3 Hidráulica e Hidrologia
1. CONCEITOS BÁSICOS Uma classificação geral básica, que norteia o estudo da hidráulica, diz
respeito à pressão no conduto, podendo o escoamento ser forçado ou livre. No
conduto forçado, a pressão interna é diferente da pressão atmosférica. Nesse tipo
de conduto, as seções transversais são sempre fechadas e o fluido circulante as
enche completamente. O movimento pode se efetuar em qualquer sentido do
conduto como o caso da rede de abastecimento urbana de água entre outros
sistemas.
Figura 1.1: Travessia área da adutora de Figura 1.2: Construção da adutora de água
água bruta do sistema Marrecas – RS. bruta de Manaus.
Fonte: Jornal Observatório – 28/01/2013 Fonte: http://www.ncpam.com.br/2009/11/construcao-
da-adutora-de-agua-da-zona.html
Em condutos livres o líquido escoante apresenta superfície livre, na qual atua
a pressão atmosférica. A seção não necessariamente apresenta perímetro fechado e
quando isto ocorre, para satisfazer a condição de superfície livre, a seção
transversal funciona parcialmente cheia. O movimento se faz no sentido decrescente
das cotas topográficas, por gravidade. Neste caso pode-se citar como exemplos os
canais de irrigação, ou fechado, como nas redes de coleta de esgoto sanitário que
trabalham à pressão atmosférica.
Figura 1.3: Canal de Pereira Barreto Figura 1.4: Obra de canalização do Ribeirão O maior canal navegável da América Latina Anhumas. Campinas, SP.
Fonte: Google Fonte: http://www.fec.unicamp.br
4 Hidráulica e Hidrologia
Figura 1.5: Obra do canal o cinturão das águas e interligação. Região de Cariri - Fortaleza.
Fonte: http://www.srh.ce.gov.br/notícias
1.1 Classificação dos Movimentos Nas massas fluidas em movimento é possível distinguir os seguintes tipos de
escoamento:
� Escoamento não-permanente: os elementos que definem o escoamento
variam em uma mesma seção com o passar do tempo. No instante t1 tem-se
a vazão Q1 e no instante t2 tem-se a vazão Q2, sendo uma diferente da outra.
Nas ondas de cheia, por exemplo, tem-se este tipo de escoamento.
� Escoamento permanente: é aquele em que, os elementos que o definem
(força, velocidade, pressão) em uma mesma seção permanecem inalterados
com o passar do tempo. Todas as partículas que passam por um determinado
ponto no interior da massa líquida terão, neste ponto, a qualquer tempo,
velocidade constante. O movimento permanente pode ser ainda:
� Uniforme: quando a velocidade média do fluxo ao longo de sua
trajetória é constante. Neste caso, v1 = v2 e A1= A2.
� Variado: a velocidade varia ao longo do escoamento. Pode ser
acelerado ou retardado.
1.2 Equações Fundamentais do Escoamento
Os escoamentos em sua grande maioria podem ser considerados
unidimensionais e em regime permanente, simplificando muito as equações de fluxo
normalmente utilizadas, tais como, as equações da continuidade, da quantidade de
movimento e de Bernoulli.
5 Hidráulica e Hidrologia
1.2.1 Linha de Corrente
Uma linha de corrente é a trajetória de um elemento de volume do fluido.
Enquanto esse elemento de volume se move, ele pode variar a sua velocidade em
módulo, direção e sentido. O vetor velocidade será sempre tangente á linha de
corrente. Uma consequência desta definição é que as linhas de corrente nunca se
cruzam, pois caso o fizessem o elemento de volume poderia ter uma das duas
velocidades com diferentes direções, simultaneamente.
Em um escoamento podemos isolar tubos de corrente, cujos limites são
definidos por linhas de corrente. Tal tubo funciona como um cano, porque nenhuma
partícula escapa através de suas paredes, pois justamente essas paredes definem
as linhas de corrente. Consideremos um tubo de corrente na Figura 1.6 onde o fluido
se move da esquerda para a direita.
Figura 1.6: Linha de tubo de corrente.
O tubo tem seção transversal A1 e A2 nas posições indicadas e velocidades
respectivas v1 e v2 . Observemos durante um intervalo de tempo ∆t o fluido que
cruza a área A1. A massa de fluido que atravessa essa superfície neste intervalo é
dado por ∆m1 = ρ1 ∆V1 = ρ1 A1 ( v1 ∆t ). Como não existe fonte ou sorvedouro de
massa entre A1 e A2 , essa mesma massa de fluido atravessará a superfície A2 e
será dado, nesse caso, por: ∆m2 = ρ2 ∆V2 = ρ2 A2 ( v2 ∆t ) onde concluímos que: ρ1
A1 v1 = ρ2 A2 v2 ou seja: ρ A v = constante ao longo de um tubo de corrente. Algumas
vezes a equação anterior é chamada de equação de continuidade para escoamento
de fluidos. Como as linhas de corrente não se cruzam, elas se aproximam uma das
outras à medida que o tubo de corrente diminui a sua seção transversal. Desse
modo o adensamento de linhas de corrente significa o aumento da velocidade de
escoamento.
6 Hidráulica e Hidrologia
1.2.2 Equação da Continuidade
A equação da continuidade é a equação da conservação da massa expressa
para fluidos incompressíveis (massa específica constante). Em um tubo de corrente
de dimensões finitas, a quantidade de fluido com massa específica 1
ρ que passa
pela seção 1
A , com velocidade média 1
v , na unidade de tempo é 11 1 1
mv A
tρ= ⋅ ⋅ .
Por analogia, na seção 2 tem-se 22 2 2
mv A
tρ= ⋅ ⋅ .
Em se tratando de regime permanente a massa contida no interior do tubo é
invariável, logo:
1 1 1 2 2 2v A v Aρ ρ⋅ ⋅ = ⋅ ⋅ , com Esta é a equação da conservação da massa. Tratando-se de líquidos, que
são praticamente incompressíveis, 1ρ é igual a 2ρ .
Então, 1 1 2 2 n nv A v A v A⋅ = ⋅ = ⋅ e v A Q⋅ = . A equação da continuidade mostra
que, no regime permanente, o volume de líquido que, na unidade de tempo,
atravessa todas as seções da corrente é sempre o mesmo.
1.2.3 Equação de Bernoulli para fluido ideal • Para fluido ideal
Na dedução deste teorema, fundamentada na Equação de Euler, foram
consideradas as seguintes hipóteses:
• o fluido não tem viscosidade;
• o movimento é permanente;
• o escoamento se dá ao longo de um tubo de fluxo e,
• o fluido é incompressível.
Figura 1.7: Escoamento em um tubo.
7 Hidráulica e Hidrologia
De modo simplificado temos que,
2 22 1 1 2
1 2
2 21 1 2 2
1 2
2 2
tan2 2
v v P Pz z
g g
P v P vz z cons te
g g
γ γ
γ γ
− = − + −
+ + = + + =
Este é o teorema de Bernoulli, que se anuncia: “Ao longo de qualquer linha de
corrente é constante a somatória das energias cinética (2
2v
g ), piezométrica (
P
γ ), e
potencial (z)”. O Teorema de Bernoulli não é senão o princípio da conservação de
energia. É importante notar que cada um desses termos pode ser expresso em
unidade linear, constituindo o que se denomina “carga” ou altura ou energia por
unidade de peso.
• Para fluido real
A experiência mostra que, em condições reais, o escoamento se afasta do
escoamento ideal. A viscosidade dá origem a tensões de cisalhamento e, portanto,
interfere no processo de escoamento. Em consequência, o fluxo só se realiza com
uma “perda” de energia, que nada mais é que a transformação de energia mecânica
em calor e trabalho.
A equação de Bernoulli, quando aplicada a seções distintas da canalização,
fornece a carga total em cada seção. Se o líquido é ideal, sem atrito, a carga ou
energia total permanece constante em todas as seções, porém se o líquido é real,
para ele se deslocar da seção 1 para a seção 2, o líquido irá consumir energia para
vencer as resistências ao escoamento entre as seções 1 e 2.
Figura 1.8: Representação da equação de Bernoulli para fluido real.
8 Hidráulica e Hidrologia
Analisando a Figura 1.8, podemos identificar três planos:
� Plano de carga efetivo: é a linha que demarca a continuidade da altura
da carga inicial, através das sucessivas seções de escoamento;
� Linha piezométrica: é aquela que une as extremidades das colunas
piezométricas. Fica acima do conduto de uma distância igual à pressão existente, e
é expressa em altura do líquido. É chamada também de gradiente hidráulico e,
� Linha de energia: é a linha que representa a energia total do fluido. Fica,
portanto, acima da linha piezométrica de uma distância correspondente à energia de
velocidade e se o conduto tiver seção uniforme, ela é paralela à piezométrica. A
linha piezométrica pode subir ou descer, em seções de descontinuidade. A linha de
energia somente desce.
1 2
2 21 1 2 2
1 2
2 2
E E H
P v P vz z H
g gγ γ
= + ∆
+ + = + + + ∆
Quando existem peças especiais e trechos com diâmetros diferentes, as
linhas de carga e piezométrica vão se alterar ao longo do conduto. Para traçá-las,
basta conhecer as cargas de posição, pressão e velocidade nos trechos onde há
singularidades na canalização. A instalação esquematizada na Figura 1.9 ilustra esta
situação.
Figura 3.2: Perfil de uma canalização que alimenta o reservatório R2, a partir do reservatório
R1, com uma redução de diâmetro.
9 Hidráulica e Hidrologia
1.3 Posição dos Encanamentos em Relação à Linha de Carga
Plano de carga efetiva (PCE): lugar geométrico que representa a altura da coluna
de água de piezômetros instalados ao longo da tubulação, com o sistema estático
(sem escoamento.)
Plano de carga absoluta (PCA): lugar geométrico ou posição que representa a
soma do PCE com a Patm local.
Linha piezométrica efetiva (LPE): representa o lugar geométrico ao qual chegaria
a água em piezômetros, se fossem colocados ao longo da tubulação.
Linha piezométrica absoluta (LPA): é a soma de LPE (P/γ) e Patm local.
Linha de carga efetiva (LCE): lugar geométrico ou posição que representa a soma
das três cargas:
2 2
2
2 2
Na prática LCE= LPE pois tem um valor pequeno.2
P v vLCE z LCE LPE
g g
v
g
γ= + + = +
Linha de carga absoluta (LCA): é a soma de LCE e Patm local.
1.3.1 Posição das tubulações – Escoamento por gravidade
A) 1ª posição: tubulação abaixo da LPE.
10 Hidráulica e Hidrologia
Para um bom funcionamento do sistema o engenheiro deverá prever pontos
de descargas com registros para limpeza periódica da linha e eventuais
esvaziamentos. Nos pontos mais altos devem ser instaladas ventosas, que são
válvulas que permitem o escape de ar, que por ventura esteja acumulado.
B) 2ª posição: A tubulação AB tem seu desenvolvimento segundo a linha de carga
MN, isto é, acompanha a linha de carga efetiva. Em qualquer ponto, P0/γ =0. A água
não subirá em piezômetro instalado em qualquer ponto da tubulação. Mesmo tendo
o contorno fechado, o funcionamento é de conduto livre, exemplos canais e rios.
C) 3ª posição: É mostrado na Figura, onde vemos a tubulação AB com trecho EFG
situado acima da linha de carga efetiva, porém abaixo da linha de carga absoluta.
Nesta parte da tubulação, P/γ < 0, ou seja, a pressão é inferior à atmosférica. A
depressão reinante neste trecho torna o ambiente favorável ao desprendimento do
ar em dissolução no fluido circulante e à formação de vapor onde a tubulação corta
LPE mas fica abaixo de LPA
Sem problemas de escoamento.
Sem problemas de escoamento.
11 Hidráulica e Hidrologia
D) 4ª posição: A tubulação corta a linha de carga absoluta, mas fica abaixo do plano
de carga efetivo. Esta situação é a anterior, em condições piores. A vazão, além de
reduzida, é imprevisível. Os dois trechos, AEF e FGB, podem ser interligados por
uma caixa de passagem localizada em F, com o objetivo de minimizar os
inconvenientes decorrentes da situação ou escorvando-se o trecho EFG, por meio
de uma bomba, o encanamento funcionará como se fosse um sifão. As condições
são as piores que no caso anterior, pois o escoamento cessará completamente
desde que entre ar no trecho EFG, sendo necessário escorvar novamente o sifão
para permitir o funcionamento da canalização.
E) 5ª posição:A tubulação tem um trecho acima da linha de carga e do plano de
cargas efetivas, mas abaixo da linha de carga absoluta. Nesta situação o
escoamento só será possível se a tubulação for previamente escorvada e funcionará
como sifão. No trecho em que a tubulação fica acima do plano de carga efetiva, a
pressão efetiva é negativa e as condições de funcionamento são piores do que no
caso anterior.
Situação problemática
P < Patm entre E e G.
Possibilidade de entrada de
ar ou outra substância que
esteja próximo ao exterior da
tubulação Situação a ser
evitada. Solução: utilizar
reservatório de passagem.
Situação problemática
Vazão imprevisível.
Problemas de colapso e
possibilidade de contaminação
da água. Solução: evitar,
mudando o curso da
tubulação, ou instalar uma
bomba (aumento da LPE).
12 Hidráulica e Hidrologia
F) 6ª posição: O trecho do conduto está acima da linha de carga absoluta, mais
abaixo do plano de carga absoluta. Trata-se de um sifão funcionando nas piores
condições possíveis.
G) 7ª posição: tubulação corta o PCA.
Tem-se o trecho acima do plano de carga absoluta. O escoamento pela ação
da gravidade é impossível. A água somente circulará se for instalada uma bomba
capaz de impulsioná-la acima do ponto em que o conduto corta o plano de carga
efetiva. Nos próximos capítulos será estudado o bombeamento ou recalque da água.
Situação problemática
Vazão previsível. Não há
escoamento espontâneo
Entrada de ar na tubulação
estanca o escoamento.
Aplicação prática: sifão
(irrigação por sulcos)
Situação problemática
Vazão imprevisível e não
espontânea. Sifão operando
nas piores condições
possíveis.
Situação problemática
Escoamento impossível (por
gravidade). Há necessidade
de bombeamento. (Mostrar o
efeito da bomba sobre PCA,
PCE, LPA e LPE)
13 Hidráulica e Hidrologia
Exercícios Resolvidos
1.1 Em um vertedor de concreto, a profundidade na crista da barragem é de 2,30
m e as águas escoam com um velocidade de 2,10 m/s. Ao final do vertedor a a
altura da lâmina de água é de 0,40 m e a velocidade da água é de 18,0 m/s.
Desprezando as possíveis perdas que podem ocorrer pelo atrito, pede-se a altura do
vertedor. 2 2
1 1 2 21 2
2 2
1
2 2
2,1 18,0(z 2,30) 0,40
19,62 19,62
0,22 2,30 16,51 0,4
14,39
P v P vz z
g g
z
z m
γ γ+ + = + +
+ + = +
+ + = +
=
1.2. De uma pequena barragem, parte uma tubulação de 350 mm de diâmetro, com
poucos metros de extensão, havendo posteriormente uma redução para 125 mm de
diâmetro. Da tubulação de 125 mm, a água parte para a atmosfera em forma de jato.
A vazão foi medida, encontrando-se o valor de 250L/s. Desprezando-se as perdas,
calcular a pressão na seção inicial da tubulação de 350 mm e a altura de água na
barragem, da superfície ao eixo da tubulação.
Solução:
Como a vazão que passa no ponto 1 é igual a vazão no ponto 2.
14 Hidráulica e Hidrologia
1 1 1
23
1
3
1 2
1
0,35250 10
4
250 10 40,35
2,60m/s
Q v A
v
v
v
π
π
−
−
= ⋅
⋅⋅ = ⋅
⋅ ⋅=
⋅
=
2 2 2
23
2
3
2 2
2
0,125250 10
4
250 10 40,125
20,37m/s
Q v A
v
v
v
π
π
−
−
= ⋅
⋅⋅ = ⋅
⋅ ⋅=
⋅
=
Adotando o P.H.R igual a z, tem-se que z1 é igual a z2.
Logo a pressão é calculada como sendo: 2 2
1 1 2 2 2
2 21
1
1
mas 02 2
20,37 2,6019,62 19,62
21,15 0,34
20,81 m
P v P v P
g g
P
P
P
γ γ γ
γ
γ
γ
+ = + =
= −
= −
=
Mas a altura da lâmina de água é:
21 1 20,81 0,34 21,15 m
2P v
H Hgγ
= + = + ∴ =
1.3. Um sifão de seção transversal constante, é utilizado para drenar água de um
tanque, conforme na figura. Num determinado instante, chamemos de "H" há
diferença entre o nível do líquido no tanque e a saída do tubo com o qual o sifão é
construído. Se a pressão atmosférica tem valor de 1 atm e h = 50 cm, pede-se:
A) Determinar a velocidade do fluido pelo tubo;
B) Determinar a pressão no interior do tubo no ponto “B”;
C) Mostrar que se a extremidade do tubo encontra-se acima do nível do líquido no
tanque, o líquido não fluirá.
15 Hidráulica e Hidrologia
Solução:
A) A velocidade do fluido 22
22
+z , nos pontos A e C a pressão é 1 atm, portanto se anulam.2 2
+z ,como a seção transversal no ponto A é muito maior que o ponto C, 2 2
a velocidade em A pode ser despreza
c cA A
A c
cA
A c
P vP vz
g g
vvz
g g
γ γ+ + = +
+ =
2
2
da. Admitindo P.H.R no ponto C tem-se:
+ 0 e portanto, z .2
2 2 9,81 0,50 3,13 m/s2
c
A A
c
c
vz H
g
vH v gH
g
= =
= ∴ = = ⋅ ⋅ =
B) A pressão no ponto “B”. 22
5 3
5
4
+z , v =v pois o tubo tem o mesmo diâmetro.2 2
0,50 +0, mas = g e 1 atm = 1,013 10 Pa. Lembrando =1000 kg/m .
1,013 10 0,50 1000 9,81
9,63 10 Pa
c cB B
B c B C
cB
B
B
P vP vz
g g
PP
P
P
γ γ
γ ρ ργ γ
+ + = +
+ = ⋅ ⋅
= ⋅ − ⋅ ⋅
= ⋅
C) O líquido fluirá?
Se a extremidade do tubo estiver acima do nível do líquido no tanque, então
zB-zC é negativo resultando em solução imaginária e, portanto, o líquido não fluirá,
pois na equação da velocidade o H é negativo.