INSTITUTO OSWALDO CRUZ
MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO EM BIOCINCIAS E
SADE
LDA GLICRIO MENDONA
USO DE CINEMA E TEATRO: DESENVOLVIMENTO
DE ROTEIROS DE ESTRATGIAS DE ENSINO
DE BOAS PRTICAS DE FABRICAO NA
GRADUAO EM QUMICA
Dissertao apresentada ao Instituto Oswaldo Cruz
como parte dos requisitos para obteno do ttulo de
Mestre em Ensino em Biocincias e Sade
Orientadores:
Prof. Dr. Sidnei Quezada Meireles Leite, D.Sc.
Profa. Dr.Lcia Rodriguez de La Rocque, D.Sc.
RIO DE JANEIRO
2010
ii
iii
LDA GLICRIO MENDONA
USO DE CINEMA E TEATRO: DESENVOLVIMENTO
DE ROTEIROS DE ESTRATGIAS DE ENSINO
DE BOAS PRTICAS DE FABRICAO NA
GRADUAO EM QUMICA
Dissertao apresentada ao Instituto Oswaldo Cruz
como parte dos requisitos para obteno do ttulo de
Mestre em Ensino em Biocincias e Sade
Orientadores:
Prof. Dr. Sidnei Quezada Meireles Leite
Prof. Dr. Lcia Rodriguez de La Rocque
rea de Concentrao:
Ensino Formal em Biocincias e Sade
Linha de Pesquisa:
Estratgias de Ensino e Aprendizagem em Biocincias e Sade
Aprovada em: _____/_____/_____
EXAMINADORES:
Prof. Dr. Nome - Presidente: Tnia Cremonini de Arajo-Jorge, D.Sc
___________________________________________________________
Prof. Dr. Nome: Giselle Ras de Souza Fonseca, D.Sc
___________________________________________________________
Prof. Dr. Nome: Rodrigo Siqueira-Batista, D.Sc
___________________________________________________________
Rio de Janeiro, 05 de Julho de 2010
iv
Dedicatria:
Dedico o meu trabalho aos meus alunos de ontem, de hoje, de
amanh, de sempre: sem vocs no haveria motivo de
pesquisar....
v
AGRADECIMENTOS:
Ao meu marido Jlio, minhas filhas Ana Jlia e Renata e meus
pais Fabiano e Cludia por compreenderem o meu
distanciamento por tanto tempo. s minhas colegas de
mestrado profissional, turma 2007: Juliana Diniz, Raquel
Aguiar, Renata Dmpel, Rosangela Rosa, companheiras de
amor e dor nos ltimos tempos. minha sogra Luzia, mulher
de poucas letras e rara inteligncia, que me substituiu
silenciosamente nos afazeres domsticos todas as vezes que
precisei escrever.
minha colega de trabalho Cludia de Souza Teixeira, com
quem reaprendi a nova forma da lngua verncula.
Aos meus orientadores Sidnei e Lcia que me mostraram o
caminho.
vi
Um professor que mantm vivo a curiosidade, que gosta de
estudar, investigar imagens para a sua prtica na sala de aula
e levar seus alunos ao encontro com a linguagem da arte sem
forar uma construo no sentido do sentido correto ou nico,
veste sandlias de professor-pesquisador, envolvendo com a
mais fina ateno sua pele pedaggica, dando sustentao
para pisar em terras desconhecidas. No lida com as certezas
e com os reducionismos simplistas, mas com a compreenso e
a articulao da complexidade (Martins e Picosque, 2006:54).
vii
INSTITUTO OSWALDO CRUZ
MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO EM BIOCINCIAS E
SADE
RESUMO
Julho, 2010
Lda Glicrio Mendona
O objetivo desse trabalho foi desenvolver e avaliar estratgias de ensino baseadas
em arte, tais como o cinema e o teatro, para lecionar Boas Prticas de Fabricao
aos alunos de graduao tecnolgica em Qumica para a construo de
roteiros aplicativos. Como meio de veiculao inicial foi utilizado um blog. Para
embasar a discusso, procurou-se correlacionar as prticas pedaggicas propostas
com Teoria da Aprendizagem Significativa (TAS), com a teoria da Arte-educao
(Mdia-educao para o uso do cinema de animao) e a teoria do Teatro-
educao, com a abordagem de teatro pedaggico (drama como mtodo de ensino).
O estudo lanou mo de questionrios e relatos escritos como instrumentos de
coleta de dados analisados luz do referencial do Discurso do Sujeito Coletivo
(DSC). Os resultados apontaram que os alunos que experimentaram as estratgias
de ensino propostas apresentaram mais facilidade em compreender os contedos
abordados do que aqueles que assistiram somente aulas convencionais. Os dois
grupos de alunos observados e os professores que postaram comentrios no blog
concordaram que essas prticas pedaggicas tm um potencial aproximador e
faciltador.
Palavras-chave: estratgias de ensino, cincia e arte, aprendizagem significativa,
boas prticas de fabricao, arte-educao.
viii
INSTITUTO OSWALDO CRUZ
MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO EM BIOCINCIAS E
SADE
ABSTRACT
July, 2010
Lda Glicrio Mendona
This study had as objective to develop and evaluate pedagogical practices based on
art such as cinema and theater, to teach Good Manufacturing Practices in
technological graduate to prepare application guides. One blog was used as a first
media for this propose. To improve this comprehension, the Meaningful Learning
Theory, the art-education Theory (Media-education to use of the animation film) and
education-theater, with the approach of pedagogical theater (drama as a teach
method) was used here as bibliographic reference. The research made use of
questionnaires and written reports as tools for data collection. The Collective Subject
Discourse (CSD) was used for this analysis. The results appointed that students
whom experimented this propose have more facility to understand the contents than
the other that only received classic classes. All students and the teacher whose post
comments in blog agree to consider these pedagogical practices may approximate
and facilitate the content comprehension.
Keywords: pedagogical practices, science and art, meaningful learning theory,
good manufacturing procedures, art-education.
ix
SUMRIO
INTRODUO 1
1. FUNDAMENTOS TERICOS 8
1.1 . A evoluo das Boas Prticas de Fabricao 8
1.2 Estratgias de ensino que se fundamentam em artes 13
1.3 Um pouco das teorias de aprendizagem cognitivas um parntese necessrio 16
1.4 Porqu cinema? Porqu desenho animado? 22
1.4.1. O cinema de animao, um breve histrico 26
1.4.2. Como caminhou o cinema na prxis educativa 30
1.5 Porqu Teatro? 32
1.5.1. Quando surgiu o teatro como expresso artstica? 36
1.5.2. O papel do teatro como estratgia de ensino 38
1.5.3. Quem usa? Algumas aplicaes do Teatro no
ensino 38
1.6 Ferramentas virtuais para a propagao do
conhecimento. 40
2. METODOLOGIA 43
2.1. O estudo 43
2.2. O local de trabalho 43
2.3. Sujeitos 43
2.4. Coleta de dados 44
2.5. Anlise dos dados 45
2.6. Limites do trabalho 46
2.7. Aplicao das estratgias de ensino 46
2.7.1. Cinema de animao na graduao 46
2.7.2. Teatro no ensino 49
2.8. Construo do Blog Recriar estratgias de ensino 50
x
3. RESULTADOS E DISCUSSO 52
3.1 Alunos em ao: uma observao mais prxima da sala
de aula 60
3.1.1 O desenho animado em sala de aula 60
3.1.2 O teatro em sala de aula 66
3.1.3 Anlise das estratgias de ensino 73
3.1.4 Percepo dos alunos 91
3.1.5 O Blog e a divulgao do trabalho: opinio dos
pares 99
4. CONSIDERAES FINAIS: EM BUSCA DO ENTENDIMENTO 103
REFERNCIAS 106
FILMES REFERENCIADOS 119
ANEXOS 120
ANEXO I TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO 121
ANEXO II: QUESTIONRIO 01 122
ANEXO III: QUESTIONRIO 02 123
ANEXO IV: ROTEIRO APLICATIVO POSTADO NO BLOG
Como usar teatro para auxiliar o ensino de Boas Prticas de Fabricao e Legislao 126
ANEXO V: ROTEIRO APLICATIVO POSTADO NO BLOG
Como usar o desenho animado para auxiliar o ensino de Boas Prticas de Fabricao e
Legislao 129
ANEXO VI: INSTRUMENTO DA ANLISE DO DISCURSO DOS
ALUNOS 132
ANEXO VII: INSTRUMENTO DA ANLISE DO DISCURSO DO
BLOG 139
ANEXO VIII - PRODUO ACADMICA REALIZADA AO
LONGO DO MESTRADO PROFISSIONAL. 141
xi
SUMRIO DE FIGURAS
Figura 1.1. Mapa conceitual para a aprendizagem significativa 18
Figura 1.2. Percurso de construo do conhecimento atravs das mdias
(Traduo da autora). 24
Figura 1.3 Lanterna Mgica de Athanasius Kircher 27
Figura 1.4. Fenacistoscpio de Joseph Plateau 28
Figura 1.5 Praxinoscpio de mile Reynaud 29
Figura 1.6. Desenho tcnico do relatrio da Patente concedida para o
cinematgrafo Lumire 30
Figura 2.1. Aparncia inicial do blog Recriar Estratgias de Ensino. 51
Figura 3.1. Cena de treinamento de novo funcionrio do setor de sustos da
fbrica Monstros S.A. Fonte: Filme Monstros S.A (Pixar Estdios, 2001) 64
Figura 3.2. Monstros se alimentando dentro da fbrica. Fonte: Filme Monstros S.A (Pixar Estdios, 2001) 65
Figura 3.3. CIPA ativa na fbrica dos Monstros. Fonte: Filme Monstros S.A (Pixar Estdios, 2001) 66
Figura 3.4. Teatro com atores realizado em sala de aula, como estratgia de
ensino na disciplina de Boas Prticas de Fabricao em 2007 Grupo 1. Evento: Graduao Tecnolgica em Qumica.
Classificao: Estratgia de Ensino. Ano: 2007. Autora: Lda
Glicrio Mendona. A encenao diz respeito aos pr-requisitos
para o cumprimento das Boas Prticas de Fabricao em
Farmcias de Manipulao, RDC 214/2006, ainda vigente naquele
perodo. 68
Figura 3.5. Teatro de fantoches realizado em sala de aula, como estratgia de
ensino na disciplina de Boas Prticas de Fabricao em 2007 Grupo 2. Evento: Graduao Tecnolgica em Qumica.
Classificao: Estratgia de Ensino. Ano: 2007. Autora: Lda
Glicrio Mendona. A encenao diz respeito aos pr-requisitos
para a implantao das Boas Prticas de Fabricao de
Cosmticos, Portaria 348 de 1997. 68
xii
Figura 3.6. Pardia musical realizada em sala de aula, como estratgia de
ensino na disciplina de Boas Prticas de Fabricao em Junho de
2008 Grupo 1. Evento: Graduao Tecnolgica em Qumica. Classificao: Estratgia de Ensino. Ano: 2008. Autora: Lda
Glicrio Mendona. A encenao diz respeito aos pr-requisitos
para a implantao das Boas Prticas de Fabricao de Alimentos,
Portaria 326 de 1997. 69
Figura 3.7. Exibio teatral realizada em sala de aula, como estratgia de
ensino na disciplina de Boas Prticas de Fabricao em Junho de
2008 Grupo 2. Evento: Graduao Tecnolgica em Qumica. Classificao: Estratgia de Ensino. Ano: 2008. Autora: Lda
Glicrio Mendona. A encenao diz respeito a um noticirio de
Jornal que relata a interdio de uma Farmcia de Manipulao
pelo no cumprimento da RDC 67/2007. 70
Figura 3.8. Histria em quadrinhos preparada e apresentada sob a forma de
leitura dramatizada em sala de aula, como estratgia de ensino na
disciplina de Boas Prticas de Fabricao em Junho de 2008 Grupo 3. Evento: Graduao Tecnolgica em Qumica.
Classificao: Estratgia de Ensino. Ano: 2008. Autora: Lda
Glicrio Mendona. O enredo diz respeito a uma alergia causada
por um creme de pele que em sua fabricao no cumpriu os pr-
requisitos das Boas Prticas de Fabricao de Cosmticos,
Portaria 348 de 1997. 70
Figura 3.9. Exibio teatral realizada em sala de aula, como estratgia de
ensino na disciplina de Boas Prticas de Fabricao em Novembro
de 2008 Grupo 1. Evento: Graduao Tecnolgica em Qumica. Classificao: Estratgia de Ensino. Ano: 2008. Autora: Lda
Glicrio Mendona. A encenao diz respeito a um noticirio de
Jornal que relata a interdio de uma Indstria Alimentcia pelo
no cumprimento da Portaria 326 de 1997. 71
Figura 3.10 Exibio de vdeo como estratgia de ensino na disciplina de Boas
Prticas de Fabricao em Junho de 2009 Grupo 1. Evento: Graduao Tecnolgica em Qumica. Classificao: Estratgia de
Ensino. Ano: 2009. Autora: Lda Glicrio Mendona. A encenao
diz respeito a situaes satirizadas, fazendo meno aos itens
especficos da Portaria 326 de 1997 e de sua norma suplementar a
RDC 275 de 2002. 72
xiii
SUMRIO DE GRFICOS
Grfico 3.1. Caracterizao do grupo estudado quanto ao gnero. 52
Grafico 3.2 Caracterizao do grupo estudado quanto idade. 54
Grfico 3.3 Perfil da turma quanto experincia profissional 55
Grfico 3.4 Resultado da questo Voc tem conhecimento de algum conceito de BPF? 56
Grfico 3.5. Resposta questo Qual importncia voc d aos conceitos de Boas Prticas de Fabricao e Legislao para sua formao
tecnolgica? 58
Grfico 3.6 Conceitos fundamentais de BPF percebidos pelos alunos obtidos a
partir do relatrio de inspeo proposta na estratgia de ensino
Anlise do desenho animado 62
Grfico 3.7. Padro de resposta da turma 2-2007 em relao a pergunta
Responda quanto ao grau de dificuldade de assimilao que voc encontrou em cada um destes contedos 77
Grfico 3.8. Anlise global do grau de entendimento em relao aos contedos
da disciplina Boas Prticas de Fabricao e Legislao na turma 2-
2007. 77
Grfico 3.9. Padro de resposta da turma 1-2008 em relao a pergunta
Responda quanto ao grau de dificuldade de assimilao que voc encontrou em cada um destes contedos 78
Grfico 3.10. Anlise global do grau de entendimento em relao aos
contedos da disciplina Boas Prticas de Fabricao e Legislao
na turma 1-2008. 79
Grfico 3.11. Padro de resposta da turma 2-2008 em relao a pergunta
Responda quanto ao grau de dificuldade de assimilao que voc encontrou em cada um destes contedos 80
Grfico 3.12. Anlise global do grau de entendimento em relao aos
contedos da disciplina Boas Prticas de Fabricao e Legislao
na turma 2-2008. 80
Grfico 3.13. Padro de resposta da turma 1-2009 em relao pergunta
Responda quanto ao grau de dificuldade de assimilao que voc encontrou em cada um destes contedos 81
Grfico 3.14. Anlise global do grau de entendimento em relao aos
contedos da disciplina Boas Prticas de Fabricao e Legislao
na turma 1-2009. 82
xiv
Grfico 3.15. Padro de resposta da turma 2-2009 em relao pergunta
Responda quanto ao grau de dificuldade de assimilao que voc encontrou em cada um destes contedos. 83
Grfico 3.16. Anlise global do grau de entendimento em relao aos
contedos da disciplina Boas Prticas de Fabricao e Legislao
na turma 2-2009. 83
Grfico 3.16. Padro de resposta quanto ao grau de dificuldade de
entendimento no assunto Validao de Processo abordado em sala de aula apenas com aulas expositivas. 85
Grfico 3.17. Padro de resposta quanto ao grau de dificuldade de
entendimento no assunto Sistema da Qualidade abordado em sala de aula apenas com aulas expositivas. 87
Grfico 3.18. Padro de resposta quanto ao grau de dificuldade de
entendimento no assunto tica, definies e Conceitos, tica Profissional-Cdigo de tica abordado em sala de aula utilizando cinema 88
Grfico 3.19. Padro de resposta quanto ao grau de dificuldade de
entendimento no assunto Auto inspeo e auditoria da qualidade abordado em sala de aula utilizando cinema 89
Grfico 3.20. Padro de resposta quanto ao grau de dificuldade de
entendimento no assunto tica na pesquisa, Comits de tica na Pesquisa abordado em sala de aula utilizando dramatizao. 90
xv
SUMRIO DE QUADROS E TABELAS
Quadro 2.1. Contedo programtico da disciplina Boas Prticas de Fabricao
e Legislao da grade curricular do curso de graduao de
Tecnologia em Qumica de Produtos Naturais. Distribuio de
temas por dias de aula. 47
Tabela 3.1 Distribuio de acordo com o gnero por turma. 53
Tabela 3.2 Distribuio de acordo com a faixa etria por turma. 54
Tabela 3.3 Resposta a pergunta Quais conceitos de BPF voc conhece? 57
Tabela 3.4 Resposta as questes 5 do questionrio 1 Voc prefere o aprendizado utilizando: 59
Quadro 3.1. Distribuio de temas x modalidades de apresentao dos grupos. 67
Quadro 3.2. Distribuio de estratgias de ensino durante o semestre letivo
pelos temas contemplados na ementa da disciplina Boas Prticas e Legislao 75
Quadro 3.3. Fragmento de relatos dos alunos. Tema: Minha experincia de aprender Boas Prticas de Fabricao com estratgias de ensino
baseadas em artes. 93
xvi
LISTA DE ABREVIAES E SIGLAS
ABNT Agncia Brasileira de Normas Tcnicas
ANVISA Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria
BPF Boas Prticas de Fabricao
CEP Comit de tica na Pesquisa
CES Conselho de Ensino Superior
CIPA Comisso de Preveno de Acidentes
CNE Conselho Nacional de Ensino
CONAMA Conselho Nacional de Meio Ambiente
DSC Discurso do Sujeito Coletivo
EMEA The European Agency for the Evaluation of Medicinal Products
FDA Food and drugs administration
PNIIF Programa Nacional de Inspeo de Indstrias Farmoqumicas e
Farmacuticas.
RDC Resoluo da Diretoria Colegiada
SVS/MS Secretaria de Vigilncia Sanitria/Ministrio da Sade
TAS Teoria da Aprendizagem Significativa
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
1
INTRODUO
Este estudo relata e discute o desenvolvimento, implementao e anlise de
estratgias de ensino que se fundamentam em artes, tais como os usos de cinema
de animao e do teatro para auxiliar o processo de ensino-aprendizagem de um
contedo que, de maneira geral, no possui por si s a capacidade de despertar o
interesse dos alunos. Esse fato culminou na construo de roteiros aplicativos,
produto final desse trabalho, que em um primeiro momento, para efeitos de
divulgao, foram postados em um blog. A motivao para esse trabalho, ento,
emergiu da prpria dificuldade de se encontrar recursos didticos mais efetivos para
lecionar a disciplina de Boas Prticas de Fabricao e Legislao, no Curso
Superior de Graduao Tecnolgica de Qumica de Produtos Naturais, ministrado
no Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia do Rio de Janeiro, campus
Nilpolis, aqui denominado IFRJ.
Para o melhor entendimento do objeto de estudo aqui exposto o perfil do
profissional a ser formado e a importncia da disciplina Boas Prticas e Legislao
em sua formao. De acordo com o Projeto Pedaggico do Curso (Brasil, 2007):
O Tecnlogo em Qumica de Produtos Naturais dever ter
domnio dos procedimentos de rotina em laboratrios e da
utilizao de equipamentos, condies de aplicar conhecimentos
especficos e contribuir para o desenvolvimento de tecnologias
nos campos de atividades socioeconmicas que envolvam as
transformaes da matria, em especial no que diz respeito
utilizao sustentvel da biodiversidade brasileira. Poder
tambm desempenhar funes em pesquisa e desenvolvimento,
controle da qualidade, produo e gesto em empresas pblicas
e privadas dos setores de: produtos naturais, qumica fina,
qumica farmacutica, produtos de higiene e limpeza, perfumaria,
cosmticos, essncias e fragrncias, defensivos agrcolas,
corantes e aditivos para alimentos, dentre outros (p.15).
Desta forma fica claro que o profissional egresso deste curso deve ter
domnio das normas de Boas Prticas de Fabricao (BPF), e das legislaes
sanitrias pertinentes s reas de fitoterpicos, medicamentos, produtos qumicos,
cosmticos e alimentos.
A disciplina Boas Prticas de Fabricao e Legislao apresenta aos
educandos os regulamentos tcnicos de Boas Prticas de Fabricao (BPF) dos
2
segmentos profissionais de competncia do indivduo graduado em Qumica de
Produtos Naturais e as legislaes pertinentes que apiam a atuao desse futuro
profissional. As Boas Prticas de Fabricao (BPF) como um campo do saber,
aborda os procedimentos que garantem a higiene e segurana no ambiente de
trabalho, visando garantia da qualidade do processo de fabricao e manipulao
de medicamentos, alimentos, cosmticos, dentre outros, minimizando as falhas
humanas decorrentes da falta de padronizao. Como a rea de atuao desse
profissional est relacionada com a manufatura de produtos sujeitos ao Controle
Sanitrio (Brasil, 1973) para a salvaguarda da Sade Pblica, esse campo de saber
circunscreve-se como ramo das Cincias da Sade. Dessa forma, a interveno da
autora-professora no processo de ensino-aprendizagem relacionada Disciplina
Boas Prticas de Fabricao e Legislao, contempla as necessidades apontadas
em um Mestrado Profissional de Ensino em Cincias apresentado por Moreira e
Nardi (2009).
Esse contedo normalmente abordado em cursos superiores da rea da
Sade e da Tecnologia, sendo o caso especfico do presente estudo, constituindo-
se em disciplina obrigatria da matriz curricular do curso Superior de Tecnologia em
Qumica de Produtos Naturais. Em geral, os conceitos de BPF e Legislao so
apresentados aos alunos por meio de discusses de legislaes da Agncia
Nacional de Vigilncia Sanitria (ANVISA) e normas de qualidade publicadas pela
Associao Brasileira de Normas Tcnicas (ABNT). Suas bases tericas so
comuns, mesmo quando aplicadas em outras reas de atuao, abrangendo outras
categorias tais como as indstrias qumicas e automotivas.
Dentre as legislaes vigentes, destacam-se:
(a) Portaria SVS/MS n 326, de 30 de julho de 1997, que aprovou o
Regulamento Tcnico de "Condies Higinico-Sanitrias e de Boas Prticas de
Fabricao para Estabelecimentos Produtores/Industrializadores de Alimentos"
(Brasil, 1997a);
(b) Resoluo RDC no
210, de 04 de agosto de 2003, que determinou aos
estabelecimentos fabricantes de medicamentos, o cumprimento das diretrizes
estabelecidas no Regulamento Tcnico das Boas Prticas para a Fabricao de
Medicamentos (Brasil, 2003b);
3
(c) Portaria SVS/MS no
348, de 18 de agosto de 1997, que instituiu o
Certificado de Boas Prticas de Fabricao para as Indstrias Cosmticas (Brasil,
1997b);
(d) Resoluo RDC n 67 de 08 de outubro de 2007, que disps sobre Boas
Prticas de Manipulao de Preparaes Magistrais e Oficinais para Uso Humano
em farmcias (Brasil, 2007);
(e) Resoluo RDC n 204 de 14 de novembro de 2006, que determinou a
todos os estabelecimentos que exeram as atividades de importar, exportar,
distribuir, expedir, armazenar, fracionar e embalar insumos farmacuticos o
cumprimento das diretrizes estabelecidas no Regulamento Tcnico de Boas
Prticas de Distribuio e Fracionamento de Insumos Farmacuticos (Brasil,
2006a).
Por ser o ambiente legal que circunscreve a disciplina de Boas Prticas e
Legislao uma rea to distante da atuao tecnolgica, e o seu ensino
embasado na leitura crtica de normas, procedimentos e leis, os alunos podem no
apresentar interesse suficiente para acompanhar as aulas tericas, sendo
necessrio, portanto, problematizar os objetos de ensino por meio de estratgias
diferenciadas. Essa preocupao, j h algum tempo, presente na rea de Ensino
em Cincias, conforme evidenciado por Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002).
Esses autores apontam que os professores das disciplinas de Cincias da Natureza
e das disciplinas correlatas tem sido cada vez mais forados a repensarem suas
prticas pedaggicas, renovando as formas de contextualizao para motivar o
aluno a ter interesse pelo estudo das cincias, trazendo-o para sala de aula.
Numa pesquisa exploratria realizada pela professora-pesquisadora no
primeiro semestre de 2010 no Banco de Tese da CAPES (Coordenao de
Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior),base de dados que armazena teses
e dissertaes de todos os programas de ps-graduao no Brasil desde o ano de
1987, foram levantadas 6655 ocorrncias relacionadas palavra-chave ensino-
aprendizagem, demonstrando ser um assunto de grande importncia. Por outro
lado, quando o foco da pesquisa foi a correlao das palavras-chave ensino-
aprendizagem e/ou tecnologia, foram encontrados 1056 registros, sendo que a
maior parte dos trabalhos relacionavam-se tecnologia aplicada ao ensino em
4
detrimento aos processos de ensino desenvolvidos especificamente para o ensino
tecnolgico, sendo por isso, este assunto um campo novo a ser estudado.
A respeito das atividades realizadas em sala de aula Tenreiro-Vieira (2004)
props atividades incitativas do uso de capacidades de pensamento crtico.
Segundo a autora, poderiam ser utilizadas atividades tais como simulaes, jogo de
papis, delineamento de investigaes, atividades com uso de computador,
pesquisas de informao em fontes diversificadas e trabalhos de campo, dentre
outras. Apesar de vrios autores considerarem que este tipo de atividades promove
o pensamento crtico dos alunos, (Mortimer, 2002; Carmo, 2003; Santos 2003;
Montenegro et al., 2005; Martins 2008) os professores, de forma geral, no
costumam incluir esse tipo de estratgias em suas recursos didticos.
Alguns autores demonstram a preocupao por incentivar a experimentao
Carvalho e Gil (1993); Carvalho e Gonalves (2000) e Carvalho (2002), realizando
atividades ldicas em suas aulas e registrando estas (em vdeo) para servir como
material de discusso e reflexo coletiva dos processos de ensino e aprendizagem,
concebendo ento a prtica pedaggica cotidiana como objeto de estudo, como
ponto de partida e de chegada de reflexes e aes pautadas na articulao teoria-
prtica.
Nessa perspectiva, defende-se neste trabalho, a idia da utilizao de arte
com o propsito de auxiliar o ensino de um contedo de difcil assimilao e carente
de material didtico desenvolvido e aplicvel ao estudante, como o caso da
disciplina Boas Prticas de Fabricao e Legislao. O encontro com a arte
proporciona uma viso mais questionadora, que pode auxiliar o jovem com suas
escolhas e decises (Mattos, 2006).
A interao entre Cincia e Arte no campo do ensino Tecnolgico tambm foi
relatado por Arajo-Jorge (2004)
Todas essas experincias inserem-se num contexto nacional e
internacional mais amplo e refletem a tendncia geral de reencontro
entre as culturas humansticas e tecnolgicas. Outros exemplos
dessa tendncia so as atividades conduzidas pela Casa de Cincia
da UFRJ, onde espetculos teatrais diversos ocupam o Palco da Cincia, a srie de palestras Qumica para poetas ou Fsica para poetas, que populariza temas de fronteira nessas reas (....) Tambm as atividades conduzidas pela Estao Cincia em So
Paulo, que difunde conceitos de cincia e arte por meio de
5
palestras, cursos, oficinas, encontros, espetculos de dana,
msica, circo e teatro. Internacionalmente, o encontro ArtSci,
realizado anualmente em Nova York, tem apontado tendncias e
influncias mtuas entre cincia e arte, e os movimentos artsticos
inspirados na cincia biomdica recente, como Bio-art, Bioiluminescense, Lux ou Geneart tem surgido (p.30)
As experincias relatadas acima encorajam a iniciativa de conjugar cincia e
arte em benefcio do processo ensino-aprendizagem no ambiente do ensino
tecnolgico.
O presente trabalho tem como pressuposto que a maior parte das aulas de
BPF e Legislao so oferecidas sob a forma de aula expositiva simples e leituras
dos textos legais, ou seja, sem o uso de nenhum recurso didtico diferenciado. Por
isso, o processo ensino-aprendizagem pode ser desgastante e pouco rentvel,
levando a um desinteresse e apatia por parte dos alunos, por consistir, a princpio,
de um contedo distante de seu dia-a-dia. Esta afirmao deve-se a observaes
particulares feitas pela autora-professora durante sua formao de ensino mdio-
tcnico e de graduao e, na atuao profissional de 15 anos de trabalho na
Indstria Alimentcia, Cosmtica e de Medicamentos.
Quando o profissional chega ao mundo do trabalho, de maneira geral, no
apresenta o conhecimento e o amadurecimento suficiente para desempenhar suas
atividades. Ao se deparar com uma situao que est claramente descrita em
Regulamentos Tcnicos ou Resolues, mesmo que esse contedo tenha sido
oferecido em sua formao acadmica, frequentemente no sabe como agir. Dessa
forma, a sada mais comum buscar cursos de atualizao e capacitao
extracurriculares. Partindo dessa percepo, espera-se que o uso das estratgias
de ensino fundamentadas em arte assuma um potencial aproximador e torne as
aulas mais atrativas, implicando na melhoria do processo de aprendizagem dos
contedos de BPF relacionados rea de Tecnologia em Qumica de Produtos
Naturais. Espera-se, tambm, que o emprego dessas prticas colabore para melhor
contextualizao dos contedos, assumindo uma funo facilitadora e possa
contribuir para a formao do aluno mais consciente de seus direitos e deveres.
Desta forma, o objetivo principal do presente trabalho propor roteiros de
aplicao de estratgias de ensino baseadas em arte, tais como o uso de cinema e
do teatro, para lecionar Boas Prticas de Fabricao e Legislao aos alunos de
6
graduao tecnolgica. Para embasar a discusso, procurou-se correlacionar a
Teoria da Aprendizagem Significativa (TAS) como referencial norteador das prticas
pedaggicas aqui expostas.
Os objetivos especficos desse trabalho so:
1. Desenvolver estratgias de ensino baseadas em artes (uso de cinema de
animao e de teatro);
2. Implementar as estratgias de ensino;
3. Avaliar as estratgias de ensino (coletar e analisar os dados obtidos com os
alunos);
4. Preparar os roteiros aplicativos do uso das estratgias de ensino;
5. Divulgar os roteiros aplicativos, em princpio, por meio de postagens em um
blog.
Para embasar a discusso, procurou-se correlacionar a Teoria da
Aprendizagem Significativa (TAS) como referencial norteador das prticas
pedaggicas aqui expostas, j que o pblico alvo foi configurado por indivduos com
idades entre 19 a 25 anos, que trazem consigo conhecimentos prvios.
Portanto, trata-se de um estudo com abordagem qualitativa, apoiada em
observaes e dados coletados ao longo do trabalho com os sujeitos envolvidos. Os
sujeitos estudados foram 70 alunos regularmente matriculados no Instituto Federal
de Educao, Cincia e Tecnologia do Rio de Janeiro, cursando a disciplina de
Boas Prticas de Fabricao e Legislao do curso superior de Tecnologia em
Qumica de Produtos Naturais. Os discentes tinham idades que variavam entre 19 a
25 anos, embora a maior parte deles estivesse entre 20 e 22 anos. A anlise de
dados foi centrada em 5 perodos letivos sequenciais, de agosto de 2007 a
dezembro de 2009. Cada perodo letivo contava com uma nica turma.
Os temas aqui abordados esto distribudos da seguinte maneira: o captulo
1 retrata os fundamentos que norteiam as discusses desenvolvidas ao longo do
trabalho, sendo enfatizados os seguintes pontos: Boas Prticas de Fabricao e
Legislao, o histrico das principais normas; estratgias de ensino que se
fundamentam em artes, detalhando logo em seguida, de maneira mais especfica o
uso do cinema, e do teatro. A Teoria de Aprendizagem Significativa (TAS),
selecionada como referencial terico que subsidia a prtica, tambm
7
contemplada, bem como o papel da informtica na educao e a utilizao de
ferramentas da internet (Blog) como um primeiro meio de veiculao dos roteiros
aplicativos aqui apresentados. No captulo 2 apresentada a metodologia
empregada para o desenvolvimento, implementao e anlise das estratgias de
ensino e a preparao dos roteiros aplicativos e do blog. J no captulo 3, esto
apresentados os resultados obtidos ao longo do estudo e a discusso focalizando
os seguintes pontos: anlise das estratgias de ensino que se apropriaram da
utilizao dos recursos didticos fundamentados em artes (cinema de animao e
teatro), e as percepes de alunos e professores sobre as atividades propostas.
Finalmente, o captulo 4 apresenta a concluso do trabalho.
8
1. FUNDAMENTOS TERICOS
1.1 . A EVOLUO DAS BOAS PRTICAS DE FABRICAO
Algumas intercorrncias histricas no ramo da Indstria Qumica Farmacutica
tiveram grande impacto na Sade Pblica, o que forou uma mobilizao de rgos
governamentais de Sade em vrios pases a tomarem providncias legais para
controlar e padronizar processos de fabricao. So descritos a seguir acidentes
relevantes nessa rea:
(1) nos Estados Unidos em 1937, uma troca de solventes acidental na fabricao
de Elixir de Sulfanilamida intoxicou e matou 137 pessoas (Said, 2004);
(2) em 1957, ainda nos Estados Unidos, um procedimento de limpeza
inadequado em um equipamento de produo que inicialmente fabricara
hormnios, foi utilizado para fabricar vitaminas peditricas. A conseqncia
dessa falha operacional originou caractersticas sexuais secundrias em
crianas. Atualmente, por fora de lei, os hormnios s podem ser fabricados
em reas separadas e equipamentos dedicados para esse fim (Santarm,
2009);
(3) em 1968 na Sucia um unguento oftlmico foi contaminado com
Pseudomonas aeruginosa causando srias leses oculares em pacientes,
cegando um deles (Nikel, 2005);
(4) em 1982, nos Estados Unidos, um manaco adicionou intencionalmente
cianeto de potssio na formulao de um lote de Tylenol. Esse ato criminoso
vitimou sete pessoas, dentre elas, uma menina de 12 anos (Santarm, 2009);
(5) entre os meses de agosto e setembro de 1997, pacientes que se submeteram
a procedimentos cirrgicos em hospitais particulares do Recife apresentaram
complicaes tromboemblicas - coagulao e obstruo de vaso sangneo
- depois de terem sido medicados com soro Ringer Lactato, com suspeita de
contaminao. poca, foram notificados 82 casos de reaes adversas,
com 37 bitos e registros de situaes clnicas irreversveis (Brasil, 2007);
9
(6) ainda no Brasil, em 1998, um fabricante de um anticoncepcional conceituado,
realizou um teste de mquina de embalagem com comprimidos placebos e,
por falta de controle em seu processo produtivo, colocou o produto no
mercado. Vrias mulheres engravidaram, e a mdia chamou o caso de a
plula de farinha (Freitas, 2007);
(7) no mesmo ano de 1998, a Vigilncia Sanitria suspendeu a comercializao
de um lote de creme dental que causou erupes e queimaduras nas
gengivas e mucosa oral de vrios consumidores no Brasil (Santarm, 2009);
(8) em julho de 2003, no Rio de Janeiro, foram cancelados todos os registros de
produtos e foi interditado o laboratrio fabricante do contraste radiolgico
Celobar, pois foi constatada a contaminao qumica por adulterao de seu
princpio ativo, causando 22 bitos (Tubino e Simoni, 2007).
Esses fatos foram extensamente descritos na literatura da rea de Boas Prticas
e Gesto, e constantemente a imprensa relata acidentes da mesma natureza, de
maior ou de menor proporo, ocasionados por falta de controle e padronizao ou
por negligncia em no se seguir as legislaes de Boas Prticas de Fabricao.
Em um levantamento histrico feito por Barros (2005), a origem das Boas
Prticas como campo de conhecimento no mundo se deu em 1964, com uma
iniciativa do governo americano em solicitar ao FDA (Food and Drugs
Administration) a anlise de produtos cosmticos e de toucador. O resultado dessa
pesquisa demonstrou que cerca de 20% das amostras analisadas apresentavam
contaminao microbiolgica com presena de Pseudomonas, microorganismos
patgenos causadores de cegueira. Esse fato foi crucial para a implantao do
primeiro marco regulatrio no mundo sobre o assunto, uma iniciativa conjunta dos
Estados Unidos e do Canad que publicaram a GMP (Good Manufacturing
Procedures) em 1969.
Rosemberg (2000) relata que as Normas de Boas Prticas foram publicadas em
1967 pela OMS (Organizao Mundial da Sade) e revisadas em 1975. Os Estados
Unidos revisaram a sua norma publicando o Cdigo 21 de sua regulamentao
federal (GMP/FDA) partes 210 e 211. Na Europa, essa regulamentao foi
conduzida pela Comunidade Europia, resultando no Cdigo EMEA (The European
10
Agency for the Evaluation of Medicinal Products) que deve ser seguido por todos os
pases membros do Mercado Comum Europeu.
Ainda segundo Rosemberg (2000), no Brasil em 1994, uma parte da norma de
Boas Prticas da OMS foi traduzida e em conjunto com parte dos regulamentos do
cdigo 21 da FDA, foi descrita a primeira norma de BPF.
As Boas Prticas no ramo industrial qumico farmacutico tomaram impulso no
Brasil a partir da publicao da Portaria SVS/MS n16 de 06 de maro de 1995, que
determinou a implantao do PNIIF -Programa Nacional de Inspeo de Indstrias
Farmacuticas e Farmoqumicas (Brasil, 1995). Este ato normativo foi uma primeira
tentativa em se regulamentar condies de fabricao, procedimentos e controle na
produo de medicamentos. Entretanto, a produo de medicamentos, pela
importncia que assume frente Sade Pblica, necessitava de critrios mais
severos para seu controle, e alguns anos depois esta lei foi revogada e substituda
pela RDC n 134 de 13 de julho de 2001 (Brasil, 2001). Esta segunda legislao
tornava clara a necessidade do Gerenciamento da Qualidade na Indstria de
Medicamentos, que antes no era explcito. Outros itens foram inseridos e
discutidos mais detalhadamente nessa segunda resoluo, tais como: as atribuies
da Garantia da Qualidade e a recomendao das prticas de Qualificao de
Fornecedores, assim como a recomendao em se proceder Validao de
processos, mtodos analticos e procedimentos de limpeza. Porm, frente
Globalizao de mercado, houve a necessidade de se adequar as exigncias
nacionais s internacionais e, novamente, houve a substituio da norma pela atual
RDC n 210 de 2003 (Brasil, 2003 b). Esta ltima norma, de longe, a mais rgida
dentre os regulamentos tcnicos de BPF. Ela trouxe alguns avanos, tais como a
obrigatoriedade da implantao do Sistema da Qualidade, das prticas de
qualificao de fornecedores e da validao, que antes eram apenas
recomendveis. Trata tambm, de maneira mais detalhada, aspectos descritos nas
normas anteriores, tais como os pr-requisitos bsicos de infra-estrutura
arquitetnica, material e recursos humanos, ampliando as exigncias a serem
seguidas na fabricao e controle de produtos por forma farmacutica, tendo
anexos especficos para fabricao de produtos estreis, lquidos, slidos,
antibiticos e hormnios. Atualmente esta norma foi revogada e substituda pela
11
RDC 17 de 2010, fato que tornou as diretrizes desse segmento mais detalhadas e
exigentes.
Outros campos de atuao do profissional Qumico tambm foram
contemplados, porm, ainda no sofreram alteraes substanciais em seu
arcabouo legal. Por isso as primeiras verses de seus Regulamentos Tcnicos
ainda se encontram em vigncia, sendo complementadas apenas em legislaes
supletivas. So elas:
(a) Portaria SVS/MS n 326, de 30 de julho de 1997, que aprovou o
Regulamento Tcnico de "Condies Higinico-Sanitrias e de Boas Prticas de
Fabricao para Estabelecimentos Produtores/Industrializadores de Alimentos"
(Brasil, 1997a). Esta norma determina os pr-requisitos mnimos a serem seguidos
na indstria alimentcia, sobre a qualidade da matria prima, a arquitetura dos
equipamentos e das instalaes, as condies higinicas do ambiente de trabalho,
as tcnicas de manipulao dos alimentos e a sade dos funcionrios.
(b) Portaria SVS/MS no
348, de 18 de agosto de 1997, que instituiu a
Certificao de Boas Prticas de Fabricao para as Indstrias Cosmticas e institui
o respectivo Formulrio de Petio (Brasil, 1997b). O arcabouo legal que regula a
rea de controle de qualidade e Boas Prticas de Cosmtico muito difuso,
contendo uma srie de normas supletivas que complementam a Portaria original,
ainda em vigor.
Outra rea de atuao do profissional Tecnlogo em Qumica de Produtos
Naturais a manipulao de Fitoterpicos, Produtos Oficinais, Produtos Magistrais,
Produtos Veterinrios e Cosmticos em Farmcia de Manipulao. Essa rea
tambm sofreu alteraes profundas em seu arcabouo legal, desde a publicao
de seu primeiro Regulamento Tcnico de Boas Prticas, a RDC n 33 de 19 de abril
de 2000 (Brasil, 2000). Essa norma inicial teve o propsito de regular um setor que
no dispunha de lei, nem controle especfico. Mesmo se tratando de manipulao
de medicamentos, as exigncias feitas nesse documento no se equiparavam s
feitas aos produtores de medicamento em escala industrial e dessa forma, uma
atualizao e adequao foi feita com a publicao da RDC 214 de 12 de dezembro
de 2006 (Brasil, 2006b). Essa segunda lei forou as Farmcias de Manipulao a
investirem em infra-estrutura material e pessoal qualificado, para assegurar a
12
qualidade final dos produtos manipulados por impor critrios de controle mais
severos, porm ainda no era suficiente para garantir a segurana da Sade
Pblica e, pouco tempo depois, a atual norma veio a substitu-la: a Resoluo RDC
n 67 de 08 de outubro de 2007, que disps sobre Boas Prticas de Manipulao de
Preparaes Magistrais e Oficinais para Uso Humano em farmcias (Brasil, 2007).
O diferencial dessa norma que fica proibida a manipulao em Farmcias de
medicamentos que tenham seus equivalentes industrializados disposio venda
no comrcio. Os critrios de segurana e outras reas de atuao foram
contemplados em seus diversos anexos, tais como: (a) manipulao de
medicamentos a partir de insumos/matrias-primas, inclusive de origem vegetal; (b)
manipulao de substncias de baixo ndice teraputico; (c) manipulao de
antibiticos, hormnios, citostticos e substncias sujeitas a controle especial; (d)
manipulao de produtos estreis; (e) manipulao de medicamentos
Homeopticos; (f) manipulao de doses unitrias e doses de medicamento em
servios de sade.
Recentemente, a ANVISA (Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria) sinalizou a
necessidade em regular tambm a fabricao, controle e transporte dos insumos
qumicos para produtos farmacuticos e cosmticos manufaturados, publicando a
Resoluo RDC n 204 de 14 de novembro de 2006, que determinou a todos os
estabelecimentos que exeram as atividades de importar, exportar, distribuir,
expedir, armazenar, fracionar e embalar insumos farmacuticos, o cumprimento das
diretrizes estabelecidas no Regulamento Tcnico de Boas Prticas de Distribuio e
Fracionamento de Insumos Farmacuticos (Brasil, 2006a). Entretanto, essa no foi
a primeira norma do segmento a ser publicada. O primeiro regulamento tcnico da
rea foi a Resoluo RDC n 35, de 25 de fevereiro de 2003 (Brasil, 2003a) que
trazia instrues sobre a organizao e pessoal, infra-estrutura, equipamentos,
mobilirio, distribuio e Garantia da Qualidade. Trs anos depois foi revogada e
substituda pela norma atualmente em vigor, que exige a instituio do
gerenciamento da qualidade, da auto-inspeo, da implantao de um programa de
validao.
Outras normas supletivas completam a amplitude das normas de Boas
Prticas de Fabricao e tambm so abordadas no contedo programtico da
disciplina que foco dessa dissertao. Dentre elas pode-se elencar: Cdigo de
13
tica do Profissional Qumico - Resoluo CFQ n 927 de 1970 (Brasil, 1970),
Constituio das Comisses Internas de Preveno de Acidentes - Lei n 6514 de
1977 (Brasil, 1977b), Das infraes e penalidades sanitrias - Lei n 6437 de 1977
(Brasil, 1977a), Programa de Gerenciamento de Resduos de Servio de Sade
RDC n 306 de 2004 (Brasil, 2004) e Poltica Nacional de Plantas Medicinais
Decreto 5813 de 2006 (Brasil, 2006).
Tendo nos debruado sobre o assunto para proporcionar um melhor
entendimento da complexidade que o contedo da disciplina Boas Prticas de
Fabricao e Legislao apresenta, ser abordada, a partir de ento, a parte
essencial da fundamentao do presente estudo.
1.2 ESTRATGIAS DE ENSINO QUE SE FUNDAMENTAM EM
ARTES
A construo do conhecimento cientfico por meio da arte remonta aos
primrdios da histria e, posteriormente, a momentos em que ainda no havia a
fragmentao de reas de conhecimento atuais, mas sim, apenas os filsofos
naturais e artistas. Ao longo da nossa histria ocidental, por vezes, por meio da arte
a cincia foi antecipada, como no caso da pintura de Leonardo da Vinci e do
desenho de Galileu e, bem mais tarde, da fico cientfica de Jlio Verne.
Aparentemente destitudos do conhecimento cientfico formal necessrio, os artistas
anteciparam a noo de realidade que a relatividade traria e por isso, no foram
entendidos pelo pblico e pela crtica. (Reis; Guerra; Braga, 2006).
A arte provoca e envolve as pessoas em emoes, o que geralmente atua
como um mote para reflexo e encantamento acerca de um determinado tema. Ela
pode estimular a criatividade e de maneira mais profunda, conduzir ao pensamento
crtico do sujeito. No contexto das prticas educativas, segundo Amaral e Martinez
(2006), h a primazia da objetividade em detrimento da subjetividade nas prticas
pedaggicas, desprezando-se a criatividade e a histria individual do aluno. A partir
desse quadro, uma queixa frequente dos professores refere-se a uma indisposio
dos alunos para a aprendizagem, que reflete uma falta de encantamento pelo
trabalho acadmico. No caso especfico aqui exposto, ao se considerar a
14
dificuldade de apreenso dos conceitos das BPF por parte dos discentes,
necessrio encontrar uma forma diferenciada de abordar os temas de interesse na
sala de aula.
Tapajs (2007) destaca a singularidade do uso das artes do ponto de vista
educacional, o que corroborado por Japiassu (2007) ao defender que:
O entendimento da arte como processo de cognio que mobiliza
tanto o intelecto como a intuio ou afetividade do sujeito desafia o
paradigma cientfico positivista da modernidade a reconhec-la
como modalidade cultural de pensamento (ao) (p. 140).
A apropriao das estratgias de ensino baseadas em artes pode ser
inserida no campo de atuao pedaggica denominada Arte-educao, mais
especificamente Teatro-educao, com a abordagem de teatro pedaggico (drama
como mtodo de ensino) proposto por Cabral (2006) e Mdia-educao (uso do
cinema de animao).
A conceituao de Mdia-educao, proposta por Napolitano (2003), traz uma
abordagem mais abrangente como o uso das mdias de massa, tais como TV, rdio
e TICs (Tecnologias de Informao e Comunicao, tais como a Internet). Ao
mesmo tempo, no ignora o cinema, ao no rotul-lo, como meio de comunicao
elitizado. Com a popularizao da comercializao dos aparelhos de VHS e DVD,
os filmes originalmente produzidos para exibio em cinemas ganharam uma nova
dimenso. Essa perspectiva tambm abordada por outros autores:
O paradigma ecolgico da mdia-educao prope uma concepo integrada de fazer educao usando todos os meios e tecnologias
disponveis: computador, internet, fotografia, cinema, TV, vdeo,
livro, CD, e conforme o objetivo pretendido, cada inovao
tecnolgica integra-se umas nas outras. (...) Nessa perspectiva
ecolgica, o objetivo do trabalho educativo (...) no apenas o uso
das tecnologias em laboratrios multimdia, e sim que a criana atue
nesse e noutros espaos estabelecendo interaes e construindo
relaes e significaes. A mediao deve ser pensada tambm
como forma de assegurar e/ou recuperar a corporeidade o gesto, o corpo, a voz, a postura, o movimento, o olhar como expresso do
sujeito e a relao com a natureza como espao vital atravs do qual se constroem sentidos (Fantin, 2007, p. 2).
Segundo as afirmaes da autora, a Mdia-educao uma forma de se
auxiliar a construo de conhecimento se apropriando das tecnologias disponveis e
utilizadas no dia-a-dia do aluno. Entretanto, so formas de mediao, que tambm
15
devem ser complementadas pelo educador com a recuperao das relaes entre
sujeitos e o seu entorno, possibilitando a extrao de sentidos do meio em que se
vive.
O Teatro-educao uma linha de pesquisa inserida na Arte-educao.
Sobre Arte-educao Bolognesi (2006) prope que
o exerccio da criatividade da Arte-educao contempla e privilegia o
experimentar e o aprendizado, mediados sempre pela ao
raciocinadora e pelo entendimento. A criao artstica e educacional
fundamentalmente processual e tem um ponto nico de sada e de
chegada: o sujeito (p.6).
Martins (2008) expe que o Teatro-educao concorre para os processos de
constituio do(a) estudante cidado(), ampliando a sua capacidade de
compreenso e interveno na realidade, numa perspectiva autnoma, democrtica
e responsvel. Costa (2004) concebe o Teatro-educao como componente ldico
no processo de uma educao crtica e multirreferencial, e define o teatro
pedaggico como uma forma de instrumento ou ferramenta pedaggica na
educao.
A experincia educacional com estratgia de ensino baseada em artes j foi
utilizada com sucesso na formao de professores, segundo relatos de Telles
(2006), que trata o uso de artes sobre duas dimenses. A primeira seria a de extrair
sentidos em um objeto de arte j pronto, tal como interpretar uma pintura, observar
uma escultura ou no caso do experimento aqui relatado, analisar um filme de
animao. J a segunda corresponderia ao construir sentidos, no momento da
criao de uma manifestao artstica como fazer um desenho, escrever um texto
ou criar um roteiro de teatro.
Porm, de extrema importncia salientar que o desenvolvimento e a
implementao de estratgias de ensino baseadas em artes, em tempo algum
devem ser encarados como simples entretenimento, correndo o risco de cair na
banalidade e descaracterizao da prtica pedaggica, preocupao presente nos
estudos de Moran (1995) e Napolitano (2003).
Desta forma, o que se procura discutir o desenvolvimento e implementao
de estratgias de ensino baseadas em artes para auxiliar na contextualizao,
reflexo e na construo de sentidos relativos a Boas Prticas de Fabricao, com o
16
objetivo principal de se construir roteiros de aplicativos. Para nortear a discusso
procurou-se correlacionar a Teoria da Aprendizagem Significativa (TAS) s prticas
pedaggicas fundamentadas em artes.
1.3 UM POUCO DAS TEORIAS DE APRENDIZAGEM
COGNITIVAS UM PARNTESE NECESSRIO
Para sustentar a discusso aqui proposta se faz necessrio um breve
panorama das principais teorias da aprendizagem, embora no se tenha a inteno
de se tratar o assunto exausto, mas sim apresentar os pressupostos bsicos de
cada uma. Este recorte baseado nas derivaes didticas extradas das teorias de
aprendizagem propostas por Sacristn e Gmez (1998) que prope dois grandes
enfoques:
(1) As teorias associacionistas, de condicionamento que contemplam (a) o
Condicionamento clssico de Pavlov, Watson e Guthrie e (b) o
Condicionamento instrumental ou operante de Hull, Thornidike e
Skinner;
(2) As teorias mediacionais tais como (a) a Aprendizagem Social de
Bandura, Lorenz, Tinbergen, Rosenthal; (b) Teoria do processamento
de informao de Gagn, Newell, Simon, Mayer, Pascual Leone; e (c)
Teorias Cognitivas subdividas em Teoria da Gestalt e psicolgica
fenomenolgica de Kofka, Khler, Whert-heimer, Maslow, Rogers;
Psicologia gentico-dialtica de Vygotsky, Luria, Leontiev, Rubinstein,
Wallon e Psicologia gentico-cognitiva de Bruner, Inhelder, Piaget,
Ausubel, este ltimo, o autor da Teoria da Aprendizagem Significativa
(TAS).
O ncleo firme da Teoria da Aprendizagem Significativa (TAS) a interao
cognitiva no arbitrria e no-literal entre o novo conhecimento, potencialmente
significativo, a algum conhecimento prvio, especificamente relevante, o chamado
subsunor, existente na estrutura cognitiva do aprendiz (Moreira e Masini, 2006).
Essa afirmativa indica que, segundo essa teoria, h a necessidade premente
da atuao do aprendiz no que diz respeito ao relacionamento de sua experincia
17
prvia com uma nova informao que pode ser descrita na forma de conceitos
formal ou informalmente construdos; e que a aprendizagem, alm de tomar lugar no
espao escolar pode se dar em outros espaos, ou se iniciar por eles. (Lemos,
2006) aponta que:
Desta maneira, a aprendizagem significativa de um determinado
campo de conhecimento corresponde construo mental de
significados, porque implica numa ao pessoal e intencional de
relacionar a nova informao percebida com os significados j
existentes na estrutura cognitiva. (p.56)
Assim, pode-se inferir que o conhecimento pr-existente do sujeito e a
experincia pessoal do aprendiz fazem diferena em seu desenvolvimento
cognitivo. Se materiais, modelos, processos, propostas potencialmente significativas
so apresentadas ao aluno, provavelmente ele poder vir a fazer suas conexes
cognitivas e aprender significativamente.
A figura 1.1 exibe o mapa conceitual para a Aprendizagem Significativa,
extrado de um estudo conduzido por Moreira (2006). Os mapas conceituais,
inicialmente propostos por Novak (1990), so instrumentos que auxiliam o professor
a organizar conceitos hierarquicamente, de maneira a possibilitar a correlao
destes na estrutura cognitiva de seus alunos. Ou seja, ordenar os subsunores,
organizadores essenciais para os conceitos a serem estudados sobre um
determinado assunto (Gomes et al., 2008). Moreira e Masini (2006) definem os
mapas conceituais como diagramas hierrquicos que procuram refletir a
organizao conceitual de uma disciplina ou parte de uma disciplina.
18
Figura 1.1. Mapa conceitual para a aprendizagem significativa
Fonte: Moreira MA. Aprendizagem significativa: da viso clssica viso crtica (2006, p.3)
No mapa conceitual da figura 1.1 esto representados os eventos que se
interrelacionam para que acontea a Aprendizagem Significativa. O patamar
hierrquico superior diz respeito s condies para a ocorrncia da aprendizagem
significativa, e essas pressupem que: (a) o material a ser aprendido seja
potencialmente significativo para o aprendiz, ou seja, relacionvel sua estrutura
de conhecimento de forma no-arbitrria e no-literal (substantiva); (b) o aprendiz
manifeste uma disposio de relacionar o novo material de maneira substantiva e
no arbitrria a sua estrutura cognitiva e (c) que exista uma estrutura cognitiva pr-
existente, com subsunores relevantes.
A Aprendizagem Significativa pode ocorrer de maneira representacional.
Segundo Praia (2000, p.126) a Aprendizagem Significativa Representacional a
aprendizagem dos smbolos individuais (geralmente palavras) ou do que eles
representam. Ocorre quando se estabelece uma equivalncia entre os smbolos
arbitrrios e os seus referentes correspondentes (objetos, exemplos, conceitos),
passando a remeter o indivduo ao mesmo significado. Ela se subdivide em:
19
Aprendizagem Significativa Conceitual a aprendizagem do
que significam os conceitos, objetos e acontecimentos que, por
sua vez, se representam por nomes ou palavras. Do que se
trata de aprender que o conceito est representado por uma
palavra especfica, ou aprender que existe uma equivalncia
entre a palavra que representa o conceito e o prprio conceito
e; Aprendizagem Significativa Proposicional, que consiste em
aprender os significados das ideias expressas por grupos de
palavras (geralmente representando conceitos) combinadas em
proposies ou sentenas. (Praia 2000, p.126)
No terceiro nvel hierrquico, encontram-se as formas que a Aprendizagem
Significativa assume que so: (a) subordinada: o novo conhecimento interage com o
conhecimento prvio e, de certa forma, ancora-se nele. por meio dessas possveis
interaes que o significado lgico dos materiais educativos se transforma em
significado psicolgico para o aprendiz. (Moreira 2006); (b) superordenada, que
acontece quando h intercesso entre os conceitos j pr-estabelecidos, a princpio
no relacionados, formando um conceito mais abrangente (Praia 2000); e (c)
combinatria: a aprendizagem de conceitos ou proposies que no so
subordinveis, nem so capazes de subordinar algum subsunor, mas sim combinar
conceitos, possibilitando relaes. (Moreira 2006). Para melhor exemplificao das
formas de aprendizagem significativa no contexto das Boas Prticas de Fabricao
(BPF), teremos a aprendizagem significativa subordinada quando ensinado ao
aluno o que , e como preparar um Procedimento Operacional Padro (POP) que
explique como fazer a assepsia e sanitizao de equipamentos (conceito menos
abrangente), subordinando com a obrigatoriedade de garantir a limpeza e
higienizao do ambiente de trabalho (conceito mais abrangente). A aprendizagem
significativa superordenada pode ser caracterizada nessa rea como a relao
entre saber fazer o POP de assepsia e sanitizao de equipamentos, aprender
como fazer e o que significa validao de processos de limpeza e o entendimento
que esses conhecimentos asseguram que o seu ambiente de trabalho estar em
condies higinico-sanitrias controladas e adequadas para a fabricao. A
ocorrncia da aprendizagem significativa combinatria pode ser exemplificada com
a relao dos conceitos de Qualificao de Fornecedores e Procedimentos de
Limpeza. Esses temas, em tese, no apresentam relacionamento direto, mas a
perfeita compreenso e cumprimento dessas diretrizes garantem que o ambiente
20
ficar limpo e seguro porque o material de limpeza foi adquirido de fornecedores
certificados e idneos.
A partir do momento que o aprendente j possui conceitos bsicos
adquiridos, condio presente nos alunos da graduao, a maioria dos novos
conceitos so adquiridos por dois processos distintos:
(1) a diferenciao progressiva, onde os conceitos que
interagem com os novos conhecimentos, e servem de base para
atribuio de novos significados, vo se modificando em funo
desta interao e (2) a reconciliao integrativa que consiste no estabelecimento de relaes entre idias, conceitos e
proposies j existentes na estrutura cognitiva. (Gomes et al.,
2008, p.107)
Essa teoria se contrape aprendizagem mecnica, que se caracteriza por
se deparar com um novo corpo de informaes onde o aprendiz pode decidir
absorver esse contedo de maneira literal (Tavares, 2008), porm no a refuta
totalmente, pois a aprendizagem mecnica no deixa de ser importante no momento
em que o indivduo adquire informaes em uma nova rea de conhecimento que
ainda totalmente desconhecida para ele. A aquisio de conceitos a base para a
formao dos subsunores, que atuam como conceitos ncora em que novas
informaes iro se conectar ou ancorar, e formar uma nova estrutura cognitiva
significativa para o universo de pensamento deste indivduo.
Segundo Ausubel, (apud Moreira e Masini, 2006), o problema principal da
aprendizagem consiste na aquisio de um corpo organizado de conhecimentos e
na estabilizao de idias interrelacionadas que constituem a estrutura desse
conhecimento. Em sala de aula, o problema da aprendizagem est na utilizao de
recursos que facilitem a organizao da estrutura conceitual do contedo e sua
interao estrutura cognitiva do aluno, tornando o material potencialmente
significativo. Nesse caso, o professor tem o desafio de auxiliar o aluno a assimilar a
estrutura das novas informaes e reorganizar sua prpria estrutura cognitiva,
mediante a aquisio de novos significados que podem gerar conceitos e princpios.
Frente s assertivas apresentadas anteriormente, uma questo relevante
para a sala de aula conseguir preparar um material educativo ou uma estratgia
de ensino que consiga reunir condies facilitadoras de aprendizagem.
21
Este trabalho tem como sujeitos alunos da graduao, que j trazem uma
histria de vida e concepes prvias em suas estruturas cognitivas. Saber utilizar
recursos didticos que possam fazer relaes com conhecimentos pr-existentes
pode se configurar num caminho objetivo na construo e apropriao de novos
conceitos de forma substantiva pelo aluno. A escolha de se discutir as estratgias
de ensino fundamentadas em artes (teatro e cinema) com o objetivo de sistematizar
roteiros aplicativos luz da TAS, se torna por isso, uma escolha apropriada. O
contexto estudado se identifica com a linguagem abordada por Moreira e Masini
(2006), estudiosos brasileiros que se encarregaram de trazer para a realidade
nacional a teoria originalmente proposta por Ausubel.
A proposta abordada aqui tem como pblico alvo os alunos do ensino de
graduao tecnolgica, que apresentam idades entre 19 e 24 em mdia, situados a
priori no estgio de mais alto nvel de abstrao na aquisio de conceito que
alcanado durante o estdio de operaes lgico-abstratas, no momento em que
os atributos criteriais de conceitos secundrios complexos e de
mais alta ordem podem ser relacionados, diretamente estrutura
cognitiva sem auxlio emprico-concreto, e os produtos, emergentes
da conceitualizao, so refinados por verbalizao para levar a
idias genricas, genuinamente abstratas, precisas e explcitas.
(Moreira e Masini 2006, p. 42)
Sendo assim, uma estratgia de ensino que utilize a imaginao,
interpretao, percepo e a deduo enriquecedora, e pode aproximar o aluno
de um tema a princpio sem muitos atrativos.
Neste ponto, possvel professar a defesa da construo de roteiros de
utilizao de cinema de animao e do teatro para o ensino de BPF postados em
um blog como importante ferramenta de contextualizao, construo do
conhecimento e de extrao de sentidos. O teatro e o cinema podem simular
situaes ainda no vivenciadas da vida profissional, aproximando o aluno da
realidade do mundo fora da sala de aula.
22
1.4 PORQU CINEMA? PORQU DESENHO ANIMADO?
O cinema um poderoso instrumento de educao das massas...
Walter Benjamin (1936).
Este estudo traz uma proposta da utilizao do cinema, mais especificamente
de desenho animado, como uma estratgia de ensino baseada em artes para
motivar e facilitar o processo de ensino-aprendizagem de Boas Prticas de
Fabricao e Legislao em um Curso de Graduao Tecnolgica em Qumica de
Produtos Naturais. Esta disciplina possui linguagem desconectada do ambiente
tecnolgico, distante do estudante desta rea, por ser pautada exclusivamente em
legislaes da ANVISA e normas da ABNT, sendo admissvel por isso, o
desinteresse do aluno quanto aos seus contedos. Nesse aspecto, Carmo (2003,
p.72) defende que:
(...) o cinema como prtica pedaggica pode fazer o aluno se
interessar pelo conhecimento, pela pesquisa, de modo mais vivo e
interessante que o ensino tradicional, apoiado em aulas expositivas
e seminrios. O porqu do cinema na escola s se justifica se ele
desperta o interesse pelo ensino no sentido tradicional, e, ao
mesmo tempo, mostra novas possibilidades educacionais apoiadas
na narrativa cinematogrfica.
O uso do cinema, por se apropriar de uma linguagem universal, pode atuar
como estratgia motivadora e significativa, aproximando o aluno de um contedo
to rido para ele. No caso presente, o cinema de animao utilizado como
material pedaggico de potencial facilitador da aprendizagem, o que se configura
num dos maiores desafios para uma aprendizagem significativa (Moreira e Masini,
2006). Assim, um filme produzido para o cinema comercial e consumido como
recurso didtico como objeto que muda de pele, pois uma fico pode se tornar
um documento de reflexo se for trabalhada em espaos sociais diferentes (Casetti,
apud Fantin 2006). Se a pelcula for bem selecionada ela poder trazer tona
alguns conceitos novos que podem ser ancorados na estrutura cognitiva por
empatia, associao ou abstrao, podendo, portanto, funcionar como subsunores,
conduzindo a uma aprendizagem significativa.
23
A prtica pedaggica aqui apresentada se prope a aguar os sentidos,
despertando outras formas de ver, perceber e ler o mundo (Tomaim, 2004). A
percepo e a criatividade so capacidades que podem ser desenvolvidas no
indivduo, desde que lhe sejam dadas as oportunidades de problematizar e criar, ou
at mesmo perceber sentidos em fontes que a priori no seriam convencionais.
Tomaim (2004) desenvolveu uma discusso sobre o olhar e a percepo do cinema
quando utilizado no ensino.
Diante do filme o pesquisador no mais olha com recolhimento, nem mesmo com distrao, aborda-o na posio de um observador
atento s associaes de imagens e sons, a cada vestgio de
significao como se caasse um tesouro perdido em meio
experincia perceptiva do cinema (Tomaim, 2004, p.3).
Sobre a perspectiva da Mdia-educao e o uso do desenho animado, sabe-
se que:
...a matria artstica de que constitudo faz dele um elemento da
cultura esttica, de beleza e de pedagogia que no pode ser
desprezado. Colocar a animao em pauta significa compreend-la
no s como um conjunto de tcnicas, mas tambm como
fundamental meio de transmisso de informaes, sendo uma
importante ferramenta da comunicao (Andrade e Toledo, 2007, p.
1).
Uma abordagem interessante sobre o mecanismo que o cinema assume no
processo de ensino e aprendizagem tambm exemplificado por Losco et al.,
(2006) nos cursos de Medicina em Barcelona. Nesse estudo, so discutidos
paralelamente o uso da literatura e do cinema na formao mdica, e o caminho
que estas estratgias assumem na formao do conhecimento so propostos e
ilustrados na figura 1.2. No tocante ao cinema, de acordo com esses autores, o
filme traz um enredo decodificado sob a forma de imagens que produzem emoes,
resgatam informaes obtidas no processo acadmico anterior e constroem novos
sentidos.
24
Figura 1.2. Percurso de construo do conhecimento atravs das mdias (Traduo da autora).
Fonte: Jordi Loscos, Josep-E. Baos, Francisco Loscos, Julio de la Cmara J Med Mov 2 (2006):
138-142
Embora a utilizao de literatura assuma uma trajetria similar, o cinema se
apresentou mais estimulante na situao relatada, pois a imagem tem um acesso
mais direto s estruturas cognitivas. A informao est geralmente pronta, no
precisando de decodificao. Outros estudos tambm comentam sobre a efetividade
mais direta da linguagem imagtica em comparao com a linguagem escrita.
Aprender a ver cinema realizar o rito de passagem do espectador passivo para o
espectador crtico (Carmo 2003). Lenehan e Shapiro (2005) abordam a utilizao de
literatura e cinema na preparao de estudantes de psiquiatria no trato com
pacientes vitima de violncia domstica. Maia et al., (2005 p.320) tambm discutem
esse tipo de relao na educao mdica
Os filmes de cinema apresentam algumas vantagens sobre a
literatura como recurso de ensino. Uma delas o fato de serem
melhores do que a linguagem verbal ou escrita na transmisso de
contedos. Isto ocorre porque h um acesso mais imediato ao
psiquismo do receptor, que capta as informaes no s pela via
Literatura Cinema
Enredo
Imagens Palavras
Emoes
Conhecimento
25
intelectual ou cognitiva, porm de forma integral e plena. As
informaes so recebidas por mais de um canal sensorial e geram
reaes emocionais e afetivas no indivduo que facilitam o processo
de aprendizagem e memorizao. Alm disso, o cinema um
recurso de fcil acesso, prtico, principalmente com o advento do
videocassete e DVD, e motivador, pois associa lazer ao processo de
aprendizagem, alm de promover contato e estreitamento social.
importante salientar que a apropriao da linguagem flmica no ensino de
maneira descuidada pode trazer alguns inconvenientes. Esta proposta no pode ser
encarada como uma panacia salvadora do ensino por si s. Muitos
pesquisadores mostram a preocupao com o vazio pedaggico que uma
estratgia de ensino no planejada pode proporcionar. No se trata, simplesmente,
de deslocar para o espao da sala de aula o vdeo, o DVD ou um projetor. Estes
recursos tm sido utilizados na sala de aula de modo mecnico, ilustrativo, o que
conduz inrcia do pensamento (Carmo, 2003). O foco deste trabalho, oriundo
dessa preocupao, o uso de recursos didticos fundamentados em artes de
forma sistematizada, por meio de roteiros previamente testados, visando tirar o
mximo proveito no processo educativo. Esta preocupao foi apontada por Moran
(1995) em seu artigo O uso de vdeo em sala de aula que elencava os usos
inadequados de filmes e vdeos em sala de aula, de acordo com seus propsitos.
Um trecho desse trabalho literalmente citado no livro de Napolitano (2003):
a. Vdeo tapa-buraco: colocar vdeo quando h um problema
inesperado, como ausncia do professor. Usar este expediente
eventualmente pode ser til, mas, se for feito com freqncia,
desvaloriza o uso do vdeo e o associa - na cabea do aluno - a no
ter aula;
b. Vdeo-enrolao: exibir um vdeo sem muita ligao com a
matria. O aluno percebe que o vdeo usado como forma de
camuflar a aula. Pode concordar na hora, mas discorda do seu mau
uso;
c. Vdeo-deslumbramento: o professor que acaba de descobrir
o uso do vdeo costuma empolgar-se e passar vdeo em todas as
aulas, esquecendo outras dinmicas mais pertinentes. O uso
exagerado do vdeo diminui a sua eficcia e empobrece as aulas;
d. Vdeo-perfeio: existem professores que questionam todos
os vdeos possveis, porque possuem defeitos de informao ou
estticos. Os vdeos que apresentam conceitos problemticos
podem ser usados para descobri-los junto com os alunos, e
question-los;
26
e. S vdeo: no satisfatrio didaticamente exibir o vdeo sem discuti-lo, sem integr-lo com o assunto de aula, sem voltar e
mostrar alguns momentos mais importantes
Nascimento (2008) evidencia que antes de lanar mo do recurso
cinematogrfico, o professor deve assistir toda a pelcula e ter domnio do enredo
do filme para saber exatamente o que pode ser explorado. Sem este primeiro passo
a prtica no transcorre de maneira organizada e objetiva. A Importncia da
preparao de um roteiro sistematizado para a aplicao dessa estratgia uma
preocupao presente no trabalho de vrios autores (Moran, 1995; Napolitano,
2003; Mendona e Leite 2007; Siqueira-Batista 2008) entre outros.
De fato, poucos professores elegem os filmes como uma das etapas
do processo ensino-aprendizagem, no estabelecendo a relao
entre os mesmos e os contedos trabalhados na classe. Tal fato
deve-se, em grande medida, ao despreparo do professor no que
concerne construo de roteiros que permitam a discusso e a
construo de resenhas crticas por parte dos estudantes. (Siqueira-
Batista et al, 2008, p. 315).
Para discutir o papel do cinema na educao, ser exposto um breve
histrico dessa mdia, como surgiu, cresceu e avanou, at aportar na rea de
ensino.
1.4.1. O cinema de animao, um breve histrico
Este trabalho no tem o objetivo de relatar a origem e o avano da arte
cinematogrfica de animao como um meio de comunicao, porm, para fins de
contextualizao, o levantamento de um breve histrico apresentado a seguir.
relevante notar que as histrias do cinema e do desenho animado
caminham juntas, pois uma forma deriva da outra. A tentativa de se narrar e
registrar histrias com desenhos data da era do Paleoltico, permeando as culturas
egpcias, gregas e romanas. No sculo XVIII, Athanasius Kircher criou um
instrumento para fins educativos, chamado de Lanterna mgica (figura 1.3) que
consistia em uma caixa fechada com uma fonte de luz (na poca, uma vela) interna
e um espelho curvo, que projetava imagens desenhadas em uma lmina de vidro,
necessitando de uma sala escura e uma superfcie plana para melhor visualizao
27
da projeo. Porm essa inveno no foi bem recebida, pois os expectadores que
julgaram a projeo um ato de bruxaria (Andrade e Toledo, 2007).
Figura 1.3 Lanterna Mgica de Athanasius Kircher
Fonte: http://www.companysj.com/v192/renaissance.htm
Com o surgimento da fotografia em meio a um contexto mundial de grandes
transformaes sociais, cientficas, culturais e tecnolgicas propiciadas pelo
movimento da Revoluo Industrial, a trajetria das imagens em movimento ganhou
novo rumo (Rodrigos, 2007). Em 1832, Joseph Plateau criou o fenacistoscpio
(figura 1.4) que era composto de um cilindro com dois discos em extremidades
opostas. Esses discos, girados e observados por orifcio, davam a iluso de que as
imagens se moviam (Paula e Chaves, 2007).
28
Figura 1.4. Fenacistoscpio de Joseph Plateau
Fonte: http:// produtorapicnicpictures.blogspot.com
Em 1880, Edward Muybridge realizou um experimento em que constatou que,
se fotografias fossem passadas rapidamente e em seqncia, produziriam a iluso
tica de movimento. Seguindo esse mesmo princpio, outros artefatos tecnolgicos
foram projetados no intuito de se reproduzir fotogramas com imagens em
movimento, tais como o quingrafo (tambm conhecido como flip-book), o
zetropo e o ludoscpio. Estes trs ltimos dispunham de um compartimento
apropriado, provido de um orifcio destinado visualizao, para que as imagens
em sequncia fossem colocadas em seu interior, necessitando da ao motriz
humana, para se ter a percepo de movimento (Andrade e Toledo 2007). Porm, o
que realmente pode ser considerado como a origem do desenho animado foi a
criao do praxinoscpio (figura 1.5) por mile Reynaud em 1888. Este
equipamento era um aparelho que projetava na tela imagens desenhadas a cores
sobre fitas transparentes, processo muito semelhante ao utilizado para a criao do
primeiro filme de animao em longa metragem produzido em escala comercial,
Branca de Neve e os Sete Anes (1937) de Walt Disney, que foi produzido sobre
tiras de papel desenhado (Paula e Chaves 2007).
29
Figura 1.5 Praxinoscpio de mile Reynaud
Fonte: http://cinecult.blogs.sapo.pt/
Contudo, o cinema teve como marco histrico oficial o dia 30 de maro de
1897, quando os irmos Auguste e Louis Lumire, obtiveram a patente definitiva de
um invento chamado cinematgrafo Lumire (figura 1.6). Com a chegada desse
artefato e sua utilizao em escala comercial, o praxinoscpio foi aposentado,
entretanto, as imagens do cinematgrafo, baseadas em fotogramas, eram em preto
e branco.
Somente em 1917 foi lanado o primeiro longa-metragem totalmente em
Technicolor, e 10 anos depois, o primeiro filme sonoro, falado e cantado (Anacleto
2007). J o primeiro desenho animado de sucesso sonorizado foi lanando em 18
de novembro de 1928, Steamboat Willie (O barco a vapor), estrelado por Mickey
Mouse, e dublado pelo prprio autor, Walt Disney (1901 e 1966).
30
Figura 1.6. Desenho tcnico do relatrio da Patente concedida para o cinematgrafo Lumire Fonte: www.google patents.com
A partir do momento que a tcnica do desenho animado ganhou maturidade
no final dos anos 20 e incio dos anos 30, ganhando popularidade, esse recurso
comeou a ser inserido nas prticas educativas, como relatado a seguir.
1.4.2. Como caminhou o cinema na prxis educativa
O cinema est presente na educao h muito tempo, sendo um dos eixos
sobre os quais a Mdia-educao est centrada. Nos Estados Unidos, mais
particularmente na formao de profissionais de sade (Medicina, Nutrio e
Enfermagem) existe um amplo material disponvel e sistematizado. Na Europa, o
uso do cinema consolidado e discutido desde a dcada de 30 conforme enfatiza
Fantin (2007).
O cinema est presente na educao desde a dcada de 30 com
presena marcante na dcada de 60, a partir das revistas Cahiers
du Cinma e Screen, versando sobre a poltica dos autores, sobre o
enfoque semiolgico e a partir de experincias em associaes
culturais do tipo cineclubes, crculos de cinema, cineforum, que
31
envolviam a projeo de filmes para um pblico com um projeto
educativo e de sensibilizao em relao ao cinema (p. 15).
Em vrios pases a utilizao do cinema na escola comeou pelo ensino de
Histria (Ferro, 1992; Reis Jr. 1997; Fantin, 2007, Nascimento 2008). Nascimento
(2008) expe que inicialmente a utilizao de outras fontes, que no fossem
documentos, para os historiadores no tinha valor, paradigma quebrado a partir do
surgimento do movimento Histria Nova em 1929, com a fundao da Revista
Annales dhistoire economique sociale na Frana por Lucien Febvre e Marc Bloch.
Essa linha de pensamento buscava novos meios para a compreenso da histria.
Anos depois, em 1971, ainda na Frana, Marc Ferro reafirmou a importncia do
cinema no ensino de histria e como documento historiogrfico.
Anacleto (2007) relatou que no Brasil ocorreu um florescimento dessa prtica
em meados dos anos 70, provavelmente pela exploso do uso do vdeo cassete,
fato que facilitou a utilizao massificada dessa mdia. Mesmo assim, concluiu que
foi possvel observar no Brasil, at aquele momento, a disseminao do uso de
cinema, filmes, vdeos e desenhos de forma despreparada em sala de aula.
Para comprovar que o uso do cinema uma prtica recorrente, so relatadas
a seguir algumas experincias, oriundas de pesquisa em sala de aula relacionadas
a esse recurso como estratgia de ensino. H uma profuso de trabalhos cientficos
nesse sentido, e por esta razo seria impossvel realizar a cobertura desta prtica
pedaggica na ntegra.
Magno (2003) pesquisou o uso do cinema como gerador de discusses de
temas transversais no ensino fundamental com enfoque interdisciplinar. Pinto e
Pereira (2005) trabalharam na formao de professores no Curso de Licenciatura de
Educao Fsica da Universidade Federal de Santa Catarina abordando a anlise
de filmes para consolidar conhecimentos sobre esportes, suas regras e tcnicas,
histria do esporte e produo de vdeos educativos. O uso de cinema na formao
mdica recebeu importantes contribuies, em nosso pas (Blasco et al., 2005 e
2006; Tapajs 2007); e em outros, como na Espanha Loscos et al. 2006, e nos
Estados Unidos, Lenahan e Shapiro (2005). No Brasil, tem sido tambm empregado
na discusso sobre Biotica e Ensino de Cincias (Siqueira-Batista et al., 2008),
entre outros exemplos. No ensino de Fsica, Secco e Teixeira (2007) propuseram a
analise de fenmenos fsicos improvveis na vida real em desenhos animados.
32
Fantin (2006 e 2007) realizou um estudo comparativo da utilizao de cinema na
escola com crianas de diferentes contextos socioculturais (Brasil x Itlia). Anacleto
(2007) descreveu o uso do cinema no ensino superior em Administrao de
Empresas. Mesquita e Soares (2007) testaram a anlise do desenho Jimmy Newtron
na popularizao do vocabulrio cientfico no ensino mdio. Paula e Chaves (2007)
utilizaram desenho animado na alfabetizao como auxlio da aprendizagem formal
da leitura e da escrita. Sacramento (2007) pesquisou esta prtica para fomentar a
discusso entre o certo e o errado no convvio social com crianas no primeiro ciclo
do ensino fundamental. Pardini (2008) lana mo dos desenhos animados de Walt
Disney e da Pixar estdios na discusso da temtica ambiental e no ensino de
Biologia em geral.
Embora o presente trabalho tenha se atido, como j foi dito, a apenas um
pequeno recorte do uso pedaggico bem sucedido da stima arte, pode se observar
que muitos so os estudos recentes sobre a aplicao do cinema ao ensino nos
mais variados contextos, o que corrobora a discusso dessa prtica. O diferencial
aqui apresentado a sistematizao da sua aplicao no ensino de Boas Prticas
de Fabricao e Legislao, exposto por intermdio de roteiros aplicativos de
estratgias de ensino postado em um blog. Para que o processo educativo que se
apropria do uso de cinema logre xito imprescindvel que exista um planejamento
prvio bem definido. Portanto, planejamento a alma do sucesso para qualquer
aula, e quando h este preparo os alunos percebem (Nascimento, 2008).
Para dar continuidade exposio, colocada a seguir a fundamentao que
encorajou autora-professora a enveredar tambm pelo estudo do teatro como
estratgia de ensino que pode assumir potencial facilitador da aprendizagem.
1.5 PORQU TEATRO?
A cincia possui teatralidade prpria porque o exerccio da atividade
cientfica pode envolver grandes controvrsias, disputas, ambies,
argumentao, contra-argumentao, enfim, todos os elementos
para uma excelente dramaturgia. Lopes (2005, p.402).
33
defendida aqui a idia da utilizao de Arte, sob a forma de teatro
convencional ou de bonecos, na misso de auxiliar o ensino de um contedo de
difcil assimilao, baseado em normas e leis, sem atrativo e carente de material
didtico desenvolvido e aplicvel ao jovem. O pblico alvo aqui em questo
constitudo por jovens com idades entre 19 e 24 anos em mdia, que j trazem uma
histria de vida particular que no se pode negligenciar ou ignorar e que precisam
ser trabalhados para ganhar sentidos e significado em suas estruturas cognitivas.
Nesse tocante as artes servem para transmitir idias, valores e perspectivas que
encontram sentido num determinado contexto (Aguirre, 2005).
Lanar mo de uma estratgia de ensino que utilize a imaginao,
interpretao, percepo e a deduo um caminho bastante profcuo para
aproximar o aluno de um tema a princpio sem muitos atrativos. Um estudo
conduzido por El-Khatib (2003) traz um desenho metodolgico semelhante ao
abordado aqui. Essa autora trabalhou com turmas de Graduao de Farmcia com
a dramatizao de processos farmacolgicos na forma de seminrios. Sobre sua
experincia com o teatro em sala de aula ela relata:
a dramatizao leva os estudantes a se interessarem mais pelo
aprendizado. Alm disto, este tipo de atividade ajuda na
compreenso do contedo, na memorizao e familiarizao da
linguagem tcnica, melhora a relao interpessoal aluno-aluno e
aluno-professor. A dramatizao pode ser tambm utilizada como
ferramenta de avaliao, no isoladamente, mas associada a outros
mtodos como prova dissertativa individual e seminrios.
interessante acrescentar que o interesse pela disciplina e a
confiana no professor pelos alunos aumentaram muito aps esta
atividade, (El-Khatib, 2003)
Tambm a empatia com a disciplina fica comprometida se o contedo
programtico no de interesse direto do aluno, o que dificulta as relaes em sala
de aula e a apropriao de determinados assuntos, como o caso discutido neste
estudo.
A prtica aqui exposta teve incio de maneira emprica em 2005 em um Curso
Tcnico de Nvel Mdio de Laboratrio de Farmcia, com a problematizao de
temas previamente selecionados pela autora-professora na forma de dramatizao
abordando as legislaes sanitrias da atuao profissional farmacutica
34
(Mendona e Leite 2008). Com o amadurecimento da prtica pedaggica, esta
estratgia tomou outros rumos e outras abordagens.
A prtica teatral funciona como espao e tempo de integrao entre aluno-
aluno e aluno-professor, pois existe atuao para todos os sujeitos. Pode ampliar as
possibilidades de avaliao, diminuindo o peso conferido s tradicionais provas
escritas. A atividade teatral proporciona o espao de aprendizagem tanto para quem
constri o roteiro, bem como para quem atua e para quem assiste. A platia acaba
se envolvendo com a dinmica do teatro e a aprendizagem acontece de forma
ldica e prazerosa (Montenegro et al., 2005). Isto , o teatro pode transformar os
aspectos da aprendizagem em uma experincia ldica, como uma forma que integre
educadores/as e alunos no cotidiano da sala de aula (Castilhos, 2007).
Existem ampla bibliografia e estudos dedicados ao tema do uso do teatro na
educao, sobre os mais variados aspectos. Muniz (1993) discute a similaridade
das estratgias de ensino tidas (aulas meramente expositivas) como convencionais
com as atividades teatrais, das quais os atores tomam parte, tais como o jri
simulado, role-playing games, painel integrado e aula-introspectiva. Como toda a
atividade que envolve artes, h o desenvolvimento da percepo, da criatividade e
da observao, fato que pode auxiliar no processo educativo.
A atividade teatral, desenvolvendo essas habilidades, permite ao aluno fazer
relaes entre contedos, entre cincia e questes sociais, como tambm
proporcionar a coragem para se arriscar, descobrir e enunciar a sua crtica,
expondo sua forma de pensar (Oliveira e Zanetic 2005). Aredes et al. (2004)
corroboram este pensamento e apontam que o Teatro uma rea onde se pode
operar o aprofundamento da percepo, criando maneiras de observar que podem
mais tarde ajudar na transformao humana, j que os grandes problemas da
representao