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Dislexia: Visão fonoaudiológica e psicopedagógicaSônia Moojen- Macio França
in Transtornos da aprendizagem - Abordagem neurobiológica e multidisciplinar Newra Tellechea Rotta
Desde o momento em que a alfabetização passou a ser um dos grandes objectivos da sociedade, a
preocupação da comunidade cientifica tem-se centrado no desenvolvimento de estudos sobre o
processo da aprendizagem e, particularmente, da não aprendizagem. Especialmente, o termo dislexia,
na actualidade tem despertado muito interesse pela discrepância existente entre o conceito de
inteligência e o desempenho escolar. Como explicar que alunos com condições intelectuais evidentes
possam desempenhar-se tão mal diante de tarefas de leitura e de escrita? Uma pequena parcela de
disléxicos, rompendo com todas as barreiras impostas, está entrando na universidade e requerendo o
direito de promoção académica. O tema tem gerado questionamentos e a atenção de muitos
especialistas, que ao mesmo tempo trazem significativos aportes diferenciados, criando nomenclaturas
variadas e abrangências diferentes ao termo.
Em primeiro lugar é necessário destacar a dislexia dentro de um amplo espectro de problemas de
aprendizagem. O Quadro 12.1 criado a partir da classificação proposta por Moojen (1996;
1999;2004a.b), ilustra os diversos tipos de problemas capazes de interferir no desempenho escolar, que
deveriam ser tratados com mais atenção por educadores, familiares e profissionais na avaliação do
desenvolvimento humano geral. Neste quadro, situa-se a dislexia, na perspectiva que será tratada neste
capítulo.
O objectivo é apresentar a visão fonoaudiológica e psicopedagógica da dislexia, enfatizando o
papel da linguagem no seu diagnóstico. São dimensionadas suas principais características, tipologia,
avaliação e orientações específicas à escola. Ao final, o capítulo é ilustrado com apresentação de dois
casos clínicos.
Caracterizando a dislexia Actualmente, observa-se um fenómeno de “vulgarização” do termo dislexia, devido a uma não -
uniformização nos critérios de abrangência do termo, o que gera uma confusão tanto no meio
académico quanto clínico. Em consequência, há um reflexo na forma como as informações são
veiculadas no meio científico e de comunicação social.
Há um sector que emprega o termo dislexia a todos os níveis de transtornos de aprendizagem da
leitura e escrita, enquanto em uma outra perspectiva, conforme explicita o Quadro 12.1
Quadro 12.1
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Os problemas na aprendizagemClassificação Características Prognóstico
Dificuldades de aprendizagem
Evolutivas
Dificuldades passageiras, relacionadas
com metodologia de ensino inadequada,
falta de assiduidade e problemas pessoais
ou familiares temporários
BOM - tendem a regredir com maior esforço do aluno ou ajuda pedagógica.
secundárias
Repercussão primariamente no
desenvolvimento humano em geral (de
ordem cognitiva, emocional e/ou
neurológica) e secundariamente no
desempenho escolar global. As queixas
principais são de carácter geral e
referem-se à falta de motivação,
desatenção, etc.
Depende do grau de gravidade dos quadros associados.
Transtornos da aprendizagem da leitura, escrita e matemática
Leve e moderado Problemas específicos na leitura, escrita
e matemática não decorrentes de
comprometimentos neurológicos,
emocionais ou sensoriais não corrigidos.
Observa-se remissão dos sintomas com o
tratamento. A diferença entre leve e
moderado é apenas quantitativa.
BOM com acompanhamento terapêutico.
Grave Gravidade dos sintomas (na ausência de
outros estressores ) e persistência ao
longo da vida, embora podendo ser
atenuada, mas não curada.
Dislexia
- Adquirida (secundária à lesão)
- Desenvolvimento (congénito)
RESERVADO (na dependência do nível de QI).
o termo dislexia está reservado ao nível grave dos transtornos da aprendizagem que, diferentemente
dos transtornos leves e moderados não é possível de cura.
Na comparação das duas concepções, tem-se uma consequência directa no estudo dessa
população, estabelecendo confusão sobre as estimativas e os dados de prevalência. Na mesma ordem
quantitativa, observa-se uma larga diferença entre os números apresentados por pesquisadores.
- Tallal e colaboradores (1997) referem que 20% da população mundial tem dislexia.
- A Associação Brasileira de Dislexia lança dados entre 10 e 15% da população mundial.
- Alvarez e colaboradores (1999) apontam 10% da população e, desses, 60 a 80% seriam do sexo
masculino.
- Morris (2002) reconhece que, nos Estados Unidos, cerca de 5 a 6% dos alunos de escolas publicas têm
transtorno da aprendizagem, dos quais 80% desses teriam dislexia (ou seja, de 4 a 4,85 dessa
população). Outros estudos falam que cerca de 205 da população pode ter “algum grau de dislexia”.
- Toro (1999), na Espanha, estima que cerca de 5% da população seja disléxica.
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Nessas fontes de referência, muitas vezes não fica explicito se o percentual se refere à
população geral ou estritamente escolar.
Essa dessintonia merece uma reflexão. Seria necessário avolumar o número de disléxicos para
que seja tomada alguma atitude? Afinal, mesmo um transtorno que atinja 15 da população já configura
sua importante dimensão social. Com base nesse percentual, por exemplo, uma escola com 500 alunos
teria a chance de abrigar 5 disléxicos. Isso é relevante e mereceria um trabalho adaptativo às
necessidades desses alunos. Agora, se forem considerados os dados que indicam que 15%, na mesma
escola haveriam 75 disléxicos (conforme características e prognóstico reservado apresentado no Quadro
12.19. Na transposição para todas as escolas brasileiras, haveria, para cada 1 milhão de escolares, 10 mil
disléxicos, o que significa verdadeiramente uma situação catastrófica. Talvez o mais aceitável fosse
considerar os altos percentuais englobando todos os problemas de linguagem e aprendizagem, e nesse
caso, a dislexia provavelmente não atingiria 1% da população escolar.
Guardadas as especificidades de cada patologia, alguns erros inatos do metabolismo são de
prevalência menor do que 1% e já desencadearam uma mobilização capaz de criar uma lei sobre um
teste específico para o recém-nascido, o Teste do Pezinho. Diante do exposto e voltando à realidade das
escolas brasileiras, é possível repensar sobre dados de prevalência da dislexia. Da mesma foram, seria
de grande valia um estudo de base epidemiológica, com instrumentos padronizados na língua
portuguesa, que pudesse clarear o horizonte quantitativo.
Na actualidade, parece haver um consenso na comunidade científica e na prática clínica que as
características a seguir se relacionam à dislexia do desenvolvimento. Portanto:
É um transtorno específico das operações implicadas no reconhecimento das palavras (precisão
e rapidez) que compromete, em maior ou menor grau, a compreensão da leitura. As
habilidades de escrita ortográfica e de produção textual também estão gravemente
comprometidas. Normalmente, segundo Pavlidis (1990), os disléxicos estão atrasados na leitura
e na escrita, com relação a seus pares, em dois anos no mínimo (se a criança tem mais de 10
anos) e em um ano e meio (se tem menos de 10 anos). Esta consideração é importante, pois
condiciona a época do diagnóstico para o final da 2.ª ou início da 3.ª série.
É um problema persistente até a vida adulta (com atenuações), mesmo com tratamento
adequado, o que torna o prognóstico reservado. Os disléxicos podem chegar até à
universidade, mas isso exige um considerável esforço próprio. Margie Bruck (1990), em um
estudo comparativo entre disléxicos universitários e alunos de 6ª série (não disléxicos),
constatou que os disléxicos são mais lentos para ler palavras e pseudopalavas, beneficiando-se
mais do contexto ao ler, enquanto os alunos de 6ª série evidenciam rapidez igual para leitura
de palavras isoladas e em contexto. Portanto, apesar de um esforço continuado ao longo dos
anos, os disléxicos não automatizam plenamente as operações relacionadas ao
reconhecimento de palavras, empregando mais tempo e energia em tarefas de leitura, ou seja,
os leitores hábeis automatizam o reconhecimento de palavras, e os disléxicos, não.
Afecta um subconjunto, claramente minoritário, dos alunos com problemas na aprendizagem
da leitura e da escrita.
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Está presente desde os primeiros anos de escolaridade. Nos casos em que surgir mais tarde e
em decorrência de uma lesão cerebral, configura-se uma dislexia adquirida.
É um distúrbio com evidências genéticas que surge por estar associado a difernças funcionais
no hemisfério esquerdo.
- Um projecto realizado na Universidade de Colorado estudou a incidência de problemas de
leitura em gémeos monozigóticos e gémeos dizigóticos, justificando a existência de uma
influência genética nas habilidades implicadas no reconhecimento de palavras (Rack; Olson,
1993). Em outras investigações, cuja população estudada foi a de famílias com importante
número de disléxicos, os resultados encontrados definiram dois marcadores: no cromossoma
15 (Smith e tal., 1993) e no cromossoma 6 (Cardo e tal., 1994). Segundo Grigorenko e
colaboradores (1997), o fenótipo de dislexia que está ligada inabilidade para a leitura global da
palavra (uso da rota lexical) se relacionaria com a alteração do cromossoma 15, enquanto a
disfunção fonológica estaria ligada ao cromossoma 6. Outro importante pesquisador da
neurogenética, Galaburda (1999), em seus estudos de anatomia, demonstrou uma simetria no
plano temporal como suporte anatómico da dislexia.
É diagnosticada em indivíduos com capacidade intelectual normal. A maioria dos autores
Estabelece o nível acima de 85 na escala de WISC para o diagnóstico da dislexia, uma vez que
um QI dessa cifra poderia determinar as dificuldades nas habilidades nucleares da leitura,
particularmente para a compreensão. Quando a capacidade intelectual for abaixo de 85, as
dificuldades na leitura e escrita são diagnosticadas como dificuldades secundárias.
Ocorre em sujeitos que têm visão e audição normal ou corrigida e que não são portadores de
problemas psíquicos ou neurológicos graves que possam justificar, por si só, as dificuldades
escolares.
Pode estar presente mesmo em indivíduos que tiveram escolarização adequada, ou seja, não
trocaram de escola (língua materna) mais de duas vezes nos três primeiros anos escolares e não
faltaram mais de 10% de aulas nessa época, considerando também que estejam submetidos à
metodologia de ensino adequada (Rueda, 2003).
Supõe, como deficit primário, inabilidade do processamento fonológico e da memória.
- O comprometimento da linguagem dos disléxicos é específico do processamento fonológico,
enquanto outros sistemas da linguagem se encontram relativamente intactos. Lembrando que
toda a língua alfabética é fundamentada na relação fonema -grafema, os disléxicos, ao exibirem
representações fonológicas mal especificadas, adoptam um modelo diferente de descodificar
ou representar os atributos falados da palavra. Portanto, essa falta de sensibilidade fonológica
inibe a aprendizagem dos padrões de codificação alfabética subjacentes ao reconhecimento
fluente de palavras.
- Os problemas na representação fonológica têm como consequência a limitação da capacidade
de armazenar informações verbais na memória de curto prazo. Os disléxicos demonstram
deficiência para mapear sequências de fonemas e letras de palavras e dificuldades de
nomeação, ou seja, para encontrar palavras que requerem um acesso rápido a um rótulo verbal
, usando, muitas vezes por tentativa de adivinhação, palavras ligeiramente adequadas.
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Representa, em uma linha de desempenho quantitativo para a leitura, o extremo oposto da
população de hábeis leitores. É importante salientar que os disléxicos não diferem
qualitativamente dos sujeitos normo-leitores,
Requer um tratamento que envolve um processo lento, laborioso com as habilidades nucleares
envolvidas na leitura, conforme sugerem os dados dos estudos longitudinais de sujeitos
reabilitados (Rueda; Sanchez, 1994).
Necessita de um equipa multidisciplinar para seu diagnóstico e tratamento, bem como um
trabalho de apoio com a família e a escola.
- Os profissionais da equipa que trabalha com um disléxico, sejam neurologistas,
fonoaudiólogos, psicopedagogos e/ou psicólogos, devem procurar uma formação específica
nesta área, complementando sólido conhecimento teórico com a prática sobre esse tema.
Tipos de dislexia
Para classificar os tipos de dislexia, é necessário descrever as duas vias independentes
que possibilitam o reconhecimento de uma palavra escrita.
a via léxica, ou directa – na qual se estabelece uma conexão directa entre a forma
visual da palavra, a pronúncia e os significado na memória lexical (como se fosse uma
fotografia da palavra). Ocorre diante palavras familiares;
a via fonológica, indirecta, pré-léxica ou de subpalavras – é um processo de
recodificação fonológica que envolve a aplicação de um conjunto de regras de
conversão letra-som. Ocorre diante de palavras desconhecidas.
A Figura 12.1 apresenta o Modelo Dual, em que se pode observar, de forma objectiva, o percurso
das rotas lexicais.
Palavra escrita Codificação visual Léxico interno
Resposta falada
Recodificação fonológica
(b)(C)
(C)
(a) (a)
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Em princípio, um leitor experiente e fluente deve utilizar independentemente as duas vias. Ao
depender exclusivamente de uma ou de outra, estará sinalizando pouca destreza leitora, o que poderá
ou não fazer parte de um quadro de dislexia.
A partir do Modelo Dual é possível classificar a dislexia em três tipos:
1) Dislexia fonológica (sublexical ou disfonética)- caracterizada por uma dificuldade selectiva para opera
a rota fonológica durante a leitura, apresentando, não obstante, um funcionamento aceitável da rota
lexical; com frequência os problemas residem no conversor fonema-grafema e/ou no momento de
juntar os sons parciais em uma palavra completa. Sendo assim, as dificuldades fundamentais residem na
leitura das palavras não-familiares, sílabas sem sentido ou pseudopalavras, mostrando melhor
desempenho na leitura de palavras já familiarizadas. Subjacente a essa via, encontra-se dificuldade em
tarefas de memória e consciência fonológica. Considerando o grande esforço que fazem para
reconhecer as palavras, portanto, para manter uma informação na memória de trabalho, são obrigados
a repetir os sons para não perdê-los definitivamente. Como consequência, toda essa concentração
despendida no reconhecimento das palavras acarreta em dificuldades de compreensão do que foi lido.
2) Dislexia lexical (de superfície). – As dificuldades residem na operação da rota lexical (preservada ou
relativamente preservada a rota fonológica), afectando fortemente a leitura de palavras irregulares.
Nesses casos, os disléxicos lêem lentamente, vacilando e errando com frequência, pois ficam escravos
da rota fonológica, que é morosa em seu funcionamento. Diante disso, os erros habituais são silabações,
repetições e retificações, e, quando pressionados a ler rapidamente, cometem substituições e
lexicalizações; às vezes situam incorrectamente o acento prosódico das palavras.
3) Dislexia mista. – Nesse caso, os disléxicos apresentam problemas para operar tanto com a rota
fonológica quanto com a lexical. São assim situações mais graves e exigem um esforço ainda maior para
atenuar o comprometimento das vias de acesso ao léxico.
O papel da linguagem na aquisição da leitura e escrita: manifestações linguísticas nas diferentes fases da vida do disléxico.
Vários estudos têm demonstrado a estreita conexão entre a fonologia e o domínio da escrita e
leitura (Ferreiro; Teberosky, 1985: Rego; Buarque,1997; Cielo, 1998; Cupello, 1998; Capovilla 1999;
Menezes, 1999; Capellini; Ciasca, 2000; Meister e tal, 2001; Capellini; Oliveira, 2003). Essa questão
estimula trabalhos que levantem novas indagações e contribuições a respeito dos factores preditivos e
associativos aos problemas de aprendizagem. Ao mesmo tempo, observa-se um número
significativamente pequeno de pesquisas longitudinais com metodologia quantitativa abordando temas
como o desenvolvimento da linguagem oral e escrita, deixando uma lacuna importante na análise do
desenvolvimento humano (França,2003).
Com relação aos aspectos fonológicos da linguagem, a perspectiva realizada por França e
colaboradores (2004) estudou longitudinalmente a relação entre esse aspecto e alterações ortográficas
em uma escola particular da cidade de Porto Alegre. Aos seis anos de idade, 23 crianças da educação
infantil foram avaliadas quanto à aquisição da linguagem oral e divididas em dois grupos: aquisição
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fonológica completa (grupo-controle) e incompleta (grupo casos). No seguimento, aos nove anos de
idade, foram avaliadas quanto à escrita ortográfica (ditado e produção textual). Na comparação dos
resultados, verificou-se diferença estatisticamente significativa na quantidade de erros cometidos na
avaliação da escrita, apontando para a aquisição da linguagem oral como factor preditivo para o
desenvolvimento ortográfico. A Tabela 12.1, apresenta os resultados da comparação por meio de
ditado, o que permite investigar as dificuldades encontradas para escrever palavras eleitas pelo
avaliador.
Já na Tabela 12.2, os grupos foram comparados por meio da avaliação de uma produção textual
dirigida; portanto, os sujeitos usavam seu vocabulário e elegiam livremente as palavras que queriam
escrever, dentro da temática aplicada. Por tratar-se de uma actividade que não restringia o tamanho do
texto, o número de erros de cada criança foi transformado em percentual, considerando a quantidade
total de palavras escritas em sua redacção.
Com esses resultados, França e colaboradores (2004) consideraram que a linguagem é um
continuum, embora não afirmando que o mesmo tipo de alteração fonológica – troca ou omissão –
encontrada na fala se irá repetir exactamente na escrita.
Assim, considerando a dislexia um transtorno linguístico e a sua característica de persistência
dos problemas da infância à vida adulta, é possível que se descrevam manifestações nas diferentes
fases, traçando o caminho (ou descaminho) do desenvolvimento da linguagem. É importante destacar
que a presença dessas características, particularmente na pré-escola e séries iniciais, não determina o
quadro disléxico por si só. Servem, contudo de sinal de alerta para problemas presentes ou futuros no
desenvolvimento da linguagem escrita em geral.
TABELA 12.1ERROS NO DITADO: COMPARAÇÃO ENTRE OS GRUPOS
Erros/ tiposGrupo casos Grupo controle Teste t M-WMédia± dp Mediana Média± dp Mediana P P
Relação fonema-grafema 3,7± 3,0 2,0 1,8± 2,0 1,0 0,035* 0,013*
Regras contextuais 13,3± 5,1 13,0 8,8± 4,7 8,0 0,002* 0,002*
Regras arbitrárias 12,5± 6,1 13,0 8,9± 5,4 9,0 0,028* 0,032*
Total de erros 29,6± 11,6 33,0 19,5± 10,8 18,0 0,002* 0,002**P < 0,05, MW= Teste não-parametrico de Mann-Whitney
Figura 12.1 Representação do Modelo Dual, segundo versão de Jorm e Share (1983). (a) Via directa ou léxica. (b) e (c) via indirecta ou fonológica.
Na educação infantil (0 a 6 anos) observa-se:
certa lentidão no desenvolvimento das habilidades da fala e linguagem expressiva – de modo
geral, atrasando a aquisição dos fonemas e a automatização de uma fala semelhante ao padrão
dos adultos;
dificuldade em tarefas que exijam habilidades fonológicas, tais como dividir uma palavra em
pedaços e brincar com rimas;
dificuldades para conhecer as letras e evocar palavras (vocabulário restrito).
No período escolar observa-se:
desempenho inferior nas tarefas de habilidades fonológicas.
déficits na nomeação rápida;
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dificuldades em aprender a ler e a escrever;
memória verbal de curto de curto prazo deficiente;
dificuldade de aprender sequências comuns (dias da semana, meses do ano):
dificuldades em língua estrangeira;
TABELA 12.2PERCENTUAL DE ERROS NA PRODUÇÃO TEXTAUL: COMPARAÇÃO ENTRE OS GRUPOS
Erros/ tiposGrupo casos Grupo controle Teste t M-WMédia± dp Mediana Média± dp Mediana P P
Relação fonema-grafema 3,8± 4,5 2,0 1,9± 2,7 0,8 0,134 0,174
Regras contextuais 5,9± 3,9 5,6 3,5± 3,8 2,5 0,035* 0,015*
Regras arbitrárias 2,1± 2,4 0,9 1,4± 1,9 0,8 0,269 0,477
Total de erros 12,6± 8,4 9,6 7,8± 7,3 5,9 0,033* 0,033**P < 0,05, MW= Teste não-parametrico de Mann-Whitney
dificuldades na matemática não aparecerão na capacidade de desenvolver o cálculo aritmético,
mas, em alguns casos, durante a tentativa de interpretar o problema lido.
Na fase adulta :
tendência de leitura lenta, embora alguns sejam capazes de ler correctamente;
dificuldade com a ortografia e produção textual;
dificuldade com língua estrangeira.
Avaliação da linguagem escrita do léxico
Inicialmente, tanto o fonoaudiólogo como o psicopedagogo podem avaliar a linguagem escrita do
disléxico, desde que relacionem os conhecimentos de aquisição de leitura, escrita e habilidades
fonológicas (Quadro 12.2). Os seguintes procedimentos são básicos:
Anamnese com pais ou cuidadores
Esse procedimento tem a finalidade sobre de obter sobre a história da criança, verificar se a experiencia
educativa foi normal, descartar problemas auditivos ou visuais, bem como examinar a ocorrência de
problemas semelhantes em familiares. O profissional precisa de estar seguro quanto à experiência
educativa da criança e a sua assistência às classes. Por isso também se justifica a investigação do
contexto educativo e familiar, identificando o que é exigido para a função de ler e escrever, que tipo de
ajuda a criança recebe para realizá-la e em que grau se responsabiliza.
Testes de leitura
A aplicação de um teste de descodificação de sílabas complexas, palavras e pseudopalavras tem a
finalidade de revelar o uso das vias de reconhecimento, a velocidade, a presença de substituições,
omissões, inversões, transposições, adições e ratificações.
A observação da leitura (silenciosa e oral) de textos tem como objectivo a análise de estratégias de
reconhecimento de palavras e de compreensão, velocidade, nível de esforço, tipos de erros, ritmo e
expressão, aproximação texto - olhos, movimento de olhos e cabeça, sentimentos expressos durante e
depois da leitura.
Testes de escrita
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A aplicação de um ditado balanceado e padronizado e um ditado de texto, acompanhado de uma
análise quantitativa e qualitativa dos erros (vacilações, reescritas, sentimentos expressos) propõe-se a
avaliar a escrita. Também se analisa a produção textual para avaliar coerência, coesão, uso de
pontuação, concordância nominal e verbal, ortografia, etc.
Muitas vezes, é útil a análise de uma cópia de texto (máximo 5 minutos) para observar a distância
texto-olhos, porções copiadas, velocidade, tipos de erros, qualidade do grafismo, postura, etc.
Habilidades metafonológicas
Um teste de consciência fonológica que busca particularmente analisar habilidades se síntese,
segmentação, identificação, omissão, acréscimo, transposição de sílabas, fonemas e unidades
intrassilábicas, entre outras.
Outros
Há necessidade de testes referentes a habilidades de seriação, memória, fluência verbal ,
processamento auditivo, bem como uma análise minuciosa do material escolar e das fichas de avaliação,
desde o início da sua vida escolar.
Esse procedimento necessita ser complementado pelas avaliações neurológica, psiconeurológica,
psicodiagnóstica, entre outras, conforme a necessidade (processamento auditivo, ortóptica, etc.).
O resultado dessa exploração, depois de discutido em equipa leva:
1) ao estabelecimento de um ou mais diagnósticos (que poderão ser provisórios, inicialmente);
2) à determinação de prioridades de atendimento;
3) à descrição de estratégias para ler, reconhecer palavras escritas; à descrição do modo de
proceder ante textos e do nível de compreensão;
4) à valoração do contexto e, portanto, da distância entre o que é pedido à criança para fazer e o
que realmente está em condições de realizar com ou sem ajuda;
5) à orientação pontual aos pais e à escola;
6) à possibilidade de reavaliações e mudanças de prioridades.
Quadro 12.2ANÁLISE DA LINGUAGEM ESCRITA
Testes Observar
De leitura
De sílabas, palavras, pseudopalavras.
Uso das duas vias, velocidade, conversor grafema-fonema, substituições, omissões, inversões, transposições, adições, rectificações.
De textos(silenciosa e oral)
Estratégias de compreensão, compensação, uso das duas vias, velocidade, nível de esforço, tipos de erros, ritmo e expressão, aproximação texto-olhos, movimentos de olhos e cabeça, sentimentos expressos antes, durante e depois da leitura, etc.
De escrita
Cópia Distância texto-olhos, porções copiadas, velocidade, tipos de erros, qualidade do grafismo, postura.
Ditado balanceado análise quantitativa e qualitativa dos erros, vacilações, reescritas, sentimentos expressos
Ditado de texto Idem
Produção espontânea ou semidirigida
Clareza e conexão entre as ideias, coesão, uso de pontuação, concordância nominal e verbal, etc
Entrevista Sensações e sentimentos ao ter e escrever, tipo de leitura preferida, competências e dificuldades ao ler e escrever
O disléxico na escola
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Durante o acompanhamento do disléxico, é necessário estabelecer uma sintonia entre todos os que
estão envolvidos com as questões de aprendizagem desse indivíduo. A família deve estar orientada
quanto às dimensões que envolvem o problema para poder melhor estabelecer o trânsito de
informações com o(s) especialista(s) e com a escola. Segundo Sanchez (1996), a formação dessa rede é
indispensável para avaliar os progressos, os pontos de dificuldades, os tropeços e a necessidade de
mudança de estratégias.
Considerando que é no ambiente escolar que as dificuldades aparecem de forma crucial, que as
condições intelectuais estão preservadas no disléxico e que não há cura plena para esse transtorno, uma
das tarefas mais importantes do psicopedadogo ou do fonoaudiólogo é garantir uma série de
adaptações pedagógicas na escola. O disléxico deve progredir na escolaridade, independentemente de
suas dificuldades em leitura e escrita. Deve estar muito claro que o problema não é devido à falta de
motivação ou à preguiça.
A seguir recomenda-se uma série de normas que poderão ser individualizadas para cada caso com o
objectivo de optimizar o rendimento e, ao mesmo tempo, tentar evitar problemas de frustração e baixa
auto-estima, muito frequentes nos disléxicos. Essas normas foram elaboradas com base em Artigas
(1999) e Schawytz (2006).
1) Atitudes
Dar a entender ao disléxico que o seu problema é conhecido e que será feito o possível para ajudá-lo.
Dar-lhe uma atenção especial e encorajá-lo a perguntar em caso de alguma dúvida. Para tanto seria
recomendável que o disléxico se sentasse perto do professor para facilitar a ajuda.
Comprovar sempre que o material oferecido para ler é apropriado para o seu nível leitor, não
pretendendo que alcance um nível leitor igual ao dos colegas.
Destacar sempre os aspectos positivos em seus trabalhos e não fazê-lo repetir um trabalho escrito
pelo facto de tê-lo feito mal.
Evitar que tenha que ler em público. Em situações em que isso é absolutamente necessário,
oportunizar que ele prepare a leitura em casa.
Aceitar que se distraia com maior facilidade que os demais, posto que a leitura lhe exige um
superesforço.
Nunca ridicularizá-lo.
2) Proposta de acção pedagógica
Ensinar a resumir anotações que sintetizem o conteúdo de uma explicação.
Permitir o uso de meios informáticos e de corretores.
Permitir, se necessário, o uso de calculadora e de gravador. Particularmente no ensino superior, o
disléxico é beneficiado ao gravar as aulas já que tem dificuldade para ouvir e escrever ao mesmo
tempo. A fita gravada lhe garantirá tranquilidade no momento de participar da aula e, ao mesmo
tempo, possibilitará ouvi-la diversas em casa para aprender, melhor o conteúdo.
Usar materiais que permitem visualizações (figuras, gráficos, ilustrações) para acompanhar o texto
impresso.
Evitar, sempre que possível, a cópia de textos longos do quadro de giz, dando-lhe uma fotocópia.
Diminuir os deveres de casa envolvendo a leitura e escrita.
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3) Aprendizagem de línguas estrangeiras
Considerando o esforço que os disléxicos fazem para dominar a fonologia de sua língua materna desde o
nascimento, é difícil também que eles dominem uma nova língua. Shaywitz (2006) sugere que, em caso
de muita dificuldade, seja requerida isenção de língua estrangeira, substituindo essa disciplina pela
elaboração de projectos independentes sobre conhecimentos relativos à cultura do país em que falam
esta língua.
4) Avaliação escolar
Realizar, sempre que possível, avaliações orais – conduta válida em todos os níveis de ensino,
particularmente no ensino superior.
Prever tempo extra como recurso obrigatório, não opcional, pois a capacidade de aprender do
disléxico está intacta e ele simplesmente precisa de tempo para acessá-la. Como o disléxico não
automatizou a leitura, terá que ler pausadamente, com muito esforço, e se apoiar nas suas habilidades
mais altas de pensamento. Ele precisa utilizar o contexto para entender o significado da palavra, um
caminho mais longo e indirecto e que requer um tempo extra.
Evitar a utilização de testes de múltipla escolha que, pelo facto de descontextualizarem as informações
e reduzirem o tempo de execução, tornam-se muito difíceis para o disléxico. Esses testes não são
indicadores do conhecimento adquirido por ele.
Valorizar sempre os trabalhos pelo seu conteúdo e não pelos erros de escrita.
Oportunizar um local tranquilo ou sala individual para fazer testes ou avaliações para que o disléxico
possa focar a sua atenção na tarefa que tem para realizar. Qualquer barulho ou distracção atrapalhará
a leitura, fazendo com que ele mude a atenção da leitura, o que interfere na performance no teste.
Estudos de caso
Com a finalidade de ilustrar os aspectos teóricos discorridos, seguem-se dois casos clínicos que
exemplificam a complexidade do estudo e o manejo das situações decorrentes da dislexia.
Caso 1: CRIANÇA
Daise foi encaminhada por uma psicóloga que avaliou a menina e suspeitou que tivesse dislexia pelas
dificuldades enfrentadas na alfabetização. A testagem psicológica (WISC) evidenciou condições
intelectuais adequadas. Depois de encaminhada à neuropediatria que encontrou “quadro compatível
com dislexia”, foi sugerida avaliação de linguagem escrita para confirmação do diagnóstico.
Conforme seu histórico escolar, Daise cursou a 1.ª série em 1993 e passou para a 2.ª com a
expectativa da família e da escola de que faltasse pouco para sedimentar a entrada no processo
alfabético. Teve aulas de reforço na escola mas foi reprovada ao final do ano. Durante o ano em que
repetia a 2.ª série, iniciou um tratamento psicopedagógico de orientação psicológica a fim de atenuar
sobre possíveis bloqueios que impediam o progresso escolar, conforme relatou a especialista. Ao final
do ano, Daise estava ameaçada de ser reprovada novamente e a mãe conseguiu, invocando uma lei, que
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ela fizesse provas em Março/96. Por essa razão, na mesma época, foi encaminhada para nova avaliação
para decidir, de facto, se ela repetiria a 2.ª série ou iria para a 3.ª.
Dos dados de anamnese, os mais significativos foram a história gestacional não-planejada, a
presença de muitas dores e a exigência de repouso; nasceu de parto demorado, mas obteve apgar 9;
custou a adaptar-se ao leite e utilizou o bico e mamadeira até aos cinco anos; tinha alterações do sono:
pesadelos e solilóquio. Na família, a mãe teve dificuldades de fala, o pai trocava sonoras por surdas na
escrita, e o irmão de 13 anos teve dificuldades de aprendizagem e foi reprovado na 1.ª, 3.ª e 5ª séries. A
síntese da avaliação da linguagem escrita demonstrou dificuldades significativas na evocação do nome e
do som das letras e, consequentemente, na descodificação de sílabas, palavras e pseudopalavras. Por
exemplo: na leitura de texto, na tentativa de reconhecer a palavra CUIDADO, verbalizou “su-i-do-da-do”,
para SOZINHO, “ co-ze-i-lho”. Essa descodificação, pela via fonológica e com erros de conversor fonema-
grafema, impedia o acesso ao léxico e a interpretação do texto. Dentre as avaliações de escrita, foi
apresentada a proposta de escrever a partir do livro ilustrado “A casa mal-assombrada”. Uma cópia da
sua produção escrita é apresentada na Figura 12.2.
Figura 12.2 Escrita espontânea de Daise a partir do livro “A casa mal-assombrada”
Merece destaque o modo como Daise escreveu a última frase, demonstrando seu cansaço na tarefa
de associar fonema-grafema e impedindo ao leitor identificar sua produção.
A equipe de especialistas, constituído por psicóloga, neurologista e psicopedagoga, estabeleceu,
então, o diagnóstico de transtorno grave da leitura e escrita (ou dislexia) do tipo misto, considerando-se
a sua evolução, bem como os critérios expressos pela CID-10:
grau clinicamente significativo de comprometimento nas habilidades escolares de leitura e
escrita bastante abaixo do esperado para uma criança de mesma idade, nível mental e
escolarização;
comprometimento desde os primeiros anos de escolaridade;
problemas persistentes sem evolução significativa, apesar de um trabalho refoprçado
pedagógico e tratamento psicopedagógico;
inteligência, medida pelo WISC, com a pontuação de 98 (nível médio);
1
presença de antecedentes familiares com dificuldades escolares;
dificuldades que não sejam decorrentes de uma falta de oportunidade de aprender, de
descontinuidades educacionais (resultantes de mudanças de/na escola), de qualquer forma
de traumatismo de doença cerebral adquirida ou de comprometimentos na inteligência
global, bem como de comprometimentos visuais ou auditivas não-corrigidos.
O ano de 1996 foi marcado por um novo tratamento psicopedagógico e a troca de escola (de
carácter mais inclusivo), onde frequentou uma classe intermediária. Ao final do ano foi aprovada para a
3.ª série regular. A partir de 1997, houve progresso académico apesar da persistência das dificuldades
de leitura e escrita. Periodicamente era reavaliada, e as escolas por onde passou receberam
informações a respeito da dislexia e sobre o manejo da situação.
A Tabela 12.3 ilustra a evolução de seu perfil ortográfico e constata a persistência do
problema (embora com atenuações), o que caracteriza o portador de dislexia. Daise foi
reavaliada ao final do ano de 96, em Março de 1999 e em Julho de 2002.
TABELA 12.3DADOS COMPARATIVOS DAS FALHAS ORTOGRÁFICAS DE DAISE EVIDENCIADAS EM DITADO BALANCEADO DE MOOJEN -1996 A 2002
Março/1996 Dezembro/1996 Março/1999 Julho/2002
CONVERSOR FONEMA/GRAFEMA
Surda/sonora
Substituição aleatória
Inversão
Transposição
Omissão
Adição
80
1
11
0
5
63
0
9
2
0
0
1
4
2
6
0
4
0
0
1
1
0
0
0
0
0
0
0
REGRAS CONTEXTUAIS
r/rr; c/qu; g/gu; m/n
Transcrição da fala
Nasalização
Acentuação
18
3
2
8
5
30
6
5
11
8
16
5
1
2
8
18
3
2
4
9
REGRAS ARBITRÁRIAS
H J/g 1, li/lh
[X]
[S]
16
5
3
8
29
4
10
15
20
3
7
10
18
1
5
12
TOTAL DE FALHAS 114 68 42 36
Houve um progresso no desempenho ortográfico de Março a Dezembro de 1996. De 114 erros,
progrediu para 68. Em Março de 1999, fez 42 erros e em Julho de 2002, 36. Nessa ocasião, estava na 5.ª
série e ainda estava desfasada, uma vez que para esse instrumento a média esperada é de 16
erros e o desvio-padrão (DP) é de 13 erros. Sendo assim, Daise se encontrava a mais de um
DP da média para a 5.ª série. Com a orientação sempre dada às escolas que frequentou, ela
pode avançar no rendimento académico, apesar dos problemas para ler e escrever, sem baixar
a auto-estima e sem perder a vontade de aprender. Segue transcrição do depoimento escrito
recentemente.
Minha história escolar
Quando tinha 6 anos, enterei na primeira sere, mesintir mal. Porque meus colegas sabião, ler e escrever e eu não. A profesora me pasou, fiquei felis mas não sabia ler nem escrever.
1
Sigundasere la foi rum rodei pela primeira vês e nova mente rodei soque ai fui para outro colejio chamado… fis CI uma clase especia para otipo de problema que eu tina e otros tipos de problemas mas o meu era deslequicia.Do CI pasei para a terseira sere gostei de fazer a terceira sere.Depoi a quarta sere e umpoco mas complicado mas foi bom também porque quando tinha duvidas perguntava e sempre me explicarão. Quinta sere foi bom cadaves aprendendo adorei terleito a quita sere.Sesta sere Mais matérias mais coisas para aprender e cadaves mai gostado de aprender.Sai do… e fui para o … fis supletivo pasci so que tive que prestar bastante a tensão porque estava fasendo na metade do ano dua seres sétima e oitava.Pasei para a escola… e fis na outra metade o primeiro ano do sigundo grau.E agora estou terminando a outra metade do segundo grau foi bom terpasado por todas as seres e espero continua gostando e aprendendo cadaves mais (sic).
Caso 2: ADULTO
Mário, 24 anos, cursando História em uma universidade do interior do Rio Grande do Sul, procurou
avaliação psicopedagógica em Junho de 2004, por suspeita de dislexia. Está fazendo disciplinas do
mestrado de Educação como aluno especial e expressa receio em fazer a prova escrita de acesso ao
curso.
Seu histórico é típico do quadro disléxico: achava-se “burro”, não entendendo como tinha que fazer
mais esforço que os demais para estudar.
Como é hábil na linguagem oral, conseguia “enrolar” os professores. Participava dos grupos de
estudo muito bem oralmente, apresentava trabalhos orais, mas evitava escrever.
Na avaliação da linguagem escrita, foi considerado:
dificuldade na descodificação de sílabas complexas – 11% de falhas (4% seria o esperado
para a 2.ª série, envolvendo substituições aleatórias e trocas de sonora-surda;
Dificuldade para descodificar palavras e pseudopalavaras: 8% de falhas. Chama a atenção a
dificuldade para descodificar a palavra “barulho” (buraco/baralho);
Leitura oral vacilante, inexpressiva, sem ritmo e com substituição de palavras
(egípcio/persa; espera/esperança; experiência/experimento, entre outras). Velocidade lenta
(média de 87 palavras por minuto), mas interpretação em muito bom nível.
Frequência significativa de erros ortográficos em ditado para adultos: 28 (média esperada
para o 3.º ano do 2.º grau: 7). Chamam a atenção erros primitivos como quimax/ clímax,
susuros, auparadágima, nessecidade, comfequição, cruucifiquiço;
Produção textual com falhas na estruturação do texto, além dos erros ortográficos
significativos.
O texto está transcrito a seguir:
No ano de 2001 prestei vestibular para o curço de relações publicas na iniversidade de …
passei e comecei a cruçar trez cadeiras na outra metade passei para o curço de História e deste
momento em diante passei a curçar 11 cadeiras para poder tirar o atrazo dos anos que na
frequentei a escola porque fiquei quatro anos parado em casa que morava em … com meus pais.
Fiz o meu curso em e meio ou melhor 3 anos meio tive que esperar devido ao tempo
1
mínimo ezigído pelo meque.
No 3º semestre fiz 9 cadeiras, onde uma delas era a monografia. Tive que trancar devido
que não conseguia a escrever o que propunha ao professor no 4º semestre fiz denovo e mais
uma vez tive que trancar agora estou tentando de novo o professor num dia dise para eu
procurar a professora T, porque achava que eu era Dislequiso eu fui mas ela não pode me
ajuadar muito fez o que era possível ao alcance.
Os dados da avaliação, bem como a análise da história escolar pregressa e das condições
adequadas de inteligência do jovem, permitem diagnosticar um quadro de transtorno grave da
aprendizagem da leitura e escrita (dislexia) do tipo misto.
Mário tem plenas condições de prosseguir seus estudos académicos, desde que a universidade
seja sensível às suas dificuldades e permita condições especiais como não ter seus erros ortográficos
considerados e ser avaliado, preferencialmente, em arguição oral.
Considerações finais
Por certo, muito ainda deve ser investigado, particularmente nas questões neurológicas pertinentes
à dislexia. Além disso, a escola tem de entender melhor o quadro e organizar adaptações que façam
justiça às necessidades do disléxico, não o discriminando e promovendo sua auto-estima.
Ao analisar as políticas de educação, os disléxicos acabam se enquadrando no que a Lei de
Directrizes e Bases da Educação Nacional descreve como portadores de necessidades especiais. Não
obstante, sua situação requer pareceres específicos com o intuito de justificar recursos materiais e
humanos para implementar uma inclusão escolar eficaz. Também devem ser incrementados recursos
tecnológicos que possam auxiliar no desempenho da leitura e escrita por meio do incentivo ao
desenvolvimento de pesquisas na área.
Os casos aqui apresentados são evidência de que muitos disléxicos não perdem a vontade de
aprender e, por isso mesmo, estão entrando nas universidades, embora com enorme esforço pessoal.
Estará o ensino superior preparado para receber essa clientela?
Há um reconhecimento da sociedade de que a leitura e a escrita são habilidades importantes para o
sucesso profissional. Entretanto, portadores de dislexia poderão desenvolver outras habilidades e terem
sucesso profissional e social, sobretudo se forem diagnosticados precocemente e receberem orientação
adequada.
BIBLIOGRAFIA SELECCIONADA
…