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Page 1: Educar sem Bater

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22 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, terça-feira, 17 de novembro de 2009

O discurso de quebater é necessárioé egoísta, já quefaz bem apenaspara o adulto, que não precisadedicar muitomais tempo e esforçoconversando com a criança”

Mario Volpi, coordenador no Brasil doPrograma de CidadaniaAdolescente do Unicef

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Leia a íntegra do relatório (em espanhol);ouça entrevistas com a deputada Maria do

Rosário e com Mario Volpi, do Unicef; eparticipe de enquete sobre o tema

Tapa, beliscão ou chinelada.A maioria dos pais já teveque apelar para castigos fí-sicos na hora de impor li-

mites aos filhos. Entretanto, umapesquisa da Comissão Interame-ricana de Direitos Humanos (CI-DH) divulgada recentemente con-dena o uso da força como formade educação. Intitulado Relatóriosobre o castigo corporal e os direi-tos humanos de crianças e adoles-centes 2009, o estudo afirma que,mesmo de forma moderada, me-didas desse tipo podem ser preju-diciais para o desenvolvimentodas crianças. Segundo os especia-listas, os malefícios do castigo vãodesde a diminuição da criativida-de até a baixa da autoestima.

O coordenador no Brasil doPrograma de Cidadania Adoles-cente do Fundo das Nações Uni-das para a Infância (Unicef), Ma-rio Volpi, acredita que os castigosfísicos são uma forma de violên-cia doméstica. “O castigo físico,mesmo em pequena escala, geraimpactos negativos na autoesti-ma e na autonomia da criança”,diz. Para ele, a solução está nodiálogo. “O discurso de que bateré necessário é egoísta, já que fazbem apenas para o adulto, quenão precisa dedicar muito maistempo e esforço conversandocom a criança. Batendo, ele achauma solução muito mais rápida efalsamente eficaz”, completa.

Outra organização que atestaos malefícios dos castigos físicospara os pequenos é a organizaçãonão governamental sueca Save

Educar sem bater

Estudo internacional aponta que os castigos físicos, mesmo de forma moderada, podem prejudicar o desenvolvimento da criança, afetando a autoestima e a criatividade. Especialistas dizem ser fundamental insistir no caminho do diálogo

Projeto parado na Câmara

De acordo com o Relatóriosobre o castigo corporal e os di-reitos humanos de crianças eadolescentes 2009, da ComissãoInteramericana de Direitos Hu-manos (CIDH), apenas 24 paísesem todo o mundo possuem leisque proíbem o castigo físico ehumilhante, entre eles o Uru-guai e a Venezuela. Outros paí-ses, como o Canadá e a Nicará-gua, mantêm iniciativas de leispara a proibição do castigo físicoe da violência doméstica contracrianças, que podem ser aprova-das nos próximos anos.

No Brasil, o Projeto de Lei2654/03 pretende alterar arti-gos do Estatuto da Criança e doAdolescente (ECA) e do CódigoCivil para tornar crime a puni-ção corporal de qualquer inten-sidade contra menores de 18anos. O projeto, que ficou co-nhecido como “Lei da Palma-da”, foi aprovado na Câmara dosDeputados pelas Comissões deEducação e Cultura (CEC), Se-guridade Social e Família (CS-SF) e de Constituição e Justiça ede Cidadania (CCJC).

Com as decisões, o texto po-deria seguir direto para análisedo Senado, mas os deputadosNeucimar Fraga (PR-ES) e JairBolsonaro (PP-RJ) entraramcom recursos pedindo que aproposta também seja analisa-da em plenário da Casa. Assim,desde 2006 o projeto está para-do, aguardando a análise dessassolicitações. Autora da propos-ta, a deputada Maria do Rosário(PT-RS) pretende apresentarnovo projeto de lei e tentar fazercom que ele tramite em caráterconclusivo, ou seja, sem preci-sar ser votado no plenário daCasa. “Em todas as comissões,ele foi aprovado por unanimi-dade. Agora, vamos incorporarsugestões que foram dadas du-rante esse tempo e apresentaruma nova proposta”, comenta aparlamentar.

Segundo Maria do Rosário,que é pedagoga e especialistaem violência doméstica pelo La-boratório de Estudo da Criançada Universidade de São Paulo(USP), não existem no projetomedidas de intervenção fami-liar. “O objetivo é conscientizar apopulação do quão prejudicialpode ser educar com o uso daviolência”, completa.

the Children. De acordo com a ofi-cial para a América Latina e o Ca-ribe da entidade, Márcia Oliveira,a medida pode transmitir mensa-gens de violência. “Qualquer tipode atitude violenta transmite umamensagem errada. Quando acriança vê os pais resolvendo asquestões com um tapa ou umachinelada, ela entende que essa éuma maneira válida de lidar comconflitos e carrega isso para outrasáreas de vida”, explica.

Márcia lembra ainda que, emalguns casos, o uso da força po-de diminuir a criatividade e a cu-riosidade das crianças. “Exploraro desconhecido é muito impor-tante para o desenvolvimentosocial e motor de qualquer crian-ça. Se ela fica curiosa, mexe emalgo que não deve e acaba apa-nhando por isso, logo se sentirádesestimulada a pesquisar e des-cobrir o novo, pois teme apa-nhar novamente. Isso é uma for-ma de impedir o desenvolvi-mento pleno”, analisa.

Mesmo concordando que ométodo pode trazer prejuízos,muitos pais acreditam que,eventualmente, um tapa podeser saudável. Essa é a opinião deCássia Pacheco, mãe de Victória,10 anos, e Augusto, 7. Ela acredi-ta que em alguma situações apalmada pode servir para que osfilhos percebam a gravidade deseus atos. “Eventualmente, euacredito que ela tem o seu lugar.O que as pessoas precisam terem mente é que há certos limi-tes”, afirma a mãe.

Cássia às vezes recorre à palmada, mas condena o exagero: “Você está educando e não descontando a raiva”

outros, as manifestações voltam-se principalmente para o próprioindivíduo, como a baixa estima, aexcessiva passividade e a timidezexagerada”, explica Leslie.

Para elas, a grande falha dessemodelo está no fato de que elenão proporciona a construção dacapacidade de sentir culpa. “Acriança não aprende a se respon-sabilizar pelos próprios atos, poiseste aprendizado pressupõe queo indivíduo possa vivenciar a ex-periência de ter provocado umdano e, a partir daí, sinta a neces-sidade e as possibilidades de re-pará-lo”, completa a promotora.

Marina Praia, mãe de João, 6anos, concorda com as especialis-tas e diz que a palmada deve serevitada. Segundo ela, é necessárioter em mente a diferença entre oadulto e a criança. “Nós não po-demos esquecer que somos mui-to mais fortes que eles. Depen-dendo da situação, bater pode seruma covardia”, diz. Sobre o filho,ela afirma que nunca precisou us-ar esse recurso. “Desde pequenoeu sempre procurei conversar eexplicar. Talvez até por isso ele se-ja tão calmo. Nunca precisei batere espero nunca precisar.”

Para ela o limite é o primeirotapa. “Se você passa para a segun-da ou a terceira palmada, é por-que já está extrapolando. É preci-so lembrar que você está educan-do e não descontando a raiva nacriança”, diz Cássia, garantindoque só recorre a esse métodoquando já tentou resolver o pro-blema através do diálogo. “Quan-do eles me deixam muito nervo-sa, peço que nem cheguem perto,para evitar que eu perca a cabeçae extrapole”, completa.

Marcas psicológicasA assistente social Ludimila de

Ávila Pacheco e a promotora deJustiça de Defesa da Infância e daJuventude do Ministério Públicodo Distrito Federal e Territórios(MPDFT), Leslie Marques de Car-valho, engrossam o time de espe-cialistas que condenam os casti-gos físicos. “Eles nem sempre dei-xam marcas no corpo, mas, semdúvida, deixam marcas psicoló-gicas na pessoa. Essas marcas po-dem se manifestar de várias ma-neiras, tanto na infância e adoles-cência, quanto na fase adulta”,aponta a assistente social.

Segundo a promotora da in-fância, existem várias formas demanifestação desses prejuízos.Em alguns casos, os castigos for-mam indivíduos que estabelecemrelações conflituosas com a socie-dade. “Essas relações podem ser adelinquência, o transtorno men-tal e alguns tipos de compulsivi-dade — como o uso de drogas. Em

Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

Viola Júnior/Esp. CB/D.A Press

Marina sempre buscou conversar com o filho João: “Nunca precisei bater e espero nunca precisar”