A DISCIPLINA ACADÊMICA COMO FATOR DE MELHORIA NA QUALIDADE DO PROCESSO ENSINO E APRENDIZAGEM
Lina Maria Graça Borges1
RESUMO
Neste texto apresentamos dados de trabalho realizado em um Colégio Estadual, no município de Arapongas, visando possibilidades de melhor entendimento da temática (in)disciplina, na perspectiva de criar espaços para estudo, debates e reflexões sobre a relação professor-aluno e outras relações vivenciadas dentro da escola, visando novas formas de enfrentamento do problema. Os vários grupos de estudo tiveram a participação de professores, equipe pedagógica, administrativa e alunos. Os dados resultantes desse trabalho mostram que o estudo, debates e reflexão coletiva podem contribuir para o enfrentamento da indisciplina em nosso cotidiano escolar.
PALAVRAS-CHAVE: (in)disciplina, relação professor-aluno, trabalho coletivo, novas formas de enfrentamento.
ABSTRACT
In this text we presented data of the work accomplished at a State High school, municipal district of Arapongas, seeking possibilities of better understanding of the subject (un)discipline, seeking to provide spaces for studies, debates and reflections concerning teacher-student relationship and other relationships that happen within the school in the perspective of creating new ways of confronting the problem. The several groups of study had the participation of teachers, pedagogic team, administrative team and students. The resulting data of the collective study, debates and refletion might contribute to face the undiscipline in our school daily routine.
KEY WORDS: (un)discipline, teacher-student relationship, collective work, new way of confronting.
1 Professora Pedagoga na Rede Pública Estadual da Educação, Estado do Paraná. Participante do PDE-Programa de Desenvolvimento Educacional, cuja finalidade é a Formação Continuada em Rede e a integração das Escolas às IES-Instituições de Ensino Superior.
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1- INTRODUÇÃO
A (in)disciplina escolar tem sido o centro de
preocupações crescentes nos meios educacionais. São presenciadas
cotidianamente discussões sobre possíveis causas e possibilidades
alternativas de superação. Crise da autoridade docente, crise da
autoridade familiar e crise de autoridade sócio-cultural são
inquietações consensuais nos meios educacionais. Jornais e revistas
frequentemente convocam os profissionais da educação a uma tomada
de posição sistematizada e efetiva na direção do estabelecimento de
estratégias que objetivem com clareza possibilidades concretas de
solução. Se, as crises de um modo geral podem servir como
mecanismo de consciência ampliada de nossas responsabilidades,
porque não considerarmos essas circunstâncias de crescente
(in)disciplina como oportunidade de desenvolvimento para nós,
profissionais da educação?
Longe de se desprezar a experiência enquanto
conhecimento, pode-se perceber nos discursos iniciais da abordagem
do tema, uma tendência de culpabilizações e até auto-culpabilizações:
o problema é o aluno que não se interessa, o problema é o professor
que não tem eficiência, o problema é a família que não se importa, o
modelo de gestão escolar, a sociedade, a mídia, etc. A proposta deste
trabalho é contribuir para ampliação desta visão do tema e das
próprias possíveis alternativas para sua superação, utilizando-se de
abordagens psicológicas e histórico-sociais, presentes nos textos que
fundamentam este trabalho, bem como o trabalho de intervenção em
nosso colégio.
Como o título do trabalho sugere, a abordagem do tema
se fundamenta na convicção de que, uma maior compreensão do
enfoque poderá contribuir para uma possível melhoria no foco de nosso
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trabalho pedagógico: o processo de apropriação dos conhecimentos
historicamente acumulados, por parte de nossos alunos.
2- (IN)DISCIPLINA – PENSANDO COM OS MESTRES
Com a finalidade de ampliar a compreensão da
(in)disciplina nossa de cada dia, recorremos a FOUCAULT na leitura de
Marlene Guirado:
Na compreensão Foucaultiana, (...), o poder está além e
aquém do Estado. Não é uma coisa de leis e da Constituição
de um país ou estado exclusivamente. Sequer, é monopólio de
um grupo na hierarquia constitucional. Poder é exercício
regional de forças, sempre móveis e mutáveis, do interior das
relações que se estabelecem, e não algo que acontece de
cima para baixo, por vigência de lei de regimento ou de cargo.
É tensão constante no dia-a-dia, e não emanações de “grupos
no poder”, como ouvimos dizer com freqüência. (Guirado,
p.59-60, 1996)
Frequentemente ouvem-se comentários de que esta ou
aquela escola tem um sistema de punição e vigilância eficazes onde
“não passa nada” e etc. Refletindo como FOUCALT tratou do poder
enquanto disciplina, Marlene Guirado nos conduz a um
aprofundamento de olhar na análise de nossos regimentos escolares
enquanto disciplinadores atitudinais. Questiona-se, inclusive, a
arquitetura de nossas escolas e salas de aula como instrumento de
facilitação de vigilância. Como explicita GUIRADO (1996, p.64) “a
vigilância é constante, ininterrupta e tem, praticamente por si o efeito
normalizador da ação”.
Também no poder disciplinar, as punições costumam-se
ser evitadas, com o objetivo de se obterem resultados multiplicados.
Um poder que passaria do caráter negativo/repressor para
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positivo/produtivo, moldando comportamentos, “padronizando”
indivíduos, através de recursos sutis de adestramento, o que pode
passar sem ser notado pelos mais bem intencionados educadores.
Onde ficaria a coerência de nosso discurso pela formação de um
cidadão crítico?
Pode não ser tão linear essa compreensão, pois o mesmo
olhar que vigia, está também sendo vigiado, o que pode decorrer que o
poder disciplinar acaba por gerar indisciplina, até por reprimi-la e
objetivar seu controle (por exemplo, a fraude da “cola” em dia de
avaliação). Quando ampliamos nossa visão, amparados por idéias
como essas, ganhamos maior dimensão nas possibilidades de pensar e
repensar sobre as turmas que ano a ano conosco habitam nas salas de
aula.
Recorrendo aos sentidos na língua portuguesa, podemos
definir “disciplina” como regime de ordem imposta ou livremente
consentida que convém ao funcionamento regular de uma organização
e, “indisciplina” como todo ato ou dito contrário à disciplina que leva à
desordem, desobediência, rebelião. No confronto desses significados
podemos recorrer às duas tendências apresentadas por MAFFESOLI na
leitura de Áurea Guimarães:
Uma representa o lado iluminado que explica a existência dos
homens a partir de um conjunto de leis econômicas, políticas,
educacionais; e a outra, denominada o lado de sombra,
acentua a importância das múltiplas e minúsculas situações do
cotidiano onde predomina a fragmentação e a pluralidade do
corpo social. (Guimarães, 1996 p.74)
Nessa perspectiva, aparece o termo “social” que
determinaria os caminhos de cada indivíduo dentro de suas instituições
em oposição à “socialidade” onde as possibilidades se multiplicam pois
se exercem no insignificante ou banal. A escola, assim como toda
instituição, seria palco da dupla conotação dessas duas lógicas.
Enquanto o “dever-ser” da lógica social parece prevalecer com a
tentativa de normatizar comportamentos através das regras vigentes,
a lógica do querer-viver (a socialidade), vai permitindo a participação
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individual no seu jeito pessoal de colaborar, não perdendo seu caráter
específico nem deixando de sentir-se representado coletivamente.
Quando desaparece a coesão social, pelo esvaziamento
da força da socialidade (o querer-viver), agiganta-se a manipulação do
individuo pelas instituições, aparecendo o que Maffesoli chama de
“violência dos poderes instituídos” (dos órgãos burocráticos, dos
Estados e do Serviço Público). Toda as vezes que os poderes instituídos
fazem submergir as forças coletivas dos diferentes grupos, visando
anulá-las, através de um controle racionalizado da vida social, surgem
forças que emanam do querer-viver (a socialidade), que acabam por
evitar o êxito da dominação. Essas forças podem se expressar de
maneira violenta ou através da “violência banal”, que aparenta
integrar-se ao instituído, mas o subverte de maneira silenciosa.
A banalidade é tudo aquilo que está fora do alcance de todo o
poder exterior, mas que alicerça o prazer de estar-junto.
Submissões aparentes podem representar resistências reais
desde que se as considere como atitudes que tomadas em
conjunto, tendem a quebrar ou, pelo menos, desviar as
imposições da planificação social. (Guimarães, 1996 p. 76)
Nessa ótica, a indisciplina (capacidade de resistência
expressa por aparente submissão ou por vários tipos de excessos:
conversas paralelas, gritos, zombarias, depredações, etc.) bem como a
disciplina são características constitutivas essenciais do estar-junto.
Existiria uma espécie de dinâmica que recusaria a monopolização por
uma acumulação da energia social e que garantiria a circulação dessa
energia.
Maffesoli refere-se a uma ordem (con)fusional que garante os
interesses comum de um conjunto, mas guarda a autonomia
de cada um. Não se trata de uma ordem que impõe uma
unidade fundada no igualitarismo, na homogeneização dos
comportamentos, mas de uma ordem incorporada que, ao ser
vivida, cria uma espécie de unicidade, ou seja, uma união em
pontilhado, um ajustamento de elementos heterogêneos que
não ocorre sem dilaceramentos e conflitos. (Guimarães, 1996
p. 77)
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Embora se tenha (in)consciência da vulnerabilidade da
escola em relação aos mecanismos de reprodução social e cultural,
seria injusto não admitir que as escolas também criam sua próprias
indisciplinas dos mais variados tipos de atitudes subversivas, tanto
frontais quanto silenciosas (expressão de saúde segundo Maffesoli).
À luz dessas idéias, compreende-se que a escola, como
qualquer instituição vem com a força que objetiva a homogeneização
(escola ideal feita para alunos ideais), através do poder disciplinar de
suas regras. Os alunos, e todas as pessoas envolvidas em todas as
redes de poder estabelecidas nas escolas, são pessoas reais e capazes
de gerar formas de resistência passivas ou nem tanto. Os alunos, de
modo geral, buscarão o querer-viver (a socialidade), que estará sempre
evitando a instalação de qualquer tipo de autoritarismo. Segundo
Áurea Guimarães (1996, p. 79) “quanto maior a repressão, maior a
violência dos alunos em tentar garantir as forças que assegurem sua
vitalidade enquanto grupo”.
Pensando com Maffesoli, compreende-se que, mais que
eliminar qualquer tipo de indisciplina escolar, é necessário entender
que existe na sala de aula uma tensão permanente entre o poder
instituído (representado pelo professor) e suas forças antagônicas
espontâneas (representadas pelos alunos). Quando essa tensão
permanente tem a permissão de se expressar, ou seja, quando ela é
vivida coletivamente, ela vai construindo a coesão do grupo. Quando
se esclarece que a paz aqui requerida não é a ausência de conflitos,
mas a possibilidade de se exercer um trabalho que venha de encontro
aos interesses éticos de professores e alunos, poder-se-á gerar um
ambiente propício ao atendimento da função epistêmica da escola.
Se a crise econômica, como bem mencionou Newton
Duarte (fevereiro de 2009) em sua palestra de encerramento do PDE-
PR, por atender unilateralmente os interesses dos envolvidos, se
instala em nosso meio, não é justo que o povo seja culpabilizado e
muito menos que pague a conta por erros daqueles que planejaram e
monitoraram os programas econômicos, ou seja, os economistas e os
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responsáveis pelos vieses desses planos, eventualmente acordados
para privilégios unilaterais da classe dominante. Analogicamente,
quando se instala uma crise na educação é justo que nós, profissionais
da educação e todas as suas instâncias municipais, regionais,
estaduais e federais, estejamos comprometidos com alternativas
efetivas de solução, como a que o programa de formação continuada
PDE-PR prenuncia.
Munidos da convicção (sem possibilidades de
relativização) de que a Escola Pública é a grande instituição que
possibilita o acesso da classe trabalhadora ao conhecimento
historicamente acumulado, vamos todos nos empenhar com esforço
renovado, para que isso efetivamente aconteça, desde o chão das
salas da Educação Infantil até os mais altos níveis de nossas
universidades, provocando articulações reais e intervenções reais em
nossa comunidade, para atender a que essas mesmas universidades
foram criadas.
Quando nos apropriamos de novos conhecimentos, eles
passam a nos constituir e a fazer-se presentes em nossas práticas. Se
temos maior clareza de que podemos construir na escola espaço de
contradição, o conhecimento poderá deixar de servir à ideologia e a
reconstruir-se infinitamente no diálogo com a contra-ideologia. Ao nos
empenharmos na construção de um ambiente democrático em nossa
relação com nossos alunos, nos dedicamos comprometidamente à
apropriação dos conhecimentos historicamente acumulados por esses
alunos, ao mesmo tempo em que vamos concretizando a paixão do
estar-junto que se realimenta a cada conquista compartilhada.
Essa ambiência democrática pode ser construída não
em um passe de mágica, mas lentamente no dia-a-dia, na disposição
também de o professor planejar espaços para que os alunos sejam
ouvidos. Como diz Miguel Arroyo:
Os materiais trabalhados revelam que, se dermos a palavra
aos educandos, eles terão o que falar. Não há um dia sem
palavras em nossa docência ao que correspondem muitos dias
sem palavra dos alunos. Será que suas in-disciplinas
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significam um pedido? Nos deixem falar. Temos o que dizer.
(Arroyo, 2004, p.95)
O que nos encantou no projeto inicial do PDE-PR, foi
exatamente essa possibilidade de ampliar nossa rede de comunicação,
quiçá pelo vislumbramento de uma verdadeira alternativa pela
horizontalização das relações dentro da Educação. Essa construção
coletiva a nível estadual e federal, passa pela construção coletiva
dentro de nossas escolas locais e talvez principalmente dentro de
nossas salas de aula. Quando o olhar sobre o tema (in)disciplina passa
de mera observação pessoal para observação fundamentada pelos
textos estudados, podemos compreender melhor este recorte no texto
de Miguel Arroyo:
Um fato pode ser observado: o olhar sobre os alunos, sobre
suas indisciplinadas interrogações está se tornando mais
cuidadoso, menos apressado nos julgamentos docentes. Está
se tornando mais profissional. (...) Entender a história social,
racial, de gênero e classe dos alunos é um campo legítimo de
conhecimento de profissionais do conhecimento. (...) Somente
avançando naqueles saberes profissionais sobre os educandos
iremos deixando longe olhares e posturas ingênuas, moralistas
e preconceituosas. Iremos entendendo a complexidade da
instituição escolar e de nosso ofício. Entenderemos a
complexidade de suas indisciplinadas condutas. Terminaremos
entendendo mais de nossas áreas. (Arroyo, 2004, p.101)
No texto de Julio Groppa Aquino, “A indisciplina e a
escola atual” (1998), ele busca desconstruir as explicações mais
corriqueiras sobre as possíveis causas da indisciplina escolar, como por
exemplo: o apelo mediático, o desinteresse do aluno, falta de limites do
aluno,falta de limites na família, problemas psicológicos e sociais,
estruturação escolar no passado, etc. Antes de nos enredarmos no
saudosismo ingênuo de nossa escola do passado, é bom lembrar que o
advento da democratização da escola trouxe a necessidade de um
preparo para se lidar com a diversidade apresentada pela nossa
clientela atual, não podendo mais ser gerida sob as mesmas regras
elitistas do passado.
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Assim, para que haja um real compromisso de todos com a
continuidade das relações, as regras devem ter clareza e
transparência de intendionalidades, devendo
imprescindivelmente ser construídas no coletivo. Quando
somos verdadeiramente envolvidos no processo de
construção, passamos a ter mais compromisso com o êxito do
que ajudamos a criar. (Lenardão/Graça Borges, 2007, p.03)
A crise da Educação, apoiada principalmente pelo
fracasso escolar (tanto dos excluídos quanto dos incluídos) tem
alarmado todos nós, trabalhadores da Educação, também porque abala
nossa credibilidade profissional. Quando analisamos cotidianamente as
possíveis razões desse fracasso escolar, dentre muitas outras alegadas
pelos educadores, aparece a figura do “aluno-problema”, que seria
protagonista nas ações ditas indisciplinas. Ao que podemos ouvir nos
corredores e salas de professores traduzido pela máxima enunciada
por Aquino (1998, p.02): “Se o aluno aprende, é porque o professor
ensina; se ele não aprende, é porque não quer ou porque apresenta
algum tipo de distúrbio, de carência, de falta de pré-requisito”.
Da mesma forma que não podemos culpar nossos alunos
pelo fracasso escolar, não podemos culpar professores por tanto.
Culpabilizações à parte, não podemos fugir de nossa responsabilidade,
enquanto educadores, de buscarmos alternativas exeqüíveis que
possibilitem o cumprimento de nossas funções. No entanto, temos que
lembrar que, com o direito à escolarização maciça, podemos sim,
questionar o preparo dessa própria escola real e não idealizada, para
atender a essa nova clientela real e povoada por todo tipo de
diversidade. Cabe aqui uma pequena reflexão com Aquino:
Indisciplina, então, seria sintoma de injunção da escola
idealizada e gerida para um determinado tipo de sujeito e
sendo ocupada por outro. Equivaleria, pois, a um quadro difuso
de instabilidade gerado pela confrontação deste novo sujeito
histórico a velhas formas institucionais cristalizadas. Ou seja,
denotaria a tentativa de rupturas, pequenas fendas em um
edifício secular como é a escola, potencializando assim uma
transição institucional, mais cedo ou mais tarde de um modelo
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autoritário de conceber e efetivar a tarefa educacional peara
um modelo menos elitista e conservador. (Aquino, p.45, 1996)
Cremos que a nossa leitura sobre o que é indisciplina e
suas possíveis causas poderá influenciar nossa prática, tanto em nossa
relação professor-aluno quanto em nossos critérios de avaliação e
objetivos a serem alcançados. Daí nossa esperança de que este texto
possa de alguma forma contribuir para um maior entendimento do
tema e, consequentemente, ampliar a visão de possíveis alternativas
de seu enfrentamento. Em meio a tantos conceitos cristalizados dentro
de nossas escolas, vale esta reflexão:
A vida em sociedade pressupõe a criação e o cumprimento de
regras e preceitos capazes de nortear as relações, possibilitar
o diálogo, a cooperação e a troca entre membros deste grupo
social (sobretudo numa sociedade complexa como a nossa). A
escola, por sua vez também precisa de regras e normas
orientadoras do seu funcionamento e da convivência entre os
diferentes elementos que nela atuam. Nesse sentido, as
normas deixam de ser vistas apenas como prescrições
castradoras, e passam a ser compreendidas como condição
necessária ao convívio social. Mais do que subserviência cega,
a internalização e a obediência a determinadas regras podem
levar o indivíduo a uma atitude autônoma e como
conseqüência, libertadora, já que orienta e baliza suas
relações sociais. Nesse paradigma, o disciplinador é aquele
que educa, oferece parâmetros e estabelece limites. (Rego,
1996, p.86)
É urgente sairmos da simples descrição do problema e
passarmos para concretas alternativas de solução do mesmo. Assim
como uma nova enfermidade é desafio para o profissional da medicina,
o sintoma “indisciplina” pode ser uma grande oportunidade para que
nossa prática pedagógica se afirme e caminhe em direção a uma
excelência profissional. É por acreditar nisso que nos juntamos a Julio
Groppa Aquino em que sua proposta, que talvez pudéssemos assim
traduzir: “Mãos a obra, caminhemos cotidianamente, também em
nossas salas de aula, na luta pela democratização! Ensinemos às
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nossas crianças e adolescentes a democratização através de um dos
métodos mais eficazes: democratizando nossas relações com eles!”
Um dos maiores equívocos que estudando Aquino,
pudemos esclarecer, é aquele que ainda presenciamos muito em
nossas escolas: o de considerar a disciplina como um pré-requisito para
o nosso trabalho pedagógico, quando, de fato, a disciplina escolar é um
dos resultados de nossa ação cotidiana de sala de aula. Portanto,
construir essa disciplina democrática e coletivamente, pode ser uma
das decisões que talvez devamos enfrentar. Na proposta de Aquino,
esse ensaio pode ser feito através do contrato pedagógico com
assembléias de classe periódicas (talvez semanais).
O primeiro dia de aula é o dia mais adequado para a
celebração dos “contratos” que podem ser implícitos ou explícitos e
registrados por escrito e assinados, etc. Interessante antes de celebrá-
los, definir funções diferentes do professor e aluno e sua
complementaridade; esclarecer sobre a necessidade de regras para o
bom andamento do trabalho, bem como a flexibilização das mesmas,
que será exercida através das assembléias de classe periódicas.
Embora o professor possa e até deva prenunciar regras que considere
imprescindíveis, as mesmas deverão passar pela avaliação coletiva,
assim com as que forem sugeridas pelos alunos, sempre lembrando
que o objetivo prioritário da ação pedagógica é a aquisição dos
conhecimentos por parte dos alunos e nunca a moralização dos
hábitos. Deve-se observar que diferentes áreas do conhecimento
podem demandar regras diferentes, sendo que as regras devem ser no
menor número possível.
A etapa seguinte é a implementação gradativa das
rotinas de trabalho que ficaram acordadas no Contrato Pedagógico.
Embora os alunos já saibam o que deve ser feito, quem inicia a ação e
supervisiona o conhecimento das regras é o professor (heteronomia).
Sempre que o professor cumpre sua parte no acordo, essa atitude por
si só já pode motivar os alunos a cumprirem a sua também.
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No processo de incorporação desse também
conhecimento, Contrato Pedagógico, o terceiro e último passo tem a
direção de um consentimento voluntário e o comprometimento de
todos (professor e alunos) com os resultados esperados. Este seria o
clímax da intervenção escolar, quando todos encaram as regras como
constitutivas próprias de cada um e consequentemente podem
prescindir da supervisão do professor. Podem ser incluídos: itens
programáticas, cronogramas de atividades e tarefas, metodologia,
critérios de avaliação e principalmente, regras comuns de conduta de
sala de aula. A legitimidade posterior dependerá do acordo devido
entre as partes.
As transgressões ao Contrato que por ventura
acontecerem, de modo aberto ou dissimulado, podem significar: falta
de clareza das regras; rigidez excessiva; indisposição de algum aluno
ou ausência de comprometimento do professor com as regras. Para o
bom funcionamento do contrato há que se considerar que a clareza do
aluno quanto ao seu papel é diretamente proporcional à do professor
quanto ao dele. Se houver qualquer flagrante de ruptura ou pelo aluno,
ou pelo professor, ou por uma inadequação do próprio contrato, é hora
de renegociar mais uma vez. As sanções também devem ser definidas
coletivamente e acompanhadas de diretrizes de como agir, pois devem
objetivar a continuidade das relações.
As Assembléias de Classe se constituem como
instrumento de regulação do convívio democrático, visando otimização
da ação e convivência democrática. Para a organização das mesmas
deve-se prever: destinar um tempo periodicamente para sua
realização, dispor o espaço da sala que favoreça o diálogo, distribuir o
tempo para falar juntos dos conflitos da sala, objetivar organização do
trabalho, e solução dos conflitos e comprometimento de todos e
finalmente, observar a idade dos alunos na realização. As Assembléias
podem se desenvolver em três momentos: a preparação, o debate e a
aplicação dos acordos.
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A realização sistematizada das assembléias, podem
resultar em esclarecimentos dos problemas que preocupam a sala,
bem como o desenvolvimento de capacidades morais desejáveis e criar
hábitos que objetivem a consolidação do modo de vida democrático. A
palavra compartilhada, nesse contexto, como diz Aquino:
(...) é gestação do mundo e da vida. Por meio dela,
corporificamos uma inconformidade necessária em relação à
vida presente, em igual medida a coragem de conceber um
mundo que não há ainda, mas que pode vir a ser a qualquer
instante. Mundo e vida sempre em expansão, portanto.
(Aquino, 2003, p.90)
3- (IN)DISCIPLINA ESCOLAR – AMPLIANDO A VISÃO DE MANEIRA COLETIVA
A questão da (in)disciplina sempre nos provocara
inquietações e desconforto tanto como professora quanto do olhar de
supervisão pedagógica e direção. Talvez por esta razão há anos temos
buscado compreender e arriscar alternativas, ainda que quase
totalmente empíricas, junto aos nossos colegas de trabalho e alunos .
Participar do PDE-PR nos deu a oportunidade de aprofundar a questão e
num segundo momento (o da intervenção), participar dessa busca de
maneira coletiva e considerando o contexto real do nosso colégio.
Quando iniciamos o trabalho de envolvimento de toda a
nossa equipe de trabalho e alunos, pudemos perceber significativos
sinais de cooperação e/ou resistência. Pudemos observar total abertura
da equipe diretiva, o que nos deu impressão de real articulação com os
objetivos da coordenação do PDE-PR. Na equipe de professores e
funcionários tivemos assíduos colaboradores, bem como alguns que
demonstraram civilizada resistência. Isto é, pudemos perceber melhor
o que FOUCAULT (na leitura de Marlene Guirado) pode querer significar
com:
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Poder é relação de forças. Isso significa que poder não é uma
coisa, um algo a mais que alguém tem, ou que algum grupo
tenha, em detrimento de outro. Poder é relação de forças, isto
é uma dimensão constitutiva de qualquer relação social ou
discursiva. Os parceiros, nesse jogo estão em constante
movimento de equilibração dessas forças. Tanto que o lugar da
resistência exerce pressão sempre móvel sobre o lugar de
domínio. (Guirado, 1996, p.59)
Enquanto continuávamos com leituras e releituras dos
artigos e textos escolhidos, pudemos reforçar nossa hipótese de que a
abertura de novos espaços de estudo e reflexão direcionados aos
problemas elencados pelo coletivo, é urgente. Queremos dizer com
isso, problemas realmente percebidos pelo coletivo e priorizados
segundo a percepção desse mesmo grupo. Talvez isso também
explique alguma resistência do grupo, pois embora todos
concordassem com a relevância do tema (in)disciplina, não fora o
coletivo que o elegera como prioridade.
Nas duas primeiras socializações, buscamos articular o
tema (in)disciplina com o Plano de Ação de nosso Colégio,
considerando as discussões presenciadas que pareciam direcionar o
nosso trabalho para um resgate sistemático do conteúdo, como diria
Julio Groppa Aquino (1996, p.39), nossa equipe de trabalho está com o
firme propósito de consolidar a função epistémica do ensino, isto é, “a
escola estaria a serviço da apropriação, por parte da criança e do
adolescente, dos conhecimentos acumulados pela Humanidade”. Como
o próprio parágrafo já demonstra, as duas socializações acabaram por
diluir demasiadamente o tema (in)disciplina.
Iniciamos então os grupos de estudo, agora focados no
tema e com o objetivo de escolher um artigo para a terceira
socialização no grande grupo. Trabalhando com grupos menores
pudemos perceber a disposição de estudar nos professores, nos alunos
e nos funcionários da administração. Com objetivo de aumentar a
visibilidade das diversas redes de poder encontradas na escola
optamos pelo artigo “Poder Indisciplina: os surpreendentes rumos da
relação de poder” de Marlene Guirado para a terceira socialização
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quando o grande grupo pode então compartilhar suas percepções
sobre as redes de poder dentro da escola e, especificamente, dentro da
sala de aula.
Voltamos então aos pequenos grupos de estudo para
demorarmos mais, por exemplo, na identificação do que anda
acontecendo nas situações concretas em nossa escola. Observemos
estes dois textos:
O sistema punitivo visa sempre a restauração da ordem; o
como esta restauração vai ser feita depende da época, ou
melhor, da estratégia de poder dominante em uma
determinada época. (Guirado, 1996, p.62)
É comum evitarem-se punições, para funcionar por
recompensa da ação. Os efeitos se multiplicam com isso. Um
poder de caráter predominantemente positivo/produtivo,
portanto ele não se apropria de nada, nem retira. Adestra.
(Guirado, 1996, p.65)
Comentários do grupo:
“Não imaginava como era importante analisar as normas
da escola e realmente revê-las”. (professor)
“Pra falar a verdade, nunca questionei as punições
previstas no manual do aluno”. (aluno)
“E por acaso adianta a gente reclamar?” (outro aluno)
Após confronto de “recomendações disciplinares” (1922)
e o nosso Regimento atual, o grupo percebeu algumas formas
cristalizadas de normatizar as relações dentro da escola.
“Mas será que se não for firme assim, os alunos vão
respeitar?” (funcionário do administrativo)
A grande descoberta ainda que tão pequenina diante da
Academia, foi podermos perceber como a apropriação de novos
conhecimentos foi retirando véus que ainda embaçam nossa visão. Foi
também nos percebermos tão “indisciplinados” com todas as
conotações “vis” que atribuímos aos nossos alunos: demasiadas
conversas paralelas, ingestão de alimentos durante as aulas,
intervenções orais não formalmente autorizadas, mobilizações não
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autorizadas pela sala de aula, excesso de autonomia na realização das
tarefas propostas, etc.
Em uma das reflexões coletivas, chegamos a vislumbrar
um flagrante de: Será que aqueles que culpam os professores da
indisciplina instaurada não estariam certos? Será que realmente temos
os alunos que merecemos, espelho, espelho meu? Quando estávamos
quase que moribundos, prestes a pedir trégua, ouvimos não a voz
salvadora, mas aquela que nos faltava para definitivamente
escorregarmos abismo abaixo:
“É verdade, quando participamos de cursos em que os
professores não participam, mas só a secretaria e a supervisão, todos
atendem ao primeiro chamado e não há tumulto durante a palestra”
(supervisão)
Quando parecia não haver mais esperança, já que o
coração parara de bater há alguns segundos, ecoa a voz paramédica
que nos ressuscita prontamente:
“Não se esqueçam que a situação de palestra é um sair
da rotina para quem está na secretaria, já para os professores é a
situação cotidiana deles!” (pasmem, a voz paramédica, contrariando
muitas previsões, não era de um professor, mas de um outro
supervisor.)
Levantamos todas nossas cabeças, ainda sem verdades
absolutas mas com uma reconfortante sensação de que fazemos todos
parte do mesmo espetáculo. Talvez resida aí o grande tesouro da
construção coletiva: ao nos apropriarmos de novos conhecimentos
sobre o outro em inusitadas situações que a construção coletiva acaba
por nos permitir, os véus vão sendo retirados, as máscaras vão caindo
e podemos nos relacionar com mais simplicidade que advém das
relações transparentes. Esta nos parece ser a essência a proposta de
Júlio Groppa Aquino quando sistematiza e fundamenta a instauração
talvez explícita do contrato pedagógico e das assembléias de classe
como mecanismos de democratização de nossa prática pedagógica.
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Para a última socialização planejamos, junto aos nossos
mais dedicados colaboradores (que se dispuseram a re-estudar os
artigos e textos fundamentais para a elaboração deste artigo final,
durante as férias de Janeiro/Fevereiro/2009), uma retomada geral do
trabalho realizado, bem como a formulação de como os trabalhos
poderiam continuar, segundo a análise desse grupo menor.
Pudemos observar níveis diferentes de resistência da
turma de professores das turmas matutinas e noturnas (basicamente
os mesmos) e os professores das turmas vespertinas. Atribuímos a
menor resistência dos professores matutinos/noturnos ao fato de terem
cotidianamente mais interação com o professor PDE e também há
muitos anos estarem trabalhando junto, o que provavelmente
contribuiu para uma postura altamente solidária. Após a exposição do
trabalho, pudemos observar no grupo um verdadeiro interesse em
ampliar seus conhecimentos para enfrentar os problemas de
indisciplina com mais propriedade. Quando comentamos sobre a
função do Contrato Pedagógico e as especificações que esse contrato
deve possuir para cumprir tal função, como por exemplo:
1)uma clareza razoável, para os parceiros, dos propostos da
relação;
2)uma nítida configuração das atribuições de cada parte
envolvida;
3)rotinas e pautas de convivência conhecidas e respeitadas
por ambos;
4)resultados concretos que validem seu processamento
cotidiano; (Aquino, 2004, p.76.)
Tivemos as seguintes palavras partilhadas que nos
chamaram a atenção:
“Tenho que admitir meu excesso de autoritarismo. Pode
ser também que as regras que creio ser importantes, não devem estar
claras para alunos”. (Professor Ensino Médio)
“Para ser bem honesta, nem sei se apresentei regras aos
alunos, penso mesmo que acho que eles já deveriam saber”. (Professor
Ensino Médio)
17
“Gostaria que depois você me explicasse melhor como
construir um contrato pedagógico. Gostaria de experimentar com
minhas quintas sérias”.
Quando falamos sobre possíveis burlas ou transgressões
veladas ou não e suas possíveis causas, todos professores se
mostraram particularmente atentos ao que diz Aquino:
No primeiro caso, a transgressão ocorrerá quando as cláusulas
não estiverem suficientemente claras ou razoáveis. Os alunos,
passam então a não ver mais sentidos nas regras (...).
Na segunda situação as cláusulas estão superestimadas e não
se ajustam, portanto, às possibilidades factuais dos implicados
(...)
A terceira possibilidade de burla se dá quando, por alguma
razão incontrolável, os alunos têm uma pré-disposição muito
negativa em relação ao professor e resolvem sabotar as regras
acordadas, como maneira de afrontá-lo pessoalmente.
Há ainda outra possibilidade de transgressão que, devido ao
baixo acometimento ético-profissional do profissional, indica
sua falta de autoridade moral para fazer valer os acordos.
Rompe-se, assim, a igualdade entre os deveres e os alunos
pressentem que apenas eles têm obrigações a cumprir.
(Aquino, 2004. p.73/74)
Os professores ficaram bastante introspectivos e
compartilharam conosco:
“Creio que preciso ter mais tolerância com meus
alunos”.
“Preciso cuidar mais de como venho falando com os
alunos”.
“Nunca tinha imaginado que a reação indisciplinada dos
alunos pudesse significar outra coisa senão hostilidade por mim”.
“Sinto muito. Eu não vou parar com meu conteúdo para
me preocupar com toda essa baboseira”.
Quando explicitamos a questão das sanções, também
pensando com Aquino:
Claro está que a observância das regras contratuais, bem
como, a definição das sanções para quem não as cumpre
18
devem ser de responsabilidade coletiva do próprio grupo. No
entanto, as sanções não podem jamais ser tomadas como
mecanismos de exclusão compulsória. Ao contrário, as
penalidades devem portar um caráter inclusivo e sempre de
reparação ao andamento acordado pelo grupo-classe. (Aquino,
2004, p.754/75)
“Jamais pensei sobre a questão da inclusão quando
estabeleço uma punição. Meu Deus!”
“É muita informação! Dá pra fazer a recuperação dessa
aula?”
Ao explicitarmos a necessidade das assembléias de
classe como instrumento regulador dos contratos, a maioria dos
professores se mostrou interessada em aprender como fazer e
organizar uma assembléia de classe. Para esclarecer com mais
detalhes, o grupo optou por realizar mais um encontro, quando alguns
se dispuseram a trabalhar o contrato pedagógico coletivamente com os
alunos e trazer impressões para a próxima reunião.
Feita a última socialização para o encerramento dessa
etapa, contamos ainda com o auxílio de nossos colegas PDE de outras
cidades, que demonstraram paciência e consideração ao ouvirem
nosso ensaio de texto, dando sugestões, comentando sobre seus
próprios trabalhos e ampliando assim, a nossa visão na elaboração do
texto final. Embora essa troca de experiências tenha sido informal e
acontecido durante as quatorze horas de viagem de ida e volta a
Curitiba por ocasião de nossa formatura PDE, elas foram extremamente
importantes na elaboração desse trabalho. (daí nossa ousadia em
mencioná-las no espaço reservado à “ampliando a visão de maneira
coletiva”).
4-CONSIDERAÇÕES FINAIS
19
A confrontação de idéias a respeito da (in)disciplina pode
nos levar ao aprofundamento das mesmas no sentido de incorporá-las
à nossa prática. Apoiados pelas idéias de FOUCAULT, podemos de
repente, compreender melhor as situações embaraçosas de nosso
cotidiano escolar no calor da hora ou mesmo depois dela, reinventando
novas posturas sem a necessidade de encontrar culpados. Quando
pensamos com MAFFESOLI podemos, quiçá, deslumbrar, ainda que
num campo onde se expressem confrontos e diferenças, o surgimento
de um crescente altruísmo que crie uma comunidade de trabalho
solidária e que concretize a paixão do estar-junto. Após muitos
questionamentos apresentados podemos também enfrentar com
simplicidade e transparência, que muitas das indisciplinas de nossos
alunos podem ser procedentes!
O trabalho do professor é muito mais do que fixar regras
de comportamento, o que poderia cair na violência do poder instituído.
O ofício do professor é criar e recriar uma maneira de trabalhar
verdadeiramente comprometida com aprendizagem do aluno.
Como diz Saviani:
Não se trata de optar entre relações autoritárias ou
democráticas no interior da sala de aula mas de articular o
trabalho desenvolvido nas escolas como processo de
democratização da sociedade. E a prática pedagógica
contribui de modo específico, isto é, propriamente pedagógico
para democratização da sociedade na medida em que se
compreende como se coloca a questão da democracia
relativamente à natureza própria do trabalho pedagógico.
(Saviani, 1982, p.64)
Na medida em que vamos também nós, professores, nos
instrumentalizando com a posse de novos conhecimentos,
compreendemos melhor os vínculos de nossa prática com a prática
social global. Dessa forma, o programa de formação continuada, bem
como a consolidação de grupos de estudo permanentes em nossas
escolas e núcleos PDE-PR nas universidades, poderão fortalecer a
classe dos educadores como membros cada vez mais conscientes de
20
sua contribuição pedagógica específica, bem como de sua importância
política e consequentemente, a importância política de seus alunos.
A posse de novos conhecimentos vai nos levando
também a superar a forma descritiva do problema e a nos
comprometer com possíveis alternativas de solução como as propostas
por Julio Groppa Aquino: o contrato pedagógico e as assembléias de
classe. Tem também nos provocado novas necessidades de estarmos
estudando cada vez mais, não apenas pela aquisição de novos
conhecimentos mas pela possibilidade de melhor atuar, criando em
nossas salas de aula novas possibilidades cada vez mais
comprometidas com a verdadeira democratização do ensino, que
somente se concretiza com aprendizagem dos alunos, que em posse
dos conhecimentos historicamente acumulados, serão também mais
capazes de compreender as articulações da sua prática com a prática
social global. Assim munidos e sabedores que o objetivo maior desse
pequeno estudo sobre (in)disciplina visa acima de tudo buscar
alternativas que culminem na maior competência de nossas escolas
em cumprirem sua função epistêmica, anterior a qualquer benefício
que possa dela advir posteriormente, seguimos não mais os mesmos
professores de antes do PDE-PR, mas com esperança e compromisso
renovados. Lembrando o que diz Julio Groppa Aquino:
A qualificação profissional do educador seria, portanto,
condição necessária, porém não suficiente, para o exercício da
profissão. Exige-se, ademais, a responsabilidade pela
manutenção do mundo público – o que se traduziria, a nosso
ver, na intransferível iniciação das novas gerações no modo de
vida democrático. (Aquino, 2004, p.60)
Nesse sentido, confirmamos nossa esperança de que a
transformação do PDE-PR em política pública e não apenas
governamental, poderá contribuir grandemente no processo de
horizontalização das relações dentro da esfera educacional, desde a
relação professor-aluno, matéria-prima a partir da qual se produz o
objeto institucional escolar (conhecimento), passando pela gestão
escolar, núcleos regionais e secretarias da educação de âmbito
21
municipal e estadual até o ministério da educação. Pois, como
aprendemos com a elaboração desse pequeno ensaio de artigo
científico, se é convicção que a (in)disciplina é uma necessidade
gerada para o bom trabalho coletivo, também é convicção
fundamentada que a (in)disciplina, efetivamente construída numa
ambiência democrática, “é resultado da tenacidade e do compromisso
proporcionados pela responsabilidade partilhada sobre o mundo”
(Aquino, 2004, p.52)
Essa reflexão também nos conduz a um questionamento
sobre a qualidade democrática e crítica da relação professor e
instâncias superiores da Educação, onde muitas vezes, o professor
“entra mudo e sai calado”, não porque não tivera questionamentos a
propor, mas porque nem sequer fora previsto espaço para ouvir a sua
voz. No entanto, ainda que minimamente, o presente estudo nos
remete à construção desse espaço de maneira ética e civilizada (pois
que somos professores, e portanto, por força de ofício, a nossa possível
resistência silenciosa deve ter sempre a consciência do educador, que
sabe-se observado e condutor natural daqueles aos quais representa,
bem como comprometido com o coletivo).
Compartilhamos aqui um desafio emergente: se nas
salas de aula, nós, professores, devemos garantir a participação efetiva
de nossos alunos como co-responsáveis no processo ensino-
aprendizagem; o que podemos fazer na construção de novos espaços
junto às instâncias educacionais superiores, sem nos esquecermos da
continuidade da relação, sem nos esquecermos do comprometimento
educacional das ações que devem, por responsabilidade inerente ao
nosso ofício, resultar em alternativas que visem a negociação
transparente dos conflitos e não a ausência de tais conflitos (o que
resultaria utópico dentro da metodologia dialética apresentada)?
Na grande tarefa da horizontalização das relações nas
instâncias educacionais, a contribuição de cada um de nós é
importante, pois no final das contas, como nos alerta Sapeli (2004,
p.19) da mesma forma que a ideologia torna-se consensual através dos
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instrumentos formais, a escola traz em si a possibilidade da construção
da contra-ideologia com os instrumentos mesmos do saber, mas com o
método dialético histórico.
Trabalhar com o pressuposto de que a escola, bem como
todas as instâncias educacionais, são espaços de contradição, nos
obriga a sair das zonas de conformismo: nem que as mudanças
acontecerão a partir da escola, nem que escola mudará se a sociedade
mudar. Temos convicção de que, apesar dos significativos sinais de
adestramento que a escola acaba por reproduzir; apesar dos poucos
espaços de contradição criados dentro da escola, podemos enxergar
uma luz no final do túnel: a possibilidade de ir além da crítica e utilizá-
la como instrumento à ação de ruptura. Como diz MARX: “Não se trata
apenas de interpretar o mundo, é preciso transformá-lo”. Somos todos
trabalhadores da educação. Sejamos solidários à nossa própria classe,
cuidando por não acabar representando a outras classes por força de
cargos ou o que quer que seja. Mais ainda, que o compromisso com
nossa própria classe não nos permita esquecermos a necessidade de
conhecermos cada vez melhor este nosso mundo, para instruirmos e
assumirmos nossas responsabilidades perante este mundo. Atentos à
manipulação que nos rodeia, não percamos o rumo! Muito agradecida!
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5- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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__, J.G.G. “A desordem na relação professor-aluno: indisciplina,
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1996.
__, J.G.G. (org) Indisciplina na escola: alternativas teóricas e práticas.
São Paulo: Summus, 1996.
24
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SAVIANI, D. “Escola e Democracia: para além da curvatura da vara.
Revista da Associação Nacional de Educação (ANDE) Ano 1, nº3, 1982.
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