I CONGRESSO INTERNACIONAL DE
ESTUDOS DO DISCURSO
Mesa Temática
Dispositivos enunciativos: entre razão e emoção
Pesquisa
Patemização e discurso midiático: um estudo de
argumentação e persuasão em crônica
jornalística
Lúcia Helena Martins Gouvêa (UFRJ)
Proposta do projeto estudar o conceito de pathos em
crônicas jornalísticas publicadas no O Globo, do Rio de
Janeiro, em 2011, 2012 e 2013
Pathos tipo de prova que se constitui em levar o ouvinte
a sentir emoção por meio do discurso (Aristóteles, 2012)
Patemização categoria de efeito (Charaudeau, 2010)
Pathos efeito produzido pelo locutor no auditório
Para o estudo do pathos serão analisadas estratégias
discursivas empregadas pelo locutor para atuar sobre o
alocutário, estratégias que permitirão reconhecer as
intenções do sujeito da enunciação e vislumbrar as
possíveis consequências no que diz respeito ao público-
alvo.
Charaudeau (2000) diz que o interesse da Análise do
Discurso, com relação ao conceito de pathos, está em
estudar o processo discursivo por meio do qual as
emoções se desencadeiam
Para estudar o processo discursivo considerar as
modalidades em sentido amplo: alocutivas, elocutivas e
delocutivas
modalidades alocutivas a maneira pela qual o locutor
impõe um comportamento ao interlocutor
interpelação Pai, posso sair com meus colegas?
injunção Saia daqui!
autorização Podem falar agora.
modalidades elocutivas a maneira pela qual o locutor
revela seu ponto de vista sobre aquilo que enuncia
opinião Estou convencido de que nosso projeto será
aprovado.
apreciação Acho formidável que eles trabalhem juntos.
modalidades delocutivas modo de dizer segundo o qual
locutor e interlocutor são desligados da enunciação, no
sentido de o discurso não apresentar marcas de 1ª ou 2ª
pessoas.
asserção com suas variantes
constatação É visível que ele tem um bom temperamento
discurso relatado Ele tinha dito que o garoto era bom
aluno.
comportamentos alocutivo, elocutivo, delocutivo
conduzem ao entendimento de que estudar o pathos,
como um efeito visado, é analisar as estratégias
linguístico-discursivas usadas para emocionar o
interlocutor ou o auditório.
o efeito patêmico pode apresentar uma dupla
enunciação: uma enunciação da expressão patêmica e
uma enunciação da descrição patêmica. (Charaudeau,
2010)
enunciação da expressão patêmica é elocutiva e
alocutiva, tendo como objetivo provocar um efeito de
patemização:
(a) pela descrição ou manifestação do estado emocional
do locutor (Estou furioso);
(b) pela descrição do estado emocional em que o outro
deveria encontrar-se (Não fique furiosa).
enunciação da descrição patêmica é delocutiva,
propondo, ao destinatário, a narrativa de uma cena
dramatizante capaz de produzir um efeito patêmico (a
multidão está furiosa)
efeito visado a partir de um discurso explícito e
direto ou de um discurso implícito e indireto
discurso explícito e direto palavras pertencentes a
um universo emocional: indignação, felicidade;
reconfortante, reprovável; suavizar, irritar
discurso implícito e indireto palavras não
relacionadas ao universo emocional: manifestação,
bombardeio; roxo, grande; escrever, organizar
inferências a partir do conhecimento da situação
de enunciação narrativa: um homem pobre ganhou
a loteria / um homem rico ganhou a loteria
o efeito patêmico ainda está atrelado a três tipos de
condições
(1) o discurso produzido deve-se inscrever em um
dispositivo comunicativo em que a finalidade e os lugares
atribuídos aos parceiros de troca favorecem o surgimento
de efeitos patêmicos:
dispositivos da comunicação ficcional,
midiática e das discussões polêmicas
X
dispositivos da comunicação científica,
didática e dos debates de tipo colóquio
de peritos
(2) o campo temático deve prever a existência de um
universo de patemização e propor certa organização das
tópicas aptas a provocar o efeito patêmico.
discurso midiático tópicas da “desordem social”, da
“reparação da desordem social”
discurso publicitário tópicas da “felicidade”, do “prazer”.
(3) a instância de enunciação se valha de uma mise en
scène discursiva própria da emoção (com visada
patemizante)
Curiosa generosidade L. Garcia, 05/03/2013, O Globo
Como devem ser as relações entre órgãos do Estado e a iniciativa privada? Cordiais e
respeitosas, obviamente, mas também devidamente cautelosas, já que ele é o fiscal dela.
Essa afirmação do óbvio vem a propósito de um assunto em debate: discute-se se o
Ministério Público pode receber patrocínio de empresas particulares.
Na primeira decisão a respeito, no Conselho Nacional de Justiça, decidiu-se que
seminários e outros eventos do Judiciário podem receber, de empresas não identificadas,
até 30% dos custos de eventos, seminários e outros convescotes.
Mas existe oposição, e o assunto ainda depende do Conselho Nacional do M.P.
Há opiniões enfáticas contra e a favor. Um dos conselheiros, o advogado Almino Afonso,
usou um argumento que, para o observador leigo, parece definitivo: a Constituição, disse
ele, não permite que promotores recebam auxílio ou qualquer contribuição de entidades
privadas. Afinal de contas, o que está em questão não é o volume da ajuda e sim o fato de
que ela existe.
Não há, até agora, qualquer denúncia de influência indevida de generosos patronos em
decisões de promotores. Mas é inegável que o risco sempre existe, além do
estabelecimento de um precedente perigoso. Obviamente, não parece prudente que um
órgão público deva favores a instituições ou cidadãos que podem vir a depender de suas
decisões. E uma coisa é certa: empresários não costumam jogar dinheiro fora.
Também não existe explicação para a falta de financiamento oficial desses eventos. Ou
o governo não os considera necessários?
Não parece ser saudável o patrocínio particular de convescotes de agentes do Estado. A
generosidade é, em princípio, uma virtude. Na prática, nem sempre.
Curiosa generosidade, L. Garcia, 05/03/2013, O Globo
Dispositivo comunicativo comunicação midiática =
crônica jornalística
Temática relações entre órgãos públicos e privados
Tópica do “risco”
Tese As relações entre os órgãos do Estado e a iniciativa
privada devem ser devidamente cautelosas.
Argumentos
(1) O Estado é fiscal da iniciativa privada.
(2) A constituição não permite que promotores recebam
auxílio ou contribuição de entidades privadas.
(3) Não parece prudente que um órgão público deva
favores a instituições que podem depender de suas
decisões.
Estratégias de patemização
enunciação da descrição patêmica comportamento
delocutivo
• modalidade do discurso relatado
(...) a Constituição, disse ele, não permite que promotores
recebam auxílio ou qualquer contribuição de entidades
privadas.
• modalidade da asserção
Não há, até agora, qualquer denúncia de influência indevida
de generosos patronos em decisões de promotores. Mas é
inegável que o risco sempre existe, além do estabelecimento
de um precedente perigoso.
orações modalizadoras
(1) Não parece ser saudável o patrocínio particular de
convescotes de agentes do Estado.
(2) Não há, até agora, qualquer denúncia de influência
indevida de generosos patronos em decisões de promotores.
Mas é inegável que o risco sempre existe (...).
(3) E uma coisa é certa: empresários não costumam jogar
dinheiro fora.
expressões adverbiais
(...) Obviamente não parece prudente que um órgão público
deva favores a instituições ou cidadãos que podem vir a
depender de suas decisões.
Discurso explícito e direto
• palavras pertencentes a um universo emocional
(1) cautelosa Como devem ser as relações entre órgãos
do Estado e a iniciativa privada? (...) devidamente cautelosas.
(2) oposição (...) decidiu-se que seminários e outros
eventos do Judiciário podem receber, de empresas não
identificadas, até 30% dos custos de eventos, seminários e
outros convescotes. Mas existe oposição, e o assunto ainda
depende do Conselho Nacional do M.P.
(3) risco; perigoso Não há, até agora, qualquer denúncia
de influência indevida de generosos patronos em decisões de
promotores. Mas é inegável que o risco sempre existe, além
do estabelecimento de um precedente perigoso.
Discurso implícito e indireto
• palavras não relacionadas ao universo emocional, mas
que podem provocar um efeito patemizante
(1) Como devem ser as relações entre órgãos do Estado e
a iniciativa privada? (...) devidamente cautelosas, já que ele
é o fiscal dela.
(2) Não parece ser saudável o patrocínio particular de
convescotes de agentes do Estado.
• expressões e enunciados que podem produzir efeitos
patemizantes
(1) Como devem ser as relações entre órgãos do Estado e
a iniciativa privada? Cordiais e respeitosas, obviamente,
mas também devidamente cautelosas, já que ele é o fiscal
dela. Essa afirmação do óbvio vem a propósito de um
assunto em debate.
(2) (...) no Conselho Nacional de Justiça, decidiu-se que
seminários e outros eventos do Judiciário podem receber,
de empresas não identificadas, até 30% dos custos de
eventos (...). Há opiniões enfáticas contra e a favor.
(3) Não há, até agora, qualquer denúncia de influência
indevida de generosos patronos em decisões de
promotores.
(4) Obviamente, não parece prudente que um órgão público
deva favores a instituições ou cidadãos que podem vir a
depender de suas decisões.
(5) A generosidade é, em princípio, uma virtude (logo está a
serviço do bem).
Na prática, nem sempre (logo não está sempre a serviço do
bem).
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REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES. Retórica. São Paulo: WMF Martins Fontes,
2012.
CHARAUDEAU, Patrick. Grammaire du sens et de
l’expression. Paris: Hachette, 1992.
______. Para uma nova análise do discurso. In: CARNEIRO,
A.D. O discurso da mídia. Rio de Janeiro: Oficina do Autor,
1996.
_____. Uma análise semiolinguística do texto e do discurso.
Tradução de CORRÊA, Ângela Maria da Silva do original da
Revista Langages, mars, 1995. In.: PAULIUKONIS, M.A.L. e
GAVAZZI, S. (orgs.). Da língua ao discurso: reflexões para o
ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005, p. 11-29.
______. O discurso das mídias. São Paulo: Contexto, 2006.
______. Pathos e discurso político. In: MACHADO, I.L.,
MENEZES, W. E MENDES, E. (orgs.) As emoções no
discurso. v. I. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007.
______. Linguagem e discurso: modos de organização. São
Paulo: Contexto, 2008.
______. A patemização na televisão como estratégia de
autenticidade. In: MENDES, E. e MACHADO, I.L. (orgs.) As
emoções no discurso. v. II. Campinas: Mercado das Letras,
2010.
EMEDIATO, Wander. As emoções na notícia. In: MACHADO,
I.L., MENEZES, W. E MENDES, E. (orgs.) As emoções no
discurso. v. I. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007.
PLANTIN, Christian. As razões das emoções. In: MENDES,
E. e MACHADO, I.L. (orgs.) As emoções no discurso. v. II.
Campinas: Mercado das Letras, 2010.