo Poder Público ou pela própria empresa455
.”
Hodiernamente, as auditorias ambientais no Brasil passaram a fazer parte da
rotina das empresas, as quais buscam a certificação conforme normas
ambientaisCXXXVII
, bem como tem em vista o crescimento da legislação ambiental e
as severas punições que acarretam o seu descumprimento. Cita-se, ainda, a
determinação de alguns Estados da Federação, para a realização das auditorias
ambientais, como é o caso Amapá, Espírito Santo, Ceará, Rio de Janeiro, Paraná e
Santa Catarina.
2.10.6. Recursos Hídricos
O Código das Águas foi criado em 1934 em função da preocupação do
legislador brasileiro em preservar esse recurso natural que, muitas vezes, é utilizado
de forma irregular, degradando o meio ambiente e prejudicando toda a coletividade.
Em 08 de janeiro de 1997, através da Lei número 9.433, instituiu-se no país a
Política Nacional de Recursos Hídricos que buscou, entre outros objetivos,
regulamentar a matéria relacionada à utilização desses recursos.
Referida lei, em seu artigo 12, listou as atividades que necessitam de outorga
de direito de uso de recursos hídricos: a) derivação ou captação de parcela da água
existente em um corpo de água para consumo final, inclusive abastecimento público,
ou insumo de processo produtivo; b) extração de água de aqüífero subterrâneo para
consumo final ou insumo de processo produtivo; c) lançamento em corpo de água de
esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de sua
diluição, transporte ou disposição final; d) aproveitamento dos potenciais
hidrelétricos; e, e) outros usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da
água existente em um corpo de água.
Dentro desse contexto, considerando a natural agressividade das atividades
agrárias ao meio ambiente e os volumes de água consumidos pelas mesmas, a lei
freqüentemente condiciona a utilização de recursos hídricos à obtenção de uma
prévia outorga de direito de uso de recursos hídricos. A outorga é um dos
instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos que tem por objetivo
assegurar o controle quantitativo e qualitativo do uso da água e o efetivo exercício
CXXXVII Podemos destacar a série de normas ISO 14000, as quais foram criadas tendo em vista a grande
preocupação na gestão ambiental no âmbito empresarial. Dentre estas normas podemos citar a norma ISO
14001, a qual se refere a um sistema da gestão ambiental nas empresas e, a norma ISO 14024, que se
relacionada a rotulagem ambiental, a qual está ligada ao chamado “Selo Verde”, que é um rótulo colocado
em produtos, que indica que sua produção foi feita atendendo a um conjunto de normas pré-estabelecidas,
atestando que o produto não põem em risco a saúde dos consumidores e apresenta impacto ambiental de pequena magnitude e significância quando de sua produção.
231
dos direitos de acesso à água. Essa outorga é expedida por órgão do Poder Público e
possui prazo de vigência, podendo ser renovada.
2.10.7. Poluição
A Lei número 6.938, de 31 de agosto de 1981, em seu artigo 3º, inciso III,
procurou regrar o que se entende por poluição, conceituando-a como sendo a
degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que, direta ou
indiretamente, prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população, criem
condições adversas às atividades sociais e econômicas, afetem desfavoravelmente a
biota, afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente e lancem
matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.
Como é sabido, as atividades agrárias são potencialmente poluidoras. Gursen
de Miranda456
, ao classificar a poluição quanto a sua origem, traz a poluição agrícola
como uma das categorias de poluição artificial, discorrendo da seguinte forma sobre
o assunto:
Poluição Agrícola - é a poluição proveniente da atividade agrária
pelo uso de biocidas, fertilizantes e fito sanitários.
O uso excessivo de parasiticidas na agricultura causa a deposição de
resíduos químicos tóxicos, às vezes em diluição mínima, vindo alterar a flora
e a fauna microbiana do solo, com efeito negativo nas cadeias alimentares,
pois a substância tóxica passa de espécie para espécie.
Existe também o problema das queimadas realizadas pelos agriculto-
res (mal orientados), pois praticamente elimina os componentes bióticos do
solo, pelo efeito esterilizante do calor.
O desmatamento de áreas florestais é muito perigoso, pois impede a
formação de húmus, transformando áreas férteis em áreas improdutivas com
terreno arenoso e nu, vindo a surgir a erosão. Mesmo os desmatamentos
para o reflorestamento causa desequilíbrio ecológico, uma vez que várias
espécies em equilíbrio, às vezes em comunidades clímax fornecendo habitat
adequado a centenas de espécies animais, dão lugar a uma única espécie
vegetal, com interesse puramente econômico.
Uma das formas de poluição que mais preocupa os ambientalistas é gerada
pelo agrotóxicosCXXXVIII
.Esses produtos são de grande utilidade para a produção de
CXXXVIII Conforme a Lei número 7.802, de 11 de julho de 1989, em seu artigo 2º, inciso I, agrotóxicos e afins
são os produtos e os agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de
produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas,
nativas ou implantadas e de outros ecossistemas e, também, de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja
finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos
considerados nocivos e, ainda, as substâncias e produtos, empregados como desfolhantes, dessecantes, estimuladores e inibidores de crescimento.
232
sementes, pastagens, florestas, armazenamento e beneficiamento de produtos
agrícolas, uma vez que auxiliam o empreendedor a proteger suas lavouras de pragas
e doenças. Ocorre que o uso dos Agrotóxicos de forma descabida, sem observância
de normas legais, pode causar sérios danos ao homem e ao meio ambiente. De
acordo com Josino C. Moreira457
, estudioso do assunto: A ampla utilização desses
produtos, o desconhecimento dos riscos associados a sua utilização, o conseqüente
desrespeito às normas básicas de segurança, a livre comercialização, a grande
pressão comercial por parte das empresas distribuidoras e produtoras e os
problemas sociais encontrados no meio rural constituem importantes causas que
levam ao agravamento dos quadros de contaminação humana e ambiental
observados no Brasil. A esses fatores podem ser acrescentados a deficiência da
assistência técnica ao homem do campo, a dificuldade de fiscalização do
cumprimento das leis e a culpabilização dos trabalhadores como contribuintes para
a consolidação do impacto sobre a saúde humana, decorrente da utilização de
agrotóxicos, como um dos maiores problemas de saúde pública no meio rural,
principalmente nos países em desenvolvimento.
Tão séria é a questão que a Constituição Federal, em seu artigo 225,
parágrafo 1º, inciso V, tratou especificamente sobre a questão dos Agrotóxicos,
ainda que de forma mais genérica. Referido dispositivo estabelece que cabe ao
Poder Público controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas,
métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o
ambiente. Coube, portanto, à legislação infraconstitucional definir mais
precisamente a forma como se daria esse controle sobre os agrotóxicos. Nesse
sentido, o artigo 6º, do Decreto número 98.816, de 11 de janeiro de 1990, os
agrotóxicos, para serem produzidos, importados, exportados, comercializados e
utilizados no país, terão de ser previamente registrados no órgão federal competente,
com observância das exigências dos órgãos federais responsáveis pelos setores da
agricultura, da saúde e do meio ambiente. A Lei número 7.802, de 11 de julho de
1989, em seu artigo 14CXXXIX
dispõe sobre a responsabilização administrativa, civil e
criminal pelos danos causados ao meio ambiente e à saúde das pessoas tendo em
vista a produção, comercialização, utilização e transporte de agrotóxicos. Além
dessa responsabilização, poderá haver outras sanções tais como: a) advertência; b)
multa; c) condenação e inutilização de produto; d) interdição temporária ou
definitiva de estabelecimento; e) destruição de vegetais, partes de vegetais e
CXXXIX “Artigo 14. As responsabilidades administrativas, civil e penal, pelos danos causados à saúde das
pessoas e ao meio ambiente, quando a produção, a comercialização, a utilização e o transporte não cumprirem
o disposto nesta Lei, na sua regulamentação e nas legislações estaduais e municipais, cabem: a) - ao
profissional, quando comprovada receita errada, displicente ou indevida; b) - ao usuário ou a prestador de
serviços, quando em desacordo com receituário; c) - ao comerciante, quando efetuar venda sem o respectivo
receituário ou em desacordo com a receita; d) - ao registrante que, por dolo ou por culpa, omitir informações
ou fornecer informações incorretas; e) - ao produtor que produzir mercadorias em desacordo com as
especificações constantes do registro do produto, do rótulo, da bula, do folheto e da propaganda; f) - ao
empregador, quando não fornecer e não fizer manutenção dos equipamentos à proteção da saúde dos trabalhadores ou dos equipamentos na produção, distribuição e aplicação dos produtos.
233
alimentos, com resíduos acima do permitido; f) destruição de vegetais, partes de
vegetais e alimentos, nos quais tenha havido aplicação de agrotóxicos de uso não
autorizado, a critério do órgão competente; e, g) outras sanções previstas em lei.
Note-se que para a comercialização de agrotóxicos diretamente para o usuário
será necessária a apresentação de receituário próprio prescrito por profissional
legalmente habilitado, nos termos da Lei número 7.802/89, artigo 13CXL
e do
também já citado Decreto número 98.816/90, artigo 51CXLI
. Nesses casos, então, far-
se-á indispensável a obtenção de um receituário agronômico assinado por um
engenheiro agrônomo, engenheiro florestal, ou, ainda, profissional que possua
formação técnica, no mínimo, de nível médio ou 2º Grau, na área de conhecimentos
relacionados com a matéria e que esteja devidamente inscrito no órgão fiscalizador
da profissão,CXLII
.
Outra questão importante relacionada aos Agrotóxicos refere-se ao seu
armazenamento e destinação final. Por serem potenciais causadores de danos
ambientais, os Agrotóxicos deverão ser armazenados em locais específicos. A
questão do armazenamento de Agrotóxicos é de competência estadual, conforme
artigo 10, da Lei número 7.802/89, mas a União também legisla sobre a matéria.
Assim, no artigo 49 do Decreto número 98.816/90, dispõe que o armazenamento de
agrotóxicos obedecerá às normas nacionais vigentes, sendo observadas as instruções
fornecidas pelo fabricante, bem como as condições de segurança explicitadas no
rótulo do produto. Em relação à destinação final de resíduos e embalagens, cumpre
observar que a lei proíbe aCXLIII
reutilização de embalagens pelo usuário,
comerciante, distribuidor, cooperativas e prestadores de serviços. Excepcionalmente,
o órgão federal registrante poderá autorizar o reaproveitamento de embalagens de
agrotóxicos, pela empresa produtora, ouvidos os demais órgãos federais envolvidos.
CXL Artigo 13 - A venda de agrotóxicos e afins aos usuários será feita através de receituário próprio, prescrito
por profissionais legalmente habilitados, salvo casos excepcionais que forem previstos na regulamentação desta Lei. CXLI Art. 51 - Os agrotóxicos e afins só poderão ser comercializados diretamente ao usuário, mediante
apresentação de receituário próprio prescrito por profissional legalmente habilitado.
§ 1º - Considera-se usuário toda pessoa física ou jurídica que utilize agrotóxico ou afim.
§ 2º - Considera-se legalmente habilitado o profissional que possua formação técnica, no mínimo, de nível
médio ou 2º Grau, na área de conhecimentos relacionados com a matéria de que trata este Regulamento, e
esteja inscrito no respectivo órgão fiscalizador da profissão. CXLII Nos termos da Resolução do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia – CONFEA
número 3.444, de 27 de julho de 1990: Art. 1º - Conforme o estabelecido no Art.13 da Lei nº 7.802, de 11
julho de 1989, compete aos Engenheiros Agrônomos e Engenheiros Florestais, nas respectivas áreas de
habilitação, para efeito de fiscalização do exercício profissional, a atividade de prescrição de receituário
agronômico. Art. 2º - Estão os profissionais indicados no Art. 1º igualmente habilitados a assumir a responsabilidade técnica pela pesquisa, experimentação, classificação, produção, embalagem, transporte,
armazenamento, comercialização, inspeção, fiscalização e aplicação dos agrotóxicos, seus componentes e
afins. Art. 3º - Os Técnicos Agrícolas e Tecnólogos da área da agropecuária e florestas são habilitados
legalmente a assumir a Responsabilidade Técnica na aplicação dos produtos agrotóxicos e afins prescritos
pelo receituário agronômico, desde que sob supervisão do Engenheiro Agrônomo ou Florestal.
CXLIII Decreto número 98.816, de 11 de janeiro de 1990, artigos 45 e 46.
234
Assim, o descarte de embalagens e resíduos de agrotóxicos deverá atender às
recomendações técnicas apresentadas na bula, relativas aos processos de
incineração, enterro, observadas as exigências dos setores de saúde, agricultura e
meio ambiente.
2.10.8. Área de Preservação Permanente e Reserva Legal
A Constituição Federal brasileira institui que todos têm o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado e à qualidade de vida. Com vistas nesse
objetivo, o legislador brasileiro, através da Lei número 4.771, de 15 de setembro de
1965, Código Florestal Brasileiro, estipulou algumas áreas naturais que devem ser
permanentemente preservadas, assim como estabelecendo critérios para a definição
de áreas que precisam ter sua vegetação preservada nas propriedades privadas, ou
seja, as reserva legais e as áreas de preservação permanente.
Note-se que, apesar de estarem previstas no Código Florestal, essas chamadas
Áreas de Preservação Permanente e as Reservas Legais não se relacionam tão
somente a florestas, mas à flora e fauna de uma forma geral. Os artigos 2º e 3ºCXLIV
,
CXLIV “Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais
formas de vegetação natural situadas: a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível
mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será: 1 - de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de
menos de 10 (dez) metros de largura; 2 - de 50 (cinquenta) metros para os cursos d'água que tenham de 10
(dez) a 50 (cinquenta) metros de largura; 3 - de 100 (cem) metros para os cursos d'água que tenham de 50
(cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura; 4 - de 200 (duzentos) metros para os cursos d'água que
tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura; 5 - de 500 (quinhentos) metros para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros; b) ao redor das lagoas, lagos ou
reservatórios d'água naturais ou artificiais; c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados "olhos
d'água", qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinquenta) metros de
largura; d) no topo de morros, montes, montanhas e serras; e) nas encostas ou partes destas, com
declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive; f) nas restingas, como fixadoras
de dunas ou estabilizadoras de mangues; g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de
ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais; h) em altitude
superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação. Parágrafo único. No caso de
áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e
nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, obervar-se-á o
disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se
refere este artigo.” "Art. 3°. Consideram-se, ainda, de preservação permanente, quando assim declarados por ato do poder
público, as florestas e demais formas de vegetação natural destinadas: a) a atenuar a erosão das terras; b) a
fixaras dunas; c) a formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias;d) a auxiliar a defesa do
território nacional, a critério das autoridades militares; e) a proteger sítios de excepcional beleza ou de valor
científico ou histórico; f) a asilar exemplares da fauna ou flora ameaçadas de extinção; g) a manter o ambiente
necessário à vida das populações silvícolas; h) a assegurar condições de bem-estar público. §1° A supressão
total ou parcial de florestas e demais formas de vegetação permanente de que trata esta Lei, devidamente
caracterizada em procedimento administrativo próprio e com prévia autorização do órgão federal de meio
ambiente, somente será admitida quando necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de
utilidade pública ou interesse social, sem prejuízo do licenciamento a ser procedido pelo órgão ambiental
competente. §2° Por ocasião da análise do licenciamento, o órgão licenciador indicará as medidas de compensação ambiental que deverão ser adotadas pelo empreendedor sempre que possível. §3° As florestas
235
do Código Florestal Brasileiro estipula critérios mais precisos para a definição das
áreas de preservação permanente.
O Código Florestal traz, em seu artigo 1º, parágrafo 2º, inciso II, a definição
de área de preservação permanente.área protegida nos termos dos arts. 2o e 3o
desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de
preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a
biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-
estar das populações humanas. O inciso III, por sua vez, define Reserva Legal: área
localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de
preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à
conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da
biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas;
Conforme Edis Milaré458
as áreas de preservação permanente e as reservas
legais consistem em uma faixa de preservação de vegetação estabelecida em razão
da topografia ou do relevo, geralmente ao longo dos cursos d´água, nascentes,
reservatórios e em topos e encostas de morros, destinadas à manutenção da
qualidade do solo, das águas e também para funcionar como corredores de fauna.A
Resolução Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA número 302, de 20
de março de 2002, estabeleceu que se consideram as Áreas de Preservação
Permanente e outros espaços territoriais especialmente protegidos, como
instrumentos de relevante interesse ambiental, integram o desenvolvimento
sustentável, objetivo das presentes e futuras gerações.
Note-se que é desnecessária a desapropriação da área de preservação
permanente, pois isso não inviabiliza totalmente o exercício do direito de
propriedade.
Ao lado das áreas de preservação permanente, o proprietário deve ainda
preservar a vegetação em percentuais mínimos de seus imóveis de acordo com a
região do paísCXLV
:
a) 80%, na propriedade rural situada em área de floresta localizada na
Amazônia Legal;
b) 35%, na propriedade rural situada em área de cerrado localizada na
Amazônia Legal, sendo no mínimo 20% na propriedade e 15% na
forma de compensação em outra área, desde que esteja localizada na
mesma microbacia, e seja averbada nos termos do § 7o deste artigo;
c) 20%, na propriedade rural situada em área de floresta ou outras formas
de vegetação nativa localizada nas demais regiões do País; e,
que integram o patrimônio indígena ficam sujeitas ao regime de preservação permanente (letra g) pelo só
efeito desta Lei." CXLV Artigo 16, da Lei número 4.771, de 15 de setembro de 1965.
236
d) 20%, na propriedade rural em área de campos gerais localizada em
qualquer região do País.
Conforme dispõe o artigo 44, inciso III, do Código Florestal, o proprietário
ou possuidor de imóvel rural com área de floresta nativa, natural, primitiva ou
regenerada ou outra forma de vegetação nativa em extensão inferior aos limites
mínimos estabelecidos poderá adotar como medida alternativa à compensação da
Reserva Legal por outra área equivalente em importância ecológica e extensão,
desde que pertença ao mesmo ecossistema e esteja localizado na mesma micro-
bacia.
Todavia, há uma exceção ao inciso acima referido, admitindo-se a
compensação da Reserva Legal por outras áreas localizadas fora da mesma micro-
bacia, desde que na mesma bacia hidrográfica e no mesmo Estado, devendo o órgão
ambiental estadual competente aplicar o critério de maior proximidade possível
entre a área desprovida de reserva legal e a área para a compensação.
A compensação acima referida deverá ser submetida à aprovação do órgão
ambiental competente. Ela poderá ser implementada mediante o arrendamento de
área sob regime de servidãoCXLVI
florestal ou reserva legal ou aquisição de cotas de
que trata o artigo 44-BCXLVII
, do Código Florestal.
A área de reserva legal deverá ser averbada à margem da inscrição de
matrícula do imóvel, no Registro de Imóveis competente, sendo vedada a alteração
de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, de desmembramento
ou de retificação da área. A lei estabelece ainda que a averbação da reserva legal da
pequena propriedade ou posse rural familiar é gratuita, devendo o Poder Público
prestar apoio técnico e jurídico, quando necessário.
Note-se que para que se faça a averbação da área de reserva legal, existe a
necessidade de apresentação, pelo proprietário do imóvel, de um
georeferenciamentoCXLVIII
da área, com as coordenadas geográficas da propriedade e
CXLVI Servidão: conforme dispõe o artigo 1378, do Código Civil Brasileiro, a servidão proporciona a utilidade
para o prédio dominante, e grava o prédio serviente, que pertence a diverso dono, e constitui-se mediante
declaração expressa dos proprietários, ou por testamento, e subseqüente registro no Cartório de Registro de
Imóveis. Nas palavras de Plácido e Silva, em sua obra “Dicionário Jurídico”, página 1291, servidão
“representa o encargo ou ônus que se estabelece sobre um imóvel em proveito e utilidade de um outro imóvel,
pertencente a outro proprietário. Este encargo, ou este ônus a que se sujeita o imóvel alheio, em favor de
outrem, constitui para esse um direito real, que lhe assegura uso e gozo da serventia, que se constitui em
servidão.” CXLVII “Art. 44-B. Fica instituída a Cota de Reserva Florestal - CRF, título representativo de vegetação nativa sob regime de servidão florestal, de Reserva Particular do Patrimônio Natural ou reserva legal instituída
voluntariamente sobre a vegetação que exceder os percentuais estabelecidos no art. 16 deste Código.” CXLVIII Georeferenciamento: conforme a Lei número 10.267, de 28 de agosto de 2001 é o ato de referenciar
cada vértice de um imóvel rural ao Sistema Geodésico Brasileiro – SGB. Nos termos da Lei a identificação do
imóvel será obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida
Anotação de Responsabilidade Técnica - ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites
dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser
237
da Reserva Legal. Esses dados serão utilizados pelos técnicos do IBAMA para a
realização da vistoria, que poderá ser feita pelo sistema de amostragem, desde que
haja condições técnicas que garantam o uso do sistema adotado.
2.10.9. Infrações Administrativas
O poder público está autorizado a impor uma série de sanções para coibir
infrações ao meio ambiente. As punições administrativas são explicadas de modo
genérico no artigo 14 da Lei número 6.938, de 31 de agosto de 1981, que estabelece
penalidades, ao enunciar: o não cumprimento das medidas necessárias à
preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da
qualidade ambiental sujeitará os transgressores: I - à multa simples ou diária, nos
valores correspondentes, no mínimo, a 10 (dez) e, no máximo, a 1.000 (mil)
Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTNs, agravada em casos de
reincidência específica, conforme dispuser o regulamento, vedada a sua cobrança
pela União se já tiver sido aplicada pelo Estado, Distrito Federal, Territórios ou
pelos Municípios; II - à perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais
concedidos pelo Poder Público; III - à perda ou suspensão de participação em
linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito;IV - à suspensão de
sua atividade.
Da mesma forma, o artigo 70 da Lei número 9605, de 12 de fevereiro de
1998, conceitua infração administrativa ambiental como sendo “toda ação ou
omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e
recuperação do meio ambiente.”. Tendo isso como base, concluímos que, em se
tratando de direito ambiental, como ensina Francisco Thomaz Van Acker459
as
infrações não são e nem poderiam ser especificamente tipificadas em lei, já que tudo
quanto cause qualquer forma de poluição é infração à lei.
A responsabilização civil do poluidor, transgressor, caminha juntamente com
a sua responsabilização administrativa, independentemente de dolo ou culpa.
Cumpre dizer aqui que, qualquer pessoa, ao tomar conhecimento de alguma infração
ambiental, poderá apresentar representação a autoridades integrantes do Sistema
Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA. De seu lado, a autoridade ambiental
deverá promover imediatamente a apuração da infração ambiental, sob pena de co-
responsabilidade460
.
Seguem alguns exemplos de como se encontram as infrações administrativas
na legislação, explicados de forma cristalina por Vladimir Passos de Freitas e
Gilberto Passos de Freitas461
:
fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja
somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.
238
2.10.9.1. Infrações ao Código Florestal
O Código Florestal, Lei número 4.771, de 15 de setembro de 1965, estabelece
normas sobre florestas e demais formas de vegetação existentes no território
nacional, considerando-as bem de interesse comum a todos os habitantes do País. A
Lei número 7.754, de 14 de abril de 1989 trata da proteção das florestas existentes
nas nascentes dos rios e fixa pena de multa para os infratores.Pode-se também
ressaltar que o Decreto Federal número 70.235, de 06 de março de 1972, oferece a
tramitação do processo administrativo fiscal, mas tem sua utilização limitada pelos
órgãos da administração.
O processo administrativo pertinente se inicia pela lavratura do auto de
infração por agentes da fiscalização. No prazo de trinta dias, o infrator poderá
recolher a multa, de forma parcelada (Portaria número 369 P/83, do Instituto
Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – IBDF) ou recorrer ao Delegado no
Estado. Da decisão deste caberá recurso ao Presidente do Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e Recursos Naturais (antigo IBDF). Se não houver deferimento, o
interessado, a partir da ciência, terá quinze dias para promover o recolhimento da
multa, sob pena de ser inscrita em dívida ativa para cobrança judicial (Portaria
número 241/87, do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – IBDF).
2.10.9.2. Infrações ao Código de Caça
O Código de Caça, Lei número 5.197, de 10 de setembro de 1967,
efetivamente contém uma amálgama de dispositivos penais com ilícitos meramente
administrativos. Quanto às infrações administrativas, essas são regulamentadas por
normas complementares do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal –
IBDF, normas estas em vigor apesar da extinção do órgão e da criação do IBAMA.
O Decreto-Lei número 70.235, de 06 de março de 1972, estabelece regras de
tramitação no processo administrativo tributário.
2.10.9.3. Infrações ao Código de Pesca
O código de pesca elenca uma série de infrações administrativas nos artigos
55 a 60, as quais são aplicadas através do processo administrativo previsto no já
citado Decreto número 70.235/72. A fiscalização é exercida atualmente pelo
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, que
aplicará as sanções cabíveis através dos procedimentos do Deceto-Lei número 221,
de 28 de fevereiro de 1967.
2.10.10. Infrações Penais
Diversas infrações penais estão previstas no artigo 271 do Código Penal
(corrupção de água potável), em leis esparsas como a das contravenções penais e de
239
agrotóxicos e na Lei número 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, a Lei de Crimes
Ambientais. Essa Lei versa sobre crimes contra a fauna, flora, poluição, patrimônio
cultural e ambiental e administração ambiental, trazendo diversas modificações
positivas para essa área, tais como a uniformidade do tratamento penal dado as
questões ambientais e a instituição de crimes culposos. Porém, algumas críticas
negativas são feitas à esta Lei, dentre elas o fato de não ter revogado todos os crimes
anteriores a ela, mas apenas os incompatíveis e também o uso de tipos penais
abertos, ferindo, assim, o princípio da legalidade e de normas penais em branco, ou
seja, normas penais que precisam de complementação. Essa situação dá margem a
arbitrariedades e insegurança jurídica. Os crimes ambientais podem ser praticados
tanto por pessoas físicas como jurídicas. Esse é, aliás uma das razões pelas quais o
Direito Penal Ambiental é considerado inovador, eis que penas propriamente ditas
são tradicionalmente aplicadas a pessoas físicas.
As infrações ambientais praticadas por pessoas naturais são em regra crimes
comuns, podendo ser próprios como no caso dos funcionários públicos, previsto no
artigo 67 da referida Lei e quando das infrações praticadas contra os índios .Os tipos
de infrações praticados por silvícolas serão classificados de acordo com a medida de
integração deles. Assim, se forem isolados, serão inimputáveis; se estiverem em
aculturação, semi-imputáveis e por último, se forem integrados à sociedade,
imputabilidade plena. Podemos citar como exemplo o índio que desmata suas terras
para obtenção de lucro. Entretanto, se desmatar para subsistência, não será crime.
Já nos crimes praticados por pessoas jurídicas, objetivou-se diminuir o índice
de impunidade originalmente criado pela legislação, tendo em vista a dificuldade em
se determinar quem era o agente responsável pelo dano ambiental dentro da
empresa. Sendo assim, a Constituição Federal previu, em seu artigo 225, a
possibilidade de se responsabilizar a pessoa jurídica, responsabilidade esta
consagrada pela Lei de Crimes Ambientais.
Conforme o artigo 3° da Lei número 9605, de 12 de fevereiro de 1998, as pessoas
jurídicas deverão penalmente responsabilizadas, desde que a conduta que resultou
no dano ambiental seja proveniente de ordem emanada de quem tinha poder de
comando dentro da empresa e desde que essa mesma conduta tenha sido perpetrada
para obtenção de benefício para a empresa. Nesse caso, haveria co-autoria
necessária entre a pessoa jurídica e aquele que perpetrou, de fato, a conduta.
As penas, previstas no artigo 21 da referida Lei são de multa restritiva de
direitos e prestação de serviços à comunidade, nunca esquecendo a reparação do
dano causado ao meio ambiente. Dentre as penas restritivas de direito, as mais
comuns são a suspensão parcial ou total das atividades, a interdição temporária e a
proibição de contratar com o Poder Público. No tocante à prestação de serviços à
comunidade, destacam-se o custeio de programas, a execução de obras de
recuperação, a manutenção de espaços públicos e contribuições a entidades
ambientais ou culturais públicas.
240
2.11. Direito do Trabalho no Âmbito Rural
A Convenção número 14, de 1975, da Organização Internacional do
Trabalho, define como Trabalhador Rural aquele que se dedica, em região rural, a
tarefas agrícolas ou artesanais ou a serviços similares ou conexos, compreendendo
não só os assalariados, mas também aquelas pessoas que trabalham por conta
própria e os pequenos proprietários.
O legislador constituinte ateve-se estabelecer algumas diretrizes para o
Trabalho Rural. No capítulo que abordou a questão da Função Social da
Propriedade, já referimos que respeito ao bem-estar do empregado rural e ao
regulamento referente a este tipo de trabalho são requisitos para que uma
propriedade rural cumpra com sua Função Social (art. 186, incisos III e IV da
Constituição Federal).
Para ser considerado Empregado Rural e ter vínculo empregatício com o
tomador de seu trabalho, o trabalhador deverá atender aos mesmos requisitos
exigidos pelo Empregado Urbano, que são: a) prestar serviços de natureza contínua;
b) mediante subordinação; c) pessoalmente; e, d) mediante remuneração, nos termos
do artigo 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.
A Lei número 5.889, 08 de junho de 1973, que regula as relações de Trabalho
Rural, no Artigo 2º define Empregado Rural: Empregado Rural é toda pessoa física
que, em propriedade rural ou prédio rústicoCXLIX
, presta serviços de natureza não
eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário.
O mesmo dispositivo legal, no Artigo 3º define Empregador Rural:
Empregador Rural é toda a pessoa física ou jurídica, proprietária ou não, que
execute a atividade agrícola com objetivo de lucro, em caráter permanente ou
temporário, diretamente ou através de prepostos e com auxílio de empregados.
Portanto, o empregador rural não necessariamente será proprietário, o essencial é
que desempenhe atividade agrícola com objetivo de lucro.
No Brasil, não deverá haver nenhuma discriminação entre Trabalhadores
Urbanos e Rurais, pois o artigo 7º, caput, da Constituição Federal, estabelece a
igualdade de direitos entre esses trabalhadores. Dentre os direitos dos Trabalhadores
Rurais, podemos citar: relação de emprego protegida contra despedida arbitrária;
seguro desemprego; fundo de garantia por tempo de serviço; salário mínimo;
irredutibilidade do salário; décimo terceiro salário; salário família; jornada de
trabalho não superior a 8 horas diárias e 44 horas semanais; repouso semanal
CXLIX Prédio rústico é o destinado à exploração agrícola, pecuária, extrativa ou agroindustrial, independentemente da sua localização, que poderá até mesmo ser urbana, ou seja, para caracterização do
Empregado Rural, o elemento preponderante será sempre a atividade do empregador. Assim, desde que o
empregador exerça atividade agrícola com finalidade de lucro, o empregado será rural, mesmo que trabalhe
no perímetro urbano da cidade.
241
remunerado; férias; licença à maternidade e à paternidade; descanso entre jornadas;
remuneração especial por trabalho noturno; medicina e segurança do trabalho; aviso
prévio proporcional ao tempo de serviço; indenização pela dispensa arbitrária;
adicional de insalubridade ou periculosidade; aposentadoria; proteção do trabalho
face à automação; adicional por trabalho extraordinário; seguro contra acidentes do
trabalho; filiação em sindicato; e negociação coletiva de trabalho.
2.11.1. Contratos de Trabalho
A Consolidação das Leis do Trabalho, Decreto-Lei número 5.452, de 01 de
maio de 1943, no artigo 442, conceitua Contrato de Trabalho nos seguintes termos:
Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à
relação de emprego. Porém, tal dispositivo legal apenas refere que Contrato de
Trabalho equivale à relação de emprego, restando imprecisões a respeito do conceito
de Contrato de Trabalho. Em razão disso, a doutrina tratou de esclarecer
precisamente o que significa Contrato de Trabalho como: a convenção pela qual um
ou vários empregados, mediante certa remuneração e em caráter não eventual,
prestam trabalho pessoal em proveito e sob a direção de empregador462
.
São diversas as relações de trabalho que se desenvolvem na atividade rural,
porém somente as relações individuais de Trabalho Rural e as relações coletivas de
Trabalho Rural são reguladas com base na legislação trabalhista, sendo que, as
relações individuais de Trabalho Rural são mantidas entre Empregado Rural e
Empregador Rural. Já as relações coletivas de Trabalho Rural, também são mantidas
entre Empregados e Empregadores Rurais, porém nessa situação as partes são
consideradas como categoria463
.
Nas relações de Trabalho Rural individual, existem as seguintes formas de
Contrato de Trabalho:
a) Contrato de Trabalho por Tempo Indeterminado: é a regra dos
Contratos de Trabalho, que garante todos os direitos trabalhistas e
previdenciários ao empregado, quando são desenvolvidas atividades
permanentes no estabelecimento rural;
b) Contrato de Trabalho por Tempo Determinado: é uma exceção, em que
o prazo para duração do contrato é prefixado, como também o são as
tarefas que deverão ser desenvolvidas. Somente é válido quando se
tratarem de serviços cuja natureza ou transitoriedade justifiquem a
predeterminação do trabalho, em atividades empresariais de caráter
transitório, ou em caso de contrato de experiênciaCL
;
CL Conforme dispõe o artigo 443 e parágrafos, do Decreto-Lei número 5.452, de 01 de maio de 1943 –
Consolidação das Leis do Trabalho.
242
c) Contrato de Safra: uma espécie de contrato por prazo determinado,
celebrado entre o Trabalhador e o Produtor Rural, que garante todos os
direitos trabalhistas aos empregados, embora tenha vigência limitada.
Tem a duração vinculada a variações da produção, como clima e
sazonalidade, sendo regulado pelo artigo 14, da Lei número 5.889, de
08 de junho de 1973;
d) Contrato de Trabalho Rural por Obra Certa: outra espécie de trabalho
por período determinado, no qual o Empregado Rural desempenhará
apenas tarefas previamente determinadas e que não estejam
diretamente relacionada à safra;
e) Contrato de Trabalho Temporário Rural: trata-se, também, de um
contrato com prazo determinado, no qual a relação de emprego se dá
entre uma empresa de trabalho temporário e o Empregado Rural.
Nesses casos, uma empresa disponibiliza os empregados para outras
empresas, que são as tomadoras do serviço, mas não possuem
obrigação para com os empregados;
f) Contrato de Parceria: o Contrato de Parceria, independentemente da
modalidade da parceria, não se constitui em uma relação trabalhista,
mas sim em uma relação de Direito Agrário. No entanto, estando
presentes os requisitos para configuração de vínculo empregatício, o
Contrato de Parceria poderá ser declarado nulo, diante da
configuração de alguma das modalidades de Contrato de Trabalho.
g) Trabalhador Avulso: os Empregadores Rurais pretendem, com essa
modalidade, contratar Trabalhadores Rurais, especialmente para
movimentação de cargas, por intermédio dos Sindicatos de
Trabalhadores Rurais;
h) Consórcio ou Condomínio de Empregadores Rurais: nessa modalidade
de contrato ocorre uma união de Produtores Rurais pessoas físicas, que
outorgam poderes para que um deles contrate e demita trabalhadores
para prestação de serviços somente para os integrantes desse
consórcio. Aqui, há uma pluralidade de empregadores, que são
solidariamente responsáveis pelas obrigações previdenciárias, na
proporção dos serviços tomados. Tal situação é regulada pela Lei
número 10.256, de 09 de julho de 2001;
i) Contrato de Empreitada: muito comum na zona rural, que consiste em
uma relação de trabalho autônoma e, portanto, sem vínculo de
emprego, que é regulada pelas normas de Direito Civil. Empreitada é o
contrato em que se convenciona a execução de uma determinada obra,
que será realizada pelo empreiteiro e remunerada pelo empreitador,
dono da obra464
;
243
j) Aprendizagem Rural: trata-se de um contrato misto, no qual, além do
trabalho, há o treinamento do empregado. Tal relação se desenvolve
intermediada pelo Serviço de Aprendizagem Rural – SENAR e é
disciplinada pela Lei número 8.315, de 23 de dezembro de 1991; e,
k) Cooperativas de Trabalho Rural: cooperativas são sociedades civis,
reguladas pela Lei 5.769, de 16 de dezembro de 1971, constituídas
para prestar serviços aos seus associados, sem finalidade de lucro.
Nessa modalidade, o objetivo da cooperativa é a prestação de serviços,
sem vínculo empregatício entre a cooperativa e os associados, bem
como entre associados e tomadores de serviço da cooperativa, por
força do artigo 442, parágrafo único, da CLT.
2.11.2. Direito Coletivo
As relações coletivas de Trabalho Rural envolvem Empregados e
Empregadores Rurais, considerados como categoria e podem desenvolver-se entre
um grupo de trabalhadores e uma ou mais empresas, desde que se desenvolvam em
benefício de um grupo de trabalhadores. A legitimidade para defender os interesses
de uma categoria de trabalho é dos sindicatos, por expressa determinação do artigo
8º, inciso III, da Constituição Federal. Portanto, para se considerada uma relação
coletiva de trabalho rural é necessária a intervenção do sindicato representante da
categoria.
2.11.3. Alienação da Propriedade Rural e os Empregados
Com a transmissão da propriedade, as obrigações trabalhistas são transferidas
juntamente com a propriedade, de forma que: a) sendo os Empregados contratados
pelo novo proprietário, após a aquisição da propriedade, as obrigações contratuais
começarão a partir da admissão, seguindo-se a rotina normal; b) quando o novo
proprietário adquirir a propriedade, permanecendo nela os empregados contratados
anteriormente, será responsável por todos os Direitos adquiridos a que tiverem desde
as suas admissões, uma vez que os contratos celebrados anteriormente continuam
em pleno vigor.
2.11.4. Moradia do Trabalhador Rural
No que tange à Moradia no Trabalhador Rural, esta poderá ser fornecida pelo
empregador, a título gratuito ou oneroso, sendo considerada moradia a habitação
salubre e higiênica.
A título gratuito, a moradia fornecida pelo Empregador dá-se por um contrato
de comodato. A casa é emprestada ao Empregado Rural para servir de moradia para
si e sua família, enquanto perdurar a relação de trabalho. É importante que o
244
contrato de comodato seja feito por escrito e contenha todas as cláusulas e regras de
como se desenvolverá o empréstimo do imóvel. Se o contrato de comodato for
realizado por tempo determinado, o Empregado deverá entregá-la no prazo
convencionado entre eles. De outra forma, pode o empréstimo da moradia ficar
vinculado ao prazo do Contrato de Trabalho, que, via de regra, é por prazo
indeterminado findando quando da rescisão desse último.
Por sua vez, quando a moradia for fornecida a título oneroso, por autorização
do artigo 9º, da Lei número 5.889, de 08 de junho de 1973, poderá ser descontado do
empregado, até 20% do salário mínimo, a título de moradia. Não se trata de um
contrato de comodato, visto que há remuneração pela moradia, sendo que deve ser
previamente autorizado por escrito o desconto a este título. Findo o Contrato de
Trabalho, o Empregado ficará obrigado a desocupar o imóvel no prazo de 30 dias.
2.12. Noções de Direito Previdenciário no Âmbito Rural
Todo sistema de Previdência Social visa suprir a falta de renda do
Trabalhador quando, por certas ocorrências na vida do Trabalhador, fica ele
impossibilitado de trabalhar e, conseqüentemente, auferir renda. Sob outro ângulo, a
Previdência Social ajuda o Trabalhador a recuperar sua capacidade de trabalho,
perdida em parte ou totalmente, em virtude de algum evento danoso que o tenha
atingido.
No Brasil, a primeira ocorrência de Previdência Social surgiu nas empresas
que criaram e regularam esse benefício para seus empregados. Após isso, a
Previdência Social evoluiu para uma regulação por categorias profissionais. Hoje a
Previdência Social é unificada, abrangendo todos os Trabalhadores.
O primeiro regulamento de previdência para Trabalhadores Rurais se deu
através de Lei número 4.214, de 02 de março de 1963 – Estatuto do Trabalhador
Rural. Porém, na prática tal regulamento não beneficiou os Trabalhadores Rurais,
efetivamente. O Decreto número 276, de 28 de fevereiro de 1967, criou o Fundo de
Assistência e Previdência do Trabalhador Rural – FUNRURAL, que representou um
benefício parcial ao Trabalhador, pois tal regulamento era voltado, basicamente,
para questões de saúde. Somente com a edição da Lei Complementar número 11, de
25 de maio de 1971, que instituiu o Plano de Assistência ao Trabalhador Rural –
PRORURAL é que o Trabalhador passou a ser efetivamente protegido pela
Previdência Social.
Posteriormente, a Constituição Federal igualou os Trabalhadores Rurais e
Urbanos, fazendo com que ambos passassem a integrar a Previdência Social,
proteção esta que é regulada pelas Leis número 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho
de 1991.
O instrumento da Previdência Social no Brasil é o Seguro Social. Mediante
uma contribuição mensal fixada em Lei e obrigatória, arrecadada pelo Instituto
245
Nacional de Seguridade Social – INSS, nos termos do artigo 33, da Lei número
8.212, de 24 de julho de 1991, o empregado fica assegurado, na ocorrência de um
risco normal da existência, quanto à manutenção de uma parte de seu salário mensal.
Conforme a legislação previdenciária, são obrigados a efetuar o pagamento
do Seguro Social: a) o segurado especial; b) o Produtor Rural pessoa física; c) o
consórcio de Produtores Rurais; d) o Produtor Rural pessoa jurídica; e) a
agroindústria; e, f) as cooperativas de Produtores Rurais.
Por sua vez, os segurados, pessoas físicas, podem ser divididos nas seguintes
categorias: a) segurados obrigatórios comuns: Empregados Rurais em geral e
Produtor Rural; b) segurados facultativos: dona-de-casa ou estudante; c) segurados
obrigatórios individuais: autônomos, equiparados a autônomos e empresários; e, d)
segurados obrigatórios especiaisCLI
: Produtores Rurais que desenvolvem a atividade
por conta própria ou em regime familiar.
A alíquota da contribuição ao Seguro Social varia entre 8 e 11% sobre o
salário mensal, valor que será descontado do salário do empregado. Além disso, o
Empregador contribui com 20% do salário, mais uma complementação para o
seguro de acidente do trabalho, que varia entre 1 e 3%, conforme o grau de risco, e o
Governo Federal é responsável pelo pagamento das despesas com a administração
da Previdência Social.
Para os segurados obrigatórios especiais, é devida contribuição na alíquota de
2%, incidente sobre a receita bruta da produção, para o Seguro Social e uma alíquota
de 0,1% também calculada sobre a receita bruta da produção, que visa o
financiamento das prestações por acidente de trabalho. Facultativamente, o segurado
obrigatório especial poderá contribuir com alíquota de 20%, sem, contudo, perder
sua condição de segurado especial.
Por fim, cumpre salientar que a legislação previdenciária faz uma distinção de
benefícios para os segurados obrigatórios especiais, que possuem menos direitos que
os demais. Aos Empregados Rurais são assegurados os seguintes benefícios: a)
aposentadoria por idade; b) aposentadoria por invalidez; c) aposentadoria por tempo
de contribuição; d) auxílio-doença; e) auxílio-reclusão; f) pensão por morte; e, g)
salário maternidade. Os segurados especiais possuem esses direitos, à exceção da
aposentadoria por tempo de contribuição e, embora tal matéria seja razão de muitas
disputas judiciais, a legislação atual segue fazendo essa distinção.
2.13. Direito da Propriedade Intelectual no Âmbito Agrário
CLI Os parceiros, meeiros, arrendatários, comodatários, pescadores artesanais e condôminos também são
considerados segurados especiais, sendo, portanto, obrigados a efetuar o pagamento do referido seguro.
246
2.13.1. Noções Gerais sobre Propriedade Intelectual
A propriedade intelectual é um tema cada vez mais discutido em todas as
áreas, inclusive na que diz respeito ao Direito Agrário. Também, com grande
freqüência, esse tema vem sendo tratado como questão estratégica para a soberania
nacional e o desenvolvimento econômico, cultural e tecnológico, motivos que
tornam relevante seu estudo nesta obra.
No Brasil, o direito à propriedade é garantido constitucionalmente, o que
demonstra a sua importância. O artigo 5º, incisos XXVII e XXIX, da Constituição
Federal prevê o direito à propriedade intelectual, que compreende o conjunto de
direitos sobre bens imateriais, obras, criações, interpretações e invenções
decorrentes da atividade humana, especialmente nos campos da indústria, ciência,
literatura e arte. Vale lembrar que, em decorrência da regulação constitucional, a
propriedade não é absoluta, inclusive quando falamos de propriedade intelectual,
que deverá cumprir o interesse social e propiciar o desenvolvimento tecnológico do
país.
Fala-se de propriedade intelectual, quando se trata de algo que decorra da
atividade do intelecto humano, especialmente as expressões que dizem respeito ao
campo industrial e comercial. Com o direito à propriedade intelectual, passou-se a
proteger não só o produto da atividade do homem, mas também a idéia que permite
a sua reprodução. Trata-se de um bem imaterial, pois o que se protege é o
conhecimento, a habilidade exclusiva de determinado indivíduo.
O gênero propriedade intelectual pode ser dividido em duas categorias: a)
propriedade industrial; e, b) direitos autorais.
Ao se falar de propriedade industrial, estamos refere-se às criações
intelectuais voltadas para as atividades da indústria, em sentido amplo, considerada
como tal qualquer atividade humana que vise à produção de bens ou serviços, bem
como para as atividades de comércio e prestação de serviços. Aqui está englobada a
proteção das invençõesCLII
, dos desenhos industriaisCLIII
, dos modelos de
utilidadeCLIV
e das marcasCLV
. Também, se proíbe a utilização de falsas indicações
CLII Invenção é uma solução técnica para um problema técnico, segundo Denis Borges Barbosa, in Uma
Introdução à Propriedade Intelectual – 2. ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, p.337. CLIII Segundo o artigo 95, da Lei número 9.279, de 14 de maio de 1996, é considerado desenho industrial a
forma plástica ornamental de um objeto ou o conjunto ornamental de linhas e cores que possa ser aplicado a um produto, proporcionando resultado visual novo e original na sua configuração externa e que possa servir
de tipo de fabricação industrial. Ou seja, desenho industrial também é uma criação técnica, que pode ser
utilizada para fabricação industrial. CLIV Modelo de utilidade é aquele aperfeiçoamento realizado em um objeto físico já existente, que resulta em
maior eficácia ou comodidade, segundo Denis Borges Barbosa, in Uma Introdução à Propriedade Intelectual –
2. ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, p. 587. CLV Marca é o sinal distintivo e atrativo, que constitui um elo de aproximação entre o produto ou serviço e o
consumidor, conforme consta em IDS – Instituto Dannemann Siemsen de Estudos de Propriedade Intelectual.
Comentários à Lei da Propriedade Industrial – ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 206.
247
geográficas e a concorrência desleal. Na seqüência abordar-se-á cada uma dessas
proteções.
2.13.1.1. Patentes
As invenções, os desenhos industriais e os modelos de utilidade são protegidos
através de patentes, que são privilégios temporários concedidos pelo Estado a uma
pessoa física ou jurídica, em razão da criação de algo novo que possa trazer
benefícios à sociedade. Tal benefício, que é um direito exclusivo do proprietário,
pode ser outorgado tanto ao produto inventado quanto ao processo de produção
inventado.
A concessão de uma patente confere ao seu titular o direito de impedir que um
terceiro produza, utilize ou venda o produto ou processo registrado, sem que tenha
autorização para tanto. É importante notar que há restrições à patenteabilidade,
como, por exemplo, a impossibilidade de se requerer patente no Brasil sobre seres
vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, dentre várias outras
restrições.
2.13.1.2. Marcas
A marca em si não é um produto, mas um sinal que pode ser acoplado a
este, fornecendo ao consumidor e ou usuário uma forma de identificação e
diferenciação daquele produto, razão pela qual possui uma proteção especial. Em
nosso país, as marcas são protegidas pelo registro no órgão competente, que é o
Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI.
O registro da marca perante o INPI permite ao proprietário coibir a utilização
de sua marca por outros, em situações que possam trazer confusão ao público em
geral. Pode-se dizer que uma marca e ou uma patente, dão uma origem ao objeto,
um valor autoral pelo seu desenvolvimento. Importante referir que aqueles sinais
feitos em animais, geralmente através de marcação com brasas, muito comuns no
meio rural, podem ser consideradas marcas e como tal podem ser registradas, o que
torna sua utilização restrita ao detentor da marca registrada, no setor em que atua.
2.13.1.3. Indicações Geográficas
Segundo o artigo 176, da Lei número 9.279, de 14 de maio de 1996:
Art. 176. Constitui indicação geográfica a indicação de procedência ou a
denominação de origem.
O termo procedência, nos termos do artigo 177, da Lei número 9.279, de 14 de
maio de 1996, é o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade do
território, que se tenha tornado conhecido como centro de extração, produção ou
248
fabricação de determinado produto ou de prestação de serviço. Já denominação de
origem, conforme o artigo 178, da Lei número 9.279, de 14 de maio de 1996, é o
nome geográfico de país, estado, cidade, região, localidade de seu território que
designa produtos ou serviços cujas características ou qualidades se devam
exclusivamente ou essencialmente ao meio geográfico, incluindo fatores naturais e
humanos.
O regulamento nacional, através do artigo 182, da Lei número 9.279, de 14 de
maio de 1996, restringe a utilização de indicação geográfica aos produtores e
prestadores de serviço estabelecidos no local indicado. Portanto, é proibida a
utilização de indicação geográfica que não corresponda à realidade, o que poderia
induzir o consumidor em erro.
2.13.1.4. Concorrência Desleal
A legislação nacional também proíbe a prática da concorrência desleal, que
consiste em perpetrar qualquer ato contrário àquilo que se considera honesto em
matéria comercial ou industrial. Vê-se que uma prática desleal não pode ser definida
com precisão, pois se trata de um conceito abstrato, que se modifica conforme local
e época. Mas cabe ressaltar que essa proteção é um complemento à propriedade
industrial, uma vez que fornece àqueles que são lesados por um concorrente
desonesto meios de se protegerem e buscarem uma reparação financeira e ou moral.
Atualmente, o artigo 195 da Lei número 9.279, de 14 de maio de 1996, enumera as
práticas de concorrência deslealCLVI
, que são consideradas crime punível com pena
de detenção e multa.
CLVIArt. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:
I - publica, por qualquer meio, falsa afirmação, em detrimento de concorrente, com o fim de obter
vantagem;
II - presta ou divulga, acerca de concorrente, falsa informação, com o fim de obter vantagem;
III - emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;
IV - usa expressão ou sinal de propaganda alheios, ou os imita, de modo a criar confusão entre os
produtos ou estabelecimentos; V - usa, indevidamente, nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios ou vende, expõe ou
oferece à venda ou tem em estoque produto com essas referências;
VI - substitui, pelo seu próprio nome ou razão social, em produto de outrem, o nome ou razão social deste,
sem o seu consentimento;
VII - atribui-se, como meio de propaganda, recompensa ou distinção que não obteve;
VIII - vende ou expõe ou oferece à venda, em recipiente ou invólucro de outrem, produto adulterado ou
falsificado, ou dele se utiliza para negociar com produto da mesma espécie, embora não adulterado ou
falsificado, se o fato não constitui crime mais grave;
IX - dá ou promete dinheiro ou outra utilidade a empregado de concorrente, para que o empregado,
faltando ao dever do emprego, lhe proporcione vantagem;
X - recebe dinheiro ou outra utilidade, ou aceita promessa de paga ou recompensa, para, faltando ao dever
de empregado, proporcionar vantagem a concorrente do empregador; XI - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados
confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de
conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante
relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato;
249
2.13.1.5. Direito Autoral
O direito autoral não protege idéias, mas sim as expressões concretas de tais
idéias. Nos termos do inciso XXVII, do artigo 5º, da Constituição Federal, compete
ao autor o direito exclusivo de utilizar, publicar ou reproduzir suas obras, direito este
que é transmissível aos herdeiros pelo tempo que a Lei fixarCLVII
. Nesse aspecto, há
um verdadeiro monopólio em favor do autor, pois qualquer intenção de exploração
ou utilização da obra deve ser autorizada por este, que inclusive tem o poder de
determinar que a obra não seja divulgada.
2.13.2. Proteção de CultivaresCLVIII
A legislação protege criações industriais e não descobertas, que são meras
revelações daquilo já existente, mas até então desconhecido. A proteção a cultivar é
muito semelhante à proteção conferida às patentes, mas trata-se de instituto diverso
que, inclusive, é regulado por legislação própria.
As bases da regulamentação dos cultivares datam de 1961, quando foi
firmada a Convenção Internacional para Proteção de Obtenções Vegetais, conhecida
como Convenção UPOVCLIX
. O trabalho da UPOV permite aos titulares da
propriedade intelectual, a cobrança de direitos, em forma de royaltiesCLX
, sobre as
novas variedades, ressarcindo os investimentos realizados nas pesquisas para a
produção desses novos materiais.
Segundo referida convenção, para que seja desenvolvida uma cultivar, é
necessário investimento em pesquisa, o que geralmente implica no aporte de grande
XII - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos ou informações a que se refere o
inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude; ou
XIII - vende, expõe ou oferece à venda produto, declarando ser objeto de patente depositada, ou concedida,
ou de desenho industrial registrado, que não o seja, ou menciona-o, em anúncio ou papel comercial, como depositado ou patenteado, ou registrado, sem o ser;
XIV - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de resultados de testes ou outros dados não
divulgados, cuja elaboração envolva esforço considerável e que tenham sido apresentados a entidades
governamentais como condição para aprovar a comercialização de produtos.
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
§ 1º Inclui-se nas hipóteses a que se referem os incisos XI e XII o empregador, sócio ou administrador da
empresa, que incorrer nas tipificações estabelecidas nos mencionados dispositivos.
§ 2º O disposto no inciso XIV não se aplica quanto à divulgação por órgão governamental competente
para autorizar a comercialização de produto, quando necessário para proteger o público. CLVII Atualmente os direitos autorais são regulados pela Lei número 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que
disciplina: Art. 41. Os direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos contados de 1° de janeiro do ano
subseqüente ao de seu falecimento, obedecida a ordem sucessória da lei civil.
Parágrafo único. Aplica-se às obras póstumas o prazo de proteção a que alude o caput deste artigo. CLVIII Cultivar, segundo o Dicionário Aurélio, é uma variedade híbrida de vegetal, obtida mediante cultivo. CLIX International Union for the Protection of New Varieties of Plants – UPOV. CLX Segundo GOYOS JÚNIOR, Durval de Noronha. Dicionário Jurídico Noronha: inglês-português,
português-inglês – 6. ed. – São Paulo: Observador Legal, 2006, p.298, "royalty" é a remuneração pelo uso de
equipamentos, nomes, marcas, patentes ou processos.
250
quantidade de dinheiro. Com a proteção às cultivares, é assegurado um retorno
financeiro àquele que investiu nessa pesquisa, o que incentiva o investimento do
setor privado no setor.
Atualmente, 63 países são membros da UPOVCLXI
, dentre os quais o Brasil,
que, desde o ano de 1997, conta com legislação que protege as cultivares. Trata-se
de Lei número 9.456, de 25 de abril de 1997, posteriormente regulamentada pelo
Decreto número 2.366, de 05 de novembro de 1997.
O Serviço Nacional de Proteção de Cultivares – SNPC, ligado ao Ministério
da Agricultura e do Abastecimento, criado pelo artigo 45, da já citada Lei número
9.456/97, é o órgão competente para a proteção das cultivares no país. As
atribuições desse serviço foram disciplinadas pelo artigo 3º, do Decreto número
2.366/97, que relaciona mais de 20 atribuições, que vão deste a proteção de novas
cultivares até emissão de opinião sobre a conveniência da assinatura de tratados
sobre a matéria. Para assessoramento do SNPC, foi criada a Comissão Nacional de
Proteção de Cultivares – CNPC, conforme artigo 31, do Decreto número 2.366/97.
Além disso, através da Portaria número 527, do Ministério da Agricultura e
Abastecimento, de 31 de dezembro de 1997, foi criado o Registro Nacional de
Cultivares – RNC, que opera junto à Secretaria de Desenvolvimento Rural – SDR,
atualmente regulado pela Lei número 10.711, de 05 de agosto de 2003. O objetivo
desse registro é promover a inscrição prévia das cultivares, estejam elas protegidas
ou não, habilitando-as para produção e comercialização de sementes e mudas, no
País. Com isso, se pretende implantar uma lista atualizada das cultivares disponíveis
no mercado e a criação de um cadastro de informações sobre o valor de cultivo e de
dessas cultivares.
Nos termos do artigo 2º, da Lei número 9.456/97, a proteção às cultivares se
opera mediante a concessão de Certificado de Proteção de Cultivar, considerado
bem móvel para todos os efeitos legais e única forma de proteção que poderá obstar
a livre utilização de plantas ou de suas partes de reprodução ou de multiplicação
vegetativa no País. Por se tratar de bem móvel, o Certificado de Proteção de Cultivar
pode ser negociado, transferindo-se os direitos a ele inerentes, mediante
remuneração.
Portanto, a proteção da cultivar confere a seu titular o direito de cobrança de
"royalties" pela utilização do material protegido, bem como a possibilidade de
licenciamento da utilização da tecnologia. Já o registro, realizado nos termos da
mencionada Portaria número 527 do Ministério da Agricultura garante ao titular os
direitos advindos da produção, do beneficiamento e da comercialização de sementes
e mudas.
CLXI Conforme informação do sítio: http://www.upov.int/en/about/members/pdf/pub423.pdf, acessado em 24
de janeiro de 2007.
251
Nos termos da legislação vigente, para que seja considerada uma cultivar e
mereça a proteção da propriedade intelectual, é necessário que a planta preencha os
seguintes requisitos:
a) distinguível: é necessário que a cultivar se distinga claramente de
qualquer outra existente quando da data do pedido de proteção. O
artigo 3º, inciso IV, da Lei número 9.456/97, determina que a cultivar
seja distinguível por uma margem mínima de descritores, implicando
que a cultivar tenha características morfológicas, fisiológicas,
bioquímicas e moleculares, herdadas geneticamente e que sejam
diversas das características de outras plantas;
b) denominação própria: o sistema de proteção das cultivares nasceu do
direito de proteção às marcas e, por isso, herdou essa necessidade de
denominação. Para que seja protegida, a cultivar necessita de um nome
próprio, que não pode ser apenas numérico, tem que ser diferente do
nome das cultivares, preexistentes e não pode induzir em erro quanto
às suas características ou procedência;
c) homogeneidade: implica que os vários exemplares de uma mesma
variedade tenham similaridades suficientes entre si para merecer sua
identificação465
, sendo que essa apuração dar-se-á dará pelo plantio em
escala comercial;
d) estabilidade: significa dizer que a cultivar, após várias séries de
reprodução ou propagação, deve manter suas características próprias,
ou seja, sua homogeneidade; e,
e) utilidade: é necessário que a cultivar seja passível de uso pelo
complexo agroflorestal, ou seja, pelo conjunto de atividades relativas
ao cultivo de gêneros e espécies vegetais visando a alimentação
humana ou animal, à produção de combustíveis, óleos, corantes, fibras
e demais insumos para fins industrial, medicinal, florestal e
ornamental466
;
O artigo 4º, da Lei número 9.456/97 estabelece que são objeto de proteção:
a) as novas cultivares: são aquelas que não tenham sido oferecidas à
venda no Brasil por mais de 12 meses e que não tenham sido
oferecidas à venda em outros países, com o consentimento do
requerente da proteção, há mais de 6 anos, para espécies de árvores e
videiras e há mais de 4 anos, para as demais espécies;
b) as cultivares essencialmente derivadas de outra cultivar: que podem ser
derivadas de cultivar inicial ou de cultivar derivada, dessa que não
percam as características essenciais da cultivar que as originou, exceto
no que diz respeito às diferenças resultantes desta derivação, que seja
252
distinta da cultivar que a originou e que tenha respeitado o limite de
tempo de comercialização relacionado no item anterior; e,
c) as cultivares não enquadradas nas hipóteses anteriores: que tenham
sido ofertadas à venda, desde que o pedido de proteção seja
apresentado até 12 meses após a divulgação das espécies vegetais, pelo
SNPC e que a sua primeira comercialização tenha ocorrido no máximo
há 10 anos e que a proteção seja utilizada apenas para obtenção de
cultivares derivadas.
A proteção da cultivar confere um direito de propriedade ao seu titular. No
entanto, mesmo sendo a cultivar um objeto físico, trata-se de uma propriedade
imaterial, pois a recai sobre a reprodução da cultivar e não sobre a planta em si,
conforme o artigo 8º, da Lei número 9.456/97. Já o artigo 9° estipula que:
A proteção assegura a seu titular o direito à reprodução comercial no
território brasileiro, ficando vedados a terceiros, durante o prazo de
proteção, a produção com fins comerciais, o oferecimento à venda ou a
comercialização, do material de propagação da cultivar, sem sua
autorização.
Propagação é a reprodução e/ou multiplicação de uma cultivar, que são
formas de sua exploração econômica. Material de propagação é toda e qualquer
parte da planta ou da estrutura vegetal utilizada na sua reprodução ou multiplicação.
Cabe salientar que todos os materiais de propagação são protegidos, inclusive as
sementes, que somente podem ser utilizadas como material de propagação com fins
comerciais quando autorizado pelo titular do direito de proteção da cultivar, que
poderá cobrar uma retribuição pecuniária por esse uso. Tal proteção garante um
direito exclusivo ao seu proprietário, sendo punido aquele que vender, oferecer à
venda, reproduzir, importar, exportar, embalar ou armazenar para os fins antes
relacionados ou ceder a qualquer título a cultivar, sem a autorização do titular da
proteçãoCLXII
. No caso de ser comprovada alguma dessas atividades, poderá ser
apreendido o material e aplicada sanção indenizatória.
Por outro lado, o artigo 10 da mesma Lei limita os direitos do titular da
cultivar em situações em que: a) o produtor reserva e planta sementes para uso
próprio, em sua propriedade ou naquela em que detém a posse; b) o produtor usa ou
vende como alimento ou matéria-prima o produto obtido pelo cultivo da cultivar, é o
caso, por exemplo, da venda de milho como alimento; c) se utiliza da cultivar como
fonte de aperfeiçoamento tecnológico, através de melhoramento genético ou
pesquisa científica; e, d) o pequeno produtor rural multiplica sementes para doação
ou troca com outros pequenos produtores. Cumpre, ainda, informar que o referido
artigo de Lei faz distinções quanto ao produtor de cana-de-açúcar.
CLXII Sanção disciplinada pelo artigo 37, da Lei número 9.456, de 25 de abril de 1997.
253
A proteção da cultivar vigorará a partir da data da concessão do Certificado
Provisório de Proteção, pelo prazo de 15 anos, nos termos do artigo 11, da Lei
número 9.456/97. Em se tratando de videiras, árvores frutíferas, árvores florestais e
árvores ornamentais, a proteção vigora pelo prazo de 18 anos, findo o qual a cultivar
cairá em domínio público.
O pedido de registro deve ser feito perante o Serviço Nacional de Proteção de
Cultivares – SNPC, que deve estar em conformidade com as especificações
presentes no artigo 14, da Lei número 9.456/97CLXIII
.
Ainda quanto à proteção das cultivares, cumpre tratar sobre a possibilidade de
concessão de licença compulsória, prevista nos artigos 27 a 35, da Lei número
9.456/97. Tal dispositivo visa garantir a disponibilidade da cultivar no mercado,
quando o titular de sua propriedade injustificadamente impedir a manutenção de seu
fornecimento regular. Com isso, visa-se coibir o abuso do poder econômico. Além
dessa hipótese, poderá o Poder Público declarar a cultivar de uso púbico restrito,
através de ato do Ministro da Agricultura e Abastecimento, visando atender os
objetivos da política agrícola, em casos de: a) emergência nacional; b) abuso de
poder econômico; c) outras circunstâncias de extrema urgência; e, d) uso público
não comercial. Mediante esse ato, permitir-se-á o uso da cultivar diretamente pela
União ou por terceiros por ela designados, sem exclusividade e sem autorização do
titular da propriedade da cultivar.
Cumpre salientar que o Certificado de Proteção da Cultivar poderá ser
cancelado, nos termos do artigo 42, da Lei número 9.456/97, nas seguintes
situações:
CLXIII Art. 14. Além do requerimento, o pedido de proteção, que só poderá se referir a uma única cultivar,
conterá:
I - a espécie botânica;
II - o nome da cultivar;
III - a origem genética;
IV - relatório descritivo mediante preenchimento de todos os descritores exigidos;
V - declaração garantindo a existência de amostra viva à disposição do órgão competente e sua localização para eventual exame;
VI - o nome e o endereço do requerente e dos melhoristas;
VII - comprovação das características de DHE, para as cultivares nacionais e estrangeiras;
VIII - relatório de outros descritores indicativos de sua distinguibilidade, homogeneidade e estabilidade,
ou a comprovação da efetivação, pelo requerente, de ensaios com a cultivar junto com controles
específicos ou designados pelo órgão competente;
IX - prova do pagamento da taxa de pedido de proteção;
X - declaração quanto à existência de comercialização da cultivar no País ou no exterior;
XI - declaração quanto à existência, em outro país, de proteção, ou de pedido de proteção, ou de
qualquer requerimento de direito de prioridade, referente à cultivar cuja proteção esteja sendo
requerida;
XII - extrato capaz de identificar o objeto do pedido. § 1º O requerimento, o preenchimento dos descritores definidos e a indicação dos novos descritores
deverão satisfazer as condições estabelecidas pelo órgão competente.
§ 2º Os documentos a que se refere este artigo deverão ser apresentados em língua portuguesa.
254
I - pela perda de homogeneidade ou estabilidade;
II - na ausência de pagamento da respectiva anuidade;
III - quando não forem cumpridas as exigências do art. 50;
IV - pela não apresentação da amostra viva, conforme estabelece o art. 22;
V - pela comprovação de que a cultivar tenha causado, após a sua
comercialização, impacto desfavorável ao meio ambiente ou à saúde
humana.
2.13.3. Sistema Nacional de Sementes e Mudas
A Lei número 10.711, de 05 de agosto de 2003, instituiu o Sistema Nacional
de Sementes e Mudas, com o objetivo de garantir a identidade e a qualidade do
material de multiplicação e de reprodução vegetalCLXIV
produzido, comercializado e
utilizado no Brasil. Essa Lei revogou a Lei número 6.507, de 19 de dezembro de
1977, que regulava a inspeção e a fiscalização da produção e da comercialização de
sementes e mudas.
O Sistema Nacional de Sementes e Mudas desempenha as atividades de: a)
registro nacional de sementes e mudas – RENASEM; b) registro nacional de
cultivares – RNC; c) produção de sementes e mudas; d) certificação de sementes e
mudas; e) análise de sementes e mudas; f) comercialização de sementes e mudas; g)
fiscalização da produção, do beneficiamento, da amostragem, da análise,
certificação, do armazenamento, do transporte e da comercialização de sementes e
mudas; e, h) utilização de sementes e mudas. No entanto, competirá aos próprios
Estados a fiscalização do comércio estadual, nos termos do artigo 5º, da Lei número
10.711/03.
Tal legislação criou, também, o Registro Nacional de Sementes e Mudas –
RENASEM, no qual deverão estar registradas todas as pessoas físicas e jurídicas
que exerçam as atividades de produção, beneficiamento, embalagem,
armazenamento, análise, comércio, importação e exportação de sementes e mudas.
Nesse sentido, disciplina o artigo 19, da Lei número 10.711/03:
A produção de sementes e mudas será de responsabilidade do produtor de
sementes e mudas inscrito no Renasem, competindo-lhe zelar pelo controle
de identidade e qualidade.
CLXIV Nos termos do artigo 2º, da Lei número 10.711, de 05 de agosto de 2003, propagação é a reprodução,
por sementes propriamente ditas, ou a multiplicação, por mudas e demais estruturas vegetais, ou a concomitância dessas ações. Portanto, essa Lei tem por objetivo garantir a identidade e a qualidade das
sementes e das mudas, que são os meios de reprodução e multiplicação vegetal. Cumpre ainda informar, que,
nos termos do mesmo artigo entende-se como: a) semente: o material de reprodução vegetal de qualquer
gênero, espécie ou cultivar, proveniente de reprodução sexuada ou assexuada, que tenha finalidade específica
de semeadura; e, b) muda: o material de propagação vegetal de qualquer gênero, espécie ou cultivar,
proveniente de reprodução sexuada ou assexuada, que tenha finalidade específica de plantio.
255
Parágrafo único. A garantia do padrão mínimo de germinação será
assegurada pelo detentor da semente, seja produtor, comerciante ou usuário,
na forma que dispuser o regulamento desta Lei.
O regulamento a que se refere o artigo acima foi aprovado pelo Decreto
número 5.153, de 23 de julho de 2004. É importante salientar que, no Brasil, a
produção de sementes e mudas possui garantia de qualidade, o que implica dizer que
há responsabilidade dos produtores pelo cumprimento do padrão mínimo de
germinaçãoCLXV
da semente ou muda. Porém, essa garantia do padrão mínimo de
germinação possui limitação temporal, conforme o artigo 45, do referido
Regulamento:
A garantia do padrão mínimo nacional de germinação, ou, quando for o
caso, de viabilidade, será de responsabilidade do produtor até o prazo
estabelecido em normas complementares, de acordo com as particularidades
de cada espécie.
§ 1o A garantia do padrão mínimo nacional de germinação, ou, quando for o
caso, de viabilidade, passará a ser de responsabilidade do detentor da
semente, comerciante ou usuário, depois de vencido o prazo estabelecido nas
normas complementares previstas no caput.
§ 2o A garantia de índice de germinação superior ao do padrão mínimo
nacional será de responsabilidade do produtor ou do reembalador durante
todo o período de validade do teste de germinação, ficando a
responsabilidade do detentor restrita à garantia do padrão mínimo nacional
de germinação. ...
Nota-se que a legislação remete a regulação dos prazos de garantia do padrão
mínimo de germinação às normas complementares. Segundo o artigo 2º, do Decreto
número 5.153/04, compete ao Ministro de Estado da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento a edição dos atos e normas complementares previstos no
Regulamento aprovado por esse Decreto. Portanto, cabe a esse Ministro de Estado a
regulação do prazo de garantia do padrão mínimo de germinação das sementes e
mudas, bem como cabem a ele as demais regulamentações necessárias sobre a
matéria.
Atualmente os prazos de garantia do padrão mínimo de germinação estão
regulados pela Instrução Normativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento, número 15, de 12 de julho de 2005, que disciplina no artigo 1º os
seguintes prazos de garantia do padrão mínimo de germinação:
CLXV Germinação, segundo o Dicionário Aurélio, é o início de desenvolvimento, a partir do embrião de semente ou muda. Portanto, nossa legislação prevê que o produtor será responsável por um padrão mínimo de
desenvolvimento das sementes ou mudas aqui produzidas ou comercializadas.
256
I - até 30 (trinta) dias para as sementes das espécies: café, soja, feijão,
algodão, girassol, mamona, amendoim, ervilhaca, ervilha, tremoço e as
espécies de leguminosas forrageiras;
II - até 40 (quarenta) dias para as sementes das espécies: milho, milheto,
trigo, arroz, aveia, cevada, triticale, sorgo e espécies de gramíneas
forrageiras de clima temperado; e
III - até 60 (sessenta) dias para as sementes das espécies de gramíneas
forrageiras de clima tropical e das demais espécies não previstas nos incisos
anteriores.
2.13.4. Pirataria
Pirataria, no âmbito da Propriedade Intelectual, é considerada a reprodução e
ou a cópia desautorizada de obras intelectuais com finalidade econômica. Os
produtos de consumo, as marcas, as patentes, as obras literárias, artísticas e
científicas vem sendo constantemente objeto de reprodução e cópia ilegal, gerando
significativo prejuízo aos titulares dos direitos e aos mercados estabelecidos, além
de prejudicar sobremaneira o desenvolvimento de novas tecnologias e colocar em
risco até a saúde dos consumidores467
.
Especificamente no que tange às cultivares, matéria de grande interesse do
setor agrário, a pirataria vem sendo praticada, principalmente, sob o falso rótulo de
produção de semente para uso próprio. Como já estudado, a Lei que protege as
cultivares permite que o agricultor utilize as cultivares para produção de sementes
para uso próprio. Utilizando-se dessa prerrogativa, muitos produtores agem de forma
ilegal, produzindo grandes quantidades de sementes e comercializando-as.
Essas sementes ou mudas pirateadas são comercializadas por preços
inferiores aos das sementes e mudas legítimas, pois não há o pagamento de royalties
ao titular do direito de produção e comercialização. Todavia, como o titular não
recebe seus direitos e, portanto, não obtém um retorno financeiro para o
investimento que realizou no desenvolvimento da tecnologia, ele tende a não investir
novamente, afetando o desenvolvimento tecnológico e de empregos no país.
Cumpre observar que esse tipo de crime não é praticado somente pelo
vendedor ou o fabricante de produtos piratas, conforme previsto no artigo 184 da Lei
número 9.279, de 14 de maio de 1996:
Artigo 184. Comete crime contra patente de invenção ou de modelo de
utilidade quem:
I - exporta, vende, expõe ou oferece à venda, tem em estoque, oculta ou
recebe, para utilização com fins econômicos, produto fabricado com
violação de patente de invenção ou de modelo de utilidade, ou obtido por
meio ou processo patenteado; ou
257
II - importa produto que seja objeto de patente de invenção ou de modelo de
utilidade ou obtido por meio ou processo patenteado no País, para os fins
previstos no inciso anterior, e que não tenha sido colocado no mercado
externo diretamente pelo titular da patente ou com seu consentimento.
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa.
Como é possível constatar, o produtor que adquire produtos piratas também
está cometendo crime, punível com detenção de 1 a 3 meses ou multa. É importante
ressaltar que o referido artigo relaciona como requisito a utilização com fins
econômicos, o que pressupõe, além das operações em que há lucro, todas aquelas em
que se obtém qualquer tipo de vantagem econômica, através do uso do produto
pirateado. Cumpre ainda referir que a prática de tais atos compreende, também, um
ilícito civil, podendo o titular da patente ou da marca, reivindicar os ressarcimentos
cabíveis.
2.13.5. Transgênicos
Há muitos séculos o homem desenvolve técnicas de domesticação de plantas,
visando ao cultivo de espécies mais resistentes e produtivas. Até a chegada dos
transgênicos, o processo se dava a partir de cruzamentos sucessivos de plantas que
apresentassem as características desejadas. A partir dos avanços na biotecnologia,
notadamente na genética, o homem tornou-se capaz de acelerar e manipular
diretamente esse processo de desenvolvimento das espécies, identificando e
mapeando os genes dos organismos e, quando conveniente, transferindo-os para
outros. Como resultado, obtêm-se os organismos transgênicos, que abrange qualquer
organismo geneticamente modificado (OGM) pelo uso de técnicas de engenharia
genética.
Com isso, foi aberto um imenso e maravilhoso campo de atuação,
viabilizando a produção de alimentos mais abundantes e saudáveis, inclusive com a
inserção de vacinas para diversas doenças em sua composição. Tais técnicas podem
ser usadas, por exemplo, para que a vida de um tomate seja mais longa, para que o
arroz seja mais nutritivo, para que as batatas não escureçam após descascadas, para
que o porco tenha menor percentual de gordura. Pode-se até, produzir cereais com
anticorpos contra o câncer, levando alguns entusiastas até a defender que
transgênicos sejam a solução para o problema da fome no planeta.
Inúmeras pesquisas científicas foram realizadas com o objetivo de avaliar os
possíveis danos que esses produtos podem causar à saúde humana e ao meio
ambiente, sendo certo que, até o momento, pouco ficou comprovado, ante às
dificuldades de se auferir as possíveis conseqüências da sua disseminação no médio
e longo prazos. De qualquer forma, diante das dúvidas restantes, observa-se que
parte dos consumidores ainda reluta em aceitar o uso desse tipo de alimento. Da
258
mesma forma, ambientalistas temem que o uso generalizado de sementes
modificadas possam trazer riscos à biodiversidade e ao equilíbrio ambiental.
Argumenta-se que seriam necessários muitos outros testes a fim de garantir
que esses alimentos não causam efeitos colaterais, por não se saber como o gene
inserido interage com o DNA. Certo é que, na falta de comprovações científicas, o
debate deve prosseguir em tom maniqueísta, nas duas principais frentes áreas do
direito ligadas à questão: as ambientais e as relacionadas aos eventuais danos que os
OGM‟s possam causar aos consumidores.
De qualquer forma, verifica-se que o futuro do agronegócio terá,
inexoravelmente, um componente transgênico e será a experiência prática que
acabará por mostrar quem está com a razão. Hoje mais de 70% da produção agrícola
norte-americana está contaminada com material geneticamente modificado, com a
importante participação das safras de soja e de milho. O país é o líder mundial em
área plantada de soja trangênica, com 63%, bem à frente da segunda colocada, a
Argentina 21%, seguida pelo Canadá 6%, Brasil 4% e China 4%.468
Apesar das divergências, no campo dos negócios agropecuários, as empresas
privadas, inclusive nacionais, têm sido bem sucedidas. São notáveis os ganhos em
produtividade e na redução de custos, através da aplicação de fertilizantes e
pesticidas em menor quantidade, o que dá aos transgênicos uma competitividade
praticamente imbatível, especialmente no caso de produtos que não encontram
restrições por parte dos mercados consumidores, como é o caso do algodão.
Tendo em vista que se trata de uma matéria recente, nota-se que há uma
quantidade restrita de normas regulamentando o uso da tecnologia transgênica. A
questão ambiental decorre da previsão constitucional, no artigo 225, parágrafo 1º,
inciso IV, que prevê a necessidade da realização de um estudo de impacto ambiental
para o emprego de técnicas que ponham em risco a vida e o meio ambiente. Porém,
dado que tal dispositivo constitucional trata do tema de forma muito genérica, têm
sido encontradas grandes dificuldades para o cumprimento de tal exigência de uma
maneira cientificamente adequada. Além da questão ambiental, podem ser
encontradas, no ordenamento jurídico pátrio algumas disposições no que se refere ao
direito ao acesso à informação conferido aos consumidores. O preceito está previsto
no artigo 5º, XIV da Constituição Federal e também no artigo 31 do Código de
Defesa do Consumidos, que estabelece que a oferta e a apresentação de produtos
ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em
língua portuguesa sobre características, qualidade, quantidade, composição, preço,
garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os
riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.
259
2.13.5.1. Proteção dos Transgênicos
A importância que os transgênicos assumiram no mundo atual tornou
imprescindível a sua proteção legal, uma vez que se enquadram no conceito de
propriedade intelectual. O artigo 18, da Lei número 9.279, de 14 de maio de 1996,
previu expressamente essa proteção:
Artigo 18. Não são patenteáveis:
...
III - o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microorganismos transgênicos
que atendam aos três requisitos de patenteabilidade - novidade, atividade
inventiva e aplicação industrial - previstos no art. 8º e que não sejam mera
descoberta.
Parágrafo único. Para os fins desta Lei, microorganismos transgênicos são
organismos, exceto o todo ou parte de plantas ou de animais, que expressem,
mediante intervenção humana direta em sua composição genética, uma
característica normalmente não alcançável pela espécie em condições
naturais. (grifos nossos)
Portanto, a Lei permite a patenteabilidade de microorganismos transgênicos,
desde que estes respeitem os requisitos gerais para concessão de patentes, a saber:
novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. Nesse mesmo dispositivo legal,
encontramos o significado de microorganismos transgênicos, que não possam ser no
todo ou em parte de planta ou animal, mas serão aqueles organismos que, pela
intervenção humana diretamente na composição genética, alcançaram características
que normalmente não alcançariam.
No entanto, a Lei que trata da propriedade industrial não especifica quais são
os mecanismos de intervenção humana direta que podem gerar microorganismos
transgênicos. Portanto, pode-se concluir que qualquer técnica de engenharia genética
que tenha por conseqüência a alteração da composição genética de microorganismo,
através da intervenção humana direta, pode ser empregada para produção de um
transgênico, que, por sua vez, poderá ser protegido por uma patenteCLXVI
.
Ademais, o artigo em questão não veda a patenteabilidade dos processos não
naturais para a obtenção ou modificação de seres vivos. Portanto, é possível a
proteção tanto do microorganismo transgênico, quanto a do processo para a sua
obtenção.
CLXVI IDS – Instituto Dannemann Siemsen de Estudos de Propriedade Intelectual. Comentários à Lei da
Propriedade Industrial – ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 48/49.
260
261
3. DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O AGRONEGÓCIO
Durval de Noronha Goyos Jr.
Teorias a respeito dos benefícios da liberalização do comércio vêm sendo
desenvolvidas desde os primórdios da ciência econômica. O primeiro grande passo
nesse sentido data de 1840, quando o célebre economista inglês David Ricardo
estabeleceu as bases do conceito de vantagens comparativas. O princípio central
dessa teoria é o de que os países devem procurar exportar o que produzem de melhor
e importar os produtos em que não sejam tão eficientes, em busca da redução de
custos e do aumento da produtividade. Em última análise, essa especialização na
divisão do trabalho acabaria por distribuir entre os países os benefícios das
vantagens comparativas de cada qual, gerando riquezas na medida em que os seus
habitantes estariam aptos a consumir mais e viver melhor.
Em que pese a existência de razões fundadas para essa visão otimista da
globalização, no mundo real, é muito usual que os diversos players internacionais
relutem em abrir seus mercados para os importados, sobretudo em se tratando de
segmentos em que não sejam tão eficientes. Essa situação é resultado da conjugação
de argumentos de cunho econômico e social peculiares a cada país, bem como ao
fato de que a decisão política no sentido de abrir ou não o mercado nacional está
sujeita à influência das mais diversas formas de pressão, nem sempre legítimas, por
parte de segmentos da sociedade. Esse contexto acaba favorecendo as opções
protecionistas lastreadas em visões de curto prazo, em detrimento de projetos mais
ambiciosos e duradouros de desenvolvimento.
Apesar de todos esses obstáculos de ordem interna aos países e das
dificuldades operacionais para negociar uma fórmula que agrade simultaneamente
todos participantes dos acordos comerciais, o movimento de liberalização do
comércio internacional vem ocorrendo de forma acelerada a partir da segunda
metade do século XX, sobretudo após o término da guerra fria, quando o tema da
liberalização do comércio substituiu as discussões ideológicas na agenda mundial.
Esse processo ocorreu de forma sensivelmente heterogênea entre os países do globo
e entre os segmentos do mercado internacional, podendo-se constatar na média um
maior grau de abertura por parte dos países industrializados, especialmente nas áreas
em que têm maior competitividade, em especial manufaturados e serviços. Para
produtos manufaturados, por exemplo, calcula-se que, entre esses países, as tarifas
de importação médias giram em torno de 5,3%, ao passo que países em
desenvolvimento como Brasil, Índia e Egito têm tarifas bem mais altas para os
mesmos produtos 31%, 50% e 30%, respectivamente.
262
469
Todavia, pode-se verificar que a visão de globalização dos países
industrializados (sobretudo EUA, UE e Japão) é completamente diferente quando se
põe em discussão a liberalização do mercado de alimentos e de outros produtos
agropecuários. Ao mesmo tempo em que pregam uma maior abertura do mercado
internacional, esses países teimam em estabelecer listas de exceções para alguns dos
produtos agropecuários mais consumidos no mundo, tais como açúcar, algodão,
carnes, arroz e álcool, que ficam sujeitos a toda a sorte de práticas consideradas
desleais do ponto de vista do comércio internacional, inclusive sob a ótica dos
acordos já firmados no âmbito da OMC. Tais práticas incluem picos tarifários,
quotas de importação, pesados subsídios à produção e às vezes até à exportação, sem
se falar nas chamadas barreiras não-tarifárias, que freqüentemente aparecem sobe a
forma camufladas de exigências sanitárias e fitossanitárias, que muitas vezes
bloqueiam por completo a entrada de produtos importados em suas fronteiras.
Este estudo procurará inicialmente demonstrar em maiores detalhes e
números a gravidade e conseqüências do comportamento protecionista desses países
sobre o comércio dos produtos do agronegócio. Na seqüência, será traçado um
panorama legal do contexto onde o comércio internacional de produtos agrícolas
está inserido e das suas perspectivas de evolução no cenário multilateral, regional e
bilateral.
3.1. A ordem do comércio internacional de produtos agropecuários
Alguns fatores tornam o processo de abertura do mercado de produtos
agropecuários ainda mais traumático e complexo do que em outros setores da
economia. Se de um lado a importação de produtos a preços mais competitivos
garante um maior poder de compra ao consumidor e a redução de gastos
governamentais com programas de apoio aos produtores domésticos, de outro, pode
significar o corte maciço de empregos no campo, a intensificação dos fluxos
migratórios e outros drásticos reflexos econômicos e sociais. Afora isso, a abertura
do mercado também esbarra na questão estratégica da chamada segurança alimentar,
consistente na busca de uma garantia de suprimento de alimentos em quantidade e
qualidade satisfatórias, com o fim de proteger a população contra riscos de
desabastecimento e/ou contaminação dos alimentos. Se isso não fosse o bastante,
lobbies de produtores locais costumam ter uma presença determinante dentro da
cena política dos países, refreando iniciativas mais efetivas na liberalização do
comércio de produtos agropecuários.
Dentro desse cenário, verifica-se, com lamentável recorrência, que países
industrializados concedem um tratamento extraordinariamente protecionista no que
diz respeito aos seus mercados de produtos agropecuários, o que se manifesta
através de barreiras à entrada de importados e/ou bilionários programas de apoio à
263
produção local e às vezes à exportação. Essa combinação de barreiras comerciais e
injeção maciça de recursos garante a sobrevivência de sistemas de produção
altamente ineficientes.
Assim, ainda que seja compreensível, não se justifica a relutância manifestada
por países como a França, EUA e Japão para cortar os bilionários subsídios que
concedem aos seus produtores rurais e para abrir seus mercados para os produtos
agropecuários estrangeiros. Com efeito, apesar de os seus objetivos parecerem
legítimos sob alguns pontos de vista, a inexorável conseqüência de tais práticas
desleais de comércio é uma profunda distorção não só dos mercados locais como
também do mercado internacional de alimentos e demais produtos agropecuários,
com a derrubada das cotações das commodities e a inundação de uma grande parcela
do mercado global por produtores ineficientes de alguns países industrializados.
Disso resulta o empobrecimento dos países mais competentes no
agronegócio, que em geral são os países pobres e que não dispõem dos recursos
necessários para competir em igualdade de condições com EUA e UE,
especialmente. Segundo o Banco Mundial, 140 milhões de pessoas poderiam sair da
pobreza até 2015 se os subsídios agrícolas fossem abandonados no mundo.470
Dentro
desse contexto, países como o Brasil e a Argentina, que têm nas exportações do
agronegócio importantes oportunidades para o desenvolvimento de suas economias,
acabam ficando impedidos de desfrutar plenamente das suas vantagens comparativas
em grande parte dos mercados do mundo, confirmando a relevância do tema
analisado neste trabalho.
Assim como ocorre em outros segmentos da economia, fatalmente, os fluxos
de comércio internacional de produtos agropecuários são orientados pela política
agrícola e comercial dos países mais ricos, que em princípio seriam os principais
mercados do mundo. Porém, justamente em função das distorções do mercado
agrícola internacional, são os países em desenvolvimento os maiores importadores
de produtos agropecuários do mundo; na razão de dois terços471
. Por essa razão, os
tópicos a seguir abordarão em maiores detalhes as políticas agrícolas adotadas pelos
países ricos que mais protegem o setor agrícola e as barreiras comerciais por eles
impostas, como forma de contextualizar dois dos principais objetivos a serem
perseguidos pelos grandes produtores agrícolas do mundo nas negociações acerca do
aprofundamento das metas de liberalização do comércio, a saber: o acesso a
mercados e a redução dos níveis de apoio interno pelos países industrializados.
3.1.1. As medidas de apoio doméstico dos membros da OCDE
As medidas de apoio doméstico vêm sendo objeto de larga e acalorada
controvérsia desde que entraram na pauta de negociações da OMC, nos anos 90.
Conforme será visto adiante, quando da conclusão da Rodada Uruguai (ocasião em
que foi firmado o Acordo sobre Agricultura), foram estabelecidas restrições severas
às práticas de subsídios distorcivos do mercado mundial. Apesar de ter sido mantida
264
uma perigosa lista de exceções (com a criação de diversas categorias de Caixas,
conforme será visto adiante), em tese, a partir de então, somente seriam admitidas as
medidas de apoio doméstico que não envolvessem transferência de preços ao
consumidor e que não tivessem o efeito de garantia de preço ao produtor, a fim de
que resultassem em pequeno ou nenhum efeito de distorção sobre o comércio. Essas
medidas incluem serviços gerais do governo, como pesquisa, controle de pestes,
infra-estrutura e segurança alimentar, além de apoio de renda não vinculado à
produção, ajustes estruturais e pagamentos nos termos de programas ambientais e
assistência regional.
Ocorre que freqüentemente as medidas de apoio, sobretudo dos países
industrializados, manifestam-se na forma de subsídios disfarçados que
proporcionam ao produto nacional vantagens artificiais sobre os demais produtores.
Agravando essa situação, em vista da grande disponibilidade de recursos nesses
países, tais aportes acabam sendo feitos em magnitude que não pode ser
acompanhada pelos países em desenvolvimento.
Veja-se, nesse sentido que, em que pesem os compromissos de redução de
subsídios assumidos ao término da rodada do Uruguai, somente em 2002, os 30
ricos membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) concederam mais de US$ 300 bilhões em apoio aos seus produtores rurais,
com a prevalência dos aportes financeiros da UE, de US$ 112 bilhões (1,3% do
PIB), EUA, com US$ 90 bilhões (0,9 % do PIB) e Japão, com US$ 55 bilhões (1,4%
do PIB).472
Dois anos mais tarde, quando o total de subsídios concedidos pelos
mesmos países foi ligeiramente inferior (US$ 280 bilhões), a OCDE calcula que a
ajuda oficial representou nada menos que 20% da renda dos agricultores nos EUA,
34% na Europa e 60% no Japão, dando conta da completa dependência que uma
grande parte desses produtores têm de um suporte artificial para continuar
produzindo.473
Segundo dados da própria OCDE, a renda dos agricultores dos países
ricos cairia 46% se os governos cortassem a ajuda.474
A título de referência, note-se
que o apoio governamental aos agricultores brasileiros foi de cerca de 3% das
receitas agrícolas do país entre 2002 e 2004475
(estando tais aportes concentrados na
subvenção dos juros sobre a dívida acumulada pelos produtores durante os anos 90),
colocando o Brasil no segundo lugar do ranking dos países que menos subsidiam a
agricultura476
. Isso confirma as dificuldades enfrentadas pelos produtores rurais dos
países mais pobres para participar do mercado internacional.
É desnecessário dizer o quanto essas cifras colossais afetam o comércio
internacional e os produtores mais pobres, muitos dos quais são bem mais eficientes
na produção agropecuária, como é o caso dos componentes do MERCOSUL. Os
subsídios nos níveis praticados pelas nações desenvolvidas garantem uma
extraordinária competitividade aos produtores ineficientes, inviabilizando a entrada
de produtos estrangeiros naqueles mercados. Afora isso, outra conseqüência muito
prejudicial é o fato de que a produção excedente é muitas vezes disponibilizada no
mercado internacional a um preço abaixo do real, através de medidas de apoio ainda
265
mais distorcivas: os subsídios a exportações e os programas de auxílio alimentar
(food-aid programs), usados para escoar o excesso de produção. Os EUA gastam
cerca de US$ 300 milhões por ano com esse tipo de ajuda e UE até 10 vezes mais.477
A inconsistência de tais políticas salta aos olhos na medida em que a maior
parte dos motivos usados para justificar a sua existência não são alcançados nem de
longe. Com efeito, nota-se que esses pesados investimentos estão se mostrando
incapazes de reverter a tendência ao êxodo da população rural para os meios
urbanos, a perda da participação relativa das atividades agropecuárias no total do
PIB das nações desenvolvidas e a concentração de riquezas. Acrescente-se que, para
grande parte dos programas, o número de produtores beneficiados acaba sendo
relativamente pequeno, ao ponto de as grandes organizações acabarem por se
apropriar da maior parte dessas medidas de apoio.
Outro argumento insustentável usado com alguma freqüência na defesa de
medidas protecionistas e desleais do comércio é o de que, em alguns casos,
beneficiam países pobres. Esse foi o caso, por exemplo, dos pesados subsídios
concedidos ao setor de açúcar pela Europa, que compra a produção de suas ex-
colônias na África, no Atlântico e no Caribe e usa barreiras comerciais e subsídios
maciços para atingir a auto-suficiência do mercado interno e reexportar o excedente
a cotações abaixo do mercado. Ora, a falácia nesse caso é gritante, pois, afora o
desperdício de dinheiro público com a insistência em sistemas produtivos falidos, os
benefícios econômicos gerados para alguns países pressupõem o empobrecimento de
produtores mais eficientes, assim como as barreiras comerciais para produtos
estrangeiros resultam na redução do poder de compra do consumidor local.
Em maio de 2004, durante uma Conferência do Banco Mundial sobre
“Combate à Pobreza”, o presidente Lula denunciou a perversidade do sistema,
apontando que as vacas de alguns países desenvolvidos chegam a receber US$ 2 de
subsídios por dia, enquanto que metade da população mundial tem que sobreviver
com menos que isso.478
A citação de alguns outros números nesse sentido pode
ajudar a confirmar o desfavor feito pelos países ricos em relação ao combate à
pobreza no mundo. Ao mesmo tempo em que se gastam cifras em torno de US$ 300
bilhões anuais com subsídios injustificáveis, os gastos anuais dos países ricos com
programas de ajuda a países pobres é de US$ 79 bilhões479
, dando conta da inversão
de prioridades e da opção consciente por uma solução meramente paliativa para o
problema mais sério da atualidade, que é o combate à pobreza e à concentração de
riquezas. Isso porque a maioria dos especialistas entende que o corte dos subsídios e
barreiras comerciais aos produtos agrícolas seria uma forma muito mais eficiente e
duradoura de reduzir a pobreza. Conforme dados do Banco Mundial, os países em
desenvolvimento, incluindo o Brasil, deixam de ganhar anualmente uma renda de
cerca de US$ 24 bilhões devido às medidas de apoio interno dos países ricos.480
No
mesmo sentido, estudos realizados pelo FMI também apontam que, ao todo, os
ganhos com a liberalização do comércio agrícola chegariam a US$ 128 bilhões ao
ano.481
A situação é tão insustentável que, em 2003, a UNCTAD passou a
266
recomendar a criação de mecanismos de compensação aos países pobres para
enfrentar a política de subsídios dos países ricos.482
Felizmente, importantes segmentos das economias desenvolvidas estão
cientes da falta de propósito das suas políticas agrícolas e comerciais e pressionam
pela sua reforma, inclusive para que os recursos estatais sejam direcionados para
fins mais adequados. Todavia, tal movimento ainda não foi capaz de vencer a queda
de braço e, no curto prazo, não se enxerga perspectivas de mudanças relevantes
neste cenário. Espera-se que as vitórias do Brasil em disputas comerciais no âmbito
da OMC (notadamente a do algodão e a do açúcar) auxiliem na conquista de mais
apoio da opinião pública daqueles países.
3.1.1.1. A Política Agrícola Norte-Americana (Farm Bill)
A partir dos anos 30, com o New Deal, os EUA passaram a adotar uma
contundente política de apoio aos seus produtores agrícolas, voltada especialmente
para a proteção de sua renda. Nesse sentido, em 1933, o Congresso Americano
aprovou a sua primeira lei agrícola (ou Farm Bill), estabelecendo as diretrizes para
toda a política de segurança alimentar, produção e comércio agrícola dos norte-
americanos. Desde então, a Farm Bill norte-americana veio sendo renovada
sucessivamente, porém sem perder o seu caráter altamente assistencialista.
Tradicionalmente, essa política de suporte aos produtores rurais é conjugada com
barreiras comerciais, que colocam a produção nacional em vantagem na
concorrência com os produtos importados.
Com a aprovação da Lei Agrícola de 1973, foi criado o mecanismo de target-
price (preço-meta), consistente em subsídios para compensar quedas dos preços.
Esses pagamentos variam inversamente aos preços de mercado, garantindo aos
produtores o pagamento de deficiências, a ponto de livrar os produtores locais de
uma substancial parcela do risco inerente às atividades rurais. Outra inovação dessa
lei foi a introdução dos disaster payments (pagamentos de desastre), que significam
indenizações para amenizar os efeitos de catástrofes sobre as colheitas. O
mecanismo continua sendo usado até hoje, mesmo após a criação do Seguro
Países que mais subsidiaram a
agricultura em 2004 (em US$ bi)
11.6
19.8
46.5
48.7
133.4
Turquia
Coréia do
Sul
Estados
Unidos
Japão
União
Européia
Fonte: Guia Exame 2005 Agronegócios apud Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE)
Produtos mais subsidiados em 2004
(em US$ bi)
9.4
13
15
18.5
26.5
Aves
Suínos
Milho
Trigo
Arroz
Fonte: Guia Exame 2005 Agronegócios apud Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE)
267
Agrícola Federal (Federal Crop Insurance), no fim da década de 80.
Na década de 1990, os EUA sinalizaram que iriam abrandar a sua postura
protecionista, inclusive flexibilizando-se ao ponto de permitir significativos avanços
no tocante à liberalização do seu mercado agrícola. Os EUA reduziram as medidas
de apoio interno aos seus produtores, movimento que foi marcado pela Lei Agrícola
de 1996, denominada Fair Act, e por importantes concessões nas negociações da
Rodada Uruguai, que viabilizaram a assinatura do Acordo Agrícola e outros
acordos.
Todavia, este movimento logo teve um fim, com a chegada da atual Lei
Agrícola americana (Farm Bill 2002), que significou um verdadeiro retrocesso com
relação à abertura do mercado americano. Houve uma reformulação geral nos
programas de sustentação de renda e a criação de novos, sem preocupação de
vinculação com o mercado. Caminhou, portanto, em sentido inverso ao da legislação
precedente, o Fair Act de 1996, inclusive recriando os target-prices, que foram
estendidos inclusive à soja, para a preocupação dos produtores do MERCOSUL.
Com a Farm Bill 2002, que tem prazo de duração previsto até maio de 2007,
o produtor norte-americano passou a contar com 3 modalidades complementares de
subsídios, sem qualquer compromisso de controle da oferta. Para piorar, pela nova
lei, o negociador americano para a OMC e a ALCA foi desautorizado pelo
congresso a ceder na área de subsídios domésticos e na de acesso a mercados.
A partir de então, os EUA ficaram com uma infinidade de programas de
apoio ao setor agrícola (principalmente para produtos como algodão, açúcar,
laticínios e cereais), destacando-se os seguintes: Direct Payments (Pagamentos
Diretos), Counter-cyclical Payments (Pagamentos Contra-Cíclicos), Loan Rates
(Preços de Suporte), Loan Deficiency Payments (Pagamento de Deficiência de
Empréstimos), Market Loans (Empréstimos de Comercialização), Programas para
Lactáceos e para o Açúcar e Payment Limits (limites de pagamentos). Esses
programas somam-se aos que já existiam anteriormente, a saber, o Seguro Agrícola
e o Programa de Conservação e os Programas de Apoio ao Comércio Agrícola.
Dentro dos Programas de Apoio ao Comércio Agrícola, destacam-se o de Garantia
de Crédito (Export Credit Guarantee Program), com um orçamento expressivo de
US$ 5,5 bilhões anuais, além de outros com orçamentos menos gritantes, como o de
Acesso a Mercados, de Mercados Emergentes e de Estímulo às Exportações.483
Em geral, esses programas estão fundamentados em dois mecanismos
básicos: os desembolsos diretos baseados no histórico de produção agrícola e os
preços mínimos. Esse tipo de assistência financeira ganha com isso um papel de
fundamental importância para a sobrevivência de uma boa parte dos produtores. Em
relação à soja, por exemplo, o preço mínimo garantido pela política agrícola norte-
americana é de US$ 5,26 por bushel (27,4 kg), considerando o custo local de US$
5,80.484
Note-se que esse preço mínimo está consideravelmente acima do valor custo
de produção de países eficientes como o Brasil, onde o fica em torno de US$ 4,00
268
por bushel. Outro exemplo do poderio da política agrícola norte-americana é o
mecanismo de financiamento à comercialização denominado de marketing loan
benefits, pelo qual o produtor recebe a diferença entre o preço mínimo e o de
mercado, à espera de melhor hora para vender a safra.
Na prática, tem-se como resultado da Política Agrícola norte-americana que
os produtores daquele país recebem pelas suas produções valores bastante superiores
aos praticados no mercado real. Isso permite que a sua produção ingresse no
mercado a preços fictícios, acarretando distorções nas cotações das commodities e
dificultando a competição por parte de produtores eficientes, como o Brasil. Veja-se,
nesse sentido, que, em 2000, 10% do superávit fiscal norte-americano foi destinado
ao pagamento e ajuda ao seu setor agrícola, o que representou 50% da renda líquida
do setor. Diante desse quadro, pode-se dizer que os EUA não são economia de
mercado na área agrícola.
Conforme a metodologia adotada por Marcos Jank para o cálculo dos
subsídios americanos, os dispêndios governamentais para apoio ao setor agrícola
completarão na ordem de US$ 108 bilhões entre 2002 e 2007 (sendo mais da metade
deste valor consistente em transferências diretas), contra US$ 101 bilhões praticados
nos seis anos anteriores. Ainda segundo estimativas de Marcos Jank, o orçamento
agrícola dos EUA deve totalizar US$ 194 bilhões entre 2001 e 2011, mantendo uma
média de US$ 17 bilhões anuais, quantia que representou mais da metade das
exportações do agronegócio brasileiro em 2003. Em 2005, diante da queda das
cotações das principais commodities no mercado internacional, os EUA aumentaram
o orçamento para as subvenções agrícolas para US$ 24 bilhões.485
Cumpre notar, de
qualquer forma, que não existe um consenso a respeito dos critérios para a
quantificação dos subsídios agrícolas praticados pelos países, sendo que a adotada
nesta obra, data venia, considera verbas que tornam os subsídios norte-americanos
cerca de 3 vezes maiores, na faixa de US$ 46 bilhões anuais.
Em termos relativos, a população rural norte-americana é minúscula, mas a
agroindústria e outros setores relacionados à agricultura têm um peso relevante na
economia, representando 12,3% do PIB e 16,7% dos empregos.486
De qualquer
maneira, é importante evidenciar que os reais objetivos da política de subsídios
norte-americana não se destina a finalidades sociais. No geral, apenas 1/3 dos
produtores americanos recebem pagamentos do governo e um seleto grupo de 7%,
que respondem por 70% do valor de produção nacional, recebem cerca de metade de
todos os subsídios (a uma média de US$ 61 mil cada produtor nos últimos anos da
década de 90).487
O absurdo do sistema fica ainda mais evidente quando se observa que, no
caso do algodão, por exemplo, os cerca de US$ 4 bilhões anuais de apoio aos
produtores são pagos a um número muito reduzido de apenas 25 mil agricultores.
Calcula-se que cerca de 80% dos subsídios do algodão vão para as dez maiores
empresas do setor.488
De outro lado, a mesma política agrícola inunda o mercado
269
internacional com produto subsidiado, derrubando as cotações e penalizando até
mesmo aos mais pobres dos países africanos, como Burkina Faso, Mali e Benin, que
muitas vezes têm nas exportações do agronegócio as melhores oportunidades para
seu desenvolvimento econômico.
Na realidade, o que se constata é que esta lógica incongruente acaba sendo
sustentada pelos poderosos lobbies dos produtores locais, onde organizações como a
American Farm Bureau Federation têm posição de destaque. A economia de 15 dos
50 estados americanos é dependente das atividades rurais e, por esta e outras razões,
cerca de um terço do senado do país vota a favor dos fazendeiros.489
Uma
demonstração da força destes lobbies pôde ser observada, por exemplo, em 2003,
quando a FAO e a OMS publicaram estudos que apontavam os malefícios à saúde
causados pelo consumo excessivo de açúcar. Imediatamente, produtores e poderosas
indústrias como a Nestlé, Coca-Cola e Unilever ameaçaram exercer pressões sobre
os parlamentares ligados para que fosse cortado o orçamento da OMS, da qual os
EUA são os maiores financiadores, com contribuições anuais de mais de US$ 400
milhões.490
3.1.1.1.1. A nova Farm Bill491
Com o colapso da Rodada Doha, os americanos começaram a discutir o
caráter da nova Farm Bill, que vigorará a partir de maio de 2007 e que sofrerá, na
sua redação, o impacto político das eleições de 2008. Para alguns setores do lobby
agrícola, como a American Farm Bureau, o ideal seria a simples prorrogação dos
benefícios hoje existentes, que privilegiam setores como o do milho, do algodão, do
trigo, do arroz e da soja.
Outros setores gostariam de ser igualmente beneficiados, como o dos vegetais
e o das frutas. Todavia, todos em comum temem os ataques a serem sofridos no
âmbito da opinião pública internacional e no sistema de resolução de disputas da
OMC. Assim, buscam os americanos a manutenção do sistema com a minimização
dos riscos, o que deve levar a duas conseqüências diretas na nova Farm Bill.
A primeira delas diz respeito à redução da transparência na alocação das
verbas federais e a segunda é o aumento de desembolsos para os chamados subsídios
legais, como aqueles destinados para os fins ambientais ou de pesquisas. A
composição dos estoques governamentais e as compras para "ajuda" externa também
devem ser observadas com muito cuidado.
3.1.1.2. A Política Agrícola Européia (PAC)
Práticas altamente protecionistas quanto à agricultura acompanham o bloco
europeu desde a sua formação, com o uso de uma combinação de barreiras
comerciais e de um conjunto de medidas de apoio aos produtores locais denominada
de Política Agrícola Comum (PAC). A PAC foi criada em 1962 e permaneceu
270
inalterada mesmo para a Rodada Uruguai (1986-1994), tendo como metas principais
assegurar a auto-suficiência agrícola do bloco e a manutenção do nível de renda dos
seus agricultores. Graças às barreiras protecionistas e à PAC, metade do comércio
agrícola europeu é feito intra-bloco, inobstante a baixa produtividade relativa de
seus países membros no setor.
Os principais mecanismos criados para apoiar os produtores europeus são a
garantia de preços mínimos e a concessão de subsídios. Eles viabilizam as atividades
de seus produtores e muitas vezes os deixam em condições de concorrência até
superiores ao de países altamente competitivos no agronegócio - não apenas dentro
daquele mercado, como também fora dele. Além disso, inundam o mercado
internacional com excedentes, que derrubam os preços internacionais de algumas
commodities, resultando em grandes prejuízos para produtores mais competitivos,
que muitas vezes dependem das exportações agrícolas para garantir o seu
desenvolvimento, como é o caso dos países do MERCOSUL.
Pela lógica de subsídios da antiga PAC, os agricultores eram estimulados a
produzir uma quantidade excessiva de alimentos, levando o bloco a criar
mecanismos para escoar o excedente para o mercado internacional, através de uma
pesada e perniciosa política de subsídios às exportações. Com isso, não só
inviabilizavam a entrada de produtos agrícolas no seu mercado, como também
derrubavam as cotações internacionais, com uma enxurrada de produtos a preços
irreais, criando sérias distorções em alguns setores do mercado internacional.
A política do açúcar é talvez o exemplo mais extremo das distorções causadas
pela PAC sobre o comércio internacional, tendo inclusive sido condenada pelo órgão
de resolução de disputas (ORD) da OMC no ano de 2004. O regime do açúcar
funciona desde 1968 e consome anualmente cerca de US$ 1,8 bilhões. O sistema é
baseado em 3 pilares: quotas de produção repartidas por país e por usina, preços
mínimos três vezes acima do de mercado (€ 600/ton contra € 200/ton no mercado
internacional) e barreiras tarifárias contra a entrada de açúcar importado. Graças a
esse sistema, 21 países da UE produzem açúcar (com destaque da indústria
francesa492
), apesar de terem um custo de produção até 7 vezes superior ao do Brasil
(onde está próximo de US$ 100/ton). O sistema beneficia também alguns países
pobres de fora do bloco, que fornecem parte da produção, movimentando uma
cadeia de quase 100 mil postos de trabalho.493
Ocorre que o sistema gerou uma profunda distorção no mercado mundial de
açúcar, pois, se já não bastasse o fechamento do mercado europeu para os
produtores mais eficientes, a UE adotou a prática de exportar o excedente usando de
subsídios proibidos pela OMC, ocupando outros mercados e derrubando as cotações
mundiais da commodity. Assim, diante dos prejuízos astronômicos causados a países
como Brasil, Tailândia e Austrália, estes passaram a questionar tais subsídios na
OMC, que em setembro de 2004 condenou o regime europeu do açúcar.
Diante da decisão da OMC, está em discussão uma profunda reforma da
271
insustentável política do açúcar européia, que deve passar por uma adaptação
gradual, contando com indenizações aos produtores que abandonarem a produção, a
fim de reduzir o impacto nas suas rendas. No entanto, em virtude da expressividade
das cadeias produtivas locais, alguns países têm oferecido maior resistência para
implementar maiores mudanças na política agrícola européia. O líder desse
movimento é a França, que é o país do bloco que mais subsidia seus produtores
rurais, representando 22,6% do total de subsídios, sendo seguida pela Alemanha,
Itália e Espanha.494
3.1.1.2.1. A Reforma da PAC
A Reforma da PAC foi aprovada em junho de 2003 (um ano antes do
resultado da disputa do açúcar), prevendo uma progressiva redução dos subsídios
concedidos a alguns produtos até 2013, como carne bovina e cereais, seguindo no
mesmo sentido trilhado nas reformas de 1992 e 1999. Para o leite, ficou estabelecido
que a abertura viria a partir de 2008, enquanto que para diversos outros produtos
importantes para o Brasil, como fumo, algodão e açúcar, foram mantidas as políticas
da antiga PAC.
Como forma de evitar o êxodo de agricultores e a queda brusca da produção,
a Europa estabeleceu que a redução dos pagamentos diretos aos produtores ocorrerá
de forma gradual até 2012, quando os cortes deverão chegar a 42%. As mudanças
adquiriram, com isso, um caráter moderado, e maiores concessões tendem a ser
usadas como moeda de troca nas negociações no âmbito da OMC.
A reforma da PAC foi reflexo da recente ampliação do bloco europeu e da
entrada de outros 4 milhões de produtores do leste europeu, o que inviabilizaria a
manutenção da política de garantia de preços, especialmente por uma razão
orçamentária. Pela antiga PAC, metade do orçamento da UE era consumida pela
PAC, que destinava anualmente € 40 bilhões aos produtores agrícolas na forma de
subsídios495
, que são na sua maior parte destinados a um grupo seleto de grandes
produtores, assim como ocorre nos EUA. Os produtos que mais se beneficiam do
sistema são açúcar (19%), carne bovina (15%), manteiga (13%) e queijo (7,5%).496
Pelo novo sistema, os pagamentos ficaram desvinculados do nível de
produção dos agricultores e passaram a ficar subordinados ao princípio da
multifuncionalidade, consistente no desenvolvimento de atividades agrícolas que
preservem o meio ambiente, as paisagens, o bem-estar dos animais, dos empregos,
da cultura e do desenvolvimento sustentável. Em princípio, tal bandeira se mostra
legítima e tende a conquistar o apoio internacional, mas abre margem para novas
barreiras comerciais.497
Apesar de, na prática, o volume de subsídios ter sido mantido, a disposição
em implementar uma reforma sinaliza um avanço rumo à adequação da PAC às
normas da OMC. No caso, os produtores tenderão a se concentrar em produtos com
272
maior valor agregado, reduzindo a oferta total e deixando de ocupar mercados que
poderiam ser de produtores mais eficientes, como o Brasil.
3.1.1.3. A Política Agrícola Japonesa
Apesar de não possuir inclinação agrícola, o Japão também adota uma forte
política de apoio aos seus produtores rurais. Com vistas na segurança alimentar, o
país é um dos que mais subsidia a agricultura no mundo (cerca de US$ 55 bilhões
anuais), ficando atrás apenas da UE e dos EUA em valores absolutos.
Proporcionalmente, porém, os aportes japoneses à agricultura são o dobro dos
praticados pelos EUA, e 50% maiores que os praticados pela UE, segundo dados da
embaixada os EUA.498
Uma das principais medidas de apoio usadas pelo Japão é a sustentação dos
preços dos produtos agrícolas, com programas designados de Market Price Support
(MPS). O produto mais beneficiado pelo sistema japonês é o arroz, no qual o país
consegue ser auto-suficiente, apesar dos custos produção serem altíssimos.499
Ao
lado do arroz, a partir de subsídios e barreiras comerciais, o país também consegue
abastecer grande parte do seu mercado de carnes, leite e derivados.500
Isso, no
entanto, gera grandes distorções no mercado local, onde arroz, por exemplo, é
vendido a preços quase 7 vezes maiores que as cotações internacionais.501
Felizmente, considerando-se as limitações impostas por sua geografia, as
políticas agrícola e comercial do Japão não geram maiores distorções no mercado
internacional.
3.1.2. Barreiras comerciais
Barreiras comerciais correspondem às medidas e instrumentos de política
econômica que afetam a livre entrada de bens e serviços estrangeiros no
país. Elas costumam manifestar-se através da imposição de tarifas,
quotas, medidas sanitárias ou fitossanitárias, entre outros mecanismos
que impliquem limitações ao acesso de produtos e serviços ao mercado
interno ou que reduzam a sua competitividade frente aos de origem
nacional.
As barreiras comerciais são estabelecidas com propósitos legítimos de
tutelar determinados interesses nacionais, como a proteção do
consumidor, do meio ambiente e do trabalhador. Porém, freqüentemente
são usadas com finalidades protecionistas não declaradas, visando
dificultar a entrada no país de produtos e serviços estrangeiros,
garantindo parte ou todo o mercado nacional para os produtores locais.
Apesar de diversos acordos internacionais proibirem as barreiras
comerciais, elas continuam sendo usadas de forma mais ou menos
explícita por diversos países, com a imposição de taxas, exigências e
273
burocracias no processo de importação que freqüentemente não se
justificam. Assim, constatando ofensas a compromissos firmados no
âmbito multilateral, em tese, o exportador, através do governo do seu
país, poderá questionar a medida perante o órgão de resolução de
disputas da OMC.
No entanto, conforme será desenvolvido no tópico próprio mais adiante,
em razão da falta de um poder sancionatório mais efetivo, o sistema de
resolução de disputas da OMC tem se mostrado insuficiente para a
garantia da ordem estabelecida nos acordos firmados no sistema
multilateral e para coibir de modo eficaz todas as arbitrariedades
cometidas sobre a livre circulação de bens e serviços no mundo. É
comum que as decisões do órgão sejam simplesmente ignoradas pelos
países derrotados nas disputas. Ademais, freqüentemente as barreiras
comerciais são colocadas de forma velada e em situações limítrofes,
onde a sua confirmação depende da aplicação de critérios altamente
técnicos, o que dificulta tremendamente a sua contestação. Assim, em
vista dos altíssimos custos e desgastes diplomáticos e comerciais
envolvidos nesse tipo de disputa, somente os casos de abusos mais
patentes acabam sendo submetidos aos painéis da OMC, tornando as
barreiras comerciais um problema seríssimo e praticamente insolúvel
dentro do comércio internacional.
3.1.2.1. Espécies de barreiras comerciais
Costuma-se dividir as barreiras comerciais em tarifárias e não tarifáras,
também conhecidas por barreiras técnicas.
As primeiras correspondem aos impostos incidentes sobre a operação de
importação de mercadorias capazes de desestimular a importação de bens. Elas são
de fácil identificação, vez que são indicadas de forma inequívoca na própria
legislação tributária, sendo amplamente divulgadas.
Apesar de manterem uma média tarifária inferior que os países em
desenvolvimento, são os países mais ricos que mais abusam dessa prática. Eles o
fazem através de picos tarifários sobre a importação de produtos considerados
sensíveis, o que é especialmente visível no caso dos produtos agrícolas.
Já as barreiras não tarifárias compreendem todas as modalidades de barreira
que não consistam na imposição em si de um tributo, podendo ocorrer nas seguintes
modalidades: restrições quantitativas às importações; tarifas variáveis de
importação; preços mínimos de importação; licenças de importação discricionárias;
restrições ao comércio estatal; acordos de restrição voluntária à exportação;
salvaguardas, excetuando-se as preferenciais, previstas em acordos firmados;
subsídios praticados por terceiros países; organismo estatal importador único;
controle sanitário e fitossanitário sobre as importações; requisitos para embalagem e
274
rotulagem; requisitos técnicos quanto ao processo de produção; etc.
O Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio (ABTC) que resultou da
Rodada Uruguai reconhece que é um direito e um dever dos países adotarem
medidas técnicas e criar normas nacionais que visem à proteção da qualidade dos
produtos que importam, saúde e segurança dos seus cidadãos, do consumidor, do
meio ambiente, etc. Por outro lado, pelo mesmo texto legal, os países membros da
OMC assumiram o compromisso não se utilizarem desse tipo de recurso como
forma de proteger a indústria doméstica em detrimento do comércio mundial.
Uma das principais medidas adotas na busca do objetivo de reduzir as
barreiras não tarifárias foi a sua tarificação no âmbito da OMC, através de
complexos critérios técnicos definidos em 1994 pelo Acordo de Barreiras Técnicas
ao Comércio. Depois de quantificadas as tarifas, as mesmas deveria ser reduzidas
em percentuais pré-estabelecidos. Isso, no entanto, não foi suficiente para resolver
os graves problemas que até hoje persistem no comércio internacional,
especialmente no de produtos agropecuários. Por se tratar de uma barreira não
declarada, existe uma maior dificuldade na sua identificação e contestação, gerando
intensas controvérsias e insegurança jurídica para o comércio internacional.
3.1.2.2. As Barreiras Antidumping
Dumping, na definição do Decreto n° 1.602/95, que regulamenta as normas
relativas à aplicação de medidas antidumping no Brasil, consiste na introdução de
uma mercadoria no mercado doméstico, a preços de exportação inferiores ao valor
normal. Aqui, valor normal deve ser entendido como “o preço efetivamente pago ou
a pagar, no curso de operações mercantis normais, por produto similar destinado
ao consumo do país de exportação ou de origem, devendo ser descontados os
impostos e frete incidentes, a fim de torná-lo ex fabrica”.502
Portanto, o dumping fica
configurado quando a empresa exportadora pratica, fora de seu mercado, preços
inferiores aos que pratica dentro dele.
Esse tipo de comportamento não é desejável do ponto de vista do
desenvolvimento do comércio internacional. Isso porque ele é fundado em situação
artificial, onde a empresa exportadora opera com prejuízos visando à conquista de
novos mercados, em detrimento das empresas que já atuam no mesmo, as quais
muitas vezes não têm capacidade de suportar uma concorrência tão agressiva por
muito tempo.
Diante dos riscos que tais atos podem causar às economias nacionais, desde o
início do século XX, os governos nacionais passaram a reagir, impondo restrições
aos produtos importados que chegassem aos seus mercados por preços
excessivamente baixos a ponto de causar prejuízo à indústria nacional. Essas
medidas para coibir a sua prática consistem na aplicação de alíquotas ad valorem
(sobre o valor da mercadoria com base em CIF) ou específicas (fixada em Dólares
275
norte-americanos e convertida em Reais) sobre os produtos importados.
Trata-se de uma medida essencialmente protecionista – em princípio legítima,
mas que com freqüência vem sendo usada de maneira maliciosa por alguns países,
com o propósito puro e simples de beneficiar os produtores nacionais. Por essa
razão, já em 1979, foi firmado um acordo no âmbito da OMC com o objetivo de
estabelecer restrições ao uso desenfreado desse instituto. No entanto, nem esse
acordo e nem os subseqüentes estabeleceram regras que impedissem eficazmente o
abuso das medidas antidumping, que até hoje são usadas de forma inadequada para
bloquear importações nas quais o dumping não está configurado.
Para referência, cumpre citar que, conforme dados da OMC, no período de 1º
de janeiro até junho de 2006, dentre as 87 investigações antidumping abertas em
todo o mundo, 71 processos de investigação resultaram na aplicação do direito,
sendo que apenas 9 partiram de países em desenvolvimento.503
No que se refere aos países objeto de investigação, a República Popular da
China aparece como o principal foco, sendo responsável por 32 das 87 novas
investigações para o período de 2006. Em seguida, Estados Unidos e China Taipei
com 6 novas investigações cada. Como conseqüência, a China é de longe a maior
vítima das barreiras antidumping: 15 no período.
323
236224
149
11697 84 83 82
69 66
346
0
50
100
150
200
250
300
350
Índi
a
EUA
U.E
Arge
ntin
a
Áfric
a do
Sul
Turq
uia
Can
adá
Chi
na
Mex
ico
Aust
rália
Bras
il
Out
ros
Anti Dumping Aplicados - por membros
(01/01/95 a 30/06/06)
Fonte: OMC
As barreiras antidumping norte-americana são as que mais afetam as
exportações brasileiras. Segundo estudo da embaixada brasileira em Washington, no
período de 1991 a 2001, a política antidumping norte-americana impôs uma perda
de receitas ao Brasil da ordem de US$ 2 bilhões anualmente, sendo que das 33
investigações analisadas, três quartos eram relacionadas ao aço.504
3.1.2.3. Barreiras comerciais no Agronegócio
O comércio internacional de produtos agropecuários é duramente afetado
pelas barreiras comerciais colocadas por diversos países, gerando
276
profundas distorções no mercado internacional e fechando por completo
o acesso a importantes centros consumidores. Assim, apesar de deterem
menor poder de compra, os países em desenvolvimento importam dois
terços do comércio agrícola mundial.
O problema das barreiras sobre o comércio internacional de produtos
agropecuários acaba sendo mais sério que em outras cadeias produtivas,
em vista da maior complexidade de questões técnicas e da reduzida
quantidade de compromissos multilaterais assumidos em termos de
redução das barreiras, situação diversa da que ocorre com produtos
manufaturados.
No âmbito do comércio internacional de produtos agropecuários,
exigências ligadas a preocupações ambientais, segurança alimentar e
trabalhistas mostram-se mais difíceis de serem contestadas, devido aos
critérios subjetivos que precisam ser usados na mensuração dos
possíveis abusos. As dificuldades persistem mesmo quando o
exportador se depara com as barreiras tarifárias, considerando que os
acordos firmados até o momento no âmbito da OMC permitem a
aplicação de tarifas astronômicas sobre a importação de produtos
ligados à agricultura. A sistemática atual permite até mesmo o
estabelecimento de indiscretas quotas de importação, que restringem a
participação de grandes produtores como o Brasil em importantes
segmentos do mercado agrícola internacional.
Para vegetais, as maiores dificuldades enfrentadas pelos exportadores estão
concentradas no atendimento de exigências técnicas e na superação burocracias e
lentidão para a realização de exames voltados ao controle de pragas e doenças. Já
para produtos de origem animal, as barreiras concentram-se nas exigências de
garantias excessivas quanto à sanidade dos animais, especialmente em se tratando de
carne bovina. Rastreamento do histórico dos animais, certificados de qualidade e a
criação em regiões livres de determinadas doenças são algumas das exigências feitas
com rigor proposital e excessivamente alto por grande parte dos mercados, com a
finalidade de encarecer ou até inviabilizar a entrada de produtos estrangeiros.
Dentro desse contexto, grande parte dos países do globo, sobretudo os
desenvolvidos, vêm mantendo políticas comerciais altamente protecionistas,
optando por medidas que os levem a auto-suficiência. Essa situação restringe
tremendamente o desempenho comercial de alguns setores em que o Brasil é líder de
produtividade, como, por exemplo: açúcar, álcool, suco de laranja, camarões
congelados e carnes. Como conseqüência, os produtores mais eficientes, como são
os do MERCOSUL, ficam impedidos de explorar plenamente uma importante e rica
parcela do mercado mundial de alimentos, restando-lhes prospectar por novos
clientes como forma de suprir o impacto da perda de vendas.
Tradicionalmente, UE, EUA e Japão, que representam os mercados mais
277
ricos do mundo, aplicam tarifas altíssimas sobre um pequeno número de produtos
considerados sensíveis (especialmente sobre os produtos mencionados no parágrafo
antecedente), em conjunto com um sistema de cotas. Eventualmente, abusam
também dos mecanismos de defesa comercial para impor sobretaxas às importações
sob pretexto de se defenderem de práticas desleais de comércio por parte de países
mais eficientes. Não bastasse isso, sempre que disponível uma desculpa
suficientemente convincente (tais como surtos de doenças e indícios de
contaminação, ainda que mínimos) para a adoção de outras medidas protecionistas,
esses países aproveitam a oportunidade para impor barreiras não tarifárias severas,
que muitas vezes resultam no completo fechamento do seu mercado. Nessas horas,
nem sempre é a preocupação com a segurança alimentar que prevalece na tomada de
decisão, mas sim interesses econômicos ocultos por trás das justificativas oficiais.
Infelizmente, não se trata de um comportamento isolado dos países ditos
desenvolvidos, sendo esporadicamente manifestado por outros países que também
são importantes mercados agrícolas, como Rússia e mesmo o vizinho Chile, os
quais, juntamente com outros 48 países, suspenderam as importações de carne vinda
de todas as partes do Brasil em 2005, em virtude de surtos pontuais de aftosa no
Mato Grosso do Sul e no Paraná. O resultado desse cenário é uma tremenda
instabilidade no mercado internacional, que sujeita os exportadores a súbitas perdas
de mercados e prejuízos colossais. Daí, a importância que adquirem os serviços
estatais de fiscalização da sanidade e sanitária e fitossanitária dos produtos e a
constante e rigorosa vigilância sanitária sobre os sistemas produtivos.
Espera-se que, no âmbito da Rodada Doha, presentemente em andamento,
uma ação decisiva seja tomada tanto para a maior limitação do uso das barreiras não
tarifárias quanto para assegurar a eficácia das decisões do sistema de resolução de
disputas da OMC.505
3.1.2.4. Exemplos de barreiras comerciais ao Agronegócio
Enquanto maiores potências econômicas do mundo, os instrumentos de
política comercial dos EUA e da UE são os que mais afetam o mercado global e os
exportadores de produtos agropecuários. Dessa forma, por assumirem esse papel
determinante sobre os fluxos de comércio do agronegócio, cumpre tecer alguns
comentários suplementares sobre a política comercial desses países, como forma de
contextualizar os exemplos que serão a seguir citados.
Como dito anteriormente, além de diversas medidas de apoio governamental
aos produtores locais, tanto os EUA como a UE estabelecem diversos óbices à
entrada de produtos agroindustriais nos seus mercados. De uma maneira geral, a
média tarifária praticada por ambos é baixa, mas persistem picos tarifários
cirurgicamente colocados sobre produtos sensíveis.
278
Mercosul UE-15 EUA Mercosul UE-15 EUA
9,9% 29,3% 12,4% 10,9% 4,4% 4,2%
10,0% 14,4% 4,4% 14,0% 3,0% 2,9%
5,0% 40,3% 29,8% 6,7% 4,2% 5,6%
20,0% 277,2% 350,0% 35,0% 26,0% 58,5%
959 2.091 1.808 8.771 8.187 8.698
0 636 102 53 0 46
0,0% 30,4% 5,6% 0,6% 0,0% 0,5%
Nota: Todas as tarifas mínimas são zero. Estimativas para o Mercosul não levam em consideração as 100
excessões para a Tarifa Externa Comum, permitida para cada país membro.
Fonte: Comissão Européia, MDIC e Comissão Internacional de Comércio Exterior dos EUA apud Jank, M.
Free Trade in the Americas: Getting there from here, Inter-American Dialogue, Outubro de 2004, pág. 30.
N.º de linhas tarifárias (A)
N.º linhas tarifárias > 30% (B)
Percentagem (B/A)
Máximo
Estrutura tarifária comparativa: Mercosul, UE-15 e EUA
Produtos da agricultura Produtos IndustriaisPerfil da tarifa (HS -
8 dígitos)Mínimo
Mediano
Desvio Padrão
Em relação aos EUA, os produtos agrícolas mais protegidos pelos picos
tarifários são: café solúvel, suco de laranja, açúcar, fumo, frutas e carnes. Nesse
país, é usual o estabelecimento de uma política de quotas máximas de importação,
com uma hipertarifação dos produtos que excedem o teto estabelecido e subsídios
que dificultam a competição dentro desse mercado. Tais práticas vêm impedindo o
aumento da pauta de importações de alimentos dos EUA, que giram na faixa de US$
200 bilhões anuais, algo em torno de 20% das importações totais.506
Em relação às barreiras não tarifárias norte-americana, há uma imensa gama
de regulamentos técnicos federais, estaduais, e municipais com exigências
específicas para a produção e importação de determinados bens, abrangendo
rotulagem, condições de fabricação e sanitárias, certificação de farmacêuticos, etc.
Entre os produtos mais regulados nos EUA, merecem destaque: leite e seus
derivados; frutas, legumes e castanhas, gado e outros animais; carne e seus
derivados; plantas e produtos derivados; aves e subprodutos; sementes; alimentos;
artigos têxteis, além de diversos outros produtos não agrícolas. Ao todo cerca de 70
mil leis, normas e regulamentos nas esferas federal, estadual e municipal
condicionam as importações do país, que são monitoradas por cerca de 2700 órgãos,
muitas vezes com o intuito descarado de criar entraves para a entrada de produtos,
destacando-se a Lei do Comércio de 1974, que prevê severas sobretaxas e quotas
sobre as importações de determinados produtos.
No mesmo sentido, também é recorrente o uso pelo país de
instrumentos de defesa comercial, a fim de justificar a imposição de
sobretaxas sobre produtos sensíveis, mesmo em situações em que não
estão presentes as hipóteses legais de aplicação. Foi o que aconteceu,
por exemplo, quando os EUA impuseram barreiras antidumping sobre
as importações de camarão congelado provenientes do Brasil e de
outros países, a fim de proteger a indústria local. Por produzir o
camarão em cativeiro e com alta produtividade, o Brasil tem custos bem
abaixo da média internacional, considerando-se que, em geral, o
279
camarão é pescado em alto mar. No entanto, ignorando isso, as
autoridades norte-americanas acusaram os produtores brasileiros de
estarem vendendo seus produtos a preços abaixo de mercado, sendo
penalizados injustamente com uma barreira antidumping.507
De seu lado, a UE tem se destacado por um comportamento até mais
protecionista que o manifestado pelos EUA no que se refere ao mercado
agropecuário. Em que pese a baixa produtividade em grande parte das culturas,
muitos de seus países membros têm uma produção agrícola expressiva e fazem de
tudo para garantir aos seus produtores suportes financeiros (subsídios) e garantia de
mercado (barreiras comerciais). A França talvez seja o melhor exemplo disso.
As barreiras tarifárias impostas pelo bloco são em média maiores que as
norte-americanas, apesar de os picos tarifários serem menores. Felizmente, por
questões geográficas e climáticas presentes no território europeu, o cultivo de
determinadas culturas mostra-se inviável mesmo com o apoio de subsídios, de forma
que o bloco não se propõe a produzir alguns produtos importantes para o Brasil,
como café, algodão, soja, frutas tropicais e outros, que ficam livres de barreiras,
permitindo uma participação mais expressiva do Brasil naquele mercado.
De forma semelhante, o Japão também se apóia nas barreiras comerciais para
garantir mercado para seus ineficientes produtores rurais. Como visto anteriormente,
a partir de uma combinação de barreiras tarifárias e subsídios, a produção japonesa
consegue abastecer grande parte de seu mercado interno de alimentos como arroz,
carnes, leite e derivados. Em princípio, outros produtos conseguiriam entrar com
maior facilidade no mercado japonês. Porém, para tanto, o exportador precisa
enfrentar sérias dificuldades para o atendimento das rígidas exigências sanitárias e
fitossanitárias feitas pelas autoridades locais. A título de exemplo, veja-se que o não
atendimento de exigências fechou há muitos anos o lucrativo mercado de frutas
tropicais para o Brasil.
A título de referência, segue levantamento feito pela SECEX no ano de 2001,
das barreiras comerciais impostas pelos EUA, UE e Japão contra alguns produtos
agrícolas extremamente importantes para o Brasil.
280
Principais barreiras sobre as exportações do agronegócio brasileiro
(em 2001)
Produto País Barreira Observação
Suco de Laranja EUA Tarifa Em 2000, o concentrado reconstituído era objeto de tarifa ad valorem de 56%.
Suco de Laranja U.E. Quota tarifária,
Tarifas elevadas
Tarifa ad valorem de 33,6%. Quota para o mundo todo de 1.500t, com tarifa de 13%.
Álcool Etílico EUA Subsídios Importações taxadas em 2,5% pelo imposto de importação e US$ 0,54/galão.
Açúcar EUA Quotas tarifárias Tarifa intraquota de US$ 14,60/t, equivalente ad valorem de 10,1%.Quota brasileira de
162.422t/ano para o ano fiscal de 2001/2002.
Açúcar U.E. Quota tarifária,
isenções a
terceiros países
Tarifas ad valorem de 66,39%. Quota de Cuba e outros países, com tarifa de 19%. Países
signanatários da Convenção de Lomé têm tarifa zero.
Açúcar Japão Escalada tarifária Conforme seja o produto de maior valor agregado, estrutura tarifária é progressiva.
Fumo EUA Quota tarifária 75% do fumo utilizado para fabricação do cigarro norte-americano deve ser produzido
localmente. Quota anual brasileira de 80.200t. Tarifa intraquota de US$ 0,385 a US$
0,421/kg, equivalente a 108,2% ad valorem.
Fumo U.E. Tarifas Tarifas aplicadas de 3% a 32%.
Fumo Japão Escalada tarifária Conforme seja o produto de maior valor agregado, estrutura tarifária é progressiva.
Carne EUA Barreiras
sanitárias, falta de
acordo sanitário
Tarifa extraquota até 350%. Barreiras pela contaminação por aftosa e peste suína africana,
em 1974. Falta de equivalência e dificuldade de estabelecer normas sanitárias. Não há
reconhecimento de áres livres ou com baixa intesidade de enfermidades.
Carne U.E. Tarifas altas e
quotas tarifárias
Restrições em decorrência da febre aftosa no RS. Tarifa ad valorem de até 114,52%. Quota
de 5.000t, com imposto de importação de 20%. Tarifa ad valorem de 46,25%. Quota de
7.500t com imposto de importação de 23,12%, 50% inferior às normais.
Frutas e/ou
Vegetais
EUA Morosidade na
aplicação de
normas sanitárias
Órgão norte-americano responsável opera de forma vagarosa nos exames e provas.
Frutas e/ou
Vegetais
Japão Medidas sanitárias
e fitossanitárias
Proibição de importação. Exigência de inspeção fitossanitária in loco. Falta de transparência
em matéria de fumigação.
Soja U.E. Tarifas Óleo de soja em bruto taxadas com alíquota entre 3,8 a 7,6% e as de refinado entre 6,1 a
11,4%.
Soja Japão Escalada tarifária Conforme seja o produto de maior valor agregado, estrutura tarifária é progressiva.
Couro Bovino Japão Quota tarifária Quota de 137.000 ou 848.000 metros quadrados, conforme o item tarifário.
Fonte: SECEX
A seguir serão estudadas em maiores detalhes algumas das principais
barreiras que afetam alguns segmentos importantes do agronegócio brasileiro.
3.1.2.4.1. Barreiras ao açúcar
A política adotada pela UE em relação ao açúcar talvez seja o mais grave
exemplo de prática desleal do comércio da atualidade. Ela é composta por subsídios
à produção e à exportação, além de quotas de importação e pesadas tarifas
alfandegárias que impedem a entrada de açúcar estrangeiro (à exceção dos países da
ACP) e ainda inundam o mercado internacional com produto artificialmente barato.
O resultado da política européia do açúcar é fatal sobre as exportações
brasileiras. Apesar de o Brasil ser o maior produtor de açúcar do mundo, apenas
1,4% das suas importações da UE vem do Brasil, enquanto 94% são originárias dos
países da ACP (Barbados, Belize, Fiji, Costa do Marfin, Jamaica, Quênia,
Madagascar, Malwai, St. Kitts e Nevis, Swazilândia, Tanzânia, Trindade e Tobago e
Ilhas Maruício).508
Nos EUA, os problemas enfrentados pelos exportadores brasileiros de açúcar
estão concentrados na política de cotas. O Brasil já exportou volumes significativos
281
de açúcar para aquele país, mas, desde que os EUA fixaram um sistema de quotas
para as impostações de açúcar, em 1982, a participação brasileira naquele mercado
despencou. Anteriormente à aplicação dos controles de importação (Sugar
Program), o Brasil chegou a exportar 1,5 milhão de toneladas por ano, ocasião em
que os EUA importavam 55% de seu consumo doméstico. Duas décadas mais tarde,
esse percentual caiu para cerca de 12%.509
Além do sistema de quotas, a produção norte-americana de açúcar de
beterraba e de cana é beneficiada por um programa de apoio, o qual sustenta um
preço mínimo de 18 centavos de dólar por libra, por meio de controle da oferta,
tanto doméstica como importada. A produção interna é controlada pelo
Departamento de Agricultura enquanto o açúcar bruto importado fica sujeito à quota
mínima consolidada na OMC, de 1,1 milhão de toneladas, para o ano fiscal de 2006.
Para o açúcar refinado, foi estabelecida a quota de 49 mil toneladas métricas, sendo
27 mil reservadas para açúcar especial como mascavo, orgânico, etc.
Posteriormente, em virtude dos furacões que atingiram os Estados Unidos em 2005,
foi autorizada quantidade adicional. No que se refere ao Brasil, a quota de açúcar
bruto destinada para o ano fiscal de 2006, já incluída a quantidade suplementar, foi
de 260.522 toneladas métricas. Nos anos anteriores, a quota ficava em 152.691
toneladas métricas, o mínimo consolidado pela OMC.510
Pelo sistema de quotas norte-americano, se as importações de um país
ultrapassarem a quota máxima, as tarifas são elevadas para US$ 338,7/t, o que
correspondente a uma sobretaxa ad valorem de 164%, considerados os preços
internacionais de 2005. Para o açúcar refinado, a tarifa extra-quota de US$ 357,40
por tonelada, correspondeu, para o ano fiscal de 2005, a uma tarifa ad valorem de
153%. Isso inviabiliza uma participação mais significativa do açúcar brasileiro
naquele mercado. Note-se que o Brasil é o único país da América Latina que não é
beneficiário do SGP para esse produto.
3.1.2.4.2. Barreiras ao suco de laranja
Desde 1987, pesadas tarifas incidem sobre o suco de laranja brasileiro que
entra nos EUA, tirando-lhe a competitividade e fazendo as vendas despencarem. A
taxa decorre de um processo antidumping que concluiu que o Brasil estaria
exportando suco para os EUA a preços abaixo do custo. Na realidade, tudo não
passa de mais uma demonstração de poder do lobby de organizações como a Citrus
Mutual, que reúne cerca de 11 mil citricultores em atividade na Flórida, principal
pólo produtor dos EUA.511
Em razão da força política desses lobbies, até hoje o
Brasil está impedido de uma participação mais expressiva no gigantesco mercado
local.
Desde a criação dessas tarifas, o dinheiro arrecadado veio causando um efeito
duplo sobre as importações dos EUA: de um lado dificultava a entrada do produto
brasileiro naquele mercado e, de outro, era usado para promover o produto
282
americano – o produtor brasileiro estava, no final das contas, financiando a
propaganda do concorrente!
O Brasil levou a questão ao órgão de resolução de disputas da OMC e
conseguiu um acordo com os EUA, no qual o governo da Flórida comprometeu-se a
reduzir o valor da sobretaxa sobre o produto brasileiro em dois terços, caindo para
cerca de US$ 15/ton. O acordo prevê a eliminação da tarifa e espera-se que isso
ajude o Brasil a recuperar os patamares atingidos em 1990, quando detinha cerca de
cerca de 90% das importações norte-americanas, com embarques de 200 mil
toneladas/ano só para o estado da Flórida (o triplo do obtido em 2002)512
.
Porém, os problemas para acessar o mercado norte-americano não foram
resolvidos. A mais recente taxação vigora desde agosto de 2005513
, sendo resultante
de uma ação antidumping movida por quatro empresas da Flórida em dezembro de
2004, apenas cinco meses antes de expirar a sobretaxação que vigorava desde 1987.
Em função da nova medida antidumping, os importadores devem pagar uma
sobretaxa de 9,73% a 60,29%. Alguns analistas de mercado receberam a notícia da
renovação da medida como uma forma de represália à quebra de patentes de
medicamentos vendidos por empresas americanas.
Note-se que, além da aplicação dos direitos, os produtores brasileiros sofrem
com as altas tarifas aduaneiras (suco concentrado, em média de 47,5% de tarifa ad
valorem, por litro e não concentrado com 16,4%).514
515
O suco de laranja tem o
imposto de importação mais alto dos EUA.
Além dos altos direitos aduaneiros aplicados, a competitividade brasileira
ainda é afetada pelas preferências comerciais concedidas ao México, pelo Nafta; aos
países centro-americanos e caribenhos beneficiados pelo Caribbean Basin Trade
Partnership Act e pelos países andinos, sob o regime do Andean Trade Preference
and Drug Erradication Act”
Por fim, cumpre notar que, se não bastassem as barreiras tarifárias, os
exportadores também precisam enfrentar dificuldades burocráticas para alcançar o
mercado norte-americano. Ao todo, exportador deve preencher 19 documentos para
embarcar o produto para os EUA.516
Talvez em razão de tamanha proteção, empresas brasileiras passaram a se
aventurar em solo americano. Estima-se que 50% da capacidade de processamentos
da Floria esteja com empresas brasileiras.517
3.1.2.4.3. Barreiras ao álcool
Outro caso de destaque foi o da repentina mudança de tratamento dispensado
pelos EUA ao álcool proveniente do Brasil. O produto brasileiro por muito tempo
dominou aquele mercado, em virtude da competitividade da indústria brasileira e das
tarifas preferenciais conseguidas pelo Brasil através do SGP. Nos anos 90, todavia,
283
um lobby local foi capaz de retirar o Brasil da lista dos beneficiários do SGP com
relação ao álcool e, em adição, conseguiu impor severas restrições à entrada do
produto brasileiro, reduzindo dramaticamente a participação brasileira no mercado
norte-americano.
Desde o final da década de 70, início dos anos 80, o produto brasileiro vem
enfrentando dificuldades para acessar o mercado norte-americano. Em 1978,
incentivos fiscais foram introduzidos, inicialmente de 54 centavos por galão
misturado à gasolina. Atualmente está em 51 centavos por galão, que vale como
crédito fiscal para a restituição ao imposto de renda das refinarias e dos
distribuidores. Em 1980, como forma de focar o incentivo apenas ao produto
doméstico, em específico ao produto à base de milho do meio-oeste, foi criada uma
tarifa especial de importação, no valor de 14,27 centavos por litro, ou 54 centavos
por galão. Por outro lado, passou a não valer mais o incentivo fiscal em caso de
mistura com produto importado. Questão importante também a ser destacada é a
referente aos subsídios amplamente aplicados à produção de milho para a fabricação
de álcool. Essa política de incentivo fez a produção saltar de 175 milhões de galões
em 1980 para 4,2 bilhões em 2005.
Com tais barreiras tarifárias e sem os benefícios do SGP, o Brasil enfrenta
sérias dificuldades para acessar o mercado norte-americano, ficando sujeito a
alíquotas de 2,5% sobre o álcool etílico, além de um imposto adicional (excise duty)
de US$ 0,54/galão, que acabam encarecendo o produto importado em 50%.
Além do imposto adicional e a alíquota de 2,5%, outros exportadores, como
Jamaica, Costa Rica e El Salvador, pertencentes ao Caribbean Basin Trade
Partnership Act, não estão sujeitos ao pagamento da tarifa especial. Esses
produtores estão autorizados a exportar, sem a tarifa extra, cerca de 7% do consumo
anual dos Estados Unidos.518
Ainda assim, apesar de todas essas dificuldades, em 2005, o Brasil foi o
principal exportador de etanol para os Estados Unidos.
3.1.2.4.4. Barreiras à carne
Em nome da segurança alimentar, especialmente após a descoberta dos males
à saúde humana causados por algumas doenças presentes nos rebanhos bovinos, os
principais mercados de carne do mundo, notadamente, os EUA, o Japão, e os países
que compõem a UE, passaram a dificultar ainda mais a importação de carne. Além
das tradicionais tarifas e quotas de importação, esses mercados costumam exigir
selos de certificação de qualidade e o atendimento de inúmeros requisitos de ordem
sanitária, quando da entrada do produto no país. Assim, quando não inviabilizam por
completo o acesso a determinados mercados, tais medidas acarretam custos
adicionais para a adequação dos produtos e dos métodos de processamento que
atendam às exigências dos países.
284
Em princípio, trata-se de medidas legítimas, mas é nítido que a segurança
alimentar é freqüentemente usada como pretexto para impor barreiras às
importações de produtos sensíveis. Os Europeus, por exemplo, aceitam o princípio
da regionalização e importam carne bovina. Porém, não importam suínos de
nenhuma região do Brasil devido a um surto de uma doença em 2002 em Santa
Catarina.519
As barreiras sanitárias mais severas enfrentadas pelos exportadores de carnes
estão nos EUA. Isso porque os EUA não reconhecem no Brasil áreas livres ou com
baixa incidência de enfermidades. Em adição, não existe equivalência de processos
de verificação sanitária, o que se mostra especialmente problemático no caso de
carne bovina e suína. No caso dos suínos, persiste uma barreira sanitária motivada
pelo registro de aftosa e peste suína africana em 1974.
Afora a questão sanitária, para acessar o mercado dos EUA ainda existe a
questão das quotas tarifárias de importação. Para carne bovina in natura, a quota é
de cerca de 700 mil toneladas/ano, com tarifa de 4,4 centavos de dólar/quilo. Porém,
está repartida quase que em sua totalidade entre Austrália (378 mil toneladas) e
Nova Zelândia (213 mil toneladas). Assim, ainda que o Brasil venha a conseguir a
certificação de livre de febre aftosa, conseguiria exportar apenas 65 mil toneladas
por ano.
Além dos EUA, 3 outros grandes importadores de carne não aceitam o
princípio da regionalização da produção de pecuária, a saber Japão, México e Coréia
do Sul. O Brasil não terá acesso a esses mercados enquanto não estiver livre de
doenças como a febre aftosa em todo o seu território. Com isso, dos 5 maiores
mercados mundiais, apenas a Rússia se dispõe a comprar do Brasil. Em números,
isso quer dizer que 61% do mercado mundial de carnes bovina e suína está fechado
para o Brasil.
O Brasil também está impossibilitado de exportar frango (tanto in natura
como processado) para os Estados Unidos, em razão da necessidade de comprovar
que o país está livre da “doença de Newcastle”, a partir de certificação do APHIS.520
Quanto às exportações brasileiras de carne de frango para UE, afora os subsídios, o
principal entrave enfrentado pelos exportadores brasileiro é o referente às cotas,
estabelecida em 336 mil toneladas (de frango e de peru) para o Brasil a partir de
2007.521
Outros exemplos flagrantes de barreiras não tarifárias podem ser encontrados
em mercados menos protecionistas, como foi o caso da Rússia. Em 2004, sem
maiores explicações, o país retalhou seu mercado de carnes e distribuiu quotas de
exportação para diversos países. No entanto, manteve uma participação altíssima
para EUA e UE, prejudicando sobremaneira outros grandes produtores como o
Brasil. Felizmente, tais barreiras foram suspensas no final de 2006, levando a Rússia
de volta ao posto de maior cliente de carnes in natura do Brasil.
Felizmente, o mercado mundial de carnes é tão grande que o Brasil tem
285
conseguido contornar essas dificuldades e auferir bons lucros com as exportações do
setor. Ainda que desprezados os mercados do Japão, EUA e México, o Brasil
continua tendo um mercado potencial de nada menos que US$ 25,3 bilhões. Graças
à sua extraordinária competitividade, mesmo não tendo acesso aos principais
mercados, o Brasil sustenta a posição de maior exportador de carnes do mundo. Isso
só ocorre porque o Brasil consegue dominar os mercados abertos, como a Arábia
Saudita, Irã, Argélia e Egito no caso da carne bovina. O mesmo acontece nas carnes
suínas, que acabam ficando concentradas em mercados como a Rússia e Hong Kong,
sendo que o Brasil domina em média 39% dos mercados abertos. O mercado de
frango é um pouco mais liberal, permitindo uma participação do Brasil na ordem de
30% sobre o comércio mundial.522
3.1.2.4.5. Barreiras ao leite
Grandes produtores de leite e laticínios do mundo, sobretudo Austrália e
Argentina, costumam encontrar severas restrições para o incremento das suas vendas
externas, notadamente em função dos sistemas de quotas e de tarifas praticadas nos
principais mercados do mundo: a UE, os EUA e o Japão. Trata-se de um dos
mercados mais protegidos e distorcidos do mundo.
Como forma de ilustrar o distorcido e extremamente fechado mercado
mundial de lácteos, pode-se citar alguns exemplos de barreiras colocadas pelos
países do QuadCLXVII
: a tarifa das importações japonesas de manteiga está acima de
500%; o Canadá aplica tarifas entre 200 e 300% nas importações de lácteos; as
importações dentro da quota européia de queijo, estão na fixa de 100 mil toneladas,
enquanto o mercado é estimado em 7 milhões de toneladas.523
Tamanha é a
distorção que, segundo simulações feitas por pesquisadores australianos, com uma
ampliação das quotas em 100% e uma redução das tarifas em 50% da UE, os preços
internacionais dos laticínios cresceriam entre 15 e 28%, com um substancial
crescimento do comércio internacional.524
Por essa razão, em 2005, apesar de não ser (ainda) um grande exportador, o
Brasil, em conjunto com Argentina, Austrália, Chile, Nova Zelândia e Uruguai
passaram a pressionar a comunidade internacional pela abertura do mercado
internacional de leite e derivados. De olho nos lucros bilionários que podem surgir
de uma liberalização desse segmento do mercado mundial, esses países estudam
iniciar um processo de consulta na OMC, visando a eliminação dos subsídios ao
setor. O grupo, que recebeu o nome de Aliança Láctea Global (Global Dairy
lliance), reúne 1,5 milhão de produtores, que respondem por 60 bilhões de litros de
leite por ano, 10% da produção mundial. Esses países detém 50% do mercado
internacional.525
526
CLXVII Canadá, EUA, Japão e UE.
286
3.1.2.4.6. Lei do bioterrorismo
Em 2001, os atentados terroristas de 11 de setembro e os incidentes com
antraz evidenciaram a fragilidade da cadeia alimentar norte-americana. Mais do que
nunca, emergiu a preocupação com a real possibilidade da prática de terrorismo a
partir da contaminação proposital dos alimentos consumidos pela população daquele
país por patógenos (antraz, botulismo, salmonela, etc.) e venenos (chumbo,
mercúrio, rícino, etc.)
A Lei do Bioterrorismo foi sancionada em 12 julho 2003 e entrou em vigor
com regulamentações interinas em dezembro de 2003. O anúncio das novas
exigências foi recebido com apreensão por parte dos exportadores de alimentos, que
temiam a criação de outra barreira comercial. De fato, a partir das disposições
contidas no Título III da Lei, novas burocracias foram criadas com o intuito de
rastrear a proveniência dos alimentos, o que incluiu a necessidade de cadastramento
de cada estabelecimento exportador no órgão regulador norte-americano, o FDA
(Food and Drug Administration) e a necessidade de aviso prévio de cada
importação. Além disso, passou a ser exigido que o exportador mantenha um agente
local em caráter permanente nos EUA, o qual deve estar disponível 24 horas por dia
e 7 dias por semana, para servir de elo de comunicação com o FDA, no caso de
qualquer medida urgente.
O produto que não for admitido será mantido segregado, ou sob custódia,
podendo ser reexportado ou destruído, caso a submissão ou correção do aviso prévio
não seja providenciada. Como conseqüência do não atendimento, o responsável pela
operação nos EUA estará sujeito a sanções civis e penais, podendo ser proibido de
importar.527
A gama de produtos afetados consta de uma extensa lista de alimentos para
consumo humano e animal, bem como bebidas, ingredientes e aditivos alimentares,
havendo algumas exceções. Cabe esclarecer, contudo, que produtos provenientes de
estabelecimentos sob a jurisdição exclusiva do USDA (Departamento de Agricultura
Norte-Americano) estão dispensados do atendimento das formalidades impostas pela
nova Lei, especialmente carnes.
Felizmente, observou-se que o empresariado brasileiro estava suficientemente
preparado para atender rapidamente às exigências da nova lei, de tal forma que as
primeiras avaliações apontavam que as exportações de alimentos para os EUA
viriam a crescer, tomando o espaço de outros produtores, especialmente da América
Latina, que não conseguiram se adequar às normas.528
3.2. A agricultura no sistema multilateral de comércio
3.2.1. Introdução
287
3.2.1.1. Histórico do GATT529
530
O Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) foi assinado em 1947
originalmente por 23 países, incluindo o Brasil, e fez parte dos acordos
internacionais assinados ao final da segunda grande guerra visando a criação de uma
nova ordem mundial. Como ocorrido com outras organizações internacionais, o
GATT foi largamente inspirado pelos EUA, que na ocasião dominavam as relações
econômicas internacionais num mundo destruído pelo conflito militar. As
negociações que levaram ao GATT tiveram quase nenhuma participação dos países
em desenvolvimentoCLXVIII
. O objetivo principal do GATT era regulamentar as
relações de troca internacionais de forma a trazer uma certa juridicidade a um campo
notoriamente infame pela anomia.
Na prática, contudo, o GATT demonstrou-se um jogo de cartas marcadas
onde, sob o diáfano verniz da pretensa juridicidade, escondia-se um sistema criado
para promover a hegemonia e a prosperidade de uns poucos às expensas de muitos.
O sistema do GATT funcionava na base do consenso, que foi a forma encontrada
pelos EUA de manter o seu poder de veto às alterações pretendidas à estrutura
erigida sob sua inspiração e vontade. Esta regulamentação, todavia, tinha contornos
muito limitados, uma vez que os EUA não permitiram regras que comprometessem
sua hegemonia comercial e sua capacidade de, unilateralmente, alterar as regras do
jogo das trocas e estabelecer sanções próprias. Um escandaloso exemplo do jogo das
cartas marcadas conduzido pelos EUA foi a exclusão do setor agrícola do regime do
GATT, justamente a área comercial de maior tradição mundial e aquela de maior
importância para os países em desenvolvimento. De qualquer maneira, o GATT foi
visto como um progresso, ante ao quadro de inexistência de normais internacionais a
regular o comércio mundial.
As alterações no regime jurídico do GATT eram feitas através das chamadas
rodadas, todas convocadas pelos EUA, à exceção da última, a Rodada Uruguai,
convocada pelo Japão. Na ocasião, em 1986, os principais parceiros comerciais dos
EUA, o Japão e a então designada Comunidade Econômica Européia, sofriam com
medidas comerciais unilaterais e ilegais adotadas pelos EUA, movidos pelo interesse
na manutenção de uma competitividade comercial relativa, que vinham
consistentemente perdendo531
. Os países desenvolvidos logo se entenderam, tendo
criado uma agenda de negociações para assegurar a manutenção de seus interesses
hegemônicos. Nesta agenda constava a inclusão no regime do GATT das chamadas
áreas novas, incluindo serviços, tecnologia e investimentos. Tal agenda sofreu
inicialmente a oposição dos países em desenvolvimento que desejavam a inclusão,
na ordem do comércio multilateral, das áreas tradicionais como a agricultura e o
setor têxtil, bem como um maior aperfeiçoamento do sistema de resolução de
disputas, que era ineficaz e permitia abusos.
CLXVIII O Brasil foi um dos signatários originais, com uma participação pífia. Sua única reinvidicação, a da
inclusão do setor agrícola, foi rechaçada.
288
Enquanto todos os países signatários colocavam o ordenamento jurídico do
GATT acima de suas legislações nacionais, os EUA faziam o contrário, de tal
maneira a permitir que seu ordenamento jurídico interno tivesse medidas que
neutralizassem seus compromissos multilaterais532
. Essa idiossincrasia permitiu que
os EUA mantivessem normas internas contrárias aos seus compromissos
internacionais no GATT, como na área antidumping. Desta forma, enquanto os EUA
podiam exercer os direitos decorrentes do GATT contra os seus parceiros
comerciais, a recíproca não era necessariamente verdadeira.
Muito embora os EUA tivessem uma estrutura realista (em sentido estrito533
)
de poder e uma situação econômica a lhes permitir um abuso devastador na ordem
internacional, há de se ressaltar que, na prática, os países em desenvolvimento
continuaram numa situação que os mantinha na zona limítrofe superior da miséria
absoluta. Tal ocorreu, não por decorrência de posicionamentos altruísticos ou
eqüitativos, mas ao contrário, como corolário da guerra fria, que antagonizava o
sistema capitalista ao sistema comunista. A mesma equação permitiu, e até
encorajou, o desenvolvimento econômico nos aliados estratégicos dos EUA, para
que pudessem juntar forças na oposição aos rivais comunistas. Como corolário deste
estado de coisas, deu-se a recuperação econômica do Japão e da Europa. Os países
menos desenvolvidos, no entanto, ficaram relegados à miséria absoluta e, por
decorrência, tornaram-se joguetes no mundo bi-polarizado.
Todavia, a guerra fria não impediu que as regras do sistema multilateral de
comércio continuassem não eqüitativas e prejudiciais aos demais países, inclusive
aos aliados estratégicos dos EUA. Como decorrência, em meados da década de 80, o
Japão, uma das maiores vítimas das arbitrariedades institucionais dos EUA em
matéria comercial, tomou a iniciativa de requerer o início de uma nova rodada de
negociações do GATT. Era a primeira vez que um país outro que não os EUA
tomava a iniciativa de fazê-lo. Ao contrário de oporem-se à iniciativa, os hábeis
estrategistas dos EUA cooptaram-na, para melhor servir aos seus interesses.
Pretendia o Japão uma maior segurança jurídica no sistema multilateral, para evitar
os abusos dos quais era vítima. Os EUA prontamente sugeriram a expansão do
campo de abrangência do GATT para a inclusão das áreas novas como serviços,
investimentos e propriedade intelectual. Os EUA haviam se apercebido que a
dinâmica econômica mundial era tal que havia chegado o momento da convergência
de interesses entre os países desenvolvidos, para melhor exploração do potencial dos
países em desenvolvimento. A então Comunidade Econômica EuropéiaCLXIX
(CEE)
estava de pleno acordo.
A questão da cooperação entre as potências para a exploração dos países
menos desenvolvidos não era nova, nem no aspecto prático, nem tampouco sob o
prisma teórico. Já em meados do século 19, por exemplo, o Império Britânico, EUA,
França e Holanda tinham colaborado ativamente no contrabando de heroína para a
CLXIX Hoje União Européia (UE).
289
ChinaCLXX
, de tal forma a criar naquele país um produto de consumo que devesse ser
necessariamente adquirido do exterior, com o objetivo de eliminar os saldos
comerciais chineses. Na ocasião, os EUA aproveitaram-se da política exterior
inglesa e chegaram a ter cerca de 10% do comércio da droga maldita para a
China534
. Para os sagazes estrategistas ingleses, como Benjamim Disraeli, não
escapou a constatação de que a expansão das relações comerciais britânicas
dependia de uma política de acerto com outras potências535
.
Para a surpresa de todos os envolvidos, a cooperação das grandes potências
na Rodada Uruguai sofreu uma tanto inesperada como bem sucedida oposição dos
países em desenvolvimento que, pela primeira vez, recusaram-se a aceitar o regime
expoliativo proposto. Liderados pela Índia e pelo Brasil, no chamado Grupo dos
Onze, tais países foram contrários à inclusão das chamadas áreas novas sem que
seus setores de maior competitividade relativa no comércio internacional, o agrícola
e o têxtil, fossem incluídos no sistema. Instaurou-se imediatamente grande
acrimônia no GATT. As relações entre países desenvolvidos e em desenvolvimento
tornaram-se não somente álgidas, mas também acerbas. Os EUA, na administração
Reagan, lançaram uma campanha de desestabilização do BrasilCLXXI
, então muito
vulnerável na reconstrução democrática iniciada no governo Sarney, visando sua
exclusão das fontes de financiamento das agências multilaterais de crédito, bem
como adotando uma política de juros predatória destinada a arruinar a economia
brasileira, numa medida comercial inequivocamente característica de estado de
guerra.
No decorrer do impasse, deu-se a queda do muro de Berlim e ocorreu o
colapso da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) que havia induzido
um certo sentido de parcimônia e comedimento aos EUA, em suas relações com o
resto do mundo, em geral, e com os países em desenvolvimento, em particular. A
mudança da situação geopolítica global levou à cessação das resistências às
pretensões dos EUA e seus aliados por parte dos países em desenvolvimento, muitos
dos quais apressaram-se a ceder às exigências formuladas, sem ao menos negociar
as contrapartidas dentro do quadro de negociações da Rodada Uruguai, como foi o
caso de Argentina e Brasil. Restou aos países em desenvolvimento lutar pela maior
juridicidade do sistema multilateral de comércio e aceitar o compromisso de
inclusão efetiva das áreas agrícola e têxtil após um período de desgravação.
Já ao cabo da Rodada, o próprio Banco Mundial e a Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) apontavam os países em
desenvolvimento como perdedores da ronda de negociações. Segundo uma ominosa
CLXX Gladstone, na oposição, declarou em debate na Câmara dos Comuns: Your greatest and most valuable
trade is China is…in opium. It is a smuggling trade…it is the worst, the most pernicious, demoralising and
destructive of all the contraband trades that are carried upon the surface of the globe, in "The Chinese
Opium Wars", Jack Beeching, Hutchinson of London, 1975. CLXXI As ações de desestabilização do governo democrático brasileiro abrangeram organismos multilaterais e
foram inclusive conduzidas pelos serviços de inteligência dos EUA, atuando no Brasil e no exterior.
290
análise do Banco Mundial datada de 1993, os resultados da Rodada Uruguai
beneficiariam em 64% países desenvolvidos, contra 36% para os países em
desenvolvimento536
. A realidade provar-se-ia muito pior. De acordo com um recente
estudo do FMI, os países desenvolvidos ficaram com 73% dos benefícios durante os
subseqüentes 6 anos de vigência da OMC, contra apenas 27% dos países em
desenvolvimento537
. Nota-se que os países em desenvolvimento têm 85% da
população mundial538
.
3.2.1.2. A Organização Mundial do Comércio (OMC)
Com a assinatura dos Tratados da Rodada Uruguai, em 1994, foi criada a
Organização Mundial do Comércio (OMC), que passou a vigorar a partir de 1995,
coexistindo com o tratado do GATT539
. Na ocasião, alardeou-se com gravibundez
que uma nova era de prosperidade mundial tinha sido iniciada. Em todo o mundo em
desenvolvimento, inclusive no Brasil e na Índia, manifestações houve de
importantes lideranças políticas no sentido de que muito se esperava da nova ordem
multilateral de comércio. Ocorre que a fase final das negociações da Rodada
Uruguai foi marcada por uma grande omissão dos países em desenvolvimento, o que
permitiu às principais potências adequar o sistema às suas vontades, culturas e
preferências idiossincráticas. Isto sucedeu-se inclusive no sistema de resolução de
disputas, depositário de todas as esperanças do fim do arbítrio e da iniqüidade no
sistema multilateral de comércio. Assegurado o domínio do sistema pelas potências
hegemônicas, foi ele utilizado no sentido de extração de vantagens nacionais ou
setoriais, em detrimento do interesse coletivo.
De fato, nos cinco anos subseqüentes à fundação da OMC, em 1995, a
prosperidade mundial esteve, mais do que nunca, circunscrita aos países
desenvolvidos, particularmente os EUA e a UE. Contemporaneamente, os países em
desenvolvimento foram vítimas de uma enorme crise de volatilidade financeira
internacional; diminuição de exportações; dramática redução dos preços de suas
mercadorias agrícolas e demais produtos básicos; crises econômicas; e generalizada
desesperança. De acordo com números da OMC, tanto a Ásia como a América
Latina tiveram um pior desempenho no comércio de mercadorias nos quatro anos
subseqüentes a 1995 do que no período precedente540
. Preços de mercadorias
agrícolas caíram consistentemente no período, sendo que mais de 30% somente após
1998541
. Os preços do café caíram 70% desde 1997542
. De acordo com a OMC, a
África e a América Latina dependem em 19% e 36% do setor agrícola em suas
exportações543
. Por sua vez, os agronegócios, no Brasil, respondem por 25% do PIB,
37% do total de empregos e 40% das exportações. Os tímidos progressos
conseguidos na área agrícola durante a Rodada Uruguai e o conseqüente
desequilíbrio gerado no comércio internacional foram peças determinantes para o
agravamento de tais crises.
A participação do Brasil no comércio global caiu de cerca de 1,6% quando do
291
lançamento da Rodada Uruguai em 1986 para 0,8% na virada do século XXI,
quando o Brasil exportou apenas US$ 323 per capita, contra US$ 6.000, em média,
nos países desenvolvidos. Desde a criação da OMC, em 1995, até Dezembro de
2001 o Brasil acumulou um déficit comercial de US$ 21 bilhões, maior do que o
total agregado desde sua independência. Este déficit causou a exportação de mais de
3,5 milhões de empregos. Por outro lado, o crescimento médio da economia
brasileira no mesmo período foi de apenas 2,4%, um dos menores do mundo. Este
crescimento foi mal suficiente para a absorção do incremento populacional e
repercutiu negativamente na criação de mão de obra e assimetricamente na
distribuição de renda, de modo a desfavorecer as classes menos privilegiadas.
Na área de serviços, os países desenvolvidos dominam 70% do mercado
mundial, contra apenas 30% dos países em desenvolvimento. Contudo, esta
desproporção está aumentando velozmente, já que as exportações de serviços dos
países desenvolvidos, desde a conclusão da Rodada Uruguai, crescem em ritmo
muito superior àqueles dos países em desenvolvimento. Assim, no período entre
1995 e 2001, as exportações dos EUA cresceram 10% em média, ao ano, as da UE
7% e as do Japão, 4,5%. Por outro lado, as exportações de serviços da China
cresceram a 1,6% ao ano, as da Índia a 1,2%, as do México a 0,8%, as do Brasil,
0,6%, e as da África do Sul, 0,4%. A continuar esta progressão desproporcional,
brevemente os países em desenvolvimento estarão alijados dos mercados
internacionais de serviços.
3.2.1.3. Princípios que regem o sistema multilateral da OMC544
A ordem jurídica do sistema multilateral de comércio sustentou, desde o seu
início, em 1947, com o GATT, diversos princípios básicos que podem ser
categorizados em três áreas distintas.
A primeira área adota o princípio da não discriminação consagrado pela
cláusula da NMF (nação mais favorecida), que sustenta dever um Estado tratar todos
os demais membros do sistema multilateral de comércio da mesma maneira. Este
princípio basilar evitaria as iniqüidades do comércio favorecido e promoveria a
liberalização generalizada das trocas e, por conseguinte, a prosperidade geral.
A segunda área promove o princípio do mercado aberto, que proíbe todos os
tipos de protecionismo, à exceção das tarifas aduaneiras e, bem assim, proíbe as
barreiras não tarifárias. A terceira área consagra o princípio do comércio eqüitativo e
proíbe, por conseqüência, os subsídios governamentais ilegais e as práticas
predatórias de comércio. Nenhum dos princípios agrupados nas áreas supra
mencionadas é absoluto e um número de exceções é permitido, inclusive aquela
consagrada no artigo 24 do GATT, que permite a formação de zonas de livre
comércio, mercados comuns e uniões aduaneiras.
Assim, as barreiras não tarifárias estão compreendidas dentro da área que
292
agrupa os princípios do mercado aberto. De fato, o artigo 8º do GATT-1947, que
ainda está em vigor, regulamenta as exportações e as importações de maneira a
impedir que taxas e formalidades aplicáveis aos respectivos negócios possam
configurar barreiras não tarifárias ao livre comércio. Dentre tais práticas incluem-se
os certificados e certificações, restrições quantitativas, licenças, controles cambiais e
estatísticas. A ordem jurídica multilateral do comércio requer ainda dos Estados
Membros a administração tanto razoável como imparcial de suas leis, regulamentos,
decisões e julgados aplicáveis ao comércio internacional.
3.2.2. Acordos firmados na Rodada Uruguai
A Rodada Uruguai, ocorrida entre os anos de 1986 a 1994, foi a oitava ronda
de negociações sucessiva no âmbito do GATT e teve como principais desafios
promover o equilíbrio no tratamento dispensado a setores importantes do comércio
mundial que ainda não estavam suficientemente regulamentados: serviços,
agricultura e propriedade intelectual. Com uma duração de 7 anos, as negociações da
Rodada Uruguai resultaram na assinatura, em Marraqueche, no Marrocos, de 12
acordos e 7 documentos de entendimento, além de outros textos complementares,
entre os quais o Acordo Agrícola e o Acordo sobre Medidas Fito e Zoossanitárias,
que viriam a definir a ordem do comércio agrícola mundial.
Através de tais acordos, os países participantes, entre outras coisas,
assumiram o compromisso de reduzir progressivamente os subsídios à produção e
exportação dos produtos agrícolas. Além disso, foram estabelecidos critérios mais
concretos para reduzir a total discricionariamente dos países ao estabelecer
restrições e exigências quando da importação de produtos agropecuários. Até então,
uma falta de uma regulamentação deste ramo do comércio causava ainda mais
imprevisíveis instabilidades e distorções no mercado mundial. Na ausência de
acordos multilaterais, as negociações pela liberalização do comércio de commodities
agropecuárias vinham sendo feitas, mormente de maneira bilateral e regional, não
raro após um período de certa desordem, com retaliações e restrições comerciais. A
inserção de temas agrícolas na Rodada Uruguai visava, pois, minimizar o caos
encontrado no setor. Como visto, todavia, não resolveu os problemas enfrentados
pelos exportadores agrícolas, conforme será detalhado adiante.
3.2.2.1. Situação da Agricultura na Rodada Uruguai545
Nenhuma área do comércio internacional interessa tanto aos países menos
desenvolvidos e aos países em desenvolvimento como o setor da agricultura, o mais
antigo e tradicional comércio conhecido pela humanidade. Assim, nada mais lógico
do que incluir a agricultura no GATT desde o seu início em 1947, certo? Errado!!
Os Estados Unidos da América (EUA), o grande vitorioso da segunda grande guerra
mundial, e então principal econômico do mundo e a força motriz para a liberalização
293
comercial internacional, sob a pressão de seu lobby agrícola, impediram sua inclusão
no GATT 1947, porque isto afetaria a política interna de suporte à agriculturaCLXXII
.
Esta situação foi existente no Artigo XVI, permitindo subsídios para os primeiros e
não para os últimos546
.
Logo após a vigência do GATT 1947, os EUA aprovaram legislação em 1951
visando eliminar a agricultura das negociações internacionais, e assim obtiveram,
em 1955, uma exclusão/ renúnciaCLXXIII
do/ao setor agrícola no âmbito do GATT.
Estava armado o cenário para prática dos maiores abusos comerciais desta
metade do século, sem dúvida em grande parte responsável pela desigualdade entre
os países547
. Durante as negociações da Rodada Uruguai, a questão dos subsídios
agrícolas ficou fora de controle. À época, os fazendeiros norte-americanos recebiam
do governo dos EUA cinqüenta centavos de dólar em subsídios para cada dólar
ganho operacionalmente. No Japão, o fazendeiro ganhava dois dólares em subsídios
para cada dólar trabalhado e o suíço ganhava quatro dólares por um dólar resultante
de sua atividade548
. Os volumes de recursos financeiros destinados a apoiar as
atividades agrícolas domésticas (também um subsídio que distorce o comércio
internacional) ou a declaradamente subsidiar as exportações agrícolas eram e
continuam sendo enormes. Segundo um estudo efetuado pelo governo japonês549
, a
então Comunidade Européia (CE), hoje União Européia (UE), subsidiou seu setor
agrícola em 1991 com nada menos de acerca de US$ 400 bilhões, ou cerca de quatro
vezes a dívida externa brasileira existente à época. De acordo com o mesmo estudo,
os EUA subsidiaram suas exportações agrícolas em 1991 em acerca de US$ 100
bilhões, utilizando-se dos mecanismos do Programa de Aumento de
ExportaçõesCLXXIV
, que oferecia subsídios para exportações destinadas a todos os
países importadores de alimentos, à exceção do Japão e da Coréia do Sul550
.
Segundo o Banco Mundial, o volume de subsídios agrícolas em 1993 chegou a
estarrecedores US$ 477 bilhões551
.
O GATT 1947 fez uma exceção aos seus princípios básicos, para permitir a
prática de restrições quantitativas às importações agrícolas. Assim, a somatória
destes fatores chegou a fazer com que, em qualquer mercado mundial, inclusive o
brasileiro, o gado italiano fosse mais barato que o brasileiro ou canadense; que uma
garrafa de aguardente de cana custasse mais caro para o consumidor europeu que
uma garrafa de uísque escocês, e assim por diante. Apesar do compromisso
assumido para a Rodada Uruguai de não alterar o quadro de vantagens relativas, os
países da OCDE aumentaram em 30% o nível de subsídios de 1991 para 1992. Estes
CLXXII Nos EUA, o poder de celebrar atos internacionais comerciais é de competência do congresso. A autorização para negociar o GATT 1947 foi dada pelo Ato de Comércio de 1945 (Trade Act of 1945) pelo
período de três anos. V., para melhores esclarecimentos a respeito da bizarra política comercial americana, o
excelente Trading Free – The GATT and US Trade Policy, por Patrick Low, 2oth Century Fund Book, Nova
Iorque, 1993. CLXXIII Em inglês, Waiver. CLXXIV Em inglês, Export Enhacement Program, (EPP).
294
subsídios, na média dos 24 países membros da OCDE, equivaliam à época a 44% da
produção agrícola552
.
Estes subsídios eram tão significativos que implicaram em uma redução de
acerca de 20% nos preços agrícolas mundiais de 50% nos preços dos laticínios e,
alijando-os dos mercados internacionais, acarretaram uma perda irreparável aos
países em desenvolvimento. Somente a Argentina teve um decréscimo anual de US$
2,4 bilhões em suas receitas agrícolas, por conta de subsídios praticados por outros
países, o que excedeu o serviço anual de sua dívida externa na década de 80553
. Os
prejuízos para o Brasil, país que não só não pratica subsídios, mas que também
tributa seus produtos agrícolas até para a exportaçãoCLXXV
, são seguramente pelo
menos duas vezes maiores554
.
De 1980 até 1993, a agricultura na América Latina cresceu a uma taxa média
de 2% ao ano, tendo tal crescimento resultado quase que exclusivamente do
aumento de produtividade e não da expansão das áreas plantadas555
. Por outro lado,
desde 1980, os preços médios de mercadorias caíram pela metade em termos reais,
devido principalmente às irresponsáveis políticas de subsídios praticadas pelos
países desenvolvidos. Isto representou uma perda para os países em
desenvolvimentos de US$ 100 bilhões em 1993, mais do que o dobro do que
receberam em ajuda externa556
. No mesmo período, as perdas brasileiras e
argentinas equivaleram ao serviço das respectivas dívidas externas557
, na França a
participação da agricultura no PIB, alavancada pelos subsídios objeto da Política
Agrícola Comum, dobrou de tamanho para representar 10%!
Importância do Comércio Agrícola
(em 1992)
País Participação das
exportações agrícolas *América do Norte 14%
América Latina 25%
Europa Ocidental 2%
Europa Oriental 12%
África 16%
Oriente Médio 3%
Ásia 9%
Total no Mundo 12%
* no total das exportações do Brasil
Fonte: GATT
Os subsídios comprovadamente não só distorcem o comércio mundial; como
penalizam o consumidor e o contribuinte interno; e promovem a imoralidade e a
CLXXV O Brasil é o único país das grandes economias a tributar as exportações com o ICMS a uma taxa média
de 8,08%, conforme matéria intitulada “$8 billion tax burden” publicada pela edição internacional de Gazeta
Mercantil de 6 de Junho de 1994.
295
fraude em escalas globais. Segundo um estudo da Organização para Cooperação
Econômica e Desenvolvimento (OCED ou OCDE), foram pagos subsídios, de
acordo com a Política Agrícola Comum (PAC) da UE, no ano de 1993, o
equivalente a US$ 15.400,00, por cada trabalhador rural ali em atividade, o custou a
cada pessoa residente na UE, no referido ano, US$ 385,00558
. No tocante às fraudes,
somente na Itália, aquelas pertinentes a subsídios atingiram no ano de 1992,
computando-se apenas as que foram descobertas, o estarrecedor montante de US$
100 milhões559
. Mamma mia!!
Do acima exposto, se pode depreender a enorme importância que se deu,
durante a Rodada Uruguai, à questão dos subsídios agrícolas e da agricultura em si.
Os conflitos resultantes de posições divergentes contribuíram sensivelmente para a
conclusão da Rodada e, em mais de uma ocasião, quase significaram o seu fracasso.
O declínio relativo da economia norte-americana (de 17% das exportações mundiais
em 1950 para 11% em 1980)560
com a conseqüente incapacidade de os EUA
vencerem a guerra dos subsídios, contribuiu para colocar este país em uma posição
de apoio relativo à liberalização do setor.
A pressão notável para a liberalização área agrícola veio do chamado grupo
CairnsCLXXVI
, que se negou a considerar qualquer dos textos dos outros quatorze
grupos de trabalho, sem que houvesse um texto para a agricultura. E foi a questão
agrícola que, até o final, ameaçou a conclusão da Rodada, devido ao impasse havido
entre a UE, de um lado, e os EUA e o Grupo Cairns, de outro, que foi solucionado
pela reunião de Blair Flouse, nos EUA, em 1993, para ser ainda sujeita a ataques de
franco atirador por parte da França, pouco antes de seu fechamento.
3.2.2.2. O Acordo sobre Agricultura561
Com a perda da vexatória e embaraçosa (porém lucrativa) posição de líder
mundial dos subsídios agrícolas para a União Européia, os EUA alteraram sua
política de exclusão do setor agrícola do âmbito do GATT, hipócrita e imoralmente
mantida desde 1951, para favorecer uma certa liberalização do setor agrícola
patrocinada pelo GATT. Esta mudança de postura face à liberalização agrícola teve
o objetivo muito pragmático da manutenção, por um determinado período de tempo,
como veremos adiante, das condições relativas de competitividade dos EUA com a
UE observadas no final da Rodada Uruguai.
O ACORDO AGRICULTURA, um dos tratados da Rodada Uruguai, se teve
o mérito de, pela primeira vez desde o velho GATT em 1947, tratar dos produtos
agrícolas. Mesmo com uma motivação fundamentalmente hipócrita e egoísta, tal
mudança de política permitiu aos verdadeiros defensores do livre comércio o
patrocínio de medidas que, se não corrigem as enormes distorções neste setor, que é
CLXXVI Constituído em 1986 por Brasil, Argentina, Austrália, Canadá, Chile, Colômbia, Fiji, Filipinas,
Hungria, Indonésia, Malásia, Nova Zelândia, Tailândia e Uruguai.
296
de fundamental importância para os países em desenvolvimento, estabelecem
controles e meios para a obtenção de futuros progressos. Por essa razão, depositou-
se muita esperança na possibilidade de que o ACORDO AGRICULTURA se
mostrasse em um futuro de médio prazo como um verdadeiro divisor de águas entre
uma situação de anomia, além de bizarra iniqüidadeCLXXVII
, e um porvir do império
da lei no comércio internacional de produtos agrícolas.
Devido ao seu caráter evidentemente transitório, o ACORDO
AGRICULTURA traz dispositivos no sentido de que certos remédios disponíveis
nos termos do Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias não seriam
aplicáveis com relação a algumas políticas de apoio interno e subsídios à
exportação, que seriam mantidos de conformidade com os compromissos assumidos,
durante o período de implementação. Assim e durante o mesmo prazo, o ACORDO
AGRICULTURA trouxe um entendimento de contenção e moderação no uso dos
direitos compensatórios conferidos pelo GATT 1994 e aplicáveis ao setor.
Foi criado um Comitê sobre Agricultura, que ficou encarregado do
acompanhamento do progresso na implementação dos compromissos negociados na
Rodada Uruguai e objeto do ACORDO AGRICULTURA. A resolução de disputas
na área dar-se-á de acordo com as disposições do Entendimento sobre Regras e
Procedimentos Governando a Resolução de DisputasCLXXVIII
. Mais uma vez
reconhecendo o seu caráter provisório e seu objetivo de longo prazo, o ACORDO
AGRICULTURA apresenta-se como parte de um processo continuado com o
objetivo de obter progressivas reduções em apoio e em proteção e estabeleceu um
prazo de 5 anos para o início de negociações compatíveis com a consecução de tais
propósitos.
No entanto, os avanços conquistados com a aprovação do seu texto final
acabaram por se mostrar limitados no que diz respeito à moralização do comércio
internacional de produtos agropecuários, na medida em que não resolveu o problema
das barreiras comerciais e permitiu a manutenção do escandaloso sistema de
subsídios praticado pelos países desenvolvidos, no patamar devastador de mais de
US$ 1 bilhão por dia.
O ACORDO AGRICULTURA traz, já em sua consideranda, quais sejam os
seus principais campos de abrangência: a) acesso a mercado; b) apoio doméstico; e
c) subsídios à exportação. Esse acordo cobre quase todos os produtos agropecuários,
à exceção de peixes, couros, peles, borracha natural e seda.562
CLXXVII Uma estória provavelmente apócrifa, dá conta que analisando o comércio internacional de produtos agrícolas é que Aristóteles Onassis teria inventado a sua célebre mássima: There is only one rule: there are no
rules. CLXXVIII Em inglês, Understanding on Rules and Procedures Governing the Settlement of Disputes, (DSU).
297
3.2.2.2.1. Acesso a Mercados
Uma importante frente de atuação da Rodada Uruguai foi buscar a ampliação
do acesso aos mercados de produtos agropecuários, através tanto da redução das
tarifas de importação, como dos sistemas de quotas de importação e de outras
barreiras não tarifárias. Os países desenvolvidos firmaram o compromisso de reduzir
as tarifas de importação em 36% em média por produto até 2004, tendo sido
garantidas exceções para determinados produtos sensíveis, que poderiam ter suas
tarifas reduzidas em apenas 15%.
Quanto às barreiras não tarifárias, a solução encontrada foi a de estabelecer
critérios para quantificá-las, a fim de estabelecer uma base objetiva para a sua
redução. Essa iniciativa seria implementada a partir do conceito de tarificação das
barreiras não tarifáriasCLXXIX
, que, por ter exceções, ainda não é amplo, geral e
irrestrito. Por barreiras não tarifárias devem-se entender: a) restrições quantitativas
às importações; b) tarifas variáveis de importação, c) preços mínimos de importação;
d) licenças de importação discricionárias; e) restrições ao comércio estatal; e f)
acordos de restrição voluntária à exportaçãoCLXXX
. A partir de critérios técnicos,
estas barreiras puderam ser convertidas em tarifas, o que representou uma das
maiores conquistas do Acordo Agrícola.
Assim, na medida em que barreiras não tarifárias tivessem sido tarificadas,
em tese, um retrocesso não seria possível. As tarifas resultantes deste processo,
assim como as outras aplicáveis a produtos agrícolas deveriam ser reduzidas em
36% em média, no caso dos países desenvolvidos e em 24%, em média, no caso dos
países em desenvolvimento. Tais reduções deveriam ser efetuadas em um prazo de
seis anos no caso dos países desenvolvidos e de dez anos no caso dos países em
desenvolvimento, a contar da assinatura do acordo, em 1994. Aos países menos
desenvolvidos não seria exigida a redução tarifária na área.
De qualquer forma, sendo os compromissos de redução consistentes em
percentuais, o problema enfrentado pelos grandes exportadores agrícolas não foi
resolvido, pois as tarifas altíssimas praticadas pelos EUA, UE e Japão,
especialmente, permanecem altas, o que implica a manutenção da situação
desvantajosa enfrentada por países, como o Brasil, quando da comercialização de
produtos agrícolas. Isso ocorre notadamente no caso de produtos hipertarifados,
como é o caso do tabaco e do suco de laranja nas exportações para os EUA, ou do
arroz, no caso do Japão.
O pacote de tarificação do ACORDO AGRICULTURA também prevê a
manutenção das oportunidades existentes de acesso a mercado, e o estabelecimento
de tarifas reduzidas de acesso, sempre que a participação do produto importado seja
CLXXIX Em inglês, non tariff barriers, (NTBs). CLXXX Denominados em inglês, export restraint agreements, (ERAs), ou ainda voluntary export restraints
(VERs).
298
menos de 3% do mercado de consumo doméstico do país importador. Este piso seria
expandido para 5% durante o período de implementação e seria protegido por
medidas de salvaguarda sempre que houvesse um surto de importações que o supere.
As exceções ao processo de tarificação, mencionadas acima, foram
introduzidas como tratamento especial para qualquer produto primário ou semi-
elaborado que qualifique de acordo com as condições abaixo:
a) que a importação de tais produtos tenha representado menos de 3% do
consumo doméstico no período base de 1986 a 1988;
b) que nenhum subsídio à exportação tenha sido dado a tais produtos desde
1986;
c) medidas efetivas de restrição à produção sejam aplicadas ao produto
primário;
d) tais produtos reflitam fatores não comerciais como segurança alimentar ou
proteção ambiental; e
e) acesso mínimo do produto é estabelecido em 4% do consumo doméstico
do produto em questão, no primeiro ano do período de implementação, sendo em
seguida aumentado em 0,8% por ano pelo restante do período de implementação.
Também no campo das exceções, situam-se os alimentos básicos objeto de
dieta tradicional de um país em desenvolvimento, quando a importação respectiva
poderá ser restrita pelas autoridades governamentais respectivas, desde que
oportunidades de acesso tenham sido conferidas a outros produtos, nos termos do
ACORDO AGRICULTURA563
.
3.2.2.2.2. Apoio Doméstico
O ACORDO AGRICULTURA tem o grande mérito de procurar
regulamentar a prática do apoio doméstico, que freqüentemente é usado para
acobertar subsídios distorcivos velados. Esse acordo classificou as medidas de apoio
em diversas categorias na parte IV do seu Anexo 2, estabelecendo diferentes graus
de compromisso de redução.
A doutrina também classificou as medidas de apoio em caixas (verde,
amarela, vermelha, azul e S&D) de acordo com o seu potencial distorcivo sobre o
comércio. Convencionou-se que na Caixa Verde estariam compreendidas as
medidas custeadas pelos governos que não impliquem transferências ao consumidor
e com pequeno impacto distorcivo nos níveis de produção e no comércio. Nela estão
englobadas medidas como seguro de produção e de renda, pesquisa e extensão rural,
controle de doenças e pragas, conservação ambiental, etc., que não estão sujeitas a
compromisso de redução.564
A Caixa Amarela, ou âmbar, compreende medidas como subsídios aos
insumos, suporte de preços e pagamento por área cultivada, que distorcem o
299
mercado e os níveis de produção. Por esse motivo, o acordo prevê a sua redução
progressiva, tendo como base o período 1986-88. Pelo ACORDO AGRICULTURA,
os países desenvolvidos deveriam reduzir os gastos com a Caixa Amarela em 20%
até o ano de 2000, sendo que os em desenvolvimento teriam o prazo até 2004 para
proceder a uma redução de 13,3%. Para os países que não declararam quais eram as
suas medidas de apoio na Rodada Uruguai, estabeleceu-se um limite mínimo (de
minimis), consistente em 5% das exportações anuais de produtos agrícolas, no caso
de países desenvolvidos, e de 10% para os países em desenvolvimento. Ficou
convencionado ainda que as políticas antidumping, preferenciais e de subsídios que
ficassem dentro deste limite seriam admitidas.565
A Caixa Azul compreende medidas que, assim como a Caixa Amarela,
distorcem o comércio. Contudo, elas são admitidas enquanto exceções à regra. A
criação da Caixa Azul tinha como intuito permitir o gradual abrandamento da
Política Agrícola Comum da UE.
Algumas outras medidas de maior efeito sobre o comércio de produtos
agrícolas, estas praticadas por países em desenvolvimento, também foram
excetuadas do comprometimento de redução, as quais enquadram-se na Caixa S&D
(Tratamento Especial e Diferenciado). Todavia, esta caixa acaba nem sendo usada
da forma como da forma prevista, pois os países em desenvolvimento não costumam
oferecer subsídios aos seus produtores, sobretudo pela impossibilidade orçamentária.
Por fim, criou-se também a figura da Caixa Vermelha, que abrangeria as
medidas de apoio interno com maior potencial distorcivo sobre o comércio,
consideradas ilegais do ponto de vista do direito do comércio internacional. No
entanto, até hoje, nenhuma medida de apoio interno foi classificada como sendo da
caixa vermelha.566
Para mensurar o apoio doméstico, foi criado o cálculo denominado Medida
Agregada de Apoio (MAACLXXXI
), que quantifica expressão monetária do suporte
doméstico. O ACORDO AGRICULTURA previu uma redução progressiva da
MAA, na ordem de 20% para os países desenvolvidos e de 13% para os países em
desenvolvimento, durante o período de implementação. O cálculo da MAA seria
efetuado individualmente para cada produto recebedor de apoio de preço,
pagamentos diretos não isentos ou qualquer outro subsídio não isento do
compromisso de redução. Para o cálculo, seriam incluídos os apoios nacionais e
subnacionais e deduzidos os impostos e taxas pagos pelos produtoresCLXXXII
. O
preço fixo de referência seria aquele apurado entre os anos de 1986 e 1988. Foi
assim que o ACORDO AGRICULTURA permitiu a quantificação de uma MAA
para cada produto específico, expressa em termos de valoração monetária.
Todavia, apesar dos avanços representados por essa regulamentação do
CLXXXI Em inglês, aggregate measure of support, (AMS). CLXXXII Este é um ponto de grande interesse para o Brasil aonde, desgraçadamente, a agricultura é
pesadamente tributada.
300
mercado agrícola, o sistema ainda é falho, de forma que os países desenvolvidos,
especialmente a UE e os EUA, têm se aproveitado da imprecisão dos critérios para a
classificação das medidas como forma de se esquivar dos comprometimentos de
redução de subsídios assumidos na Rodada Uruguai. Assim, desde a assinatura do
ACORDO AGRÍCOLA, o que se pôde observar foi uma franca migração das
medidas distorcivas praticadas por esses países da Caixa Amarela para verde de
forma indiscriminada. Os progressos práticos foram, portanto, bastante restritos,
verificando-se que o volume de subsídios acabou não sendo reduzido, persistindo as
dificuldades para o acesso aos principais mercados agrícolas do mundo.
Teto¹ Uso atual² Teto Uso atual
67,2 43,7 19,1 14,4
12,2 0,54 9,9 6,8
12,2 22,2 9,9 -
91,6 66,4 38,9 21,2
73,3 - 31,1 -
7,5 2,6 0,6 0,1
U.E. (€ bilhões) EUA (US$ bilhões)UE e EUA: teto acordado e uso corrente de
subsídios domésticos e de exportação
Apoio Interno distorcivo
De Minimis**
Caixa Amarela (AMS)*
Caixa Azul***
**** Compromisso Inicial: limite de gastos em subsídios distorcivos no 1º ano de implementação do novo
acordo, equivalente a 80% d asomatória das 3 modalidades de subsídios apresentados na tabela
* Caixa Amarela (AMS): pagamentos de garantias de preços e renda direcionados a produtos específicos e
conectados com um nível corrente de produção
Fonte: Marcos Sawaya Jank apud O Estado de São Paulo, 03/08/2004, pág. A2.
TOTAL
Compromisso Inicial****
** De Minimis: pagamentos distorcivos não direcionados a produtos específicos e que representam menos de
5% do valor da produção agropecuária total
*** Caixa Azul: pagamentos distorcivos de compensação de renda desconectados do nível corrente de
produção e agora limitados a 5% do valor da produção agropecuária total
¹ Teto: limites para cada modalidade de subsídios distorcidos no 1º ano de implementação do novo acordo
² Uso atual: valores constantes na última notificação apresentada à OMC (ano de 2000 para UE e 2001 para
os EUA).
Subsídios à exportação
3.2.2.2.3. Subsídios à exportação
Levando-se em consideração a dimensão do escândalo que se tornou a
questão dos subsídios à exportação, a liberalização proporcionada pelo ACORDO
AGRICULTURA até que é modesta com a redução contemplada de 36% no critério
ad valorem e de 21% no critério quantitativo de exportações subsidiadas, calculados
com base no período de 1986 a 1990CLXXXIII
, que deveria ser obtida durante os seis
anos do período de implementação, para os países desenvolvidos. Para os países em
desenvolvimento, as reduções seriam de dois terços daquelas para os países
desenvolvidos, a serem obtidas durante um prazo de dez anos. Os países menos
desenvolvidos não terão restrições.
São os seguintes os subsídios sujeitos aos compromissos de redução
CLXXXIII Em certos casos, quando o volume de exportações subsidiadas tiver sido superior no período de 1991-
1992, este poderá ser utilizado como base de cálculo. Esta foi uma das vergonhosas concessões que se fez à
França para que se pudesse finalmente chegar a Rodada Uruguai.
301
mencionados acimaCLXXXIV
:
a) o pagamento de subsídios diretos contingentes ao desempenho na
exportação;
b) a venda ou alienação para exportação, pelos governos ou suas agências, de
estoques não comerciais agrícolas por um preço abaixo daquele do mercado
doméstico;
c) financiamentos à exportação por parte do governo, incluindo aqueles
financiados por tributos;
d) pagamentos para reduzir o custo de publicidade, manuseio, processamento,
transformação, transporte ou frete de produtos agrícolas destinados à exportação;
e) condições melhores, proporcionadas pelos governos, para o transporte
interno de produtos destinados à exportação;
f) subsídios para produtos agrícolas contingentes à sua incorporação a
produtos destinados à exportação.
O ACORDO AGRICULTURA dispõe ainda que os subsídios não elencados
no item acima não serão utilizados para frustrar a realização dos compromissos
referentes a subsídios a exportações, da mesma forma que operações comerciais não
deverão ser utilizadas para circunventar tais obrigações. A questão, de fundamental
importância, pertinente aos créditos a exportação, garantias de créditos a exportação
e dos programas de seguro, lamentavelmente ficou para futuro
desenvolvimentoCLXXXV
.
Por essa e por outras razões, questiona-se se a conclusão do ACORDO
AGRICULTURA realmente trouxe avanços para o comércio de produtos agrícolas.
Os subsídios à exportação, sempre foram vistos como ilegítimos, em virtude das
distorções que implicam diretamente no mercado internacional, sendo inclusive
proibidos pelo Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias, também firmado
na Rodada Uruguai. Todavia, o ACORDO AGRÍCOLA admitiu o seu uso no setor
agropecuário, estabelecendo apenas a sua redução. Em virtude destes termos, os
EUA adquiriram o “direito” de subsidiar, durante o período de implantação do
acordo, seus produtores com um montante anual decrescente, que começou em US$
21 bilhões e deveria chegar a US$ 19 bilhões no ano 2004. A UE, do seu lado
deveria reduzir estas medidas de apoio para cerca de US$ 49 bilhões ao ano.
Enquanto isso, os países pobres que pouco subsidiavam sua produção permaneceram
com um teto irrelevante em termos comparativos. No caso do Brasil, os subsídios
deveriam ser reduzidos de US$ 96 milhões para US$ 73 milhões.
CLXXXIV Durante o período de implementação, os países em desenvolvimento estarão isentos das obrigações objeto dos itens “d” e “e” infra, desde que não sejam utilizados para frustrar os compromissos de reduções
assumidos. CLXXXV É sabido que inúmeras modalidades de créditos governamentais à exportação distorcem o livre
comércio.
302
3.2.2.2.4. Medidas compensatórias e a Cláusula da
Paz
A partir das negociações realizadas na Rodada Uruguai, também foram
estabelecidas regras para a aplicação de medidas compensatórias pelos países que se
virem prejudicados em razão de políticas de subsídios patrocinadas por outros
países. Contudo, a aplicação das medidas compensatórias está adstrita aos limites da
chamada “Cláusula da Paz”, que impõe a observação do princípio da moderação
(due restraint).
A Cláusula da Paz esteve em vigor até 31 de dezembro de 2003, e, na prática,
impediu o questionamento perante a OMC de diversas medidas abusivas adotadas
por alguns de seus países membros sobre o setor agrícola. Os subsídios da Caixa
Amarela e Azul somente poderiam ser acionados se não atendidos os níveis de
comprometimento assumidos pelos países membros da OMC. Os da Caixa Verde,
por sua vez, ficaram imunes.
Observou-se, pois, sérias dificuldades para coibir ofensas aos compromissos
assumidos no ACORDO AGRICULTURA, sobretudo quando se tratavam de
subsídios com características típicas da Caixa Amarela e que passaram a ser
realocados na Caixa Verde por potências econômicas e agrícolas como os EUA e a
UE. Em relação aos EUA de 1999 até o final do período de implementação da
Rodada Uruguai, as medidas de apoio interno não só não caíram como chegaram,
inclusive, a apresentar um ligeiro crescimento, passando de US$ 24,4 bilhões por
ano para US$ 24,5 bilhões. Na prática, isso ocorreu pela falta de critérios objetivos
para a classificação das medidas de apoio interno e pela existência da Cláusula da
Paz, que impediu que os prejudicados se insurgissem contra tal tipo de
comportamento. Astuciosamente e sem muita discrição, os EUA acabaram por
transferir pagamentos verdadeiramente enquadrados na Caixa Amarela para a Caixa
Azul, assim como fez a UE.
Da mesma forma, os subsídios indevidamente enquadrados na Caixa Verde
também ficaram imunes a questionamentos, pois seria necessário comprovar que o
subsídio era da caixa amarela e, para tanto, o interessado teria que comprovar o nexo
de causalidade entre o subsídio e o prejuízo. Isso é extremamente difícil, sobretudo
em virtude da complexidade dos temas, além dos custos e riscos inerentes a um
litígio comercial no âmbito da OMC.
Note-se que, com a expiração da Cláusula da Paz no final de 2003, diversos
países agrícolas, tais como o Brasil, Argentina e Austrália, passaram a recorrer ao
órgão de resolução de disputas da OMC contra algumas das mais perniciosas
políticas agrícolas praticadas pela UE (no caso do açúcar) e dos EUA (algodão),
obtendo vitórias devastadoras sob o aspecto moral mas, cujas conseqüências práticas
e comerciais ainda não se pode determinar com exatidão. A leitura feita pelos
303
analistas, contudo, indicam que tais vitórias poderiam auxiliar, ao menos, como
forma de pressão pela abertura do mercado agrícola mundial, ante o risco agora mais
visível do surgimento de uma avalanche de novas disputas e condenações no âmbito
da OMC.
3.2.2.2.5. Considerações finais sobre o Acordo
Agricultura
Doze anos após a celebração dos Tratados de Marraqueche, os efeitos do
ACORDO AGRICULTURA na redução aos subsídios foram pífios. Isso se deu, de
um lado, devido ao fato de que as bases de cálculo para desgravação dos subsídios
foram inflacionadas fraudulentamente pelos países desenvolvidos. Por outro lado, a
própria formatação do tratamento da questão, favorável ao regime dos subsídios,
impediu sua redução, dando conta de que as tratativas preliminares, que dão a
formatação do conteúdo dos tratados, freqüentemente são tão ou mais importantes
quanto as negociações finais. O Acordo Agricultura é um eloqüente exemplo desse
enunciado.
Lamentavelmente, a situação cristalizada pelo ACORDO AGRICULTURA
manteve praticamente inabalada a vantagem comparativa dos produtores da UE e
dos EUA no comércio de produtos agrícolas, de vez que as reduções acordadas não
serão suficientes para eliminá-la. Já no final da Rodada Uruguai quando se discutia a
minuta Dunkel, que tinha um projeto mais ambicioso de cortes nos subsídios
agrícolas do que aquele que foi finalmente acordado, a União dos Fazendeiros do
Reino Unido chegava à conclusão de que a maior parte dos produtos da UE contaria
com um razoável grau de proteção até o final do século XX, o que de fato veio a se
concretizarCLXXXVI
. Na realidade, a previsão acabou por se mostrar até otimista
demais (sob o ponto de vista dos países em desenvolvimento), haja vista que,
quando da conclusão deste trabalho, mesmo após importantes vitórias contra os
subsídios no órgão de resolução de disputas da OMC, ainda não havia perspectivas
concretas de redução da política escandalosa de subsídios agrícolas praticadas
sobretudo por EUA e UE.
3.2.2.3. Acordo Sanitário e Fitossanitário
O acordo sobre a aplicação de Medidas Sanitárias e FitossanitáriasCLXXXVII
,
denominado também pela abreviação “SPS”, derivada da língua inglesa, e doravante
designado simplesmente ACORDO SPS, é pertinente à regulamentação sobre a
qualidade de alimentos e saúde animal e vegetal. O ACORDO SPS reconhece a
soberania dos estados membros (“sic”) na regulamentação das medidas sanitárias e
CLXXXVI GATT: The Washington Agreement, briefing by the National Farmers Union of the United Kigndom,
1992. CLXXXVII Em inglês, Agreement on the Application of Sanitary and Phyto Sanitary Measures.
304
fitossanitárias, mas procura assegurar que tais medidas sejam utilizadas somente
com tais propósitos, e não para a discriminação de membros quando condições
idênticas ou semelhantes ocorram. O ACORDO SPS é bem-vindo. De fato, normas
sanitárias e fitossanitárias vinham sendo utilizadas como barreiras não tarifárias para
acesso a certos mercados. É o tipo de barreira que o Brasil encontra para exportar
carne bovina não processada para os EUA ou frutas para o Japão.
Evidentemente que não se pode reprimir a utilização abusiva de medidas SPS
sem uma harmonização internacional dos padrões. Assim, o ACORDO SPS
encoraja os estados membros a basear as medidas internas em padrões,
recomendações e diretrizes internacionais, sempre que elas exijam. Os membros
podem, todavia, manter ou introduzir alterações que importem em critérios mais
elevados, mas sempre baseados em justificação científica, e desde que não
inconsistentes com qualquer dispositivo do ACORDO SPS.
O ACORDO SPS dispõe ainda que os estados membros deverão, dentre os
limites de seus recursos, participar nas organizações internacionais relevantes e seus
órgãos subsidiários, em particular na Comissão Codex Alimentarious; o Escritório
Internacional de Epizoótica; na organização operando dentro do escopo da
Convenção Internacional de Proteção às Plantas.
Os estados membros deverão aceitar as medidas SPS de outros membros
como equivalentes, mesmo se tais medidas diferirem das próprias ou daquelas
utilizadas por outros membros mercanciando o mesmo produto, se o exportador
demonstrar objetivamente ao importador que suas medidas atingem o grau de
proteção apropriado do membro importador. Para tal propósito, o membro
exportador deverá dar aceso razoável ao membro importador para testes, inspeção e
outros procedimentos relevantes. O ACORDO SPS, procura ainda promover
consultas entre os estados membros para obtenção da equivalência bilateral ou
multilateral de medidas específicas.
Um capítulo importante de ACORDO SPS diz respeito à determinação de
risco e do grau apropriado de proteção SPS que deverão levar em consideração o
objetivo de minimizar os efeitos negativos ao comércio. Na determinação do risco,
os estados membros levarão em consideração evidência científica disponível;
processo e meios de produção relevantes; inspeção; métodos de amostragem e
análise; prevalência de doenças ou pestes específicas; condições ecológicas e
ambientais, quarentenas e outros tratamentos.
Não menos importante é o dispositivo do ACORDO SPS que trata sobre a
transparência, determinado que os estados membros deverão notificar as mudanças
nas suas medidas sanitárias ou fitossanitárias aos demais. Este dispositivo deveria
ser um princípio básico da GATT, o da transparência, segundo o qual as leis e
regulamentos de um estado devem estar disponíveis para consulta pelos
305
demais.CLXXXVIII
Foi criado um Comitê para Medidas Sanitárias e Fitossanitárias para
promover um fórum de consultas, desempenhando as funções necessárias para a
implementação do disposto no ACORDO SPS, principalmente no tocante à
harmonização as regras no setor e coordenação com outras agências internacionais.
Estabeleceu-se que as decisões do comitê são tomadas por consenso.
Eventuais disputas ou desentendimentos com base no ACORDO SPS serão
resolvidas mediante a aplicação das normas do Entendimento sobre as Regras e
Procedimentos Governando a Resolução de DisputasCLXXXIX
, porém o acordo
permite igualmente a resolução de disputas em outros foros internacionais.CXC
Todavia, este acordo também acabou por esbarrar em entraves relacionados à
falta de clareza na regulamentação. Mesmo levando-se em conta que o ACORDO
SPS deixou claro que nenhum signatário pode bloquear as importações sem
justificativa cientificamente comprovada, ainda hoje esses mecanismos são
utilizados como ferramenta do protecionismo, visando criar dificuldades adicionais
para a importação de produtos agropecuários. Essa fraude ao sistema é conseguida
em função da complexidade das questões técnicas envolvidas, que geram sérias
dificuldades aos exportadores prejudicados para questionar tais barreiras não
tarifárias.
3.2.2.3.1. Codex Alimentarius
Tanto o Acordo SPS, como o Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio
reconheceram a utilidade do Codex Alimentarius enquanto referência para facilitar
o comércio internacional e resolver litígios comerciais. Trata-se de um conjunto de
normas alimentares (237 normas para produtos alimentícios, 41 códigos de práticas
de higiene além de avaliações de 185 pesticidas com a determinação de 3274 LMRs,
54 medicamentos de uso veterinário e estudos de 1005 aditivos)567
internacionalmente reconhecidas que foram criadas em 1962 pela Organização
Mundial de Saúde (OMS), em conjunto com a Organização das Nações Unidas para
Alimentação e Agricultura (FAO), com a Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico (OCDE) e com o Conselho do Codex Alimentarius
Europeu. O Codex Alimentarius volta-se para o estabelecimento de especificações
quanto à higiene dos alimentos, aditivos alimentares, resíduos de pesticidas,
contaminantes, rotulagem, etc.
Apesar de suas disposições terem cunho meramente recomendatório, o Codex
CLXXXVIII Para maiores detalhes sobre os princípios do GATT, V. “GATT, MERCOSUL & NAFTA”, por
Durval de Noronha Goyos Jr., Observador Legal Edito, São Paulo, 1993. CLXXXIX Em inglês, Understanding on Rules and Procedures Governing the Settlement of disputes (DSU). CXC V. capítulo próprio nesta obra sobre a questão da resolução de disputas na OMC e sua respectiva
regulamentação.
306
tem se mostrado muito útil enquanto fonte de consulta e ponto de referência nas
negociações de acordos comerciais, inclusive do MERCOSUL. O reconhecimento
das suas disposições generalizou-se, de tal forma que o código é usado como base
nos julgamento de disputas comerciais. Contudo, os países desenvolvidos nem
sempre aceitam a aplicação de suas recomendações e, muitas vezes, optam por
impor criar outras exigências nos processos de importação de mercadorias
agropecuárias.
3.2.2.4. Acordos da OMC relacionados a Defesa Comercial
A tendência de consolidação de tarifas baixas favorece os países possuidores
das vantagens comparativas e fomenta o desenvolvimento de todos os envolvidos.
Todavia, a exposição da economia nacional à concorrência externa também pode
causar graves danos à indústria doméstica e desestabilizar todo um setor produtivo,
caso a mesma não disponha de condições para reagir à concorrência dos produtos
importados. Por isso, atentos às dificuldades enfrentadas por seus setores produtivos,
governos em todo o mundo monitoram as condições em que as mercadorias
estrangeiras chegam ao país, a fim de tomar medidas para proteger a sua economia,
caso fiquem configuradas determinadas situações.
Dentro desse contexto, foram criados os mecanismos de defesa comercial,
direcionados a interferir no fluxo de importações e neutralizar os efeitos de práticas
consideradas desleais no comércio internacional, sejam elas executadas por
empresas (dumping) ou governos (subsídios) estrangeiros. Esse tipo de intervenção
do Governo na economia se dá através da imposição de direitos antidumping e de
medidas compensatórios, instrumentos reconhecidos internacionalmente como
sendo uma legítima defesa, eis que, em tese, atingem somente os transgressores das
normas internacionais de comércio. Também foi criado um outro mecanismo, este
denominado salvaguarda, voltado para garantir condições de proteção temporária à
indústria doméstica (incluindo as atividades agropecuárias) para casos em que
determinado setor produtivo esteja em apuros em virtude de um aumento repentino
das importações, ainda que não seja resultante de práticas desleais de comércio.
Ocorre que esses mecanismos de defesa comercial, freqüentemente, passaram
a ser desvirtuados por muitos países, e passaram a ser usados com a clara finalidade
de substituir o papel protecionista das tarifas de importação, cada vez menores em
virtude da liberalização do comércio internacional. Este comportamento tornou-se
corriqueiro especialmente por parte dos países desenvolvidos como os EUA,
aproveitando-se do fato de que as economias menores têm grandes dificuldades
técnicas e orçamentárias para se defenderem nos longos e dispendiosos processos
administrativos e judiciais relacionados aos instrumentos de defesa comercial, que,
em regra, tramitam perante os órgãos oficiais dos países importadores.
A Rodada Uruguai deu uma demonstração do interesse da comunidade
internacional em preservar e fortalecer o multilateralismo na liberalização do
307
comércio internacional e em estabelecer normas mais claras e uniformes para a
adoção de medidas restritivas das importações. Neste contexto é que foram
assinados os Acordos Antidumping, de Subsídios e Medidas Compensatórias e de
Salvaguardas, aos quais o Brasil aderiu através do Decreto 1355/94, que promulgou
a Ata Final da Rodada Uruguai. Como conseqüência destes acordos, caso as
medidas de defesa comercial aplicadas sejam consideradas ilegítimas pelos
prejudicados, o país que aplicou a medida defensiva terá que prestar informações em
pedidos de consulta e, eventualmente, sustentar suas posições nos painéis da OMC.
No Brasil, desde 1995, o órgão encarregado de promover a defesa comercial é
o Departamento de Defesa Comercial (DECOM), pela Secretaria de Comércio
Exterior (SECEX), órgão que compõe o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior (MDIC). O DECOM ficou encarregado de realizar todas as
tarefas inerentes à área, realizando a análise da procedência e o mérito das petições
de abertura de investigação, verificando ainda a ocorrência de dumping ou
subsídios, dano e o nexo de causalidade. Ao final dos processos de investigação, que
duram em média 18 meses, o DECOM emite um parecer técnico sugerindo a medida
que deve ser adotada à Câmara de Comércio Exterior (CAMEX), órgão incumbido
da tomada de decisão, composto por 6 Ministros da República.
O DECOM ainda fornece assistência na defesa de agentes de comércio
exterior e setores privados que se virem sujeitos a investigações fora do Brasil,
realizando também o acompanhamento das medidas pertinentes perante a OMC e a
observação das normas prescritas nos acordos de defesa comercial. Conforme dados
de 2004, os principais alvos das investigações abertas no DECOM são as
importações de petroquímicos e borracha (43,4%), metalurgia e siderurgia (15%),
agropecuária e agroindústria (11,3%), têxteis, couros e fibras (5,7%) e outras
indústrias (5,7%).568
Em levantamento feito em novembro de 2006, 5 eram os casos de direito
antidumping e medidas de salvaguarda aplicadas pelo Brasil frente a outros países.
Desse total, 7 referem-se a produtos do agronegócio: alhos (República Popular da
China), conservas de pêssego (Grécia), cogumelos (República Popular da China),
leite em pó (processos diferentes contra Argentina, Uruguai, UE e Nova Zelândia) e
coco ralado CXCI
.
CXCI Conforme Resolução CAMEX n° 19, de 27.07.06 estão isentos da aplicação da medida de salvaguarda,
as importações originárias de: Angola, África do Sul, Antigua Barbuda, Bahrein, Bangladesh, Barbados, Belize, Benin, Bolívia, Botsuana,Brunei Darussalam, Burkina Faso, Burundi, Camarões, Coveite, República
Centro-Africana, Chade, Chile, China, Chipre,Colômbia, Congo, Costa Rica, Cuba, República Democrática
do Congo, Djibuti, Dominica, Equador, Egito, El Salvador,Emirados Árabes Unidos, Fiji, Gabão, Gâmbia,
Granada, Guatemala, Guiné, Guiné Bissau, Guiana, Haiti, Honduras,Jamaica, Jordânia, Lesoto, Madagascar,
Malavi, Maldivas, Mali, Malta, Mauritânia, Maurício, Moldova, Mongólia,Marrocos, Moçambique, Mianmar,
Namíbia, Nicarágua, Niger, Nigéria, Omã, Paquistão, Panamá, Papua Nova Guiné, Peru,Qatar, Ruanda, São
Cristóvão e Nevis, Santa Lúcia, São Vicente e Grenaldinas, Senegal, Serra Leoa, Ilhas Salomão,Suazilândia,
Suriname, Tailândia, Taipe Chinês, Penghu, Kinmen e Matsu, Tanzânia, Trinidad e Tobago, Togo, Tunísia,
Turquia, Uganda, Venezuela, Zâmbia e Zimbábue, bem como os Estados-Parte do MERCOSUL: Argentina,
Paraguai e Uruguai.
308
Em relação aos casos de investigações em curso, são 21 os casos sendo que, 1
deles trata de caso de revisão do leite em pó, aplicado contra Nova Zelândia e UE.569
Direitos Antidumping e Medidas de Salvaguardas aplicados pelo Brasil
(posição de novembro/2006)
Produto País Medida Direito
Aplicado
Vigência do Direito
Alhos China Aplicação do Direito antidumping definitivo
específico – Resolução Camex no 41/01
US$ 0,48/kg 21/12/2006
Conservas
de Pêssego
Grécia Aplicação do Direito antidumping definitivo
específico – Resolução Camex no 5/02
16,4% a 26,4%
(em função da
empresa)
26/4/2007
Cogumelos China Aplicação do Direito antidumping definitivo
específico – Resolução Camex no 36/03
US$ 1,05/kg 19/12/2008
Leite em Pó Argentina Homologação de compromisso de preços.
Resolução Camex n° 2/05
Compromisso de
Preços
18/2/2008
Leite em Pó Uruguai Homologação de compromisso de preços.
Resolução Camex n° 9/05
Compromisso de
Preços
5/4/2008
Leite em Pó EU Aplicação do Direito antidumping definitivo
específico – exceto para Arla Foods Ingredients
amba da Dinamarca, que homologou
compromisso de preços.
Compromisso de
Preços
Direito vigorará
enquanto perdurar a
revisão
Leite em Pó Nova
Zelândia
Aplicação do Direito antidumping definitivo para
Nova Zelândia – Res. Camex n° 1/01. Em
21/06/06 foi aberta investigação de revisão,
ficando mantido em vigor o direito enquanto
perdurar a revisão.
3,90% Direito vigorará
enquanto perdurar a
revisão
Coco Ralado - Aplicação de medida de salvaguarda –
Resolução Camex no 19/06
Restrição
quantitativa
27/7/2010
Fonte: MDIC
3.2.2.4.1. Acordo Antidumping
As questões relacionadas às medidas anti-dumping foram de relativa pouca
importância nas primeiras rodadas do GATT, tendo adquirido relevância na Rodada
Kennedy para, na Rodada Tóquio resultarem no código antidumping. Até então, a
questão de medidas antidumping era tratada pelo ordenamento jurídico interno de
poucos países, começando pelo Canadá em 1904, logo seguido pelos Estados
Unidos da América (EUA) em 1916. Estas primeiras leis exigiam a comprovação de
práticas predatórias para a configuração do dumping e foram utilizadas
extensivamente como instrumentos de política protecionista unilateral,
particularmente nos EUA.
Com o advento do código antidumping na Rodada Tóquio, em 1979, muitos
países, como o BrasilCXCII
e também a então Comunidade EuropéiaCXCIII
,
simplesmente o adotaram como legislação internaCXCIV
, como o objetivo de
instrumentalizar a ordem jurídica interna para o combate desta prática não
eqüitativa, de uma forma harmônica e consistente com o direito internacional.
Posteriormente, em época bastante recente, o Brasil, dentro do mesmo espírito de
CXCII No Brasil, os códigos antidumping e subsídios somente foram promulgados como legislação doméstica em 1987. CXCIII Hoje União Européia (UE). CXCIV V. a respeito do assunto, “Comércio Desleal Quebra” por Durval de Noronha Goyos Júnior., Folha de
São Paulo, 10/01/94, p. 22.
309
conformidade com o direito internacional, regulamentou adicionalmente a matéria
de forma a, inter alia, poder aplicar direitos retroativamente, através da Medida
Provisória 616, de 14 de setembro de 1994.
De forma bastante coerente e, portanto, nada surpreendente, o contrário
ocorreu nos EUA, onde o congresso promulgou legislação colocando a lei interna
acima do tratado do GATT. A partir de então, um dos principais objetivos político
comerciais dos EUA tem sido o da manutenção da primazia da lei interna sobre o
tratado internacional do GATT570
, o que tem sido consistentemente o principal
obstáculo à sua eficácia plena e à primazia do direito na área.
Evidentemente, o objetivo da manutenção dos mecanismos unilaterais pelos
EUA é o da obtenção de vantagens comerciais e concessões extraordinárias de seus
parceiros comerciais, através de meios legais. Estas vantagens e concessões
freqüentemente se manifestam nos chamados acordos de contenção voluntáriosCXCV
ou acordos de contenção de exportaçãoCXCVI
, eufemismos para designar uma
capitulação de um estado-membro à intimidação e pressão comercial arbitrária e
ilegal dos EUA. Apesar de serem os primeiros a adotar o mecanismo dos acordos de
contenção, os EUA não são os únicos: a UE aprendeu rapidamente a lição e os
colocou em prática contra certos de seus parceiros comerciais. A diferença
fundamental da perspectiva do direito internacional entre os acordos da UE e os do
EUA é que os acordos do EUA são extorquidos mediante a utilização de uma
legislação interna inconsistente e contrária ao direito e à ordem jurídica
internacional.
As negociações da Rodada Uruguai do GATT implicaram na revisão do
código antidumping adotado na Rodada Tóquio e culminaram no Acordo sobre
Implementação do Artigo VI do GATT 1994CXCVII
, (doravante designado
simplesmente ACORDO ANTIDUMPING). De acordo com o artigo 2.1 do
ACORDO ANTIDUMPING, dá-se o dumping quando um produto é introduzido no
comércio de um outro país por menos do seu valor normal, se o preço de exportação
do produto exportado de um país para outro for menor do que o preço comparativo,
no curso normal de negócios, para o produto semelhante quando destinado ao
consumo interno no país exportador.
O ACORDO ANTIDUMPING dá os meios para a determinação do prejuízo,
que deverá ser efetuada com base em evidências concretas e em exame objetivo de:
a) o volume dos bens importados em regime de dumping e o efeito destes bens nos
preços do mercado doméstico para produtos semelhantes; e b) o impacto
conseqüente destas importações sobre os produtores domésticos de tais produtos.
Assim, o teste a ser realizado para a averiguação do prejuízo deverá determinar de
forma objetiva que: a) um preço abaixo do normal está sendo praticado; b) que o
CXCV Em inglês, Voluntary Restraint Agreements, “VRAs”. CXCVI Em inglês, Export Restraint Agreements, “ERAs”. CXCVII Em inglês, Agreement on Implementation of Article VI of GATT 1994.
310
produtor local está sendo prejudicado; e c) uma correlação entre os dois primeiros.
Anteriormente à Rodada Uruguai, os cálculos dos preços de exportação para
fins de determinação de dumping eram feitos pela comparação dos valores de uma
transação individual contra a média apurada durante o período de investigação. Este
critério foi bastante criticado pelos países exportadores como inócuo por
potencialmente punir legítimas diferenças em margens de lucro. O ACORDO
ANTIDUMPING alterou tal metodologia para uma base de, ou transação por
transação ou média por média, admitidas exceções se as autoridades constatarem um
padrão que difere de forma significativa entre compradores, regiões ou períodos de
tempo571
.
O início do procedimento antidumping deverá tomar lugar por iniciativa do
produtor doméstico, mediante petição que deverá conter o seguinte: a) identidade do
requerente e descrição do volume e valor da produção doméstica do produto
semelhante pelo requerente; b) uma descrição completa do produto importado em
regime de dumping, o nome do país de origem, a identidade do exportador ou
produtor estrangeiro e uma lista dos importadores; c) informação sobre os preços
praticados para consumo no mercado doméstico do produtor e informação sobre os
preços de exportação; e informação sobre a evolução do volume das importações
sob o regime de dumping e seu conseqüente impacto na indústria doméstica. As
autoridades nacionais deverão examinar o pedido e determinar se tem base para dar
início a uma investigação, que deverá ser concluída no prazo máximo de 18 meses.
Durante o procedimento de investigação, as partes envolvidas deverão ter a
oportunidade de se manifestar e os produtores estrangeiros deverão ter o prazo
mínimo de 20 dias para prestar os esclarecimentos devidos. As autoridades deverão,
antes que uma determinação final seja feita, informar a todas as partes interessadas a
respeito dos fatos essenciais sob consideração e que formam a base para a decisão de
aplicar as medidas definitivas, de tal forma que as partes possam tempestivamente
defender seus interesses. Para os fins do ACORDO ANTIDUMPING, são partes
interessadas a) o exportador ou produtor estrangeiro; b) o governo do país
exportador; e o produtor doméstico ou associação comercial ou industrial
representativa da maioria dos produtores, exportadores ou importadores do produto
em questão.
Medidas ou direitos provisórios só poderão ser aplicados se a) uma
investigação tiver sido iniciada, as partes interessadas tiverem sido notificadas e
tiverem tido a oportunidade de se manifestar; b) uma determinação preliminar
afirmativa sobre dumping tiver sido feita com constatação de danos à indústria local;
e as autoridades locais julgarem tais medidas necessárias para prevenir danos
durante o curso da investigação. As medidas provisórias poderão tomar a forma de
caução ou de depósito e não poderão ser aplicadas antes de 60 dias da data do início
da investigação. As medidas ou direitos provisórios não deverão exceder 9 meses,
em condições excepcionais definidas no ACORDO ANTIDUMPING, ou 6 meses em
311
condições normais. Os procedimentos poderão ser suspensos ou encerrados
mediante acordos a respeito de compromissos de prática de preços. As medidas
definitivas deverão permanecer em vigor apenas pelo período e na medida
necessária a neutralizar o dumping causador do dano apurado. As partes contratantes
se comprometeram a assegurar a possibilidade de revisão judicial das questões nos
respectivos territórios.
O ACORDO ANTIDUMPING criou um Comitê sobre Práticas Anti-
DumpingCXCVIII
, composto de representante de cada um dos estados membros. A
menos onde diferentemente disposto, o ACORDO ANTIDUMPING remete a
questão da resolução de disputas ao Entendimento sobre Regras e Procedimentos
Governando a Resolução de DisputasCXCIX
. O Órgão de Resolução de DisputasCC
da
OMC poderá ser acionado para examinar se a ação do governo impondo direitos
definitivos foi tomada dentro do disposto no ACORDO ANTIDUMPING. Esta
última situação implica na possibilidade do tratamento da questão em três níveis
distintos: em primeiro lugar, na esfera administrativa, pelo governo do país
importador; em segundo, pelas autoridades judiciárias do país importador; e em
terceiro lugar, pelo Órgão de Resolução de Disputas da OMC.
Um dos problemas importantes que ficou sem resolução por parte do
ACORDO ANTIDUMPING diz respeito à situação criada pelo expediente da
circunvenção. Os direitos antidumping são normalmente aplicados a um produto
específico claramente definido e produzido por uma determinada empresa em um
país específico. Conseqüentemente, a prática tem registrado casos em que o produtor
trata de burlar os critérios supra explicitados de tal forma que as características do
produto, produtor e/ou país de produção sejam diversos daqueles indicados na
ordem antidumping. A questão então aflora no sentido de até que ponto o produto
“maquilado” está sujeito à ordem antidumping original. Os EUA e a UE adotaram
soluções diversas para o problema, tendo sido as européias julgadas incompatíveis
com as regras do GATT, por um painel arbitrado formado no GATT a pedido do
Japão, devido à inconsistência com o artigo III do GATT 1947, que consolida o
princípio do tratamento nacional e proíbe o uso de tributos ou regulamentos para a
proteção da produção doméstica572
.
O economista chefe do Banco Mundial, Sr. Michael Finger, chegou a
comentar em certa oportunidade que, nos EUA, dumping é tudo aquilo que se pode
convencer o governo norte-americano de agir contra, nos termos da lei
antidumping573
. Neste sentido, o Departamento de Comércio dos EUA considerou,
no mês de setembro de 1994, poucos meses após o término da Rodada Uruguai, o
Equador “culpado” de dumping de rosas no mercado americano e impôs direitos
antidumping de 50 por cento, o que resultou na perda de emprego de 10.000
CXCVIII Em inglês, Committee on Antidumping Practices. CXCIX Em inglês, Understanding on Rules and Procedures Governing the Settlement of Disputes. CC Em inglês, Dispute Settlement Body, “DSB”.
312
trabalhadores equatorianos de origem indígena, muito embora os produtores
equatorianos não recebam qualquer espécie de apoio ou subsídio, o que é
reconhecido pelo próprio embaixador norte-americano naquele país.
Essa é uma das principais razões que fazem com que a matéria antidumping
seja tradicionalmente, juntamente com a lamentável questão dos subsídios, o alvo do
maior número de painéis do GATT/OMC.
3.2.2.4.2. Acordo de Subsídios e Medidas
Compensatórias
O instituto do subsídio é muito mais antigo que o do dumping e o das
salvaguardas. Consistem em benefícios concedidos pelos governos locais aos seus
produtores, visando tornar seus produtos mais competitivos perante o mercado
interno e/ou externo. Os subsídios podem se manifestar na forma de transferências
diretas, desembolsos monetários ou forma indireta, por meio de créditos a juros
reduzidos. Aí reside, portanto, uma diferença fundamental em relação ao dumping.
Enquanto este se refere a uma atividade privada, o subsídio decorre de atividade
governamental.
A questão dos subsídios é, sem sombra de dúvidas, uma das de maior
relevância a afetar o comércio internacional, por distorcer as trocas, penalizar os
consumidores, aniquilar a economia dos países menos desenvolvidos, onerar as
finanças públicas, além de semear a imoralidade e sua filha bastarda, a corrupção,
em escala global. O assunto ocupa o topo das agendas comerciais já há cerca de cem
anos e, com o advento da Rodada Uruguai do GATT, em 1986, foi naturalmente
uma das questões prioritárias para os países em desenvolvimento em geral e para
todos aqueles que vislumbram o comércio livre como a principal fonte de
prosperidade para as nações.
O tema já fora tratado pelo GATT 1947, que traçou duas distinções na
definição de subsídios: a primeira entre apoio doméstico e subsídios à exportação; e
a segunda entre subsídios a produtos primários e subsídios a produtos não primários.
Ambas as distinções limitam enormemente o escopo do combate aos subsídios. A
primeira porque, em uma economia global, mesmo o apoio doméstico equivale a um
subsídio à exportação por propiciar uma escala de produção maior e uma maior
competitividade internacional média de preços. A segunda porque formulada com o
objetivo de excluir da limitação os subsídios agrícolas, justamente a área de maior
interesse aos países em desenvolvimento. Na ocasião, o poderoso lobby agrícola dos
EUA foi o responsável pela exclusão dos subsídios agrícolas do escopo do GATT
1947. Na conclusão da Rodada Tóquio em 1973, foi ce1ebra do um Acordo sobre o
Entendimento e Aplicação dos artigos VI, XVI e XXIII, que tentou sem grandes
sucessos detalhar melhor o objeto do GATT 1947.
Na Rodada Uruguai do GATT, o assunto voltou à tona com toda força,
313
patrocinado pelos países em desenvolvimento. O Grupo dos DezCCI
chegou a
denunciar que a inclusão das áreas novas no GATT desviaria a atenção do
tratamento das questões tradicionais, como a dos subsídios no setor agrícola574
. Ao
mesmo tempo, os EUA estavam buscando uma redução nos níveis de subsídios
praticados internacionalmenteCCII
, bem como nos níveis de apoio doméstico, já que
sua economia não tinha as mesmas condições comparativas de vencer uma guerra
internacional de subsídiosCCIII
. Por outro lado, a União Européia (UE) e o Japão
resistiram a uma maior limitação na área, sendo a UE a grande responsável pelos
modestos resultados atingidos, bem como pela delonga na conclusão da Rodada
Uruguai.
O Acordo sobre Subsídios e Medidas CompensatóriasCCIV
, (doravante
designado simplesmente ACORDO SUBSÍDIOS), ao contrário do seu predecessor
da Rodada Tóquio, contém uma definição de subsídios (que exclui os pertinentes a
produtos agrícolas), questão tratada de forma bem modesta no Acordo sobre
Agricu1turaCCV
.
O ACORDO SUBSÍDIOS divide os subsídios em três categorias, conforme o
respectivo grau de legalidade, segundo o chamado sistema semáforoCCVI
, que
relaciona os subsídios proibidos (luz vermelha); os potencialmente proibidos (luz
amarela); e os permitidos (luz verde). Segundo o ACORDO SUBSÍDIOS, haverá
subsídio se houver um benefício decorrente de uma contribuição governamental no
território do estado-membro, mediante o qual: a) haja transferência direta ou
potencial (no caso de garantias) de fundos ou de obrigações; b) receita
governamental não recolhida ou perdoada, como nos casos de incentivos e créditos
fiscais; c) o governo forneça ou compre bens ou serviços outros que os de infra-
estrutura geral; d) o governo forneça fundos para uma entidade privada levar a efeito
as práticas anteriores; ou e) haja qualquer forma de apoio a renda ou sustentação de
preços como explicitado no artigo XVI do GATT 1994CCVII
.
Os subsídios caracterizados pela definição acima, somente serão proibidos e
sujeitos a medidas, inclusive compensatórias, se forem considerados “específicos”,
um conceito novo introduzido pelo ACORDO SUBSÍDIOS. Os subsídios serão
específicos quando: a) limitados a certas empresas; b) não haja critérios e condições
objetivas para sua concessão; c) não obstante a observância regulatória aos itens “a”
e “b” supra, a realidade evidencie o contrário.
CCI Liderado pelo Brasil e Índia e composto ainda por Argentina, Cuba, Egito, Nicarágua, Nigéria, Peru,
Iugoslávia e Tanzânia. CCII Phillip Evans e James Walsh. The EIA guide to the new GATT, EIU, Londres, Reino Unido, 1994. CCIII V. “GATT, MERCOSUL & NAFTA”, por Durval de Noronha Goyos Jr., Observador Legal Editora, São
Paulo, 1994, p. 25 e seguintes. CCIV Em inglês, Agreement on Subsidies and Courtervailing Measures. CCV V. o capítulo próprio desta obra sobre o Acordo Agricultura, onde o tema é tratado de forma específico. CCVI Em inglês, traffic-light aproach. CCVII O artigo XVI do GATT 1994 trata de subsídios.
314
São considerados específicos e, por conseguinte, vedadosCCVIII
: a) subsídios
contingentes, de fato ou de direito, ao desempenho na exportaçãoCCIX
; b) subsídios
contingentes ao uso de bens de produção doméstica em detrimento a bens
importadosCCX
.
Sempre que um estado-membro entender que outro membro está praticando
um subsídio proibido, o membro que se entende prejudicado pode pedir consultas ao
outro. O pedido de consultas deverá incluir uma apresentação da evidência da
existência do subsídio em questão. Se não houver uma solução mutuamente
conveniente dentro de trinta dias do pedido de consultas, qualquer dos membros
poderá remeter a questão para o Órgão de Resolução de Disputas (ORD)CCXI
, para a
imediata apreciação de um painel, a menos que o ORD resolva por consenso não
fazê-lo.
Dentro de 30 dias da sua emissão, o laudo arbitral será adotado pelo ORD, a
menos que uma (ou mais) das partes resolva apelar ou que o ORD resolva por
consenso não adotá-lo. Se houver apelação, o órgão de apelação deverá emitir sua
decisão dentro de trinta a sessenta dias da notificação formal da intenção de apelar.
O laudo de apelação será adotado pelo ORD e aceito pelas partes, a menos que o
ORD decida por consenso não aceitá-lo, dentro de 120 dias de sua emissão. Se a
recomendação do ORD não for aceita pelo estado-membro em questão dentro do
período explicitado, o ORD dará autorização ao estado-membro prejudicado para
tomar contramedidas apropriadas, a menos que o ORD decida por consenso recusar
o pedido.
Os subsídios, como definidos no ACORDO SUBSÍDIOS, podem ser
ilegaisCCXII
quando configurarem as características objeto da parte III do ACORDO
SUBSÍDIOS, de forma a causarem danos à indústria doméstica de outro estado-
membro ou anulação; prejuízo no gozo dos benefícios decorrentes das concessões
objeto do artigo lido GATT 1994; ou danos graves aos interesses de outro
membroCCXIII
. Ocorrerão danos graves se: a) o total do subsídio ad valorem exceder
a 5 por cento; b) os subsídios cobrirem as perdas operacionais da indústria; c) os
subsídios cobrirem as perdas operacionais de uma empresa por mais de uma vez e
não forem dados para a resolução de longo prazo dos problemas que ensejaram esta
solução;ou d) perdão de dívida ou dotações para cobrir dívidas.
Poderão ainda ocorrer danos graves se: e) o efeito do subsídio for o
CCVIII Situação “luz vermelha”. CCIX Uma lista ilustrativa de tais subsídios é objeto do ANEXO I ao ACORDO SUBSÍDIOS e inclui, entre
outros, bônus à exportação; condições favorecidas para transporte interno e remissão total ou parcial a
impostos ou contribuições sociais. CCX
Este item não será aplicável aos países em desenvolvimento por cinco anos da vigência do acordo da
Organização Mundial do Comércio. CCXI Em inglês, Dispute Settlement Body, “DSB”. CCXII Situação “luz amarela”. CCXIII Estão excluídos os subsídios agrícolas.
315
impedimento das importações de produtos assemelhados; f) o efeito do subsídio for
o impedimento das exportações de produtos assemelhados de outro país; g) o efeito
do subsídio for uma depressão de preços ou respectiva redução significativa; h) o
efeito do subsídio for um aumento expressivo da participação no mercado
internacional, em comparação com a média de um período anterior de três anos. Por
outro lado, não caracterizarão a configuração danos sérios as mudanças de
fornecedor por parte de um monopólio estatal; desastres naturais; inadequação a
padrões; e situações de restrições ou proibição de importações atribuídas a terceiros
países.
O ACORDO SUBSÍDIOS indica a seguir a terceira categoria, chamada de
subsídios não sancionáveis, ou permitidosCCXIV
, que podem se configurar como
sendo subsídios não específicos, da mesma forma que os subsídios específicos
relacionados com pesquisas conduzidas por empresas ou por centros de educação
superior ou de pesquisas com contratos com empresas. São também permitidos
subsídios para assistência ao desenvolvimento de atividade comercial em fase pré-
competitiva; para assistências a regiões deprimidas ou desfavorecidas; ou apoio para
a observância de certas normas ambientais impostas por lei ou por regulamento. O
acordo SUBSÍDIOS prevê ainda a regra do de minimis, que autoriza a prática de um
nível mínimo de subsídios a serem concedidos pelos países-membros da OMC.
Em sua parte final, O ACORDO SUBSÍDIOS trata da questão das sanções
autorizadas, ou da imposição de medidas compensatórias contra bens importados
que tenham recebido subsídios. Essas medidas são implementadas através da
imposição de uma tarifa adicional sobre o produto beneficiado pelo subsídio, a qual
é calculada por unidade do produto subsidiado exportado para o país prejudicado,
com base no benefício usufruído durante o período em que se apurar a existência de
subsídio.
45
23
108 6
4
17
0
10
20
30
40
50
EUA UE Canadá México Brasil Argentina Outros
Medidas Compensatórias Aplicadas - por
membros (01/01/95 a 30/06/06)
Fonte: OMC
CCXIV Situação “luz verde”.
316
O início de investigações para determinar a existência, grau e efeitos de
subsídios alegados deverá ser iniciada pela autoridade governamental do país
importador por solicitação ou no interesse do setor afetado. O pedido da indústria
afetada deverá conter:
a) a identidade do requerente e urna descrição do volume e valor da
produção doméstica do produto assemelhado;
b) unia descrição completa do produto subsidiado, os nomes do país de
origem de tais exportações; a identidade de cada exportador ou
produtor conhecido e urna lista de pessoas que estejam importando o
produto em questão;
c) evidência com relação à existência, montante e natureza do subsídio
em questão;
d) evidência de que os danos causados à indústria doméstica são
atribuídos às importações subsidiadas, mediante o efeito dos subsídios.
O ACORDO SUBSÍDIOS sofisticou enormemente o processo de início,
investigação e de imposição de medidas compensatórias, dotando-o de grande
instrumental jurídico e de regras minuciosas, de tal forma a assegurar o tratamento
eqüitativo da questão, dentro de estrita legalidade, bem como a exeqüibilidade e
eficácia do que for decidido. O treinamento de advogados para esta área é uma
imposição da realidade, porque o caso legalmente mal estruturado certamente não
irá prevalecer, causando naturalmente grandes prejuízos a todas as partes envolvidas
e uma grande desmoralização para aqueles que iniciaram o processo.
As autoridades governamentais do país cuja indústria se julga prejudicada
verificarão a veracidade e pertinência das provas apresentadas, para apurar se são
suficientes para iniciar a investigação. Em ocasiões excepcionais, as autoridades
poderão, sponte propria, decidir iniciar uma investigação, desde que tenham
evidências de um subsídio, de um dano e do vínculo causal entre um e outro. Antes
da decisão de iniciar a investigação, as autoridades governamentais do país
supostamente afetado procurarão evitar a publicidade de qualquer pedido de início
de investigações. As investigações deverão, a menos que ocorram circunstâncias
especiais, estarem concluídas dentro de um ano e no mais tardar em dezoito meses
do respectivo início.
Os procedimentos para a adoção de medidas compensatórias são muito
parecidos com o relativo às medidas antidumping, com um grande diferencial no
fato de haver a necessidade de o Governo do país exportador ser consultado
previamente à sua abertura da investigação. Os estados membros afetados, bem
como produtores e exportadores, serão informados a respeito de quais informações
são requisitadas pelas autoridades e terão ampla oportunidade de apresentar suas
posições, dentro do prazo de 30 dias do recebimento dos respectivos questionários.
317
A menos quando necessário para a proteção da confidencialidade, as informações
submetidas por uma parte serão facultadas às demais, incluindo o texto completo da
petição de requerimento da investigação. A notificação da abertura da investigação
às partes interessadas deverá indicar o nome do país exportador ou produtos; a data
de início da investigação; uma descrição do subsídio a ser investigado; um sumário
dos fatos; o endereço para onde as manifestações deverão ser dirigidas; o prazo para
tais manifestações.
A determinação do dano, para os fins do artigo VI do GATT 1994, deverá ser
baseada em evidência positiva envolvendo um exame objetivo do volume das
importações subsidiadas; o efeito destas importações nos preços no mercado
doméstico de produtos assemelhados, e o impacto conseqüente destas importações
nos produtores domésticos. Por sua vez, a determinação de dano material deverá
inter alia levar em consideração: a) a natureza dos subsídios em questão e os efeitos
respectivos ao Comércio; b) uma taxa significativamente crescente de importações
subsidiadas indicando a probabilidade de respectivos aumentos substanciais; c)
iminente aumento de capacidade do exportador; d) efeitos de depressão significativa
dos preços domésticos; e e) situação dos estoques.
Medidas provisórias somente poderão ser aplicadas quando: a) uma
investigação tiver sido devidamente iniciada, as partes interessadas notificadas e
asseguradas oportunidades de se manifestarem a respeito; b) uma determinação
afirmativa preliminar tenha sido feita no sentido de que o subsídio existe e que há
dano para uma indústria doméstica causado por importações subsidiadas; e c) as
autoridades governamentais do país afetado julgam tais medidas necessárias para
prevenir danos causados durante a investigação.
O ACORDO SUBSÍDIOS permite que as medidas provisórias tenham a
forma de direitos compensatórios garantidos por depósitos ou fianças em valor
equivalente ao do subsídio estimado provisoriamente. As medidas provisórias não
poderão ser aplicadas antes de decorridos 60 dias do início da investigação e
deverão durar pelo menor período possível de tempo, não excedendo a quatro meses.
Após a imposição de medidas provisórias, consultas poderão ser realizadas entre as
partes envolvidas que poderão levar à sua suspensão ou término, na eventualidade
de o governo do país exportador eliminar ou neutralizar os efeitos dos subsídios ou o
exportador revisar seus preços para eliminar o efeito deletério dos subsídios.
Na eventualidade de, falhando as consultas, o governo do estado-membro
afetado fizer uma determinação final da existência e valor do subsídio e do dano
causado pelas importações subsidiadas, então poderão ser impostos direitos
compensatórios definitivos, na medida do subsídio existente. O direito
compensatório ficará em vigor apenas pelo tempo necessário para neutralizar o
subsidio causador de dano. As partes interessadas poderão pedir revisão da situação,
desde que submetam provas a substanciarem a alegação de necessidade de uma
revisão. De qualquer forma, o direito compensatório será extinto em data não
318
superior a cinco anos de sua imposição.
Para acompanhar o desempenho do ACORDO SUBSÍDIOS, foi criado um
Comitê sobre Subsídios e Medidas CompensatóriasCCXV
composto de representantes
de todos os membros. As disputas decorrentes ou relacionadas com o disposto no
ACORDOS SUBSÍDIOS, a menos que diferentemente disposto em seus termos,
serão resolvidas de conformidade com o Entendimento sobre Resolução de Disputas
do GATT 1994.
3.2.2.4.3. Acordo Salvaguardas
As medidas de salvaguarda são ações tomadas por governos, a pedido de um
setor relevante interessado, que visam a sua proteção contra um aumento
imprevisível (absoluto ou relativo), de importações de produtos concorrentes,
acarretando sério dano (potencial ou efetivo) ao referido setor. São, pois, uma defesa
econômica em benefício de um setor prejudicado por uma situação transitória e
institucional, ocasião em que, o Governo estaria autorizado a restringir as compras
externas. Seriam aplicáveis, por exemplo, nos casos de catástrofe natural,
valorização extremada da moeda do respectivo país, crise no balanço de
pagamentos, situação de convulsão social, etc. Desta forma, diferencia-se em sua
origem das medidas antidumping e das compensatórias, vez que não depende da
comprovação de prática desleal de comércio por parte do exportador.
A partir da Rodada Uruguai, entrou em vigor o novo Acordo sobre
SalvaguardasCCXVI
(ACORDO SALVAGUARDAS), o qual regulamentou o art. 19
do GATT, buscando limitar o campo de aplicação dessas medidas e coibir exageros
por parte dos governos, que por muito tempo se utilizaram abusivamente das
chamadas medidas cinzentas, em decorrência da falta de regulamentação.
Dentro desse contexto, o ACORDO SALVAGUARDAS passou a permitir a
um estado-membro a adoção de uma medida de salvaguarda somente se for
determinado, de acordo com seus termos, que o produto afetado está sendo
importado em tais quantidades majoradas, absolutas ou relativas à produção
doméstica, e em condições tais que possam causar um dano sério à indústria
doméstica. Uma medida de salvaguarda será tomada apenas após uma investigação
pública, nos termos do artigo X do GATT 1994, conduzida pelas autoridades
competentes do estado-membro. Esta investigação será aberta às partes interessadas
e terá inclusive audiências públicas, após o que as autoridades publicarão relatório
com suas conclusões sobre as matérias de fato e de direito.
O ACORDO SALVAGUARDAS previu 3 tipos distintos de salvaguardas. As
salvaguardas gerais, as transitórias e as especiais. As salvaguardas gerais serão
CCXV Em inglês, Comittee on Subsidies and Countervailing Measures and Subsidiary Bodies. CCXVI Em inglês, Agreement on Safeguards.
319
reguladas pelo próprio AS, sendo que as outras duas não. As salvaguardas
transitórias estão previstas no Acordo sobre Têxteis e Vestuário da OMC, tendo os
signatários se comprometido a cessar com seu uso até 1º de janeiro de 2005 (art. 9º).
Já as especiais referem-se a produtos agropecuários, que são abrangidos pelo
ACORDO AGRICULTURA. Esclareça-se ainda que à medida em que os produtos
(têxteis e agropecuários) se integram ao GATT, eles passam a se sujeitar ao
ACORDO SALVAGUARDAS.
Em circunstâncias críticas, nas quais uma demora poderia causar danos de
reparação difícil, uma medida de salvaguarda provisória poderá ser tomada de
acordo com uma determinação preliminar no sentido de que há evidencias claras que
importações aumentadas causaram ou ameaçam causar sérios danos. A duração da
medida de salvaguarda provisória não poderá exceder 200 diasCCXVII
e tomará a
forma de aumentos de tarifas que serão prontamente reembolsados na eventualidade
de a subseqüente investigação não ser conclusiva.
O ACORDO SALVAGUARDAS define dano grave como uma incapacitação
abrangente na posição da indústria doméstica, que seja claramente iminente e que
tenha sido determinado de acordo com uma apuração factual e não com base em
alegações, conjecturas ou possibilidade remota. Para tais fins, indústria doméstica
significará, como um todo, os produtores de produtos assemelhados ou diretamente
competitivos.
Para a determinação da situação de dano grave, as investigações conduzidas
pelas autoridades competentes deverão avaliar todos os fatores pertinentes de
natureza objetiva e quantificável potencialmente afetando aquela industria
doméstica, particularmente no tocante à taxa e montante de aumento de importações
do produto afetado, em termos absolutos e relativos; a participação no mercado
pelas importações crescentes; mudanças nos níveis de vendas, produção,
produtividade, utilização de capacidade instalada, lucros e perdas de emprego.
As medidas de salvaguarda serão aplicadas somente quando e na medida
necessária para prevenir ou remediar dano grave e para facilitar o ajuste pertinente.
No caso de ser adotada uma medida quantitativa, tal medida não deverá reduzir a
quantidade de importações abaixo do nível da média de período recente dos três
últimos anos em que estatísticas estejam disponíveis, a menos que uma justificativa
diferente seja dada para um nível diverso. As medidas de salvaguarda poderão ser
aplicadas somente por um período de tempo necessário para prevenir ou remediar
dano grave e para facilitar o ajuste. Via de regra, este período de tempo não deverá
exceder quatro anos, a menos que as autoridades governamentais do país afetado
determinem, através do mesmo procedimento supra mencionado, a necessidade de
sua manutenção para prevenir ou remediar danos graves. Neste último caso, o
período total não poderá exceder a oito anos, no caso dos países desenvolvidos; ou
CCXVII Esta é uma das cláusulas denominadas “pôr do sol” ou, em inglês, sunset clauses, por estabelecerem
uma limitação de tempo aos efeitos em questão.
320
dez anos, no caso dos países em desenvolvimento.
O estado-membro aplicando medidas de salvaguarda deverá manter
substancialmente o mesmo nível de concessões existentes entre ele e os membros
exportadores, nos termos do GATT 1994. Estas concessões poderão ser atingidas
por meio de negociações. Se um acordo não for atingido mediante tais negociações,
os estados membros afetados poderão suspender níveis comparativos de concessões.
O ACORDO SALVAGUARDAS dispõe sobre a criação de um Comitê de
Salvaguardas, sob o Conselho de Comércio em Bens, que deverá ser imediatamente
notificado no caso de um estado-membro iniciar um processo de investigação; fazer
urna constatação de dano grave ou ameaça respectiva causada por incremento de
importações; e tomar uma decisão de aplicar ou prorrogar urna medida de
salvaguarda. O Comitê de Salvaguardas deverá supervisionar a aplicação do
ACORDO SALVAGUARDAS e, ainda, inter alia, examinar se o nível de
suspensão de concessões adotado como conseqüência da imposição de salvaguardas
é substancialmente equivalente ao impacto sofrido pelo estado-membro exportador.
Um progresso enorme obtido pelo ACORDOS ALVAGUARDAS diz
respeito à eliminação gradual de certas práticas comerciais abusivas, como a dos
infames “acordos de contenção voluntários”CCXVIII
ou “contenções voluntárias de
exportação”CCXIX
, que na realidade são meros eufemismos para designar aceitação
da intimidação ilegal de alguns países, principalmente dos EUACCXX
, para que
outros limitem suas exportações direcionadas aos primeiros. Estas medidas, quando
relacionadas com a aplicação do artigo XIX, deverão ser eliminadas dentro de
quatro anos da criação da OMC. Cada estado-membro poderá manter uma medida
ou acordo de contenção voluntário até 1999CCXXI
.
Com relação à resolução de disputas, aplicam-se ao ACORDO
SALVAGUARDAS os dispositivos do Entendimento sobre Regras e Procedimentos
Governando a Resolução de DisputasCCXXII
. Na mensagem que submete à
consideração do Congresso Nacional os textos do GATT 1994CCXXIII
, Sr. Presidente
da República, Itamar Franco, assim se pronunciou sobre a questão que ora se
discute: “Os novos códigos antidumping e de medidas compensatórias, bem como o
novo acordo sobre salvaguardas, campos em que ambigüidades deram origem a, por
vezes, severas distorções no recurso a medidas de defesa comercial, passaram a
conter regras mais claras e firmes. Estas, ademais de representarem maior segurança
multilateral, permitirão maior eficiência ao mecanismo de resolução de disputas”
No Brasil, as salvaguardas foram promulgadas pelo Decreto 1.355/94, sendo
CCXVIII Em inglês, export restraint agreements, “ERAs”. CCXIX
Em inglês, voluntary export restraints, “VERs”. CCXX A prática, embora utilizada principalmente pelos EUA, tem outros usuários como a UE. CCXXI A União Européia escolheu a manutenção do acordo de restrição voluntário de automóveis com o Japão,
através do qual são protegidas as montadoras européias. CCXXII Em inglês, Understanding on Rules and Procedures Governing the Settlement of Disputes. CCXXIII Mensagem n. 498, de 29 de junho de 1994 (do Poder Executivo).
321
que o Decreto 1.488/95, com as alterações da Lei 1.936/96, regulamenta as normas
que disciplinam os procedimentos administrativos relativos à aplicação de medidas
de salvaguardas. Há ainda a Circular SECEX n° 19/96, que prevê o roteiro de
elaboração de petições para o requerimento de investigações de salvaguarda.
Na prática, este mecanismo mostra-se pouco utilizado. A grande quantidade
de exigências deram-lhe maior clareza normativa, mas dificultaram sua aplicação.
Ademais, a imposição de salvaguarda tornou-se mais desgastante política e
economicamente, especialmente em função da necessidade do oferecimento de uma
compensação ao país prejudicado, o que acaba afetando diretamente outros setores
econômicos. Por essas razões, tem sido verificada uma tendência dos governos de
buscar enquadrar o fato danoso como resultante de dumping ou subsídio, que
permitem o uso de mecanismos de defesa focalizando diretamente no exportador
que deu origem ao problema.
3.2.2.5. A reforma do sistema de resolução de disputas
Um dos principais tratados resultantes da Rodada Uruguai do GATT,
assinados em 15 de abril de 1994, é o “Entendimento sobre Regras e Procedimentos
Governando a Resolução de Disputas”, ou em inglês, Understanding on Rules and
Procedures Governing the Settlement of Disputes, que incorporou algumas
expressivas alterações no sistema de resolução de disputas do GATT 1947.
De fato, tradicionalmente, o sistema de resolução de disputas vinha sendo
reconhecido como um dos pontos fracos do GATT, razão pela qual, durante a
Rodada Uruguai, na reunião de Montreal em 1988, procurou-se melhorá-lo. Com as
alterações trazidas pelo acordo, foram estabelecidas as bases do Órgão de Resolução
de Disputas (ORD) da OMC, que ganhou um procedimento mais eficaz e um maior
poder sancionatório para a imposição de suas decisões. No entanto, conforme será
melhor examinado adiante, o sistema ainda é falho e ainda depende de profundas
reformas para que possa atingir plenamente os fins a que se destina, de desestimular
a infração por parte dos países membros dos compromissos firmados no âmbito da
OMC.
3.2.2.6. Outros acordos da Rodada Uruguai
Existem ainda outros acordos firmados durante a Rodada Uruguai que não
tratam especificamente da área agrícola, mas que auxiliam na normatização do
comércio internacional desses produtos.
No que diz respeito às barreiras não tarifárias, pode-se citar o Acordo sobre
Barreiras Técnicas ao Comércio (TBTCCXXIV
), que procurou expandir e clarificar o
acordo havido sobre a matéria durante a Rodada Tóquio do GATT, de tal forma a
CCXXIV Em inglês, Agreement on Technical Barriers to Trade.
322
impedir, de forma eficaz, que negociações técnicas e padrões, da mesma maneira
que procedimentos de testes e certificações possam vir a criar obstáculos
desnecessários ao comércio. O ACORDO TBT reconhece de um lado o direito de os
estados membros regularem a proteção da saúde humana, animal e vegetal, bem
como a proteção ambiental, mas procura evitar que, sob tal pretexto, se promova
uma arbitrária ou injustificável discriminação entre os países aonde as mesmas
condições prevaleçam ou, ainda, uma restrição em relação ao comércio
internacional.
O Acordo TBT compreende todos produtos industriais agrícolas, mas não se
aplica às medidas fitossanitárias e sanitárias. Os estados membros comprometem-se
a assegurar tratamento nacional aos produtos importados em relação aos
regulamentos técnicos, o que significa que os produtos importados deverão ter, para
fins de regulamentos técnicos, um tratamento não menos favorável do que aquele
conferido aos produtos nacionais. Mais ainda, comprometem-se os estados membros
a assegurar que os regulamentos técnicos não sejam preparados, adotados ou
aplicados com propósito de criar obstáculos desnecessários ao comércio
internacional.
O Acordo TBT também inovou com relação ao acordo da Rodada Tóquio,
por cobrir também os métodos de processamento e produção relacionados com as
características do produto. Da mesma forma, os procedimentos de verificação de
conformidade são detalhados de melhor forma e de maneira mais precisa. As
obrigações assumidas pelos estados membros de transparência e informações sobre
os regulamentos técnicos, padrões e procedimentos de conformidade são amplas e
minuciosas.
Além do acordo TBT, pode-se citar ainda o Acordo sobre Procedimentos para
Licenciamento de Importações, que procurou promover a transparência e a
previsibilidade nos processos de licenciamento às importações. Esse acordo
estabeleceu diretrizes para que os países membros se abstivessem de utilizar esses
procedimentos para criar embaraços ao ingresso de mercadorias estrangeiras,
prevendo ainda prazos máximos para a sua conclusão.
3.2.3. Desafios no âmbito da OMC575
576
A Rodada Uruguai introduziu um mínimo de ordem e disciplina até então
inexistente dentro do contexto do comércio mundial, mas não resolveu o problema
da iniqüidade no tratamento de nações ricas e pobres. Assim, sob a perspectiva dos
países em desenvolvimento, a experiência da OMC não foi positiva. De fato, as
modestas concessões havidas nas áreas agrícola e têxtil, durante a Rodada Uruguai,
não foram suficientes para assegurar sua competitividade natural, já que
cuidadosamente feitas para manter as vantagens dos países desenvolvidos577
. Mais
ainda, a ordem jurídica da OMC permitiu o aumento não autorizado dos subsídios
ilegais agrícolas pelos países desenvolvidos de mais de US$ 1 bilhão ao dia. Estes
323
subsídios distorcem os preços das mercadorias agrícolas e impedem o acesso dos
produtos dos países em desenvolvimento não somente ao território dos países que
subsidiam notadamente os EUA, a UE e o Japão, mas também eliminam o acesso a
terceiros países e, agora, até passaram a acabar com as próprias indústrias
domésticas.
A inclusão das novas áreas no sistema multilateral de comércio permitiu aos
países desenvolvidos acesso aos mercados dos países em desenvolvimento, mas não
permitiu a estes acesso aos mercados daqueles, fechados por medidas horizontais. O
Acordo sobre Medidas de Investimentos relacionadas com o Comércio (TRIMS)
deixou de tratar da escandalosa cumplicidade dos países desenvolvidos com a
questão das fraudes fiscais e da fuga de capitais nos países em desenvolvimento e da
privatização de serviços públicos essenciais. O Acordo Antidumping, sopitado e
pusilânime, permitiu aos EUA a manutenção de sua legislação doméstica acintosa à
eqüidade e aos mais comezinhos princípios de direito internacional578
.
Por sua vez, o Acordo sobre Direitos de Propriedade Intelectual relacionados
com o Comércio (TRIPS) subordinou as autoridades nacionais dos países em
desenvolvimento àquelas dos países desenvolvidos por meios do conceito da
proteção pipeline. Da mesma forma, o TRIPS deixou de resguardar adequadamente
a questão da implementação de políticas de saúde pública, falha que resultou
inclusive no confronto entre o Brasil e os EUA no tocante às patentes farmacêuticas,
ainda não resolvido, sob o prisma jurídico579
. Mais ainda o TRIPS permite a
biopirataria e o patenteamento de organismos vivos. O Acordo sobre Regras de
Origem permite o protecionismo institucionalizado nas áreas de livre comércio e seu
uso para desviar as correntes tradicionais de troca, como é o caso no Acordo de
Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), onde se verificou o aumento da
dependência mercantil do México aos EUA e um devastador efeito na área do
Caribe. Por sua vez, o Acordo Sanitário e Fitossanitário apresenta uma enorme zona
cinzenta e áreas de omissão, que permitem o arbítrio.
O Acordo sobre Subsídios não é justo nem eqüitativo aos países em
desenvolvimento, colocando Índia, África do Sul e Brasil no mesmo nível de países
como a Suíça e França. O Acordo Salvaguardas tem mais buracos que um queijo
suíço. De mais a mais, práticas altamente danosas aos países em desenvolvimento
como o dumping financeiro e tecnológico, largamente utilizadas para assegurar
domínio de mercado, não foram contempladasCCXXV
. Na área de serviços, a questão
da barreira horizontal consubstanciada nas exigências draconianas de imigração aos
prestadores de serviços dos países em desenvolvimento, permanece em aberto.
Acresce, ainda, que a exceção feita na prática aos EUA, no tocante ao compromisso
único compromete decisivamente a isonomia e, por conseguinte, a juricidade do
sistema multilateral de comércio.
CCXXV Para uma análise das diversas agendas propostas para a frustrada Rodada do Milênio, V. “Ensaios de
Direito Internacional" por Durval de Noronha Goyos jr., Obs. Legal Editora, São Paulo, 2000.
324
Até mesmo o sistema de resolução de disputas, depositário de tantas
esperanças deixou muitíssimo a desejar nos anos de funcionamento da OMC.
Muitos de seus problemas derivam da falta de regras processuais adequadas, que
comprometem a eficácia e juridicidade do sistema580
. Outros problemas decorrem de
graves falhas operacionais do sistema de resolução de disputas. Uma revisão do
sistema, que deveria ter tomado lugar em 1999 falhou miseravelmente por falta de
interesse dos países que dele são beneficiários e por incompetência daqueles
prejudicados.
Já no final da Rodada Uruguai, o Banco Mundial advertia que 64% dos
ganhos da ronda de negociações caberiam aos países desenvolvidos. A realidade
provou-se muito pior: em 2001, o insuspeito Fundo Monetário Internacional (FMI)
constatou que 73% dos benefícios couberam aos países desenvolvidos. Neste ano, a
Organização das Nações Unidas (ONU) colocou os proveitos dos países ricos em
80%.581
A área agrícola não representa, nem de longe, a única, nem a maior anomalia
de um sistema multilateral do comércio que promove a insustentável lógica da
prosperidade seletiva de uns poucos, em detrimento dos muitos. Esse sistema, já
largamente percebido como injusto e cruel pela opinião pública internacional, carece
de uma reforma muito mais profunda. Enquanto ela não ocorre, sua crise de
credibilidade irá comprometer o desenvolvimento do direito internacional.
3.3. O sistema de resolução de disputas da OMC
Com a finalização da Rodada UruguaiCCXXVI
e com a criação da OMC, em
funcionamento desde 1995, procurou-se reformar o sistema de resolução de disputas
de tal forma que seus problemas passados fossem corrigidos e sua eficácia
aumentasse de maneira considerável. Assim, mesmo com suas muitas limitações, o
sistema de resolução de disputas atual, consubstanciado nos “Entendimento sobre
Regras e Procedimentos Governando a Resolução de Disputas” (DSUCCXXVII
),
configura um dos principais alicerces da OMC.
3.3.1. Histórico582
O sistema de resolução de disputas do GATT, assinado em 1947, funcionou
de seu início até o final da década de 60, de fato, mais como um foro de conciliação
do que como um mecanismo de arbitragem. Posteriormente, em 1979, as práticas
desenvolvidas foram codificadas e o sistema adquiriu o caráter de arbitragem
CCXXVI Para um histórico das negociações da Rodada Uruguai, bem como uma exposição genérica dobre o GATT, V. “GATT, MERCOSUL & NAFTA”, por Durval de Noronha Goyos Jr., Observador Legal Editora,
São Paulo, 1993. CCXXVII A sigla deriva do inglês Understanding on Rules and Procedures Governing the Settlement of
Disputes.
325
propriamente dita. Em 1989, já durante a Rodada Uruguai, foi reconhecido o direito
de se exigir a constituição de um painel e um procedimento que permitia a
nomeação de árbitros pelo Diretor Geral.
O grande ponto fraco do sistema era que ele permitia às partes contratantes
ignorá-lo, por condicionar a instalação de um painel de arbitragem do GATT ao
consentimento do estado-membro acusado. O sistema de indicação de árbitros
também tinha falhas graves a ponto de, exemplificadamente, na questão dos
audiovisuais entre UE e o Japão, ter-se decorrido um ano apenas para sua seleção.
Em outros casos, o país julgado parte culpada ignorava, bloqueava ou procrastinava
a implementação do laudo arbitral.
Encontrava-se totalmente desmoralizado o sistema de resolução de disputas
do GATT quando foi lançada a Rodada Uruguai. As falhas sistêmicas eram
múltiplas, mas as queixas unânimes recaiam sobre a possibilidade de bloqueio na
instalação de um painel de arbitragem e na falta de exeqüibilidade dos laudos
arbitrais. De fato, o grande ponto fraco do sistema era que ele permitia às partes
contratantes ignorá-lo, por condicionar a instalação de um painel de arbitragem ao
consentimento do réu.. Outros problemas apontados diziam respeito a falhas
processuais e delonga nos procedimentos da arbitragem583
.
Os EUA e a UE foram os grandes e notórios transgressores (particularmente o
primeiro) pelo insucesso do sistema, o que não os impediu de serem,
contemporaneamente, seus maiores críticos. No sistema do GATT, havia igualmente
o grande empecilho da prática de tentativa de resolução unilateral das disputas,
totalmente vedada pelas normas aplicáveis ao comércio multilateral. O grande
campeão deste grave desvio da ordem jurídica foram os EUA, mediante a criação do
dispositivo Super 301 da Lei Ônibus de Comércio e Competição de 1988. Nos EUA,
prevalecia a posição oficial de que "ação unilateral é também um catalista
importante para ação internacional" e um presidente, George Bush, encarregou-se
pessoalmente de anunciar a recusa de seu país ao cumprimento de um laudo arbitral
do GATT584
.
Alguns países desenvolvidos, principalmente o Japão, tornaram-se,
juntamente com os países em desenvolvimento, vítimas das medidas unilaterais
diversas, através as quais os EUA obtiveram vantagens comerciais tanto mediante os
infames acordos de contenção voluntária, como através de tarifas ditas
compensatórias que impossibilitavam o acesso de produtos internacionalmente
competitivos aos seus mercados domésticos. Foi principalmente o abuso à ordem
jurídica do GATT que levou o Japão a ser o primeiro país, outro que os EUA, a
solicitar a abertura de uma nova rodada de negociações do sistema, que viria
posteriormente ser denominada Rodada Uruguai. Pretendia o Japão um aumento da
juridicidade do sistema585
.
Por sua vez, os países em desenvolvimento, as principais vítimas do abuso
institucionalizado no unilateralismo e na inobservância da lei, embora recusando a
326
inclusão das chamadas áreas novas, enquanto o comércio tradicional não viesse a
integrar o sistema multilateral de comércio, apoiaram a reforma do sistema de
resolução de disputas e o aumento da juridicidade no âmbito do GATT. Como
habitualmente fazem em negociações internacionais, os EUA cooptaram a iniciativa
japonesa para seu próprio benefícioCCXXVIII
. Pretenderam influenciar a reformulação
do sistema, de tal forma que aumentasse sua eficácia, da mesma forma que
cuidavam de manter seu ordenamento jurídico interno, o que inclui todo o arsenal
unilateral, situado acima dos tratados internacionais na hierarquia das normas.
Assim, poderiam os EUA executar decisões a si favoráveis contra seus parceiros
comerciais, mas também poderiam neutralizar decisões a si adversas com o
instrumental unilateral, por serem um dos maiores mercados mundiais e uma grande
potência.
Alguns autores norte-americanos procuram minimizar o fracasso do sistema
no GATT nos seguintes termos: “O mecanismo era único. Era também defeituoso,
devido em parte ao difícil início do GATT. Todavia, tais procedimentos
funcionaram melhor do que o esperado, e pode-se argumentar que funcionaram
melhor do que a Corte Internacional de Justiça?”586
Esta parece-me seja uma
axiomática observação para quem vê o funcionamento do sistema a partir da
perspectiva etnocêntrica do país que mais se locupletou de sua ineficácia.
3.3.2. Procedimentos587
O passo inicial do sistema de resolução de disputas da OMC é dado pelo
pedido formal de consultas da parte de um membro a outroCCXXIX
. O direito de ação
cabe apenas ao estado soberano membro da OMC. Da mesma forma, a jurisdição do
sistema alcança apenas os estados soberanos membros e não pessoas físicas ou
jurídicas de direito privado. O pedido formal de consultas é comunicado ao Órgão
de Resolução de Disputas (ORD). O membro notificado terá 10 dias para responder
ao pedido e deverá entrar em consultas no período de 30 dias do recebimento da
notificação para tentativas de solução amigável da pendência. Na falha de
observância do mecanismo, de parte do membro notificado, ou ainda na hipótese das
consultas resultarem estéreis, então o membro prejudicado poderá solicitar a
formação de um painel de arbitragem.
Uma vez solicitada a instalação de um painel, o ORD promoverá sua
constituição, a menos que, por consenso, decida-se não o fazer, o que inverteu a
situação prevalecente no GATT. Qualquer terceiro estado membro interessado em
uma dada disputa poderá fazer-se ouvir pelo respectivo painel, sem todavia
CCXXVIII V. por exemplo, o depoimento da Representante Comercial dos EUA perante a Subcomissão de
Comércio do Senado: "In the Uruguay Round negotiations, Congress made a more effective GATT dispute
settlement system a principal U.S. Negotiating objective.US interests and experience in the wto dispute
settlement system, testimony of Ambassador Charlene Barshefsky, 20/06/00. CCXXIX V. Artigo 4 do Entendimento sobre Regras e Procedimentos Governando a Resolução de Disputas.
327
constituir parte no processo, já que o sistema de resolução de disputas, mui
desafortunadamente, não incorporou o instituto do litisconsórcioCCXXX
. Como
consolação, as ponderações do terceiro interessado serão levadas em consideração
para fins da decisão consubstanciada no laudo arbitral. No sistema idiossincrático da
OMC, cabe ao coordenador do ORD a incumbência de definir o objeto da ação, o
que é denominado "termo de referência"CCXXXI
, com base evidentemente na petição
inicial. Na prática, todavia, esta função tem sido delegada ao Secretariado da OMC,
o que tem dado origem a muitas críticas, como veremos mais adiante.
Os trabalhos do painel de resolução de disputas são confidenciaisCCXXXII
. Suas
reuniões são realizadas em regime fechado, permitida a presença das partes
diretamente envolvidas na disputa e dos estados membros terceiro interessados, que
não têm direito a apelaçãoCCXXXIII
. As deliberações do painel, bem como as petições
e arrazoados apresentados são cobertas pela confidencialidadeCCXXXIV
. Os painéis
estabelecem os prazos para a produção dos arrazoados das partes, caso a casoCCXXXV
.
Os laudos arbitrais são minutados sem a presença das partesCCXXXVI
. Opiniões
individuais dos árbitros são anônimas e, quando minoritárias, excluídas do
relatórioCCXXXVII
. Petições ex parte ou inaudita altera pars não são
admitidasCCXXXVIII
. As regras processuais do sistema não aceitam a argüição de
preliminares; não permitem a reconvenção; e desprezam o instituto do litisconsórcio
passivo; e confundem o tratamento do litisconsórcio ativoCCXXXIX
. Não há, no
sistema, um processo físico ou mesmo virtual, uma pasta do caso, como nos
processos judiciais ou arbitrais em todo o mundo.
Como o sistema foi concebido por diplomatas e não por juristas, abundam
falhas processuais, bem marcadas pela semântica imprecisa da diplomacia, com
eufemismos sopitados que, no contraditório, representam um grave obstáculo à
administração da justiça. Os problemas semânticos abaixo apontados, a título
exemplificativo e não exaustivo, bem indicam as graves deficiências processuais do
sistema.
Os painéis de arbitragem terão 3 ou 5 árbitros selecionados pelas partes da
relação de árbitros da OMC, os quais não poderão ser nacionais dos estados objeto
da disputa e devem atuar independentemente dos interesses de seus respectivos
CCXXX O litisconsórcio ativo somente é admitido quando a reclamação é conjunta. O litisconsórcio passivo não
é admitido. CCXXXI V. artigo 7 do Entendimento sobre Regras e Procedimentos Governando a Resolução de Disputas. CCXXXII V. artigo 14 do Entendimento sobre Regras e Procedimentos Governando a Resolução de Disputas. CCXXXIII V. artigo 17 (4) do Entendimento sobre Regras e Procedimentos Governando a Resolução de
Disputas. CCXXXIV V. item 3 do Anexo 3 do Entendimento sobre Regras e Procedimentos Governando a Resolução de
Disputas. CCXXXV V. artigo 12 (6) do Entendimento sobre Regras e Procedimentos Governando a Resolução de Disputas. CCXXXVI V. artigo 14 do Entendimento sobre Regras e Procedimentos Governando a Resolução de Disputas. CCXXXVII Idem. CCXXXVIII V. artigo 18 do Entendimento sobre Regras e Procedimentos Governando a Resolução de Disputas. CCXXXIX V. nota 8 supra.
328
países. Na eventualidade de não haver consenso na escolha, então o Diretor Geral
indicará a composição do painel. O painel terá o direito de obter informação ou
aconselhamento técnico de qualquer indivíduo ou órgão sob sua jurisdição. As
deliberações do painel serão confidenciais e a redação do laudo será feita sem a
presença das partes. O painel deverá apresentar seu laudo dentro do período máximo
de 6 meses. A questão da adoção do laudo arbitral também foi alterada radicalmente.
Na sistemática da OMC, o laudo passou a ser aprovado automaticamente, devendo
entrar em vigor dentro de 60 dias de sua comunicação às partes, a menos que uma
decisão por consenso o rejeite, ou que uma das partes apele da decisão.
O grau de recurso é também uma novidade no âmbito da OMC. O órgão de
apelação tem 7 árbitros nomeados e cada painel de apelação terá necessariamente 3
árbitros, o que se denomina em conjunto de "divisão". Não há provisão do DSU
sobre sessão plenária dos árbitros do grau de apelação. O prazo máximo para uma
decisão é de 60 dias, devendo o laudo de apelação levar em consideração todos os
pontos argüidos pela parte recorrente. A adoção do laudo recursal também tem a
mesma característica de automaticidade daquele de primeira instância. Na
eventualidade de recusa de cumprimento por parte do membro derrotado, a parte
vencedora poderá pedir compensações, mediante a suspensão de concessões e\ou
criação de medidas compensatórias que onerem as exportações do vencido. O artigo
22 do Entendimento Governando a Resolução de Disputas (DSU) requer, todavia,
que antes de qualquer iniciativa unilateral neste sentido, as partes devem
desenvolver um esforço de acordar na definição das compensações.
Os árbitros da OMC, tanto em primeira como em segunda instância,
funcionam em caráter ad-hoc, portanto em base não permanente. Freqüentemente,
não residem em Genebra, a sede da OMC, e não tem nenhuma infra-estrutura de
apoio a suas atividades. Para tanto, devem valer-se do suporte técnico e assistência
do Secretariado "nos aspectos legais, procedimentais e históricos"CCXL
das questões.
A natureza deste "suporte" também tornou-se objeto de acrimoniosas críticas, que
serão analisadas mais adiante.
Há quem queira atribuir ao laudo arbitral da OMC a natureza jurídica de
parecer, pelo fato de só adquirir a plenitude de sua eficácia jurídica após a
homologação pelo ORD588
. Trata-se de interpretação equivocada. A homologação
pelo ORD somente não ocorrerá se a parte vencedora renunciar ao direito conferido
ou se houver a apelação, o que implica em ter o laudo exatamente o significado de
uma sentença, por ser declaratório do direito preexistente, compondo a lide em
resposta ao pedido do autor, solucionando o conflito de interesses evidenciado na
disputa. Da mesma forma, há quem subscreva o dislate de que o sistema de
resolução de disputas seria um "processo político diplomático"589
, o que significaria,
se correta a posição, que teria havido, nos tratados de Marraqueche, a renúncia à
juridicidade e do devido processo legal, o que absolutamente não ocorreu.
CCXL V. artigo 27 do Entendimento sobre Regras e Procedimentos Governando a Resolução de Disputas.
329
A cronologia dos trabalhos dos painéis de arbitragem da OMC, em primeira
instância, é demonstrada nos seguintes quadros: Proposta Cronológica para o Trabalho do Painel de Primeira Instância
Tipo de trabalho Período
Recebimento das primeiras submissões escritas das Partes
Reclamantes
3 a 6 semanas
Recebimento das primeiras submissões escritas das Partes
Reclamadas
2 a 3 semanas
Dia, hora e lugar do primeiro encontro substantivo com as
partes; sessão do terceiro interessado
1 a 2 semanas
Recebimento dos rebotes escritos das partes 2 a 3 semanas
Dia, hora e lugar do segundo encontro substantivo com as
partes
1 a 2 semanas
Emissão da parte descritiva do laudo às parte 2 a 4 semanas
Recebimento dos comentários das partes à parte descritiva do
laudo às partes
2 semanas
Emissão do laudo preliminar, incluindo razões e conclusões às
partes
2 a 4 semanas
Prazo final para a parte requerer revisão de parte(s) do laudo 1 semana
Período de revisão pelo painel, incluindo possível encontro
adicional com as partes
2 semanas
Emissão de laudo final às partes da disputa 2 semanas
Circulação do laudo final aos Membros 3 semanas
3.3.3. Algumas mudanças importantes no mecanismo
Entre as diversas falhas do sistema anterior, havia o grande empecilho da
prática de tentativa de resolução unilateral das disputas, prática esta ilegal frente ao
GATT. O grande campeão desta prática, como de resto de todas as violações do
direito internacional na área comercial, foram os EUA que, no caso, criaram o
dispositivo Super 301 da Lei Ônibus de Comércio e Competição (US Omnibus
Trade and Competitiveness Act) de 1988. O enorme peso da responsabilidade quase
que total pela ineficácia do sistema de resolução de disputas então vigente não
impediu os EUA de serem o seu maior crítico590
. Um caso notório que exemplifica
bem a questão das tentativas de resolução unilateral e de legislar extra-
territorialmente, por parte dos EUA, foi o da pesca do atum. Por razões meritórias de
proteção ambiental, os EUA, na década de 80, alteraram sua legislação de proteção a
mamíferos marinhos (MMPA)591
, para pretender, de forma ilegal, aplicá-la aos
países cujas frotas pescassem no oceano pacífico tropical oriental. Na eventualidade
de não observância, um embargo às importações de atum e sanções comerciais
poderiam ser decretadas pelo governo dos EUA.
Foi o que os EUA fizeram no México, o qual solicitou a instalação de um
painel no GATT. Vinte e dois outros paísesCCXLI
também submeteram petições;
CCXLI A União Européia e mais 10 países.
330
todos em apoio à posição de ilegalidade face ao direito internacional das partes
relevantes do MMPA. O painel do GATT deu ganho de causa ao México, como não
poderia deixar de ser. Isto indignou certos setores da opinião pública norte-
americana, inclusive surpreendentemente alguns ligados à área jurídica, que
repetiram o jargão oficial de que “ação unilateral é também um catalista importante
para ação internacional.”592
(sic). A palavra final dos EUA foi dada por ninguém
menos que o ex-presidente George Bush que declarou publicamente que o país não
iria cumprir o laudo arbitral do GATT.
Nesse sentido, um dispositivo de grande importância do DSU (artigo 23 e
seguintes) diz respeito ao fortalecimento do sistema multilateral, proibindo os
estados membros de tomar decisões unilaterais com relação à violação de direitos
nos termos do GATT. Este dispositivo é um flagrante ataque à pioneira e
singularmente infame legislação dos EUA denominada Super 301. Todavia, somente
o futuro dirá se este dispositivo de grande alcance e de fundamental importância
para o direito internacional será observado pelos EUA. Neste particular, vale
lembrar que, no ordenamento jurídico norte-americano, ao contrário do que ocorre
nos outros países, o tratado internacional do GATT figura, na hierarquia de normas,
abaixo da legislação federal dos EUA. De qualquer forma, os setores não cobertos
pelo GATT estarão seguramente ameaçados pela Super 301.
O DSU tem ainda um certo número de artigos dispondo sobre a possibilidade
da utilização do ORD para a resolução de disputas não cobertas por um acordo base,
mas que, na opinião de um estado-membro possa anular ou neutralizar um benefício
comercial, o que ampliou o campo de atuação do órgão, dando-lhe maior capacidade
de resolver conflitos entre os estados membros.
Por último, vale a pena mencionarmos a questão da “balcanização” dos
procedimentos de resolução de disputas, havido com a multiplicidade de acordos,
cada qual com suas regras próprias de arbitragem, celebrados com a finalização da
Rodada Tóquio. Em nosso ponto de vista, este problema foi devidamente
solucionado com o DSU e com a criação da ORD. Assim, as negociações da Rodada
Uruguai criaram um sistema de resolução de disputas muito mais próximo do
sistema judiciário. Isto ocorreu porque a UE e outros decidiram que um sistema mais
adjudicativo seria desejável como meio de limitar a tendência dos EUA de tomar
medidas comerciais unilaterais, sob a argumentação de que o sistema do GATT era
inadequado593
.
Em que pesem os avanços acima, e o relativo ganho de autoridade do sistema
e de impositividade das suas decisões, persistem inúmeras falhas no sistema,
conforme será visto nos tópicos a seguir.
331
3.3.4. Falhas institucionais e processuais do sistemaCCXLII
Não se pode alegar surpresa pela falência orgânica de um sistema criado para
a prestação jurisdicional no direito do comércio internacional sem pagar a menor
atenção às estruturas legais e à experiência do direito na processualística, por
milhares de anos. Produto de um devaneio tresloucado da diplomacia nefelibata,
segundo o qual se poderia promover a resolução de conflitos sem um sistema
contencioso, não é de surpreender que o sistema tenha revelado-se impotente de,
com eficiência e rigor científico, cumprir seus objetivos594
.
O primeiro princípio tradicional do devido processo legal que é violado pelo
sistema de resolução de disputas da OMC é o da publicidade. Desta falha decorre
uma falta de transparência na ação dos governos, o que impossibilita o controle
democrático de suas ações e frustra a apuração de responsabilidades, inclusive
penais, de seus agentes. Alguns países, como o EUA, reagiram ao problema não
somente disponibilizando suas petições ao público em geral, assim que apresentadas,
mas também solicitando opiniões sobre os temas de relevância595
. Esta posição é
todavia minoritária.
Também é falha a transparência da atuação dos burocratas da divisão jurídica
do secretariado. A OMC tem a ousadia de recusar-se, por escrito, a revelar o
respectivo componente nacional, mas o agrupamento é claramente marcado por
profundo etnocentrismo. Na prática, a atuação desta burocracia anônima e sub-
reptícia tem revelado-se fundamental na seleção dos árbitros; na definição dos
termos de referência (objeto da lide); na apresentação de subsídios legais e
jurisprudenciais; e até na redação das decisões. Segundo alguns, as decisões dos
painéis deixaram de ser independentes, em vista de tal determinante influência do
secretariado596
. Realmente, é de se suspeitar se ao menos uma, das dezenas de
decisões do sistema de resolução de disputas da OMC, obedece a critérios de
independência aplicáveis à função jurisdicional existentes em sociedades
democráticas.
Outro dos principais defeitos do sistema é, como já mencionado
anteriormente, a inadmissibilidade do instituto da reconvenção. Isto faz com que se
instale um painel para a reclamação de uma parte; e um outro, com árbitros distintos,
para a reclamação da outra parte, numa matéria conexa e, obviamente, com as
mesmas partes. Tal situação possibilita, em tese, que os laudos dos dois painéis
sejam diversos e até contraditórios, promovendo o desequilíbrio. A possibilidade da
ocorrência de tal insólita e injusta situação não é remota, já que no curto período de
existência da OMC tivemos um exemplo contundente nos casos Canadá vs. Brasil e
Brasil vs. Canadá, que serão comentados no capítulo seguinte desta apresentação.
Uma situação análoga de decisões díspares ou conflitantes sobre o mesmo
CCXLII O Sistema de resolução de disputas da organização mundial do comércio e os países em
desenvolvimento - artigo publicado na "revista de economia e direito", vol.vi, nº2, universidade autónoma de
lisboa, portugal, 2001
332
caso pode ocorrer em circunstâncias de litisconsórcio ativo quando são formados
painéis distintos para os litisconsortes ou grupos deles. O problema pode ser
agravado pela inexistência de normas fixas para os prazos, que são fixados em cada
painel, o que traz o germe da instabilidade processual. Da mesma forma, a definição
dos chamados "termos de referência" preocupa pelo potencial de agravar as falhas
do sistema, pois em tese podem ser diversos para casos conexos. Assim, no sistema
de resolução de disputas da OMC, a possibilidade existe que um mesmo caso possa
ter dois ou mais painéis diferentes, dois ou mais termos de referência distintos, e
duas ou mais decisões divergentes.
Outra falha do sistema diz respeito à sua omissão no tratamento das questões
preliminares, como por exemplo as pertinentes aos conflitos entre tratados.
Conforme lição do maior especialista inglês em direito internacional, "há
circunstâncias em que um painel deveria ser capaz de resolver as disputas
resolvendo os casos preliminarmente”597
. De fato, há questões como as de conflito
entre tratados internacionais que justificam a decisão preliminar. Tais conflitos
ocorrem, por exemplo, entre os direitos assegurados a países em desenvolvimento
signatários da cláusula transitória do tratado do Fundo Monetário Internacional e as
obrigações decorrentes dos tratados da Rodada Uruguai. Infelizmente, esta desditosa
hipótese é já uma realidade, tendo prejudicado gravemente países em
desenvolvimento como a Argentina, a Coréia, a Indonésia, Índia e o Brasil, como
veremos no capítulo seguinte desta apresentação.
Por sua vez, a questão da produção de provas, essencial em qualquer processo
litigioso, recebeu atenção marginal na regulamentação do sistema, de vez que
tratada perfunctoriamente no artigo 13 do DSU, que cuida basicamente da perícia.
Como a processualística probatória é deficiente, tornou-se de grande relevância a
discussão da temática do ônus da prova, nas questões apresentadas ao sistema de
resolução de disputas da OMC até hoje. A inexistência de um processo físico ou
mesmo virtual dificulta mais ainda o trabalho dos árbitros e prejudica a
transparência do sistema.
Com relação ao órgão de apelação, também são importantes alterações para
torná-lo dotado de normas processuais que lhe forneçam maior eficiência e que
permitam-lhe funcionar como instrumento de afirmação da ordem jurídica. Por
exemplo, deve-se prever que a segunda instância decida questões apenas de direito e
não mais de fato. Para tanto, deve-se antes melhorar a sistemática de produção de
provas em primeira instância. Da mesma forma, deve-se coibir a tendência
legislativa no órgão de apelação, já que os membros da OMC não derrogaram sua
soberania para a celebração de tratados internacionais, mas apenas submetem-se à
arbitragem em questões de fato específicas e com sanções delimitadas em acordos
multilaterais.
Por último, a questão da execução dos laudos também carece de uma
formatação processual que elimine todos os problemas havidos no funcionamento do
333
sistema de resolução de disputas da OMC. Em alguns casos, como na famosa
questão das bananas entre a UE e os EUA, e também no contencioso da indústria
aeronáutica entre o Brasil e o Canadá, a implementação dos laudos deu margem a
novos painéis de arbitragem. As falhas nesta delicada área da execução podem não
somente tornar todo o processo ineficaz, mas acelerar a criação de medidas
unilaterais para o exercício arbitrário da própria concepção do resultado de uma
arbitragem, como fizeram recentemente os EUACCXLIII
.
3.3.5. Falhas operacionais do sistema
Vimos anteriormente como a estrutura processual falha do DSU compromete
irremediavelmente sua juridicidade e como a falta de transparência do sistema
permite a ação de um pequeno grupo de burocratas da divisão jurídica do
secretariado, de formação etnocêntrica e manipulado pelas principais potências
comerciais, a distorcer a ordem jurídica e a fazer do sistema de resolução de disputas
da OMC uma trágica caricatura. A estrutura bizarra do sistema permitiu, em pouco
mais de uma década de funcionamento, a par do grotesco, graves distorções e
injustiças contra os países em desenvolvimento e suas populações de miseráveis,
como examinaremos adiante.
Dois casos, em particular, marcaram não somente uma derrota de dramáticas
proporções estratégicas para os países em desenvolvimento, bem como uma ilegal
derrogação de seus direitos decorrentes de outro tratado internacional, no caso o do
Fundo Monetário Internacional, de potenciais devastadoras conseqüências
econômicas e sociais. O tratado do Fundo Monetário Internacional admite restrições
financeiras e comerciais decorrentes de situações de crise no balanço de
pagamentos. Tais restrições foram expressamente admitidas pelo Entendimento
sobre Dispositivos a respeito de Balança de Pagamentos do GATT 1994. Pois, em
ambas as questões, o ORD derrogou tais direitos. Os casos envolveram, de um lado,
a Índia, acionada pelos EUA; e, de outro, o Brasil, acionado pelos Canadá. Não
resulta claro o porquê de terem Índia e Brasil aceito a jurisdição da OMC nas
respectivas questões.
O primeiro destes casos, movido pelos EUA contra a Índia, diz respeito a
restrições quantitativas mantidas pelo réu para a importação de aproximadamente
2.700 produtos agrícolas, têxteis e industriais que, segundo os autores, seriam
inconsistentes com os dispositivos relevantes do Acordo sobre Agricultura e do
Acordo sobre Licenciamento de Importações. A Índia defendeu-se, em linhas gerais,
com base no argumento principal de que era signatária da cláusula transitória do
tratado do Fundo Monetário Internacional, e que portanto administrava, nos termos
do permitido por aquele tratado, controles cambiais e os fluxos financeiros
CCXLIII Em 18 de maio de 2000, Mediante a denominada Africa trade bill, conforme US, UE reject
compromise proposal by Japan on reform of WTO rules, in International Trade Reporter, 12/10/2000, p.
1542 e 1543.
334
internacionais, em função do desequilíbrio no balanço de pagamentos. Mais ainda,
tal situação era admitida pelos tratados da Rodada Uruguai. Especificamente, alegou
a Índia que suas restrições quantitativas eram uma direta decorrência do mecanismo
de administração do balanço de pagamentos. O painel de primeira instância,
presidido por um brasileiroCCXLIV
, escandalosamente deu contra legem ganho de
causa aos EUA. A decisão foi confirmada em segunda instância.
O segundo dos casos inicialmente referidos diz respeito a alegados subsídios
ilegais à indústria aeronáutica brasileira, por conta do programa de financiamento a
exportações (PROEX) mantido pelo o Brasil. Segundo o autor, o Canadá, a
equalização de taxas de juros do PROEX, mediante a qual o governo brasileiro
pagava a diferença entre o custo de captação da empresa aeronáutica local
(EMBRAER) e os custos de captação praticados nos mercados internacionais para
companhias de países desenvolvidos. Também esta situação de condições adversas
de captação é reconhecida pelo tratado do Fundo Monetário Internacional, pois o
Brasil era na ocasião signatário da cláusula transitória. Igualmente, a especificidade
é reconhecida pelos tratados da Rodada Uruguai. Todavia, o Brasil não lançou mão
do argumento, talvez porque seu Embaixador junto à OMC tivesse sido o presidente
do painel do caso EUA versus Índia. Assim, uma defesa no mínimo canhestra levou
o Brasil à maior derrota jamais sofrida por um país no âmbito da OMC, tendo que
compor concessões ao Canadá de aproximadamente US$ 1,5 bilhão.
Dentre as bizarrias do ORD encontra-se a decisão do painel que decidiu o
caso sobre alegados subsídios praticados pela Austrália à manufatura de bancos de
couro para a indústria automobilística598
. O caso foi movido pelos EUA. O painel
chegou à grotesca decisão de determinar que a indústria australiana subsidiada
devolvesse os montantes percebidos à guisa de subsídios ilegais. Ora, sabemos que
as partes privadas não têm direito de ação no DSU. Sabemos ainda que, no devido
processo legal, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude
de lei e que uma sentença condenatória não é aplicável a quem não é parte do
processo. Na mesma linha, o órgão de apelação do ORD decidiu, no caso dos
camarões, movido pela Índia e outros contra os EUA, a admissibilidade do amicus
curiae no processo do DSU, sem que haja previsão legal para tanto, nem sequer
normas de procedimentoCCXLV
.
Continuando com as bizarrias, no caso movido pela UE contra os EUA sobre
o arsenal unilateral norte-americano, incorporado na seção 301 do Ato de Comércio,
flagrantemente ilegal, um painel decidiu que a referida lei era inconsistente com as
normas da OMC, mas deixou de sancionar a conduta ilegal, com base na promessa
dos EUA de não aplicar a lei em contravenção às referidas normas!599
Imediatamente, os EUA alardearam vitória, alegando que a decisão do painel
CCXLIV O Embaixador Celso Lafer. CCXLV EUA, Proibição à Importação Camarões e de Certos Produtos Derivados de Camarões, reclamação de
Índia, Malásia, Paquistão e Tailândia (WT\DS58).
335
reconheceu a legalidade da legislação doméstica600
. No caso movido pela Coréia
contra os EUA a respeito de compras governamentais, um painel decidiu que tinha
competência para julgar a questão do erro em negociações de tratados
internacionais!601
. Mais ainda, no terceiro caso a respeito de discriminação imposta
pela UE contra importações de bananas da América Latina, foi reconhecido o direito
de ação dos EUA, um país que não exporta bananas.602
As características tragicômicas do relatado neste capítulo seriam menos
contundentes se o sistema não tivesse decidido, na devastadora maioria dos casos,
contra os países em desenvolvimento, como veremos no próximo segmento.
3.3.6. Conclusão603
O sistema de resolução de disputas da OMC, que tantas esperanças havia
dado aos países em desenvolvimento, foi um grande desapontamento. O sistema,
desde o início controlado pelas agências de inteligência dos países hegemônicos,
caracterizou-se pela falta de transparência; pela usurpação dos direitos dos países em
desenvolvimento; por decisões disparatadas; e pela não-execução de suas decisões.
A necessidade da reforma do sistema de resolução de disputas da OMC,
essencial para o reconhecimento dos direitos e combate aos abusos, foi amplamente
reconhecida pelos estados membros do sistema multilateral do comércio. Assim,
foram sugeridas modificações para todos os artigos e anexos do Entendimento sobre
a Resolução de Disputas, mas o processo de reforma encontra-se emperrado desde
2003 e não faz parte do chamado compromisso único da Rodada Doha.604
O sistema de sanções da OMC deixa muito a desejar e permite ao país
derrotado numa disputa manter a política julgada ilegal ou inconsistente ante as
normas multilaterais de comércio. De fato, a primeira das sanções da OMC é a
determinação quanto à retirada da medida ilegal. Todavia, ela não é mandatória e
permite ao estado-membro derrotado manter a medida julgada ilegal, o que ocorre
com grande freqüência.
Assim, o segundo patamar de sanções é chamado de compensação, que nada
tem a ver com o significado etimológico do termo. A chamada compensação é o
acordo entre os dois ou mais estados membros partes da disputa na majoração das
tarifas de outro produto de exportação do estado derrotado, por parte do país
vencedor. Se não houver acordo, então o estado vencedor será autorizado pela OMC
a proceder à retaliação, ou seja, a majoração unilateral de tarifas para um dado
produto de exportação do estado-membro derrotado.
Ocorre que o regime de sanções da OMC é ineficaz605
e, além de não
sancionar efetivamente o regime jurídico ilegal de um dado estado-membro, ainda
pune a corrente saudável de comércio entre os dois estados envolvidos numa dada
disputa, através dos disparatados mecanismos de compensação e retaliação. Assim,
uma questão envolvendo um produto agrícola, como o algodão, pode terminar numa
336
majoração tarifária aplicável a um terceiro produto, mesmo de outro segmento,
como o automobilístico, por exemplo. A medida agrícola original poderá
permanecer em vigor, em nada beneficiando o estado-membro vencedor e seus
produtores uma vitória no âmbito do sistema de resolução de disputas da OMC.
Dessa maneira, sob a ótica imediata dos produtores nacionais, um processo de
defesa comercial, seja antidumping, salvaguardas ou de medidas compensatórias é
mais eficaz, já que ataca diretamente os efeitos danosos da prática ilegal no mercado
doméstico. Todavia, internacionalmente, esse processo deverá ser replicado em
outros países para garantir o acesso a mercado de terceiros estados, livre da
concorrência desleal do produto subsidiado ou vendido abaixo do preço de custo
doméstico. Por sua vez, o processo no âmbito da OMC tem eficácia direta quase
nula, tanto é que a maior parte das propostas para a reforma do sistema de resolução
de disputas da OMC trata de alterar sua natureza sopitada, trôpega e excessivamente
diplomática para um regime de maior juridicidade. De fato, um regime que não
pune, comanda o ato ilegal, como já de há muito lembrado por Leonardo da Vinci:
“Chi non punisce il male comanda lo si faccia". De qualquer maneira, uma vitória
no âmbito da OMC tem hoje um significado político e institucional de peso, que
pode ajudar a promover os argumentos do estado-membro vencedor nas tratativas de
acordos multilaterais e regionais.
Até fevereiro de 2000, dos 31 casos decididos em grau de apelação na OMC,
18 foram pertinentes a confrontos entre países em desenvolvimento e desenvolvidos.
Destes, 13 foram ganhos pelos países desenvolvidos, mais de dois terços, e apenas
quatro pelos países em desenvolvimento, dos quais dois com recusa de
implementação. O Brasil era até então o campeão das derrotas, tendo sucumbido em
quatro dos cinco painéis em que esteve diretamente envolvido contra países
desenvolvidos, seguido pela Índia com três derrotas e nenhuma vitória; Coréia com
duas derrotas e uma vitória; e Argentina com duas derrotas e nenhuma vitória.CCXLVI
606
Em 2005, por outro lado, o Brasil conseguiu duas importantes vitórias em
disputas agrícolas promovidas contra os EUA e a UE (envolvendo as políticas de
subsídios do algodão e o do açúcar, respectivamente). O resultado desses painéis
chegou a ser apontado como um divisor de águas no que diz respeito à credibilidade
do ORD no embate entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, no que diz
respeito às políticas de subsídios à área agrícola, colocando em xeque um pilar
sustentador do protecionismo dos países desenvolvidos. Isso porque tais vitórias
formaram jurisprudência, que pode apoiar novas investidas de produtores agrícolas
contra as políticas desleais de comércio praticadas por países desenvolvidos. Logo
após a publicação do resultado, o Brasil já estava estudando a uma possível nova
queixa contra os subsídios à soja, assim como Tailândia fazia em relação ao arroz e
CCXLVI Como no caso da indústria aeronáutica, perdido pelo Brasil contra o Canadá; no caso dos têxteis,
perdido pela Índia; e no caso dos bancos de couro, perdido pela Austrália.
337
a Argentina em relação ao milho e o trigo.
Ainda assim, a negociação permanece sendo a principal alternativa para uma
melhor organização do comércio internacional. De fato, por ocasião da publicação
dos resultados das disputas acima, o próprio diretor-geral da OMC, Supachai
Paniychpakdi, reconheceu em declarações dadas em agosto de 2005 que as vitórias
brasileiras na OMC tiveram um valor mais simbólico do que efetivo e que avanços
na abertura dos mercados agrícolas dependeriam ainda de muita negociação:
“Mesmo que ganhe casos como esses (contra os EUA e a UE), isso não significa que
ações vão produzir resultados. Entendo que possa ter um grande valor simbólico,
mas o valor real seria por meio da diplomacia.” 607
Na prática, devido às limitações
do sistema de resolução de disputas da OMC, o mecanismo de resolução de disputas
da OMC acaba tendo uma maior utilidade com forma de pressionar por um acordo
em bases mais vantajosas para o país vitorioso. Assim ocorreu com o caso
envolvendo café solúvel brasileiro exportado para a UE alguns anos antes do
julgamento do caso do açúcar. Somente depois de o Brasil iniciar o processo é que
Bruxelas aceitou o acordo, dando-lhe uma quota de 10 mil toneladas anuais, com
isenção de taxas.608
Essas importantes vitórias, de qualquer forma, tendem a ter um efeito
colateral benéfico de desencorajamento às violações desenfreadas do direito
internacional. Espera-se ainda que sejam levadas em consideração pelos países
desenvolvidos quando da redefinição de suas políticas agrícolas e comerciais.
3.3.7. Contenciosos de destaque na OMC
3.3.7.1. Açúcar contra a UE
A política européia do açúcar representa o mais patente exemplo da
atualidade em termos de práticas desleais do comércio. Ela está baseada em maciços
subsídios às exportações do excedente da produção doméstica, bem como às
exportações do açúcar importado dos países da ACP (África, Caribe e Pacífico). Em
ambos os casos, tanto em relação à quantidade como em relação ao valor, ocorre
violação dos compromissos de redução por parte da UE, citados acima, conforme o
ACORDO AGRICULTURA.609
Segundo o compromisso assumido pela UE, as suas
exportações de açúcar subsidiado deveriam ser reduzidas progressivamente,
chegando a 1,27 milhões de toneladas em 2001. Porém, o volume nesse ano foi de
4,7 milhões de toneladas.
Ante os prejuízos comerciais sofridos em decorrência dessa política, em
setembro de 2002, Brasil, Austrália e Tailândia submeteram a questão ao órgão de
resolução de disputas da OMC, argumentando que o Acordo da OMC sobrepõe
sobre outros acordos menores.
O contencioso baseou-se no fato de que o açúcar C seria vendido a preços
338
inferiores ao custo de produção no mercado internacional, devido ao sistema de
subsídios cruzados das quotas A e BCCXLVII
. De seu lado, para justificar sua política
indiscreta, a UE apegou-se a uma nota de rodapé em uma lista de concessões
apresentada pela Comunidade Européia na Rodada Uruguai que a liberava de
contabilizar subsídios que dava ao açúcar produzido nas suas antigas colônias da
ACP.
A decisão foi anunciada em agosto de 2004, dando ganho de causa ao Brasil.
O Órgão de Apelação da OMC recomendou que a UE reformulasse seu regime
açucareiro para que ficasse compatível com os acordos firmados no âmbito
multilateral. Apesar de a vitória ter sido confirmada pelo órgão de apelação em
28/04/2005, a UE não havia retirado os subsídios até agosto de 2005, pois a decisão
não tinha estipulado data limite para a mudança das regras.
O Brasil retomou o processo em meados de 2005 pedindo que a OMC
determinasse um prazo para a UE regularizar a sua política de açúcar, sob pena de
autorizar a retalização comercial por parte do Brasil e de seus parceiros na disputa.
Desde então, as autoridades têm feito reuniões mensais para acompanhamento e
implantação das medidas, não tendo havido uma definição até o fechamento desta
edição.610
3.3.7.2. Algodão contra os EUA611
Para manter a liderança na produção de algodão (20% da produção mundial),
os EUA gerem 6 programas diferentes de ajuda aos seus 25 mil produtores de
algodão.612
Entre 1999 e 2003, os gastos com esses programas foram de US$ 12,5
bilhões, ao passo que a cifra não poderia passar de US$ 8 bilhões, segundo os
compromissos da Rodada Uruguai.613
Com isso, na prática, esses produtores
receberam um dólar do Governo para cada dólar produzido.614
Como conseqüência dessa política desenfreada de subsídios, os cotonicultores
norte-americanos disponibilizam no mercado interno e externo volumes
extraordinariamente maiores do que aquele que produziriam em situações normais.
As conseqüências sobre o mercado mundial são trágicas. Entre 1995 e 2003, os
preços caíram de US$ 1,9 mil por tonelada para US$ 900615
, empobrecendo os
cotonicultores de todo o mundo, inclusive os brasileiros. Segundo o Banco Mundial,
se fossem retirados os subsídios americanos ao algodão, a produção desse país cairia
30% e as exportações 40%.616
Conseqüentemente, as cotações de algodão subiriam
12,7% em média.617
Em que pesem os acordos firmados na OMC, notadamente o ACORDO
AGRICULTURA, tais subsídios foram mantidos em níveis altíssimos na política
CCXLVII O regime de preços mínimos funciona com 3 cotas. Dentro da quota “A”, a UE compra açúcar a
preços mínimos para abastecer o mercado interno. A quota “B” tem direito a subsídios à exportação. A “C”,
que representa o excedente, é muitas vezes exportada e não poderia receber subsídios.
339
agrícola dos EUA, confiantes no escudo representado pela Cláusula da Paz. Assim,
entre outubro de 2002 e janeiro de 2003, representantes do Brasil, dos EUA e de
outros países prejudicados pela política do algodão norte-americana reuniram-se 3
vezes para tentar um acordo para a redução dessa política, sem sucesso. No entanto,
em virtude da Cláusula da Paz, pouco havia a ser feito, pois tais subsídios estavam
na categoria dos não-acionáveis, e não se submetiam às regras de resolução de
disputas estabelecidas no âmbito multilateral.
Terminado o ano de 2003 e expirada a Cláusula da Paz, os subsídios ao
algodão deixaram de ser tidos como não acionáveis, mas ainda assim os EUA
mantiveram intacta sua política. A essa altura, os EUA já deveriam ter reduzido sua
política de subsídios ao algodão para US$ 2,1 bilhões por ano. No entanto, ao invés
de reduzir, os EUA aumentaram tais medidas de apoio interno, que passaram de
US$ 2,3 bilhões para US$ 4,1 bilhão.618
Inconformado com essa postura descarada e intransigente, restou ao Brasil
recorrer ao ORD para exigir a retirada dos subsídios. A pedido do Brasil, um painel
foi aberto em março de 2004, resultando em vitória para a posição brasileira em
junho de 2004. O ORD concordou que os EUA desrespeitaram a Cláusula da Paz e
condenou os programas Production Flexibility Contract e Direct Payment por
entender que distorcem o comércio mundial de algodão, prejudicando outros
produtores, como o Brasil. O órgão também considerou o programa Step 2 um
subsídio ilegal, por estabelecer vantagens a empresas nacionais que comprassem o
produto americano em detrimento do importado. Somente esse programa consumiu
outros US$ 1,7 bilhão.619
Calcula-se que a eliminação do Step 2 seria suficiente para
aumentar os preços do mercado mundial, de 10 a 15%.620
Por fim, também foram
consideradas abusivas as “garantias de crédito”, que também eram dadas aos
produtores de soja, milho e arroz.621
Em março de 2005, a OMC confirmou a vitória e fixou sua decisão para dois
períodos distintos. No primeiro, com data para 1º de julho de 2005, ficou
determinado que algumas políticas de apoio às exportações deveriam ser eliminadas.
Para o segundo período, com data em 21 de setembro de 2005, ficou decidida a
alteração de grande parte da política norte-americana para o algodão, a fim de
minimizar os danos econômicos causados a diversos países. Posteriormente em
razão de um acordo entre o governo brasileiro e norte-americano, essa data foi
prorrogada para 1º de agosto de 2006.622
Após tudo isso, apesar da condenação, a política de subsídios dos EUA foi
mantida, razão pela qual o Brasil protocolizou, em julho de 2005, um pedido de
retaliação aos EUA, no mesmo valor dos prejuízos causados ao Brasil (cerca de US$
3 bilhões), por meio da quebra de patentes de empresas americanas. Porém, o Brasil
não aplicou esse direito e o deixou reservado para ser usado como instrumento de
pressão nas negociações da Rodada Doha.623
A idéia era preservar correntes
saudáveis de comércio e usar a decisão como argumento, não como arma.
340
3.3.7.3. Carne de frango contra a UE
Em outubro de 2002, a UE, por meio da Resolução Comunitária no 1223/02,
realizou reclassificação aduaneira de cortes de frango salgado e congelado. A
reclassificação, na prática, fez alterar a tarifa de importação de 15,4% para 75% ad
valorem.624
A medida foi claramente direcionada a barrar os exportadores
brasileiros, que estavam adicionando o mínimo de sal exigido (1,2%) nas
exportações destinadas ao bloco europeu, visando obter a tarifa mais baixa. Essa
barreira foi imposta num contexto em que os embarques para a UE atingiam 183 mil
toneladas em 2001 (contra 41 mil toneladas em 1997).
A concorrência forte do produto brasileiro ensejou a reação dos produtores
locais, que a partir de um lobby, conseguiram aprovar o aumento do teor de sal
mínimo para 1,9%.625
Por outro lado, a desculpa oficial foi de que o peito com os
níveis de sal exportados pelo Brasil não garantiria a preservação a longo prazo. O
Brasil contra-argumentou que seus embarques estavam de acordo com o sistema
harmonizado de classificação de tarifas no grupo 2, que não estabelece que o
salgamento garantiria a preservação da carne a longo prazo. Estima-se que o Brasil
deixou de ganhar US$ 300 milhões por ano nesse mercado, desde a imposição das
barreiras, em 2002.626
Dessa forma, em novembro de 2003, foi estabelecido o painel para discussão
do caso. A vitória do Brasil foi anunciada no início de 2005, tendo o ORD
determinado que a UE retornasse com a classificação anterior. Todavia, o painel não
indicou prazo para os europeus reverem suas medidas. Ante a condenação, o bloco
europeu chegou a publicar um novo regulamento, revendo a classificação, o que
gerou alívio aos exportadores brasileiros. Entretanto, em junho de 2006, a UE
comunicou a OMC de seu desejo de aumentar as tarifas de frango salgado, carne de
frango em conserva e de peru em conserva, estabelecendo quotas de importação e
prevendo ao Brasil o direito de compensação pela medida tomada. 627
Dessa forma,
foi firmado um acordo pelo qual o Brasil ficaria com 64,5% da quota de 264.245
toneladas de frango salgado e com tarifa de 15,4%. Para as vendas de frango
congelado, o Brasil ficou com 73 mil toneladas, com tarifa de 10,9%. Tais volumes,
apesar de significativos, são relativamente pequenos para o Brasil, que exportou um
total de quase 2,5 milhões de toneladas de frango em 2004.CCXLVIII
628
3.3.7.4. Carne de frango contra a Argentina
A Argentina havia imposto uma medida antidumping em 2001 contra o
frango proveniente do Brasil, sem provas para tanto. O Brasil, então, acionou a
CCXLVIII A Tailândia, após a negociação brasileira, conseguiu reduzir a tarifa de 10 para 8%. Essa decisão
beneficiou também o Brasil pela aplicação de regra básica do comércio internacional, Princípio da Nação
Mais Favorecida, pelo qual a concessão a um membro da OMC, deve ser estendida a outros.
341
medida perante OMC, o que levou a Argentina a retirar a barreira. Todavia, o Brasil
manteve a queixa para que ficasse consignado que não praticou dumping e
demonstrar que recorrerá ao mecanismo da OMC sempre que um parceiro comercial
infringir as normas internacionais de comércio. O laudo foi concluído em abril de
2003 e condenou a medida argentina.
3.3.7.5. Suco de laranja contra os EUA
Em agosto de 2002, o Brasil requereu à OMC a formação de painel para
investigar as tarifas impostas pelos EUA ao suco de laranja importado. Por meio do
imposto de equalização, Equalizing Excise Tax – EET, de cerca de US$ 40 por
tonelada, a receita obtida era usada em campanhas de publicidade em benefício dos
produtores da Flórida, ferindo o princípio do tratamento nacional. O Comitê de
arbitragem acabou sendo formado em julho de 2003. No final de maio de 2004,
porém, o mesmo foi extinto, após as partes chegarem a um acordo. O governo da
Flórida alterou as regras de cobrança do imposto, através das quais o importador
passou a poder optar pelo não recolhimento de 2/3 de tal tarifa, podendo determinar
que esses recursos não sejam utilizados nas campanhas publicitárias.629
630
3.3.7.6. Emenda Byrd
Em setembro de 2002, a OMC julgou procedente a reclamação apresentada
pelo Brasil, a UE e mais seis países contra a chamada emenda Byrd norte-americana.
A emenda autorizava que o governo repassasse a arrecadação com as medidas
antidumping ou anti-subsídios para as empresas americanas do setor prejudicado.
Esse sistema estimulava as companhias americanas a solicitar a abertura de novas
investigações, distorcendo o mecanismo antidumping. Esse caso não envolvia o
agronegócio diretamente, mas demonstra a importância do papel do ORD no
desencorajamento de práticas comerciais abusivas. No caso, os repasses que geraram
a disputa eram destinados aos produtores de aço, que receberam repasses estimados
em cerca de US$ 1 bilhão, entre 2001 e 2003. A OMC condenou os EUA a
alterarem sua legislação até dezembro de 2003, mas este não tomou essas
providências, o que levou os interessados a pedirem o direito de retaliação à
OMC.631
3.4. As negociações em andamento no âmbito da OMC
3.4.1. Introdução
As negociações internacionais são por natureza procedimentos extremamente
difíceis. Encontrar uma fórmula que se encaixe satisfatoriamente às necessidades e
idiossincrasias de cada país não é tarefa trivial, sobretudo quando se tratam de
negociações no nível multilateral, como são as da OMC, que conta atualmente com
342
149 membros. Em tese, como as decisões são tomadas por consenso, qualquer país
pode se opor a uma deliberação e atravancar negociações em andamento. Ao
contrário de outras organizações internacionais como o Banco Mundial e o Fundo
Monetário Internacional, na OMC o poder de decisão não se restringe a um “quadro
de diretores” ou a determinadas nações eleitas, sendo sim partilhado entre todos os
seus membros.
A maior vantagem desse processo de tomada de decisões é que confere maior
legitimidade a seus pronunciamentos, na medida em que cada membro, em tese, teve
a oportunidade de debater e votar sobre os diversos assuntos postos em discussão, de
acordo com os procedimentos previamente assinalados por todos. Por isso mesmo, o
consenso não é facilmente obtido, sendo que, por vezes, surgem discussões sobre a
necessidade de criação de um grupo mais reduzido de atores aptos a representar as
outras nações, sempre com a finalidade de perseguir um resultado mais célere.
Apesar de, como regra, as decisões tomadas dependerem do consenso, na
prática, se um país pequeno assumir posição inflexível nas negociações, pode ficar
isolado e até ser obrigado a sair da organização. O Brasil, por exemplo, precisou de
uma forte aliança com diversos países, entre os quais China e Índia para fazê-lo no
curso da Rodada Doha na busca de uma maior abertura da área agrícola. De seu
lado, para países desenvolvidos, essa sistemática tem dois inconvenientes: em
primeiro lugar, expõe sua política predatória face à opinião pública doméstica e
internacional, colocando o governo respectivo em maus lençóis; em segundo, dá
uma oportunidade maior de resistência aos grandes países em desenvolvimento.
Unidos em cartel, os países ganham forças e reduzem o nível de desgaste
perante a comunidade internacional. Para os países predatórios, a medida também se
mostra conveniente por poupar seus governos do opróbrio perante a opinião pública
e acrescem aquilo que acreditam seja uma massa irresistível de poder para dobrar a
vontade das vítimas do sistema multilateral do comércio, os países em
desenvolvimento.632
Esse contexto acaba estimulando a aglomeração de países com ambições
semelhantes e, conseqüentemente, a polarização das posições, como veio a
acontecer na Rodada Doha a partir da reunião de Cancún. De um lado, formou-se
uma parceria entre UE e EUA, voltada a uma abertura maior dos mercados dos
países em desenvolvimento que são alvo de sua política externa nos setores de
energia, serviços de meio ambiente, serviços financeiros, correios,
telecomunicações, construção, informática, arquitetura, serviços jurídicos, educação
e serviços audiovisuais. Por outro lado, não estão dispostos a abrir seus mercados
agrícolas e relutam em cortar os subsídios à área. Grosso modo, os países em
desenvolvimento uniram-se no sentido inverso. A maior parte deles procura uma
maior proteção para seus mercados de produtos manufaturados e de serviços,
expressiva parcela deles, incluindo o Brasil, ambicionam maiores concessões na área
agrícola.
343
A situação das negociações pelo aprofundamento dos compromissos
multilaterais para a liberalização do comércio agrícola serão analisada em maiores
detalhes neste tópico.
3.4.1.1. Posição brasileira
O Brasil, como grande parte dos países em desenvolvimento, tem muito a
ganhar com a liberalização do comércio agrícola e o conseqüente aumento das
vendas externas de produtos como carnes, soja, algodão, álcool e açúcar. A ONG
Oxfam calcula que a liberalização do comércio agrícola tiraria entre 72 milhões e
446 milhões de pessoas da linha da pobreza no mundo todo, sendo que o Brasil seria
um dos principais beneficiados, com uma geração de riqueza entre 1,5% e 5,5%.633
Na outra ponta, o país também não encontraria dificuldades em reduzir suas
tarifas de importação de produtos agropecuários, que são praticadas em níveis
menores que as tarifas consolidadas na OMC. Assim, cortes de até 50% não
afetariam as tarifas praticadas pelo Brasil, sendo que para alguns produtos (algodão,
milho e trigo), os cortes poderiam chegar sem maiores problemas a 80%.634
Diante disso, desde a Rodada Uruguai, o Brasil tem envidado esforços nas
negociações internacionais com o intuito de obter maiores progressos na abertura do
mercado mundial de produtos agropecuários. Com esse objetivo em vista, o país
passou a assumir uma posição mais pró-ativa nas negociações multilaterais. O
Brasil, ao lado da Austrália, foi um dos líderes do Grupo de Cairns, composto em
1986, durante as negociações da Rodada Uruguai, iniciada em 1986. O grupo, que
era composto por 15 grandes produtores agrícolasCCXLIX
, responsáveis por 20% das
exportações agrícolas mundiais, tinha o objetivo unir forças em prol do objetivo
comum de abrir o mercado agrícola mundial. Como visto anteriormente, foi graças a
essa associação que os países em desenvolvimento conseguiram travar as
negociações da Rodada Uruguai e conquistar a inclusão dos temas agrícolas no
sistema multilateral de comércio.
Posteriormente, em 2003, no curso da rodada Doha, o Brasil compôs-se com
China, Índia e alguns ex-membros do Grupo de Cairns em torno do G-20, do qual
novamente assumiu uma posição de liderança. O perfil dos países do G-20 é muito
variado. No núcleo, estão reunidos Brasil, Argentina, Índia, China e África do Sul.
Outros são movidos pela oposição aos países desenvolvidos, como Venezuela, Cuba
e Zimbabwe. Países como Chile, México e Tailândia assumem uma postura discreta
e menos incisiva. Por fim, existem aqueles que buscam equilibrar-se entre as
influências brasileiras e norte-americanas, como Bolívia e Paraguai.635
Com isso, o bloco passou a contar com 60% da população, 70% da população
agrícola e 22% do PIB agrícola do mundo. Em contraste, o bloco formado pela UE e
CCXLIX Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Fiji, Indonésia, Malásia, Nova Zelândia,
Paraguai, Filipinas, África do Sul, Tailândia e Uruguai
344
pelos EUA representava, respectivamente, 11% da população, 1% da população
agrícola e 14 % do PIB agrícola.
3.4.1.2. Posição norte-americana
Os EUA contam com uma poderosa máquina negociadora, que agrega lobbies
de grandes corporações e pressões de ONGs, sempre assessorados por equipes de
técnicos altamente preparados. Usualmente, assumem uma posição tão inflexível
quanto impiedosa nas negociações comerciais, sejam elas no âmbito multilateral,
regional ou bilateral, o que se mostra ainda mais visível durante o período que
antecede as eleições. Nessas ocasiões, os lobbies, inclusive os agrícolas, vêem-se
fortalecidos e freqüentemente conseguem fazer seus interesses prevalecerem nas
decisões tomadas por seus governantes.
As negociações comerciais realizadas pelos EUA se dão através da TPA
(Trade Promotion Authority) ou fast-track. Pelo sistema norte-americano, o
Congresso outorga poderes ao Presidente para negociar acordos de comércio com
outros países durante períodos pré-determinados, autorização esta que precisa ser
renovada periodicamente. O objetivo teoricamente seria o de facilitar as negociações
comerciais com outros países, agilizando a assinatura de acordos e a liberalização do
comércio internacional. Ainda assim, a eficácia do instrumento é limitada, pois a
autorização costuma vir acompanhada de uma série de restrições, que deixam uma
reduzida margem de negociação ao Poder Executivo, especialmente nos assuntos
ligados à agricultura.
Os EUA têm se mostrado especialmente combativos nas negociações em
torno dos temas agrícolas. O problema é que o país acabou por assumir posições tão
contundentes quanto incoerentes a esse respeito nos fóruns internacionais. Conforme
visto anteriormente, por ocasião da edição do Fair Act de 1996, o país deu claros
sinais de que a sua postura protecionista em relação à agricultura viria a ser
flexibilizada. De fato, isso ocorreu por um espaço de tempo, de forma que, no curso
das negociações da Rodada Uruguai, os EUA sustentaram uma ousada proposta de
eliminação completa dos subsídios agrícolas e redução de barreiras comerciais,
viabilizando consideráveis avanços na liberalização deste mercado.
Esse tom progressista no discurso dos EUA continuou sendo usado Rodada
Doha adentro, mas logo teve fim, o que ocorreu quase que simultaneamente à
promulgação da Lei Agrícola de 2002. Nessa ocasião, Washington compôs-se com a
UE e voltou atrás das propostas que havia feito no início da rodada. A partir desta
união, os avanços obtidos no sistema multilateral de negociações foram bem mais
tímidos do que se esperava ao início da rodada, resultando no completo travamento
das negociações a partir do momento em que o G-20 firmou-se na posição contrária.
3.4.1.3. Posição européia
345
Não há consenso entre os países membros da UE no que diz respeito à
liberalização do seu mercado agrícola. De um lado países como a França, Alemanha,
Irlanda e Espanha mostram-se contrários a uma abertura significativa do setor,
enquanto que, no outro extremo, estão a Suécia, Grécia, Holanda e o Reino Unido.
Este último, aliás, é um dos que apóia mais enfaticamente a abertura dos mercados
agrícolas do bloco para aliviar a pobreza nos países em desenvolvimento. Em artigo
publicado no início de setembro de 2005, o então primeiro-ministro britânico, Tony
Blair, chegou a defender que os países ricos têm uma “obrigação moral” de abrir
seus mercados e propôs cortes substanciais nos subsídios oferecidos pelo bloco aos
seus agricultores, com o seu redirecionamento a atividades de pesquisa e
desenvolvimento tecnológico.636
Apesar disso, a agenda de negociação da UE na Rodada Doha vem se
mantendo numa perspectiva defensiva, que inclui a manutenção de seu bizarro
sistema de subsídios agrícolas, os quais promovem a miséria e a desesperança
numa escala global. Por outro lado, na agenda européia afirmativa aparece com
destaque o intento de obter acesso a mercados como produtos industriais,
investimentos governamentais e de serviços de seus principais parceiros
econômicos, incluindo telecomunicações, finanças e transportes, além de
propriedade intelectual.637
Nas negociações havidas no curso da Rodada Doha, observou-se que a UE só
aceita negociar a redução das políticas de preços mínimos dentro de parâmetros
graduais e bastante limitados. Através do documento denominado “Agenda 2000”,
estabeleceu-se um cronograma conservador para a redução de subsídios internos,
com um percentual de redução entre 15% e 36%, no valor dos preços de suporte, a
fim de que, no médio prazo, alcançassem o preço de mercado.
A resistência para redução da política de subsídios externos, por sua vez, é
consideravelmente menor. Ainda assim, após o fracasso da reunião ministerial de
Cancún, o bloco europeu seguiu fazendo um “jogo de empurra” com os EUA,
condicionando cortes na política de subsídios à ampliação das concessões norte-
americanas, que também se recusa a ampliar as concessões sem maiores cortes pela
UE. Bruxelas argumenta que já reduziu seus subsídios à exportação de 10 bilhões
para 3 bilhões de Euros e que só vão fazer cortes adicionais se os EUA também o
fizerem.638
Feita essa breve contextualização das posições dos principais atores nas
negociações internacionais pela liberalização do comércio agrícola, passar-se-á
agora ao estudo da sistemática usada nas negociações multilaterais.
3.4.2. Sistemática das negociações
Em se tratando de uma organização composta por mais de uma centena de
países membros, é de se esperar que a OMC tenha uma complexa estrutura
346
hierárquica capaz de prever, discutir, estudar e resolver as questões que lhe são
apresentadas. Assim, a sistemática definida para a negociação de acordos na OMC
dá-se em 3 níveis principais: reuniões ministeriais, conselho geral e conselhos
individuais de áreas específicas.
O órgão mais alto dessa hierarquia é denominado “Conferência Ministerial”
(ou Reunião Ministerial), da qual todos os países membros da OMC fazem parte.
Durante essas reuniões, representantes de todos os países encontram-se para discutir
e deliberar sobre os assuntos que são objeto das negociações. Elas ocorrem a cada
dois anos, pelo menos, sendo que sua competência abrange todas as matérias
atinentes aos acordos de comércio multilateral. As conversações acerca dos aspectos
técnicos e práticos ficam a cargo dos vários conselhos e comitês, fazendo-se
representar por membros escolhidos de acordo com a organização de cada nação.
As tarefas do dia-a-dia da OMC, ou seja, que sustentam a atuação das
Conferências são realizadas pelo Conselho Geral, que na verdade divide-se em
outros três órgãos: (i) o Conselho Geral; (ii) o Órgão de Resolução de Disputas; (iii)
o Órgão de Revisão das Políticas Comerciais. Todos eles submetem-se à Reunião
Ministerial, sendo que, nesses órgãos, é que ocorre a análise prévia das discussões a
serem encaminhadas à Conferência.
Por fim, é necessário ainda mencionar a existência de Conselhos para cada
área do comércio, isto é, de produtos, serviços, e direitos de propriedade intelectual.
Os Conselhos são responsáveis pelos trabalhos que dizem respeito aos acordos
multilaterais em cada uma de suas áreas de atuação. Como os outros dois órgãos
anteriores, também contam com a participação de todos os membros da OMC.
Obviamente cada um desses órgãos é amparado por um forte quadro burocrático de
entes, denominados Comitês.
3.4.3. As Reuniões Ministeriais ocorridas no âmbito da OMC
Desde o término da Rodada Uruguai, em abril de 1994, até a conclusão deste
estudo, ocorreram 6 reuniões ministeriais, a saber: 1) Cingapura (de 9 a 13 de
dezembro de 1996); 2) Genebra (de 18 a 20 de maio de 1998); 3) Seattle (de 30 de
novembro a 3 de dezembro de 1999); 4) Doha (de 9 a 13 de novembro de 2001);
Cancún (de 10 a 14 de setembro de 2003) Hong Kong (de 13 a 18 de dezembro de
2005).
Antes de se adentrar nas discussões acerca da Rodada Doha, que englobou as
três últimas reuniões, traçar-se-á um breve panorama sobre cada uma das reuniões
acima.
3.4.3.1. Reunião Ministerial de Cingapura
De 09 a 13 de dezembro de 1996, Ministros das Relações Comerciais, de
Relações Exteriores e da Agricultura de mais de 120 países já membros da OMC, e
347
outros ainda em processo de adesão reuniram-se em Cingapura. Basicamente, os
trabalhos dessa reunião concentraram-se na discussão dos acontecimentos ocorridos
nos dois primeiros anos de existência da OMC, período em que ocorreram diversas
reuniões e encontros multilaterais, plurilaterais e bilaterais, voltados para a
implementação do Acordo da Rodada Uruguai.
No primeiro encontro oficial dos países membros da OMC, ressaltou-se ao
máximo a idéia de fortalecimento da instituição como sendo um fórum mundial de
negociação visando a máxima liberalização das regras e barreiras comerciais
mundiais. Terminados os trabalhos, foram estabelecidos novos objetivos para serem
perseguidos pela OMC e renovados compromissos pela liberalização do comércio de
mercadorias e serviços, resultando na assinatura conjunta de um documento que
recebeu o nome de Declaração Ministerial de Cingapura.
3.4.3.2. Reunião Ministerial de Genebra
A segunda Reunião Ministerial da OMC, ocorrida de 18 a 20 de maio de
1998, foi permeada pelas comemorações dos 50 anos do GATT, tendo sido
fortemente relembrados os princípios que nortearam a criação dessa instituição. A
par dessas celebrações, em Genebra novamente ressaltou-se a importância das regras
de abertura do comércio multilateral, tendo sido reconhecido que, desde a Reunião
de Cingapura, houve avanços notáveis nesse sentido, em especial nos setores de
telecomunicações e financeiro, com a implementação do Acordo de Tecnologia de
Informação.
O final da década de noventa foi marcado pela instabilidade de várias
economias mundiais (devido aos distúrbios nos mercados financeiros), e nessa
Reunião foi destacado que a plena abertura dos mercados de comércio poderia ser a
solução para tais problemas. Assim, a OMC condenou oficialmente as medidas
protecionistas, concordando em aliar-se ao FMI e ao Banco Mundial com a
finalidade de melhorar as políticas econômicas internacionais, visando a
maximização dos benefícios de um sistema liberal de mercado. Assim, na
declaração ministerial de Genebra, os países membros reiteraram sua preocupação
com a marginalização das economias dos países em desenvolvimento, apesar de não
se terem deliberado sobre alguma medida concreta para a amenização do problema.
Para a próxima Reunião, criou-se a expectativa de evolução dos acordos
individuais e eventual realização de seus objetivos, os quais facilitariam a solução
dos problemas relativos à implementação das normas do comércio aberto.
Ressaltou-se ainda a necessidade de observação dos cronogramas de revisões e
negociações anteriormente firmados. Finalmente, foi decidido que seria estabelecido
um programa de competência do Conselho Geral para completa implementação dos
acordos ate então existentes, através da apresentação de questões atinentes ao
programa de trabalho da OMC.
348
3.4.3.3. Reunião Ministerial de Seattle
A terceira das Reuniões Ministeriais, ocorrida em 30 de novembro a 03 de
dezembro de 1999, não foi tão bem sucedida quanto suas antecessoras, pois os
países membros não conseguiram sequer chegar a um consenso capaz de produzir,
de fato, uma declaração ministerial. As reuniões foram divididas em grupos de
trabalho conforme temas específicos, valendo ressaltar que os Ministros dividiram-
se em subgrupos para tentar resolver suas diferenças, inviabilizando, dessa forma, a
uniformidade do consenso pregado pela OMC.
No que se refere à agricultura, pode-se afirmar que não foi atingido o objetivo
de dar início a uma nova rodada de negociações sobre o tema, mas foram debatidos
os seguintes pontos:
(i) os objetivos das negociações – se os produtos agrícolas seriam
equiparados aos produtos industrializados;
(ii) provisões para os países em desenvolvimento;
(iii) eventuais reduções nos subsídios e medidas protecionistas;
(iv) “multifuncionalidade” – como lidar com as questões não diretamente
ligadas ao comércio, como por exemplo a proteção ambiental, medidas
de segurança no que tange a produtos alimentícios, etc.;
(v) o estabelecimento de um cronograma para o inicio das negociações.
As discussões foram praticamente polarizadas entre dois grupos de nações, a
saber: (a) os favoráveis à completa integração dos agrícolas com os outros produtos,
devendo aqueles submeterem-se às mesmas regras dos industrializados, com a total
eliminação dos subsídios à exportação, e aumento substancial do acesso ao mercado;
b) os que pretendiam diferenciar a agricultura dos outros setores comerciais,
afastando a idéia da eliminação dos subsídios e concentrando-se no tópico da
multifuncionalidade.
Em vista da importância das discussões trazidas com as reuniões, tornou-se
evidente que não seria possível a elaboração da declaração, sendo que
posteriormente o então Diretor Geral da OMC, Sr. Mike Moore, reconheceu um
desapontamento com o adiamento das deliberações, que deveriam ocorrer mais
informalmente nos dias e meses seguintes à Seattle. Numa declaração à imprensa em
08 de dezembro, o Diretor afirmou que os benefícios aos países menos
desenvolvidos, que poderiam ser alcançados durante a Reunião seriam atrasados, ao
passo em que suas dificuldades continuariam. De qualquer forma, estabeleceu-se
que o Conselho Geral da OMC deveria reunir-se em 17 de dezembro, para a
discussão dos acontecidos em Seattle, sendo que todos os membros da Organização
concordaram que as conversas sobre agricultura e suas matérias correlatas deveriam
iniciar-se impreterivelmente no início do ano 2000.
349
3.4.3.4. Reunião Ministerial de Doha
A Reunião Ministerial ocorrida em Doha entre 9 e 14 de novembro de 2001
marcou o início de uma nova rodada de negociações, colocando em discussão os
temas agrícolas pela segunda vez na história do sistema multilateral de comércio. As
negociações sobre agricultura começaram no início de 2000, de acordo com o art. 20
do ACORDO AGRICULTURA e, desde então, 121 governos já haviam apresentado
um grande numero de propostas a serem negociadas. Com base nelas, em Doha,
foram estabelecidas as diretrizes das negociações que seriam desempenhadas, bem
como um prazo para a sua conclusão: o dia 1º de janeiro de 2005, que
posteriormente veio a se mostrar insuficiente.
A Declaração resultante desse encontro novamente confirmou o objetivo de
longo prazo estabelecidos no Acordo que criou a OMC, qual seja, o de estabelecer
um mercado de comércio justo e competitivo através de um programa de profundas
reformas. Tal programa inclui regras fortes e comprometimentos específicos dos
governos no tocante à proteção à agricultura. A proposta central foi corrigir e
prevenir restrições e distorções no mercado mundial desse setor. Assim, os membros
dos governos comprometeram-se a: (i) melhorar substancialmente o acesso ao
mercado; (ii) redução e, a longo prazo, a eliminação dos subsídios à exportação; (iii)
redução substancial de subsídios internos que distorcem os princípios do livre
comércio.
A Declaração de Doha enfatiza a necessidade de tratar os países em
desenvolvimento de forma diferenciada, tanto no que toca aos compromissos por
eles assumidos e como nas questões e regras por eles trazidas. Nesse sentido, teoriza
que deve haver efetividade nessas medidas, para que esses países possam ter suas
necessidades contempladas, em especial no que diz respeito à segurança dos
produtos alimentícios e ao desenvolvimento rural.
Em Doha também foram discutidas as medidas antidumping e os subsídios,
com a finalidade de esclarecer e melhorar as regras existentes preservando a base e
os conceitos dos tratados de então, sempre levando em consideração as necessidades
dos países em desenvolvimento. Definiu-se ainda que os subsídios à piscicultura e a
revisão das regras respectivas no âmbito da OMC ficariam fora da nova rodada de
negociações.
Na 4ª Reunião da OMC também tratou-se dos acordos regionais de comércio,
sendo certo que as regras multilaterais novamente foram enfatizadas no sentido de
que eles estão submetidos a certas condições. A questão se fez relevante na medida
em que quase todos os membros da OMC são parte em algum acordo regional, ou
estão em vias de sê-lo. Na Declaração de Doha, seus membros concordaram em
negociar uma solução, diante do importante papel que tais tratados podem ter no
desenvolvimento das relações comerciais plurilaterais. Estabeleceu-se, então, a
350
necessidade de esclarecer e melhorar as regras e os procedimentos existentes na
OMC aplicáveis a esses acordos, sendo que as negociações deveriam considerar os
avanços do comércio regional propiciado por esses tratados.
3.4.3.5. Reunião Ministerial de Cancún
A quinta Reunião Ministerial da OMC, ocorrida no período de 10 a 14 de
setembro de 2003, também não teve êxito em seus objetivos, deixando evidente a
dificuldade existente para se debater um número tão elevado de temas. Os
participantes ficaram praticamente restritos ao exame dos objetivos apontados na
reunião de Doha, sem que chegassem a qualquer consenso quanto ao cronograma de
implementação de metas.
A reunião foi marcada pelo embate entre o chamado G-21 e o cartel de países
desenvolvidos liderados pelos EUA e pela UE, em torno dos temas agrícolas;
notadamente, a redução das medidas de apoio doméstico e ampliação do acesso a
mercados. Ante o impasse que se instalou, foi solicitado um novo encontro do
Conselho Geral até no máximo 15 de dezembro de 2003, para que fossem tomadas
as providencias necessárias ao estudo de tais questões.
3.4.3.6. Reunião Ministerial de Hong Kong
Uma das finalidades centrais da Reunião de Hong Kong (13 a 18 de dezembro
de 2005) foi a definição das modalidades de subsídios e barreiras comerciais que
estariam sujeitos a redução na área agrícola. Tal marca permitiria que o acordo geral
da agricultura fosse completado até 2006 (data limite também não-oficial).
Entretanto, os atrasos da OMC no ano de 2005 fizeram com que seus membros
estivessem assoberbados de trabalho durante os meses anteriores à reunião na China.
Assim, um mês antes da reunião de Hong Kong, seus objetivos foram revistos: agora
os membros da OMC esperavam usar essa Reunião Ministerial para programar o
atingimento das metas para o início de 2006, contando com um possível atraso até o
final daquele ano.
As “modalidades” descreveriam como o acordo final seria construído,
traduzindo os objetivos numéricos, entre outros, para uma futura reforma agrícola.
Seriam estudadas, em especial, fórmulas a serem usadas na redução das tarifas,
expansão de quotas e corte dos benefícios internos, tudo como inicialmente previsto
na Declaração de Doha. Após a criação das “modalidades” e sua posterior aprovação
pela Organização, elas seriam usadas para calcular os cortes tarifários que cada país
deveria realizar sobre milhares de produtos, e para eliminar os subsídios e benefícios
existentes, sendo prevista obviamente uma fase de negociações entre os países
membros, que poderia levar meses.
351
Nesse sentido, constou da Declaração de Hong Kong que os países membros da
OMC se comprometiam a gradualmente prover a eliminação de todas as formas de
subsídios até o final do ano de 2013, o que seria feito progressivamente pela
especificação das “modalidades”, de forma que grande parte dessas deveria ser
implementada até a primeira metade do período acima.
As regras sobre os créditos de exportação, garantias de créditos de exportação
ou programas de seguro, os projetos de comércio de exportação e ajuda alimentícia
deveriam ser completados até 30 de abril de 2006, como previsto no §4° da
Declaração de Marraqueche. A data acima deveria ser observada somente na
hipótese de que já estivessem definidas as “modalidades”.
Em vista dos impasses que persistiram desde a reunião de Cancún, nos meses
de julho, outubro e dezembro de 2006, foram realizadas em Genebra 3 reuniões do
Conselho Geral da OMC, na tentativa de avançar na definição das “modalidades”
que seriam a base das negociações subseqüentes. As discussões havidas nessas
oportunidades gravitaram em torno da necessidade de progredir nas negociações
para evitar reflexos negativos sobre a legitimidade da instituição. No entanto, o
impasse persistiu até o fechamento desta edição.
3.4.4. A Rodada Doha e as negociações agrícolas
A 9ª rodada de negociações no âmbito do OMC teve início em novembro de
2001 durante a Reunião Ministerial de Doha, capital do Qatar, tendo como
principais desafios promover avanços na liberalização do comércio de produtos
agropecuários e de serviços, bem como o aprofundamento dos compromissos já
firmados em relação aos industrializados.
O maior foco das negociações no âmbito da Rodada Doha, inclusive para o
Brasil, foi colocado no setor agrícola. De fato, esse setor apresenta distorções
gravíssimas com os escandalosos subsídios de aproximadamente US$ 1 bilhão ao
dia, desembolsados pelos países desenvolvidos. A UE, por exemplo, dedica 43% do
seu orçamento aos subsídios agrícolas. Assim, no âmbito do comércio agrícola, as
negociações da OMC foram fixadas em 3 principais frentes: redução dos subsídios
internos, dos subsídios às exportações e ampliação do acesso aos mercados.
Um calendário para o cumprimento das metas acima deveria ser definido na
Reunião Ministerial de Cancún, ocorrida 10 e 14 de setembro de 2003. Todavia, isso
não foi possível, pois chegou-se a tal data sem que se tivesse conseguido definir
quais eram as metas, sobretudo no que diz respeito à agricultura. Poucos avanços
ocorreram desde então, conforme será detalhado adiante.
3.4.4.1. Histórico do impasse
352
Conforme previsão do Artigo 20 do Acordo da Agricultura, os países
membros da OMC passaram a formular propostas para a liberalização do setor desde
março de 2000. Assim sendo, baseado nas diversas propostas recebidas, o então
Coordenador do Comitê da Agricultura da OMC, Embaixador Stuart Harbinson,
apresentou uma primeira minuta do texto a ser usado como base das negociações,
em fevereiro de 2003, meses antes da reunião Ministerial de Cancún. A proposta
previa o fim dos subsídios às exportações num prazo de 9 anos, além de uma
redução de 60%, em 5 anos, nas medidas de apoio interno aos produtores. Tal texto,
contudo, não foi tido como satisfatório, sendo simultaneamente apontado como
ambicioso demais, pela Europa (especialmente pela França e pela Alemanha) e pelo
Japão, e como tímido demais pelo Grupo de Cairns (do qual o Brasil fazia parte) e
também pelos EUA.639
O impasse nas negociações inviabilizou o cumprimento do primeiro prazo
fatal para o estabelecimento de metas, situação esta que perdurou até que EUA e a
UE chegaram a um acordo, em agosto de 2003. Nessa oportunidade, fizeram uma
proposta conjunta, na qual buscaram acomodar as medidas protecionistas previstas
na Agenda 2000 e nas reformas PAC, no âmbito da UE, bem como na recentemente
aprovada Farm Bill de 2002, dos EUA. Assim, os EUA acabaram por voltar atrás de
suas propostas ambiciosas para a liberalização do comércio agrícola, feitas poucos
meses antes.
A proposta conjunta apresentada pelos EUA e pela UE continha metas
bastante conservadoras, sendo notável a mudança no posicionamento norte-
americano. Tal documento, vale dizer, não estabelecia metas numericamente
quantificadas, de tal forma que permitiria uma interpretação subjetiva dos
compromissos, que dificultaria sobremaneira avanços concretos nas negociações que
se seguiriam.
Essa situação não interessava de maneira alguma aos principais produtores
agrícolas, já que acabariam por ser mantidos os vultosos subsídios aos produtores e
picos tarifários praticados pelos norte-americanos, europeus e japoneses. Com isso,
para fazer frente a essa proposta, o Brasil e outros 11 membros do Grupo de Cairns
uniram-se a outros 10 importantes produtores agrícolas, também em
desenvolvimento, para formar uma coalizão que recebeu o nome de G-22, também
conhecido por G-20 e G-21 (dependendo do momento, haja vista a flutuação de
membros). A formação do novo grupo implicou um racha no Grupo de Cairns, pois
países como o Brasil e a Argentina optaram por reduzir as suas ambições nas
negociações para viabilizar a associação com outros países e garantir maiores
condições para o fechamento de algum acordo. Assim, se de um lado o grupo deixou
de contar com alguns importantes membros, como Austrália, Canadá, Uruguai,
Nova Zelândia e Malásia, por outro lado, o grupo viu-se fortalecido pela entrada de
outros membros de grande peso, como a China, a Índia e a África do Sul.
Fortalecida, a nova coalizão entendeu que não poderia simplesmente assinar o
353
acordo proposto pelos EUA e a UE e apresentou uma contraproposta conjunta,
menos ambiciosa que a proposta original oferecida pelo Grupo de Cairns, mas que
previa avanços bem mais significativos que a proposta dos EUA e da UE, no tocante
à liberalização do mercado agrícola. Um dos principais alvos da proposta era o
estabelecimento de critérios mais objetivos para o enquadramento das medidas de
apoio, o que acabaria por impedir que medidas de apoio ilegais continuassem sendo
enquadradas pela UE e pelos EUA na categoria de medidas legais.
Em paralelo à formação do G-20, outros grupos surgiram para apresentar
propostas alternativas, como foi o caso do G-33, composto por países mais pobres,
que apresentou uma proposta visando à ampliação da gama de produtos especiais.
Em contraposição, formou-se também o G-10, de países protecionistas compostos
por países como Suíça, Japão, Coréia do Sul e Noruega.
Na tentativa de destravar as negociações, em 24 de agosto de 2003, cerca de 6
meses depois da apresentação da primeira minuta do texto base para Cancún, o então
Coordenador do Conselho Geral da OMC, Embaixador Carlos Pérez del Castilho,
publicou uma nova proposta de trabalhos. Todavia, o texto contemplava
primordialmente os interesses dos países industrializados, na medida em que seguia
diretrizes muito similares à proposta conjunta dos EUA e da UE, apresentada poucos
dias antes. Em razão disso, os membros do G-20 amotinaram-se na tentativa de que
fossem revistos os termos deste documento, o que resultou numa revisão do seu
texto.
Como resultado, chegou-se a Cancún sem perspectivas para um acordo.
Assim, durante essa Reunião Ministerial, um novo documento base foi durante
apresentado pelo Coordenador da Reunião, o Embaixador Luis Ernesto Derbez
Bautista. Todavia, as metas da proposta permaneceram modestas demais na visão do
G-20, de tal forma que a Reunião de Cancún terminou sem acordo algum.
Em 31 de julho de 2004 algum progresso foi conseguido numa reunião do
Conselho Geral da OMC e acreditou-se que o impasse seria superado. Chegou-se a
consensos quanto à formatação das negociações futuras do setor agrícola, sobretudo
com a deliberação de que fosse dado um tratamento em separado da questão do
algodão, de uma maneira “ambiciosa, específica e rápida”. Contudo, infelizmente,
decidiu-se que os critérios de categorias de subsídios fornecidos pelo ACORDO
AGRICULTURA não seria revistos e que as negociações seriam feitas baseadas na
redução da MAA (Medida Agregada de Apoio), nos moldes imprecisos já
estabelecidos, o que acabaria deixando de intocáveis muitos dos programas de
subsídios disfarçados ora existentes. Ainda assim, as negociações permaneceram
travadas, em vista da discrepância das posições dos membros quanto aos níveis de
reduções de barreiras e subsídios.
No final de fevereiro de 2005, um grupo de países desenvolvidos, liderados
pelos EUA e UE, fez em conjunto um eufemisticamente denominado "pedido
plurilateral" de liberalização de serviços a um grupo de países em desenvolvimento.
354
Dentre esses estavam Brasil, China, Índia, Indonésia, África do Sul, Filipinas e
Turquia.640
Estavam, com isso, atribuindo a esses países a culpa pelo fracasso de
Cancún. Ainda assim, deixaram de fazer concessões significativas às suas posições a
respeito dos temas agrícolas.
Na madrugada de 1° de agosto de 2005, meses antes do início da Reunião
Ministerial de Hong Kong (dezembro de 2005) foi assinado em Genebra um
documento com o programa de trabalho, no qual os países membros se
comprometeram a abolir os subsídios à exportação em data a ser definida e a reduzir
os subsídios à produção doméstica. O Brasil, em contrapartida, aceitou a mudança
da definição de Caixa Azul, que passaria a englobar subsídios que não estão
vinculados à produção, respeitados alguns critérios. Apesar de esses critérios não
terem sido definidos, permaneceu aberta a possibilidade de os norte-americanos
usarem a nova definição para enquadrar os pagamentos contracíclicos, o seu
principal mecanismo de apoio à produção. A Caixa Azul ficou limitada a 5% da
produção norte-americana, permitindo um acréscimo de US$ 10 bilhões nas contas
de subsídios, além dos US$ 29 bilhões já pagos. Por outro lado, ficou acordado que
os subsídios totais seriam reduzidos em 20% no primeiro ano do acordo.641
O fato de
agrupar todos os subsídios foi considerado por muitos um avanço, pois impediria o
jogo de classificação. Todavia, a questão de acesso a mercados agrícolas não teve
avanços.642
O impasse persistiu até o fechamento desta edição, em janeiro de 2007.
3.4.4.2. Balanço do fracasso de Doha643
A grave crise funcional da OMC promoveu a perda de credibilidade
institucional do regime multilateral do comércio e causou o recente colapso da
Rodada Doha. Já era de amplo conhecimento da opinião pública internacional que o
regime da OMC tem promovido a prosperidade de uns poucos países, os
desenvolvidos, em detrimento dos muitos, aqueles em desenvolvimento. Estudos
levados a efeito por organismos como a Organização das Nações Unidas (ONU), o
Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) concluíram que
aproximadamente 70% dos benefícios do sistema multilateral recaem para os países
desenvolvidos.
Os países desenvolvidos dominam toda a máquina administrativa da OMC e
manipulam o seu funcionamento em interesse próprio. Dos cerca de 600
funcionários da OMC, cerca de 70% são da Europa, enquanto que no sistema de
solução de disputa, quase todos são do Quad. A desmoralização da OMC chegou a
tal ponto que a Declaração Ministerial de 14 de Novembro de 2001, que lançou a
Rodada Doha, foi levada a reconhecer a importância de se assegurar que os países
em desenvolvimento obtivessem uma participação no comércio internacional
compatível com sua necessidade de crescimento econômico.
Mais ainda, a Declaração ressaltou que, para que tais fins fossem obtidos,
seria importante a existência de regras equilibradas, melhor acesso a mercado, apoio
355
financeiro e tecnológico. Esse enunciado correto decorreu da percepção generalizada
de que a Rodada Uruguai, que antecedeu a Doha, foi a responsável por uma grande
guinada do sistema em favor dos países desenvolvidos, criando uma regulamentação
de serviços, de propriedade intelectual e de investimentos que protege os seus
exclusivos interesses, em detrimento dos países subdesenvolvidos.
Ao mesmo tempo, o regime jurídico criado pela Rodada Uruguai permitiu a
manutenção dos subsídios agrícolas e dos picos tarifários, que impedem o acesso
daquilo que não é julgado interessante nos países desenvolvidos. Por outro lado, o
sistema de resolução de disputas da OMC, que era uma grande esperança dos países
em desenvolvimento para a promoção de maior juridicidade no sistema, falhou pela
manipulação dos países desenvolvidos e por suas deficiências estruturais.
Pois bem, como tem sempre ocorrido no sistema multilateral do comércio, as
intenções enunciadas na Declaração foram apenas figurativas. Em realidade, os
principais atores internacionais, os países desenvolvidos, mantiveram a sua
conhecida agenda do “jogo da soma zero”, em que o seu ganho era a perda dos
países em desenvolvimento.
Dessa maneira, a UE apressou-se em aprovar unilateralmente sua Política
Agrícola Comum até o ano de 2013, fixando os seus escandalosos e devastadores
subsídios agrícolas até aquela data, apresentando o fato consumado aos países
desenvolvidos. Os EUA fizeram o mesmo com sua Farm Bill. Enquanto defendiam-
se dos pedidos de liberalização agrícola dessa maneira absolutamente imoral, EUA e
UE tinham uma agenda agressiva de demandas de liberalização na parte de serviços
e tarifas industriais aos países em desenvolvimento.
Era neste ponto que recaía o enorme perigo para o Brasil no âmbito da
Rodada Doha. De fato, o setor de serviços representa aproximadamente 50% da
economia brasileira e, desde a Rodada Uruguai, a participação dos países
desenvolvidos nas vendas internacionais de serviços cresce num patamar de cerca de
5%, sendo que a do Brasil cresce a menos de 1%.
Acresce que com o chamado custo Brasil a onerar todas as atividades
econômicas no País, o setor industrial ainda necessita da proteção legal de tarifas
elevadas para poder sobreviver. De outra maneira, com as presentes taxas de juros,
tributação e câmbio sobre valorizado, nenhuma indústria sobreviveria em nosso
território.
O governo brasileiro, representado pelo Itamaraty, coordenou suas ações no
chamado Grupo dos 20, à semelhança do que já fizera na Rodada Uruguai com o
Grupo dos 11. Dessa base, nossas demandas foram modestas e se concentraram no
setor agrícola. O Brasil não demandou uma revisão dos acordos de serviços, o
GATS, de investimentos, o TRIMS, ou de propriedade intelectual, o TRIPS.
Tampouco o País teve sugestões para a revisão do sistema de resolução de disputas.
Como as negociações brasileiras foram conduzidas sem transparência, não se
356
sabe com que concessões nossos representantes acenaram aos países desenvolvidos
na área de serviços e de bens industriais para obter as desejadas vantagens agrícolas
que, afinal, não se materializaram. Valeriam elas a pena? Não se pode dizer.
Dessa maneira, ao contrário do que ocorreu durante a Rodada Uruguai, onde
os interesses brasileiros foram fragorosamente derrotados, podemos respirar
aliviados com o colapso da Rodada Doha. Fomos salvos pelo gongo.
3.4.4.3. Conclusão644
O desempenho do chamado G-21 no âmbito da Reunião Ministerial realizada
em Cancún, México, em Setembro de 2002 evitou aos países em desenvolvimento
uma nova derrota tática no âmbito do sistema multilateral de comércio, ao impedir a
adoção de uma agenda detrimental aos seus interesses, formatada pelos EUA e pela
UE. Esta agenda consistia na inclusão de novos temas de interesse dos países
desenvolvidos, como por exemplo compras governamentais e acordo de
investimentos, bem como na continuada manutenção dos escandalosos subsídios
agrícolas praticados por tais países.
Todavia, esta vitória tática dos países em desenvolvimento apenas evitou o
pior, já que o sistema multilateral, tal como definido pela Rodada Uruguai e
formalizado pelos Tratados de Marraqueche, com a criação da OMC em 1995,
favorece prioritariamente os países desenvolvidos, que detém 73% dos benefícios do
sistema, contra 27% das vantagens atribuíveis aos países em desenvolvimento, os
quais por sua vez detêm 85% da população mundial, segundo estudos recente
desenvolvidos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Desta maneira, o impasse
criado nos trabalhos da Rodada Doha, lançada em Novembro de 2001, no Qatar,
beneficia os países desenvolvidos, pela manutenção do status quo.
Segundo estimativa do Banco Mundial, se as metas da Rodada Doha vierem a
ser implementadas, haveria um aumento do comércio mundial de US$ 500 bilhões
anuais a partir de 2015, sendo que mais de 60% deste ganho iria para os países em
desenvolvimento, especialmente por decorrência da liberalização dos mercados
agrícolas. De qualquer forma, existe um consenso de que é preferível que não haja
nenhum acordo a um acordo ruim. Com os avanços milimétricos contidos na
proposta conjunta dos EUA e da UE, no tocante à abertura do mercado agrícola, o
Brasil acabaria sendo obrigado a esperar muitos anos até que o tema voltasse à pauta
de negociações. Por isso mesmo que ONGs de grande credibilidade, como a Oxfam,
acusam UE e os EUA de exigirem concessões demais dos países emergentes,
oferecendo reformas agrícolas insuficientes.
Assim sendo, especialmente no curto prazo, conclui-se que o travamento das
negociações após a Reunião de Cancún não foi uma boa notícia do ponto de vista
dos produtores mais eficientes, especialmente se forem levados em consideração
todos os avanços que deixaram de ser feitos e que haveriam de beneficiar
357
incrivelmente os grandes produtores agrícolas.
Outra conseqüência desfavorável desse fracasso foi a corrida por acordos
comerciais de menor alcance, no âmbito bilateral, plurilateral e regional, que foi
intensificada logo após Cancún. A tendência preocupa grande parte dos
especialistas, já que o prolongamento do impasse cria preferências cruzadas entre
diversos países dificultando a retomada das negociações. Outrossim, como será visto
adiante, esse movimento causa o fenômeno da erosão das preferências estabelecidas
no sistema regional e multilateral, prejudicando aqueles que não fizerem acordos.
3.4.5. Perspectivas para o sistema multilateral
Embora desmoralizada pela manipulação sofrida por conta da ação de países
desenvolvidos, que buscam transformá-la num agente de sua prosperidade seletiva, a
OMC continua sendo um organismo internacional muito importante, porque
juridicamente evita a discriminação do país não membro, devido ao seu princípio
fundamental assentado na chamada cláusula da nação mais favorecida.645
Além
disso, consolidou alguns ganhos de transparência e previsibilidade para as relações
comerciais internacionais.
Da mesma forma, a OMC continua sendo indispensável para mediar a
resolução de disputas comerciais entre os países ricos, o que também tende a
estimulá-los a fazer mais concessões pelo aprofundamento dos compromissos
firmados no âmbito da OMC. De fato, verifica-se que entre 1995 e 2003, os países
que mais se envolveram em disputas perante a OMC foram os EUA, com 75
demandas, seguidos pela UE, com 62, Canadá, com 24 e Brasil com 22.646
Isso
ocorre porque, no final das contas, todos os governos sofrem pressões para dar início
a guerras comerciais, as quais irremediavelmente implicam conseqüências negativas,
inclusive do ponto de vista diplomático. Neste aspecto, a OMC ainda se mostra a
única alternativa para a solução destas disputas.
Entende-se que fatalmente a negociação sobre os temas agrícolas acabará por
ser retomada na OMC, especialmente porque sem isso as negociações envolvendo
quaisquer outros setores ficarão prejudicadas. Isso em se assumindo que o G-20
resistirá às pressões norte-americanas e européias, conseguindo manter a coesão
necessária para barrar as negociações que não dêem a prioridade necessária para a
abertura dos mercados agrícolas.
Além disso, a Cláusula da Paz expirou no final de 2003, de forma que os
gigantescos programas de subsídios patrocinados pelos países ricos passarão a ser
acionáveis perante a OMC e também poderão ser combatidos através de medidas
compensatórias, movimento que foi iniciado com disputas do algodão e do açúcar
por iniciativa do Brasil. Isso também representa um estímulo para que países ricos
voltem à mesa de negociações e cedam nas suas propostas originais.
358
3.5. Alternativas ao sistema multilateral de comércio
3.5.1. Introdução histórica647
Desde a criação do sistema multilateral de comércio, com a assinatura do
GATT, em 1947, o regionalismo foi admitido como uma exceção ao princípio da
cláusula da nação mais favorecida, um de seus alicerces, no artigo 24. A regra era o
multilateralismo e a prática seguiu a regra por muitos anos, mesmo porque sempre
foi a preferência dos EUA, o então líder do mundo capitalista, que se contrapunha ao
bloco comunista naquilo que se convencionou chamar de guerra fria.
Contudo, quando do lançamento da Rodada Uruguai do GATT, em 1986,
houve, pela primeira vez, um confronto entre os países desenvolvidos e os países em
desenvolvimento648
.
Queriam aqueles a inclusão no sistema multilateral das chamadas áreas
novas, que compreendiam serviços, inclusive financeiros e telecomunicações;
investimentos; e propriedade intelectual. Por sua vez, os países em desenvolvimento
resistiram à iniciativa, enquanto não fossem incluídos no sistema multilateral de
comércio as tradicionais áreas agrícola e têxtil, de larga importância para eles e,
injustificadamente excluídas do GATT. Seguiu-se uma acrimoniosa disputa que
durou até 1991.
No ínterim, frustrados pelo bloqueio resultante do sistema consensual de
decisões, os EUA abandonaram a preferência pelo sistema multilateral e buscaram
um acordo regional com seus parceiros mais importantes, Canadá e México. Tanto
um como outro já tinham uma grande concentração de comércio com seu poderoso
vizinho, da ordem de 72% da pauta comercial global. O Canadá já tinha um acordo
de livre comércio com os EUA.
Por sua vez, a UE não ficou atrás e procurou adensar os pactos já existentes, o
que se verificou principalmente na UE, inter alia com a adoção de moeda única, o
Euro, além de outras medidas de caráter político. Até mesmo diversos países em
desenvolvimento perseguiram uma agenda regional, movimento marcado pela
criação do MERCOSUL, em 1994.649
Deu-se então uma proliferação quantitativa dos pactos regionais de comércio,
que cresceram cerca de 10 vezes num período de apenas 15 anos. Igualmente, houve
uma evolução qualitativa de tais acordos, de micro-pactos regionais, passaram em
alguns casos a macro-pactos regionais. Um desses exemplos é a infame Iniciativa
das Américas, que almeja criar a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas),
formatada no Nafta e que, se concretizada, representará a ruína do Brasil. O outro é
a Comunidade Sul-Americana, com a expansão do MERCOSUL. Também a UE
sofreu um processo semelhante, com o aumento do número de Estados membros.
359
Tanto os EUA como a UE buscavam nos acordos regionais as concessões
pendentes no sistema multilateral, mais fáceis de serem extraídas no confronto direto
com seus parceiros mais fracos. O fato de que o NAFTA foi negociado pelo México
por uma administração notoriamente corrupta e incompetente, que se caracterizou,
nas palavras de C. Fred Bergsten, "pela aceitação virtual de tudo o que se lhe pediu e
por fazer todas as concessões", permitiu aos EUA a formatação de um modelo
idiossincrático de acordo regional comercial altamente vantajoso, para aplicação a
outros países. A situação não passou desapercebida à UE, que também adotou o
mesmo figurino, o qual tem as seguintes características básicas:
AGENDA AFIRMATIVA:
(i) criação do modelo do cubo e dos raiosCCL
, segundo o qual as trocas
industriais e de serviços, bem como os investimentos de terceiros, vem do
cubo para os países raios;
(ii) a abertura dos mercados de serviços dos países raios;
(iii) redução tarifária nos países raios;
(iv) formulação de regras de origem de modo a favorecer largamente os
produtos do bloco, particularmente os do país cubo;
(v) fluxo livre de moedas e garantia de conversibilidade dos estados raios
para os créditos públicos ou particulares do cubo;
(vi) imposição de critérios legislativos próprios do cubo aos raios nas mais
diversas áreas, mas notadamente na área trabalhista, previdenciária e no
Judiciário;
(vii) emasculação do Judiciário dos países raios para questões comerciais,
mediante o desvio de competência para o Judiciário cubo e para tribunais
arbitrais; e
(viii) colheita precoce do que for possível.
AGENDA DEFENSIVA:
(i) preservação dos subsídios agrícolas do cubo;
(ii) manutenção da legislação unilateral idiossincrática, incluindo a pertinente
a medidas anti-dumping;
(iii) preservação do regime constitucional que coloca a legislação ordinária
acima dos tratados internacionais, incluindo os comerciais;
(iv) admissão aos países raios apenas de acesso ao fornecimento ao país cubo
de produtos baratos de consumo com baixo valor agregado; e
CCL Como na roda da bicicleta. O país hegemônico é o cubo e os satélites são os raios.
360
(v) dilação de quaisquer concessões para o futuro o mais distante possível,
preferencialmente no âmbito do sistema multilateral da OMC.
Tal modelo funcionou admiravelmente bem, para os EUA, no âmbito do
NAFTA. Como resultado, as exportações norte-americanas para o México
cresceram 50% e a dependência comercial de trocas com os EUA aumentou de,
aproximadamente, 72% para cerca de 90% nos anos subseqüentes à assinatura do
NAFTA. Mais ainda, os EUA dominaram as principais áreas dos mercados de
serviços, principalmente no setor financeiro, o mais relevante do segmento, que foi
totalmente desnacionalizado. Curiosamente, já em 1995, Noah Chomsky previu tal
acontecimento e prognosticou que o México perderia, como conseqüência, "a
soberania para formular planos econômicos e promover um desenvolvimento
independente"650
. Nas outras áreas de serviços, o México perdeu a economia de
escala devido à falta de acesso de seus nacionais aos mercados dos EUA (e também
do Canadá), sujeitos a uma infame e reduzidíssima quota de 5.000 pessoas por ano.
Conseqüentemente, o setor nacional de serviços de alta especialização mexicano
deixou de existir. Por exemplo, o México tem apenas um milhão e meio de usuários
de internet, contra dez milhões e quatrocentos mil de usuários no Brasil e de um
milhão na Argentina, que tem um terço da população mexicana. Seus prestadores de
serviços ficaram relegados às tarefas meniais, como cabeleireiras, cozinheiros,
atendentes, motoristas, etc.
A UE aprendeu rapidamente as lições dos EUA, tendo adotado quase que a
totalidade de sua agendaCCLI
para a negociação de tratados comerciais regionais com
países em desenvolvimento, que até 2001 atingiu o número impressionante de 27
acordos diversos, inclusive um com o MéxicoCCLII
. Àquela altura, outros 15 tratados
comerciais estavam sendo negociados pela UE. Por sua vez, os EUA já tinham,
naquele momento, dois acordos regionais651
e perseguiam um número grande deles,
inclusive a ALCACCLIII
. Foi dentro desse cenário conturbado que se iniciaram as
negociações da Rodada Doha.
3.5.2. A corrida por acordos de menor alcance após Cancún
O fracasso das negociações da Rodada Doha foi motivo de apreensão por
parte dos especialistas, ante o risco de que as relações comerciais internacionais
sofressem um retrocesso, revigorando o império da lei do mais forte no plano do
comércio internacional, o que apenas faria prevalecer os interesses dos países ricos.
A preocupação é justificada, pois imediatamente ao fracasso da Reunião Ministerial
de Cancún, observou-se uma tendência de proliferação de negociações de alcance
CCLI Por exemplo, o Acordo sobre Comércio, Desenvolvimento e Cooperação celebrado com a República da
África do Sul tem muitos elementos do NAFTA. CCLII Que também traz muitos elementos do NAFTA, inclusive a garantia de conversibilidade. CCLIII A chamada autoridade de promoção comercial, Trade promotion authority, outrora conhecida por autoridade de negociação comercial, trade negotiation authority e via rápida, fast track.
361
mais restrito no âmbito bilateral e regional. Entre 1995 e dezembro de 2002, cerca
de 130 acordos regionais de comércio entraram em vigor, os quais, somados aos
anteriores, totalizavam 250. Dois anos mais tarde, esse total já chegava a 157.652
Só nas Américas, até janeiro de 2005, já eram 67 acordos de menor alcance.
No eixo Ásia-Pacífico foram 57 os acordos comerciais firmados entre 1990 e
2005653
, destacando-se a Apec (cooperação Econômica na Ásia-Pacífico),
organização que visa integrar os 21 países da região. Também está em fase de
negociações a Alcap (Área de Livre Comércio Ásia-Pacífico). Também foram
formalizados acordos entre Japão-Coréia e China-Asean, além de acordos trans-
Pacífico, tais como EUA-Cingapura, EUA-Austrália, México-Japão, Chile-Coréia
do Sul, e Chile-China.
Esta reordenação das relações internacionais não é desejável para o comércio
internacional e, especialmente, para os países pobres, pois cria confusão e mais
distorções no sistema multilateral, na medida em que cria preferências cruzadas
entre os países-partes que acabam por dificultar o cumprimento dos acordos na
OMC. Este emaranhado de compromissos e preferências tarifárias passou a ser
conhecido como prato de espaguete (spaghetti bowl), fenômeno que os países
deveriam evitar a todo custo. Especialistas consideram que o ideal seria que os
acordos bilaterais sejam estruturados para caber dentro do “guarda-chuva da OMC”.
Porém nem sempre isso é possível.
3.5.3. A inserção da agricultura nos acordos de menor alcance
A negociação multilateral pela liberalização do comércio agrícola é o jogo
mais desejável para países como o Brasil. Todavia, devido aos impasses enfrentados
nas negociações de Doha, restam como únicas alternativas as negociações no âmbito
bilateral, plurilateral e regional, tanto para o aprofundamento de acordos já
existentes, como com a criação de novos.
Todavia, mesmo as negociações de menor abrangência com os países
desenvolvidos têm seus avanços barrados quando o assunto envolve temas
sistêmicos, como é o caso dos subsídios agrícolas. Isso porque uma concessão feita
em forma restrita para determinados países poderia ser apropriada gratuitamente por
países que não participam do acordo, fenômeno denominado free ride. Assim se, por
exemplo, os EUA concordassem em reduzir medidas de apoio aos seus produtores
em determinados produtos sensíveis no âmbito da ALCA, tal concessão viria a ser
aproveitada gratuitamente pela UE, sem que esta se visse obrigada a fazer o mesmo.
Trata-se, pois, de moeda de barganha que poderia ser melhor usada no âmbito
multilateral. Com isso, para as negociações de alcance mais restrito, os avanços mais
viáveis são no tocante ao aumento do acesso a mercados, que também têm suas
limitações, ante o risco do surgimento de importações trianguladas, onde terceiros
países aproveitam-se de preferência de acordos dos quais não fazem parte.
Dessa forma, as perspectivas de destravamento das negociações pela
362
liberalização da área agrícola também são reduzidas fora da OMC, gerando
justificada preocupação pelos analistas quanto ao risco de prolongamento do
impasse. De fato, sem avanços quanto a abertura de mercados no sistema
multilateral da OMC, e mesmo nos acordos de abrangência menos ampla,
notadamente as da ALCA e do MERCOSUL-UE, corre-se o risco de perda (relativa)
das preferências tarifárias já conquistadas em acordos como o MERCOSUL-ALADI
e do MERCOSUL-CAN.
Estudos654
confirmam que, no caso do México, essa erosão das preferências
tarifárias brasileiras ocorreu de maneira sensível, frente ao fato de que o NAFTA já
se encontra no estágio final de desgravação das tarifas aduaneiras. Com isso, as
vantagens tarifárias concedidas pelo México à UE e aos EUA são maiores e mais
amplas que as concedidas ao Brasil no âmbito da ALADI dificultando o acesso de
produtos em que o Brasil é altamente competitivo (tais como aço, suco de laranja,
óleo de soja, açúcar e calçados). Com isso, hoje, a participação brasileira no
mercado mexicano é relativamente pequena, de uma maneira geral, estando
concentrada em poucos produtos como as autopeças, o que também só foi
viabilizado pelo fato de que existe um acordo específico no setor automotivo. No
caso do Chile, que em 2004 firmou acordos bastante ambiciosos com EUA e Japão,
tem-se como muito provável que se verifique o mesmo movimento de desvio de
comércio. Os acordos que os EUA negociam com outros países da América Latina,
colocam em risco igualmente as vantagens tarifárias que o Brasil tem nesses
mercados.
3.5.4. Acordos regionais sob o prisma da cláusula da nação mais
favorecida655
Como visto anteriormente, o fundamento básico e arcabouço legal do regime
jurídico do comércio internacional é precisamente o princípio da não-discriminação,
consagrado no artigo 1° do GATT 1947, ainda em vigor, pela chamada cláusula da
nação mais favorecida, segundo a qual qualquer vantagem, favor, privilégio ou
imunidade concedida por um país signatário do tratado a qualquer produto de um
país nas mesmas condições será imediata e incondicionalmente estendido a todos os
demais signatários. Com a criação da OMC, em 1995, a norma passou a ser aplicada
a todos os acordos firmados pelos seus países membros, hoje 149.
No entanto, o artigo 24 do GATT 1947 autoriza exceções no tocante às zonas
de livre comércio e uniões alfandegárias, naquilo em que o seu regime pode ser mais
benévolo do que aquele outorgado aos demais parceiros comerciais. A justificativa
do dispositivo é o reconhecimento de que a liberalização regional é um passo na
liberalização global dos mercados, que é o objetivo último do sistema multilateral de
comércio. Assim, a discriminação trazida pela liberalização regional traria, numa
segunda fase, um benefício global de longo prazo.
De qualquer forma, o parágrafo 5b do artigo 24 do GATT 1947 determina
363
que as tarifas regionais de uma dada área de livre comércio não poderão ser maiores
ou mais restritivas do que aquelas existentes nos respectivos territórios antes de sua
formação. O tratado não dispõe se tais restrições devem ser interpretadas em
critérios absolutos ou relativos. Desta maneira, a ordem jurídica multilateral da
OMC permite, excepcionalmente, nos casos de pactos regionais de livre comércio, a
discriminação exógena, ou seja, tratamento diferenciado aos não signatários.
Todavia, esta autorização legal não é aplicável à discriminação dentre as partes de
uma dada área de livre comércio, que continua vedada nos termos da regra geral.
3.5.5. Principais acordos em negociação pelo Brasil
Com relação ao Brasil, afora o MERCOSUL, as tratativas em estágio mais
avançado referem-se às negociações pela criação da ALCA e de um acordo entre a
UE e o MERCOSUL, as quais foram impulsionadas pelo colapso das negociações
no âmbito multilateral no final de 2003. Simultaneamente, tratativas vêm sendo
realizadas com outros parceiros comerciais menos tradicionais tais como a Rússia,
alguns países árabes, África do Sul, China e Índia. Ainda que em estágio mais
incipiente, as relações com esses três últimos países serão abordadas em maiores
detalhes adiante, tendo em vista as grandes oportunidades que representam.
Em que pesem as esperanças depositadas sobre essas negociações, verificam-
se progressos tímidos nas negociações em torno da ALCA e do acordo
MERCOSUL-UE, o que confirma que os temas agrícolas requerem negociações em
nível multilateral. Assim como se pôde observar nas experiências da OMC, a
intransigência destes países na manutenção de barreiras comerciais e medidas de
apoio doméstico têm emperrado maiores progressos nas conversações, pois o Brasil,
juntamente com grande parte da América Latina, não aceita que o setor agrícola seja
tratado como uma questão secundária.
3.5.5.1. MERCOSUL
Originalmente composto por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, o
Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) foi criado em 1991, através do Tratado de
Assunção. Em 1994, com a assinatura do Protocolo de Ouro Preto, ganhou
personalidade jurídica de direito internacional. Seu texto foi, então, aprovado no
Brasil pelo Decreto Legislativo n° 197/94. Posteriormente, juntaram-se ao bloco, na
condição de associados, a Bolívia, o Chile, o Equador, a Colômbia e o Peru, sendo
que, em julho de 2006, o bloco foi ampliado com a adesão formal da Venezuela.
O MERCOSUL tem por objetivo promover a integração política e econômica
dos países da América do Sul, com a livre circulação de bens, serviços e fatores
produtivos (capital e trabalho) entre seus países membros. Assim, através de uma
redução progressiva das tarifas aduaneiras, bem como das restrições não-tarifárias à
circulação, busca-se a formação de um mercado comum, que soma mais de 250
milhões de habitantes e uma economia calculada em mais US$ 1 trilhão656
, cerca de
364
três quartos do total da América do Sul.
Especialmente em função da proximidade geográfica, o MERCOSUL tem se
mostrado um instrumento muito eficaz para fomento do comércio entre seus
membros. As correntes de comércio internas no bloco cresceram de cerca de US$ 5
bilhões em 1991 para aproximadamente US$ 25 bilhões em 2005, sem que se
fossem excluídas ou minimizadas as relações de troca anteriores.657
No geral, o
comércio entre o Brasil e o MERCOSUL ficou em US$ 11,4 bilhões em 2004. O
bloco absorveu 11,8% das exportações brasileiras e forneceu 7,8% do total de
importações feitas pelo Brasil.658
Os números, de qualquer forma, ainda são
incipientes se comparados aos de outros blocos regionais como o Nafta, onde o
comércio intra-regional é de 40% e da UE, de 60%.
3.5.5.1.1. Estágio da integração
Alguns passos importantes já foram dados visando à integração do bloco.
Neste sentido, pode-se citar a criação de uma Tarifa Externa Comum (TEC) para as
importações provenientes de terceiros países que entrem em qualquer dos membros
do bloco (com a ressalva de que ainda existe uma lista de exceções que beneficiam
alguns produtos, a qual mina boa parte da funcionalidade do sistema). O bloco
também já toma medidas em direção a uma coordenação macroeconômica, com a
criação, em 2003, de um índice de inflação unificado, o IPC-H, um grande passo nos
planos de harmonização do cálculo do PIB, da mesma forma como fez a UE. A
instalação em 2004 do Tribunal Permanente de Revisão do MERCOSUL (TPR)
representou outro importante progresso no sentido do estabelecimento de uma
ordem jurídica supra-nacional para dirimir disputas oriundas da intensificação dos
fluxos de comércio entre os países membros. E, por fim, o exemplo mais recente é o
da instalação, em dezembro de 2006, do Parlamento do MERCOSUL.659
Este será
composto inicialmente por 18 membros de cada Estado-membro, que passarão a ser
eleitos por eleições diretas em 2011. Trata-se de um grande passo para a integração
política da região.
Quanto ao tema agrícola, cumpre destacar que duas tentativas já foram feitas
para harmonizar as políticas agrícolas dos países membros do MERCOSUL, uma
em 1995 e outra em 2001. Contudo, não lograram sucesso em decorrência de
divergências de interesses dos países, que emperraram o prosseguimento de
negociações para a liberalização deste setor da economia. O Brasil, por exemplo,
utiliza algumas práticas que não são aceitas pela Argentina e Paraguai, como a
garantia de preços mínimos para produtos agrícolas, formação de estoques e o
Programa de Escoamento de Produtos. O mesmo ocorre com a Argentina, que, por
exemplo, concede um apoio aos produtores de fumo que distorce o comércio do
produto e prejudica os produtores brasileiros.
365
3.5.5.1.2. A integração com os países vizinhos
Em geral, os países membros do MERCOSUL são importantes produtores
agrícolas, a tal ponto que metade da pauta de exportações dos membros do bloco é
composta por produtos do agronegócio.660
Por isso, na realidade, o comércio intra-
bloco de produtos agropecuários não foi a razão da criação do bloco. Grosso modo,
afora alguns produtos específicos, onde pode ser notada certa complementaridade
entre as economias, o que se verifica é que os países do MERCOSUL são
concorrentes do Brasil em muitos segmentos do mercado internacional. Na
realidade, o MERCOSUL foi concebido primordialmente como uma plataforma para
a inserção dos seus países membros na economia internacional, representando um
instrumento para viabilizar uma mais efetiva conjugação de esforços para fazer
frente ao poder político e econômico avassalador dos EUA e da EU, inclusive para a
negociação de bases mais equânimes para a liberalização do comércio global.
É visível que, durante toda a existência do MERCOSUL, até hoje, as
considerações políticas estiveram bem acima daquelas de ordem econômica661
. A
aproximação dos demais vizinhos, portanto, seria o caminho natural da política
integracionista que motivou a formação do MERCOSUL. Na realidade, esse
movimento precedeu a constituição do MERCOSUL, merecendo ser citado o
Tratado de Montevidéu, em 1980, que deu origem à Associação Latino Americana
de Integração (ALADI). Este bloco conta com 12 adesões (Argentina, Bolívia,
Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, Equador, México, Paraguai, Peru, Uruguai e
Venezuela) tendo conseguido consideráveis avanços na liberalização do comércio
regional. No âmbito da ALADI, o Brasil mantém uma teia de acordos comerciais
com os demais membros da entidade, destacando-se o acordo firmado em 2004,
entre o MERCOSUL e a CAN (Comunidade Andina de Nações), que reúne
Colômbia, Equador, Venezuela, Peru e Bolívia. O acordo prevê a eliminação
progressiva das tarifas de importação em 15 anos, até que cheguem a zero, visando
ampliação do bloco para um mercado de 350 milhões de consumidores. 662
Além dessas iniciativas no âmbito regional, também puderam ser observadas
nos últimos anos iniciativas para a implementação de acordos preferenciais com
outros grupos de países do mundo em desenvolvimento, como a China, a Índia e a
África do Sul. O estreitamento dos laços comerciais com esses países também tem
se mostrado estratégico do ponto de vista político e comercial, principalmente diante
dos fabulosos índices de crescimento econômico que vêm sendo obtidos sobretudo
pelos dois primeiros.
3.5.5.1.3. Dificuldades no processo de integração
A maior concorrência também tem criado dificuldades para alguns setores
menos competitivos das economias dos países membros, gerando descontentamento,
quando não litígios dentro do bloco. Paraguai e Uruguai têm manifestado
366
descontentamento com as amarras impostas pelo MERCOSUL. Este último, cumpre
ressaltar, exportou menos para os vizinhos em 2005 do que em 1989, antes da
criação do bloco. Durante o período, suas exportações intra-bloco caíram de US$
600 milhões para US$ 500 milhões.663
As provações, no entanto, não são privilégio
dos países menores do bloco. No Brasil, verificou-se também um retrocesso na
produção de trigo, cebola, alho e lactáceos, por exemplo. Na Argentina, da mesma
forma, viu-se um crescimento brusco das importações de eletrodomésticos, carros,
sapatos e outros produtos, que colocou a indústria doméstica em situação bastante
fragilizada.
Como é natural, o MERCOSUL tem enormes problemas que decorrem de
diversos fatores, tanto de natureza econômica quanto de natureza política. Dos
primeiros, salta à vista o fato de que todos os componentes do bloco são países em
desenvolvimento, com as conhecidas dificuldades de superação das assimetrias e
iniqüidades sociais internas. De mais a mais, evidenciam-se também as proporções
sócio-econômicas muito diferenciadas entre o Brasil e os demais membros do bloco,
notadamente com o Paraguai e com o Uruguai.
Outro problema que ocorre é a falta de complementaridade econômica em
muitos setores, o que coloca regiões dos países em competição com outros. Acresce
que o desejo de superação das misérias atrozes do subdesenvolvimento leva
naturalmente os estados membros do MERCOSUL a estarem em competição direta,
uns com os outros, na atração dos investimentos estrangeiros e, até mesmo, daqueles
nacionais.
Com o agravamento das assimetrias das políticas econômicas dos países da
região, o bloco experimentou crises agudas durante seus primeiros anos de vida, as
quais foram marcadas pela coexistência de regimes cambiais incompatíveis nas
principais economias do bloco, Brasil e Argentina. A partir de 2001, o cenário
melhorou, com a eleição de presidentes comprometidos com o desenvolvimento do
bloco. Porém, o processo emperrou, sobretudo com as sucessivas arbitrariedades
cometidas pela Argentina no comércio de alguns produtos como eletrodomésticos,
calçados e veículos, no que diz respeito à aplicação indevida de instrumentos de
defesa comercial. Como disse Marcos Jank664
: “na última década, Argentina
destacou-se por posições pendulares que variaram do liberalismo inconseqüente da
era Menem ao renascimento de um protecionismo cepaliano na era Kirchner.”
Tais tipos de percalços têm levado os líderes dos estados membros do
MERCOSUL a fazer uma série de concessões e exceções na estrutura do
ordenamento jurídico do bloco que não têm semelhança em nenhum outro pacto de
livre comércio. Do ponto de vista jurídico, as bizarrias abundam no MERCOSUL. O
último exemplo dessas é o chamado Mecanismo de Adaptação Competitiva (MAC),
uma salvaguarda para os setores menos competitivos criada entre o Brasil e a
Argentina, como se o problema não existisse para Paraguai e Uruguai, e como se já
não houvesse um regime multilateral de regência do tema. Lembre-se ainda do
367
regime draw-back de importações de fora do bloco para exportações dentro do
MERCOSUL, ou ainda das intermináveis listas de exceções à Tarifa Externa
Comum.
Por essas e por outras razões, o bloco sul-americano tem lidado com
freqüência com alguns sérios revezes à implementação de uma política
integracionista mais efetiva. As iniciativas para atrair o Chile ao bloco, por exemplo,
não foram bem sucedidas. Esse país desprendeu-se do MERCOSUL e já firmou
diversos acordos isoladamente com os EUA, UE, Coréia do Sul, Canadá, países da
América Central, México, além de outros países europeus que não pertencem à
UE665
, optando por uma estratégia comercial própria. A América do Sul não foi
completamente ignorada, mas acabou ficando em segundo plano, com a assinatura
de acordos de complementação econômica com Bolívia, Colômbia, Cuba, Equador,
MERCOSUL, Peru e Venezuela.
Na realidade, mesmo a integração entre os membros do bloco tem se
mostrado um processo altamente complexo e tortuoso, que impediu até hoje a
formação de uma união aduaneira, que já estava prevista para 2006. O Uruguai
passou a se dissociar das posições comuns do MERCOSUL, dificultando ou
impedindo um consenso em muitas questões regionais importantes, como, por
exemplo, na agenda da Rodada Doha da OMC e nas negociações para a Alca. Por
vezes, os negociadores uruguaios passaram até mesmo a propor e advogar as
posições dos EUA, como verdadeiros prepostos.666
3.5.5.1.4. Disputas comerciais e os esforços para a
reconciliação
Dentro desse contexto, tornaram-se freqüentes os desentendimentos entre
Argentina e Brasil resultantes de disputas comerciais. Diversos processos de defesa
comercial, sobretudo antidumping e salvaguardas, foram promovidos por ambos os
países, em função das dificuldades enfrentadas pelos produtores argentinos de
setores como frango, calçados, açúcar, algodão, automóveis e eletrodomésticos os
quais em sua maioria resultaram em decisões favoráveis ao Brasil, perante a OMC.
Felizmente, a partir de 2002, quando assumiu a presidência Eduardo Duhalde,
a Argentina assumiu uma postura mais conciliadora e parou de propor ações contra
o Brasil, até que, em meados de 2003, já não havia mais disputas comerciais em
andamento. Esse contexto favoreceu o alinhamento das políticas externas das
principais economias do bloco, o que foi viabilizado sobretudo pelos esforços de
ambos os governos para a consolidação do bloco e para a diminuição da disparidade
de câmbio, após a desvalorização do peso argentino. Na mesma direção, com o
intuito de evitar contenciosos futuros e abrir caminho para uma integração mais
fluente, Brasil e Argentina acertaram em 2003 a realização de um acompanhamento
estatístico de três dos principais produtos comercializados intrabloco: algodão, fibras
368
sintéticas e denim (jeans).667
O plano era que o procedimento fosse estendido
posteriormente para o Paraguai e Uruguai, e, ainda, com a inclusão de outros
produtos.
No entanto, como resultado da intensificação das relações comerciais,
naturalmente, disputas e desavenças comerciais teimam em reaparecer, minando os
esforços dos membros para avançar na integração. Tais disputas, cumpre observar,
continuaram sendo levadas para a OMC mesmo depois da criação do TRP, por se
tratar de um foro considerado menos sujeito às influências políticas da região e,
portanto, mais independente. O último exemplo disso ocorreu em dezembro de
2006, quando a Argentina questionou medidas antidumping aplicadas pelo Brasil
contra a importação de resina PET.
3.5.5.2. ALCA
O plano de unir as Américas foi oficialmente lançado em 1994, pelos EUA,
durante o Governo Clinton, na 1ª Cúpula das Américas, em Miami. No início a
principal meta das negociações era a abertura recíproca dos mercados do hemisfério,
mas, com o tempo, outros temas de maior complexidade entraram na pauta, dando
perspectivas bem mais ambiciosas à integração. São potenciais membros da Área de
Livre Comércio das Américas (ALCA) todos os países do Hemisfério Ocidental,
exceção feita à Cuba. Se implementado, pois, o bloco contará com uma população
de 800 milhões de pessoas e com um PIB de mais de US$ 11 trilhões, dados que a
classificariam como a maior zona de livre comércio do mundo.
3.5.5.2.1. Interesses envolvidos
Os interesses dos países envolvidos se apresentam bastante heterogêneos com
relação ao acordo, o que sinaliza grandes dificuldades para a efetivação do mesmo.
O México pouco tem a ganhar, visto que já tem acesso ao mercado americano e só
ganharia concorrentes. A Venezuela também não teria contrapartidas significativas,
por não se mostrar competitiva na área agrícola e não ser páreo para a concorrência
norte-americana nos demais setores. O Chile talvez seja o país que mais sairia
beneficiado com a implementação do acordo, visto que já está em estágio de
abertura econômica bastante avançado e seus setores produtivos estão relativamente
modernizados em comparação ao restante da América Latina. Por sua vez, no
hipótese de uma ALCA abrangente, a Argentina e o Brasil poderiam ampliar
incrivelmente o mercado para seu agronegócio. Por outro lado a integração com a
América do Norte agravaria a situação de segmentos da indústria e serviços, nos
quais os EUA são mais competitivos.
As oportunidades para o agronegócio brasileiro concentram-se em torno de
eventuais avanços no campo de acesso aos mercados de produtos agrícolas,
especialmente os da América do Norte. Por isso, um acordo conveniente para o
369
Brasil dependeria fundamentalmente da inexistência de listas de exceções, a menos
que tenham caráter provisório, pois o que se nota hoje é que determinados produtos
nos quais o Brasil é mais competitivo são alvo de picos tarifários que inviabilizam
uma participação brasileira mais significativa nos mercados da América do Norte.668
Na hipótese de superação dessas barreiras, calcula-se que a implementação do bloco
seria capaz de incrementar as exportações de produtos agrícolas brasileiros em US$
8 bilhões, sobretudo de produtos como carnes, algodão e soja.669
Dentro do mercado dos EUA, observam-se boas oportunidades nos setores de
carnes de aves, toucinho e gorduras de porco e de aves, adicionados de cacau,
açúcar, frutas, geléias, conservas de frutas, sucos, fumo, vinhos, entre outros. No
Canadá, poderiam ser exploradas oportunidades nos campos de carnes, aves, partes
de suínos, toucinhos e gorduras animais, pêlos, fibras vegetais, produtos hortícolas
processados, bebidas alcoólicas, farelo de amendoim, fumo, seda , etc.670
Também
não se pode perder de vista a relevância dos outros mercados envolvidos no futuro
bloco, notadamente o do México. Somada à brasileira, as economias dos dois países
totalizam 65% do PIB da América Latina. O comércio bilateral ultrapassa os US$ 3
bilhões anuais, com um folgado superávit brasileiro, que exportou US$ 2,7 bilhões
em 2003.671
Na área de hortaliças e legumes, os produtos mexicanos e, em breve, os
chilenos tendem a manter a liderança no mercado dos EUA, já que o Brasil não é tão
competitivo quanto estes países, ao menos por enquanto.672
Todavia, pelo andar das negociações, esses mercados persistem sendo
inatingíveis para o Brasil, levando-se em consideração a gigantesca política de
subsídios e barreiras comerciais dos EUA, em especial no tocante aos produtos que
lhe são sensíveis como é o caso do café solúvel, álcool, suco de laranja, açúcar,
fumo, frutas e carnes, e a sua intransigência para ceder nas negociações. Por isso, as
tratativas têm se mostrado pouco frutíferas. Se por um lado, os interesses norte-
americanos na área de informática, direitos autorais e patentes, financeiro, serviços e
telecomunicações, por exemplo, pressionam seu governo a ceder para viabilizar um
acordo, de outro, o lobby agrícola impede concessões significativas, barrando as
negociações.
3.5.5.2.2. Riscos envolvidos
Por melhores que sejam os resultados das negociações, é certo que haverá um
preço a ser pago pelos países envolvidos e pelos setores menos eficientes das suas
economias, pois serão expostos à feroz concorrência externa, sobretudo a dos EUA,
que possuem a maior e mais eficiente economia do mundo. A concorrência direta
com a produção americana, especialmente no que se refere à indústria e serviços
exigirá uma rápida e efetiva reformulação dos setores produtivos dos países em
desenvolvimento, que terão de passar por uma rápida adaptação, mantendo elevados
padrões de qualidade. No mercado agrícola, caberá aos exportadores cumprir as
exigências na linha de segurança de alimentos e tomar outras medidas sem as quais
370
sequer terão chances de disputar os novos mercados. Em verdade, estas melhorias
tendem a se mostrar necessárias mesmo para a sobrevivência no mercado interno.673
O Brasil, assim como quase todos os países do continente, tem uma série de
deficiências econômicas que colocam as empresas dos EUA em vantagem. Neste
sentido, um estudo apresentado pelo economista Mário Bernardini no I° Seminário
Nacional de Competitividade Industrial, promovido pela FGV, em 2003, as
empresas brasileiras estão em desvantagem competitiva com as americanas na
ordem de 5% em função da logística, 10% em função da carga tributária e 10% em
razão do custo do capital.674
Os riscos envolvidos na união com uma economia do porte dos EUA são
realmente assustadores. O PIB desse país é da ordem de US$ 10 trilhões e pode
facilmente atropelar as demais economias do bloco. Isso ocorrerá fatalmente se o
acordo for implementado de forma desbalanceada, sem a garantia de contrapartidas
para os setores em que o Brasil é notavelmente competente, como é o caso do
agrícola.
Por esta razão, as negociações têm sido conduzidas de maneira bastante
cautelosa pelo Brasil, na busca de que sejam incluídos no acordo, de forma clara,
todas as matérias importantes para o país, inclusive a política de subsídios,
legislação antidumping, e a política de crédito e seguro de exportação. Por outro
lado os EUA fazem questão de discutir outros temas, como propriedade intelectual,
serviços e investimentos, menos interessantes ao Brasil e outras economias da
região, o que tem dificultado os avanços nas negociações.
3.5.5.2.3. O início das negociações
As tratativas em torno da constituição da ALCA tiveram início com a 1ª
Cúpula das Américas, realizada em Dezembro de 1994 em Miami, EUA. Nesta
oportunidade os Chefes de Estado e de Governo das 34 democracias da região
firmaram o compromisso de eliminar, de modo progressivo, as barreiras ao
comércio e aos investimentos entre os países do futuro bloco comercial. A
Declaração de Princípios e o Plano de Ação da Cúpula de Miami estabeleceram o
cumprimento de algumas metas até 2000 e previram que as negociações fossem
concluídas até o ano de 2005.
Ainda durante esta primeira fase de preparação, os 34 Ministros responsáveis
por comércio, de cada um dos Estados das Américas, decidiram criar doze grupos de
trabalho, voltados para a identificação e o exame de medidas relacionadas ao
comércio existentes em cada área. As suas conclusões foram, então, apresentadas ao
público durante as quatro primeiras Reuniões Ministeriais. Em março de 1998,
durante a quarta Reunião Ministerial, ocorrida na cidade de São José da Costa Rica,
foram acordados os princípios e objetivos gerais que orientariam as negociações.
As negociações da ALCA foram oficialmente lançadas em abril de 1998,
371
durante a 2ª Cúpula das Américas, em Santiago, Chile. Nesta oportunidade, foi
definida a estrutura das negociações e os países participantes decidiram que o
processo de negociações da ALCA seria realizado de maneira ampla, transparente e
equilibrada, através de um compromisso único, alinhando o bloco às negociações da
OMC. No entanto, as negociações começaram efetivamente em 2002, depois que
Bush ganhou o fast track authority. Isso porque o governo Clinton preferiu dar
prioridade às negociações multilaterais no âmbito da OMC, em detrimento dos
acordos de menor alcance.
3.5.5.2.4. Sistemática das negociações
Desde 1994, em 4 oportunidades, os Chefes de Estado dos potenciais
membros da ALCA reuniram-se, nas Cúpulas das Américas, para publicar
declarações de princípios que nortearão as negociações, além de planos de ação,
com as metas a serem buscadas. A última ocorreu em 2005, em Mar del Plata,
Argentina, ano em que deveriam ter sido concluídas as negociações, segundo o
cronograma inicial. Como é sabido, no entanto, isso não ocorreu e nem tem
perspectivas de ocorrer em futuro próximo.
Pela sistemática estabelecida para a negociação da ALCA, além das reuniões
de Chefes de Estado, a cada 18 meses, os Ministros de Estado realizam as chamadas
Reuniões Ministeriais, onde são tratadas questões mais gerais e estabelecidas
diretrizes para as negociações, incluindo prazos para a conclusão das mesmas.
Em paralelo, dentro da estrutura da ALCA, foram criados nove grupos de
negociações comerciais, cada qual com enfoque em matérias específicas (acesso a
mercados, investimentos, serviços, compras governamentais, agricultura, direitos de
propriedade intelectual, “subsídios, antidumping e direitos compensatórios” e
política de concorrência). Estes grupos reúnem-se regularmente durante todo o ano,
com o objetivo de agilizar as tratativas em torno dos pontos comuns, já que as
negociações da ALCA se baseiam na idéia do consenso. Acima destes grupos está o
Comitê de Negociações Comerciais, órgão composto pelos Vice-Ministros dos
países envolvidos. O Comitê reúne-se pelo menos 2 vezes por ano, com o intuito de
orientar as negociações.
As questões de ordem horizontal relacionadas às negociações são tratadas
pelo Grupo Consultivo sobre Economias Menores, pelo Comitê de Representantes
Governamentais sobre a Participação da Sociedade Civil e pelo Comitê Conjunto de
Especialistas Governamentais e do Setor Privado em Comércio Eletrônico. Para
decidir sobre a estrutura geral do Acordo da Alca, foi criado o Comitê de Assuntos
Institucionais. Finalmente, para assessorar os negociadores, um grupo de
especialistas em assuntos aduaneiros ad hoc foi disponibilizado, juntamente com o
chamado Comitê Tripartite, composto pelo BID (Banco Interamericano de
Desenvolvimento), OEA (Organização dos Estados Americanos) e CEPAL
(Comissão Econômica para a América Latina e Caribe), proporcionando apoio
372
técnico analítico e financeiro às economias menores do hemisfério.
3.5.5.2.5. O entrave das negociações
A implementação da ALCA esbarra em complexas questões de direito
internacional, decorrentes da sobreposição de acordos preferenciais de comércio,
pois a comunidade “será formada não apenas por 34 países isolados, mas também
pelo cruzamento das regras e preferências de cinco acordos regionais pré-existentes
nas Américas: NAFTA, MERCOSUL, Comunidade Andina, Mercado Comum
Centro-Americano e Comunidade do Caribe.”675
Isso para não se falar das barreiras
não tarifárias, ou seja, as quotas e proibições de importações, restrições voluntárias
de exportação (restrições quantitativas), bem como as medidas de defesa comercial
(antidumping, compensatórias e salvaguardas)CCLIV
e as restrições relacionadas com
regras de licenciamento, embalagens, volumes, ingredientes, rotulagem, etc.
(barreiras técnicas). Essas questões, no entanto, referem-se somente ao comércio de
bens, mas há ainda inúmeras questões relacionadas à diferença entre o tratamento
dado pelos países aos setores de serviços, propriedade intelectual, meio ambiente,
política de concorrência, investimentos, etc.. Apesar das dificuldades para tanto,
uma ALCA equilibrada poderia evitar o agravamento das distorções deste
emaranhado de acordos preferenciais.
Em que pesem os esforços empreendidos nas negociações, os avanços obtidos
foram bem mais tímidos do que o esperado, devido à grande diversidade de questões
e de interesses dos agentes envolvidos. No entanto, os avanços nas negociações
praticamente travaram a partir da oitava reunião Ministerial, ocorrida em Miami, em
novembro de 2003, em razão de insolúveis divergências entre os países americanos
em questões como o acesso aos mercados, agricultura, compras governamentais,
propriedade intelectual e investimentos676
.
Após a 4ª Cúpula das Américas, que ocorreu em Mar Del Plata, na
Argentina, o Comitê de Negociação Comercial prosseguiu com tratativas, mas não
foi capaz de equacionar as dificuldades para estabelecer os compromissos mínimos
de todos os países e, com isso, finalizar um texto padrão para as adesões, além de
um outro texto para as adesões em nível mais aprofundado. Essa situação
inviabilizou por completo o atendimento do cronograma, que previa uma lista de
produtos beneficiados já em setembro de 2004, para que o bloco pudesse estar
formado em 2005.
3.5.5.2.6. A corrida por acordos de menor alcance
Em razão das dificuldades encontradas para a conclusão do acordo, os EUA
passaram a dar demonstração ao Brasil de que pretendem promover a integração do
CCLIV As medidas de defesa comercial serão melhor desenvolvidas em capítulo específico.
373
hemisfério de uma forma ou de outra. No final de janeiro de 2004, diante dos
impasses nas negociações ocorridas em Puebla no México, os EUA foram bem
sucedidos em cooptar o apoio de importantes aliados do Brasil. Na ocasião, Chile,
Colômbia, Equador e Peru aderiram ao chamado G-14, bloco encabeçado pelos
EUA e Canadá, condicionando a abertura dos seus mercados à eliminação de
barreiras a investimentos, propriedade intelectual, e compras governamentais. 677
Nesse sentido, já podem ser verificados os primeiros acordos bilaterais de
livre comércio entre os EUA e países da América Latina, como é o caso do Chile. A
mesma abordagem foi feita junto a países da Comunidade do Caribe (Caricom), bem
como com a Colômbia e com o Peru.678
Trata-se de uma tendência preocupante, que
pode deixar, aos poucos, o Brasil isolado, forçando-o a fazer concessões
indesejáveis. O acordo firmado entre os EUA e o Chile, em 2003, previa uma
redução de 85% das tarifas de importação de produtos industrializados até de 2004,
com a eliminação total em 10 anos. No caso da agricultura, a redução pactuada foi
de 75% em 4 anos, com a eliminação total das tarifas e quotas em 12 anos.679
Esse movimento também demonstra o quanto o prolongamento do impasse
pode ser prejudicial, sobretudo em virtude do risco de que o Brasil perca as
vantagens tarifárias que tem no âmbito da Associação Latino Americana de
Integração (ALADI), do qual o Brasil é parte, ao lado de outros 11 membros países.
Com a profusão de acordos bilaterais, as vantagens tarifárias do Brasil seriam
reduzidas em termos relativos.
Numa situação destas, o Brasil encontraria dificuldades para uma entrada no
bloco na situação de retardatário, pois os concorrentes do Brasil dificultariam a sua
adesão. A título de exemplo, o Brasil é responsável por 12% das importações de
bebidas alcoólicas dos EUA e 9% das de chá, café e açúcar. Tratam-se de setores
bastante disputados pelos países que venham a compor a ALCA (que têm custos de
produção não muito superiores) e que podem abocanhar este mercado, caso o Brasil
não participe do bloco. Como ilustração, o México, membro do NAFTA, tem
aumentado sua participação progressivamente, a taxas de 35% ao ano no mercado
norte-americano de açúcar, enquanto que as vendas brasileiras permanecem estáveis.
Quanto ao café, a perda do mercado norte-americano seria desastrosa, já que
responde por 24% das vendas externas brasileiras. Da mesma forma, o suco de
laranja concentrado deve ser levado em consideração, já que 39% das exportações
brasileiras têm os EUA como destino. Tendo em vista que o NAFTA prevê a
eliminação total até meados da década de 2010 da tarifa de US$ 0,35 por galão de
suco e que esta preferência pode ser estendida para outros países da América, a não
adesão ao acordo pode representar a perda desse gigantesco mercado de 850 mil
toneladas/ano. 680
O tempo mostrará em que medida esse emaranhado de acordos sub-regionais
e bilaterais poderá promover a real integração do continente e em que medida isso
não gerará mecanismos discriminatórios, que podem complicar o processo de
374
harmonização de regras e encarecer as transações. Ainda assim, pior seria aos países
em desenvolvimento da região a sua submissão voluntária e passiva a acordos feitos
em bases sabidamente inconvenientes.
3.5.5.2.7. Os problemas da oferta Norte-Americana681
A iniciativa proposta pelos EUA da formação de uma ALCA, formatada nos
moldes do NAFTA, tem sido ampla e abundantemente denunciada como uma
armadilha hegemônica com o objetivo da dominação e controle das economias dos
35 países participantes do processo de negociação. Da perspectiva brasileira, a
iniciativa da ALCA tem sido corretamente interpretada pela sociedade civil como
uma equação com a qual o País nada teria a ganhar e tudo a perder.
O anúncio das linhas gerais da proposta dos EUA para a ALCA, feita no dia
11 de Fevereiro de 2003, veio a confirmar plenamente as análises supra referidas,
pelo seu caráter globalmente acanhado e, muitas vezes, singularmente cosmético e
plenamente anódino. Todavia, um ponto em particular chamou a atenção dos
observadores especializados nas questões arcanas do direito do comércio
internacional, qual seja o tratamento discriminatório dado às possíveis partes do
futuro pacto comercial regional pelos EUA.
A oferta dos EUA introduz, pela primeira vez na história dos pactos regionais
de comércio, o princípio da discriminação endógena, em contundente violação dos
dispositivos supra mencionados. De fato, a oferta agrícola, por exemplo, dá
tratamento tarifário isento a 85% das exportações do Caricom; 64% dos países da
América Central; 68% dos países do Pacto Andino; e 50% àquelas dos países do
MERCOSUL.
Por sua vez, a oferta de bens industriais e de consumo dá uma isenção
tarifária a 91% dos produtos do Caricom; 66% dos produtos dos países da América
Central; 61% dos produtos do Pacto Andino; e 58% dos produtos do MERCOSUL.
Resta ainda saber, quando da apresentação do texto completo da oferta dos EUA se
a, tanto flagrante quanto ilegal, discriminação supra não será agravada por
tratamentos díspares aos países membros do Caricom, MERCOSUL e Pacto Andino
e também por tarifação diferenciada de bens e produtos, dependendo da
competitividade do país.
O uso de percentuais de liberalização é um argumento tradicional e falacioso
dos negociadores americanos. De um modo geral, as tarifas nos EUA já são
razoavelmente baixas. Assim uma redução de 91% de uma tarifa de 1% não
representa muito em termos de maior concessão de acesso a mercado. O problema
está nos picos tarifários, que são sempre mantidos. Até agora, a iniciativa da ALCA
continua a ser progressivamente desinteressante para o Brasil. O consolo, apenas
momentâneo, é que a situação pode piorar muito.
375
3.5.5.2.8. Alternativas à proposta Norte-Americana
Após a Reunião de Miami, ficou praticamente descartada a implementação da
idéia de uma ALCA plena, da forma proposta há mais de uma década pelo governo
Clinton. Os EUA reclamam que o Brasil mantém barreiras comerciais em mercados
como informática, telecomunicações, produtos automotivos, propriedade intelectual
e compras governamentais. Por outro lado, o Brasil recusa-se a assinar qualquer
acordo se o mesmo não incluir a questão dos subsídios à agricultura, os picos
tarifários sobre produtos sensíveis aos EUA, a falta de reciprocidade nas questões
sanitárias, etc.
Assim, na tentativa de salvar o acordo, o Brasil bem que tentou encaminhar
as negociações rumo a uma ALCA Light, também conhecida como a ALCA dos três
trilhos. Nela, os temas poderiam ser negociados nas esferas bilateral, plurilateral ou
multilateral. Isso permitiria que temas sensíveis para o Brasil, como o de regras para
investimentos, serviços e propriedade intelectual, fossem submetidos para o trilho
multilateral, enquanto que outros, como o acesso a mercados de bens e serviços,
pudessem ser negociados no âmbito bilateral.682
Para sustentar a sua proposta, o
Brasil buscou formar um bloco sul-americano em favor de uma ALCA menos
abrangente. Argentina e Venezuela mostraram-se dispostas a trilhar o caminho
proposto pelo Brasil, mas outros vizinhos ainda se mostram reticentes para fazer o
mesmo, como Paraguai e Uruguai. O Bloco do Caricom, por sua vez, passou a
pleitear tratamento especial e diferenciado para os países pequenos. Os demais
países latino-americanos mostraram-se mais tendentes a aderir à proposta norte-
americana sem maiores exigência. No extremo oposto à posição brasileira, estão o
Chile e o México, o que se explica pelo fato de já integrarem o NAFTA.
Não obstante os esforços brasileiros na promoção da sua proposta percebe-se
que as tratativas em andamento tendem a levar o acordo ao que se passou a chamar
de uma ALCA à la carte, na qual os países estariam unidos em torno de um núcleo
comum (e menor) de comprometimentos, com a opção de grupos de países
avançarem isoladamente em determinados temas.
Nesse caso, a expectativa que se tem é que a opção por uma ALCA menos
abrangente tenderia a dificultar a abertura do mercado de produtos sensíveis aos
EUA, como, por exemplo, suco de laranja, açúcar, álcool, fumo, carnes bovina e
suína, frutas, etc. O acordo menos abrangente também daria uma margem maior
para a criação de uma lista de exceções em que estes produtos tenderiam a ser
colocados pelos EUA, o que viria a anular os avanços. A tendência é de que uma
parte das concessões seja dada pelos EUA quando da adesão à ALCA (sobretudo
quando se fala em corte de subsídios), ficando as mais significativas guardadas para
as negociações da OMC. De qualquer forma, os EUA não parecem ter interesse a
ceder mais que a UE nas negociações com o MERCOSUL.
376
3.5.5.2.9. Conclusão683
Em sua formatação original, os EUA procuravam estender para o resto do
hemisfério as vantagens comerciais sem precedentes que haviam extraído do México
através de negociações desiguais conduzidas pela então corrupta e incompetente
administração do país latino-americano.
Segundo os termos que formataram para a ALCA, os EUA manteriam seus
escandalosos subsídios agrícolas praticados em valores superiores à produção
agrícola conjunta de Brasil e Argentina, teriam acesso aos mercados de serviços dos
demais países latino-americanos, enquanto manteriam os seus fechados, e
promoveriam uma tarifa regional zero para produtos industriais.
Para os países sul-americanos, tal formatação seria altamente desastrosa. Os
subsídios agrícolas americanos arrasariam o setor primário do continente. A torpe
equação de serviços impediria o crescimento do setor, enquanto a redução tarifária
seletiva alienaria os parceiros tradicionais dos países sul-americanos, enquanto
favoreceriam artificialmente aqueles industriais dos EUA. Note-se que os parceiros
tradicionais são também as maiores fontes de investimentos e créditos para o
continente.
Embora nada menos do que 32 dos 34 países a negociar tão tenebrosa
iniciativa, formatada unilateralmente, fossem países emergentes, a estrutura da
ALCA não contemplava meios e medidas para a promoção do seu crescimento
econômico e desenvolvimento social, ao contrário, por exemplo, do que ocorre no
âmbito da UE, onde sempre houve uma preocupação, e ademais um histórico de
sucesso, neste sentido.
De acordo com a sua tradicional insensibilidade e costumeiro egoísmo, os
EUA acreditavam que a promoção do pérfido, bizarro e cruel jogo da soma zero, em
que os ganhos de um são as perdas do outro, cujos resultados favoráveis seriam
garantidos a seus agentes econômicos através das cartas marcadas, atenderia aos
interesses daquele país.
Na realidade, as sórdidas intenções embutidas no abominável pacto foram,
desde logo, pressentidas pelas sociedades civis do hemisfério, que a ele se opuseram
consistentemente por mais de uma década. Em alguns países essa visão iluminada
das negociações veio a prevalecer como política de Estado.
Assim, em Mar del Plata, de um lado posicionaram-se os EUA, a promover o
seu unilateralismo nas relações internacionais, a sua seletividade da prosperidade
econômica e a exclusão social alheia. De outra parte, resistiram à agenda os países
do MERCOSUL, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, mais a Venezuela. Em
posições diversas entre os dois pólos ficaram os demais países. Não se obteve
consenso para a continuidade das negociações da ALCA.
Os países do MERCOSUL defenderam a prevalência do direito nas relações
internacionais, da mesma forma que uma equação que promovesse a prosperidade
377
coletiva e que atendesse para as assimetrias regionais e, bem assim, para a imperiosa
necessidade de realizar o desenvolvimento econômico e social dos povos das
Américas. De fato, maior contradição com a agenda dos EUA não poderia haver.
Alguns observadores procuraram veicular a propaganda dos EUA, no sentido
de que o MERCOSUL e a Venezuela teriam se isolado no âmbito continental. Tais
observações foram infundadas tanto sob uma perspectiva política quanto econômica.
Na primeira delas, porque a rede de tratados regionais do MERCOSUL está a se
adensar. Na segunda, porque os países do MERCOSUL representam mais de 75%
da economia regional e seu comércio com os vizinhos é preponderante.
Assim, resulta claro que, com a anunciada morte da iniciativa da ALCA,
sucumbiu igualmente a única política regional econômica que os EUA tiveram para
o continente americano em mais de uma década. Que a única política econômica
abrangente para a região, por parte da superpotência, tivesse tal formatação, tanto
medonha quanto cruel, é um fato bastante preocupante. Que não tenham outra é
lamentável, mas também um sinal de que os EUA não esperavam e não aceitarão
facilmente a derrota sofrida.
As consciências públicas no âmbito internacional, regional e doméstico não
tolerarão a utilização daquela velha arma do arsenal imperialista: a desestabilização
dos governos dos países dissidentes. Por outro lado, ressurge o desafio da
configuração de uma nova agenda de colaboração hemisférica, que seja fundada no
direito internacional e promova os valores humanísticos reclamados pelos povos do
sul. Enquanto tal não ocorre, que a ALCA descanse em paz.
3.5.5.3. Acordo MERCOSUL – União Européia
Os países da Europa Ocidental há muito figuram entre os principais parceiros
comerciais do Brasil. Puxados pelos negócios com países como a Alemanha, Itália,
Reino Unido e França, o comércio bilateral entre UE e o Brasil supera os € 30
bilhões, absorvendo 25% das exportações brasileiras. Isso faz do bloco o principal
mercado das exportações brasileiras.684
Com relação ao MERCOSUL, o comércio
bi-regional fica próximo de US$ 50 bilhões anuais685
. Cerca de metade da pauta de
exportação do MERCOSUL para a UE é de produtos agrícolas.
Do ponto de vista do MERCOSUL, as exportações poderiam ser bem
maiores, sobretudo no que diz respeito a produtos agropecuários, não fossem as
intransponíveis barreiras comerciais impostas pelo bloco europeu e a magnitude das
políticas de apoio interno aos produtores. Apesar de a média tarifária européia ser
bem inferior à sul-americana, o fato é que picos tarifários e outras barreiras
impedem o acesso ao mercado europeu de determinados produtos. A título de
exemplo, cite-se que a tarifa para o açúcar varia entre 138,3% a 198,8%, enquanto
que, para carne bovina a tarifa variava de 20% a 135,2%.
Para o MERCOSUL, portanto, um acordo com a UE seria muito interessante
378
para garantir o acesso equilibrado ao mercado europeu, sendo um meio capaz de
estabelecer critérios mais transparentes para a eliminação gradativa das barreiras
comerciais praticadas contra certos produtos agrícolas. O acordo também poderia ser
uma boa oportunidade para o MERCOSUL buscar a desoneração dos produtos com
maior valor agregado, eis que picos tarifários levam o MERCOSUL a exportar
àquele mercado quase que exclusivamente produtos básicos.
De seu lado, interessa aos europeus um maior acesso a áreas como
investimentos, contratos públicos, concorrência, propriedade intelectual e industrial
e telecomunicações. Quanto às questões agrícolas, como visto anteriormente, a
disposição em abrir o mercado varia de país para país, mas tem prevalecido uma
posição conservadora nas negociações.
3.5.5.3.1. As negociações
As discussões para um estreitamento dos laços com o bloco europeu foram
iniciadas em junho de 1999, durante a Cúpula europeu-latino-americana, ou Cimeira
América Latina e Caribe-UE, no Rio de Janeiro, onde foram formalmente lançadas
as negociações em torno do acordo MERCOSUL-UE. O texto assinado naquela
ocasião prevê a ampliação do diálogo político e da cooperação entre os blocos,
havendo também um capítulo voltado para uma futura liberalização do comércio
entre os dois blocos, surgindo como uma importante alternativa à ALCA.
Esta liberalização seria feita através da assinatura de um compromisso único
(single undertaking), incluindo temas como investimentos, contratos públicos,
medidas sanitárias e fitossanitárias, concorrência, propriedade intelectual e
industrial, mecanismos para resolução de disputas, etc..
Para instrumentalizar as negociações, foi criado um Comitê de Negociações
Bi-regionais, com o objetivo de estabelecer os princípios das negociações e certificar
a observação das regras acertadas no processo de formação do Acordo UE-
MERCOSUL. As negociações são promovidas por três grupos técnicos
especializados em comércio de bens (GT1), comércio de serviços (GT2) e compras
governamentais (GT3).
A agenda das negociações em torno deste acordo vem caminhando em
sintonia com as da ALCA. A UE tem se mostrado ainda menos disposta que os EUA
a fazer muitas concessões no que tange aos temas agrícolas. De fato, o que se viu foi
que, em 2003, quando da promulgação da nova PAC, a UE reformulou a sua política
de subsídios, sem reduções significativas dos níveis de ajuda aos seus produtores e
os picos tarifários.
Dentro desse contexto, são pequenas as perspectivas de que um acordo venha
a colocar os produtores europeus em pé de igualdade na concorrência com os
produtores mais eficientes do MERCOSUL. Os passos dados até o momento deixam
claro que essa meta só poderá ser atingida no âmbito multilateral, mediante igual
379
contrapartida por parte dos EUA e do Japão.
3.5.5.3.2. Impasse nas negociações
Tal como ocorre no âmbito da ALCA, por envolverem diversos outros temas
além da redução de tarifas, as negociações em torno do acordo MERCOSUL-União
Européia têm progredido lentamente, estacionando freqüentemente diante de
impasses gerados pelo antagonismo de posições.
A proposta européia é tímida no tocante ao comércio de produtos agrícolas.
Inicialmente, observa-se que os produtos agrícolas sensíveis estão na lista de
exceção (lista E), sendo que a abertura de tais mercados só se daria dentro de certos
limites, através do estabelecimento de quotas. Com isso, as ofertas agrícolas
apresentadas pela UE não representariam benefícios maiores que US$ 2 bilhões por
ano. Há estimativas de que as propostas ampliariam o comércio agrícola entre os
blocos em 20%.686
Os ganhos para o MERCOSUL estariam concentrados em
produtos como suco de laranja e carnes, enquanto que, para a UE, o destaque estaria
nos setores de máquinas, eletroeletrônicos, farmacêuticos e papel. 687
As negociações ficaram quase um ano suspensas depois de outubro de 2004,
quando os blocos chegaram a um impasse para a liberalização do mercado agrícola.
O MERCOSUL encontrou dificuldades para definir os produtos que deveriam ser
oferecidos aos europeus. Para a Argentina e o Uruguai, por exemplo, as indústrias de
doces e têxteis são sensíveis demais para serem liberalizadas.688
Ainda assim, na
busca de maiores concessões na área agrícola, o MERCOSUL chegou a oferecer
tarifa de importação zero para 90% dos produtos no prazo dez anos.689
No entanto,
tal oferta não satisfez os anseios europeus e inviabilizou o destravamento das
conversações.
Isso demonstrou que a integração ao MERCOSUL não é uma prioridade na
agenda européia. Antes disso, observa-se que, com a recente expansão do bloco, as
atenções estarão concentradas nos novos parceiros, bem como nas grandes potências
agrícolas da região, especificamente a Rússia e a Ucrânia.690
A longo prazo, todavia,
um crescimento substancial das economias do bloco poderá implicar um aumento da
demanda por produtos tropicais.691
De qualquer maneira, o bloco sul americano não deixa de ser atraente aos
europeus. Trata-se de um mercado consumidor de cerca de 240 milhões de
habitantes, com um PIB de US$ 645 bilhões. Além disso, a região acumula um
estoque de investimentos europeus da ordem de € 90 bilhões, de forma que o futuro
da economia da região lhes afeta diretamente.692
3.5.5.4. O Sistema Geral de Preferências - SGP
O Sistema Geral de Preferências (SGP) é um mecanismo em que
380
determinados países desenvolvidos concedem a redução ou isenção das tarifas
aduaneiras incidentes sobre determinados produtos provenientes de países em
desenvolvimento, entre os quais, o Brasil. Tais concessões são dadas sem a
exigência da reciprocidade, visando atenuar as desigualdades econômicas existentes
entre os países do globo.
O mecanismo do SGP foi criado no âmbito da UNCTAD, em sua II
Conferência, realizada em Nova Delhi, em 1968. Muito além do que a ética
econômica do momento permitia, o organismo multilateral buscava a criação de um
mecanismo generalizado, unilateral e não discriminatório em favor dos países
desenvolvidos, incluindo medidas a promover os interesses dos Estados menos
desenvolvidos.
Tais medidas buscariam o aumento das receitas de exportação dos países em
desenvolvimento e dos menos desenvolvidos; a promoção de sua industrialização; e
a aceleração de suas taxas de crescimento econômico. Além de seu evidente grande
mérito intrínseco, o SGP constituiu-se num divisor de águas a respeito da
necessidade de um tratamento diferenciado e mais favorável aos países em
desenvolvimento.
Essa ação foi de fundamental importância porque o GATT, de 1947,
promovia de maneira aberta e impudica os interesses exclusivos do clube dos países
ricos. De fato, o artigo 1° do GATT 47 consagrou o princípio da chamada cláusula
da nação mais favorecida, segundo o qual um benefício ou concessão feito a um
país, por outro, seria automaticamente estendido a todas as demais partes do GATT.
Assim, em 1971, sob a inspiração do SGP da UNCTAD, as partes signatárias
do GATT aceitaram uma exceção transitória ao princípio da cláusula da nação mais
favorecida por um período de 10 anos. A seguir, em 1979, por uma decisão das
partes contratantes, foi adotado o princípio que instituiu o fundamento ético do
sistema multilateral do comércio ao consagrar a necessidade "do tratamento
diferencial e mais favorável, com maior participação, dos países em
desenvolvimento".
Com o correr dos anos, 39 países adotaram o SGP: Austrália, Bielorússia,
Bulgária, Canadá, EUA, Estônia, Japão, Nova Zelândia, Noruega, Rússia, Suíça,
Turquia e UE, representando 27 países a partir de janeiro de 2007. Como vimos, há
diversos países em desenvolvimento que participam do SGP, inclusive a Rússia, que
não faz parte do sistema multilateral comercial, hoje abrigado no âmbito da OMC.
Os benefícios consistem na redução ou eliminação da tarifa de importação
sobre as importações que preencherem os requisitos legais. São beneficiados tanto
produtos agrícolas (capítulo 01 a 24 do SH), quanto produtos industriais (capítulos
25 a 97 do SH), os quais devem estar elencados na lista positiva e não constar da
lista negativa de concessões do país importador. Os produtos beneficiados são
normalmente de menor valor agregado, como café, coco, banana e açúcar.
381
O SGP tem sido de grande valia para o comércio exterior brasileiro,
permitindo um incremento das vendas significativo para os membros do Quad. Em
1999, por exemplo, US$ 9 bilhões, ou 35% das exportações feitas para esses
mercados foram beneficiadas pelo sistema, conforme tabela anexa.
Exportações Brasileiras Beneficiadas pelo SGP
País Exportações
totais (US$)
EUA 10,8 bi 2,2 bi 20,30%
U.E 13,7 bi 6,4 bi 46,60%
Japão 2,1 bi 382 mi 17,50%
Canadá 513 mi 255 mi 49,70%
Exportações
beneficiadas pelo SGP
(US$)
Cada país que concede o benefício possui regras próprias para estabelecer
quais bens serão beneficiados pelo sistema. Esse critério adquire maior
complexidade quando os bens importados são produzidos apenas parcialmente no
país beneficiário. Em alguns países, como os EUA, a regra adotada é de que pelo
menos 35% de sobre valor de fábrica deve ser decorrente de processamentos
ocorridos no país de origem. Além disso, exige-se que a importação seja direta do
país beneficiário do sistema, devendo constar da fatura comercial que o destino final
são os EUA.
No Brasil, a administração do SGP é exercida pela Secretaria do Comércio
Exterior (SECEX), através do Departamento de Negociações Internacionais, o qual
elabora normas e dispositivos que irão reger o SGP no Brasil. Além disso, esse
órgão divulga e atualiza as informações recebidas dos países outorgantes.
3.5.5.4.1. O SGP Norte-Americano
O SGP foi implementado nos EUA em 1º de janeiro de 1976, através do
Trade Act of 1974. Inicialmente tinha previsão de duração de 10 anos, sendo a partir
de então, sucessivamente renovado por períodos de 1 a 5 anos.
O SGP americano abrange cerca de 4.600 produtos, além de outros 1.700
provenientes dos países de menor desenvolvimento relativo – PMDs. Entre esses
produtos, encontram-se os manufaturados, semi-manufaturados, além de
determinados produtos agrícolas, de pesca e do setor primário. Via de regra, estão
excluídos dos benefícios do SGP produtos têxteis, calçados, bolsas, malas, artigos
diversos de couro, etc..
Os produtos que enquadrados no SGP constam de lista publicada pela U.S.
International Trade Comission – USITC (Comissão de Comércio Internacional dos
EUA), juntamente com a nomenclatura tarifária dos EUA – HTSUS (Harminized
382
Tariff Schedule of the United States). Anualmente, são feitas revisões para modificar
a lista de produtos e de países beneficiários do sistema. Nessa oportunidade, são
publicados editais convidando os interessados a apresentar petições, que devem estar
de acordo com o Código Federal de Regulamentos (15 CFR Part 2007). Em caso de
negativa, é necessário que o solicitante aguarde o prazo de três anos para voltar a
peticionar pela concessão do benefício.
Vale dizer que o tratamento preferencial do SGP é limitado pelas CNLs
(Competitive-Need Limitation). As CNLs determinam que o país perderá o direito ao
benefício com relação a determinado produto, caso as importações provenientes do
mesmo cheguem à metade ou mais do total importado pelos EUA no ano anterior ou
ultrapassem US$ 95 milhões. Contudo, admite-se a dispensa do CNLs caso o
Presidente norte-americano conceda um waiver, desde que o total de exportações do
produto pelo país não ultrapasse o limite de minimis, fixado em 1996 em US$ 13
milhões, com incremento anual de US$ 500 mil. Também podem ser concedidos
waivers, aqui de maneira automática, na hipótese de não haver produção interna,
conforme a Seção 503 (c) (E) do Trade Act of 1974.
Contudo, apesar dos nobres princípios que inspiraram o SGP, o sistema,
como tantos institutos internacionais, foi corrompido pelos EUA e foi utilizado
seletivamente como instrumento político para a imposição da vontade daquele país.
Essa deturpação ocorre de duas formas: ou para a inclusão do benefício da tarifa
reduzida; ou pela ameaça de sua revogação.
Apesar da deturpação do SGP, o mecanismo trouxe benefícios a muitos
países, inclusive ao Brasil. Esse fato demonstra que o instituto pode ser utilizado
com sucesso para a promoção da prosperidade mundial, o que foi reconhecido na
Reunião Ministerial de Hong Kong da OMC, de 2004, quando se acordou que todos
os estados membros do organismo dariam um sistema favorecido aos 32 países de
menor desenvolvimento relativo, em 2008.
Evolução das exportações brasileiras para os EUA.(em bilhões de dólares)
1.96 2.21 2.19 1.9 2.09 1.95 2.12 2.49 3.17 3.63
8.87 9.51 9.95 11.2713.73 14.41
15.6117.72
21.1
24.35
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Total
SGP
Fonte: FIESP
383
3.5.5.5. Acordos Sul-Sul
Desde o final da década de 90, vem sendo observado um movimento de
reorganização das relações comerciais do Brasil com seus pareceiros, o que aparece
de uma forma especialmente nítida no oriente. De um lado parceiros tradicionais,
como o Japão, vêm perdendo importância relativa dentro das exportações brasileiras.
Em grande parte, essa tendência resulta do fechamento do mercado agrícola
dos mercados mais ricos do mundo, notadamente EUA, UE e Japão, e da sua
inflexibilidade para fazer concessões ao Brasil nas negociações de acordos
comerciais. Hoje, países em desenvolvimento importam mais de dois terços do
comércio agrícola mundial.693
Com isso, enquanto se tenta manter os laços
comerciais com os parceiros tradicionais, essa situação tem instado o Brasil a buscar
novas oportunidades em mercados alternativos, sobretudo em se tratando dos países
em desenvolvimento, que costumam ter posturas menos protecionistas na área
agrícola. Essas são algumas das razões da ênfase dada pelo Governo Lula aos
chamados acordos Sul-Sul, com países em desenvolvimento.
Exportações do agronegócio brasileiro para o mundo em desenvolvimento
Países Senegal Argélia Síria Gana África do Sul Rússia Índia Paquistão China Kwait
Exportações em 2005 (US$ milhões) 105 293 135 135 470 2,7 590 237 3 173
Vendas em relação a 2000 1300% 811% 790% 720% 690% 560% 540% 500% 450% 350%
Fonte: Ministério da Agricultura apud Exame 2006
Os resultados dessa aproximação com países em desenvolvimento são nítidos
e vêm se mostrando como uma importante alternativa para compensar a falta de
acesso aos mercados agrícolas dos países industrializados.
Destino das exportações do Agronegócio Brasileiro
30%
40%
50%
60%
70%
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
QUAD*
DEMAIS
* EUA, Canadá, Japão e U.E-15
Fonte: MAPA
384
O SGPC, adiante analisado, que tem uma sistemática semelhante à do SGP,
desponta para os países em desenvolvimento como uma das principais opções para
aumentar o intercâmbio comercial com outros países, notadamente os em
desenvolvimento.
Quanto aos acordos de alcance mais restrito, China e Índia são os países com
os mercados mais promissores, pois há alguns anos esses dois países têm
demonstrado que são os grandes candidatos a despontar como o motor do
crescimento mundial. Dotados de cerca de 1/3 da população mundial, cerca de 2,4
bilhões de habitantes, tais países têm sido capazes de manter fabulosas taxas de
crescimento, que chegam a 9% do PIB anualmente. Algumas projeções apontam que
em 2025, a China e a Índia juntas representarão 20% da economia mundial, ante 6%
atualmente.
Ambos os países vêm realizando profundas reformas para adequar-se à lógica
de comércio internacional, conferindo maior transparência ao sistema e atraindo
mais investimentos. Esse processo inclui também uma progressiva abertura do
mercado de produtos agrícolas, chamando atenção dos grandes produtores do
mundo, como o Brasil, que passaram a tomar medidas para estreitar as relações
comerciais através de acordos de livre comércio.
3.5.5.5.1. SGPC
De maneira semelhante ao SGP, o Sistema Global de Preferências Comerciais
(SGPC) é um mecanismo estabelecido entre países pobres através do qual o país
importador concede preferências tarifárias a determinadas mercadorias provenientes
de outros países signatários.
Esse acordo foi concluído em Belgrado em abril de 1988, sendo que a
participação no mesmo está restrita a países do chamado Grupo dos 77. Atualmente,
Composição do PIB
Mundial em 2004 e 2025
União
Européia
34%
Japão
12% China
4%
Índia
2%
Outros
20%
EUA
28%
Índia
5%
EUA
27%
China
15%
Japão
7%
Outros
21%
União
Européia
25%
Fonte: Revista Veja, 31 Ago. 2005, p. 70 apud
Keystone India e Business Week.
385
dele participam 48 países em desenvolvimento, quais sejam: Angola, Argélia,
Argentina, Bangladesh, Benin, Bolívia, Brasil, Camarões, Catar, Chile, Cingapura,
Colômbia, Cuba, Egito, Equador, Filipinas, Gana, Guiana, Guiné, Haiti, Índia,
Indonésia, Irã, Iraque, Iugoslávia, Líbia, Malásia, Marrocos, México, Moçambique,
Nicarágua, Nigéria, Paquistão, Peru, República da Coréia, República do Congo,
República Popular Democrática da Coréia, Tanzânia, Romênia, Sri Lanka, Sudão,
Trinidad-Tobago, Tunísia, Uruguai, Venezuela, Vietnam e Zimbábue. Destes, 8
países, embora signatários, não ratificaram o acordo e, portanto, não são
beneficiários do sistema, quais sejam: Angola, Catar, Colômbia, Haiti, Marrocos,
Uruguai, Venezuela e Zaire. Juntos esses países exportaram US$ 1,8 trilhão em
2005, o equivalente a 17,5% do comércio mundial. Desse total, cerca de 20%
utilizou o sistema do SGPC.694
O SGPC apresenta-se como um mecanismo extremamente útil para contornar
o impasse da rodada Doha, sobretudo em se levando em conta que as concessões no
âmbito desse sistema não requerem a extensão dos benefícios a terceiros países,
ficando imunes à aplicação da Cláusula da Nação Mais Favorecida. Na falta de
avanços nos acordos multilaterais, regionais e bilaterais, o Brasil também tem
envidado esforços na tentativa de articular os países pobres a pressionar pelo
aprofundamento das reduções tarifárias no âmbito do SGPC. O lançamento formal
da terceira rodada de negociações ocorreu em junho de 2004, durante a IX
Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad).695
Para obter os benefícios do SGPC, o produto a ser exportado deve constar da
lista de concessões do país importador e satisfazer a regra de origem vigente por ele
estabelecida. Além disso, é necessária a apresentação do Certificado de Origem, o
qual, no Brasil, deve ser obtido nas federações estaduais de indústria. As disposições
sobre o SGPC estão contidas Decreto 194/91, no Decreto Legislativo 98/91, Circular
DECEX 363/91 e Circular SECEX 48/96. Os dois primeiros aprovam o texto do
SGPC e as últimas contêm a lista de Concessões Tarifárias outorgadas pelo Brasil,
transpostas, respectivamente, para a Nomenclatura Brasileira de Mercadorias –
Sistema Harmonizado (NBM/SH) – e para a Nomenclatura Comum do
MERCOSUL (NCM).
3.5.5.5.2. República Popular da China
Apesar de ter sido um dos 23 signatários originais do GATT, em 1948, a
República Popular da China permaneceu até o final do século XX fora das
negociações do sistema multilateral de comércio. Isso aconteceu porque, após a
revolução cultural de 1949, o Governo de Taiwan anunciou que a China sairia do
GATT. A China jamais reconheceu o ato e, apesar da legitimidade do processo que
levou o Governo comunista de Beijing ao poder, isso não impediu que a comunidade
internacional excluísse a China dos quadros do GATT por cerca de 40 anos. Assim,
durante a guerra fria, a China foi levada a viver no isolamento comercial e
386
diplomático, enquanto que se verificava uma intensificação dos fluxos de comércio
entre a maior parte dos países do mundo capitalista.
Na década de 70, a China iniciou um processo de abertura econômica,
objetivando atrair investimentos estrangeiros para as cidades exportadoras situadas
no seu litoral, as chamadas “Zonas Econômicas Especiais”. Aos poucos, o país foi se
aproximando da comunidade internacional, de forma que, em 1980, tornou-se
membro do Fundo Monetário Internacional – FMI – e, em 1982, observador do
GATT. Quatro anos depois, solicitou sua entrada no GATT, dando início a um
longo processo de negociação (que terminaria apenas no ano de 2001, com sua
entrada na OMC) para finalmente fazer parte da comunidade econômica mundial.
Tais tratativas, no entanto, foram incrivelmente dificultadas pelo fato de que, até
então, a China estar em estágio inicial de transição para a economia de mercado.
A fim de minimizar tais entraves, o país deu início a um extenso processo de
reforma política e também judiciária, dando maior credibilidade ao sistema e
atraindo mais investidores, principalmente em virtude do chamado “Milagre
Econômico de Taiwan”. O célere desenvolvimento da indústria local, subsidiada
pela ajuda do governo norte-americano, foi um dos principais fatores que
possibilitou à China tornar-se um dos Tigres Asiáticos.
No início de 1999, a China anunciou uma significativa redução de tarifas,
incidentes sobre 1014 itens, dando um grande passo para a adequação às exigências
da recém-criada OMC. Até então, a média tarifária do país era de 17,5%, sendo que
produtos agrícolas como trigo, cevada, milho, arroz, soja, óleos de soja, de
amendoim e de girassol eram tarifados em mais de 69%. Pouco depois, em 11 de
dezembro de 2001, a China finalmente aderiu à OMC, assinando acordos em que se
comprometia a dar maior transparência e publicidade às suas instituições,
especialmente no tocante ao comércio. O país também firmou o compromisso de
zerar os subsídios às exportações e de limitar os subsídios internos a 8,5% do valor
de produção.696
Em março de 2004, a China reformou a sua Constituição, declarando a
importância do capitalismo para o desenvolvimento do país e garantindo a
propriedade privada.697
Com isso, o país foi além das mudanças constitucionais
realizadas em 1999, quando foi inserida a declaração de que as empresas privadas
eram “um componente importante” da economia e não apenas um “complemento”
da indústria estatal. 698
Desde então, a abertura da economia viabilizou a manutenção de um ritmo
bastante acelerado de desenvolvimento econômico, próximos a 9% ao ano, o que dá
ao país a perspectiva de quadruplicar o PIB em 20 anos, da mesma forma como
fizera nas últimas duas décadas. O mercado interno também vem crescendo
significativamente, tendo a renda per capita ultrapassado os US$ 1 mil em 2003699
,
fechando um ciclo virtuoso para atrair novos investimentos. Em 2003, o fluxo de
investimentos estrangeiros para o país foi de US$ 57 bilhões. 700
387
Taxa de crescimento do PIB da China
3,8%
8,4%
11,4%
9,1%8,0%
7,5%7,4%
6,6%
7,2%8,1%
8,7%9,5%
11,9%12,5%
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
Fonte: A maior missão da história, ruma à China. O Estado de São Paulo, São Paulo,
09 mai. 2004. Caderno Economia, b.4.
Em paralelo, observou-se um notável aprofundamento dos seus laços
comerciais com outras nações. As exportações chinesas chegaram a US$ 413 bilhões
em 2003, o equivalente a 40% do seu PIB. O número é impressionante se
comparado aos US$ 10 bilhões obtidos em 1970.
Se de um lado a China tem conseguido manter saldos comerciais
extraordinários com o mundo desenvolvido (no comércio com os EUA, ficou em
US$ 120 bilhões em 2003)701
, por outro, observa-se que a entrada da China no
mercado internacional tem apresentado um saldo positivo para os países em
desenvolvimento. Ao mesmo tempo em que a China ocupou grande parte dos
mercados de países em desenvolvimento como o Brasil, com uma enxurrada de
produtos baratos, o próprio mercado chinês surgiu como alternativa para outros
produtos, sobretudo em se considerando que o seu mercado agrícola é uma dos mais
liberais do planeta. Com isso, tem sido observado o aumento da participação de
mercadorias vindas de países emergentes dentro do total de importações chinesas,
passando de 30% em 1978, para 51% em 2001.
Isso se deve, entre outras coisas, ao crescimento da demanda chinesa por
produtos básicos, inclusive alimentos, que em grande parte são exportados por
países em desenvolvimento. Segundo a FAO (Food and Agriculture Organization),
as importações chinesas de soja em grãos cresceram 549% na década de 1990, o que
representou um salto no gasto de divisas de 459%, passando de US$ 494 milhões
para US$2,8 bilhões.702
388
3.5.5.5.2.1. A acessão da China e as medidas de defesa
comercial
Quando a China acedeu à OMC em 11 de dezembro de 2001 para tornar-se o
143º membro daquela organização, o respectivo Protocolo de Acessão previu dois
regimes especiais para as exportações chinesas. Em primeiro lugar, criou-se,
conforme o artigo 15 do protocolo, por um período de 15 anos, para os fins de
medidas compensatórias e antidumping, uma ficção no sentido de que a China teria
sua economia como um todo considerada como não de mercado.
O corolário direto desse dispositivo é que para a determinação do preço
doméstico para fins de cálculo da margem de dumping, seriam considerados não os
valores efetivamente praticados no mercado chinês, mas preços “sub-rogados” de
terceiros países. Essa situação metodológica trouxe dois tipos de abusos, muitas
vezes cumulados: em primeiro lugar, as empresas chinesas de economia de mercado,
que são hoje a maioria, eram discriminadas; em segundo lugar, os preços de
terceiros países, como Índia, Argentina e outros, freqüentemente nada tinham a ver
com a real composição do custo chinês.
Por outro lado, o protocolo, em seu artigo 16, baseado na premissa ficta do
artigo 15, criou um regime especial de salvaguardas contra produtos chineses, válido
pelo período de 12 anos, a contar da data de acessão. De acordo com este regime
especial, é possível dirigir uma medida de salvaguarda apenas contra a China,
contrariamente ao regime horizontal do Acordo Salvaguardas da OMC que
considera a medida contra todos os produtores do bem cuja importação causa ou
ameace causar uma perturbação de mercado. O regime especial contempla um
mecanismo de consultas e admite a imposição de medida provisória de salvaguardas,
de acordo com avaliações preliminares.
Como seria de se esperar, essas medidas protecionistas inspiradas pelos EUA
causaram graves danos ao comércio internacional chinês, já que cerca de 70% dos
casos de medidas antidumping e de salvaguardas havidos no mundo nos últimos três
anos são dirigidos contra os produtores chineses, que não podem defender-se de
maneira eqüitativa e justa. Note-se ainda que a China tem uma competitividade
relativa, e legal, muito grande em produtos que requeiram grande intensividade de
mão de obra, comparativamente barata naquele país, como é sabido.
3.5.5.5.2.2. Relacionamento Brasil - China703
Brasil e China restabeleceram relações diplomáticas em agosto de 1974.
Naquela época, as relações políticas entre os dois países eram ainda muito difíceis,
devido às características opostas dos regimes de governo em cada qual. Naquele
ano, todavia, seguindo-se uma tendência internacional, começou a se verificar um
certo degelo no relacionamento bilateral e a corrente recíproca de comércio chegou a
um muito modesto total de US$ 17 milhões.
389
Logo depois, tanto o Brasil como a China iniciaram processos de distensão
política e liberalização econômica e comercial. Ambos os países distanciaram-se do
controle estatal sobre a economia e evoluíram nas relações representativas internas.
Já no início da década de 90, Brasil e China estabeleceram os fundamentos de uma
parceria estratégica na área de política internacional, tecnologia e comércio.
Como resultado de tal cooperação, Brasil e China votaram no mesmo sentido
nos foros internacionais em aproximadamente 98% das ocasiões, a partir daquela
época. Com a acessão da China à OMC, havida em 11 de dezembro de 2001, após
longas negociações, o processo de abertura comercial do país intensificou-se ainda
mais, como resultado das concessões feitas no regime multilateral.
A partir de então, consolidou-se o crescimento econômico chinês, que se situa
na casa dos 9% anuais, desde 1978, com a renda per capita crescendo a 7% a.a.
Veja-se que no ano de 2003, a China figurou como o terceiro maior importador do
mundo, totalizando US$ 412 bilhões em 2003 e quarto maior exportador, com US$
438 bilhões. 704
Por sua vez, neste século, a economia brasileira voltou a crescer de
forma substancial e a participação das exportações no PIB do País quase que
triplicou. O Brasil tornou-se o maior parceiro comercial da China na América Latina
e a China tornou-se o terceiro maior parceiro comercial absoluto do Brasil.
Apenas para que se tenha uma idéia da importância da participação da China
na economia nacional, vale lembrar que a corrente bilateral de comércio entre os
dois países evoluiu dos US$ 17 milhões de 1974 para, em 2003, alcançar a cifra de
US$ 9,1 bilhões. Nesse ano, o Brasil teve um superávit comercial com a China de
US$ 2,4 bilhões. Um dos principais responsáveis pelo aumento das exportações
brasileiras foi a soja. Desde que aderiu à OMC, a China vem progressivamente
abrindo seu mercado de grãos e farelo de soja, derrubando as tarifas para 3% e 5%,
respectivamente. No caso de óleos vegetais, a abertura tem sido mais gradual, com
tarifas extra-cotas. Com isso, há alguns anos, a China tornou-se o principal destino
das exportações brasileiras de soja. Somente no ano de 2005, as vendas foram de
cerca de US$ 2,38 bilhões.705
Comércio Brasil-China
4533
2520
1902
1085
676905
1088
2147
15541328
1222
86510341166
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
3500
4000
4500
5000
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
US
$ m
ilhõ
es
Exportação
Importação
Fonte: A maior missão da história, ruma à China. O Estado de São Paulo, São Paulo, 09 mai.
2004. Caderno Economia, b.4.
390
3.5.5.5.2.3. Perspectivas das relações comerciais
Tudo leva a crer que as economias de Brasil e China continuarão a crescer de
maneira saudável nos próximos anos. Como elas são, em muitos sentidos,
complementares, é razoável supor-se que a corrente bilateral de comércio deverá
continuar a expandir-se. O forte ritmo de crescimento da China induz uma voraz
demanda por matérias primas, alimentos e combustíveis, sendo certo que estes
recursos não estão disponíveis em quantidade suficiente naquele país. De fato,
estima-se que, atualmente, o país consome nada menos que 50% de todo o cimento,
31% do carvão, 30% do minério de ferro, 22% do alumínio e 22% do aço e 7% do
petróleo produzidos no mundo.706
A China é ainda o maior importador mundial de
soja, exercendo uma influência determinante nas cotações internacionais: 24 milhões
de toneladas em 2004.707
O número de investimentos recíprocos entre Brasil e China tende a aumentar.
Para tanto, faz-se importante a eliminação das barreiras culturais existentes entre os
dois países, que cairão com o tempo, na medida da maior intensificação da
colaboração acadêmica e empresarial. Hoje, já são aproximadamente 100 as
empresas de cada país com presença comercial no outro. Esse número tende a
multiplicar-se num futuro muito próximo, especialmente após o Comunicado
Conjunto firmado pelas autoridades do governo e entes do setor empresarial dos dois
países em 2004.
Espera-se ainda um amplo favorecimento ao setor brasileiro de agronegócios
a partir do estreitamento das relações com a China. A China tem 20% da população
do mundo, mas apenas 1 milhão de km quadrados, ou 11% das terras do país, são
aráveis708
, fato que inviabiliza completamente qualquer plano de se atingir a auto-
suficiência. Pequim, por isso, precisa de canais de fornecimento seguros, o que
coloca o Brasil em posição bastante favorável, especialmente porque os dois países
não têm uma agenda geopolítica conflituosa, como acontece com relação aos EUA.
Com efeito, não está nos planos chineses ficar na dependência do fornecimento
pelos EUA de produtos estratégicos como alimentos e álcool, o que enseja o maior
interesse pelo fortalecimento dos laços comerciais com países como Brasil,
Argentina, Canadá, Austrália e do Sudeste Asiático.
Seu consumo anual de grãos está na casa das 490 milhões de toneladas709
,
havendo um crescente déficit de produção interna, hoje situado em 50 milhões de
toneladas.710
Especificamente no tocante à soja em grãos, o consumo anual é de
cerca de 36 milhões de toneladas, sendo a produção interna equivalente a menos da
metade deste total. Para satisfazer a demanda interna, grandes quantidades do
produto em bruto e de seus derivados são importados dos EUA e da América do Sul.
Um atrativo adicional em direção a este mercado se dá pelo fato de que a China é
tolerante com a entrada de soja transgênica.
391
Em 2030, prevê-se que a China terá 1,6 bilhão de habitantes e projeta-se que
o seu consumo de grãos será em torno de 700 milhões de toneladas por ano.711
Leve-
se em consideração, outrossim, a tendência à migração das populações para o meio
urbano, que deve levar algumas centenas de milhões de chineses do campo para as
cidades. Com isso, verifica-se a tendência ao incremento da demanda por alimentos
como carne bovina e de frango, frutas, laticínios, em detrimento da dieta tradicional
(milho, arroz e trigo).712
Assim, o consumo de soja tende a continuar crescendo, pois o consumo per
capita de óleo de soja ainda é bastante incipiente na China, situando-se em 14
litros/hab/ano, contra 24 no Brasil e 48 nos EUA e na UE. Assim, se o aumento de
consumo de óleo de soja por habitante aumentar de 14 litros/ano para 15 litros/ano,
por exemplo, haverá um aumento de demanda da ordem de 1,5 milhões de toneladas
– ou seja, para cada unidade de aumento de consumo de óleo de soja
(litro/ano/habitante) há um acréscimo de 1,5 milhões de tonelada desse produto (esse
montante corresponde à metade das exportações brasileiras no ano de 2003). 713
No entanto, constata-se que o Brasil ainda não está aproveitando todas as
oportunidades oferecidas por aquele extraordinário mercado, formado por quase 1,3
bilhão de potenciais consumidores. Hoje, o comércio com o Brasil não representa
muito mais que 1% do comércio externo daquele país, inclusive pelo fato de o
empresariado brasileiro ter pouca informação sobre o funcionamento daquele
mercado e cultura. A pauta de exportações brasileiras para a China encontra-se
excessivamente concentrada em produtos como soja e derivados (35%), minério de
ferro e subprodutos (17%), aço (10%), celulose (6%) e semi-manufaturados de ferro
e aço (6%).714
Isso tem permitido que os EUA e países da UE dominem mercados de
commodities nas quais o Brasil é muito mais competitivo, como o suco de laranja e
o café, por exemplo.
Com isso, o Brasil ainda tem muito espaço para conquistar em outros
segmentos do agronegócio,como algodão, açúcar, café e carnes. O consumo chinês
de açúcar aumentou de 6,6 para 9 kg per capita entre 2000 e 2005. Considerando a
dimensão do país, isso representou um aumento de demanda na ordem de 2,9
milhões de toneladas, mas a participação brasileira nesse mercado é pequena. No
caso do algodão, os números também impressionam, já que a China detém 40% do
consumo mundial (9 milhões de toneladas), ao passo que o Brasil exportou apenas
15 mil toneladas para os chineses em 2004.715
Quanto ao café, vê-se igualmente uma
participação ínfima do Brasil naquele mercado, o qual é quase que monopolizado
por multinacionais alemãs, italianas e americanas, que retêm a maior parte dos
lucros. Por fim, o setor de carnes também pode incrementar suas vendas para a
China. Constata-se que o consumo médio de carne é de apenas 7 kg/hab/ano, o que
representa menos de 1/5 da média brasileira. Com isso, um minúsculo crescimento
deste mercado, ainda tão incipiente, poderia alavancar incrivelmente a demanda por
carnes em termos absolutos.
392
No setor de papel e celulose, as oportunidades concentram-se em possíveis
parcerias, pois a China é grande produtora e também grande consumidora de papel
(48 milhões de toneladas/ano, contra 8 milhões de toneladas no Brasil)716
e poderia
tranqüilamente investir em nosso país, cuja competitividade e disponibilidade de
terras é muito superior. De maneira semelhante, parcerias no setor de calçados
poderiam atrair investimentos ao Brasil, na tentativa de tentar fazer com que a
relação entre os dois países não seja apenas de competição neste setor, mas também
de cooperação. A China também é grande produtora de calçados, mas não dispõe de
toda a matéria prima (couro) necessária para maiores aumentos na sua produção.
Acredita-se, portanto, que seria viável trazer empresas chinesas para produzir e gerar
empregos no Brasil.
Finalmente, há que se ressaltar as crescentes especulações em torno do
potencial do mercado de álcool naquele país, em virtude de um plano de
implantação do álcool como combustível, já em fase de implantação pelo governo
chinês, com a mistura de álcool à gasolina entre 3 e 10%. Atualmente a demanda
chinesa por álcool está em cerca de 500 milhões de litros/ano, mas a meta do
governo chinês era a de dobrar esta cifra até 2005, o que cria uma excelente
oportunidade ao Brasil. 717
As cidades mais importantes da China, como Pequim,
Xangai e Hong Kong já atingem níveis críticos de poluição. A frota de veículos
chinesa é de cerca de 35 milhões de unidades, que pode representar um mercado de
até 3 bilhões de litros para o mercado brasileiro em poucos anos.718
A China, por seu lado, também tem a ganhar com este comércio, tendo a
oferecer para o Brasil fertilizantes e herbicidas em grandes quantidades e a preços
competitivos719
, sem se falar, logicamente, dos produtos da sua imbatível indústria
de manufaturados.
3.5.5.5.2.4. Óbices à integração com a China
Apesar do grau bastante avançado de abertura da sua economia e de
internacionalização da economia, os negócios realizados na China estão
subordinados a uma série de peculiaridades de ordem social, políticas e econômicas.
Trata-se de uma nação extremamente complexa, composta por 31 províncias com
considerável autonomia e disparidades (inclusive em termos de renda per capita), 7
grandes línguas e 80 dialetos diferentes. Isso cria uma série de desafios para o
empresário que queira desfrutar desse mercado quase que infinito.
É sabido, porém que os investimentos estrangeiros na China não podem ser
encarados de forma imediatista, pois seus frutos podem demorar a amadurecer. A
brasileira “Companhia Cacique de Café Solúvel”, por exemplo, está no país desde
1971, mas devido a dificuldades para distribuir os seus produtos (mais conhecidos
pela marca “Café Pelé”), só agora começa a tirar lucros expressivos. Todavia, é
importante ter em mente que tais dificuldades são superáveis e, tão-logo isso ocorra,
o exportador interessado poderá usufruir, de uma só vez, de um extraordinário
393
mercado consumidor, equivalente a 1/5 de toda a população mundial. A rede de
lanchonetes norte-americana “KFC” (Kentucky Fried Chicken), por exemplo, já tem
mais de 1000 lojas no país, que representam 40% do seu faturamento. A também
americana Starbucks Coffee Company também tem presença marcante, com 100
lojas.720
É claro que nem tudo são rosas no relacionamento bilateral. Hoje, os
interesses são muito maiores do que há 30 anos atrás. Em 1974, quando a corrente
bilateral sino-brasileira era de apenas US$ 17 milhões, os dois países não tinham
disputas comerciais. Assim, hoje com trocas recíprocas estimadas para 2005 em
aproximadamente US$ 12 bilhões, é natural e até mesmo desejável que disputas
tópicas ocorram.
Faz-se, todavia, importante discernir, para a formulação de políticas, tanto
públicas como empresariais, as disputas tópicas da grande tendência estratégica de
cooperação entre Brasil e China, em benefício recíproco.
3.5.5.5.2.5. Estágio atual das relações comerciais
O ano de 2004 foi muito importante para a evolução das relações comerciais
entre Brasil e China, sendo marcado pela visita do Presidente Lula e de uma
comitiva de representantes do governo e quase 500 empresários brasileiros,
representantes de 315 empresas nacionais, às cidades de Pequim e Xangai, onde
foram realizados seminários e workshops para a divulgação de oportunidades
comerciais entre as duas nações. Destacaram-se os setores de saúde e ciências
médicas; infra-estrutura (portos e ferrovias); mineração e agronegócio, em especial
os setores de carnes, frutas, frutas processadas e álcool, cooperação esportiva e
aeroespacial, além da flexibilização para concessão de visto a empresários e a
divulgação do turismo brasileiro.721
Anteriormente à reunião entre os dois governos, haviam sido criados dois
órgãos que foram de suma importância para que as conversas tivessem êxito: a
Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Cooperação, implementada para a
coordenação do desenvolvimento desses dois países; e o Conselho Empresarial
Brasil-China, composto por um grupo de 46 empresas brasileiras e chinesas (p. ex:
Vale do Rio Doce, EMBRAER, Petrobrás, Sadia, Marcopolo, MinMetais – Cia. de
Mineração e Metalurgia da China), que representam um faturamento de US$ 250
bilhões.
Desde então, passou a ser discutida mais abertamente entre os dois países a
importância da cooperação entre os países em desenvolvimento, inclusive a
possibilidade de um acordo de livre comércio entre a China e o MERCOSUL.
Espera-se que, a partir de negociações bilaterais e multilaterais, as rígidas e nem
sempre claras regras sanitárias chinesas sejam ajustadas, a fim de viabilizar um
crescimento substancial das vendas brasileiras. Esse estreitamento das relações com
394
a China seria feito em duas etapas: a redução de tarifas em determinados produtos e,
no futuro, evoluir para a negociação de uma área de livro comércio entre China e o
Cone-Sul.
Após a visita brasileira à China, foi a vez de o presidente chinês Hu Jintao
conhecer o Brasil. Em novembro de 2004, o Brasil reconheceu a China como uma
economia de mercado, sendo o 23° membro da OMC a fazê-lo. Vinte outros países,
grandemente dependentes do comércio bilateral com a China, como a Austrália e a
Nova Zelândia precederam ao Brasil no reconhecimento da China como economia
de mercado.
Alguns setores da sociedade criticaram o gesto, prevendo que ele implicaria
em maiores dificuldades para o uso de mecanismos de defesa comercial, sobretudo
considerando a alta competitividade da China em setores como têxteis, produtos de
ótica, calçados, máquinas, e brinquedos. Isso porque, diferentemente do que fizeram
os EUA, o Brasil não exigiu da China um tratamento diferenciado para fins de
antidumping e salvaguardas, nas negociações bilaterais no âmbito dos
entendimentos multilaterais para a acessão da China à OMC. Ao contrário, o acordo
entre os dois países tem apenas duas páginas, contra as centenas de páginas
incorporando as demandas dos EUA, aceitas pelos chineses.
No entanto, na prática, o Brasil aplicou uma ampla gama de medidas de
defesa comercial contra produtos chineses, dentro das normas idiossincráticas do
Protocolo de Acessão, sem jamais admitir examinar se as empresas chinesas
efetivamente operavam em condições de economia de mercado. Assim, a China,
também no Brasil, tornou-se uma grande vítima de ações infundadas de defesa
comercial, que prejudicaram seus interesses.
Dessa maneira, quando os chineses se deram conta da magnitude dos saldos
comerciais brasileiros com a China, passaram a pressionar nossos agentes políticos e
diplomáticos para a revisão, no âmbito bilateral, das onerosas regras do protocolo. O
Brasil tinha a opção de, nos termos do protocolo, criar normas pelas quais setores
individuais ou empresas chinesas específicas poderiam ser considerados como de
mercado. Assim fizeram vários países, como o Canadá e a própria UE. Essa opção
permitiria praticar justiça aos setores chineses de mercado, bem como proteger a
indústria nacional dos setores em que ainda prevalece a economia estatal.
Por outro lado, a negociação ocorrida no setor de brinquedos, feita entre
ABRINQ, China Toy Association e Câmara de Exportadores de Brinquedos
Chineses, que resultou em acordo de limitação das importações vindas da China,
nada mais é do que mais um exemplo da viabilidade das negociações entre Brasil e
China. Obviamente que em todas as conversas ambos os países deverão estar aptos à
negociação de fato, isto é, cientes da necessidade de concessões mútuas. A tendência
que se observa para os próximos anos é o estreitamento das relações comerciais, já
que interessante para os dois mercados, pois as negociações sino-brasileiras abrem
perspectivas de lucrativos negócios para as duas nações. Conseqüência direta dessa
395
diplomacia comercial é o fortalecimento do G-20, que deverá estar cada vez mais
bem preparado para fazer frente às políticas protecionistas americanas e européias
na área agrícola.
3.5.5.5.3. Índia
A Índia também tem dado demonstrações de que pode vir a se tornar um
grande parceiro comercial do Brasil, inclusive no tocante aos produtos
agropecuários. Com uma população de quase de 1,1 bilhão de habitantes, somados
aos bons resultados no campo econômico, a Índia tem sido apontada como um
mercado comparável ao da China. Porém, trata-se de um parceiro comercial
historicamente negligenciado pelo Brasil, que vem apresentando índices de
crescimento bastante expressivos e muito próximos aos chineses.
Em 1991, foi iniciado um processo de reformas estruturais, o que incluiu
privatizações, estímulo a investimentos privados, joint ventures com empresas
estrangeiras, etc., tirando o país do isolamento comercial. As tarifas de importação
foram reduzidas de uma média 113% para 28% para produtos industrializados e
37% para produtos agrícolas.722
Desde então, o comércio exterior cresceu e deu
maior dinamismo à economia.
O PIB indiano ainda é relativamente baixo, levando-se em conta a sua
população: cerca de US$ 600 bilhões. Todavia, a economia do país tem mantido um
forte ritmo de crescimento anual, algo em torno de 6% ao ano nas duas últimas
décadas do século XX, o que vem ampliando a sua classe média, que representa um
mercado consumidor de cerca de 300 milhões de habitantes.
A Índia tem uma grande oferta de instituições de ensino qualidade, o que lhe
garante uma grande riqueza de mão de obra mais qualificada. Para se ter uma idéia,
anualmente, formam-se no país nada menos que 200 mil engenheiros, metade dos
quais com nível de excelência internacional, permitindo, entre outras coisas, o
surgimento de uma indústria de software muito competitiva, responsável por
exportações anuais de cerca de US$ 10 bilhões.723
A Índia, outrossim, desenvolve
tecnologia de ponta em alguns setores como informática, indústria química e
farmacêutica. Segundo analistas, esse é um dos principais fatores que devem
viabilizar a manutenção dos altos índices de crescimento hoje vivenciados.
De outro lado, a Índia tem também alguns traços marcantes de país em
estágio inicial de industrialização. Cerca de 65% da população vive no meio rural. A
produção rural em sentido estrito representa 25% do PIB e a indústria 26%, sendo o
restante serviços. A título de comparação, o PIB brasileiro tinha essa composição
durante a década de 1950. Quanto à sua infra-estrutura de transporte, o país dispõe
de uma vasta malha ferroviária, mas menos de metade das rodovias indianas são
pavimentadas, de forma que também pode ser verificado o interesse do país em
atrair investimentos das construtoras brasileiras.724
396
3.5.5.5.3.1. A Índia e o mundo
Pelo fato de ainda ter tarifas de importação altas, a Índia ainda tem comércio
exterior relativamente fraco, com importações de US$ 70 bilhões e importações de
US$ 55 bilhões em 2004. O país exporta US$ 25 bilhões em serviços, destacando-se
as indústrias de softwares, call-center, tecnologia da informação, cinematográficas,
e outras. Os têxteis também são uma indústria forte no país, empregando 90 milhões
de pessoas e respondendo por um terço das exportações.725
Verifica-se que a Índia possui uma gama de parceiros bastante diversificada,
com a prevalência dos negócios com o Reino Unido e com os EUA. O fluxo de
comércio anual entre o Brasil e a Índia está em torno de US$ 1 bilhão, com um
ligeiro superávit do Brasil. Trata-se de um volume de comércio consideravelmente
pequeno, em se levando em conta que não representa mais que 1% do comércio
externo brasileiro. O Brasil importa daquele país principalmente diesel, enquanto
que as exportações estão concentradas produtos como soja, petróleo cru e minério de
ferro.
De 1988 a 2002, o comércio bilateral Brasil-Índia quadruplicou, passando de
US$ 355 milhões para US$ 1,2 bilhão. Espera-se que chegue a US$ 5 bilhões até o
final da década.726
3.5.5.5.3.2. Oportunidades para o agronegócio
O Brasil tem muito a ganhar com o estreitamento das relações comerciais
com a Índia, inclusive no que se refere ao agronegócio. A produção agrícola do país
é bastante expressiva e está diretamente relacionada ao clima das monções, de forma
que não é raro que o clima desfavorável obrigue o país a importar grandes
quantidades de alimento. A Índia é uma grande produtora de açúcar e, devido à
grande demanda daquele mercado, tem alternado períodos de exportação com outros
de importação líquida do produto, conforme a safra.
A Índia também é grande importadora de produtos como soja, algodão, suco
de laranja, seda, madeira e celulose, produtos que o Brasil tem totais condições de
fornecer, sobretudo porque tal mercado é consideravelmente aberto, com tarifas
relativamente baixas para o setor agrícola. Mais recentemente, perspectivas
favoráveis surgiram para o mercado de álcool naquele país, eis que está adotando a
mistura de etanol à gasolina. Os negócios, todavia, devem se concentrar na venda de
tecnologia, já que a Índia deve dar preferência à sua própria produção.
De outro lado, tendo em vista a dimensão da sua indústria química, a Índia
tem a oferecer ao Brasil grandes quantidades de fertilizantes e pesticidas, além de
técnicos muito competentes na área de logística ferroviária, o que permitiria ganhos
de eficiência no tocante ao escoamento da produção brasileira.
397
3.5.5.5.3.3. Acordos Brasil-Índia
No passado, salvo honrosas exceções, o empresariado brasileiro insistia em
ignorar as extraordinárias conquistas econômicas da Índia, com taxas de crescimento
elevadas, num patamar médio de 7%, nos últimos anos. Mais ainda, ignorava-se que
a Índia havia se tornado uma economia internacionalmente competitiva em diversas
e importantes áreas, dentre as quais a farmacêutica, a química e a de tecnologia de
informação.727
Felizmente, o mercado indiano passou a receber maior atenção do governo
brasileiro, especialmente a partir do ano de 2002, quando foi firmado um acordo na
área de defesa, envolvendo também a África do Sul. Dando prosseguimento ao
processo de integração com estes dois países, o MERCOSUL, enquanto bloco,
intensificou as negociações em torno da constituição do chamado G3, ou Ibas (sigla
formada pelas iniciais dos três países), que num primeiro momento deve reduzir as
tarifas sobre o comércio entre os participantes de cerca de 500 produtos. O próximo
passo seria a negociação de um acordo de livre comércio.
Em 16 de junho de 2003, foi assinado o Acordo Marco entre MERCOSUL e
Índia, voltado para a formação de uma área de livre comércio. O primeiro passo para
tanto seria a assinatura de um Acordo de Preferências Fixas, o qual foi assinado em
25 de janeiro de 2004, em Nova Delhi.728
3.5.5.5.4. África do Sul, MERCOSUL-Sacu e Ibas
O estreitamento do comércio com a África do Sul também passou a receber
mais atenção por parte da política externa brasileira em tempo recente. Apesar de ter
uma população mais de 20 vezes menor que a da Índia (cerca de 50 milhões de
habitantes), o PIB desse país é quase o mesmo: cerca de US$ 570 bilhões em
2005CCLV
. Neste ano, o país importou do Brasil ainda mais que a Índia: 1,37 bilhão,
gerando um superávit em favor do Brasil de US$ 1 bilhão729
. As vendas do
agronegócio representaram US$ 470 milhões.
Afora o potencial de vendas para seu próprio mercado, a aproximação da
África do Sul também tem a vantagem de permitir um melhor acesso a outros países
da África. A África do Sul faz parte do Sacu (União Aduaneira da África Austral),
que abrange Namíbia, Botsuana, Lesoto e Suazilândia.
Em 15 de dezembro de 2001, foi assinado o Acordo Marco MERCOSUL-
África do Sul, que resultou numa série de encontros para o estabelecimento de
preferências tarifárias com vistas na criação de uma área de livre comércio.
Posteriormente, a partir de 2004, as negociações foram estendidas aos outros
membros da Sacu.
CCLV Utilizando com referência o poder de compra e não a taxa de câmbio oficial.
398
Em paralelo, o Brasil iniciou diálogos com esse país, juntamente com a Índia
em 2003, em torno do Ibas. A primeira reunião de Cúpula do Ibas ocorreu em
Brasília em 13 de setembro de 2006, com o intuito de aprofundar os laços
comerciais com esses países, sobretudo nas áreas de transporte marítimo e aéreo,
agricultura e biocombustíveis.
Apesar dos avanços e da importância política dessa aproximação entre os
países do sul, o processo de integração está em estágio inicial e ainda não está
rendendo os frutos proporcionados por essa nova frente.
3.6. Conclusões
3.6.1. A OMC e o imperialismo730
A OMC foi criada e iniciou operações a partir de 1° de janeiro de 1995, como
resultado da assinatura, em abril de 1994, dos tratados da Rodada Uruguai do
GATT, documento que regulava o comércio internacional desde 1947. O GATT foi
um dos tratados a formatar a "nova ordem mundial", criada a partir do final da
segunda grande guerra mundial, juntamente com os da Organização das Nações
Unidas (ONU), o do Fundo Monetário Internacional (FMI), dentre outros. O GATT,
no entanto, foi inspirado quase que exclusivamente pelos Estados Unidos e pelo
Reino Unido, apesar de ter sido subscrito originalmente por 23 países, dentre os
quais o Brasil e a China.
Assim, a única reivindicação comercial levada pelo Brasil às mesas de
negociações de Bretton Woods foi a de incluir o setor agrícola dentre aqueles objeto
da formatação do GATT, que resultou rechaçada. Da mesma forma, o setor têxtil foi
expressamente excluído do sistema multilateral de comércio que então se desenhava.
Ambos esses setores eram os que mais interessavam aos países em desenvolvimento,
como um todo.
As potências hegemônicas julgavam que perderiam rapidamente a
competitividade relativa nessas áreas e decidiram excluí-las. Assim não houve, na
ocasião, uma preocupação específica da utilização do comércio internacional como
alavanca de desenvolvimento econômico para os países em desenvolvimento. A
parte IV do GATT, que trata de comércio e desenvolvimento, somente foi agregada
ao tratado no início da década de 60.
Ao contrário, o final da Segunda Guerra Mundial representou um divisor de
águas na história do imperialismo, em que o controle territorial efetivo cedia espaço
ao domínio hegemônico obtido de diversas maneiras, inclusive pressão militar,
desestabilização política e corrupção desbragada, mas garantido através de tratados
desiguais, bilaterais, regionais ou multilaterais, que permitiam o controle econômico
e financeiro dos países em desenvolvimento, com o objetivo de gerar ganhos
seletivos para os estados desenvolvidos com pretensões hegemônicas.
399
Todavia, naquela ocasião, as disputas da chamada "guerra fria" com os países
do bloco soviético, impediam que os EUA e seus parceiros saciassem plenamente
seus apetites vorazes, o que limitava a capacidade contra os países em
desenvolvimento.
Com o desmantelamento do bloco soviético, através o Tratado de Alma Ata,
de 1991, os freios decorrentes da situação de "guerra fria" deixaram de existir. Na
ocasião estava em andamento a Rodada Uruguai do GATT, lançada em 1986, imersa
em acrimoniosas divergências entre os países desenvolvidos, liderados pelos EUA
de um lado e, de outro, os países em desenvolvimento liderados pelo Brasil e pela
Índia, no chamado Grupo dos 11.
Desejavam os países desenvolvidos integrar ao sistema multilateral de
comércio as chamadas áreas novas: serviços, propriedade intelectual e
investimentos, ao mesmo tempo em que pretendiam manter excluídos do regime os
setores agrícola e têxtil, justamente as áreas econômicas mais tradicionais e de maior
interesse dos países em desenvolvimento.
Queriam ardentemente os países desenvolvidos incluir as áreas novas
exatamente porque suas economias em transformação passaram a deter um
componente maior do setor de serviços, que já ultrapassava o peso combinado das
áreas agrícola e industrial em seus respectivos PIBs.
Todavia, desejavam os países desenvolvidos não somente incluir a
regulamentação do setor de serviços, mas formatá-la de uma maneira que
assegurasse a hegemonia absoluta da área, para benefício de seus agentes privados.
Por detrás da especiosa retórica de livre comércio utilizada para defender a
liberalização do setor de serviços, mantinham os países desenvolvidos uma forte
resistência à inclusão das áreas econômicas tradicionais ao sistema multilateral de
comércio.
Com o fim da guerra fria, submetidos a um forte programa de
desestabilização política e econômica, orquestrado com o auxílio de outros
organismos internacionais, como o FMI, os países em desenvolvimento cessaram
sua resistência aos desígnios dos países desenvolvidos, que puderam então, sem
restrições, trazer o setor de serviços para o âmbito do sistema multilateral de
comércio, de acordo com uma formatação que lhes trouxesse ampla dominação e
exclusivos benefícios.
Por outro lado, os setores agrícola e têxtil foram apenas nominalmente
trazidos para dentro do sistema multilateral de comércio, o primeiro ainda
legitimando escandalosos subsídios agrícolas por parte dos países desenvolvidos,
enquanto o segundo sujeito a um mecanismo de desgravação de quotas num período
de 10 anos.
Já no final da Rodada Uruguai, em 1993, uma ominosa análise do Banco
Mundial já previa que os países desenvolvidos ficariam com 64% dos benefícios da
400
ronda multilateral, contra 36% para os países em desenvolvimento. A realidade
provou-se muito pior.
De acordo com um estudo do FMI, nos seis anos seguintes à assinatura dos
chamados Tratados de Marrakech, os países desenvolvidos ficaram com 73% dos
benefícios, contra apenas 27% para os países em desenvolvimento. Assim, na
década de 90, os países desenvolvidos aumentaram o valor de suas exportações per
capita em US$ 1.938, enquanto os países em desenvolvimento incrementaram o
valor em apenas US$ 98 e os países menos desenvolvidos em somente US$ 51.
Igualmente, mais de dez anos após a assinatura dos Tratados de Marrakech, os
países desenvolvidos, com somente 14% da população global, mantém uma
participação de 75% na renda mundial, o que é a mesma participação de 1990.
Um observador tanto atento quanto insuspeito, Henry Kissinger, afirmou num
de seus últimos livros que "os líderes mundiais, especialmente nas democracias
industrializadas, não podem ignorar o fato que, em muitos respeitos, a lacuna entre
os beneficiários da globalização e o resto do mundo está crescendo, tanto
internamente, quanto dentre países".
Um exemplo dramático deste fenômeno pode ser verificado no setor de
serviços. Conforme dados da UNCTAD, os EUA passaram de uma participação de
apenas 2,2% no comércio internacional em serviços em 1985, um ano antes do
lançamento da Rodada Uruguai, para cerca de 21% em 1999. Hoje, este número
supera os 25%. Mais ainda, hoje, enquanto as exportações de serviços do Brasil
crescem a aproximadamente 1% ao ano, as dos EUA crescem a 10% e as do Reino
Unido a 5,7%. Desta maneira, apenas os países membros do cartel denominado
QUAD (EUA, União Européia, Canadá e Japão) detém cerca de 80% das
exportações mundiais de serviços.
Não se diga que os países em desenvolvimento não têm o que exportar na
área de serviços. Ao contrário. O potencial é enorme. Países como o Brasil, a África
do Sul e a Índia, têm uma participação do setor de serviços no PIB superior a 50%.
Ocorre que a formatação da definição dos serviços exportáveis, e dos módulos de
prestação, é seletiva em favor dos países desenvolvidos.
Mais ainda, abundam barreiras horizontais contra os prestadores de serviços
dos países em desenvolvimento, como na questão da adoção, pelos países do
QUAD, da legislação de imigração americana, altamente restritiva, para fins e
efeitos do Acordo Geral de Comércio em Serviços (GATS), o tratado de regência da
matéria.
Por outro lado, no setor agrícola, persiste a praga dos subsídios agrícolas,
hoje estimados numa escala mundial em nada menos do que U$ 1 bilhão por dia.
Estes subsídios hoje representam cerca de 40% da produção agrícola nos EUA e na
União Européia e 60% do Japão. Por conseguinte, nenhum desses parceiros
comerciais pode alegar economia de mercado no setor.
401
No ramo de algodão, nos EUA, o valor dos subsídios já ultrapassou o valor
da própria produção. Estes subsídios deprimem os preços internacionais das
mercadorias agrícolas e alijam os produtores corretos e competitivos dos mercados.
Mais ainda, os subsídios oneram o contribuinte do país que os praticam e, quando
aliados a barreiras tarifárias e não tarifárias, o que freqüentemente ocorre, também
penalizam os seus consumidores.
O efeito da depressão dos preços internacionais das mercadorias agrícolas
como corolário direto da prática dos subsídios, é em particular, muito grave. De fato,
segundo a própria OMC, a África e a América Latina dependem, respectivamente,
de 19% e 25% do setor agrícola para suas exportações. No Brasil, o setor do
agronegócio representa 25% do PIB, 37% do total de empregos e 40% das
exportações.
Os preços das mercadorias agrícolas caíram de maneira consistente desde a
criação da OMC e em mais de 30% no período após 1998. Os preços do café caíram
70% desde 1997. Segundo dados da ONU, os valores das mercadorias agrícolas de
exportação da África caíram 20% no final da década de 1990 em comparação com
1970. Em números absolutos, os valores do comércio de mercadoria agrícola caíram
pela metade, de 1985 até hoje.
A questão dos subsídios agrícolas é uma das muitas que separam os países em
desenvolvimento, organizados no chamado Grupo dos 20, novamente liderados pelo
Brasil, Índia e, agora também pela África do Sul democrática, dos países
desenvolvidos, no âmbito da Rodada Doha, que está penosamente em andamento
desde 2001.
O impasse nas tratativas do tema levou à suspensão das negociações
substantivas da Rodada. Acreditou-se que o impasse seria superado com a obtenção
de um consenso para a eliminação de todos os subsídios agrícolas e melhorias para
acesso a mercado dos produtos do campo. Contudo, a questão não é tão simples
como se apresenta, já que, no tenebroso mundo da OMC, a expressão "todos os
subsídios agrícolas" tem que ser lida com cautela, já que os países desenvolvidos
negociarão com o objetivo de manter a vasta maioria dos subsídios existentes sob
vários outros eufemismos e diversos programas paralelos.
Outro sério problema no regime multilateral do comércio é a questão das
barreiras. Em princípio, todas as barreiras comerciais deveriam estar incorporadas
nas tarifas, como corolário direto do disposto no GATT. Todavia, a maior parte
delas está legitimada pelos próprios Tratados de Marrakech, pelo tratamento
assimétrico, pelas definições e pelas exclusões seletivas de normas destinadas a
manter a eqüidade do sistema. Assim, não somente subsídios são permitidos, mas
também, na área de investimentos, a atividade por parte dos agentes financeiros
internacionais de promoção da fuga de capitais e auxílio à fraude fiscal não é
vedada.
Na área de dumping, o crédito barato para os agentes privados dos países
402
desenvolvidos não pode ser compensado pelos países em desenvolvimento. No setor
de propriedade intelectual, o conhecimento tradicional não é respeitado. Na área de
acesso a mercados, os picos tarifários seletivos não são vedados, nem limitados. Na
área de serviços, os serviços pessoais, de grande interesse dos países em
desenvolvimento, estão excluídos. Enfim, o elenco completo destes itens tem um
caráter enciclopédico, que escapa ao objetivo deste artigo.
É importante notar que os países em desenvolvimento são particularmente
vulneráveis a tais barreiras nos países desenvolvidos porque a maior parte de suas
exportações é destinada a estes respectivos mercados. Assim, 75% das exportações
da América Latina e 70% daquelas da África são dirigidas à União Européia, EUA
ou Japão.
Essa situação recomendaria uma política de aumento das exportações dos
países em desenvolvimento para outros de economia assemelhada, enquanto
persistirem as barreiras toleradas ou autorizadas pelo regime multilateral de
comércio. O mesmo raciocínio justificaria a celebração de pactos regionais de
comércio entre países em desenvolvimento.
Em conclusão, não se pretende aqui questionar que a liberalização comercial
de fato pode efetivamente promover a prosperidade mundial generalizada, se
promovida com eqüidade. Conforme dados da respeitável organização não
governamental OXFAM, se os países em desenvolvimento aumentassem sua
participação nas exportações mundiais em apenas 5%, o resultado seria a geração de
receitas de U$ 350 bilhões! Se a África aumentasse em apenas 1% sua participação
nas exportações mundiais, o resultado de US$ 70 bilhões seria superior a toda ajuda
concedida ao continente.
Todavia, liberalização seletiva, como a presente, agravada por regras ruins e
discriminatórias em tratados desiguais promovem a miséria e a desesperança de
muitos, em benefício de uns poucos, o que é hoje infelizmente o papel
desempenhado pela OMC. Essa situação está tristemente a comprometer a própria
legitimidade daquela organização.
3.6.2. O “Lado positivo” do fracasso de Doha731
O colapso das negociações da Rodada Doha, no âmbito da OMC acabou por
representar um resultado positivo para o Brasil, na medida em que evitou a
concretização de mais uma situação desvantajosa, em que o país sairia perdedor,
mais uma vez. De fato, na Rodada Uruguai, os países desenvolvidos ficaram com
cerca de 80% das vantagens, contra 20% para os países emergentes. De mais a mais,
os países ricos fizeram a formatação do regime da OMC, nas chamadas áreas novas,
de maneira a manter essa vantagem comparativa.
Assim, a OMC tem sido corretamente acusada de promover a prosperidade de
uns poucos, em detrimento dos muitos. A infâmia do organismo multilateral no foro
403
da opinião pública internacional foi induzida por críticas formuladas pela ONU, pelo
Banco Mundial, pelo Fundo Monetário Internacional, além de organizações não
governamentais de grande respeitabilidade mundial. Por isso, tratou-se de dar à
Rodada Doha o epíteto de desenvolvimento, para promover a idéia de que os
interesses dos países emergentes seriam, desta vez, atendidos.
Contudo, tratava-se de mais uma ocasião de uma tática de mercado, uma
denominação especiosa e enganosa, já que na realidade a formatação das
negociações, ou a pré-negociação daquilo que seria o objeto dos entendimentos, foi
conduzida em favor dos países ricos, como ocorre desde 1947.
Dessa maneira, não se procurou colocar na pauta da ronda a correção dos
abusos dos tratados de propriedade intelectual, investimentos e serviços, que
atendem, quase exclusivamente aos interesses dos privilegiados. Igualmente, não se
buscou a substancial e imediata redução dos subsídios agrícolas. A reforma do
ineficaz, desmoralizado e manipulado sistema de resolução de disputas ficou
paralisada em 2003. O regime de subsídios, salvaguardas e dumping, continua com
sérios vícios, sem que se propusesse uma vertente de entendimentos visando uma
reforma de fundo.
Portanto, a pauta de negociações ficou restrita à liberalização comercial ou
diminuição das tarifas dos pobres nas áreas industrial e agrícola, bem como à
abertura dos mercados de serviços dos miseráveis às aves de rapina dos países ricos.
Para obter tais vantagens, migalhas foram oferecidas, como de hábito, mas o
acompanhamento atento da opinião pública internacional impediu, por ora, que
sucumbissem mais uma vez os países em desenvolvimento.
Ainda que as ofertas dos países ricos fossem honestas, concretas e
substanciosas, a Rodada Doha apresentou um dilema ao País, porque a baixa
competitividade internacional do Brasil impediria que sua economia se beneficiasse.
De fato, ainda que se por intervenção divina o jogo do comércio internacional
deixasse de ser iníquo, rapace e predatório, e passasse a ser balanceado, justo e livre,
o Brasil sairia, mesmo assim, perdedor!
Esse triste cenário apresentar-se-ia inexoravelmente porque nossa pouca
condição de competir iria causar um desastre econômico somente menor a uma
situação em que se implantasse o regime que foi proposto para a ALCA, iniciativa
felizmente sepulta pelo governo Lula.
Senão vejamos, não é nossa taxa de juros a segunda maior do mundo? Não é
a nossa moeda a mais valorizada dentre todos os países? Não está nossa tributação
dentre as mais elevadas e nossa eficiência administrativa dentre as mais reduzidas?
Não levamos cerca de 6 meses para constituir uma empresa e uma eternidade para
liquidá-la? Não está o nosso Judiciário em crise crescente? Nossas fronteiras não
estão abandonadas? Nossos portos não são comparativamente ineficientes? Nossa
infra-estrutura de transportes não é precária?
404
Todos esses fatores, num cenário de liberalismo e livre comércio de fato e
direito, iriam induzir um aumento de importações na área industrial e de serviços,
bem como uma diminuição da atividade produtiva doméstica nestes setores, com sua
mudança para países que oferecessem uma plataforma de produção mais eficiente.
Sobraria, por pouco tempo, o setor agrícola para a produção de mercadorias
primárias, até que viesse a ser contaminado pelas complexas dificuldades
organizacionais.
Assim, antes de nos lançarmos nas águas turvas de uma reativação das
negociações da Rodada Doha, mesmo de uma nova ronda do sistema multilateral,
deveremos lançar-nos, prioritariamente e com empenho, a resolver os obstáculos
institucionais que impedem que o Brasil atinja um nível em que sua economia
poderá competir, com sucesso, no foro internacional.
3.6.3. A bioenergia e o futuro do comércio agrícola732
Por muitos anos, sofreram os países em desenvolvimento, inclusive o Brasil,
com a depreciação dos preços das mercadorias agrícolas. As razões dessa anomalia
eram originárias principalmente nos subsídios agrícolas praticados pelas principais
economias, notadamente nos EUA, UE, Japão e Suíça. De fato, enquanto os países
desenvolvidos alardeavam com hipocrisia as virtudes do livre comércio praticavam
eles, em realidade, trocas administradas.
O descalabro chegou a tal ponto que os EUA deixaram de ser uma economia
de mercado no setor agrícola e alguns de seus programas ilegais de subsídios (face
ao direito internacional), ao garantir preços mínimos aos produtores domésticos,
causavam o aviltamento dos valores de mercado. Dentre os muitos efeitos nefastos
das políticas de subsídios está a propagação da miséria, nos países em
desenvolvimento, e a penalização do consumidor e do contribuinte, nos países
desenvolvidos.
Ao contrário do que se poderia imaginar, não foi o regime multilateral do
comércio, hoje capitaneado pela OMC, a liberalizar as trocas agrícolas e promover a
recuperação dos preços das mercadorias do campo, mas sim a crise energética e as
medidas necessárias para minimizar o seu impacto econômico e também ambiental.
A OMC continua a servir aos países ricos e a promover sua prosperidade seletiva.
Assim, em primeiro lugar foi a valorização desmedida do preço do petróleo,
causada em parte pela instabilidade política em muitas das áreas produtoras, que
levou muitos países a seguir a liderança do Brasil na área da bioenergia, obtida por
iniciativas que datam de há décadas e foram causadas pela escassez do produto em
nosso país. A UE, por exemplo, promulgou uma diretiva neste ano determinando
que, até 2010, o combustível utilizado nas estradas do bloco deverá ter 5,75% de
biomassa.
A França, por sua vez, aumentou sua meta respectiva para 7%, que pretende
405
atender apenas com a produção doméstica. Igualmente, a Alemanha tem metas mais
ambiciosas que as estabelecidas pela UE. Nos EUA, a Califórnia também almeja
resultados semelhantes até 2010. Contudo, muitos países não têm os recursos
naturais (terra, água e clima) para uma grande expansão de sua atividade agrícola de
tal maneira a atingir metas de impacto.
Curiosamente, portanto, parece que o problema dos subsídios agrícolas, que
se agrava constantemente desde a criação do regime multilateral do comércio, em
1947, poderia estar caminhando para uma resolução, já que os países que o praticam,
como a UE e os EUA, poderão destinar sua produção para a matriz energética, ao
invés de jogá-la nos mercados de consumo alimentar. Esse destino contribuiria para
a correção dos preços para maior, ao mesmo tempo em que permitiria o maior
acesso das mercadorias agrícolas de produção estrangeira.
Um outro fator que está a contribuir para o aumento dos preços dos produtos
do campo é o aumento do consumo interno na República Popular da China, gerado
por seu consistente crescimento econômico, e com o total desgravamento das
importações a partir deste ano, conforme compromisso assumido no acordo de
acessão à OMC, e à expressiva diminuição crescente da participação do setor
agrícola no PIB do país.
Tal situação tende a beneficiar grandemente o Brasil, país com tradição no
agronegócio, dotado de abundante oferta de terra e de água, com bom clima e
disponibilidade de mão de obra. Mais ainda, nosso país desenvolveu uma tecnologia
avançada para o processamento energético de biomassa, que foi absorvida já em
grande parte do território nacional. Esse patamar poderá servir para ulteriores
desenvolvimentos tecnológicos, que poderão ser partilhados comercialmente com
outros países.
A oportunidade que se apresenta é extraordinária e poderá ser responsável por um
enorme surto de crescimento nacional, com aumento generalizado da renda privada
e da arrecadação pública. A dimensão dessa oportunidade, contudo, requer um
acurado planejamento governamental, com metas de produção e investimentos de
infra-estrutura necessários a viabilizar a comercialização nacional e internacional
das mercadorias produzidas no país. Seria uma tragédia deixá-la passar.
406
ÍNDICE ALFABÉTICO REMISSIVO
407
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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408
42 Neila Baldi, Vendas externas de carne crescem 23%. Gazeta Mercantil. 13/02/03. 43 Bruno della Latta, O alvo agora são os americanos. Agro Exame 2005, São Paulo, edição 489, p. 68-69. 44
Programa Brasileiro da Qualidade de Couro, Agronline, 21/02/05. 45 SARS pressiona cotação de couro. Valor Econômico. 30/05/03 46 Metas do Agribusiness do Brasil até 2010. Anais do 1º Congresso brasileiro de Agribusiness (2002). 47 Maurício Oliveira, Falta um maior consumo interno. Agro Exame, São Paulo, 2005, edição 849, p. 70-71. 48 Fulvia Hessel Escudeiro, Cadeia de Leite: Quem são?. 28/06/05. Disponível em <http://www.pensa.org.br>. 49 Marcos Fava Neves. op. cit., p. 129. 50 Instrução Normativa n.°. 51 do Mapa entrou em vigor em julho de 2005, definindo critérios técnicos de
produção, identidade e qualidade de leite e estabelecendo padrões mínimos de qualidade. 51 José Luiz Tejon Megido e Coriolano Xavier, Marketing & Agribusiness, São Paulo: Ed. Atlas, 2003. p.
249. 52 Anualpec 2005 apud IBGE, p. 185 53 Maurício Oliveira, op. cit., p. 70-71. 54 Fulvia Hessel Escudeiro, Latíciníos: essenciais, mas inacessíveis?, 02/05/05. Disponível em
<http://www.pensa.org.br>. 55 Benedito Rosa do Espírito Santo, op. cit., p. 293. 56 Benedito Rosa do Espírito Santo, op. cit., p. 292. 57 Julio Takeshi Suzuki Júnior, Panorama da avicultura paranaense. Análise Conjuntural, v. 24. Curitiba,
Mar/abr/2002. 58 Benedito Rosa do Espírito Santo, op. cit., p. 142 e 143. 59 Julio Takeshi Suzuki Júnior, op. cit. 60 Estatísticas. ABEF – Associação brasileira dos produtores e exportadores de frango. Disponível em: <http://www.abef.com.br> 61 Benedito Rosa do Espírito Santo, op. cit. p. 199. 62 Benedito Rosa do Espírito Santo, op. cit. p. 199. 63 Julio Takeshi Suzuki Júnior, op. cit. 64 Cresce o volume de venda de frango para o exterior, Estado de São Paulo. 09/05/03. 65 Relatório Anual 2001. ABEF – Associação brasileira dos produtores e exportadores de frango. Disponível
em <http://www.abef.com.br> 66 Estatísticas. ABEF – Associação brasileira dos produtores e exportadores de frango. Disponível em
<http://www.abef.com.br> 67 Cresce o volume de venda de frango para o exterior Estado de São Paulo. 09/05/03. 68 Neila Baldi, Brasil é o maior exportador de carnes, Gazeta Mercantil, 13/12/04. 69 Paulo Soares, Exportação de frango sobe 58% em abril, Gazeta Mercantil, 13/05/04. 70 Fabio Matuoka Mizumoto, Análise das transações do sistema agroindustrial de ovos, Março/03. Disponível
em <http://www.pensa.org.br>. 71 Carlos Franco, Galinha 051 é a „boa idéia‟ da Embrapa, Estado de São Paulo, 09/05/03 72 Sertanejos criam avestruz no semi-árido, Gazeta Mercantil, 06/08/03. 73 Daniele Carvalho, Aumenta a produção de carne de avestruz, Gazeta Mercantil, 08/03/04. 74 Diego Recena, Brasil entra na fase de abate e processamento, Gazeta Mercantil, 07/07/03 75 Massilon J. Araújo, Fundamentos de Agronegócio, São Paulo: Ed. Atlas. 2ª edição, 2005. p.65. 76 Perfil da Agropecuária Brasileira II. Relatório 2001. CNA – Confederação da Agricultura e Pecuária do
Brasil. 77 Rússia volta a comprar suínos de Santa Catarina, Valor Econômico, 29/03/03. 78 Anualpec 2005, apud USDA – Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, p. 245. 79 Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína. Abipecs Online.
<www.abipecs.com.br> 80 Exportações de suínos crescem no ano, Gazeta Mercantil, 14/01/04. 81
Até setembro, exportação de suínos aumentou 11%, Diário Oficial do Estado, 15/10/03. 82 Benedito Rosa do Espírito Santo, op. cit. p. 207. 83 Gustavo Bracele, Marcopolo reencontra o dragão - A entrada da China no OMC, sua agricultura e
Comércio Agrícola. Brasilia: Universidade de Brasília, Janeiro de 2003. 84 Neila Baldi, Criador de camarão quer sofisticar produção, Gazeta Mercantil, 10/07/03. 85 Patrícia Campos, Produtores querem levar camarão para classe média, Valor Econômico, 06/05/04.
409
86 Kelly Ferreira, Camarão pode se tornar a soja do mar, Diário do Comércio, 02/09/04. 87 Neila Baldi, Criador de camarão quer sofisticar produção, Gazeta Mercantil, 10/07/03. 88
Vinicius Doria, Camarão brasileiro troca EUA por Europa, Valor Econômico, 06/05/04. 89 Graziella Galinari, Água, Revista Produz, Agosto/2005. 90 Metas do Agribusiness do Brasil até 2010. Anais do 1º Congresso brasileiro de Agribusiness (2002). 91 Benedito Rosa do Espírito Santo, op. cit., p. 138. 92 Benedito Rosa do Espírito Santo, op. cit. p. 299. 93 Daniel da Silva Dias, Agrianual 2006, p. 434. 94 Grupo de Coordenação de Estatísticas Agropecuárias – GCEA/IBGE, DPE, COAGRO – Levantamento da
Produção Agrícola, Maio 2006. 95 Colheita da soja entra na reta fina, Valor Econômico, 06/05/03. 96 USDA revê para baixo a produção do Brasil e da Argentina, Gazeta Mercantil, 12/04/04. 97 Milho perderá área plantada para a soja, Gazeta Mercantil, 21/05/03. 98 Benedito Rosa do Espírito Santo, op. cit. p. 26 e p. 199. 99 Alexandre Inácio, Setor agrícola coloca o pé no freio, Gazeta Mercantil, 17, 18 e 19/12/04. 100 João Mathias, Soja impulsiona a agricultura empresarial, Gazeta Mercantil, 20/05/04. 101 EUA perdem espaço no comércio de soja, Gazeta Mercantil, 19/05/03. 102 Benedito Rosa do Espírito Santo, op. cit., p. 300. 103 Ernesto Yoshiba, Oportunidades para vender lá fora. Agro Exame, São Paulo, 2005, edição 849, p. 74-77. 104 Exportação aumenta somente com mais 5% de área plantada, Gazeta Mercantil, 08/09/03. 105 ABIMCI. Madeira processada mecanicamente. Estudo setorial – 2001. 106 Marcos de Moura e Souza, O apagão verde está chegando. Agro Exame, São Paulo, 2005, edição 849, p.
62-63. 107 Antônio Pereira da Silva Filho e Elaine Soares, O vergonhoso desmatamento da Amazônia, Produz,
Agosto/05. 108 Há muita gente com medo de aprovar projetos, Estado de São Paulo, 03/07/05. 109 Exportações crescem 15% este ano, Gazeta Mercantil, 04/09/03. 110 Lívia Ferrari, Certificar florestas ajuda a exportar, Gazeta Mercantil, 10/07/03. 111 Carolina Torres Graça, Amazônia no rumo do uso sustentável da floresta. Agrianual, São Paulo: Editora
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27/05/04. 119 Durval Guimarães, Uma corrida para plantar mais, Gazeta Mercantil, 16/02/04. 120 Durval Guimarães, Uma corrida para plantar mais, Gazeta Mercantil, 16/02/04. 121 Christine Salomão, Perdas de US$ 15 bilhões até 2010, Gazeta Mercantil, 10/07/03. 122 IBGE, DPE, COAGRO – Levantamento Sistemático da produção Agrícola (Dezembro 2005). 123 Produção de soja será 7% maior, diz USDA, Gazeta Mercantil, 12/07/03. 124 Produtor recorre a subsídio nos EUA, Bloomberg News, citado em Gazeta Mercantil, 17, 18 e 19/12/04. 125 Benedito Rosa do Espírito Santo. op. cit., p. 249 126 Bondenews, Paraná, 27/07/06. 127 O milho é cultivado em duas safras anuais no Brasil: uma principal no início do ano e outra no meio do
ano, de menor volume, mas fundamental para o abastecimento do mercado. 128Bondenews, Paraná. 27/07/06. 129Expectativa de safrinha recorde derruba preço do milho no país. Valor Econômico. 12/05/03. 130 Lucio Flavio Corrêa Lemes, Vai faltar milho em 2005?. 2005. Disponível em <http://www.pensa.org.br>. 131 Agrianual 2006 apud Instituto FNP/SECEX, p. 405. 132 Roberto Samora, Reuters, SECEX. 04/07/06.
410
133 USDA mantém previsão para soja no Brasil, Gazeta Mercantil, 11, 12 e 13/04/03. 134 José Luiz Tejon Megido e Coriolano Xavier. op. cit., p. 251. 135
Benedito Rosa do Espírito Santo. op. cit. p. 183. 136 Benedito Rosa do Espírito Santo. op. cit., p. 183. 137 O sucesso do algodão brasileiro, Gazeta Mercantil, 16/03/04. 138 Niza Souza, Algodão no Mato Grosso deve ter safra recorde, Estado de São Paulo, 28/04/04. 139 Benedito Rosa do Espírito Santo. op. cit. p. 183. 140 Benedito Rosa do Espírito Santo. op. cit., p. 184. 141 Niza Souza, Algodão no Mato Grosso deve ter safra recorde, Estado de São Paulo, 28/04/04. 142 Grupo de Coordenação de Estatísticas Agropecuárias – GCEA/IBGE , DPE, COAGRO, Levantamento
Sistemático de Produção Agrícola (Dezembro 2005). 143 José Maria Tomazela, O ouro branco trilha o caminho da soja, Estado de São Paulo, 09/05/04. 144 Produtores mundiais destinam US$ 6 bilhões para o algodão, Diário Oficial, 18/02/04. 145 Menores estoques de soja nos EUA em 27 anos, Gazeta Mercantil, 13/11/04. 146 Lúcia Kassai, Produção de soja será 7% maior, diz USDA, Gazeta Mercantil, 12/07/03. 147 Editorial – Um avanço contra o protecionismo, Gazeta Mercantil, 28/04/04. 148 Michelly Teixeira, O cerrado deu o tom da virada. Agro Exame, São Paulo, 2005, edição 849, p. 54-55. 149 Neila Baldi, Agricultor protesta contra fim do plantio de fumo. Gazeta Mercantil, 07/12/04. 150 Cresce a fatia brasileira na exportação global de fumo. Valor Econômico. 16/06/03. 151 Lucas Santarosa, A cultura do fumo no Brasil: um SAG a ser descoberto. 31/03/05. Disponível em
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Fuel Ethcanol Congress em Beijig, China, no período de 28 a 31 de outubro de 2001. 286 Japão de olho no álcool brasileiro, Valor Econômico, 12/03/03. 287 Mônica Magnavita, Petrobras avança em conversa para venda de álcool ao Japão, Gazeta Mercantil,
27/01/04. 288 Eduardo Pereira de Carvalho e Alfred Szwarc, Relatório de viagem. Participação da Única no 2001 World
Fuel Ethcanol Congress em Beijig, China, no período de 28 a 31 de outubro de 2001. 289 Lauro Veiga Filho, Presença Forte, Valor Econômico, 02/12/04. 290 4,5 bilhões de litros de álcool, Estado de São Paulo, 22/05/04. 291 Dedini vai exportar tecnologia de usina, Gazeta Mercantil, 24/02/03. 292 Produção de álcool poderá ser duplicada em quatro anos, Diário do Comércio, 26/08/03. 293 Marcos Fávea Neves, op. cit., p.146. 294 Mônica Magnavita, Petrobras avança em conversas para venda de álcool ao Japão, Gazeta Mercantil,
27/01/04. 295 Cândida Vieira, Volatilidade de preço preocupa produtores de cana-de-açúcar, Gazeta Mercantil, 17/02/04. 296 Suíça interessada no produto brasileiro, Gazeta Mercantil, 24/02/03. 297 Denise Chrispim Marim, Para garantir preço, Brasil cede tecnologia a outros países, Valor Econômico,
08/11/05. 298 Mônica Scaramuzzo, Petrobrás investe na exportação de álcool, Valor Econômico, 03/06/04. 299 Juan Garrido, Biodiesel permitirá corte em importação de óleo, Valor Econômico, 16/02/04. 300 Luiz Augusto Horta Nogueira, Biodiesel no Brasil: as questões essenciais, O Estado de São Paulo, 24/05/03. 301 Marcos Fávea Neves., op. cit., p.146. 302 Alemanha lidera o consumo, Gazeta Mercantil, 28/07/03. 303 Patrícia Bull, O Brasil na vanguarda do biocombustível, Diário do Comércio, 19/07/04. 304 Brasil é o primeiro do mundo em biodiesel, Estado de São Paulo, 30/03/03. 305 Editorial – O atraso inexplicável do biodiesel brasileiro, Gazeta Mercantil, 06/07/04. 306 Taciana Collet, Governo libera uso do biodiesel, Valor Econômico, 07/12/04. 307 Maria Carolina Abe, Cerrado é região mais vibrante, Estado de São Paulo, 28/08/2005. 308 Instituto de Economia Agrícola (IEA) – Portal do Governo do Estado de São Paulo. 309 BBC e Ministério da Ciência e Tecnologia. 310 Patrícia Nakamura, Klabin vai vender crédito de carbono, Gazeta Mercantil, 12, 13 e 14/03/04. 311 Mercado Brasileiro de Redução de Emissões - A BM&F e o Mercado de Carbono no Brasil, BM&F, São
Paulo, 06/12/04. Disponível em: <http://www.bvrj.com.br/> 312 Mônica Scaramuzzo, Desperdício de crédito carbono, Valor Econômico, 22/05/03. 313
International Emission Trading Association, State and Trends of the Carbon Market, Washington DC,
2005. Disponível em: <http://carbonfinance.org/>. 314 Kelly Lima, Bolsa do Rio deve negociar carbono no fim do ano, O Estado de S. Paulo, 16/09/05. 315 Ricardo Arnt, Em busca de ar puro, Exame, 14/05/03. 316 Dados do Banco Mundial apresentados por Frank Joshua, diretor geral da Climate Investment Partnership
(CIP)
414
317 International Emission Trading Association, State and Trends of the Carbon Market, Washington DC,
2005. Disponível em: <http://carbonfinance.org/>. 318
Marcelo Lojudice, Brasil já lucra com crédito carbono, Valor Econômico, 19/11/02. 319 Ricardo Arnt, Em busca de ar puro, Exame, 14/05/03. 320 Danielle Sasaki, Paraná quer liderar negócios com crédito carbono, Gazeta Mercantil, 31/05, 01 e
02/06/03. 321 Jamil Chade, ONU vê Brasil como grande beneficiário de Kyoto. O Estado de S. Paulo. 16/02/05. 322 Disponível em <http://www.cdmwatch.org/>. 323 Seminário Agro-Brasil 2004. 324 Brás Henrique, Infra-estrutura pode barrar expansão agrícola, Estado de São Paulo, 27/04/04. 325 Cristina Rios, Fila de navios para escoar soja no Paraná, Gazeta Mercantil, 16/03/04. 326 Soja sofre deságio em Paranaguá, Investnews, 12, 13 e 14/03/04. 327 Neila Baldi, Brasil quer trocar grãos por portos e estradas, Gazeta Mercantil, 13/05/04. 328 Massilon J. Araújo, op. cit., p. 106-107. 329 Maria Helena Martins, Corrida de obstáculos. Agro Exame, São Paulo, set/04, edição especial, p. 29. 330 Paulo Godoy, A verdadeira revolução dos transportes, Estado de São Paulo, 23/11/04. 331 Renée Pereira, Mais de 80% das estradas têm problemas, Estado de São Paulo, 25/04/04. 332 Renée Pereira, Transporte dificulta competição internacional, Estado de São Paulo, 29/06/04. 333 Sílvia Garcia, A ANTF aposta no setor ferroviário e cobra investimentos da União. 04/01/05, Edição 319,
Articulista do semanário Sem Fronteiras, Disponível em <http://www.aduaneiras.com.br> 334 Agnaldo Brito, Caminhões perdem carga para trens, Estado de São Paulo, 21/08/05. 335 Renée Pereira, Transporte dificulta competição internacional, Estado de São Paulo, 29/06/04. 336 Massilon J. Araújo, op. cit., p. 107, citando CAIXETA-FILHO e GAMEIRO, 2001, que citaram GEIPOD, 1997). 337 Carlo Lovatelli, O bom desempenho do complexo soja, Agência CNI, 21/02/03. 338 Maria Helena Martins, op. cit., p. 28. 339 Mauro Zafalon, Argentina „rouba‟ área de soja do Brasil, Folha de São Paulo, 20/09/05. 340 João Mathias, Armazenagem é o gargalo do agronegócio, Gazeta Mercantil, 24/03/04. 341 Neila Baldi, Faltam armazéns para estocar 30% da safra, Gazeta Mercantil, 26/07/04. 342 Paraná reduz desperdício na colheita, Gazeta Mercantil, 12/06/03. 343 Comércio Externo do País Mudou Pouco, Diário do Comércio, 12, 13 e 14/04/03. 344 João Baumer, Céleres estima safra de soja em 61 milhões/t e de milho em 44 mi/ton, Estado de São Paulo,
05/09/05. 345 Maurício Oliveira, Qualidade em segundo lugar. Agro Exame, São Paulo, 2005, edição 849, p. 72-73. 346 Cynthia Malta, Exportador de couro reclama de apetite chinês, Valor Econômico, 12/05/04. 347 Neila Baldi, Seguro rural ainda não saiu do papel, Gazeta Mercantil, 29/07/04. 348 Paulo Godoy, A verdadeira revolução dos transportes, Estado de São Paulo, 23/11/04. 349 Infra-estrutura emperra progresso agrícola, Gazeta Mercantil, 31/05, 01 e 02/06/03. 350 Maria Helena Martins, op. cit., p. 29. 351 Renée Pereira, Mais de 80% das estradas têm problemas, Estado de São Paulo, 25/04/04. 352 Lu Aijo Otta, Investidor terá mais garantias oficiais nas PPPs, Estado de São Paulo, 25/08/2005. 353 Gustavo Paul, A crise evitou um colapso. Exame Agronegócios, São Paulo, agosto/05, edição especial, p.
27. 354 Carlos Chernij, Soluções para os gargalos. Exame Agronegócios, São Paulo, agosto/05, edição especial, p.
24/25. 355 João Laes Sobrinho, discorrendo quanto ao conteúdo léxico do termo "agrário", in Direito Agrário ou Direito Rural? – Revista dos Tribunais número 531, Janeiro de 1980, p. 13, cita como exemplo da utilização
do termo rural as obras francesas "Code Rural" de Watrin e Bouvier, "Code Rural et Usuel" de J. Grave,
"Code Rural" de P. Cross, "Traité de Législation Rurale" de Leon e Maurice Lesage, entre outras. 356
João Laes Sobrinho, op. cit. p. 13. 357 Roberto J Pugliese, Direito das Coisas – São Paulo: Liv. e Ed. Universitária de Direito, 2005, p. 620. 358 Washington Pacheco de Barros, Curso de Direito Agrário: Volume I – doutrina e exercícios – Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 16. 359 Fernando Pereira Sodero, Direito Agrário e Reforma Agrária – São Paulo: Livraria Legislação Brasileira,
1968, p. 32.
415
360 Umberto Machado de Oliveira, Princípios de Direito Agrário na Constituição Vigente – 2ª tiragem –
Curitiba: Juruá Editora, 2006, p. 19. 361
Guy Chesne e Edmond Noel Martine, Droit Rural, 1. ed. – Paris: Dalloz, 1986, p.3. apud MATTITA,
Fábio Maria de. Noções Introdutórias ao Direito Agrário – Rio de Janeiro: Revista Forense, 1994, v. 90, n.
328, p. 57. 362 Lucas Abreu Barroso e Cristiane Lisita Passos, (Org.). Direito Agrário Contemporâneo – Belo Horizonte:
Del Rey, 2004, p. 06. 363 Antônio C Vivanco, Teoria del Derecho Agrário – La Plata: Ediciones Librería Jurídica, 1967, p. 22. 364 José Braga, Introdução ao Direito Agrário – Belém: CEJUP, 1991, p. 19. 365 Lucas Abreu Braga, (Coord.). A Lei Agrária Nova – Curitiba: Juruá, 2006, p. 47/48. 366 Wellington Pacheco de Barros, Curso de Direito Agrário: Volume 1 – doutrina e exercícios – Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2002, p. 16. 367 José Cretella Júnior, Primeiras Lições de Direito – Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 131. 368 André Franco Montoro, Introdução à Ciência do Direito – 24 ed. – São Paulo: RT, 1997, p. 353. 369 Rafael Augusto de Mendonça Lima, Direito Agrário – 2. ed. – Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p.3. 370 Rafael Augusto de Mendonça Lima, Direito Agrário – 2. ed. – Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p.3. 371 Raymundo Laranjeira, Propedêutica do Direito Agrário – São Paulo: LTR, 1975, p. 116 Apud Umberto
Machado de Oliveira. Princípios de Direito Agrário na Constituição Vigente – 2ª tiragem – Curitiba: Juruá
Editora, 2006, p. 141. 372 Maria Helena Diniz, Código Civil Anotado – São Paulo: Saraiva, 1995, p. 58. 373 Benedito Ferreira Marques, A Propriedade Familiar e a Pequena Propriedade Rural in RT-695, p. 260 374 Benedito Ferreira Marques, op. cit., p. 261 375 Benedito Ferreira Marques, ob. cit., p. 261 376 Rubens Requião, Curso de Direito Comercial – V. 1. 26. ed. atual. – São Paulo: Saraiva, 2005, p. 49. 377 Fábio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial – V. 1. 6. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2002, p.
63. 378 Fábio Ulhoa Coelho, ob. cit. p. 75 379 Conforme GISCHKOW, Emílio Alberto Maya. Princípios de Direito Agrário – São Paulo: Saraiva, p. 147
apud Iacyr de Aguilar Vieira. Revista dos Tribunais. V. 757, segunda seção – São Paulo: Revista dos
Tribunais, p. 33 380 Oswaldo Optiz e Silvia Optiz, Tratado de Direito Agrário Brasileiro – v. I – São Paulo: 1983, p. 74 apud
VIEIRA, Iacyr de Aguilar, Ob. Cit. p. 33 381 Paulo Torminn Borges, Institutos Básicos do Direito Agrário – 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 1991, p. 66
apud Iacyr de Aguilar Vieira, op. cit. p. 33
382 Roberto Senize Lisboa, A Propriedade e os Direitos Reais na Constituição de 1988 – São Paulo: Saraiva,
1991, p. 89. 383 Disponível em <http://www.reporterbrasil.com.br >. 384 Francisco Eduardo Loureiro, A propriedade como Relação Jurídica Complexa – Rio de Janeiro: Renovar,
2003, p. 37. 385 Pontes de Miranda, Tratado de direito privado – 4 ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983. Tomo XI
– Direito das Coisas: Propriedade. Aquisição da propriedade imobiliária. p. 09. 386 Maximo Bianca, Diritto civile – v. 6, La Proprietà – Milão: Giuffrè, 1999, p.12 apud Loureiro. Ob. cit. p.
39. 387 Francisco Amaral, Direito Civil: introdução – 2. ed. – Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 179 apud Loureiro
Ob. cit. p. 39. 388 Orlando Gomes, Direitos Reais – 19. Ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 109. 389 Eduardo Novoa Monreal, El Derecho de Propriedad Privada – Bogotá: Temis, 1979, Apud Jacques
Távora. Alfonsin,Apontamentos sobre Alguns Impasses Interpretativos da Função Social da Propriedade
Rural e sua Possível Superação. Palestra publicada na Revista de Direito Agrário número 17. Associação
Brasileira de Direito Agrário, p. 02. 390 Paulo Ricardo Schier, Ensaio sobre a Supremacia do Interesse Público sobre o Privado e o Regime Jurídico
dos Direitos Fundamentais, disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4531>. 391 Edna Cardozo Dias, Direito do Agronegócio, c: SANTOS, Márcia Walquíria Batista dos et QUEIROZ,
João Eduardo Lopes. Fórum, 2005, p.493
416
67 Nesse sentido: Ruben Limongi França,(Coord.). Enciclopédia Saraiva do Direito – São Paulo: Saraiva,
1977, tomo 39, p. 11. 393
Jose Cretella Júnior, Comentários à Constituição Federal de 1988 – Rio de Janeiro: Forense, 1989. v. 5 p.
4255 apud Humberto Machado de Oliveira, Princípios de Direito Agrário na Constituição Vigente – Curitiba:
Juruá, 2004, p. 171. 394 Pinto Ferreira, Curso de Direito Agrário – 5. ed. rev. e atual – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 8/9. 395 Luciano de Souza Godoy, Direito Agrário Constitucional: o regime da propriedade – 2. ed. rev. e atual. –
São Paulo: Saraiva, 1988, p. 71. 396 Humberto Machado de Oliveira, Princípios de Direito Agrário na Constituição Vigente – Curitiba: Juruá,
2004, p. 176. 397 Humberto Machado de Oliveira, Princípios de Direito Agrário na Constituição Vigente – Curitiba: Juruá,
2004, p. 176. 398 Lucas Abreu Barroso e Cristiane Lisita Passos, Direito Agrário Contemporâneo – São Paulo: Del Rey,
2004, p. 45. 399 Lucas Abreu Barrps e Cristiane Lisita Passos, op. cit. p. 47. 400 Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra da S Martins, Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5
de outubro de 1988 – v. 1 a 7 – São Paulo: Saraiva, 1990, p. 290. 401 Reforma Agrária e Projeto de Construção Nacional. Publicações NEAD – Núcleo de Estudos Agrário e
desenvolvimento Rural. Acessado em 09 de janeiro de 2007, disponível em
<http://www.nead.org.br/index.php?acao=biblioteca&publicacaoID=55> 402 Gláucia Maria Teodoro Reis, Direito Agrário Contemporâneo. – Belo Horizonte: Del Rey, 2004, pág. 106. 403 Fernando Pereira Sodero, Reforma Agrária In FRANÇA, Ruben Limongi (coord.). Enciclopédia Saraiva
do Direito – São Paulo: Saraiva, 1977, p. 134/135. 404 Lucas Abreu Barroso, Direito Agrário Contemporâneo – Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 93 APUD
MARQUES. Direito agrário brasileiro, p. 255. 405 Fernando Pereira Sodero, Reforma Agrária In Ruben Limongi França (coord.), Enciclopédia Saraiva do
Direito – São Paulo: Saraiva, 1977, p. 136. 406 Fernando Pereira Sodero, Reforma Agrária In Ruben Limongi França (coord.), Enciclopédia Saraiva do
Direito – São Paulo: Saraiva, 1977, p. 136. 407 Wellington Pacheco de Barros, Curso de Direito Agrário. Vol. 1 – Doutrina e Exercícios, 4. ed. rev. –
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 76. 408 Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins, Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de
outubro de 1988. v. 8 – São Paulo: Saraiva, 1998, p. 1.046. 409 Disponível em: < http://www.amazonia.org.br/noticias/noticia.cfm?id=159909>. 410 Pedro Einstein dos Santos Anceles, Manual de Tributos da Atividade Rural – 2. ed. – São Paulo: Atlas, 2002, p. 353. 411 Hugo de Brito Machado, Curso de Direito Tributário – 10. ed. – São Paulo: Malheiros Editores, 1995, p.
225. 412 Pedro Einstein dos Santos Anceles, Manual de Tributos da Atividade Rural – 2. ed. – São Paulo: Atlas,
2002, p. 341/342. 413 Hugo de Brito Machado, Curso de Direito tributário – 10. ed. Ampliada – São Paulo: Malheiros Editores,
1995, p. 313. 414 Pedro Einstein dos Santos Anceles, Manual de Tributos da Atividade Rural – 2. ed. – São Paulo: Atlas,
2002, p. 298. 415 Pedro Einstein dos Santos Anceles, Manual de Tributos da Atividade Rural – 2. ed. – São Paulo: Atlas,
2002, p. 434. 416 Pedro Einstein dos Santos Anceles, Manual de Tributos da Atividade Rural – 2. ed. – São Paulo: Atlas,
2002, p. 442. 417 Pedro Einstein dos Santos Anceles, Manual de Tributos da Atividade Rural – 2. ed. – São Paulo: Atlas,
2002, p. 444. 418 Francisco Antônio Paes Landim Filho, A Propriedade Imóvel na Teoria da Aparência – São Paulo: CD,
2000, p. 50. 419 Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil – v. 5, 6. ed. – São Paulo: Atlas, 2006, p. 176. 420 Francisco Antônio Paes Landim Filho, ob. cit. p. 52.
417
421 Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery Júnior, Código Civil Comentado – 3. ed. rev. e ampl. –
São Paulo: RT, 2003, p. 643. 422
Caio Mario da Silva Pereira, ob. cit. p. 140 423 Caio Mario da Silva Pereira, ob.cit. p. 141: (...) Qualquer que seja o usucapião, é indispensável que a
posse se estenda por todo tempo exigido em lei. 424 Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery. ob. cit. p. 641. 425 Caio Mário da Silva Pereira, op cit. p. 149. 426 Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro – v. 4. 20 ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva,
2004, p. 141. 427 Maria Helena Diniiz, op. cit. p. 145. 428 Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil – 6 ed. – São Paulo: Atlas, 2006, p. 184. 429 Nesse sentido: Caio Mário da Silva Pereira, op. Cit. p. 131, bem como, VENOSA, Sílvio de Salvo. Ob. Cit. p. 187. 430 Nesse sentido: Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado – v. 11. 4. ed. – São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1983, p. 208: Não há aquisição entre vivos, translativa, sem o registo (sic) (...). 431 Washington de Barros Monteiro, Curso de Direito Civil – v. 3. 25. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva,
1986, p. 106. 432 Olavo Acyr de Lima Rocha,. O Imóvel Rural e o Estrangeiro – São Paulo: LTr, 1999, p. 76. 433 De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico – 24. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 440. 434 Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro – São Paulo: Malheiros, 2006, p. 601. 435 Antonino Moura Borges, Curso Completo de Direito Agrário – 1. ed. – São Paulo: CL EDIJUR, 2005, p.
512. 436 Wellington Pacheco de Barros, Contrato de Arrendamento Rural: doutrina, jurisprudência e prática – Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 118. 437 Wellington Pacheco de Barros, Contrato de Arrendamento Rural: doutrina, jurisprudência e prática – Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 86. 438 Wellington Pacheco de Barros, Contrato de Arrendamento Rural: doutrina, jurisprudência e prática – Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 50. 439 Wellington Pacheco de Barros, Contrato de Arrendamento Rural: doutrina, jurisprudência e prática – Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 50/51. 440 Alysson Thomasi, Contratos Agrários – São Paulo: CL EDIJUR, 2002, p. 27. 441 Wellington Pacheco de Barros, Contrato de Parceria Rural: doutrina, jurisprudência e prática – Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 54. 442 Wellington Pacheco de Barros, Contrato de Parceria Rural: doutrina, jurisprudência e prática – Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 55. Note-se que na citação foi exposto o artigo 82, do Código Civil de 1916, Lei número 3.071, de 1º de janeiro de 1916, desta forma onde lê-se artigo 82, leia-se artigo 104, do
Código Civil de 2002, Lei número 10.406, de 10 de janeiro de 2002. 443 Definição dada pelo regulamento do Prêmio para Escoamento de Produto – PEP número 001/97,
disponível em: <www.conab.gov.br>. 444 Arnaldo Rizzardo, Contratos de Crédito Bancário – 5 ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000, p. 217/218. 445 Wellington Pacheco de Barros, O Contrato e os Títulos de Crédito Rural – Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2000, p. 202. 446 Carlos HenriqueAbrão, Agronegócio e Títulos Rurais – São Paulo: IOB Thompson, 2006, p.96. 447 Celso Marcelo de Oliveira, Contrato de Seguro: interpretação doutrinária e jurisprudencial – Campinas:
LZN Editora, 2002, p. 07. 448 Superintendência de Seguros Privados. Seguro Rural. Disponível em:
<http://www.susep.gov.br/menuatendimento/Seguro_Rural.asp>. 449 Conforme informações da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios, disponíveis em: <
http://www.apta.sp.gov.br/noticias.php?id=2061>. 450 Paulo Affonso Leme Machado, Direito Ambiental Brasileiro, 7ª edição, São Paulo: Malheiros, 1998, p.
91. 451 A. Gursen Miranda, Direito Agrário e Ambiental: a conservação dos recursos naturais no âmbito agrário.
Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 178 e 179..
418
452 Paulo Affonso Leme Machado, Direito Ambiental Brasileiro, 7ª edição, São Paulo: Malheiros, 1998, p.
163. 453
Lucas de Abreu Barroso, Elisabete Maniglia e Alcir Gursen de Miranda, (Coord.). A Lei Agrária Nova.
vol. I, Curitiba: Jiruá, 2006, p. 131. 454 Paulo Affonso Leme Machado, Direito Ambiental Brasileiro. 7ª Edição. São Paulo: Malheiros, 1998, p.
229. 455 Op. cit., p. 230. 456 Op. Cit., p. 82. 457 Josino C Moreira. et al . Avaliação integrada do impacto do uso de agrotóxicos sobre a saúde humana em
uma comunidade agrícola de Nova Friburgo, RJ. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 7, n. 2, 2002.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
81232002000200010&lng=pt&nrm=iso>. 458 Edis Milaré, Direito do Ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 1ª ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2000, p. 148 e 149. 459 In “Dano ambiental: prevenção, reparação e repressão”. Antonio Herman V. Benjamin (coord.) – São
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16/05/04. 470 Países industrializados estão em xeque, The Boston Globe apud O Estado de São Paulo, 28/04/04. 471 Mário Jales, Inserção do Brasil no Comércio Internacional Agrícola e Expansão dos fluxos comerciais sul-sul, 21/09/05. Disponível em <http://www.iconebrasil.gov.br>. 472 Scott Miller, UE mais perto de reduzir subsídios agrícolas, The Wall Street Journal apud O Estado de São
Paulo. 09/06/03. 473 Michelly Teixeira, Esta guerra vai ter fim?, Agroexame, São Paulo, 2005. 474 Jamil Chade, OCDE mostra aumento dos subsídios europeus, O Estado de São Paulo. 05/06/03. 475 Subsídio agrícola no Brasil é 10 vezes menor que em países ricos, BBC apud UOL, 31/10/05. 476 Roberto Rodrigues, Mentiras sobre nosso agronegócio, Gazeta Mercantil, 15, 16 e 17/12/06. 477 Scott Miller, EUA aceitam plano da UE de cortar subsídios às exportações, The Wall Street Journal,
13/05/04. 478 China e Brasil pedem comércio livre e ajuda dos países ricos, Financial Times, 27/05/04. 479 Michelly Teixeira, Esta guerra vai ter fim?, Agroexame, São Paulo, 2005. 480 O risco de fracasso da Rodada Doha, Editorial, Gazeta Mercantil, 01/09/03 481 Raquel Landim, Fracasso da OMC na área agrícola pode comprometer Rodada Doha, Valor Econômico,
01/04/03. 482
Uncatad quer mecanismos que compensem uso de subsídios, Diário Oficial, 26/09/03. 483 Carlos Nayro Coelho, A Lei Agrícola Americana de 2002, Cadernos de Ciência & Tecnologia - CC&T,
v.19, p. 473/384. Set./Dez. 2002. Disponível em
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419
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Street Journal Americas. 16/06/03. 487
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Disponível em <http://www.iconebrasil.gov.br>. 498 Lívia Ferrari, Subsídios são indefensáveis, diz embaixadora dos EUA, Gazeta Mercantil, 08/06/04. 499 Scott Miller, UE mais perto de reduzir subsídios agrícolas, The Wall Street Journal apud O Estado de São
Paulo, 09/06/03. 500 José Luiz Tejon Megido e Coriolano Xavier, Marketing & Agribusiness, Atlas, São Paulo, 2003, p. 314. 501 Marcos Jank, André M. Nassar, Leandro R. Araújo e Gustavo Bracele, Apoio interno agrícola na
ministerial de Cancun, 24/07/03. Disponível em <http://www.iconebrasil.gov.br>. 502 Durval Noronha Goyos Júnior, Tratado de Defesa Comercial, Antidumping, Compensatórias e Salvaguardas. p. 17. 503 WTO Secretarit Reports, 27/11/06. Disponível em http://www.wto.org/ 504 EUA impõe perda de US$ 2 bi ao Brasil, Folha Online, 28/10/03. 505 Durval Noronha Goyos Júnior, As barreiras não tarifárias e a Rodada Doha na OMC - semanário "sem
fronteiras", ano 7, n. 354, São Paulo, Set/2005. 506 Érica Polo, Exportação de alimentos pode até dobrar, DCI, 30 e 31/01 e 01/02/04. 507 Barreiras a Produtos e Restrições a Serviços Brasileiros no mercado dos Estados Unidos, relatório
elaborado pela Embaixada do Brasil em Washington, versão 2006, p. 16. 508Assis Moreira, Fogo Cruzado na disputa do açúcar na OMC, Valor Econômico, 02, 03 e 04/04/04. 509 Barreiras a Produtos e Restrições a Serviços Brasileiros no mercado dos Estados Unidos, relatório
elaborado pela Embaixada do Brasil em Washington, versão 2006, p. 8. 510 Idem p. 7 511 Jamil Chade, Bush pressionado a manter barreira ao suco do Brasil, Estado de São Paulo, 08/04/04. 512 Flórida reduz taxa sobre suco de laranja importado, Valor Econômico, 16/06/03. 513 País critica sobretaxa ao suco, Diário Oficial do Estado de São Paulo, 20/08/05. 514 Barreiras a Produtos e Restrições a Serviços Brasileiros no mercado dos Estados Unidos, relatório
elaborado pela Embaixada do Brasil em Washington, versão 2006, p. 16. 515 Paulo Sotero, EUA sobretaxa suco de laranja, Estado de São Paulo, 18/08/2005. 516 Empresas brasileiras se preparam para a mudança, Diário do Comércio, 30, 31/08 e 01/09/03. 517 Barreiras a Produtos e Restrições a Serviços Brasileiros no mercado dos Estados Unidos, relatório
elaborado pela Embaixada do Brasil em Washington, versão 2006, p. 17. 518 Barreiras a Produtos e Restrições a Serviços Brasileiros no mercado dos Estados Unidos, relatório
elaborado pela Embaixada do Brasil em Washington, versão 2006, p. 18. 519
Cláudia Mancini. Vincular acordo à OMC é ruim, Gazeta Mercantil, 29/04/04. 520 Detectando foco da doença de newcastle no Mato Grosso, Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento, Assessoria de Comunicação Social – divisão de imprensa. 521 Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frango, Acordo para o comércio de frango foi
fechado na quinta-feira, 30/10/06. 522 Raquel Landim, Barreiras sanitárias afetam exportações, Valor Econômico, 22/07/04. 523 Disponível em <http://www.globaldairyalliance.org>. 524 Rubens Nunes, Protecionismo prejudica exportações de lactáceos, O Estado de São Paulo. 02/04/03. 525 Neila Baldi, Produtor de leite pode ir à OMC, Gazeta Mercantil, 05/09/05.
420
526 526 Disponível em <http://www.globaldairyalliance.org> 527 Márcia Donner Abreu, O Agronegócio Brasileiro e a Lei do Bioterrorismo dos EUA, Embaixada do Brasil
em Washington. 528 Érica Polo, Exportação de alimentos pode até dobrar, DCI, 30 e 31/01 e 01/02/04. 529 Durval de Noronha Goyos Jr., O Brasil e os tratados internacionais, palestra proferida durante a XXXII
Semana Jurídica do Centro Universitário de Araraquara - UNIARA, Araraquara, São Paulo, 12/11/03. 530 Durval de Noronha Goyos Jr., A Organização Mundial do Comércio e as Cláusulas Sociais, Revista
Sociedad Argentina de Derecho Laboral, Buenos Aires, Argentina, Dez/00. 531 Durval de Noronha Goyos Jr., A OMC e os Tratados da Rodada Uruguai, Observador Legal Editora, São
Paulo, 1995. 532 Para uma análise do ordenamento jurídico municipal norte-americano, inclusive de ordem constitucional, e
de suas respectivas implicações com referência aos tratados internacionais celebrados pelos EUA, Reflections on Certain US Law Specificities that Constitute Obstacles to the Free Trade Area of the Americas: A
Brazilian Perspective, Inter-American Law Review, da Universidade de Miami. Vol. 28, n. 3, 1997. 533 Claude E. Barsfield. Segundo a "teoria do realismo nas relações internacionais", os estados hegemônicos
devem agir puramente no interesse próprio e com o objetivo único da perseguição de segurança política e
militar, Free Trade, Sovereignty, Democracy, The AEI Press, Washington, D.C., p. 150 e 151. 534 Parte significativa dos lucros americanos foi investida na compra de escravos chineses, os coolies,
enviados para a Califórnia, apud Durval de Noronha Goyos Júnior. Disponível em
<http://www.unibrasil.com.br/publicacoes/critica/20/J.pdf> 535 V. The Chinese Opium Wars, op. cit. 536 V. Trade Liberalization: Global Economic Implications, Ian Goldin et al, The World Bank and the OECD,
1993. 537 Meeting in Qatar looks likely to disappoint the WTO‟s optmists, The Times, Londres, 23/10/01, p. 26. 538 Jean Ziegler, Os Novos Sabedores do Mundo, Terramar, Lisboa, p. 57 , 2002. 539 Durval de Noronha Goyos Jr., A OMC e os Tratados da Rodada Uruguai, Observador Legal Editora, São
Paulo, 1995. 540 Comunicado de Imprensa OMC, n. 125, p. 6, 16/04/99. 541 The Economist, Survey of Agriculture, 21/08/99, p. 88. 542 V. Rigged Rules and Double Standards: trade, globalisation and the fight against poverty, OXFAM,
Londres, Abril de 2002. 543 Comunicado de Imprensa OMC n. 125, op. cit., p. 9. 544 Durval de Noronha Goyos Jr., As barreiras não tarifárias e a Rodada Doha na OMC, Artigo publicado no
semanário “sem fronteiras”, Ano 7, n. 354, São Paulo, Set/05. 545 Durval de Noronha Goyos Jr., A OMC e os Tratados da Rodada Uruguai, Observador Legal Editora, São Paulo, 1995. 546 Phillip Evans e James Walsh. The EIU guide to the new GATT, EIU, Londres, 1994. 547 Durval de Noronha Goyos Jr., GATT, MERCUSUL & NAFTA, Observador Legal Editora, São Paulo,
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OECD. 552 The Economist, Survey of Agriculture, 12/06/93. 553 The Economist, Survey of Agriculture, op. cit. 554 V. GATT, MERCOSUL & NAFTA, op. cit. 555 Trade Liberalization: Global Economic Implications, op. cit. 556
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54 de O Observador Legal. 558 Trouble on the farm, Financial Times, 03/10/94.
421
559 Italy holds King of Grain in huge EC fraud probe, The Sunday Times, 24/04/94. 560 “Trading Free...”, op. cit. 561
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110. 563 V. Anexo 5 do ACORDO AGRICULTURA, seção B, artigo 7 (b). 564 Benedito Rosa do Espírito Santo, op. cit., p. 112. 565 Disponível em <http://iconebrasil.gov.br>. 566 Disponível em <http://iconebrasil.gov.br>. 567 Benedito Rosa do Espírito Santo, op. cit., p. 125/126. 568 Raquel Landim, EUA são os mais investigados no Brasil por prática desleal, Valor Econômico, 20 e 21/04/04. 569 Disponível em <http://www.desenvolvimento.gov.br>. 570 Phillip Evans e James Walsh. The EIU guide to New GATT, EIU, Londres, Reino Unido, 1994. 571 Pierre Pescatore, Kuwer Law. Handbook of GATT Dispute Settlement,Taxation Publishers, Holanda, 1994. 572 V. Handbook of GATT Dispute Settlement, por Pierre Pescatore, Kuwer Law na Taxation Publishers,
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abogados de la capital federal, Buenos Aires, Argentina (versão em espanhol), Mar/01. 577 Para uma análise individual de todos os tratados de Marraqueche, V. A OMC e os Tratados da Rodada
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Abogados de La Capital Federal, Buenos Aires, Argentina, Mar/01, p. 42 e 43. 579 Durval de Noronha Goyos Jr., WTO Pharmaceutical Patents Dispute, apud International Trade Law &
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um dos capítulos de "Ensaios...", op. cit. 581 Durval de Noronha Goyos Jr., Além do fato: Doha e os temas ausentes de Hong Kong, Jornal do Brasil,
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Lisboa, Portugal, 2001 583 Durval de Noronha Goyos Jr., A OMC e os Tratados da Rodada Uruguai, Observador Legal Editora, São
Paulo, 1995, p. 142. 584 V. A OMC e os Tratados da Rodada Uruguai, p. 143/144. 585 Durval de Noronha Goyos Jr., Ensaios de Direito Internacional, Observador Legal Editora, São Paulo, p.
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de Lisboa, Portugal, 2001. 588 Celso Lafer, A OMC e a Regulamentação do Comércio Internacional, Porto Alegre, 1998, p. 125. 589
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Lawyer, v. 26, n. 3. 591 The Marine Mammal Protection Act, U.S.C. art. 1361-1407.
422
592 Eric Christenesen e Samantha Greffin GATT sets its net on Enviromental Regulation: The GATT Panel
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Caderno de Economia e Negócios, Rio de Janeiro, 18/12/05. Disponível em <http://www.jbonline.com.br> 605 Durval de Noronha Goyos Jr., Arbitration in the World Trade Organization, op cit. 606 Durval de Noronha Goyos Jr., A OMC e a governabilidade mundial, Revista del Colegio Público de
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apelação da OMC, Ministério das Relações Exteriores, 28/04/2005. 610 Neila Baldi e Isabel Dias de Aguiar, Semana decisiva para os contenciosos agrícolas, Gazeta Mercantil,
25/10/2006. 611 Mônica Scaramuzzo, Confirmada a abertura do painel do açúcar, Valor Econômico, 09/07/03. 612 Países industrializados estão em xeque, The Boston Globe apud Estado de São Paulo, 28/04/04. 613 Assis Moreira, Adiada decisão sobre cláusula de paz, Gazeta Mercantil, 08/09/03. 614 Luis Renato Strauss, OMC confirma vitória do Brasil contra os EUA, 19/06/04. 615 Patrícia Campos Mello, Trigo, arroz e milho estão na lista, O Estado de São Paulo, 29/04/04. 616 Elisabeth Becker, Brasil vence na OMC e poderá exigir que EUA reduzam subsídios, The New York Times,
27/04/2004. 617 Jamil Chade, Sai hoje decisão da OMC sobre o algodão, O Estado de São Paulo, 26/04/04. 618 Decisão da OMC pode virar o jogo do comércio mundial – Editorial, Valor Econômico, 29/04/04. 619 Elisabeth Becker, Brasil vence na OMC e poderá exigir que EUA reduzam subsídios, The New York Times,
27/04/2004. 620 Os contenciosos agrícolas na OMC, Gazeta Mercantil, 15/03/06. 621 Raquel Landim e Rodrigo Bittar, Cresce pressão contra subsídios do algodão, Valor Econômico, 21/06/2004. 622 Os contenciosos agrícolas na OMC, Gazeta Mercantil, 15/03/06. 623 Michelly Teixeira, Esta guerra vai ter fim?, Agroexame, 2005. 624
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628 Assis Moreira, Tailândia dobra UE no frango e favorece Brasil, Senado Federal e Comissão Parlamentar
Conjunta do Mercosul, 29/11/06. 629
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Noronha Goyos Júnior, Observador Legal Editora, São Paulo, 2a. edição, 1996. 649 Durval de Noronha Goyos Jr., A crise dos Blocos Comerciais: a UE e o Mercosul. São Paulo, 20/07/2005. Disponível em <http://www.ultimainstancia.com.br> sítio "Última Instância - Revista Jurídica". 650 Noah Chomsky, The Masters of Mankind, The Nation, 29/03/95. 651 V. The President‟s 2001 International Trade Agenda, documento da presidência George W. Bush, de
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Cláudia Mancini, UE está disposta a enfrentar agricultores, diz embaixador, Gazeta Mercantil, 24/03/04. 659 Fernando Exman, Brasília comemora instalação do Parlamento do MERCOSUL, Gazeta Mercantil,
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662 Claudia Mancini, Mercosul e CAN fecham acordo, Gazeta Mercantil, 06/04/04. 663 Uruguai quer romper suas amarras com o MERCOSUL, Valor Econômico. 05, 06 e 07/05/06. 664
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