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CULTURA E DIVERSIDADE
Cultura uma preocupao contempornea, bem vivanos tempos atuais. uma preocupao em entender osmuitos caminhos que conduziram os grupos humanos ssuas relaes presentes e suas perspectivas de futuro. O
desenvolvimento da humanidade est marcado porcontatos e conflitos entre modos diferentes de organizar avida social, de se apropriar dos recursos naturais etransform-los, de conceber a realidade e express-la. Ahistria registra com abundncia as transformaes porque passam as culturas, seja movidas por suas forasinternas, seja em consequncia desses contatos e
conflitos, mais frequentemente por ambos os motivos.Por isso, ao discutirmos sobre cultura temos sempre emmente a humanidade em toda a sua riqueza emultiplicidade de formas de existncia. So complexas asrealidades dos agrupamentos humanos e as caractersticasque os unem e diferenciam, e a cultura as expressa.
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Assim, cultura diz respeito humanidade como umtodo e ao mesmo tempo a cada um dos povos, naes,sociedades e grupos humanos. Quando se considera asculturas particulares que existem ou existiram, logo seconstata a grande variao delas. Saber em que medida asculturas variam e quais as razes da variedade dasculturas humanas so questes que provocam muitadiscusso. Por enquanto quero salientar que sempre
fundamental entender os sentidos que uma realidadecultural faz para aqueles que a vivem. De fato, a
preocupao em entender isso uma importanteconquista contempornea.
Cada realidade cultural tem sua lgica interna, a qualdevemos procurar conhecer para que faam sentido assuas prticas, costumes, concepes e as transformaes
pelas quais estas passam. preciso relacionar a variedadede procedimentos culturais com os contextos em que soproduzidos. As variaes nas formas de famlia, porexemplo, ou nas maneiras de habitar, de se vestir ou dedistribuir os produtos do trabalho no so gratuitas.Fazem sentido para os agrupamentos humanos que asvivem, so resultado de sua histria, relacionam-se com
as condies materiais de sua existncia. Entendidoassim, o estudo da cultura contribui no combate apreconceitos, oferecendo uma plataforma firme para orespeito e a dignidade nas relaes humanas.
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Notem, porm, que o convite a que se considere cadacultura em particular no pode ser dissociado danecessidade de se considerar as relaes entre as culturas.
Na verdade, se a compreenso da cultura exige que sepense nos diversos povos, naes, sociedades e gruposhumanos, porque eles esto em interao. Se noestivessem, no haveria necessidade nem motivo nemocasio para que se considerasse variedade nenhuma.
A riqueza de formas das culturas e suas relaes falambem de perto a cada um de ns, j que convidam a quenos vejamos como seres sociais, nos fazem pensar nanatureza dos todos sociais de que fazemos parte, nosfazem indagar sobre as razes da realidade social de que
partilhamos e das foras que as mantm e astransformam. Ao trazermos a discusso para to perto de
ns, a questo da cultura torna-se tanto mais concretaquanto adquire novos contornos. Saber se h umarealidade cultural comum nossa sociedade torna-se umaquesto importante. Do mesmo modo evidencia-se anecessidade de relacionar as manifestaes e dimensesculturais com as diferentes classes e grupos que aconstituem.
Vejam pois que a discusso sobre cultura pode nosajudar a pensar sobre nossa prpria realidade social. Defato, ela uma maneira estratgica de pensar sobre nossasociedade, e isso se realiza de modos diferentes e svezes contraditrios. A minha
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preocupao principal aqui contribuir para esclareceresse assunto.
Espero t-los j convencidos de que o tema importante e que vale a pena estud-lo e seguir seusdesdobramentos. tambm um tema repleto deequvocos e armadilhas. Convm desde j que situemosum de seus principais focos de confuso: por que asculturas variam tanto e quais os sentidos de tanta
variao.A partir de uma origem biolgica comum, os grupos
humanos se expandiram progressivamente, ocupandopraticamente a totalidade dos continentes do planeta.Nesse processo, o contato entre grupos humanos foifrequente, mas a intensidade desses contatos foi de formaa permitir muito isolamento, e muitas histrias paralelas
marcaram o desenvolvimento dos grupos humanos. Oaceleramento desses contatos recente, e os gruposisolados vo desaparecendo com a tendncia formaode uma civilizao mundial.
O desenvolvimento dos grupos humanos se fezsegundo ritmos diversos e modalidades variveis, noobstante a constatao de certas tendncias globais. Issose aplica, por exemplo, s formas de utilizao etransformao dos recursos naturais disponveis. No sesses recursos so heterogneos ao longo das terrashabitveis, como ainda territrios semelhantes foramocupados de modo diferente por populaes diferentes.Apesar dessa variabilidade,
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so notrias algumas tendncias dominantes. Assim, porexemplo, em vrios lugares e pocas grupos humanosinicialmente nmades e dependentes da caa e da coleta
para sua sobrevivncia passaram a se sedentarizar, isto ,a viver em aldeias e vilas, acompanhando odesenvolvimento da agricultura e a domesticao deanimais.
No apenas os recursos naturais devem ser
considerados quando se pensa no desenvolvimento dosgrupos humanos. Mais importante ainda observar que odestino de cada agrupamento esteve marcado pelasmaneiras de organizar e transformar a vida em sociedadee de superar os conflitos de interesse e as tenses geradasna vida social. Assim, por exemplo, a sedentarizao quemencionei antes no uma simples resposta s condies
dos recursos naturais. Ela s se tornou vivel porque osgrupos humanos envolvidos conseguiram reorganizar suavida social de modo satisfatrio, criando novas
possibilidades de desenvolvimento, e ao fazer issoconseguiram inclusive alterar as condies dos recursosnaturais, como a domesticao de animais e plantas pode
provar. So tambm variadas as formas de organizao
social, mas do mesmo modo h aqui tendnciasdominantes, como a de formao de poderosassociedades com instituies polticas centralizadas.
Muito j se discutiu sobre as maneiras de ordenaressas culturas de tanta variao. Para muitas
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delas, como a europeia ou a chinesa, pode-se traarlongas sequncias histricas e localizar etapas mostrandoas transformaes nas relaes da sociedade com anatureza e principalmente nas relaes de seus membrosentre si. Os esforos para colocar todas as culturashumanas num nico e rgido esquema de etapas noforam, no entanto, bem-sucedidos.
Apesar da existncia de tendncias gerais constatveis
nas histrias das sociedades, no possvel estabelecersequncias fixas capazes de detalhar as fases por que
passou cada realidade cultural. Cada cultura o resultadode uma histria particular, e isso inclui tambm suasrelaes com outras culturas, as quais podem tercaractersticas bem diferentes. Assim, falar, por exemplo,nas etapas humanas da selvageria, barbrie e civilizao
pode ajudar a entender o aparecimento da sociedadeburguesa na Europa, mas no suficiente para dar contade culturas que por longo tempo se desenvolveram forado mbito dessa civilizao.
Vamos pensar um pouco mais sobre isso. At aquiestamos falando de cultura como tudo aquilo quecaracteriza uma populao humana. Nesse caso, duas soas possibilidades bsicas de relacionarmos diferentesculturas entre si. No primeiro caso, pensa-se emhierarquizar essas culturas segundo algum critrio. Porexemplo, usando-se o critrio de capacidade de produomaterial pode-se
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dizer que uma cultura mais avanada do que outra. Ouento, se compararmos essas culturas de acordo com seucontrole de tecnologias especficas, como por exemplo astecnologias de metais, poderemos pensar que uma maisdesenvolvida do que a outra.
Na segunda possibilidade de relacionar diferentesculturas, nega-se que seja vivel fazer qualquerhierarquizao. Argumenta-se aqui que cada cultura tem
seus prprios critrios de avaliao e que para uma talhierarquizao ser construda necessrio subjugar umacultura aos critrios de outra. Por exemplo, vamos pensarem duas culturas primitivas, uma nmade praticando acaa e a coleta, outra habitando vilas e praticando aagricultura. Segundo aquele argumento, j que adomesticao de plantas da qual a agricultura resultado
no faz parte da primeira cultura, no haveria comojulg-la menos desenvolvida que a segunda, com basenesse critrio de comparao.
Cultura e evoluo
No sculo XIX foram feitos muitos estudosprocurando hierarquizar todas as culturas humanas,existentes ou extintas, e essa segunda perspectiva quemencionei acima criticou-as fortemente. Segundo asverses mais comuns desses estudos, a humanidade
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passaria por etapas sucessivas de evoluo social, que aconduziriam desde um estgio primordial onde seiniciaria a distino da espcie humana de outras espciesanimais at a civilizao tal como conhecida na Europaocidental de ento. Todas as sociedades humanas fariamnecessariamente parte dessa escala evolutiva, dessaevoluo em linha nica. Assim, a diversidade desociedades existentes no sculo XIX representaria
estgios diferentes da evoluo humana: sociedadesindgenas da Amaznia poderiam ser classificadas noestgio da selvageria; reinos africanos, no estgio da
barbrie. Quanto Europa classificada no estgio dacivilizao, considerava-se que ela j teria passado poraqueles outros estgios.
No foi difcil perceber nessa concepo de evoluo
por estgios uma viso europeia da humanidade, umaviso que utilizava concepes europeias para construir aescala evolutiva, e que alm do mais servia aos
propsitos de legitimar o processo que se vivia deexpanso e consolidao do domnio dos principais
pases capitalistas sobre os demais povos do mundo. Asconcepes de evoluo linear foram atacadas com a
ideia de que cada cultura tem sua prpria verdade e que aclassificao dessas culturas em escalas hierarquizadasera impossvel, dada a multiplicidade de critriosculturais.
Tais esforos de classificao de culturas noimplicavam apenas a justificao do domnio das
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sociedades capitalistas centrais, que naqueles esquemasglobais apareciam no topo da humanidade, sobre o restodo mundo. Ideias racistas tambm se associaram quelesesforos; muitas vezes os povos no europeus foramconsiderados inferiores, e isso era usado como
justificativa para seu domnio e explorao.Estudos sistemticos e detalhados de muitas culturas
permitiram destruir os falsos argumentos dessasconcepes preconceituosas. No existe relaonecessria entre caractersticas fsicas de grupos humanose suas formas culturais, nem tampouco a multiplicidadedas culturas implica quebra da unidade biolgica daespcie humana. A diversidade das culturas existentesacompanha a variedade da histria humana, expressa
possibilidades de vida social organizada e registra graus eformas diferentes de domnio humano sobre a natureza.
A ideia de uma linha de evoluo nica para associedades humanas , pois, ingnua e esteve ligada ao
preconceito e discriminao raciais. Por outro lado, arelativizao total do estudo das culturas desvia a atenode indagaes importantes a respeito da histria dahumanidade, como o caso da constatao de
regularidades nos processos de transformao dos gruposhumanos e da importncia da produo material nahistria dessas transformaes.
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Cultura e relativismo
Em outras palavras, substitui-se um equvoco poroutro. Consideremos um pouco mais este segundo. Elederiva da constatao de que a avaliao de cada culturae do conjunto das culturas existentes varia de acordo coma cultura particular da qual se efetue a observao eanlise; isso diria respeito a qualquer caso e no s ao da
viso europeia de evoluo social nica dos gruposhumanos; poderia ser aplicado por exemplo quelacomparao entre duas sociedades primitivas de que faleianteriormente. Verifica-se assim que a observao deculturas alheias se faz segundo pontos de vista definidos
pela cultura do observador, que os critrios que se usapara classificar uma cultura so tambm culturais. Ou
seja, segundo essa viso, na avaliao de culturas e traosculturais tudo relativo.Passa-se assim da demonstrao da diversidade das
culturas para a constatao do relativismo cultural.Observem o quanto essa equao enganosa. S se pode
propriamente respeitar a diversidade cultural se seentender a insero dessas culturas particulares nahistria mundial. Se insistirmos em relativizar as culturase s v-las de dentro para fora, teremos de nos recusar aadmitir os aspectos objetivos que o desenvolvimentohistrico e da relao entre povos e naes impe. Noh superioridade ou inferioridade de culturas ou traos
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culturais de modo absoluto, no h nenhuma lei naturalque diga que as caractersticas de uma cultura a faamsuperior a outras. Existem no entanto processoshistricos que as relacionam e estabelecem marcasverdadeiras e concretas entre elas.
O absurdo daquela equao acima referida semanifesta no fato de que enquanto a cincia social dos
pases capitalistas centrais elaborava teorias relativistas
da cultura, sua civilizao avanava implacavelmente,conquistando e destruindo povos e naes, tendo comoinstrumento uma capacidade de produo material queno nem um pouco relativa.
Vemos, pois, que a questo no s pensar naevoluo de sociedades humanas, mas fundamentalmenteentender a histria da humanidade. O sculo XIX, em
que esse confronto de ideias se consolidou, indicava oscaminhos de uma civilizao mundial em que as muitasculturas humanas deveriam inevitavelmente encontrar oseu destino, quando no seu fim. J agora a compreensodessa civilizao mundial exige o entendimento dosmltiplos percursos que levaram a ela. O estudo dasculturas e de suas transformaes fundamental paraisso. Enfatizar a relatividade de critrios culturais umaquesto estril quando se depara com a histria concreta,que faz com que essas realidades culturais se relacioneme se hierarquizem.
As culturas e sociedades humanas se relacionam demodo desigual. As relaes internacionais registram
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desigualdades de poder em todos os sentidos, os quaishierarquizam de fato os povos e naes. Este um fatoevidente da histria contempornea e no h comorefletir sobre cultura ignorando essas desigualdades. necessrio reconhec-las e buscar sua superao.
Cultura e sociedade
H muito em comum entre essas discusses sobre asrelaes entre culturas de sociedades diferentes quandose pensa sobre a cultura de uma sociedade em particular.Tambm a a variedade de formas culturais se manifesta,e sempre se coloca a questo de como tratar esse assunto.Pensem, por exemplo, numa sociedade como a brasileira.
A sociedade nacional tem classes e grupos sociais, temregies de caractersticas bem diferentes; a populaodifere ainda internamente segundo, por exemplo, suasfaixas de idade, ou segundo seu grau de escolarizao.Alm disso, a populao nacional foi constituda comcontingentes originrios de vrias partes do mundo. Tudoisso se reflete no plano cultural.
Existem realidades culturais internas nossasociedade que podem ser tratadas, e muitas vezes o so,como se fossem culturas estranhas. Isso se aplica no ss sociedades indgenas do territrio brasileiro, mastambm a grupos de pessoas
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vivendo no campo ou na cidade, sejam lugares isolados,de caractersticas peculiares, sejam agrupamentosreligiosos fechados que existem no interior das grandesmetrpoles. Pode-se tentar demonstrar suas lgicasinternas, sua capacidade de emitir pronunciamentos, deinterpretar a realidade que as produz, de agir sobre essarealidade.
importante considerar a diversidade cultural interna
nossa sociedade; isso de fato essencial paracompreendermos melhor o pas em que vivemos. Mesmo
porque essa diversidade no s feita de ideias; ela esttambm relacionada com as maneiras de atuar na vidasocial, um elemento que faz parte das relaes sociaisno pas. A diversidade tambm se constitui de maneirasdiferentes de viver, cujas razes podem ser estudadas,
contribuindo dessa forma para eliminar preconceitos eperseguies de que so vtimas grupos e categorias depessoas.
Observem que tambm no estudo de uma sociedadeparticular no faria sentido considerar de maneira isoladacada uma das formas culturais diversas nela existentes.Elas certamente fazem parte de processos sociais maisglobais. Assim, um grupo religioso, por exemplo, pormais particulares que sejam suas concepes e prticasde vida social, existe no interior de uma sociedadedinmica, cujas caractersticas e cujos problemas ele no
pode evitar. Mesmo as sociedades indgenas mais
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afastadas tm seu destino ligado sociedade nacionalque em sua expanso as envolve, coloca em risco sua
sobrevivncia fsica e cultural, conduz a mudanas emsua forma de viver e as introduz a novas concepes devida, a novas tcnicas, a um novo idioma e a novos
problemas.De modo que, no estudo da cultura em nossa
sociedade, valem as mesmas observaes feitasanteriormente em relao ao relativismo. Observem que
vivemos numa sociedade que tem uma classe dominante,cujos interesses prevalecem. Se fssemos relativizar oscritrios culturais existentes no interior da sociedadeacabaramos por justificar as relaes de dominao e oexerccio tradicional do poder: eles tambm seriamrelativos.
Assim, tanto no estudo de culturas de sociedades
diferentes quanto das formas culturais no interior de umasociedade, mostrar que a diversidade existe no implicaconcluir que tudo relativo, apenas entender asrealidades culturais no contexto da histria de cadasociedade, das relaes sociais dentro de cada qual e dasrelaes entre elas. Nem tudo que diverso o damesma forma. No h razo para querer imortalizar asfacetas culturais que resultam da misria e da opresso.Afinal, as culturas movem-se no apenas pelo que existe,mas tambm pelas possibilidades e projetos do que podevir a existir.