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paulista Humberto Pessoa, 40,é um dos muitos cartunistas brasi-leiros que encara uma tarefa nadafácil - sobreviver de desenho no

Brasil. Agora, numa manobra comum nomundo dos desenhos, ele deixa a chargee o cartoon de lado e recorre a outrosmeios, onde em eventos e exposiçõesproduz caricatura ao vivo e sob enco-menda. A mudança de estilo parece agra-dá-lo, pois segundo ele desenharpessoas desconhecidas e vê-las sorri-rem de si mesmas é algo que o diverte.Mas nem tudo é alegria. Para Humberto,muitos eventos e exposições não ban-cam sequer o material gasto e, para eles,cartunistas vivem apenas de divulgação.“Não é só disso que um cartunista oucaricaturista vive, pois se o nosso tra-balho chegou até eles é porquepagamos para anunciar”.

Como é sobreviver de desenho noBrasil?Complicado. Faço eventos de carica-tura e charges e, sempre procuro levarhumor gráfico à população. Porémisso demanda gastos com material erequer tempo. No final, ninguém querbancar, pois patrocínio não existe.Muita das vezes eu tenho de arcarcom todos os gastos, desde a molduraaté o transporte. Recentemente houveum evento de caricatura só com RockIn Roll. Conversei com o organizador eele queria deixar a exposição o mêsinteiro à vontade. Porém gostaria defazer ao menos um dia patrocinado ouvender caricatura para que pudessebancar o custo, mas não foi possível,pois eles queriam que fosse tudo degraça. Aí eu pergunto: tem divulgaçãodo meu trabalho? tem. Mas não é sódisso que um caricaturista ou cartu-nista vive. pois se o nosso trabalhochegou até eles é porque pagamospara anúnciar, e muitos pensam quevivemos exclusivamente dedivulgação.

Entrevista HUMBERTO PESSOAEFRAIM CAETANO E JOAZ NUNES

“Patrocínio não existe”O cartunista que no iníc io da carreira fazia charges a troco de cerveja diz quedesenhar no Brasi l é uma batalha constante contra a falta de apoio

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“O cartunista é umpensador, eleanalisa, expõe

sua opinião, e sódepois desenha”

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E como você obtém ganho com odesenho? Felizmente consigo obter umapoio de um ou de outro, mas não éuma tarefa fácil. Conseguir um traba-lho, por exemplo, em jornais e revistasé difícil, pois os que trabalham nestesveículos de comunicação não queremsair e, furar este bloqueio é extrema-mente complicado.

Em 2005 um desenhista publicoucaricaturas ironizando Maomé e passoua ser perseguido pelo Islã. Qual o limiteque cartunistas devem ter em relação aohumor em seus desenhos? O cartoondeste artista não foi ofensivo. Ele fezuma charge e em momento algum tevea intenção de ofender. Eu, por exem-plo, faço desenhos de gordinhos,negros e, brinco com isso tudo, inclu-sive comigo. Então se formos levarisso tudo a sério, vamos todos virarrobozinho.

De que maneira um desenhista pode lidarcom temas políticos e sociais sem setornar parcial? É difícil, pois você temde tomar partido. O cartunista é umpensador, ele analisa, expõe sua opi-nião e só depois desenha. Pelo menosos que eu conheço tomam sempre opartido da população. Se ele vê umafalha de um político, ele põe o dedo naferida. As críticas da geração do PauloCaruzo e do Glauco é maravilhosa,mas muitos cartunistas, principalmen-te a nova geração, não estão sabendousar essa ferramenta, pois de algummodo estão com medo.

O cartoon muitas das vezes serve comocrítica. Qual a importância dessa críticapara a sociedade? O cartoon é umalinguagem universal e a charge é algomais localizado e os envolvidos en-tendem, às vezes sem uma palavrasequer ,o que a imagem significa e,isso proporciona ao leitor um argu-mento crítico, onde ele expõe suaopinião, concorda ou não com oassunto abordado.

Como é a vistoria do governo em relaçãoao cartoon? O governo está nem aípara o cartoon. A constituição garan-te, desde que não ofensiva, a liberda-

de de expressão. Mas hoje você podeaté ofender, pois o governo pouco seimporta. Então é preciso conseguir umjeito de cutucar um pouco mais.

Como? A molecada nova precisa estarmais ligada e para isso é preciso lermais, acompanhar os noticiários eserem mais críticos. Já que não temosacessos para chegar ao governo e co-brar algo, vamos realizar este trabalhoatravés do desenho.

O espaço concedido pela imprensa éalgo que valoriza o trabalho de quemdesenha ou é um passa tempo para quemvê? Depende. No jornal, por exemplo,você tem vários cadernos, mas hápessoas que curtem somente uma de-terminda editoria e lê apenas aquela.Do mesmo modo é com o cartoon e acharge no jornal, revista ou internet,pois quem gosta e tem interesse vaiver, discutir e analisar o que o dese-nho quer transmitir.

Como você avalia a relação do cartunistacom a imprensa? Digo pela minha his-tória. Quando comecei a fazer chargespara jornais de bairro, fazia a troco decerveja e, era um negócio mixaria. Hojejá consigo em uma publicação cobrarpelo meu trabalho, não o que seria jus-

justo, e com isso, sempre procurotrazer um nome cada vez mais forte nomercado.

Como é a formação de um cartunista noBrasil? Os próprios cartunistas quepossuem estúdios administram aulas.Conheço dois ou três que são ótimosprofessores, mas cartoon e charge éum negócio para quem gosta de pen-sar. Henfil, por exemplo, desenhavauns tracinhos e umas bolinhas, masera algo inteligentíssimo, em que nãose via o traço e sim a idéia. Em com-pensação há uns desenhistas quefazem um baita de um desenho, masvocê olha para o desenho e não en-tende nada. Então, curso para chargee cartoon é o dia-a-dia, é você parar,pensar e trabalhar uma idéia.

Hoje há mais quantidade ou qualidade?Em caricatura há mais quantidade,pois existe muito aventureiro na cate-goria. A internet hoje ela é uma vitrinepara o mundo, então o cara faz umdesenhinho ali, coloca na internet e,fala que é caricaturista e saí venden-do o peixe, mas quando alguém o con-trata para um evento ele não cumpreprazo, atrasa e queima o filme de quemestá a 15, 20 anos na profissão. Char-ge e cartoon a turma é mais seleta,pois quando publicam um livro ouparticipam de um salão, é pessoascomo o Ziraldo que julga seu trabalho.Assim é muito melhor, pois se você fazum bom serviço as oportunidadesaparecem.

A classe dos cartunistas é organizada?Sim. É uma das poucas categorias queconheço que é organizada. Tanto éque em feiras ou eventos de grandescorporações, comunicamos uns comos outros e nivelamos o preço, pois oque vai se destacar é a qualidade dotraço.

De onde surgem as idéias do seusdesenhos? Para mim cartoon e chargesão Rock In Roll. Se você for ver, oRock é uma forma de protesto commúsica. Se você pegar um MPB, porexemplo, é um negócio mais trabalha-do e isso é como se fosse um desenho

Entrevista HUMBERTO PESSOA

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“Conseguir umtrabalho, por exemplo,em jornais e revistas é

difícil, pois os quetrabalham nestes

veículos decomunicação não

querem sair e, furareste bloqueio éextremamentecomplicado”

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mais arrumadinho. Charge e cartoon éo bate pronto, a porrada na cara. Issoé o Rock In Roll. Entã, o a meu ver,desenho é Rock. Você vive isso, parti-cipa, expõe sua opinião no papel.

Que tipo de desenho você mais gosta deproduzir; Charge, cartoon ou caricatura?Charge. Pois além de desenhar eucoloco o que estou pensando e man-do meu recado. Mas curto muito fazercaricatura em eventos, pois faço ga-nhando dinheiro e se divertindo emver pessoas que olham para a sua ca-ricatura e caem na gargalhada.

Existem hoje vários programas gráficosque permitem desenhar direto nocomputador. Você faz uso do cumputadorpara desenhar ou prefere o lápis e aprancheta? O meu computador é sópara ter contato com o mundo, ler, verfotos e verificar o e-mail. Eu até com-prei um equipamento para fazer dese-nho no computador, mas o meu traçosumiu, pois não era a pressão que eucoloco no lápis ou na caneta e sim, apressão do computador. Não gostei.Inclusive ele está guardado ali nocanto e se alguém quiser comprarestou vendendo.

O público percebe quando é na mão ouno computador? Com o tempo ele per-cebe. O Maurício de Souza, por exem-plo, ele faz anos que não desenha. Éuma equipe que desenha. Aquelascharges que passava no JornalNacional do Chico Caruzo, ele jogavaapenas a idéia, fazia o primeiro bone-co na mão e, depois sua equipe digita-lizava e fazia-se a animação. Quemassina é o Chico Caruzo, sua empresa.Então é estranho. É a mesma coisa quevocê pegar e fazer um Rock no compu-tador. Onde está a bateria, a guitarra ea corda que estava estourando. Prefiroo papel e a caneta.

Atualmente uma das suas atividades é acaricatura ao vivo. Como é estetrabalho? A caricatura ao vivo vêmdesde a Idade Média. Lá tinha o boboda corte que fazia caricatura do rei ede empregados e, o negócio dele erafazer a monarquia dar risada. A essên-

cia hoje não mudou, pois o negócio éfazer as pessoas se divertirem. Casa-mento, por exemplo, a mecânica éassim: os noivos têm suas respectivasfamílias e amigos e são duas paneli-nhas no mesmo ambiente. Geralmentesão turmas que não se conhecem,então é aquela confusão, em que osnoivos têm de cumprimentar a todos.É a hora que eu entro, pois enquantoos noivos estão lá tirando fotos euestou interagindo com os convidados.Vou em pé, escolho uma turminha ecomeço a fazer caricatura. Os que es-tão ao lado querem saber o que estáacontecendo, vêm e vê, sabe que é degraça, um desenho e começa a mos-trar a caricatura um para o outro. Aícomeça a interação. Esse é o meuprincipal objetivo em eventos. É emcinco minutinhos fazer a pessoa darrisada dela mesma com sua caricatura.

A arte do cartoon é se divertir? Sim. É ohumor através do papel e da caneta.

De todos os seus trabalhos existe umque mais te marcou? Sim. O doRonaldo. Fiz para mostrar aos amigos.Não tinha pretensão nenhuma. Osamigos gostaram e com a internet odesenho chegou até uma agência emSão Paulo onde me convidaram para

uma exposição no Shopping D. Elesqueriam 50 trabalhos para expordurante o mês da copa em 2006, masnão havia todo esse material e nãotinha tempo hábil para produzir.Felizmente, junto com a agência,conseguimos mais quatro caricaturis-tas e produzimos, mesmo de últimahora, todo o material. Dos 50 dese-nhos, 26 eram meus. A entrada princi-pal da exposição ficava o desenho doRonaldo, fora de forma, gordinhomesmo. A mídia foi cobrir e estavam láESPN, RedeTV, Rede Mulher, TvGazeta e outros jornais impressoscomo a Folha de São Paulo e oEstadão. O desenho chegou inclusivea Alemanha. Esse foi o grande Boomda minha carreira.

E como você recebeu o reconhecimentodo seu trabalho? Às vezes não cai aficha. As pessoas chegam e falam: viseu trabalho, vi você na televisão.Isso é bacana. É sinal de que estoutrabalhando, não para me aparecer,mas para o meu trabalho aparecer.Então se viram o meu trabalho, quebom, que ótimo, acho muito legal equero cada vez mais. Se esse é ocaminho e está dando certo, vamos emfrente.

Pichar é o melhor jeito de se expressarcom o desenho? Não. Pichação ébandidagem e a pessoa tem de serpunida. Esse é de longe o melhormodo de se expressar.

Seus trabalhos têm sempre algum tipo dehumor, mas se você tivesse de projetaralgo para que as pessoas fiquem tristes,como seria? Recentemente elaborei umdesenho sobre o fato daquele malucoque atirou nas crianças no Rio deJaneiro. Desenhei um quadro negro daescola e, no cantinho onde se colocao apagador, pintei uma gotinhas desangue pingando no chão e formandoo mapa do Brasil. É um traço cômico,mas a mensagem é triste. Entãotambém trabalho com isso. Trabalhocom o sentimento e, este é um modode se expressar em forma de arte.Estou triste, mas sou cartunista e esseé o meu recado.

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“Comprei umequipamento parafazer desenho no

computador, mas otraço sumiu, pois nãoera a pressão que eucoloco no lápis ou na

caneta e sim, a pressãodo computador.

Não gostei”