■Por que somos impelidos a olhar?■Qual é a fotografia que “convence”?■Como se dá a nossa relação de
identificação com a fotografia?■Como se dá a nossa relação de afeto
com a fotografia?■Por que gostamos mais de algumas
fotos e não de outras?
A imagem e a psicanálise
■ Jacques Aumont: A Imagem (2002)■ O espectador é um sujeito com afetos, pulsões e
emoções ■ Freud: dois níveis de atividade psíquica:
– Nível primário: organização dos processos do inconsciente (sintomas neuróticos, sonhos)
– Nível secundário: pensamento consciente (expressão social, civilizada, discursos racionais)
■ Na psicanálise: imagem interfere no inconsciente / imagem artística como sintoma
Arte como sintoma
■ Freud relacionava as obras de arte em seu aspecto subjetivo e realizava um estudo do seu produtor, do artista.
■ Encarava a imagem como um discurso do inconsciente: “por que querer exprimir esse estado psicológico, e não outro?”
■ Psicanalista: não interpretar o que está representado, mas o que está reprimido; não o produto final, mas as operações inconscientes de que ele traz a marca
■ Nova abordagem: a obra não é mais sintoma de uma neurose, mas é apenas uma demonstração da produção organizada segundo as regras do inconsciente em geral
“A lembrança infantil de Leonardo da Vinci”, Sigmund Freud (1910)
■ “A Sant’Ana, a Virgem e o Menino”
Jacques Lacan: imagem = imaginário identificação■ A noção do imaginário na teoria lacaniana: É a relação
do sujeito com suas identificações formadoras e a relação ilusória do sujeito com o real
■ É através das imagens que o sujeito identifica os objetos com o real (ex: espelho)
■ O sujeito se relaciona com o simbólico através de formações imaginárias
■Relação do sujeito com o simbólico é feita de duas formações imaginárias:– Objetos de desejo– Identificações
Cinema e na fotografia – matrizes do imaginário
■ Christian Metz (1977) – cinema aprofundou a noção de imaginário
■ “O cinema faz com que a percepção surja maciçamente, mas para logo deixá-la cair em sua própria ausência, que é entretanto o único significante presente.”
■ Metz – identificação do espectador em dois níveis:– “primária”: do sujeito espectador com seu próprio
olhar (“Toda imagem encontra o imaginário, provocando redes identificadoras e acionando a identificação do espectador consigo mesmo como espectador que olha”)
– “secundária”: do sujeito com elementos da imagem
Metz: dois tipos de identificação do espectador com as imagens
primária: como eu olho essa imagem?
secundária: com o que eu me identifico nessa imagem?
A pulsão escópica (Ou: por que somos impelidos a olhar?)
■ Pulsão: lugar do encontro entre uma excitação corporal e sua expressão em um aparalho psíquico que visa dominar essa excitação. Humano se guia mais pelas pulsões do que pelos instintos
■ Pulsão escópica: necessidade de ver – por meio do olhar (Jacques Lacan)
■ Olhar, diferente da visão, é realizado de modo ativo e mais ou menos deliberado
■ O cinema, ao conjugar imagem visual e narração, articula mais manifestamente o desejo e as pulsões
Dois estudos do olhar na abordagem psicanalítica (Lacan)Os olhares representados na imagem e como eles implicam no olhar do espectador (processo de identificação)
O olhar do espectador como satisfação parcial do seu voyeurismo básico (objeto de desejo)
Daniel Berehulak/The New York TImesFoto: Gabriel Reis e André Freitas /Agnews
“Jogo intersubjetivo complexo”■ De um lado, o espectador que habilita e censura o seu olhar; de
outro, os olhares trocados dentro da narrativa e os que se dirigem ao espectador (“ser apanhado”)
Laura Mulvey (1975): diferença sexual■ Laura Mulvey (1975): Diferenças entre personagens masculinos e
femininos: um é dotado do poder de olhar, outro feito para ser olhado. Mulher como imagem, homem como portador do olhar.
Angela Merkel (chanceler da Alemanha) Cristina Kirchner (ex-presidente da Argentina)
Obama em visita ao Brasil
No fotojornalismo
Imagem como fonte de afetos ■ Kant: “o sentimento de um prazer ou de um
desprazer (...) que não deixa o sujeito chegar à reflexão”
■ Wilhem Worringer (1913): Abstraktion und Einfühlung
■ “Estética psicológica” no início do século que se baseia em dois conceitos:– Abstração: produção artística decorrente de um
“querer” artístico, formas artísticas concebidas no modo da estilização geométrica, fundadas em uma relação menos ótica e mais tátil com a realidade
– Empatia (Einfühlung): com a natureza a com o mundo, a partir de uma relação feliz e identificatória com o mundo exterior
“Estética psicológica” da abstraçãoEstilo claro, inorgânico, baseado na linha reta e superfície
plana, geométrico, valores coletivos
Profunda necessidade psicológica de ordem para compensar a angústia do contato com o mundo exterior
“Estética psicológica” da empatiaNaturalismo, orgânico, fundado no arredondado e
tridimensionalidade, tendências e aspirações individuais
Arte imitativa, naturalista, provém da relação empática com o mundo
As imagens e as emoções
■ Na psicanálise, há duas abordagens sobre a emoção: neutra e desvalorizadora
– Neutra: emoção é reguladora da passagem da emoção à ação (Francis Vanoye, 1989)
– Negativa: sinal de disfunção correlata a uma baixa dos desempenhos do sujeito
“Na maioria dos casos, as imagens provocam processos emocionais incompletos, já que não já
nem passagem da emoção à ação, nem verdadeira comunicação entre espectador e imagem”
(AUMONT, Jacques)
Relação negativa das emoções com as imagens: sensacionalismo
Guerra do Vietnã por Donald McCullin.
Foto: Agência Press/2015
Relação afetiva: a foto como fetiche
■Christian Metz – várias características da fotografia facilitam a sua fetichização:– Tamanho pequeno – Interrupção do olhar que ela
provoca– Indicador de algo que foi e não é
mais – Ausência de som e movimento –
ligação simbólica com a morte– Relação com o fora-de-campo:
relação com a castração
Qual é a fotografia que “convence”?
■Retórica de Aristóteles– Ethos: a credibilidade e verossimilhança
da foto; a autoridade de quem a tira (precisamos acreditar que aquilo representa o real)
– Logos: a lógica da narrativa: harmonia entre conteúdo, enquadramento, luz
– Pathos: fotografia com apelo emocional (Valores humanos compartilhados)
Por que gostamos de algumas fotografias e não de outras?
■ Roland Barthes: A Câmara Clara (1980) – teoriza a relação do espectador com a imagem fotográfica– Foto do fotógrafo: studium – a informação
contida na foto, sinais objetivos, campo codificado intencionalmente
– Foto do espectador: punctum – o acaso, associações subjetivas, descobrir na foto um objeto parcial de desejo não-intencional, identificação
“Cada espectador se investirá de forma singular ao apropriar-se de certos elementos da foto que serão, para ele, como pequenos pedaços destacados do real. A foto satisfaz,
assim, em particular, a pulsão escópica, já que permite ver mas também olhar.” (AUMONT, p.
128)
Studium■ O studium possui afeto médio,
interesse geral, às vezes emocionado, emoção que passa pela cultura moral e política. “É pelo studium que me interesso por muitas fotografias, quer as receba como testemunhos políticos, quer as aprecie como bons quadros históricos” (p. 45 – 46). É um interesse “investido”, que se busca.
O presidente John F. Kennedy e o ex-presidente Dwight D. Eisenhower estão passeando em Camp David (Foto: Paul Vathis, 1962)
Studium: a grande maioria das fotos
Grevistas da Ford. (Milton Brooks, 1941)
Mulher abandonada pelo marido. (Fotos: Lilo Clareto/Reporter Brasil)
Gol do Palmeiras. (Agustin Marcarian/AP Photo)
Punctum: algo que “punge” individualmente■ O punctum não pode ser
objetivado nem universalizado, é próprio de cada espectador. “É ele que parte da cena, como uma flecha, e vem me transpassar.” Deixa uma marca. O acaso que na foto me punge, me mortifica, me fere.
Charles Clifford: Alhambra, 1854-1856
Studium x Punctum■ Mensagem “unária” do studium■ Punctum: cria-se um universo no imaginário, algo extra-campo
Criança-soldado de uma milícia na República do Congo. “The Rape of a a Nation”. 2008. © Marcus Bleasdale/VII Photo Agency
“Estou deprimido, sem telefone, sem dinheiro para
pagar a renda, sem dinheiro para ajudar ao sustento da
minha criança, sem dinheiro para pagar as dívidas, sem dinheiro! Sou assombrado pelas vívidas memórias de
mortes e cadáveres e raiva e dor, de crianças feridas e
esfomeadas, de loucos que assassinam alegremente,
alguns deles polícias (…). A dor de viver ultrapassa a
alegria ao ponto em que esta deixa de existir.”
(Bilhete de Kevin Carter, 27/07/1994)
Foto: Guy Adams